Reflexoes sobre o futuro da palestina 3

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REFLEXÕES SOBRE O FUTURO DA PALESTINA (3) - A sempiterna questão A 11 de novembro 2011, quando a AJANorte lançou o desafio de pensar no futuro da Palestina, a data não podia ter sido mais acertada para a tertúlia com o tema formulado sob a forma de uma pergunta «Palestina: que futuro?», porque o dia 11 de novembro marca o momento histórico prévio aos encontros que tiveram lugar entre 12 a 15 de novembro de 1988, que levaram à declaração de independência do Estado da Palestina 1 , e relembra o dia em que Yasser Arafat faleceu em 2004. Quando cidadãos comuns procuram pensar sobre o futuro da Palestina, estão confrontados com uma complexificação deliberada que tem vindo a ser construída desde o final da primeira guerra mundial com a aplicação dos princípios colonizadores praticados pelo mundo ocidental. Esta complexificação oblitera as questões humanas, ilude e confunde os cidadãos, que se deparam com uma série de questionamentos envolvendo, por um lado, o que se pode consultar da História do mundo e, por outro lado, o que nos chega pelos meios de comunicação regulares e/ou alternativos que vão «atualizando» os dados sobre a questão, quer sejam notícias, quer sejam artigos de opinião ou de análise de informação. Neste contexto, um texto, datado de 27 de janeiro de 2012, acerca do «convite» 2 para visitar as colónias da Cisjordânia, portanto em território ilegalmente 3 ocupado, feito por Israel, a mais de 70 jornalistas dos principais media é extremamente revelador de uma preocupação insistente com a opinião pública. 1 A declaração de independência foi preparada pelo poeta Mahmoud Darwish, membro da CEOLP, e lida por Yasser Arafat no 19º congresso nacional palestino. Os limites do estado, totalmente sob ocupação israelita, não são indicados. Esta declaração revela a aceitação das resoluções 181 e 242 e reconhece o direito de existência de Israel, sem todavia reconhecer Israel e rejeita todas as formas de terrorismo. (Transcrição do texto integral ) 2 Ler : «International Media Complicit in Legitimization of Israeli Settlements » ou «Les médias internationaux se rendent complices de la légitimation des colonies israéliennes » 3 A ilegalidade foi estabelecida pelo Tribunal Internacional de Justiça em julho de 2004 e vem estipulada no parágrafo 6 do Artigo 49 da Quarta Convenção de Genebra .

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REFLEXÕES SOBRE O FUTURO DA PALESTINA (3) - A sempiterna questão

A 11 de novembro 2011,

quando a AJANorte lançou o desafio

de pensar no futuro da Palestina, a

data não podia ter sido mais acertada

para a tertúlia com o tema formulado

sob a forma de uma pergunta

«Palestina: que futuro?», porque o

dia 11 de novembro marca o

momento histórico prévio aos

encontros que tiveram lugar entre 12 a 15 de novembro de 1988, que levaram à declaração de

independência do Estado da Palestina1, e relembra o dia em que Yasser Arafat faleceu em

2004.

Quando cidadãos comuns procuram pensar sobre o futuro da Palestina, estão

confrontados com uma complexificação deliberada que tem vindo a ser construída desde o

final da primeira guerra mundial com a aplicação dos princípios colonizadores praticados pelo

mundo ocidental. Esta complexificação oblitera as questões humanas, ilude e confunde os

cidadãos, que se deparam com uma série de questionamentos envolvendo, por um lado, o que

se pode consultar da História do mundo e, por outro lado, o que nos chega pelos meios de

comunicação regulares e/ou alternativos que vão «atualizando» os dados sobre a questão, quer

sejam notícias, quer sejam artigos de opinião ou de análise de informação. Neste contexto, um

texto, datado de 27 de janeiro de 2012, acerca do «convite»2 para visitar as colónias da

Cisjordânia, portanto em território ilegalmente3 ocupado, feito por Israel, a mais de 70

jornalistas dos principais media é extremamente revelador de uma preocupação insistente com

a opinião pública. 1 A declaração de independência foi preparada pelo poeta Mahmoud Darwish, membro da CEOLP, e lida por Yasser Arafat no 19º congresso nacional palestino. Os limites do estado, totalmente sob ocupação israelita, não são indicados. Esta declaração revela a aceitação das resoluções 181 e 242 e reconhece o direito de existência de Israel, sem todavia reconhecer Israel e rejeita todas as formas de terrorismo. (Transcrição do texto integral)

2 Ler : «International Media Complicit in Legitimization of Israeli Settlements» ou «Les médias internationaux se rendent complices de la légitimation des colonies israéliennes» 3 A ilegalidade foi estabelecida pelo Tribunal Internacional de Justiça em julho de 2004 e vem estipulada no parágrafo 6 do Artigo 49 da Quarta Convenção de Genebra.

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Pensar no futuro da Palestina poderá ser extremamente fácil se nos circunscrevemos a

questões que dizem exclusivamente respeito a assuntos prementes da nossa humanidade, tais

como o direito à autodeterminação dos povos, o respeito pela Declaração Universal dos

Direitos Humanos e das leis internacionais. É nestes assuntos que nos devemos concentrar.

Assim, é fácil verificar que as questões de segurança e de defesa reiteradas por Israel, assim

como o seu total desprezo pelas leis internacionais4 e os medos propagados e implementados

mundialmente pelos EUA, após o dia 11 de setembro de 2001, retiraram os direitos

fundamentais aos palestinos. Esta supressão sistemática tem vindo a estar sempre na ordem do

dia e na ordem de trabalho das grandes potências e de Israel que procura sempre desviar as

atenções para problemas envolvendo a segurança e promovendo uma atitude bélica

extremamente prejudicial para todos os seres humanos do planeta. Assim o povo palestino é

sempre uma questão secundária, uma questão adiada sistematicamente alegando assuntos mais

importantes5. Assim, é um povo destinado a «desaparecer» da região para deixar o lugar aos

Israelitas6. Pensar no futuro da Palestina é uma questão fundamental na perspetiva de uma

abordagem histórica dos mesmos direitos tendo em conta a nossa perceção dos princípios

fundadores da nossa humanidade partilhada.

Contudo é preciso dizer que o futuro da palestina não está na agenda internacional tal

como se verifica com os 20 anos de negociações improfícuas. Primeiro, simplesmente porque

nunca foi uma prioridade, tal como revelam as sucessivas promessas incumpridas feitas aos

árabes da região7, e depois pelo desrespeito contínuo e sistemático das resoluções emitidas

pela ONU·, que envolvem exclusivamente uma ação de Israel. Estas violações podem ser

ilustradas pela resolução 2738 que admite Israel no seio da ONU, sob a condição do respeito

da resolução 194, reconhecendo-o como um «país pacífico que aceita as obrigações da Carta

[das Nações Unidas] e que é capaz de cumprir com estas obrigações». É importante referir 4O desprezo pelas leis internacionais vem referido num texto de Silvia Cattori e remete para este registo elaborado pela Aljazeera. Na minha opinião estas questões põem seriamente em causa a presença de Israel no seio da ONU. (Ver esta notícia de 15 de maio de 2009 e o respetivo texto de Ban ki Moon no 60ª aniversário da admissão de Israel na ONU datado de 11 de maio de 2009 onde é relembrada a admissão sob condição de respeito da resolução 194. Contudo, sobre este assunto, é preciso notar que a respetiva declaração não se encontra referida nos sites oficiais da ONU). Por outro lado, não devemos esquecer o desprezo pela instituição da ONU, repetidamente demonstrado por Israel, e que se pode comprovar pelo discurso de Netanyahu na ONU a 22 de setembro de 2011 onde a ONU vem referida como sendo a «casa das mentiras». 5 Tal como podemos verificar com as ameaças recentemente proferidas contra o Irão. 6 Sobre este assunto basta relembrar as declarações de Moshe Feiglin em 2008. 7 A 24 de junho de 1891 notáveis de Jerusalém manifestam a sua preocupação com a chegada de judeus e as compras de terras, mas uma intervenção britânica impede que um respetivo decreto tenha efeito. A 24 de outubro de 1915 uma carta de Mc Mahon a Hussein da Meca promete uma independência árabe que nunca foi cumprida e a partir dos acordos Sykes-Picot as manifestações por uma independência árabe foram sempre reprimidas. 8Resolução 273 datada de 11 de maio 1949

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que, apesar de Israel ter aderido e se ter comprometido com a Carta das Nações Unidas em

1949, viola sistemática e repetidamente o artigo 24 da Carta da Nações Unidas que estipula:

« All [UN] Members shall refrain in their international relations from the threat or use of force against the territorial integrity or political independence of any state, or in any other manner inconsistent with the Purposes of the United Nations. » Segundo, é preciso convir que no contexto internacional atual, o futuro da Palestina

não é, de todo, uma questão de atualidade premente, ou de grande interesse para os países do

Norte, ou um «certo» mundo ocidental que passou a ser chamado o Norte (rico) por oposição

ao Sul (pobre), mesmo que esta divisão não reflita totalmente a riqueza de cada país. Podemos

comprovar este facto no último discurso do presidente norte-americano na ONU a 21 de

setembro de 20119, em que, se por um lado o discurso de Obama apenas foi um discurso de

pré-campanha, ancorado numa conceção do Mundo, nitidamente, utópica para uns e,

totalmente distópica para outros,10 por outro lado, não contempla a precisão, a correção

humanitária, tal como a necessária lucidez, e, ainda menos, a consistência e coerência

esperadas para com as suas próprias palavras sobre a questão Palestina proferidas no seu

discurso do Cairo 4 de junho de 2009. O pouco tempo que passou fez literalmente emudecer o

seu discurso. Contudo, será, sim, uma questão central e muito mais relevante (para o chamado

Norte), o futuro de Israel. Isto, por várias razões que configuram o sintomático esquecimento

histórico do ocidente.

9 Vídeo do discurso de Obama, o texto integral no Foreign Policy e uma apresentação ao pormenor no Guardian. 10 Obama louva o trabalho da ONU no sentido de «procurar a paz num mundo imperfeito». A questão da perfeição sugerida implicitamente deixa-nos perplexos. Qual será a perfeição preconizada quando podemos ler num artigo de Michel Collon que os «EUA bombardearam países 27 vezes após 1945»?