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REFORMA AGRÁRIA E PRODUÇÃO RURAL NO MUNICÍPIO DE RORAINÓPOLIS, RORAIMA - BRASIL ELISÂNGELA GONÇALVES LACERDA 1 ALEXANDRE MAGNO ALVES DINIZ 2 RESUMO O estado de Roraima constitui uma das últimas fronteiras de ocupação do espaço brasileiro. O município de Rorainópolis, localizado na microrregião Sudeste do estado, foi criado em 1995 e representa um caso emblemático, resultante das políticas governamentais implantadas na Amazônia brasileira. A origem da cidade de Rorainópolis está ligada à criação da BR-174, importante rodovia que liga Manaus à Venezuela, passando por Boa Vista, capital do estado de Roraima. A construção da rodovia, iniciada no início da década de 1970, atraiu um considerável contingente de imigrantes em busca de terra, o que levou o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária - INCRA a criar vários assentamentos. Rorainópolis possui atualmente um total de 19 assentamentos rurais, sendo o município do estado com maior quantidade deles. Em face às múltiplas intervenções, e a dificuldade de se criar um ambiente estável, produtivo e viável economicamente, a população dessas áreas apresenta uma alta mobilidade. A pesquisa teve por objetivo investigar as principais atividades produtivas desenvolvidas no meio rural do município de Rorainópolis, bem como o índice de sucesso dos assentamentos rurais. Os dados foram levantados a partir de três atividades de campo, as quais ocorreram nos anos de 2015 e 2016. Todas as estradas dos 19 assentamentos foram visitadas e as construções e produções devidamente catalogadas. Também foram utilizados dados secundários obtidos junto ao Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE e ao INCRA. Os resultados encontrados apontam que as áreas de assentamento possuem distintos estágios de atividades produtivas. No primeiro estágio encontram-se as áreas de ocupação pioneira, representam as áreas de ocupação mais recente e de mais difícil acesso. Em um estágio intermediário estão as áreas em processo de transição, onde o desmatamento é mais acentuado, as estradas já apresentam bom estado de conservação, nota-se a presença de energia elétrica e há culturas comerciais, principalmente de frutas, com destaque para os cítricos. Nesse estágio muitas casas são de alvenaria. Nos dois primeiros estágios observa-se que os lotes apresentam, em sua maioria, o tamanho padrão estabelecido durante a criação do assentamento. No último estágio, tem-se as áreas consolidadas, onde a principal atividade produtiva é a pecuária extensiva, nas quais as pastagens predominam em extensas áreas desmatadas. Verifica-se a aglutinação dos lotes e a reconcentração de terras. Nessas áreas raramente se nota a presença de residências, apesar de as estradas apresentarem bom estado de conservação e a energia elétrica estar presente. Além disso, pode-se constatar um elevado índice de lotes abandonados, os quais funcionam como reserva de valor e fator especulativo. Palavras-Chave: Geografia Agrária; Amazônia Brasileira; Assentamentos Rurais; Fronteira Agrícola. ABSTRACT 1 Professora do Programa de Pós-Graduação em Geografia da UFRR. E-mail de contato: [email protected] 2 Professor do Programa de Pós-Graduação em Geografia da PUC Minas. E-mail de contato: [email protected]

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REFORMA AGRÁRIA E PRODUÇÃO RURAL NO MUNICÍPIO DE

RORAINÓPOLIS, RORAIMA - BRASIL

ELISÂNGELA GONÇALVES LACERDA1

ALEXANDRE MAGNO ALVES DINIZ2

RESUMO

O estado de Roraima constitui uma das últimas fronteiras de ocupação do espaço brasileiro. O

município de Rorainópolis, localizado na microrregião Sudeste do estado, foi criado em 1995 e

representa um caso emblemático, resultante das políticas governamentais implantadas na Amazônia

brasileira. A origem da cidade de Rorainópolis está ligada à criação da BR-174, importante rodovia que

liga Manaus à Venezuela, passando por Boa Vista, capital do estado de Roraima. A construção da

rodovia, iniciada no início da década de 1970, atraiu um considerável contingente de imigrantes em

busca de terra, o que levou o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária - INCRA a criar

vários assentamentos. Rorainópolis possui atualmente um total de 19 assentamentos rurais, sendo o

município do estado com maior quantidade deles. Em face às múltiplas intervenções, e a dificuldade

de se criar um ambiente estável, produtivo e viável economicamente, a população dessas áreas

apresenta uma alta mobilidade. A pesquisa teve por objetivo investigar as principais atividades

produtivas desenvolvidas no meio rural do município de Rorainópolis, bem como o índice de sucesso

dos assentamentos rurais. Os dados foram levantados a partir de três atividades de campo, as quais

ocorreram nos anos de 2015 e 2016. Todas as estradas dos 19 assentamentos foram visitadas e as

construções e produções devidamente catalogadas. Também foram utilizados dados secundários

obtidos junto ao Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE e ao INCRA. Os resultados

encontrados apontam que as áreas de assentamento possuem distintos estágios de atividades

produtivas. No primeiro estágio encontram-se as áreas de ocupação pioneira, representam as áreas

de ocupação mais recente e de mais difícil acesso. Em um estágio intermediário estão as áreas em

processo de transição, onde o desmatamento é mais acentuado, as estradas já apresentam bom estado

de conservação, nota-se a presença de energia elétrica e há culturas comerciais, principalmente de

frutas, com destaque para os cítricos. Nesse estágio muitas casas são de alvenaria. Nos dois primeiros

estágios observa-se que os lotes apresentam, em sua maioria, o tamanho padrão estabelecido durante

a criação do assentamento. No último estágio, tem-se as áreas consolidadas, onde a principal atividade

produtiva é a pecuária extensiva, nas quais as pastagens predominam em extensas áreas desmatadas.

Verifica-se a aglutinação dos lotes e a reconcentração de terras. Nessas áreas raramente se nota a

presença de residências, apesar de as estradas apresentarem bom estado de conservação e a energia

elétrica estar presente. Além disso, pode-se constatar um elevado índice de lotes abandonados, os

quais funcionam como reserva de valor e fator especulativo.

Palavras-Chave: Geografia Agrária; Amazônia Brasileira; Assentamentos Rurais; Fronteira Agrícola.

ABSTRACT

1 Professora do Programa de Pós-Graduação em Geografia da UFRR. E-mail de contato: [email protected] 2 Professor do Programa de Pós-Graduação em Geografia da PUC Minas. E-mail de contato: [email protected]

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The state of Roraima constitutes one of the last frontiers of occupation of the Brazilian space. The

municipality of Rorainópolis, located in the Southeastern microregion of the state, was created in 1995

and represents an emblematic case, resulting from the government policies implemented in the Brazilian

Amazon. The origin of the city of Rorainópolis is linked to the creation of BR-174, an important highway

connecting Manaus to Venezuela, passing through Boa Vista, capital of the state of Roraima. The

construction of the highway, begun in the early 1970s, attracted a large contingent of immigrants in

search of land, which led the Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária - INCRA to create

several settlements. Rorainópolis currently has a total of 19 rural settlements, being the municipality of

the state with the largest amount of them. In view of the multiple interventions, and the difficulty of

creating a stable, productive and economically viable environment, the population of these areas

presents a high mobility. The research had as objective to investigate the main productive activities

developed in the rural environment of the municipality of Rorainópolis, as well as the index of success

of the rural settlements. Data were collected from three field activities, between 2015 and 2016. All the

roads of the 19 settlements were visited and the buildings and productions duly cataloged. Secondary

data obtained from the Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE and the INCRA were also

used. The results show that the settlement areas have different stages of productive activities. In the

first stage are the areas of pioneer occupation, represent the areas of occupation more recent and more

difficult to access. In an intermediate stage are the areas in transition, where deforestation is more

pronounced, the roads already have a good state of conservation, there is the presence of electric

energy and there are commercial crops, mainly fruits, with emphasis on citrus . At this stage many

houses are masonry. In these first two stages it is observed that the lots present, for the most part, the

standard size established during the creation of the settlement. In the last stage, we have the

consolidated areas, where the main productive activity is the extensive cattle ranching, in which pastures

predominate in extensive deforested areas. The agglutination of the lots and reconcentration of land is

verified. In these areas the presence of residences is rarely noticed, although the roads are in good

state of conservation and the electric energy is present. In addition, it can be observed a high index of

abandoned lots, which function as a reserve of value and speculative factor.

Key-words: Agrarian Geography; Brazilian Amazon; Rural Settlements; Agricultural frontier.

1. Introdução

Roraima é uma das áreas mais remotas e menos povoadas do Brasil.

Localizado no extremo Norte do Brasil, este espaço constitui para alguns a última

fronteira (SANTOS; DINIZ, 2004; SILVA, 2007; SILVA, 2008; ROCHA, 2013; ROCHA;

SILVA, 2013) a ser efetivamente colonizada e incorporada à dinâmica agropecuária,

socioeconômica e urbana do país. O desenvolvimento das relações sociais

capitalistas neste território se encontra em fase de estruturação, com uma dinâmica

espacial e temporal própria e carente de investigação.

O estado recebeu uma série de políticas públicas voltadas para a sua ocupação

(criação de colônias agrícolas, abertura da BR-174 e criação de assentamentos rurais

por meio da política de Reforma Agrária), vários de seus municípios surgiram a partir

desses investimentos. Neste contexto, o município de Rorainópolis é um caso

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emblemático. Pois, a sua ocupação se deu a partir da atração de imigrantes gerada

pela construção da BR-174. As ocupações irregulares nas margens da BR obrigaram

o Governo Federal a instalar um posto avançado do INCRA para regularizar a

distribuição dos lotes. Em 1979 foi criado o primeiro Projeto de Assentamento Dirigido

– PAD, denominado Anauá.

Desde então, vários assentamentos rurais foram criados na região. Contudo,

trata-se de uma realidade ainda muito carente de investigação. Dessa forma, o estudo

teve por objetivo analisar o processo de ocupação e produção rural nos

assentamentos instalados no município de Rorainópolis, buscando classificar as

etapas da fronteira agrícola (DINIZ, 2002) nas quais se encontram.

O artigo apresenta uma contextualização histórica acerca das políticas de

colonização implantadas no estado de Roraima, com destaque para o município de

Rorainópolis. Em seguida é apresentada a metodologia utilizada na elaboração da

pesquisa e as técnicas utilizadas na coleta dos dados. Logo após são apresentados

os resultados e a análise dos mesmos, seguida das conclusões e da lista de

referências bibliográficas consultadas.

2. Colonização e reforma agrária no estado de Roraima: o caso de Rorainópolis

Roraima passou a apresentar altas taxas de crescimento populacional a partir

da década de 1970. A construção da BR-174, a criação de colônias agrícolas e

assentamentos rurais, associado ao interesse político pela ascensão do então

Território Federal à Estado, criaram um ambiente favorável e atrativo à imigração

(DINIZ; LACERDA, 2015). Assim, as atividades rurais deram novo impulso ao

processo de colonização. A ampla distribuição de terras refletiu o interesse público em

atrair imigrantes desassistidos e sem-terra e, consequentemente, desenvolver uma

economia rural.

As primeiras colônias agrícolas do estado são implantadas na década de 1940,

pois com a criação do Território Federal do Rio Branco a demanda por alimentos

aumenta. São criadas as colônias Fernando Costa (à margem direita do Rio Mucajaí),

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Brás de Aguiar (sopé da Serra do Cantá) e Coronel Mota, na região conhecida como

Capão do Mato do Taiano, município de Boa Vista (SILVA, 2007).

O interesse político em manter os colonos na terra era expresso nas facilidades

que este buscava oferecer àqueles que dispunham a se aventurarem pela região.

Dentre elas destacam-se a doação de passagem, hospedagem, ferramentas,

sementes e mudas, além de uma renda mensal por seis meses. Com a vinda dos

primeiros colonos maranhenses era formada 107 uma rede migratória, na qual

aqueles que migraram passavam informações para amigos e parentes que

permaneciam. “Desde então, a migração em cadeia perpetuou e fortaleceu os fluxos”

(DINIZ, 2002, p. 87).

A criação das colônias agrícolas não atingiu plenamente os seus objetivos, em

função de vários fatores, tais como o desconhecimento técnico por parte dos

assentados, as condições edáficas da região e o difícil acesso das áreas produtivas

aos mercados consumidores. Até a década de 1970 o acesso à principal cidade da

região, Manaus, era realizado apenas pelo Rio Branco, o qual ficava restrito à

navegação no período de “verão”, impedindo, inclusive, o acesso de Boa Vista à

cidade de Caracaraí. Sendo que estas eram as únicas cidades do então Território

Federal. Portanto, a melhoria das condições de acesso, a partir da implantação de

eixos rodoviários, representou uma grande mudança no processo de ocupação de

Roraima e, consequentemente, na sua organização territorial.

Até a década de 1970 Roraima apresentava uma grande deficiência em sua

infraestrutura de transporte, estando praticamente isolada de outras regiões do país.

Essa realidade passou a mudar com a construção da BR-174, em 1976. Essa rodovia

é responsável por ligar Boa Vista, capital de Roraima, à Manaus, metrópole regional,

capital do Amazonas. A conclusão da rodovia só se deu em 1998, quando a mesma

passou também a ligar Boa Vista à divisa com a Venezuela (DINIZ; SANTOS, 2006).

A construção da BR-174 se estendeu por vários anos, durante os quais um

considerável contingente de trabalhadores precisou ser alojado. Para atender às

necessidades da mão de obra empregada, foram construídos acampamentos ao

longo da rodovia. No total foram instalados oito acampamentos entre as cidades de

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Manaus e Caracaí, sendo dois no estado do Amazonas e seis construídos em

Roraima. Três foram instalados na área onde atualmente encontra-se o município de

Rorainópolis, sendo eles Jundiá, Arara Vermelha e Martins Pereira (OLIVEIRA, 2007).

Silva (2007) também associa o surgimento das localidades Equador e Nova Colina

com o processo de construção de acampamentos para alojar trabalhadores e

maquinário durante a construção da BR-174.

A construção da BR-174, particularmente, favoreceu a penetração das frentes

pioneiras e o avanço da fronteira agrícola até o estado de Roraima. A construção da

rodovia promoveu o surgimento de clareiras na floresta, a partir de então, um

movimento espontâneo atraiu trabalhadores rurais em busca de terras, os quais

passaram a se instalar às margens da rodovia. Visando a regularização de tais

assentamentos, o INCRA criou um posto avançado na região. Em 1979 foi

institucionalizada a criação do Projeto de Assentamento Dirigido Anauá (PAD Anauá),

segundo maior assentamento rural do país em extensão. Nos arredores do posto do

INCRA surgem construções de residências, o lugar passa então a ser reconhecido

como “Vila do INCRA”.

A “Vila do INCRA” foi elevada à sede de município em 1995, passando então a

constituir a cidade de Rorainópolis. Atualmente, Rorainópolis é o segundo maior

município de Roraima, com uma população estimada de 29.533 habitantes (IBGE,

2018). Doravante, Rorainópolis se configura em um dos três eixos de desenvolvimento

espontâneo do estado de Roraima, acompanhado de Boa Vista e Caracaraí (SILVA;

SILVA, 2004). Some-se a isso a localização estratégica que o município possui, em

um ponto intermediário entre dois importantes centros urbanos regionais: as cidades

de Manaus e Boa Vista.

O PAD Anauá ocupava uma extensa área às margens da BR-174, contudo,

apenas 21,4% da sua área total foram ocupadas no início de sua operação. O governo

oferecia incentivo, tais como passagem e alojamento, para aqueles que se dispusesse

a receber um lote. Entretanto, as condições eram muito adversas em função da pouca

infraestrutura presente e das próprias características físicas da área.

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A extensa dimensão do assentamento, associado à sua ocupação irregular e

heterogênea fizeram com que o PAD Anauá, em 2006, fosse desmembrado em novos

projetos de assentamento. Conforme o INCRA, a divisão do PAD Anauá foi feita para

se adequar os limites territoriais à nova realidade do município, tendo em vista a

própria emancipação, de modo que a administração dos assentamentos se tornasse

mais eficiente.

3. Metodologia

Após o levantamento preliminar de informações e dados cartográficos sobre a

região, foi realizado em outubro de 2015 um trabalho de campo de reconhecimento

da área. A partir do primeiro contato com a área de estudo observou-se uma

desatualização do mapa de estradas e rodovias, o que suscitou a necessidade de

atualização da base cartográfica, com a finalidade de subsidiar o levantamento dos

dados em campo. Em função da atividade madeireira constante na região, novas

estradas foram abertas e não constavam na base de dados da Secretária de

Planejamento do Estado de Roraima - SEPLAN. Assim, durante o trabalho de campo,

com o auxílio de um GPS e o mapa de rodovias do município, foi possível ir registrando

as novas vicinais abertas.

Os dados coletados em GPS foram inseridos no software ArcGis® 10.1 e

passaram a fazer parte da base digital de estradas e rodovias do município. Ao longo

de três trabalhos de campo foram percorridas todas as estradas e rodovias do

município, com o intuito de averiguar a configuração produtiva presente nos 19

assentamentos rurais de Rorainópolis, bem como classificar em qual etapa de

evolução da fronteira agrícola eles se encontravam. O primeiro trabalho de campo foi

realizado durante os dias 15, 16 e 17 de novembro de 2015, momento no qual foram

visitadas as vicinais (estradas) dos projetos de assentamento Monte Sinai, Garapajá

e Ajuri. No período de 22 a 26 de março de 2016 foram levantados dados nos projetos

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de assentamento Jundiá, Ladeirão, Equador, Trairi, Tepurema, Sucurijú, Curupira,

Muriru, Tucumã e Campina. O último trabalho de campo foi realizado durante os dias

12, 13, 14 e 15 de abril de 2016. Momento no qual foram visitados os projetos de

assentamento Anauá, Juari, Cajú, Maguari, Pirandirá e Jenipapo.

Para auxiliar no trabalho de campo utilizou-se um mapa das estradas e rodovias

do município. As estradas apresentavam o nome, conforme a nomenclatura dada pela

SEPLAN, contudo, ao chegar à área de estudo, notou-se que os residentes não

conheciam os projetos de assentamento pelo nome e reconheciam as estradas por

vicinais e não por RPO. Essa foi uma das dificuldades metodológicas para se

promover o levantamento de dados. Assim, toda a malha viária teve a sua

nomenclatura refeita, para que pudéssemos controlar as visitas de campo.

Durante o trabalho de campo fez-se uso de uma ficha de observação, com o

objetivo de identificar as produções rurais, as condições nos assentamentos e

classificar as etapas da fronteira agrícola em pioneira, transitória ou consolidada. Com

o auxílio de um aparelho GPS foram coletadas as coordenadas geográficas de cada

lote.

Ao percorrer as vicinais dos assentamentos, foi possível identificar uma

hierarquia na ocupação e desenvolvimento produtivo das áreas. Com base em DINIZ

(2002), as áreas foram sendo classificadas como pioneiras, transitórias e

consolidadas. Os dados foram organizados em um banco de dados e posteriormente

passaram por tratamento estatístico e cartográfico e os resultados encontram-se

organizados e discutidos no tópico seguinte.

4. Resultados e discussões

A partir dos dados primários e secundários, levantados ao longo da pesquisa,

pode-se perceber que as áreas ocupadas pelos assentamentos rurais no município

de Rorainópolis apresentam características distintas. Isso demonstra a diversidade no

uso e ocupação dessas áreas. No que se refere à produtividade, foi possível observar

que poucos são os lotes efetivamente ocupados e produtivos. Isso é um reflexo da

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alta rotatividade dos assentados, em função das dificuldades encontradas para se

tornar a propriedade produtiva.

Os solos da região apresentam baixa fertilidade natural, o que demanda

conhecimentos técnicos e investimento na produção. Dados preliminares do Censo

Agropecuário (2017) apontam que, dos 1.297 estabelecimentos rurais presentes em

Rorainópolis, apenas 419 utiliza algum tipo de adubação, seja química ou orgânica.

Com relação ao financiamento da produção, apenas 134 estabelecimentos tiveram

acesso. Destes, 37 foram financiados pelo Programa Nacional de Fortalecimento da

Agricultura Familiar - PRONAF. Em relação à assistência técnica, somente 282

estabelecimentos recebem este serviço.

Com relação às atividades econômicas desenvolvidas, pode-se perceber um

predomínio da fruticultura, com várias propriedades se dedicando principalmente à

produção de açaí, cupuaçu, laranja, melancia, maracujá, limão e banana. Em uma

propriedade foi possível identificar uma pequena fábrica familiar de produção de

poupa de frutas. Outros produtos cultivados que se destacam são a mandioca,

abóbora e feijão. Mas as maiores extensões de terra são destinadas à pecuária

extensiva em pastagens naturais, com destaque para o gado de corte.

A partir das fichas de observação, utilizadas durante as atividades de campo,

foi possível classificar as vicinais de acordo com as etapas de evolução da fronteira

agrícola nas qual se encontram. O mapa presente na figura 2 ilustra as etapas da

fronteira em nas propriedades das vicinais percorridas.

Figura 2: Evolução da fronteira agrícola nos assentamentos rurais de Rorainópolis - RR

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Fonte: Organizada pelos autores

Nota-se que ao longo da BR-174 e BR-481 a fronteira já é consolidada, as

propriedades são extensas e a atividade econômica mais encontrada é a pecuária

extensiva, principalmente em pastagens naturais. As áreas em fronteira transitória

estão presentes na maioria dos assentamentos. São propriedades nas quais alguma

atividade produtiva com viés comercial está sendo desenvolvida, mas ainda não são

propriedades grandes, nem bem estruturadas. Possivelmente, muitas chegarão a ser

abandonadas ou vendidas. É comum os lotes nos assentamentos passarem na mão

de vários proprietários, em função da dificuldade de se manter a propriedade

produzindo.

As vicinais mais antigas foram abertas no período de instalação dos

assentamentos. Contudo, observa-se que os indivíduos promovem a constante

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abertura de novas estradas, seja para se apossar de novas áreas para cultivo ou para

a retirada ilegal de madeira, uma atividade muito intensa na região. Durante as

atividades de campo fomos avisados de que deveríamos transitar nas vicinais apenas

até as 18 horas, pois a partir deste horário as carretas que transportam madeira

dificultam a passagem de veículos.

Essas novas áreas de ocupação, criadas de forma irregular representam na

maioria das vezes as fronteiras pioneiras, nas quais está se iniciando o processo de

desmatamento e ocupação. Isso também é frequente no final de cada vicinal. Ao

chegarmos ao final das estradas, algumas vezes encontramos indivíduos produzindo

queimadas ou realizando o corte de árvores no meio da floresta.

Ao analisar o nível de ocupação dos projetos de assentamento podemos

perceber que o mesmo é baixo. Com base nos dados expostos na tabela 1, verifica-

se que os assentamentos mais antigos (Anauá, Equador, Ladeirão e Jundiá) possuem

um percentual maior de ocupação, são também os que se encontram já com uma

fronteira agrícola consolidada. Todavia, o PA Trairi, criado em 2008, já está na fase

consolidada da fronteira.

Tabela 1: Classificação dos assentamentos de acordo com a etapa de evolução da fronteira agrícola

Projeto de Assentamento

Criação Capacidade Famílias

assentadas Ocupação (%)

Etapa da Fronteira

PAD ANAUÁ 11/06/1979 3460 2521 72,9 Consolidada

PA EQUADOR 02/09/1992 176 167 94,9 Consolidada

PA JUNDIÁ 19/10/1995 190 161 84,7 Consolidada

PA LADEIRÃO 19/10/1995 322 231 71,7 Consolidada

PA AJURI 28/11/2006 217 43 19,8 Pioneira

PA CAJÚ 28/11/2006 118 19 16,1 Consolidada

PA CAMPINA 28/11/2006 225 75 33,3 Consolidada

PA CURUPIRA 28/11/2006 159 83 52,2 Transitória

PA GARAPAJÁ 28/11/2006 162 31 19,1 Transitória

PA JENIPAPO 28/11/2006 84 19 22,6 Transitória

PA JUARI 28/11/2006 280 25 8,9 Transitória

PA MAGUARI 28/11/2006 193 65 33,7 Transitória

PA MONTE SINAI 28/11/2006 267 34 12,7 Transitória

PA MURIRU 28/11/2006 193 53 27,5 Transitória

PA PIRANDIRÁ 28/11/2006 176 68 38,6 Transitória

PA SUCURIJÚ 28/11/2006 320 114 35,6 Pioneira

PA TEPUREMA 28/11/2006 150 28 18,7 Consolidada

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PA TUCUMÃ 28/11/2006 225 71 31,6 Consolidada PA TRAIRI 15/09/2008 73 29 39,7 Consolidada

Fonte: Elaborado pelos autores a partir de dados do INCRA (2017) e coletas em campo

Os assentamentos que se encontram em fase transitória apresentam baixos

índices de ocupação, com destaque para o PA Juari, no qual apenas 8,9 dos lotes

estão ocupados com assentados da Reforma Agrária. Cabe destacar que, esse baixo

índice de ocupação corresponde à ocupação regular cadastrada pelo INCRA.

Todavia, sabe-se que muitos lotes são vendidos e apropriados de forma irregular. Isso

foge ao controle e fiscalização por parte do INCRA. Além disso, muitos lotes são

aglutinados, criando amplas propriedades e promovendo a reconcentração da terra.

Nessas áreas a atividade predominante é a pecuária bovina extensiva.

As etapas da fronteira agrícola aqui identificadas são uma constante no

processo de ocupação da Amazônia. A frente pioneira chega, geralmente constituída

por imigrantes despossuídos em busca de terra. Promovem a derrubada da floresta

em uma pequena área, instalam um pequeno casebre de madeira e se dedicam a

pequenos cultivos para a substância. Em seguida essa propriedade é vendida, e o

pioneiro passa a abrir outra frente de colonização, se inicia um cultivo com objetivo

comercial. Em Rorainópolis observou-se que estes cultivos são geralmente frutas. Em

seguida essa propriedade tende a ser novamente vendida ou abandonada, porque os

nutrientes do solo foram exauridos. Pelo terreno já estar desmatado e limpo, essa

propriedade é aglutinada por outra para ser destinada à pastagem para o gado.

Esse tem sido um ciclo vicioso que acarreta a não fixação do homem no meio

rural, em função da sua impossibilidade de criar meios produtivos eficazes nos lotes

que recebe. A ampla oferta de terra facilita a rotatividade e a abertura de novas frentes

de colonização, o que é altamente prejudicial ao meio ambiente. As novas áreas

abertas a colonização são na maioria das vezes apropriadas por indivíduos que

dominam o capital e as utiliza como reserva de valor.

5. Conclusões

A partir dos dados obtidos foi possível constatar que os assentamentos rurais

do município de Rorainópolis apresentam baixos índices de ocupação. Em função de

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vários fatores, tais como a baixa fertilidade natural do solo, as dificuldades de acesso

e a ampla oferta de terras faz com que a maioria dos assentados abandonem ou

vendam os seus lotes. Isso tem culminado na reconcentração de terra.

Foi possível identificar três fases da fronteira agrícola na região, sendo elas

pioneira, transitória e consolidada. A maior parte dos assentamentos já se encontram

em fase consolidada, principalmente os mais antigos, ou em fase transitória. Contudo,

foi possível identificar áreas pioneiras, nas quais o processo de colonização ainda se

encontra no início. Notou-se que nas áreas consolidadas predominam extensas

propriedades destinadas à pecuária extensiva, tendo os pequenos proprietários sido

obrigados a abandonar ou vender os seus lotes e ir em busca de uma nova frente

pioneira.

Além disso, foram verificadas extensas áreas desmatadas e cercadas, mas

sem nenhuma atividade aparente. Trata-se de terra sendo utilizada como reserva de

valor e para fins especulativos e que, portanto, não estão tendo a sua função social

respeitada. Isso é um fator preocupante, tendo em vista que novas frentes pioneiras

vão sendo abertas a partir do desmatamento de amplas áreas, mesmo tendo áreas já

desmatadas que poderiam estar sendo destinadas à produção.

É uma região com uma dinâmica de uso e ocupação muito intensa e volátil. O

mais novo fenômeno rural no estado de Roraima é a penetração da monocultura de

soja. Certamente isso influenciará na valorização da terra e, consequentemente, na

expansão da abertura de frentes pioneiras de ocupação. É uma realidade que

demanda novos estudos para que se possa elucidar melhor as relações de

apropriação da terra que ocorrem nessa região do país.

6. Referências Bibliográficas

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