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Universidade do Estado do Pará Centro de Ciências Sociais e Educação Programa de Pós-Graduação em Educação – Mestrado Regiane de Assunção Costa A CRIANÇA NEGRA: as representações sociais de professores de educação infantil Belém – PA 2013

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Universidade do Estado do ParáCentro de Ciências Sociais e EducaçãoPrograma de Pós-Graduação em Educação – Mestrado

Regiane de Assunção Costa

A CRIANÇA NEGRA: as representações sociaisde professores de educação infantil

Belém – PA2013

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Regiane de Assunção Costa

A CRIANÇA NEGRA: as representações sociaisde professores de educação infantil

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação – Mestrado daUniversidade do Estado do Pará como requisitopara obtenção do título de Mestre em Educação.Linha de Pesquisa: Formação de Professores.Orientadora: Profª. Drª. Tânia Regina Lobato dosSantos.

Belém – PA2013

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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação

Biblioteca do Centro de Ciências Sociais e da Educação – UEPA

C837c Costa, Regiane de Assunção

A criança negra: as representações sociais de professores de educação infantil / Regiane de

Assunção Costa; Orientadora: Tânia Regina Lobato dos Santos. Belém, 2013.

194 f.; 30 cm

Dissertação (Mestrado em Educação) – Universidade do Estado do Pará, 2013.

1. Professores - Formação 2. Representações sociais 3. Criança negra – Educação infantil. 4.

Prática pedagógica I. Santos, Tânia Regina Lobato dos (Orient.) II. Título.

CDD: 21 ed. 371.12

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Regiane de Assunção Costa

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação – Mestrado daUniversidade do Estado do Pará como requisitopara obtenção do título de Mestre em Educação.Linha de Pesquisa: Formação de Professores.Orientadora: Profª. Drª. Tânia Regina Lobato dosSantos.

Data da Defesa: ____/ _____/ ____.

Banca Examinadora

________________________________________________ - OrientadoraProfª Drª Tânia Regina Lobato dos SantosUniversidade Estadual do Pará - UEPA

________________________________________________ - ExaminadoraProfª Drª Ivanilde Apoluceno de OliveiraUniversidade Estadual do Pará - UEPA

________________________________________________ - ExaminadoraProfª. Drª. Ivany Pinto NascimentoUniversidade Federal do Pará - UFPA

Belém – PA2013

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Dedico este trabalho aos meus pais

Lucival Assunção e Maria de Fátima

Assunção pelo exemplo de amor e

sabedoria.

Ao meu esposo Marcos Costa por

compartilhar comigo a realização deste

projeto de vida.

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AGRADECIMENTOS

À Deus, meu maior Mestre, por ter me dado força, fé e sabedoria para chegar

até aqui.

À Profª Drª Tânia Regina Lobato dos Santos, por ter acolhido este trabalho,

pelas orientações necessárias ao desenvolvimento desta pesquisa, pela forma

humana que estabeleceu a interlocução com esta pesquisa e principalmente pela

sensibilidade e serenidade nos momentos mais difíceis desta caminhada. Muito

Obrigada!

A todos os professores do Programa de Mestrado em Educação da UEPA

pelo diálogo teórico e pelos vínculos de amizade.

A secretaria do mestrado, em especial ao Jorginho que sempre está

disponível em nos ajudar.

A todos os colegas da turma de 2010, por compartilharem os conhecimentos,

as alegrias, tristezas, angústias, mas acima de tudo por acreditarem no potencial

uns dos outros. Em especial, a minha querida amiga Milena, companheira de

TODAS as horas (madrugas também!!!) um presente enviado por Deus, obrigada

por TUDO. Agradeço ainda as amizades construídas no decorrer desta caminhada:

Cléo, Wal, Francy, Selma, Adailson, Rose, July, Felipe, Claudete obrigada pelo

carinho, admiro todos vocês.

À Profª Drª Ivanilde Apoluceno pelas contribuições nas aulas de epistemologia

que muito me ajudaram na produção teórico-metodológica desta pesquisa, pela

interlocução realizada durante a produção deste estudo e também por aceitar

participar na banca examinadora, suas contribuições foram determinantes para a

tessitura deste trabalho.

À Profª Drª Ivany Pinto, por ter aceitado gentilmente participar da banca

examinadora, bem como pela disponibilidade em ler e contribuir com este trabalho,

meus sinceros agradecimentos.

Aos meus pais Lucival Lopes de Assunção e Maria de Fátima pelas

constantes palavras de incentivo e amor sincero, que me motivaram a ultrapassar os

obstáculos até aqui.

Aos meus irmãos Luciléia (Mana) e Rogério que mesmo distantes me dão

toda força em suas orações. E a minha irmã Luciane, por estar lado a lado, pelas

orações, apoio e ajuda. Amo demais vocês!!!

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Aos meus sobrinhos Isabelle, Isadora, Isabela, Ana Caroline, Lucas, Luana e

Davi, vocês são minhas inspirações de vida e para a realização deste trabalho.

Ao meu esposo Marcos, pelo companheirismo, pelo seu amor e por estar

sempre ao meu lado.

À Secretaria Municipal de Educação pela autorização na realização desta

pesquisa, em especial a Unidade de Educação Infantil pela concessão em contribuir

com este estudo, assim como, aos professores que colaboram para efetivação do

mesmo. Também, as crianças que nos acolheram desde o início e permitiram que

pudéssemos compartilhar de suas atividades.

À amiga Jalma, pela presença constante nesta caminhada, pela revisão em

meu texto. Obrigada por sua amizade!

A todos que direta ou indiretamente contribuíram para a realização desde

estudo.

MUITO OBRIGADA!!!

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RESUMO

COSTA, Regiane de Assunção. A CRIANÇA NEGRA: as representações sociais deprofessores de educação infantil. 2013. 208f. Dissertação (Mestrado em Educação)– Universidade do Estado do Pará, Belém, 2013.

Este estudo vincula-se à Linha de Pesquisa Formação de Professores do Programade Pós-Graduação em Educação do Centro de Ciências Sociais e Educação daUniversidade do Estado do Pará e objetiva conhecer as representações sociais dosprofessores de educação infantil em relação à criança negra, e as consequências nasocialização da criança no espaço educacional. Para tanto, tomamos como aporteteórico-metodológico: A Teoria das Representações Sociais – TRS, na perspectivade Moscovici (2003) e Jodelet (2001); dos pressupostos do multiculturalismocrítico/intercultural presentes nos estudos de Mclaren (1997); Gonçalves e Silva(2006); Candau (2008); Freire (2005); Fleuri (2009); e Oliveira (2011) que defendemo reconhecimento, a valorização e o respeito da diversidade racial por meio de umaestratégia política de intervenção em defesa dos direitos dos grupos excluídoshistoricamente; no campo das relações raciais no contexto escolar, tomamos comoreferencia Gomes (2001; 2005; 2007); Coelho (2006; 2008; 2010); Rosemberg(1998), bem como os estudos sobre as relações raciais na educação infantil, a partirdos estudos de Cavalleiro (2001; 2007); Fazzi (2006); Souza (2002); no campo daeducação infantil Kramer (1998, 2005, 2008, 2011) e sobre a formação docentePimenta (2008) e Veiga (2008); dentre outros. Este estudo caracteriza-se por umapesquisa de campo, de abordagem qualitativa, visando a descrição e interpretaçãocrítica dos dados empíricos que foram coletados por meio de: levantamentobibliográfico, observação in loco e de entrevista semiestruturada. O estudo foirealizado em uma unidade de educação infantil, com a participação de quatroprofessoras e uma coordenadora. Elegemos cinco categorias temáticas, a saber: (1)Representações dos professores sobre a criança negra no espaço escolar; (2)Representações dos professores sobre a socialização da criança negra na escola;(3) Ações de discriminação e preconceito racial na prática pedagógica na escola; (4)A contribuição do professor, por meio da prática pedagógica, para a superação dospreconceitos e discriminações raciais no espaço escolar; (5) A formação dosprofessores e as relações raciais na escola. Partindo da análise destas categoriastemáticas, concluímos que as práticas pedagógicas das professoras diante dosconflitos enfrentados pela criança negra, em seu processo de socialização noambiente escolar, encontram-se ancoradas em três aspectos: o biológico, o social eo estético. Estas representações acabam por silenciar e naturalizar as diferenças,contribuindo para a reprodução das desigualdades e exclusão da criança negra noespaço da educação infantil.

Palavras-chave: Representações Sociais. Educação Infantil. Prática Pedagógica.Criança Negra.

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ABSTRACT

COSTA, Regiane de Assunção. The black child: the social representations ofteachers from children education. 2013. 208f. Dissertation (Mastership of Education)– University of the State of Pará, Belém, 2013.

This study is linked to the Research Line Teacher Training Program GraduateEducation Center of Social Sciences and Education, University of Pará andobjectively understand the social representations of preschool teachers in relation tothe black child, and the impact on the socialization of the child in educational space.For this, we take as the theoretical-methodological: A Theory of SocialRepresentations - TRS, in view of Moscovici (2003) and Jodelet (2001), theassumptions of multiculturalism critic / intercultural studies present in Mclaren (1997);Gonçalves e Silva (2006); Candau (2008), Freire (2005); Fleuri (2009) and Oliveira(2011) argue that recognition, appreciation and respect for racial diversity through apolitical intervention in defense of the rights of groups historically excluded, in thefield of race relations in the school context, we take as reference Gomes (2001,2005, 2007), Rabbit (2006, 2008, 2010), Rosenberg (1998), as well as studies onrace relations in early childhood education, from studies of Cavalleiro (2001, 2007);Fazzi (2006), Souza (2002). This study is characterized by a field survey, aqualitative approach in order to describe and critical interpretation of empirical datawere collected through: literature review, observation and semi-structured interviews.The study was conducted in a kindergarten unit, with the participation of fourteachers and one coordinator. We chose five thematic categories, namely: (1)representations of teachers on the black child in the school, (2) representations ofteachers on the socialization of black children in school, (3) Shares of discriminationand racial prejudice in pedagogical practice in school, (4) The contribution of theteacher, through teaching practice, to overcome the prejudices and racialdiscrimination at school; (5) Teacher training and race relations at the school. Basedon the analysis of these themes, we conclude that the pedagogical practices of theteachers before the conflicts faced by black children in their socialization processwithin the school environment is anchored on three aspects: biological, social andaesthetic. These representations naturalize and eventually silencing the differences,contributing to the reproduction of inequalities and exclusion of black children in thekindergarten room.

Keywords: Social Representations. Early Childhood Education. PedagogicalPractice. Black Child.

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LISTA DE GRÁFICOS

Gráfico 1 Número de crianças atendidas na Educação

Infantil na RME

56

Gráfico 2 Informações sobre a faixa etária dos sujeitos

investigados

64

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LISTA DE QUADROS

Quadro 1 Pesquisas em âmbito nacional sobre relações

raciais na educação infantil

36

Quadro 2 Pesquisas sobre relações raciais no Estado do

Pará

39

Quadro 3 Lotação dos servidores na unidade investigada 59

Quadro 4 Número de crianças atendidas na unidade

investigada

60

Quadro 5 Identificação das professoras investigadas 62

Quadro 6 Identificação das crianças 63

Quadro7 Autoclassificação dos sujeitos investigados sobresua Cor/Raça.

65

Quadro 8 Perfil profissional dos sujeitos investigados 67

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LISTA DE MAPAS

Mapa 1 Região Metropolitana de Belém 54

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LISTA DE FOTOGRAFIAS

Foto 1 Fachada da unidade de educação infantil pesquisada 58

Foto 2 Área externa de recreação I 59

Foto 3 Área externa de recreação II 59

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LISTA DE DIAGRAMA

DIAGRAMA 1 O Campo das Representações Sociais 49

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

CAPES Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível

Superior

CINBESA Companhia de Informática de Belém

CME Conselho Municipal de Educação

COED Coordenadoria de Educação

COEPRE Coordenação de Educação Pré-Escolar

DABEL Distrito Administrativo do Guamá

DAENT Distrito Administrativo da Sacramenta

DAICO Distrito Administrativo de Icoaraci

DAMOS Distrito Administrativo de Mosqueiro

DAOUT Distrito Administrativo de Outeiro

DCNEI Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil

DCNRER Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das

Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura

Afro-Brasileira e Africana

ECA Estatuto da Criança e do Adolescente

ETEF Equipe Técnica de Ensino Fundamental

ETEI Equipe Técnica de Educação Infantil

FMAI

FUNABEM Fundação Nacional do Bem-Estar do Menor

GERA Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre Formação de

Professores e Relações Étnico-Raciais

IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística.

LBA Legião Brasileira de Assistência

LDB Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional

MEC Ministério de Educação e Cultura

NUSP Sistema Integrado de Gestão Acadêmica e Informação

OMEP Organização Mundial de Educação Pré-Escolar

PCN Parâmetros Curriculares Nacionais

RME Rede Municipal de Ensino

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SEGEP Secretaria Municipal de Coordenação Geral do Planejamento e

Gestão

SEMEC Secretaria Municipal de Educação

UEI Unidade de Educação Infantil

UEPA Universidade Estadual do Pará

UFPA Universidade Federal do Pará

UNICEF Fundo das Nações Unidas para a Infância

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SUMÁRIO1 INTRODUÇÃO 18

2 CAMINHOS TEÓRICO-METODOLÓGICOS DO ESTUDO 35

2.1 PRESENÇA DA COR NAS PESQUISAS: A EDUCAÇÃO INFANTIL ENTRAEM CENA

35

2.2 APORTES TEÓRICOS DO ESTUDO: O CAMPO DAS REPRESENTAÇÕESSOCIAIS

41

2.3 ABORDAGENS E ESTRATÉGIAS METODOLÓGICAS 51

2.3.1 Tipo de pesquisa 51

2.3.2 O locus da pesquisa 53

2.3.3 Os sujeitos da pesquisa 61

2.3.3.1 O perfil dos sujeitos investigados 64

2.3.4 Instrumentos de produção de dados 67

2.3.4.1 Levantamento documental 67

2.3.4.2 Observação 69

2.3.4.3 Entrevista 74

2.3.5 Procedimentos de análise 76

3 INFÂNCIA, EDUCAÇÃO INFANTIL E A CRIANÇA NEGRA NO BRASIL 78

3.1 A [IN] VISIBILIDADE DA CRIANÇA NEGRA NO BRASIL 78

3.1.1 Sentimentos sobre a infância: a criança como ser abstrato àcompreensão da criança como ser histórico-social

79

3.1.2 Infância e a criança negra no Brasil 82

3.1.2.1 Infância e a criança negra no Brasil Colonial 82

3.1.2.2 Infância e a criança negra no Brasil Imperial 86

3.1.2.3 Infância e a criança negra no Brasil República aos Dias Atuais 89

4 POLÍTICA MULTI/INTERCULTURAL PARA A EDUCAÇÃO DAS RELAÇÕESRACIAIS NA EDUCAÇÃO INFANTIL NO BRASIL

99

4.1 Os marcos legais para a educação das relações raciais na educação infantil 99

4.2 O cenário da política multicultural/ intercultural 105

4.3 Desafios para uma prática docente no espaço educacional 110

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5 REPRESENTAÇÕES SOCIAIS DOS PROFESSORES DE EDUCAÇÃOINFANTIL EM RELAÇÃO À CRIANÇA NEGRA E SUA SOCIALIZAÇÃO NOCONTEXTO DA UNIDADE EDUCACIONAL INVESTIGADA

117

5.1 Representações dos professores sobre a criança negra no espaço escolar 118

5.2 Representações dos professores sobre a socialização da criança negra na

escola

130

5.3 Ações de discriminação e preconceito racial na prática pedagógica na escola 137

5.4 A contribuição do professor, por meio da prática pedagógica, para a

superação dos preconceitos e discriminações raciais na escola

146

5.5. A formação dos professores e as relações raciais na escola 156

CONSIDERAÇÕES FINAIS 170

REFERÊNCIAS 177

APÊNDICES 187

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1 INTRODUÇÃO

O presente estudo tem como objetivo conhecer as representações sociais

dos professores de educação infantil em relação à criança negra, a partir da prática

pedagógica do professor, visando compreender as interferências dessas

representações na socialização da criança no espaço educacional. Isto porque o

atual contexto das sociedades multiculturais apontam novas demandas e exigências

aos profissionais de educação em relação à diversidade cultural, o que tem

propiciado o avanço crescente de estudos e pesquisas no âmbito acadêmico que

problematizam a questão racial no ambiente escolar.

O interesse sobre a questão racial na educação infantil emergiu a partir da

nossa trajetória acadêmica e profissional, ou seja, com a formação em Pedagogia e

Especialização em Currículo e Avaliação, ambos pela Universidade Estadual do

Pará (UEPA), concluídos, respectivamente, nos anos de 1999 e 2000. Neste último

ano, iniciamos a docência nas séries iniciais da educação básica nas unidades de

ensino da Rede Municipal de Ensino de Belém (RME) e, em 2002, começamos a

desenvolver atividades como membro da equipe técnica pedagógica da Secretaria

Municipal de Ensino de Belém (SEMEC).

Nossa inserção como professora nas séries iniciais ocorreu

concomitantemente à implantação do Projeto Político Pedagógico da EscolaCabana pela SEMEC, por meio da então Coordenadoria de Educação (COED),

atualmente denominada Diretoria de Ensino (DIED). O referido Projeto estabelecia a

inclusão das crianças de 6 anos de idade no sistema de ensino fundamental, a partir

da organização do ensino em Ciclos de Formação, tendo como eixos centrais a

inclusão social e a participação popular, o que contribuiu para ampliar não somente

o tempo de permanência da criança no sistema escolar, mas, sobretudo, para

proporcionar um ensino de qualidade.

O Projeto da Escola Cabana visava a romper com práticas pedagógicas

tradicionais, seletivas, discriminatórias e excludentes, anunciando a necessidade de

uma educação que promovesse a inclusão, o respeito, a valorização da cultura e

dos saberes dos sujeitos envolvidos nesse processo: professores, gestores, alunos,

coordenadores pedagógicos, pais e a comunidade em geral, todos responsáveis por

um diálogo que garantisse uma educação democrática no ambiente escolar

(BELÉM, 2002).

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Assim, o Projeto da Escola Cabana contemplava a emancipação e a

transformação dos sujeitos por meio de um movimento de reorientação curricular

que considerasse o contexto histórico e social dos educandos. Nesse sentido,

expressava os anseios por uma sociedade mais justa, democrática, igualitária e

popular, tendo como principais diretrizes a democratização do acesso e a

permanência com sucesso; a gestão democrática do sistema municipal de

educação; a valorização profissional dos educadores e a qualidade social da

educação (BELÉM, 1999).

Foi então que, em 2002, recebemos o convite para compor a equipe técnica

de ensino fundamental (ETEF) e, a partir de então, passamos a assessorar os

espaços educacionais no Distrito de Mosqueiro1. As atividades eram realizadas na

perspectiva interdisciplinar com as equipes da Coordenadoria de Educação:

educação infantil, educação especial, educação de jovens e adultos e da equipe de

esporte, arte e lazer. Esta última realizava suas atividades tanto nos espaços

educativos quanto nos espaços comunitários da ilha.

O diálogo permanente entre as diversas equipes nos possibilitou uma

aproximação do trabalho desenvolvido na educação infantil a partir de contribuições

nos assessoramentos às unidades. Assim, no ano de 2004, passamos a compor a

Equipe Técnica de Educação Infantil (ETEI), espaço que ampliou nossas discussões

acerca das questões sobre a infância.

O desafio que tínhamos, como técnicos pedagógicos, no que se refere ao

trabalho com as unidades de educação infantil, principalmente com os educadores,

visava a ressignificar e a conciliar o ato de cuidar e de educar, partindo de uma ação

interdisciplinar que permitia o resgate da cultura e da diversidade, possibilitando a

inserção social da criança, como sujeito de direito, contribuindo para a construção de

sua identidade numa perspectiva sociocultural (BELÉM, 2001; 2004).

Nos momentos de formação continuada, bem como nos de assessoramento

aos professores nas unidades de educação infantil, abordávamos diversas temáticas

acerca das concepções de criança e de infância, de desenvolvimento infantil, de

aprendizagem, de letramento, de currículo e de avaliação. No entanto, apesar do

esforço na promoção desses momentos formativos, percebíamos, no cotidiano da

1 Conforme Lei 7682 de 5 de janeiro de 1994 da Câmara Municipal de Belém que determina como 1ºDistrito Administrativo Mosqueiro – DAMOS: é composto das ilhas de Mosqueiro, São Pedro, doMaracujá, das Pombas, do Papagaio, Cunuari, da Conceição, do Maruim I, do Maruim II e maisquatro ilhas sem denominação.

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prática pedagógica dos professores de educação infantil, certas dificuldades em

abordarem as discussões sobre as questões raciais, seja pelo não reconhecimento

de manifestações de atitudes de preconceito e discriminação no contexto da

educação infantil ou pela falta de formação inicial e de formação continuada para a

intervenção pedagógica sobre a diversidade racial no ambiente educacional.

Essa situação instigou o interesse em compreendermos sobre como se

constituem as discussões teóricas em torno do campo das relações raciais no

contexto da educação infantil, o que nos motivou a elaborarmos um projeto para o

aprofundamento das reflexões já iniciadas em nossa trajetória profissional. Sendo

assim, ingressamos no Mestrado em Educação na UEPA, no ano de 2010, o que

possibilitou, por meio de estudos nas disciplinas e seminários, especialmente na

disciplina de epistemologia, uma maior compreensão dos estudos a respeito do

multiculturalismo e da educação, fomentando ainda mais nossas inquietações sobre

o papel da escola e dos educadores, sobretudo os que realizam atividades na

educação infantil, na promoção de uma educação inclusiva, de respeito e de

valorização da diversidade racial no espaço escolar.

Concomitante ao ingresso no Mestrado e com o objetivo de aprofundarmos

as discussões sobre a questão racial no ambiente escolar iniciou nossa participação

do Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre Formação de Professores e Relações

Étnico-Raciais (GERA) da Universidade Federal do Pará (UFPA), que tem

fomentado pesquisas, estudos e seminários sobre as relações raciais no âmbito do

Estado do Pará. Participamos, assim, nos anos de 2010 e 2011, de momentos de

estudos, de planejamento e de execução de seminários, os quais foram profícuos

para o aprofundamento das reflexões sobre diversas temáticas que envolvem as

discussões sobre a diversidade, a cultura, a formação de professores, os marcos

legais sobre as relações raciais, o que contribuiu para ampliarmos nossa

compreensão sobre essas questões.

Tendo como base não só os estudos realizados no grupo de pesquisa e nas

disciplinas realizadas no decorrer do mestrado, mas também a revisão bibliográfica

realizada sobre a temática da questão racial na educação infantil contribuiu para

evidenciarmos pesquisadores como Cavalleiro (2007); Fazzi (2006); Souza (2002),

que vêm refletindo sobre a importância de estudos e de pesquisas que têm como

foco as discussões acerca das questões sobre o preconceito racial desde a

educação infantil. As autoras partem da compreensão de duas questões relevantes

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para a abordagem das questões raciais na educação infantil: a primeira caracteriza-

se pela manifestação por parte das crianças de atitudes de cunho racial entre seus

pares; a segunda parte da evidência da falta de preparo dos profissionais de

educação infantil no trato com o tema do racismo no ambiente educacional.

O estudo sobre as representações sociais dos professores de educação

infantil em relação à criança negra parte do pressuposto de que existem lacunas na

discussão da problemática racial, nos cursos de licenciaturas e nos processos de

formação continuada. Coelho (2006) afirma que essas lacunas presentes no

processo formativo dos professores acabam por silenciar o reconhecimento das

diferenças e contribuem para a reprodução da discriminação e do preconceito racial

no ambiente educacional, interferindo na prática docente.

No âmbito da educação brasileira, esta situação permanece porque, em

nosso país, ainda prevalece o mito da democracia racial, que conformou a ideia de

inexistência de racismo em nossa sociedade. Assim, a escola é um dos espaços

onde esse mito muitas vezes é reproduzido, de modo que a questão racial continua

silenciada nos currículos, nas práticas pedagógicas bem como nos processos de

formação inicial e continuada dos professores. Tal reprodução se dá seja pelo não

reconhecimento do racismo pelos professores, seja pelo fato de os professores

terem uma representação da criança como um ser puro e inocente (ARIÈS, 2006), e,

como tal, é desprovida de qualquer possibilidade de manifestar atitudes de

preconceito e de discriminação no ambiente social em que se encontra inserida.

Ressaltamos, portanto, que a representação social da criança foi construída

historicamente como ser “desprotegido” (KRAMER, 2005), não como um ser real,

sujeito de direito, que reproduz, mas também produz conhecimento, rompendo

assim com a visão idílica que a submete à condição de coadjuvante no contexto

social, por ser considerada, conforme a autora como um

ser puro, sem consciência e sem voz nos processos sociais, políticos eeconômicos, incapaz de opinar e de se expressar, imaturo pararesponsabilidades e sem direito de expor seus próprios desejos – ainda estápresente nas práticas sociais e institucionais (KRAMER, 2005, p. 133).

Tomamos como referência os estudos sobre a sociologia da infância,

Sarmento (2009) aponta que a invisibilidade das crianças no decorrer da história

justifica-se pelo fato de não serem consideradas como sujeitos de direitos, isto é,

“não existem porque não estão lá: no discurso social” (p.19).

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Segundo Sarmento (2009), a infância somente assume um caráter enquanto

categoria social nos discursos no final do século XX, momento em que a sociologia

da infância compreende distintamente os conceitos de criança e de infância: a

criança é concebida como ator social e a infância como categoria social. E como

categoria social, a criança vivencia sua infância interagindo com o mundo,

produzindo e intervindo na cultura. É a partir desse momento que emerge outra

forma de representação sobre a criança, não mais vista como imatura, incapaz, mas

tida como sujeito que produz conhecimento no e com o mundo. Estas

representações sobre a infância e sobre a criança acabam orientando a prática

pedagógica dos professores nos espaços de educação infantil, tanto na perspectiva

em que se considera a criança como sujeito de direitos quanto na que considera a

criança como um ser desprotegido, portanto incapaz de interferir no contexto em que

está inserida.

Tomamos no presente estudo os pressupostos da sociologia da infância que

considera a criança como sujeito. Assim sendo, não há como negar que as crianças,

desde a mais tenra idade, podem estabelecer nos seus processos de socialização

mecanismos de resistências, de discriminação e de preconceito racial, a partir do

convívio na família e nas instituições educacionais, como a escola. Daí a relevância

em compreendermos como estes processos de socialização da criança na educação

infantil são trabalhados na prática pedagógica do professor em relação às questões

raciais.

Destacamos as pesquisas desenvolvidas por Rosemberg (1987, 1991,

1998,1999, 2006), que evidencia a presença da manifestação de preconceito racial

desde a educação infantil, não somente a exclusão desde o acesso à educação

infantil, mas também a difícil permanência e conclusão dos estudos por parte de

grande parcela da população de baixa renda, na qual se encontra uma grande

parcela de crianças negras.

Rosemberg (1998), em pesquisa sobre o baixo rendimento escolar de

crianças negras, revela que, além da dificuldade de acesso ao ensino formal, a

permanência é um desafio ainda maior, culminando com um alto índice de evasão,

de reprovação e de atraso escolar, por parte dessa parcela da população em relação

às crianças brancas. Segundo a autora, “os negros, mais do que os brancos,

frequentam escolas carentes” (ROSEMBERG, 1998, p. 83). Estas escolas, de

acordo com a autora, são, muitas vezes, de baixa qualidade, sendo uma

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desvantagem na possibilidade de ascensão social e econômica das crianças negras,

contribuindo para a manutenção das desigualdades, do preconceito e da

discriminação racial no espaço escolar.

Este quadro se intensifica quando não se viabiliza o diálogo sobre as

questões raciais, tanto no ambiente familiar quanto no escolar, o que pode colaborar

para a formação de indivíduos que manifestem práticas discriminatórias e

preconceituosas ainda quando crianças, dificultando, assim, o processo de

socialização da criança no que se refere à questão racial, de uma feita que “a

preocupação com a socialização está presente e inerente no trabalho escolar, mas

sem passar pelas questões étnicas” (CAVALLEIRO, 2007, p. 48) obstaculizando o

combate ao racismo no cenário educacional brasileiro.

As discussões sobre o papel da escola e dos educadores na promoção de

uma educação de respeito à diversidade cultural têm sua origem na luta pelos

movimentos sociais em defesa de igualdade e de equidade social. Estas discussões

entram no bojo das políticas multiculturais que visam a articulação da relação entre a

educação, a cultura e a escola, compreendendo que “não há educação que não

esteja imersa nos processos culturais do contexto em que se situa” (CANDAU, 2008,

p. 13).

Candau (2008) afirma que toda experiência pedagógica está relacionada

intrinsecamente à cultura das sociedades em que vivemos. A escola assume, então,

um papel determinante no rompimento de práticas pedagógicas de caráter

homogeneizador e monocultural, sendo primordial a construção de novas práticas

educativas que favoreçam o reconhecimento das diferenças no ambiente escolar.

No que concerne às sociedades multiculturais, Gonçalves e Silva (2006)

compreendem estas como espaço/tempo em que os atores vivenciam e

experimentam a manifestação de atitudes discriminatórias e preconceituosas em

relação à cultura do “outro”. Segundo os autores, esta sociedade é caracterizada

pelo “jogo das diferenças”, determinado conforme o contexto sócio-histórico, no qual

ocorre a valorização de uma cultura em detrimento de outra, pela submissão e pela

negação de uma cultura em detrimento da hegemonia de outra.

Para entender melhor o multiculturalismo, os autores consideram a

relevância da análise dos diferentes enfoques gerados pela discussão sobre os

estudos multiculturais. Dentre esses enfoques, destacam a “estratégia política” como

uma das faces do multiculturalismo que visa ao combate de toda e qualquer

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manifestação de preconceito e de discriminação na sociedade. Outra forma descrita

por eles leva em conta o “corpo teórico”, que direciona a produção e a transmissão

do conhecimento a partir das diversas instituições organizadoras da cultura, tais

como a escola, a mídia, as universidades, os museus, dentre outros (GONÇALVES

e SILVA, 2006).

Por meio da escola e também das instituições provedoras de cultura

supramencionadas que os atores sociais constroem seus conhecimentos e valores

sobre seu pertencimento racial que, dependendo da maneira como ocorre essa

disseminação, pode gerar atitudes negativas em relação a aspectos que envolvem a

raça e a etnia dos indivíduos em suas relações sociais, estabelecidas tanto fora

quanto dentro do espaço escolar.

O multiculturalismo, desde a sua origem, toma como referência o princípio

ético como orientador da política em defesa dos grupos minoritários, “aos quais foi

negado o direito de preservarem suas características culturais” (GONÇALVES e

SILVA, 2006, p. 17). De acordo com suas concepções, essa condição de exclusão

contribuiu para a emergência de movimentos multiculturais, primeiramente por parte

das reivindicações de grupos étnicos. Contudo, esses movimentos englobam um

“universo cultural” mais amplo, incluindo a participação de grupos minoritários e

culturalmente dominados, visando à valorização, ao reconhecimento e ao respeito

pelos direitos civis, por meio de organizações sociais e políticas.

No Brasil, o racismo é concebido na perspectiva do mito da democracia

racial, onde as interações entre brancos, negros e índios em nossa sociedade

ocorrem sem conflitos, prevalecendo a cultura eurocêntrica como reguladora e

detentora do conhecimento universal. Durante décadas, o multiculturalismo ficou à

margem dos discursos acadêmicos e, sobretudo, da formação dos educadores.

Entretanto, recentemente, as reflexões e as discussões no âmbito acadêmico

acenam para o interesse em discutir uma nova concepção de currículo escolar que

valorize e reconheça as diferenças culturais (GONÇALVES e SILVA, 2006).

Diante do exposto, a emergência da discussão sobre a temática em foco “ACriança Negra: as representações sociais de professores de educação infantil”,

parte da necessidade de refletirmos sobre como são construídas estas

representações sociais dos educadores no contexto da educação infantil,

considerando que as representações sociais são, conforme Jodelet (2001, p.22),

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uma forma de conhecimento, socialmente elaborada e partilhada, com umobjetivo prático, e que contribui para a construção de uma realidade comuma um conjunto social. Igualmente designada como saber de senso comumou ainda saber ingênuo, natural, esta forma de conhecimento édiferenciada, entre outras, do conhecimento científico. Entretanto, é tidacomo um objeto de estudo tão legítimo quanto este, devido à suaimportância na vida social e à elucidação possibilitadora dos processoscognitivos e das interações sociais.

Partimos do contexto local e social onde estão situadas as relações, as

interações, as escolhas e as organizações da prática pedagógica do professor no

espaço educacional em relação às questões raciais. Por compreendemos a

importância do papel dos professores no desenvolvimento de práticas de valorização

e de reconhecimento das diferenças, sejam elas culturais, sociais, raciais, étnicas,

religiosas, para o fortalecimento do respeito à diversidade cultural presentes no

ambiente escolar (CAVALLEIRO, 2007). Daí a necessidade de refletirmos sobre

como os professores elaboram suas representações sobre a criança negra e como

estas representações orientam a prática pedagógica do professor, de modo que

favoreça a inclusão e a socialização da criança negra no cotidiano da educação

infantil.

A relevância deste estudo está relacionada às mudanças ocorridas na

Constituição Federal e na legislação educacional brasileira em relação à questão

racial, tendo em vista o enfrentamento de práticas de combate ao preconceito racial

e respeito à diversidade cultural.

Gonçalves e Silva (2006) analisam a emergência de políticas multiculturais

no Brasil a partir da década de 80, como modo de garantir uma política de igualdade

e equidade social. De um modo geral, os movimentos sociais, dentre eles o

movimento negro, vêm intensificando a luta em defesa dos direitos de respeito e

valorização da cultura negra. Partindo deste contexto, algumas medidas legislativas

foram alcançadas com a observância do que foi instituído na Constituição Brasileira

de 1988, art. 5º, que prevê a prática de racismo como crime. Isto porque, segundo

Santos (2005), apesar da abolição da escravatura no Brasil em 13 de maio de 1888,

isso não eximiu os negros livres de sofrerem as amargas consequências do

preconceito e da discriminação racial, reforçadas, muitas vezes, pelas instituições

tais como a família e a escola. O autor responsabiliza a escola por perpetuar as

desigualdades raciais no sistema educacional brasileiro, o que provocou reação do

movimento negro na reivindicação de políticas educacionais afirmativas de combate

ao preconceito nas instituições educacionais.

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Santos (2005) destaca, ainda, que estas discussões ganharam força com o

estabelecimento do I Congresso do Negro Brasileiro, promovido pelo Teatro

Experimental do Negro, realizado em 1950 no Rio de Janeiro. Outro marco

importante na luta do movimento negro foi a Marcha Zumbi dos Palmares Contra o

Racismo, pela Cidadania e a Vida, que ocorreu em 20 de novembro de 1995, na

cidade de Brasília. Nessa marcha, houve a denúncia para as autoridades, visando

ao combate a qualquer forma de manifestação de preconceito contra o negro. Já na

segunda metade da década de 90, o autor destaca como resultados dessas

denúncias à intervenção pelo governo brasileiro, a análise e a alteração de

conteúdos depreciativos e estereotipados da imagem do negro nos livros didáticos.

Gonçalves e Silva (2006) enfatizam que as discussões sobre o combate ao

racismo ganharam maior força no Brasil com a Terceira Conferência Mundial contra

o Racismo, Discriminação Racial, Xenofobia e Intolerância Correlatas, realizadas em

2001, em Durban, na África do Sul. A partir dessa conferência, o governo brasileiro

criou vários programas e secretarias, dentre estes destacamos o Programa de

Ações Afirmativas para os negros, sob a diligência do Ministério do Desenvolvimento

Agrário, e a criação, em 2003, da Secretaria Especial de Políticas de Promoção da

Igualdade Racial – SEPPIR e da Secretaria Especial de Políticas da Mulher, o que,

para os autores, contribuiu para a promoção de políticas multiculturais, ao afirmarem

que

neste contexto aparecem condições muito favoráveis para criar, ampliar efortalecer políticas multiculturais no país, em diferentes esferas da vidasocial. No plano educacional, o incentivo aos projetos dessa natureza ganhaforça com a criação de uma Secretaria dentro do Ministério da Educaçãopara tratar das questões da diversidade cultural em diferentes instâncias doensino e da formação escolar (GONÇALVES e SILVA, 2006, p. 93).

Segundo Munanga e Gomes (2006), estas políticas visam a combater o

abismo racial secular vivenciado no Brasil, resultado da estrutura racista a que foi

submetida a população historicamente alijada do acesso aos direitos humanos,

como no caso dos negros, que, nos dias atuais, ainda conclamam por justiça e por

igualdade de oportunidades, como intuito de romper com a estrutura social racista

evidenciada nas desigualdades de acesso ao emprego, à escola, à moradia, às

condições dignas de vida.

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Santos (2005) explicita que a partir de 2003 ocorre um prosseguimento nas

intervenções das políticas antirracistas, destacando a alteração da Lei de Diretrizes

e Bases da Educação Nacional – LDB nº 9.394/96, promulgada em 20 de dezembro

de 1996, em seus art. 26 e 27, a partir da implementação da Lei nº 10.639/03, que

torna obrigatório o ensino da história e da cultura dos povos afro-brasileiros, visando

a valorizar as contribuições destes povos na construção social, política e cultural da

sociedade brasileira.

O autor destaca que esta alteração na lei, além de representar um avanço

no processo de democratização, configura-se em um marco na luta contra o

racismo. Isto porque, ao estabelecer a obrigatoriedade do ensino da História e da

Cultura Afro-Brasileira nas instituições de ensino, exige que estas instituições e os

professores façam a adequação em seus currículos, a fim de que se contemplem as

contribuições dos povos historicamente excluídos, bem como fomentem essas

discussões no processo de formação continuada dos educadores, visando à

qualificação de sua prática pedagógica para intervenção positiva no trato com as

questões raciais.

Todavia, Coelho (2010) ressalta que, apesar de ter sido sancionada a Lei nº

10.639/03, alterada posteriormente pela Lei nº 11.645/08, que estabelece a

obrigatoriedade do ensino de história da África e da cultura afro-brasileira e indígena

nas instituições escolares brasileiras, sua implementação pelas instituições

educacionais ainda é um desafio, principalmente pela necessidade de formação

tanto inicial quanto continuada dos educadores visando a uma abordagem positiva

sobre o preconceito e a discriminação racial no cotidiano escolar. Não obstante, a

autora destaca que a ausência efetiva do Estado na promoção de políticas de

intervenção, os escassos materiais didáticos, a precária formação dos professores,

tanto inicial quanto continuada impedem que os professores reconheçam a

problemática racial e intervenham criticamente na abordagem dessas questões nos

sistemas educacionais brasileiros.

O não reconhecimento das desigualdades entre negros e brancos pelos

educadores e pela sociedade, de uma forma geral, traduz a negação das distorções

sociais, econômicas, educacionais, sustentada pelo discurso ideológico do mito da

democracia racial. Segundo Gomes (2005), além da negação da discriminação racial

contra os grupos secularmente excluídos, como os negros, ocorre a perpetuação da

imagem estereotipada do negro presente na história da sociedade brasileira,

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corroborando para potencializar as manifestações de preconceito e de discriminação

racial no ambiente educacional. A autora ressalta que a discriminação é a forma de

materialização do racismo e do preconceito, na medida em que sai do campo dos

discursos presentes nas doutrinas e nas formas de conceber o mundo e se efetiva

na prática cotidiana nas relações estabelecidas entre os diversos grupos étnico-

raciais nas principais instituições sociais, como a família, a igreja e a escola. Nesses

termos, concordamos com Gomes (2005, p. 60) quando esta afirma que

a escola tem um papel importante a cumprir nesse debate. Os (as)professores (as) não devem silenciar diante dos preconceitos ediscriminações raciais. Antes, devem cumprir o seu papel de educadores(as), construindo práticas pedagógicas e estratégias de promoção daigualdade racial no cotidiano da sala de aula. Para tal é importante sabermais sobre a história e a cultura africana e afro-brasileira, superar opiniõespreconceituosas sobre os negros, denunciar o racismo e a discriminaçãoracial e implementar ações afirmativas voltadas para o povo negro, ou seja,é preciso superar e romper com o mito da democracia racial.

Para Antônio Guimarães (2004, 2008, 2009), o racismo surge no cenário

brasileiro como doutrina científica, a partir da abolição da escravatura e da política

de igualdade posta ao povo brasileiro para a construção de uma nação civilizada e

próspera econômica e politicamente. É o que o autor denomina de racismo científico

(2009), o qual define a raça branca como superior, como pura, em detrimento da

raça negra, fortalecendo nesse período o pensamento racial sobre o

“embranquecimento”.

a ideia de “embranquecimento” foi elaborada por um orgulhonacional ferido, assaltado por dúvidas e desconfianças a respeito doseu gênio industrial, econômico e civilizatório. Foi, antes de tudo,uma maneira de racionalizar os sentimentos de inferioridade racial ecultural instalados pelo racismo científico e pelo determinismo doséculo XIX (GUIMARÃES, 2009, p.53).

Consoante Guimarães (2009), fortalecer a ideia de embranquecimento

juntamente com o discurso do mito da democracia racial contribuiu para minimizar os

entraves advindos dos processos de colonização e de imigração, instaurando no

pensamento racial da sociedade brasileira a necessidade da manutenção do status

quo, privilégios, classes, recursos econômicos e políticos da elite branca, que eram

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determinantes para a continuidade do progresso da nação. O ideal do

embranquecimento, que silenciava e excluía negros e indígenas em prol de um

discurso de igualdade, aumentava ainda mais as desigualdades, a pobreza, a

miséria e a falta de oportunidades para a população negra, negando a existência de

racismo e de discriminação racial no cenário da ideologia nacional quando enfatiza

que

a legitimidade de diversas formas de violência e de discriminação, que sãopráticas generalizadas de interação para parcelas significativas dapopulação, acaba, de fato, por limitar o exercício da plena cidadania,tornando bastante plausível, porque invisível, a discriminação racial(GUIMARÃES, 2009, p.70).

O que existiria seriam atitudes preconcebidas do outro, um preconceito

equivocado do outro, ou seja, a negação do racismo e da discriminação era velado

pelo ideário de negação da existência das raças no Brasil e pela consequente

“reprodução da desigualdade social entre as raças” (GUIMARÃES, 2009, p. 66).

O autor Roberto DaMatta (2010), em sua “fábula das três raças”, traz à tona

a realidade do que denominou de “racismo à brasileira”, o qual marcava a ideologia

dominante presente na sociedade brasileira, revestido pelo discurso da mestiçagem,

no qual brancos, negros e índios comporiam uma unidade básica, comum,

indissociável por meio da escravização, da segregação e da negação da história e

da cultura que emolduraram negros e índios no sistema colonial brasileiro.

O mito das três raças permeia ainda hoje o pensamento brasileiro, no qual é

possível aceitar as hierarquias, privilégios, status, superioridade do branco diante

das precárias condições de acesso à moradia, à educação, ao saneamento a que

estão sujeitos grande parte da população de negros e indígenas. É o que DaMata

(2010) afirma ser a tese do “branqueamento”, projeto que desde o advento da

República busca ser o ideal de civilização e progresso da nação da elite intelectual

da época.

E, finalmente, é essa fábula que possibilita visualizar nossa sociedade comoalgo singular – especifica que nos é presenteada pelo encontro harmoniosodas três “raças”. Se no plano social e político o Brasil é rasgado porhierarquizações e motivações conflituosas, o mito das três “raças” une asociedade num plano “biológico” e “natural”, domínio unitário, prolongadonos ritos de Umbanda, na cordialidade, no carnaval, na comida, na belezada mulher (e da mulata) e na música. (DA MATTA, 2010, p. 77).

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É na “cordialidade” que as relações ideológicas de poder entre brancos,

negros e índios foram se constituindo desde a colonização até os dias atuais, pelo

estabelecimento de um processo político, social e cultural que hierarquiza as

relações sociais, definindo a supremacia da raça branca, mantida por meio da

invisibilidade das diferenças, do preconceito e da discriminação das raças tidas

como inferiores. Conforme argumenta DaMatta (2010, p. 84-85),

Num meio social como o nosso, onde “cada coisa tem um lugar demarcadoe, como corolário, cada lugar tem sua coisa”, índios e negros têm umaposição demarcada num sistema de relações sociais concretas, sistemaque é orientado de modo vertical: para cima e para baixo, nunca para oslados. É um sistema assim que engendra os laços de patronagem,permitindo conciliar num plano profundo posições individuais e pessoais,com uma totalidade francamente dirigida e fortemente hierarquizada. Emsociedades assim, constituídas, situações de discriminação (ou desegregação) só tendem a ocorrer quando o elemento não é conhecidosocialmente; isto é, quando a pessoa em consideração não tem e nãomantém relações sociais com pessoa alguma naquele meio. Adiscriminação não é algo que se dirige apenas ao diferente, mas aoestranho, ao indivíduo desgarrado, desconhecido e solitário: ao estrangeiro– o que, numa palavra, não está integrado na rede de relações pessoaisaltamente estruturadas que, por definição, não pode deixar nada de fora:nem propriedade nem emoção nem relação. [...] Uma vez que tais relaçõessão estabelecidas, todos ficam dentro de um sistema totalizante e é semprepor meio dele que as diferenças entre os grupos são resolvidas.

O rompimento dessas práticas discriminatórias e excludentes são objeto de

enfrentamento por parte do movimento negro, o qual institui a escola como um dos

espaços em que devem ser garantidos os direitos sociais e o respeito à diversidade

cultural. Isso pressupõe a implantação de iniciativas que visem ao combate de toda

e qualquer forma de preconceito e de discriminação racial por parte não apenas das

instituições escolares da educação básica – compreendendo a educação infantil, o

ensino fundamental e o ensino médio –, mas também das instituições de ensino

superior, prevendo a intervenção por meio de seus projetos político-pedagógicos e

de sua estrutura curricular (GOMES, 2007).

Arroyo (2007) argumenta que, para rompermos com práticas discriminatórias

e preconceituosas nas instituições de ensino, temos que conhecer as raízes dos

movimentos sociais. Para tanto, o autor propõe um diálogo entre a pedagogia

multirracial e a pedagogia popular, por considerar que nesta última está a base de

inspiração que motivou os movimentos sociais, nas décadas de 60 e 70, pela busca

da emancipação, da libertação e da descolonização dos povos oprimidos.

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Fundamentando-se nos ideais Freireanos, o autor destaca que a luta pelo

movimento negro na defesa da valorização e do reconhecimento de suas culturas

tem sua origem nesses ideais da pedagogia libertadora e emancipatória. Ele

também argumenta que para reverter o discurso do mito da democracia racial, há

que se lançar no terreno que estrutura o sistema escolar, não subestimando a

ausência de falso discurso de igualdade no interior da escola, muito menos alegando

que a culpa é somente dos professores, ao contrário, estabelecer um diálogo entre a

pedagogia multirracial e a pedagogia popular, tendo em vista alcançar os sistemas

de educação formal. Isso requer o conhecimento de como o racismo foi e ainda é

produzido e legitimado pelas instituições como a escola e, sobretudo, compreender

os mecanismos de exclusão e preconceitos que circulam na esfera escolar. É por

meio deste diálogo que haverá possibilidade de intervenções efetivas na estrutura

escolar, na qual os educadores e o próprio movimento negro, com a contribuição de

pesquisadores que problematizam as diversas formas de manifestação de

discriminação, poderão de fato modificar a estrutura escolar de histórica exclusão.

Assim, para Arroyo (2007, p. 119-120),

A escola tem sido e continua sendo extremamente reguladora dosdiferentes, dos povos e coletivos social e culturalmente marginalizados. Aestrutura do sistema tem estado a serviço da regulação desses coletivos.Neste quadro o diálogo não será fácil. Será tenso e marcado por fortesresistências a renunciar a esse papel regulador e assumir um papelemancipatório. Este é um dos pontos mais tensos nas tentativas de umdiálogo entre pedagogias escolares e a pedagogia popular, multirracial: atensão entre regulação e emancipação.

Para refletir sobre essas situações de discriminação racial, que perpassa

pelo debate teórico do multiculturalismo e pelo estudo das Representações Sociais,

definimos como foco de estudo o seguinte problema de investigação: Como são

produzidas as representações sociais dos professores de educação infantil em

relação à criança negra, em sua prática pedagógica, e de que modo estas

representações interferem no processo de socialização da criança no espaço

educacional?

Partindo dessa questão-problema, emergem as seguintes questões

norteadoras: Que representações sociais são manifestadas nas práticas

pedagógicas dos professores de educação infantil em relação à criança negra e sua

socialização na escola? Como as representações sociais em relação à criança negra

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e sua socialização ocorrem nas interações entre o professor e a criança, e das

crianças com seus pares no espaço educacional de educação infantil? Se/ e como

os professores de educação infantil promovem a socialização da criança negra no

espaço educacional, possibilitando o respeito à diversidade racial e

multi/intercultural?

A partir da configuração da problemática definimos como objetivo geral:Conhecer as representações sociais dos professores de educação infantil em

relação à criança negra e sobre sua socialização, a partir da sua prática pedagógica,

visando compreender, também, as interferências dessas representações na

socialização da criança no espaço educacional. Para tanto, indicamos os seguintes

objetivos específicos:

Identificar as representações sociais manifestadas nas práticas

pedagógicas dos professores de educação infantil em relação à criança

negra e sua socialização no espaço escolar;

Perceber como as representações sociais em relação à criança negra e

sua socialização ocorrem nas interações entre o professor e a criança, e

das crianças com seus pares no espaço educacional de educação infantil;

Verificar se/ e como os professores de educação infantil promovem a

socialização da criança negra no espaço educacional, possibilitando o

respeito à diversidade racial e multi/intercultural.

Ressaltamos neste estudo a necessidade de problematizarmos como as

questões sobre a diversidade racial estão sendo pensadas, planejadas e

vivenciadas nas instituições de educação infantil, por compreendermos que o papel

dos professores é determinante para a mediação de propostas pedagógicas que

subverta toda manifestação de preconceito e discriminação nos processos de

interação e socialização do adulto/criança e criança/criança no cotidiano da

educação infantil.

Deste modo, a estruturação do texto deste estudo é composta por seis

seções. Na primeira, a Introdução, destacamos elementos centrais para o estudo.

Para tanto, situamos as motivações do pesquisador para a realização deste estudo

acerca da temática racial na educação infantil; realizamos um breve panorama do

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tema; apresentamos a justificava e a relevância desta pesquisa, por meio do diálogo

e da reflexão com autores que abordam o tema; explicitamos a problemática envolta,

as questões norteadoras e os respectivos objetivos que orientam a pesquisa.

Na segunda seção, Caminhos Teórico-Metodológicos do Estudo,

delineamos o caminho teórico-metodológico do estudo, a partir da caracterização do

locus da pesquisa; da definição dos sujeitos participantes do estudo; destacamos

também o levantamento dos dados empíricos. Trazemos ainda as principais

pesquisas desenvolvidas no âmbito acadêmico sobre a questão racial na educação

infantil, bem como o debate deste tema no estado do Pará.

Na terceira seção, Infância, Educação infantil e a Criança Negra noBrasil, objetivamos um aprofundamento sobre como a infância foi sendo constituída

em nossa sociedade, destacamos como a criança negra foi retrada no contexto

histórico da sociedade brasileira. Para tanto, realizamos um breve panorama sobre a

infância da criança negra na história do Brasil, a fim de que compreendamos, nos

dias atuais, a política direcionada para a educação infantil no trato com a questão

racial.

Na quarta seção, A Política Multi/Intercultural para a Educação dasRelações Raciais na Educação Infantil, a qual está subdividida em três partes.

Apresentamos, na primeira parte, de forma sucinta, os principais marcos legais que

orientam para uma educação antirracista. Na segunda parte, abordamos o debate

em torno do multiculturalismo e do interculturalismo crítico, vislumbrando conceber

uma educação que emancipe e possibilite o respeito à diversidade cultural e o

estabelecimento de relações sociais de modo positivo. Na terceira parte, refletimos

sobre as principais discussões sobre as relações raciais na educação infantil,

destacando o papel da escola e do professor, principalmente os da educação

infantil, na promoção de práticas pedagógicas na perspectiva do multiculturalismo

crítico/ intercultural que favoreçam o reconhecimento das diferenças raciais, desde a

mais tenra idade na sociedade.

Na quinta seção, As Representações Sociais dos Professores deEducação Infantil em Relação à Criança Negra e sua Socialização no Contextoda Unidade Educacional Investigada, apresentamos a análise dos dados

empíricos da pesquisa, objetivando refletir sobre como ocorrem as construções das

representações dos professores sobre a criança negra no cotidiano da unidade de

educação infantil investigada, tendo como base de análise o referencial teórico-

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metodológico apresentado neste estudo a partir das seguintes categorias temáticas:

a) Representações dos professores sobre a criança negra no espaço escolar; b)

Representações dos professores sobre a socialização da criança negra na escola;

c) Ações de discriminação e preconceito racial na prática pedagógica na escola; d) A

contribuição do professor, por meio da prática pedagógica, para a superação dos

preconceitos e discriminações raciais na escola; e) A formação dos professores e as

relações raciais na escola.

Na sexta seção, Considerações Finais, tecemos as principais

considerações sobre os resultados da pesquisa, de modo a não só refletirmos sobre

os limites e as possibilidades que evidenciamos nas representações dos professores

de educação infantil no trato com a questão das relações raciais, mas também

apontarmos os desafios para a promoção de uma prática pedagógica reflexiva e

interventiva que garanta e valorize o reconhecimento das diferenças.

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2 CAMINHOS TEÓRICO-METODOLÓGICOS DO ESTUDO

2.1 PRESENÇA DA COR NAS PESQUISAS: A EDUCAÇÃO INFANTIL ENTRA EMCENA

O tema em estudo acerca das práticas pedagógicas dos professores de

educação infantil, para o trato com as questões raciais, começa a ser objeto de

estudos, de pesquisas e de reflexões para uma educação na perspectiva do

multiculturalismo crítico/ intercultural, contribuindo para dar visibilidade à valorização

das diferenças no cotidiano das unidades da educação infantil, conforme enfatizado

a seguir.

A realização de pesquisas com o objetivo de compreender adinâmica das relações multiétnicas no âmbito da educação infantilrepresenta um recurso de avanço no combate ao racismo brasileiro,visto que estudos dessa natureza revelam como se dão as relaçõesinterpessoais, seus benefícios e seus prejuízos para os indivíduosque convivem na escola, bem como fornecem subsídios para aelaboração de novas práticas educacionais, quer seja na família,quer seja na escola (CAVALLEIRO, 2007, p. 37).

No âmbito nacional, são recentes os estudos e as pesquisas voltados para

o debate acerca do preconceito racial no ambiente escolar. Na revisão bibliográfica

realizada, a partir do levantamento de teses e dissertações junto aos Programas de

Pós-graduação em Educação, bem como no site da CAPES, percebemos que o

interesse em compreender como se materializa o preconceito e a discriminação

racial no contexto educacional tem sido o objeto de estudo de muitos pesquisadores

brasileiros.

Nesse sentido, apontaremos, a seguir, algumas pesquisas realizadas,

principalmente as que tiveram como objeto de estudo a educação infantil, tanto no

âmbito nacional quanto no que concerne às pesquisas produzidas no Estado do

Pará, com o intuito de compreendermos como vêm se delineando esses estudos,

discriminando, assim, os avanços e os desafios no campo dos estudos sobre as

relações raciais e a educação no âmbito acadêmico.

Os estudos que descreveremos, na sequência, sobre a temática racial na

educação são resultados de dissertações, que têm como locus a educação infantil.

São pesquisas que buscam problematizar a formação continuada dos professores

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para o trato com a questão racial; as relações sociais entre os professores e a

criança negra; os critérios de acesso da criança negra à educação infantil; dentre

outras temáticas que discutiremos, a seguir, a partir do quadro abaixo.

Quadro 1: Pesquisas em âmbito nacional sobre relações raciais na educação infantil

FONTE: CAPES/ INTERNET

A pesquisa realizada por Cavalleiro (2007), publicada no livro “Do silêncio do

lar ao silêncio escolar: racismo, preconceito e discriminação na educação infantil”,

defendida em 1998, na Universidade de São Paulo, retrata o cotidiano da educação

infantil e a realidade vivenciada diante do preconceito racial. A partir de observação

sistemática em três turmas da pré-escola, com atendimento de crianças entre 4 e 5

anos, por um período de oito meses, a autora objetivou investigar as práticas dos

educadores e o processo de interação e de socialização envolvendo o educador e a

ANO TÍTULO AUTOR INSTITUIÇÃO

1998 Do silêncio do lar ao silêncio escolar: racismo,preconceito e discriminação infantil

Eliane Cavalleiro USP

2004 Um estudo sobre as creches: o que as práticaseducativas produzem e revelam sobre a questãoracial

Fabiana deOliveira

UFSCAR

2006 O drama racial de crianças brasileiras:socialização entre pares e preconceito

Rita Fazzi PUC-MINAS

2007 O acesso das crianças negras à educaçãoinfantil: um estudo de caso em Florianópolis

Cristiane Silva URSC

2009 Educação Infantil na perspectiva das relaçõesétnico-raciais: relato de duas formaçõescontinuadas

Camila Saraiva PUC-SP

2010 Representações sociais sobre a criança negra naeducação infantil: mudanças e permanências apartir da prática pedagógica de uma professora

Carolina dePaula Teles

FEUSP

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criança, a interação da criança com seus pares e também com seus familiares, e a

pesquisa revelou o quanto a questão do preconceito racial está silenciado no

ambiente escolar, propiciando a legitimação de práticas discriminatórias. A autora

considera que a ausência de discussão sobre as questões que envolvem a

discriminação e o preconceito racial, tanto pelos educadores quanto pelos

coordenadores pedagógicos e direção escolar, demonstra, dentre outros aspectos, a

falta de preparo dos mesmos para o trato com as questões acerca do preconceito

racial.

Fazzi (2006), em seu livro intitulado “O drama racial de crianças brasileiras:

socialização entre pares e preconceito”, relata a pesquisa que aborda o preconceito

racial na infância, realizada em Belo Horizonte, a partir da observação de crianças

em duas escolas, que teve como objetivo investigar como se constitui o processo

social da construção do preconceito racial por dois grupos de crianças de distintos

níveis socioeconômicos. A autora enfatiza com os resultados da investigação que o

processo de socialização entre pares no ambiente escolar constitui espaço e tempo

profícuo para a aprendizagem e a experiência do significado social de raça. Ela

destaca, ainda, a centralidade da escola no processo de socialização infantil,

sinalizando a necessidade de implementação de políticas educacionais desde a

educação infantil, considerando que a construção social do pensamento racial na

criança começa a ser fomentada desde os três anos de idade.

Na pesquisa intitulada “Um estudo sobre a Creche: o que as práticas

educativas produzem e revelam sobre a questão racial?”, a autora Oliveira (2004)

objetivou elaborar uma síntese teórica, a partir dos estudos realizados sobre a

infância da criança negra nas pesquisas raciais, e analisar as práticas que ocorrem

na creche, com ênfase na criança negra, verificando por meio da prática como estas

produzem a questão racial. Por meio de um estudo de caso, a pesquisa foi

desenvolvida com professores de creche envolvidos no atendimento de crianças na

faixa etária de 0 a 3 anos.

Ainda com relação ao assunto, Cristiane Silva (2007), em seu estudo sobre

“O acesso das crianças negras na educação infantil: um estudo de caso em

Florianópolis”, investigou os critérios que são utilizados pela Rede Municipal de

Florianópolis para o acesso das crianças negras na educação infantil, visando a

compreender de que maneira ocorrem processos de exclusão e de discriminação da

criança negra no processo de seleção. A autora optou pelo estudo de caso em uma

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instituição de educação infantil, envolvendo a análise dos critérios de seleção

referentes à matrícula das crianças negras, e utilizou como base de dados a análise

demográfica referente à população infantil com recortes raciais, a partir da realidade

encontrada na cidade, no bairro e na instituição investigada.

Concluiu-se, dentre outros aspectos, que o acesso à educação infantil não

ocorre conforme estabelecido constitucionalmente – a legislação prevê a educação

da criança como direito –, uma vez que para ter acesso à educação dos filhos, os

pais têm que apresentar no ato da matrícula renda comprovada e residência própria,

colocando à margem as famílias com situações socioeconômicas desprivilegiadas;

constatou-se, então, um processo de exclusão envolvendo fatores como pobreza/

raça, que, somados, caracterizam a exclusão e a discriminação da criança negra no

que diz respeito ao acesso à educação infantil.

A pesquisa intitulada “Educação infantil na perspectiva das relações étnico-

raciais: relato de duas experiências de formação continuada de professores no

Município de Santo André”, também no âmbito da educação infantil, foi realizada por

Saraiva (2009), e teve como principal objetivo descrever duas experiências de

formação continuada, realizadas no período de 2005 a 2006, com as temáticas

Gênero e Raça e A Cor da Cultura, implementadas no município de Santo André. A

partir da análise das formações, pretendia-se perceber de que maneira estas

contribuíam para a sensibilização e a orientação quanto às questões sobre as

relações raciais na prática pedagógica dos professores da educação infantil. Quanto

à pesquisa qualitativa, analisaram-se os documentos referentes às formações

supracitadas com a realização de entrevistas, envolvendo duas professoras da

educação infantil e um representante da Secretaria Municipal. Os resultados

evidenciaram que, no processo de formação continuada de professores da

educação infantil visando à abordagem das relações étnico-raciais, deve-se

observar a especificidade desta etapa na educação básica, primando pelo maior

envolvimento de todos os professores nos momentos de formação, assim como dos

gestores e de uma política permanente de formação por parte da Secretaria

Municipal de Educação do referido município.

Em pesquisa recente acerca das “Representações sociais sobre as crianças

negras na educação infantil: mudanças e permanências a partir da prática

pedagógica de uma professora”, Teles (2010) destaca como objetivo de estudo o de

apreender e de interpretar as representações sociais sobre as crianças negras na

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perspectiva de uma professora de educação infantil. Constatou-se que as

representações sociais da professora em relação às crianças negras pautam-se no

ideal de democracia racial ainda existente na sociedade brasileira.

No âmbito do Estado do Pará, as pesquisas referentes à temática das

relações raciais no contexto escolar começam, na última década, a ser objeto de

interesse por parte dos pesquisadores. Nesse sentido, as pesquisas encontradas

são dissertações, conforme apresentamos no quadro abaixo.

Quadro 2 - Pesquisas sobre relações raciais no Estado do ParáANO TÍTULO AUTOR INSTITUIÇÃO

2007Interfaces entre identidade negra e projetopedagógico em uma escola pública deAnanindeua (PA)

Ana D’arcAzevedo UEPA

2009[In] Visibilidade Negra: representação socialde professores acerca das relações raciaisno currículo escolar do ensino fundamentalem Ananindeua

Raquel Amorim UFPA

2009Negro e ensino médio: representações deprofessores acerca de relações raciais nocurrículo

Rosângela Silva UFPA

2010Relações sociais na escola: representaçõesde alunos negros sobre as relações queestabelecem no espaço escolar

Nicelma Soares UFPA

Fonte: Site UEPA/UFPA

Na Universidade do Estado do Pará - UEPA, destacamos a pesquisa

realizada por Azevedo (2007), que investigou como a identidade negra se

manifestava no projeto político pedagógico da escola pesquisada, considerando

seus atores sociais e o modo como se evidenciava a diversidade cultural na

perspectiva do multiculturalismo crítico. A partir de um estudo de caso, foi realizado

o levantamento bibliográfico e documental e entrevista semi-estruturada com a

diretora, com a vice-diretora e com uma professora que atendia alunos de 5ª a 8ª

série. Como resultados, a pesquisadora aponta ser o projeto político pedagógico um

instrumento determinante para a promoção de uma educação menos excludente a

partir da manifestação de práticas pedagógicas antirracistas.

Na Universidade Federal do Pará - UFPA, a abordagem das questões

étnico-raciais no ambiente escolar foi objeto de três dissertações, sendo duas no

âmbito do ensino fundamental e uma no ensino médio. A pesquisa realizada por

Santos (2009), “[In] Visibilidade negra: representação social de professores acerca

das relações raciais no currículo escolar do Ensino Fundamental em Ananindeua

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(PA)”, analisou as representações sociais de professores acerca das relações raciais

no currículo escolar do ensino fundamental a partir de uma pesquisa do tipo

descritiva, utilizando como instrumento de coleta de dados documentos oficiais,

questionário e grupo focal envolvendo seis professores. Os resultados

demonstraram que os professores possuem conhecimento acerca das relações

raciais dentro de um ideal de igualdade.

A pesquisa realizada por Soares (2010), intitulda “Relações Sociais na

escola: representação de alunos negros sobre as relações que estabelecem no

espaço escolar”, investigou as representações que os alunos negros possuem a

respeito das relações sociais que estabelecem na escola. A pesquisa foi efetivada

em duas escolas de ensino fundamental de Ananindeua, envolvendo os alunos do 8°

e 9º anos, por meio de observação, da aplicação de questionário e de reunião de

grupo de discussão, valendo-se da análise de conteúdo para o tratamento dos

dados coletados.

Silva (2009), que teve como estudo as representações de professores

acerca das relações raciais no currículo escolar do ensino médio, sob o título:

“Negro e ensino médio: representações de professores acerca de relações raciais no

currículo”. A partir da análise do discurso, foram analisados documentos oficiais e

documentos escolares, além dos documentos orais, por meio dos discursos dos

professores. Com base nos resultados dos relatos orais, destaca-se a necessidade

da promoção de uma educação antirracista, por meio de uma prática pedagógica

que subverta o preconceito.

A partir do levantamento e da análise das pesquisas no Brasil, observamos

que, tanto no âmbito do Estado do Pará quanto no âmbito nacional, há um número

reduzido de pesquisas no ambiente escolar acerca das relações étnico-raciais,

evidenciando, principalmente em nosso Estado, a ausência de pesquisas no

contexto da educação infantil, o que nos faz refletir sobre a necessidade de estudos

que possibilitem ampliar a compreensão sobre como a questão racial está sendo

pensada, discutida e materializada nas práticas pedagógicas de professores da

educação infantil no contexto amazônico. Apesar desta ausência de estudos sobre

as relações étnico-raciais no âmbito da educação infantil, evidencia-se crescente

interesse por este campo.

Por meio das pesquisas já realizadas, constata-se a presença do

preconceito racial desde a educação infantil, haja vista que as crianças já

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interiorizam, no processo de socialização entre pares, atitudes que envolvem o

racismo e o preconceito, tendo como um dos elementos definidores de qualidade a

cor da pele e a dificuldade do educador no trato com as questões que envolvem as

diferenças étnico-raciais que permeiam o ambiente escolar desde a infância

(CAVALLEIRO, 2007).

Consideramos que é mister o aprofundamento de estudos sobre como os

educadores vêm implementando práticas na educação infantil que possibilitem não

somente o reconhecimento das diferenças culturais e étnico-raciais, mas, sobretudo,

a valorização das manifestações dos diferentes grupos étnico-raciais, favorecendo o

diálogo crítico e contribuindo para a formação de cidadãos.

2.2 APORTES TEÓRICOS DO ESTUDO: O CAMPO DAS REPRESENTAÇÕESSOCIAIS

Destacamos os aportes teóricos, que subsidiaram o presente estudo, a saber:

A Teoria das Representações Sociais – TRS, na perspectiva de Moscovici (2003) e

Jodelet (2001); os pressupostos do multiculturalismo crítico/intercultural presentes

nos estudos de McLaren (1997), Gonçalves e Silva (2006), Candau (2008), Freire

(2005), Fleuri (2009) e Oliveira (2011) que defendem o reconhecimento, a

valorização e o respeito da diversidade racial por meio de uma estratégia política

que intervenha em defesa dos direitos dos povos excluídos historicamente; o campo

das relações raciais no contexto escolar, para o qual tomamos como referencia os

estudos de Gomes (2001; 2005; 2007), Coelho (2006; 2008; 2010) e Rosemberg

(1998), bem como os estudos sobre as relações raciais na educação infantil, a partir

dos estudos de Cavalleiro (2001; 2007), Fazzi (2006) e Souza (2002); no campo da

educação infantil Kramer (1998, 2005, 2008, 2011) e sobre a formação docente

Pimenta (2008) e Veiga (2008), dentre outros.

Nesta trajetória metodológica, aprofundaremos o campo das Representações

Sociais, a partir do que proposto por Moscovici (2003) e Jodelet (2001), explicitando,

portanto, que o estudo das representações sociais foi introduzido por Moscovici em

1961, por meio da publicação de seu estudo sobre o modo como a psicanálise

adentrou no pensamento popular da França. Seus estudos partiram da necessidade

de compreender como ocorria a construção do conhecimento pelos grupos

socialmente constituídos, como a família, a escola, a igreja, e como estes se

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apropriavam de determinados conceitos, regras, perspectivas provenientes do

mundo científico, portanto, não familiar a determinados grupos, e como interagem,

modificando-os, reestruturando-os e representando-os a partir de seu contexto

social, afetivo e culturalmente vivenciado pelo grupo.

Dessa forma, é na interação entre os indivíduos, por meio dos grupos nos

quais estão inseridos, que ocorrem o diálogo, a comunicação, a troca de ideias, as

experiências, as vivências, as diferenças, os conflitos, os valores que são

estabelecidos por meio da linguagem e que favorecem a constituição das

representações sociais. Isto é corroborado por Duveen (2003, p.8) quando afirma

que

O papel e a influência da comunicação no processo da representação socialilustra também a maneira como as representações se tornam senso comum.Elas entram para o mundo comum e cotidiano em que nós habitamos ediscutimos com nossos amigos e colegas e circulam na mídia que lemos eolhamos. Em síntese, as representações sustentadas pelas influênciassociais da comunicação constituem as realidades de nossas vidascotidianas e servem como principal meio para estabelecer as associaçõescom as quais nós nos ligamos uns aos outros.

O conhecimento sobre as pessoas, os lugares e os objetos emergem no

cotidiano, no dia-a-dia, no senso comum, não como algo estático, fixo e imutável,

mas, ao contrário, ele ocorre nas interações entre o indivíduo e as instituições, o

coletivo e o mundo, de forma dinâmica, fluída, mutável. As representações sociais

são estabelecidas na forma como os grupos sociais definem e compreendem a si

próprio e ao outro, no mundo em que estão situados, em que assumem posições,

partidos, visões, percepções permeadas de conflitos, dúvidas, ideologias e poder,

conforme enfatiza Duveen (2003, p.8-9):

O conhecimento nunca é uma simples descrição ou cópia do estado decoisas. Ao contrário, o conhecimento é sempre produzido através dainteração e comunicação e sua expressão está sempre ligada aosinteresses humanos que estão neles implicados. O conhecimento emergedo mundo onde as pessoas se encontram e interagem, do mundo onde osinteresses humanos, necessidades e desejos encontram expressão,satisfação ou frustração. Em síntese, o conhecimento surge das paixõeshumanas e, como tal, nunca é desinteressado, ao contrário, ele é sempreproduto dum grupo específico de pessoas que se encontram emcircunstâncias específicas.

Esta forma de apreensão do conhecimento pelos grupos sociais, a partir do

senso comum, fez com que Moscovici (2003) situasse a teoria das representações

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sociais como um fenômeno proveniente das sociedades modernas, nas quais a

regulação e a legitimação do conhecimento não ocorrem mais de forma homogênea,

ao contrário, surgem outros modos coletivos de se adaptar, de captar, de

transformar, de moldar, de reconstruir e de representar o conhecimento por meio do

contexto complexo, dinâmico, heterogêneo que constitui as sociedades modernas.

O caráter dinâmico das representações sociais, atribuído por Moscovici,

distinguia-o da visão fixa e estática da teoria de Durkheim, porque, para este

estudioso, a sociedade moderna está em constante mudança; os grupos sociais

estabelecem diferentes relações e significações com determinados objetos, por isso

denominou o termo “social” ao invés de “coletivo” (MOSCOVICI, 2003, p.49), pela

diversidade de ideias presentes em cada grupo social. Considera que

Essa própria diversidade reflete a falta de homogeneidade dentro dassociedades modernas, em que as diferenças refletem uma distribuiçãodesigual de poder e geram uma heterogeneidade de representações.Dentro de qualquer cultura há pontos de tensão, mesmo de fratura, e é aoredor desses pontos de clivagem no sistema representacional duma culturaque novas representações emergem (MOSCOVICI, 2003, p.15-16).

As representações sociais emergem em contextos dinâmicos, práticos, em

que os grupos sociais interagem no e com o mundo, buscando compreendê-lo não

enquanto produto, mas como resultado de processos sociais de interação entre os

grupos que mantêm, produzem, orientam e transformam opiniões, normas, atitudes,

valores em representações sociais.

Moscovici (2003) compreende que “o mundo em que vivemos é totalmente

social” (p. 33), e por isso todo conhecimento e informação que apreendemos são

processos sociais de interpretação desse mundo social, do outro, de si. São esses

processos sociais que os grupos compartilham que definem e orientam suas

condutas e escolhas de forma relacional. Conforme enfatiza Moscovici (2003, p. 45),

O que estamos sugerindo, pois é que pessoas e grupos, longe de seremreceptores passivos, pensam por si mesmos, produzem e comunicamincessantemente suas próprias e específicas representações e soluções àsquestões que eles mesmos colocam. Nas ruas, bares, escritórios, hospitais,laboratórios, etc. as pessoas analisam, comentam, formulam “filosofias”espontâneas, não oficiais, que têm um impacto decisivo em suas relaçõessociais, em suas escolhas, na maneira como eles educam seus filhos, comoplanejam seu futuro, etc.

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Nesse sentido, são nesses processos sociais que envolvem a interação, a

comunicação, as convenções linguísticas, nos quais os discursos são produzidos,

transformados, representados em uma determinada cultura, que os grupos

encontram-se inseridos. É desse modo que as informações, a cultura, a linguagem,

as opiniões são institucionalizadas, regulamentadas e objetivadas pelos grupos

sociais, os quais estabelecem as regras de convivência, definem o que é comum,

familiar, e aceito pelo grupo, consolidando, assim, seu modo de representar a vida

na sociedade.

Moscovici (2003) estabeleceu que esta forma em que os grupos sociais

compreendem e interagem com o mundo caracteriza-se como um fenômeno

específico, nos quais estes são constituídos, ou seja, no cotidiano, no senso comum.

O autor esclarece que este fenômeno em que emergem as representações sociais

em um dado grupo social está estritamente relacionado a duas categorias próprias

da cultura na qual os grupos compartilham, a saber: as categorias de universos

consensuais e de universos reificados.

Dessa maneira, Moscovici (2003) problematiza sobre qual o lugar que as

representações sociais ocupam em uma sociedade pensante, permeada por uma

cultura produtora de conhecimento e, como tal, marcada por dualismo, conflitos,

oposições, ideologias que determinam o que é válido dentro dos grupos sociais.

Moscovici (2003) estabelece a constituição dos universos consensuais. Sob

este prisma, ele considera que a sociedade é uma “criação visível” (p.49) e “o ser

humano é a medida de todas as coisas” (p. 50), e como tal age, reage, cria, recria,

sendo, portanto, porta voz humana, imprimindo, assim, sentimento, sensibilidade,

sentido e significado no contexto cultural onde vive. Conforme enfatiza Moscovici

(2003, p. 50-51),

Em um universo consensual, a sociedade é vista como um grupo depessoas que são iguais e livres, cada um com possibilidade de falar emnome do grupo e sob seu auspício. Dessa maneira, presume-se quenenhum membro possua competência exclusiva, mas cada qual podeadquirir toda competência que seja requerida pelas circunstâncias.

Em relação aos universos reificados, a sociedade “é transformada em um

sistema de entidades sólidas, básicas, invariáveis, que são indiferentes à

individualidade e não possuem identidade” (MOSCOVICI, 2003, p. 50). Esta falta de

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identidade faz com que as coisas, os objetos, as pessoas, os pensamentos, os

valores, os conhecimentos sejam considerados de modo descontextualizado,

isolado, à margem de todo processo social que envolve o ser humano, assim a

sociedade é tida como

Um sistema de diferentes papéis e classes, cujos membros são desiguais.Somente a competência adquirida determina seu grau de participação deacordo com o mérito, seu direito de trabalhar “como médico”, “comopsicólogo”, “como comerciante”, ou de se abster desde que “eles nãotenham competência na matéria”. Troca de papéis e a capacidade deocupar o lugar de outro são muitas maneiras de adquirir competência ou dese isolar, de ser diferente. Nós nos confrontamos, pois, dentro do sistema,como organizações preestabelecidas, cada uma com suas regras eregulamentos. Daí as compulsões que nós experienciamos e o sentimentode que nós não podemos transformá-las conforme nossa vontade. Existeum comportamento adequado para cada circunstância, uma fórmulalinguística para cada confrontação e, nem é necessário dizer, a informaçãoapropriada para um contexto determinado. Nós estamos presos pelo queprende a organização e pelo que corresponde a um tipo de acordo geral enão a alguma compreensão recíproca, a alguma prescrições, não a umasequência de acordos (MOSCOVICI, 2003, p. 51-52).

É por meio das ciências que compreendemos os universos reificados; já as

representações emergem nos universos consensuais, sendo a natureza específica

das representações expressas por Moscovici (2003). Isto porque as representações

evocam a consciência coletiva, de modo a aproximar os grupos sociais da realidade,

do cotidiano, do lugar comum, do senso comum de acordo com suas necessidades,

ou seja, tornar familiar algo não familiar, ao contrário dos universos reificados que

conformam os interesses, os desejos, os acontecimentos de modo racional e

empírico, colocando-os, assim, de maneira imparcial e submissa diante das

estruturas da realidade. Consoante Moscovici (2003, p.54-55),

O que eu quero dizer é que os universos consensuais são locais onde todosquerem sentir-se em casa, a salvo de qualquer risco, atrito ou conflito. Tudoo que é dito ou feito ali, apenas confirma as crenças e as interpretaçõesadquiridas, corrobora mais do que contradiz, a tradição. Espera-se quesempre aconteçam, sempre de novo, as mesmas situações, gestos, ideias.A mudança como tal somente é percebida e aceita desde que ela apresenteum tipo de vivência e evite o murchar do diálogo, sob o peso da repetição.Em seu todo, a dinâmica das relações é uma dinâmica de familiarização,onde os objetos, pessoas e acontecimentos são percebidos ecompreendidos em relação a prévios encontros e paradigmas. Comoresultado disso, a memória prevalece sobre a dedução, o passado sobre opresente, a resposta sobre o estímulo e as imagens sobre a “realidade”.Aceitar e compreender o que é familiar, crescer acostumado a isso econstruir um hábito a partir disso, é uma coisa; mas é outra coisacompletamente diferente preferir isso como um padrão de referência e

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medir tudo o que acontece e tudo o que é percebido, em relação a isso.Pois, nesse caso, nós simplesmente não registramos o que tipifica umparisiense, uma pessoa “respeitável”, uma mãe, um Complexo de Édipoetc., mas essa consciência é usada também como um critério para avaliar oque é incomum, anormal e assim por diante. Ou, em outras palavras, o queé não-familiar.

Ao representarmos um objeto, uma pessoa, um fato, uma imagem, nos

remetemos ao conhecido, compartilhado pelo grupo social que estamos inseridos,

buscando os princípios que orientam as regras, as atitudes, os valores, ou seja, o

que é próximo, conhecido, familiar para podermos nos familiarizar com o que é

estranho, incomum, não-familiar. Este processo produz conflitos, fissuras,

rachaduras em nossos modos de representar o que antes era tido como comum e

normal nos processos sociais que estabelecemos com o mundo.

O desafio expresso por Moscovici (2003), ao propor os estudos das

representações sociais, é descobrir as fissuras, os conflitos, as rachaduras, os feixes

de luz de um determinado objeto, e, sobretudo, como eles nascem, se formam,

deformam, absorvem e constituem processos sociais de representações, nos quais

os grupos se apropriam desses conhecimentos advindos do mundo científico e,

portanto, não-familiar.

O grupo social, ao tentar buscar sentido e significado sobre as coisas, objetos

ou pessoas, tenta criar, incessantemente, mecanismos de estabilização, de

materialização e de familiarização do que é estranho, desconhecido, incomum,

tomando como referência o que já é comum, convencional às normas estabelecidas

por cada grupo social. Isto porque, no intuito de compreender o mundo e por meio

dele orientar e organizar as ações, ideias, atitudes e opiniões dos grupos sociais, é

necessária a mobilização de processos sociais de representação para dar sentido

aos eventos compartilhados por estes, tornando as palavras, as atitudes, os valores

e as ideais antes não-familiares agora comuns e usuais ao grupo.

Neste processo de familiarização, são também mobilizados mecanismos de

processos que envolvem o pensamento com base na memória e em conclusões

passadas (MOSCOVICI, 2003, p. 60). Este esforço de conhecer e de reconhecer

categorias antes não-familiares e de buscar na memória o que é familiar, próximo,

ocorre com o intuito de tornar as relações sociais dos grupos mais integradas,

contribuindo para o estabelecimento e a materialização das regras, das normas e

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das condutas que orientam e legitimam a ação dos indivíduos nos grupos sociais

nos quais estão inseridos.

Para Moscovici (2003), esses processos de formação das representações

sociais são concretizados a partir de dois mecanismos: a ancoragem e a

objetivação. O primeiro busca ancorar as ideias, os valores, as normas, as opiniões

que são estranhas, incomuns, não-familiares a categorias já consolidadas, comuns e

compartilhadas por um determinado grupo social, portanto, familiares. O segundo

mecanismo refere-se à objetivação, que visa a materializar algo abstrato, torná-lo

visível aos próprios olhos, dando uma sensação de concretude sobre determinado

objeto. Assim, Moscovici (2003, p.71) explicita que a

Objetivação une a idéia de não-familiaridade com a de realidade, torna-se averdadeira essência da realidade. Percebida primeiramente como umuniverso puramente intelectual e remoto, a objetivação aparece, então,diante de nossos olhos, física e acessível.

Em relação ao mecanismo de ancoragem, este remete ao que mais intriga,

incomoda, perturba e ameaça os indivíduos nos grupos em que participam, pela

necessidade de manter a harmonia e a constância presente no grupo; assim, os

agentes sociais tentam com muitos esforços ajustar, classificar e ancorar o

desconhecido a partir do que lhes são familiar, para manutenção e estabilização da

ordem e da orientação da conduta dos seus membros. Para Moscovici (2003, p.63),

“classificar algo significa que nós o confinamos a um conjunto de comportamentos e

regras que estipulam o que é, ou não é, permitido, em relação a todos os indivíduos

pertencentes a essa classe”.

Classificar um objeto, então, significa nomeá-lo e agrupá-lo a determinados

comportamentos, condutas e ações vivenciadas pelos indivíduos e seu grupo,

definindo o que é aceito, ou não, nas regras de convivência no interior dos mesmos,

colaborando para a constituição de sua identidade social, conforme o autor enfatiza,

Na realidade, é dada uma identidade social ao que não estava identificado –o conceito científico torna-se parte da linguagem comum e os indivíduos ousintomas não são mais que termos técnicos familiares e científicos. É dadoum sentido, ao que antes não o tinha, no mundo consensual. Poderíamosquase dizer que essa duplicação e proliferação de nomes corresponde auma tendência nominalística, a uma necessidade de identificar os seres eas coisas, ajustando-os em uma representação social predominante.(MOSCOVICI, 2003, p. 68).

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A Teoria das Representações Sociais têm contribuído de forma significativa

no modo de compreendermos determinados objetos de pesquisa, principalmente,

permitindo alcançarmos a realidade concreta onde são criadas ideias,

comportamentos, conceitos sobre o cotidiano que nos cerca.

O modo em que determinados objetos de pesquisa vem se configurando

como preocupações e inquietações dos pesquisadores demonstra que hoje na

sociedade moderna em que vivemos emergem novas questões e desafios. No

cotidiano escolar não é diferente, a prática pedagógica está a todo instante se

formando, modificando e se resignificando, pois estamos situados em um tempo em

que nada está de fato seguro, fixo, determinado.

Essa necessidade de compreender e se ajustar a essas constantes

mudanças e construir novas possibilidades de agirmos e interagirmos com o mundo,

permite que as representações sociais sejam a todo instante produzidas e

reconstruídas pelos grupos sociais na interação no e com o mundo. Conforme

defendido por Jodelet (2001, p. 17):

Sempre há necessidade de estarmos informados sobre o mundo à nossavolta. Além de nos ajustarmos a ele, precisamos saber como nos comportar,dominá-lo física ou intelectualmente, identificar e resolver os problemas quese apresentam: é por isso que criamos representações. Frente a essemundo de objetos, pessoas, acontecimentos ou idéias, não somos (apenas)automatismos, nem estamos isolados num vazio social: partilhamos essemomento com os outros, que nos servem de apoio, às vezes de formaconvergente, outras pelo conflito, para compreendê-lo, administrá-lo ouenfrentá-lo. Eis por que as representações sociais são sociais e tãoimportantes na vida cotidiana. Elas nos guiam no modo de nomear e definirconjuntamente os diferentes aspectos da realidade diária, no modo deinterpretar esses aspectos, tomar decisões e, eventualmente, posicionar-sefrente a eles de forma defensiva.

Nossa formação enquanto ser humano encontra ressonância com nossa

relação que estabelecemos com o mundo, com outro, seja na família, na igreja, ou

na escola. Somos sujeitos de interação, de partilha, de troca, de negação, de

conflito, mas é por meio desta relação que representamos e nos situamos na

sociedade. Nossas escolhas, ideologias, crenças não podem ser consideradas

isoladas do contexto sócio, econômico e político que é de fato o que nos orientam e

nos formam enquanto sujeitos sociais.

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As representações sociais revelam, assim, os discursos presentes nos

diferentes grupos sociais, traduzem, portanto, sua linguagem, sua palavra, seu modo

de se comunicar, o que manifesta os sentidos e significados que permeiam a

conduta e os valores defendidos por cada grupo.

Há então, um compartilhamento entre os indivíduos do grupo de

conhecimento, conceitos, ideias, imagens e discursos, os quais os orientam na

definição de suas regras, valores, princípios e comportamentos. Isto ocorre no meio

social, no cotidiano, no dia-a-dia, a todo instante são produzidas como fenômeno

social em representações sociais, conforme enfatiza Jodelet (2001, p. 17-18) “elas

circulam nos discursos, são traduzidas pelas palavras e veiculadas em mensagens e

imagens midiáticas, cristalizadas em condutas e em organizações materiais e

espaciais”.

Segundo Jodelet (2001) a relação entre as construções das representações

sociais estão intrinsecamente interligados com os sujeitos e o objeto de estudo, pois

é, o que a constitui enquanto saber prático, emergido no senso comum, ou seja, “a

representação social é sempre representação de alguma coisa (objeto) e de alguém

(sujeito)” (JODELET, 2001, p.27). Conforme demonstrado no diagrama abaixo:

DIAGRAMA 1 – O Campo das Representações Sociais

FONTE: Elaborado pela pesquisadora, com base nos estudos de Jodelet (2001).

Desta forma, as representações sociais partem do saber prático, do lugar

comum, delimitando os territórios onde dialogam o sujeito e o objeto. Território, onde

o sujeito encontra-se no objeto, e vice-versa. Isto porque, para Jodelet (2001) o

objeto nada mais é do que a expressão do sujeito, este último, o sujeito, integra em

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sua forma de ser e viver as referências obtidas em sua participação em processos

sociais e culturais compartilhados por diferentes grupos no cotidiano, produzindo e

resignificando as representações sobre a sociedade.

Outrossim, situar as condições em que este conhecimento prático é

produzido, compreender o seu contexto, delineamento, espessura, forma, textura

possibilita compreender a partir de que lugar são construídas as representações.

Para tanto, Jodelet (2001) formulou os seguintes questionamentos que permitem

compreender a construção das representações, a saber: quem sabe e de onde

sabe?; o que e como sabe?; sobre o que sabe e com efeito? (p.28). Estas

indagações são estruturadas a partir de três proposições: a) condições de produção

e circulação; b) processos e estados; c) estatuto epistemológico das representações

(JODELET, 2001, p.28).

Partir deste postulado significa compreender a constituição das

representações sociais no contexto de produção, ou seja, na inter-relação sujeito-

objeto-conhecimento em sua forma de funcionamento, organização, estrutura,

correspondências e categorias estabelecidas no e com o mundo social. Para tanto,

Jodelet (2001, p. 26) orienta quanto ao estudo das representações

As representações sociais devem ser estudadas articulando-se elementosafetivos, mentais e sociais e integrando – ao lado da cognição, dalinguagem e da comunicação – a consideração das relações sociais queafetam as representações e a realidade material, social e ideativa sobre aqual elas têm de intervir.

Nestes termos, as representações sociais mantêm a identidade grupal por

meio das relações sociais engendradas no contexto social, como forma de tornar

familiares as condutas e normas preestabelecidas. No entanto, diante de situações

não-familiares novos processos de representações sociais são mobilizados para

integrar os novos elementos a realidade da vida social.

Segundo Jodelet (2001), a familiarização sobre o que é desconhecido e

estranho pelo grupo, exige assim a mobilização de dois processos que contribuem

para a formação das representações: a ancoragem e a objetivação. A ancoragem

materializa as representações sobre determinado objeto as normas já existentes no

grupo, portanto, ela ancora e enraíza o objeto, antes desconhecido, situando-o aos

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valores e normas preexistentes, tornando-o assim, familiar as convenções

compartilhadas pelo grupo social.

A objetivação é constituída por Jodelet (2001, p.38), a partir de três fases: a

construção seletiva, esquematização estruturante e naturalização. Estas expressam

a relação existente entre o sujeito e suas escolhas, perspectivas, e significados

partilhados pelos grupos.

O presente estudo parte dos fundamentos teórico-metodológicos das

representações sociais, para investigar um contexto prático e social, onde ocorrem

as interações e construções das representações dos professores de educação

infantil em relação à criança negra.

2.3 ABORDAGEM E ESTRATÉGIAS METODOLÓGICAS

2.3.1 Tipo de pesquisa

A pesquisa constituiu-se em um estudo teórico descritivo a partir da

Abordagem Qualitativa (LÜDKE; ANDRÉ, 1986); (BOGDAN; BIKLEN, 1994). Esta

tem como fonte de estudo o ambiente social em que o pesquisador é o sujeito que

observará e analisará o ambiente a ser investigado. Toda a informação obtida, por

mais simples que seja, a princípio, será de grande importância para o estudo do

pesquisador, pois,

o processo de análise dos dados é como um funil: as coisas estão abertasde início (ou no topo) e vão-se tornando mais fechadas e específicas noextremo. O investigador qualitativo planeja utilizar parte do estudo paraperceber quais são as questões mais importantes. Não presume que sesabe o suficiente para reconhecer as questões importantes antes de efetuara investigação (BOGDAN e BIKLEN, 1994, p. 50).

No uso dessa abordagem metodológica, os autores Bogdan e Biklen (1994)

descrevem cinco características importantes para a escolha da investigação

qualitativa, a saber:

1. Tem como principal fonte o ambiente natural: “os investigadores

qualitativos frequentam os locais de estudo porque se preocupam com o contexto”

(BOGDAN e BIKLEN, 1994, p. 48);

2. A investigação qualitativa é descritiva, privilegiando a palavra e a imagem

em detrimento de dados numéricos; a descrição é muito importante, porém, não

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basta descrever a situação, é preciso compreender os significados que a envolvem,

registrando-a sob diversos ângulos, percebendo suas diversas facetas e analisando-

as conforme os padrões e as categorias estabelecidas;

3. Privilegia o processo da pesquisa em detrimento do produto final: “foca-se

no modo como as definições (as definições que os professores têm dos alunos, as

definições que os alunos têm de si próprios e dos outros) se formam” (idem, p.50);

4. Na pesquisa qualitativa, a análise dos dados ocorre de forma indutiva:

“não recolhem dados ou provas com o objetivo de confirmar ou infirmar hipóteses

construídas previamente; ao invés disso, as abstrações são construídas à medida

que os dados particulares que foram recolhidos se vão agrupando” (idem, p. 50);

5. Os significados atribuídos pelos sujeitos investigados são de grande

relevância na investigação qualitativa: “ao apreender as perspectivas dos

participantes, a investigação qualitativa faz luz sobre a dinâmica interna das

situações, dinâmica esta que é frequentemente invisível para o observador exterior”

(idem, p. 51).

Nesta perspectiva, a abordagem qualitativa possibilita a imersão do

pesquisador no cotidiano da realidade a ser investigada, no ambiente natural em que

os sujeitos estão inseridos, devendo ter o pesquisador um olhar aguçado em todas

as fases da pesquisa, buscando desvelar dados a partir da percepção e da

compreensão dos fatos tendo como referência a voz dos sujeitos investigados; é

necessário ainda desvelar as relações sociais subjacentes, considerando o contexto

social dos mesmos, conforme explicita Minayo (2010, p. 57),

O método qualitativo é o que se aplica ao estudo da história, das relações,das representações, das crenças, das percepções e das opiniões, produtosdas interpretações que os humanos fazem a respeito de como vivem,constroem seus artefatos e a si mesmos, sentem e pensam.

Torna-se relevante o diálogo entre o pesquisador e os sujeitos da pesquisa na

perspectiva da investigação qualitativa, com o intuito de possibilitar uma

aproximação e problematização sobre o objeto a ser investigado, pois

Os métodos qualitativos consideram a comunicação do pesquisador emcampo como parte explícita da produção de conhecimento, em vez desimplesmente encará-la como uma variável a interferir no processo. Asubjetividade do pesquisador, bem como daqueles que estão sendoestudados, tornam-se parte do processo de pesquisa (FLICK, 2009, p. 25).

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Portanto, na escolha da abordagem qualitativa, cria-se um campo fértil para

se explorar o locus de investigação, a partir do uso da observação, no intuito de

acompanhar todos os momentos de interação que envolve os sujeitos da pesquisa:

seus gestos, seus olhares, suas atitudes, seu comportamento, bem como captar o

que está oculto, não apenas tomando como referência o uso da entrevista, mas

também evidenciar as experiências relatadas considerando os contextos onde se

situam os sujeitos envolvidos.

A pesquisa qualitativa enfatiza o campo, não apenas como reservatório dedados, mas também como uma fonte de novas questões. O pesquisadorqualitativo não vai a campo somente para encontrar respostas para suasperguntas; mas também para descobrir questões, surpreendentes sobalguns aspectos, mas geralmente, mais pertinentes e mais adequadas doque aquelas que ele se colocava no início. Além disso, a própria logística daabordagem qualitativa (campo de pesquisa, observação participante,entrevistas não-dirigidas, relatos de vida) obriga o pesquisador a um contatodireto com o vivido e as representações das pessoas que ele pesquisa(DESLAURIERS e KÉRISIT, 2010, p. 148).

A abordagem qualitativa, principalmente em ambientes educacionais,

contribui significativamente para elucidar determinados fenômenos presentes na

realidade, a fim de que se aprofunde a reflexão sobre os significados e os sentidos

atribuídos pelos diversos atores sociais inseridos em dado contexto. Logo,

A abordagem qualitativa requer que os investigadores desenvolvam empatiapara com as pessoas que fazem parte do estudo e que façam esforçosconcentrados para compreender vários pontos de vista. O objetivo não é ojuízo de valor, mas o de compreender o mundo dos sujeitos e determinarcomo e com que critérios eles o julgam (MARCONDES, 2010, p. 34).

Neste estudo partimos da realidade em que os atores sociais estão inseridos,

para investigarmos o modo como os professores revelam em suas interações e suas

práticas as representações sociais em relação à criança negra na educação infantil.

2.3.2. O locus da pesquisa

Elegemos como ambiente social desta investigação uma Unidade de

Educação Infantil2 (BELÉM, 2003) – UEI, da Rede Municipal de Ensino de Belém –

2 Conforme a Resolução Nº 015/2003-CME, art.4º, § 2º - São consideradas como unidades deEducação Infantil todas aquelas que desenvolvem cuidado e educação de modo sistemático, por no

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RME, situada no Estado do Pará. Este é constituído por 143 municípios e tem como

capital a cidade de Belém, que apresenta uma área territorial de aproximadamente

de 1.059, 402 km², com uma população de 1.393.3993.

O município de Belém é também conhecido como “Metrópole da Amazônia”

e “Cidade das Mangueiras”, por possuir incontáveis mangueiras, que, além de

ornamentar as ruas da cidade, contribuem para amenizar o clima quente e úmido,

tipicamente equatorial. O município é o segundo maior da região norte, limitando-se

com o município de Ananindeua4.

A região metropolitana de Belém possui a seguinte localização geográfica:

ao norte: Baía do Marajó; ao nordeste: município de Santo Antônio do Tauá; a leste:

município de Santa Bárbara do Pará; a sudeste: municípios de Benevides e

Ananindeua; ao sul: município de Acará; a sudoeste: município de Barcarena; a

oeste: arquipélago do Marajó5, conforme ilustra o mapa a seguir:

Mapa 1: Região Metropolitana de Belém.

Fonte: Belém (2010).

mínimo 4 horas diárias na faixa etária de zero a seis anos, independente da denominação dasmesmas e, portanto, submetidas às normas estabelecidas pela presente Resolução.3 Dados do IBGE CIDADES 2010 – Disponível em <http:www.ibge.gov.br/cidadesat>. Acesso em 05de agosto de 2011.4 Wikipédia – Disponível em <http://pt.wikipedia.org/wiki/belgeografia>. Acesso em 06 de agosto de2011.5 Ver a respeito no Anuário Estatístico do Município de Belém. Belém – Pará, v. 15, 2010. <http://www.belem.pa.gov.br/app/c2ms/v/?id=1&conteudo=2995>. Acesso em 13 de jul. de 2003.

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O município de Belém se encontra organizado em oito distritos6 (BELÉM,

1994), conforme a seguinte divisão político-administrativa, a saber: 1º distrito

administrativo de Mosqueiro – DAMOS; 2º distrito administrativo de Outeiro –

DAOUT; 3º distrito administrativo de Icoaraci – DAICO; 4º distrito administrativo do

Benguí – DABEN; 5º distrito administrativo do Entroncamento – DAENT; 6º distrito

administrativo de Sacramenta – DASAC; 7º distrito administrativo de Belém –

DABEL; 8º distrito administrativo do Guamá – DAGUA.

No que se refere ao sistema de educação, a Secretaria Municipal de

Educação de Belém segue esta distribuição distrital para organização de seus

espaços educativos, a saber: 63 escolas, 53 unidades pedagógicas (antigos

anexos); 35 unidades de educação infantil (antigas creches), além dos convênios

sociais7, com atendimento de aproximadamente 70.162 alunos no ano de 2011,

distribuídos da seguinte maneira: 45.632 no ensino fundamental, 16.471 na

educação infantil e 8.059 na educação de jovens e adultos. Em 2011, a rede

apresentava 1.986 professores, sendo 1.530 efetivos e 456 prestadores,

redistribuídos da seguinte forma: ensino fundamental: 962 efetivos e 86 prestadores;

educação infantil: 276 efetivos e 354 prestadores; educação de jovens e adultos 292

efetivos e 16 prestadores8.

Em relação à educação infantil na Rede Municipal, o atendimento das

16.471 crianças no ano de 20119, na faixa etária de 0 à 5 anos, encontra-se

organizado da seguinte maneira, a saber: a) Berçário I (crianças de 6 meses até um

ano); b) Berçário II (crianças de um ano até dois anos); c) Maternal I (crianças de

dois anos até três anos); d) Maternal II (crianças de três anos até quatro); f) Jardim I

(crianças de quatro até cinco anos); g) Jardim II (crianças de cinco até seis anos).

6 Conforme a Lei Ordinária N.º 7682, 05 DE JANEIRO DE 1994, que dispõe sobre a regionalizaçãoadministrativa de Belém, delimitando os respectivos espaços territoriais dos distritos administrativos.Os distritos administrativos são definidos conforme as áreas que os compõem a partir das seguintescaracterísticas: I - relações de integração funcional de natureza econômico-social; e II - urbanizaçãocontínua entre bairros e/ou áreas limítrofes ou que manifestem tendências nesse sentido.

7 Os convênios sociais são estabelecidos mediante a parceria da comunidade na concessão doespaço físico.8 Informações obtidas na Secretaria Municipal de Educação- SEMEC/DIED/NUSP/SINBESA9 Dados fornecidos pela Secretaria Municipal de Educação SEMEC/DIED/NUSP/SINBESA.

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Gráfico 1 – Número de crianças atendidas na Educação Infantil na RME.

Fonte: Gráfico elaborado pela pesquisadora com base nos dados disponibilizados pelaDIED/NUSP/SINBESA.

Observando estes dados de atendimento da educação infantil na RME de

Belém, destacamos um maior atendimento de crianças no Jardim I e II, com 35,91%

e 43%64, respectivamente, em detrimento ao atendimento de crianças no Maternal I

e II, com 13,22% e 5,53%, respectivamente. No que se refere às crianças na faixa

etária de 0 a 2 anos, evidenciamos um número ainda mais reduzido no atendimento

no Berçário I e II, com 0,30% e 1,39%, nesta ordem.

Nesta pesquisa não temos a intenção de aprofundarmos sobre que fatores

justificam um atendimento expressivo em uma determinada idade em detrimento de

outra. No entanto, os dados servem para conhecermos como se configura o

atendimento da educação infantil na Secretaria Municipal de Educação de Belém –

SEMEC.

A unidade de educação infantil que serviu de locus para o presente estudo

está inserida no distrito do DABEN10 (BELÉM, 1996). Os critérios utilizados para a

10 A Lei Ordinária N.º 7806 de 30 DE JULHO DE 1996, delimita as áreas que compõem os bairrosde Belém, estabelecendo como delimitação do bairro do BENGUÍ as seguintes áreas: Compreende aárea envolvida pela poligonal que tem início na interseção da Estrada da Pratinha com a Estrada doYamada segue por esta até encontrar com a Estrada do Benguí, dobra à esquerda e segue por estaaté encontrar o muro da CATA, que faz fundo com a Pass. S. José e segue por esta até encontrar aPass. S. Francisco, segue por esta até a Pass. S. Benedito, segue por esta até a Pass. SantoAntonio, flete à esquerda e segue por esta até a projeção do travessão do Residencial Natália Lins,dobra à direita e segue por este até encontrar a Pass. Magalhães Barata, flete à direita e segue poresta até encontrar os limites do terreno do muro da INFRAERO por onde segue até encontrar alateral esquerda do Cemitério do Benguí (9.848.150mN/781.800 mE), flete à direita e segue por estaaté encontrar o travessão dos terrenos da MICON (9.848.160 mN/782 060 mE), dobra à esquerda e

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escolha do locus da pesquisa foi direcionado intencionalmente a partir dos seguintes

aspectos: a) unidades de educação infantil que atendam crianças de 4 a 5 anos, na

pré-escola, preferencialmente em atendimento em tempo integral; b) unidades de

educação infantil que apresentem em sua proposta pedagógica a inserção da

temática das questões raciais; c) a aceitação por parte da instituição de ensino em

permitir a realização da pesquisa.

O levantamento das unidades de educação infantil ocorreu mediante

pesquisa exploratória nas unidades do bairro do Benguí, no período de maio a junho

de 2011, a fim de que se definisse o locus de realização da pesquisa, observando os

critérios estabelecidos. Dessa forma, conversamos com as coordenadoras das

unidades, no total de quatro, sobre o tema de estudo e seus respectivos objetivos,

bem como a relevância do estudo. A partir destes diálogos com as coordenadoras,

detectamos nas suas falas o interesse em participar do estudo; algumas sinalizando

que não tinham interesse em participar porque acreditavam que não havia nenhum

problema de preconceito racial com relação à criança negra, seja por parte dos

professores, dos funcionários ou das demais crianças; outras coordenadoras, já de

início, expuseram o interesse em participar do estudo, pois presenciavam conflitos

de cunho racial, e muitas vezes não sabiam como mediá-los. Além disso,

observamos se a unidade já tinha algum projeto voltado para as questões do

respeito às questões raciais.

Após este levantamento inicial, definimos a unidade que seria investigada, e

a partir de então solicitamos a autorização da SEMEC, por meio de sua Diretoria de

Educação – DIED, para iniciarmos o estudo na unidade. Com a concessão pela

SEMEC, providenciamos também a autorização formal da coordenadora da unidade,

e, logo em seguida, esclarecemos junto aos professores os objetivos do estudo e

como seria a participação nas turmas que iríamos observar. Elucidamos que não

estaríamos realizando estágio nem atividade de assessoramento, pois, como técnica

da secretaria, acompanhávamos algumas unidades. Nesse sentido, explicamos que

nossa atividade seria como pesquisadora, e como tal, não iríamos interferir nas

atividades e na orientação junto às crianças.

segue por este até encontrar a Estrada da Pratinha (9.848.380 mN/782 060 mE), dobra à direita esegue por esta até a Estrada S. Clemente, dobra à direita e segue por esta até sua interseção comIgarapé Val-de-Cães por onde segue a montante até a Estrada da Pratinha, flete a direita e seguepor esta até o início da poligonal.

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A princípio não houve muita resistência na aceitação a partir da

apresentação do termo livre esclarecido. Observamos, no entanto, no decorrer da

pesquisa de campo, algumas indagações sobre o que estávamos, de fato,

observando, qual nossa intenção, quais eram os objetivos da pesquisa, apesar de já

termos esclarecido em outros momentos sobre isto; sempre quando indagavam,

procurávamos esclarecer as dúvidas e as inquietações.

A Unidade de Educação Infantil – UEI pesquisada encontra-se localizada no

bairro do Benguí, dentro de um conjunto residencial.

FOTO 1: Fachada da unidade de educação infantil pesquisada

Fonte: Pesquisa de campo (2011)

A UEI11 apresenta no que se refere ao aspecto físico da unidade, a seguinte

estrutura: 4 salas de aula; 1 cozinha; 1 depósito de alimentos; 1 salão/ refeitório; 1

sala de coordenação12; 7 banheiros com chuveiros; 7 sanitários infantis; 1 banheiro

para funcionários; 1 área verde contendo brinquedos para o lazer; 1 quintal,

conforme podemos observar nas fotos a seguir.

11 Neste estudo, a Unidade de Educação Infantil terá sua identificação preservada, assim,utilizaremos um nome fictício para sua referência.12 A coordenação é responsável tanto pela parte pedagógica quanto pela administração da unidade.

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FOTO 2: Área externa de recreação I FOTO 3: Área externa de recreação II

Fonte: Pesquisa de campo (2011) Fonte: Pesquisa de campo (2011)

A unidade apresenta uma coordenação geral que organiza as atividades

pedagógicas junto ao corpo docente e também encaminha os aspectos

administrativos e financeiros da unidade. A lotação dos servidores encontra-se

organizada da seguinte maneira:

QUADRO 3: Lotação dos servidores na unidade investigada

UNIDADE DE EDUCAÇÃO INFANTIL

CARGO/FUNÇÃO QUANTIDADE DE SERVIDORES

Coordenadora13 01

Professores14 09Estagiárias 03Serventes 03

Merendeiras 04Vigilantes 03

TOTAL 23Fonte: Elaborado pela pesquisadora a partir dos dados obtidos no Projeto Político- Pedagógico(2007)

A coordenadora informou que a presença de estagiários observados no

quadro acima justifica-se pela orientação da Secretaria Municipal em lotá-los nas

turmas de Maternal I, onde são atendidas crianças na faixa etária de 2 a 3 anos, o

13 Nas Unidades de Educação Infantil do Município de Belém não há o cargo de diretor, existe alotação de somente um Coordenador, que assume funções administrativas e pedagógicas.14 A maioria dos professores são prestadores, exceto uma professora do maternal I, realidadeencontrada na maioria das unidades, no entanto, ressalto que todas as prestadoras apresentamexperiência com a educação infantil nesta unidade.

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que exige maiores cuidados e atenção no trato à criança devido as suas

particularidades e singularidades. O estágio é uma atividade remunerada, sendo

também parte integrante das disciplinas de estágios curricular das universidades

públicas de Belém. Nas demais turmas, há um professor lotado por turno em cada

turma. Sendo assim, cada turma é atendida por dois professores, um pelo turno da

manhã e outro pelo turno da tarde, com exceção do Maternal I que encontramos

dois professores por turno, mas o estagiário, conforme destacamos anteriormente.

A unidade realiza atendimento de crianças na faixa etária de 02 a 05,

apresentando, assim, um atendimento a 100 crianças, aproximadamente, no horário

integral das 7h30 às 18h, enturmadas conforme quadro abaixo15.

Quadro 4 – Número de crianças atendidas na unidade investigada

UEI TURMA FAIXA ETÁRIA TURNONº DE

ALUNOS

Nº DEPROFESSORAS

POR TURMA

Cirandinha16

Maternal I de 2 até 3 anos

Tempo

Integral

25 3

Maternal II de 3 até 4 anos 25 2

Jardim I de 4 até 5 anos 25 2

Jardim II de 5 até 6 anos 25 2

Fonte: Elaborada pela pesquisadora de acordo com os dados fornecidos pela coordenação da UEI edo Projeto Político Pedagógico (2007).

Esta distribuição observada no quadro acima, no atendimento às crianças, foi

reorientada no Projeto Político Pedagógico (2007), já que desde a fundação da

unidade de educação infantil, em 1990, na qual ocorria o atendimento de crianças

de 0 a 6 anos, este atendimento foi sendo progressivamente modificado, visando a

atender, a partir de 2006, as novas demandas da comunidade extraescolar.

A unidade recebe um suprimento de fundo trimestralmente correspondente a

R$ 2.430,00, para a manutenção de despesas com material de expediente, dentre

outros. Além desse recurso financeiro, a FMAI fornece os alimentos e a SEMEC

distribui um Kit-escolar e uniforme padronizado da RME. Para manutenção do

15 Informações obtidas com a coordenadora da unidade.16 Nome fictício da Unidade visando preservar sua identidade, de acordo com os princípios éticosestabelecidos nesta pesquisa.

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prédio, existe co-responsabilidade da unidade juntamente com a secretaria de

educação.

No aspecto pedagógico, a unidade apresenta os seguintes documentos que

orientam suas ações: Projeto Político Pedagógico (2007); Plano de Ensino; e o

Regimento Interno que está sendo orientado pela DIED/SEMEC.

O Projeto Político Pedagógico (2007) está estruturado da seguinte forma: 1)

apresentação; 2) justificativa; 3) objetivos geral e específicos; 4) histórico da

unidade; 5) rotina da unidade; 6) diagnose da unidade; 7) área construída da

unidade; 8) estrutura física da unidade; 9) material permanente; 10) relação nominal

das coordenadores; 11) relação nominal dos docentes; 12) relação nominal do corpo

funcional; 13) contextualização da unidade: a) ambiente físico e social; b) qualidade

de vida da comunidade; c) aspectos socioculturais; d) identificação dos problemas;

e) problemas educativos; f) problemas de funcionamento da unidade; g) problemas

relacionados ao sistema educativo; h) organização da unidade; i) componentes

existentes nas proximidades da unidade; j) planos e atividades; 15) o currículo.

2.3.3. Os sujeitos da pesquisa

Os atores sociais que participaram deste estudo foram 4 (quatro)

professoras que atendem as crianças de 4 e 5 anos em uma unidade de educação

infantil. Entretanto, tornou-se relevante ouvir os demais profissionais que atuam na

UEI. Para tanto, elegemos a, então, coordenadora da unidade, que contribui para o

direcionamento do trabalho pedagógico na mesma.

As professoras e a coordenação pedagógica participaram da pesquisa da

seguinte forma: a) as quatro professoras, juntamente com a coordenadora

pedagógica, participaram contribuindo com a concessão de entrevista; b) para

realização da observação, elegemos duas turmas envolvendo 4 professoras, a

saber: 2 (duas) professoras que atendem uma turma com crianças na faixa etária de

4 (quatro) anos – Jardim I - no ano de 2011, onde a observação ocorreu no período

de outubro a dezembro e 2 (duas) professoras que atendem uma turma com

crianças na faixa etária de 5 (cinco) anos – Jardim II – no ano de 2012, nos meses

de junho, agosto e setembro, envolvendo no total 4 (quatro) professoras. As

professoras cumprem sua carga-horária de trabalho da seguinte forma: uma pela

manhã, no horário de 7h30 às 13h30, e a outra pela tarde, no horário de 13h30 às

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18h30. Assim, para preservar a face dos sujeitos investigados, identificamo-los por

meio de nomes fictícios, conforme ilustra o quadro abaixo:

QUADRO 5: Identificação das professoras investigadasUNIDADE DE EDUCAÇÃO INFANTIL CIRANDINHA

ANO TURMA PROFESSORAS17 TURNOS PERÍODOSINVESTIGADO

SESSÕESREALIZADAS

2011 JARDIM I ROSA MANHÃ OUTUBRO ADEZEMBRO 24MARGARIDA TARDE

2012 JARDIM IIDÁLIA MANHÃ JUNHO/

AGOSTO ESETEMBRO

18HORTÊNCIA TARDE

Fonte: Elaborado pela pesquisadora com base na pesquisa de campo 2012.

Ao nos referirmos às professoras, destacaremos o nome fictício, a turma, o

ano e a letra inicial dos turnos (manhã e tarde), conforme exemplificamos a seguir:

Profª. Rosa/JI/2011/M; Profª. Margarida/JI/2011/T; Profª. Dália/JII/2012/M; Profª.

Hortência/ JII/ 2012/T. Em relação à coordenadora, não daremos nenhum nome

fictício, mas também não usaremos seu nome verdadeiro, iremos nos referir ao citá-

la como coordenadora, preservando deste modo sua identidade.

Em relação às sessões de observação, foram no total 42, sendo 24 sessões

realizadas no ano de 2011, no período de outubro a dezembro, e 18 sessões

realizadas no ano de 2012, nos meses de junho, agosto e a primeira quinzena de

setembro. Cada sessão corresponde a um turno, a qual teve em média de 3 a 4

horas de permanência da pesquisadora em campo, totalizando cerca de 168 horas

de observação nas duas turmas em que ocorreu o presente estudo. Além das

sessões realizadas, ocorreram desde a pesquisa exploratória até a realização das

entrevistas, momentos em que ocorreram diálogos informais, reuniões em que pude

participar, momentos pedagógicos nas unidades, dentre vários momentos que

consideramos relevantes para comporem a análise e a reflexão sobre o objeto de

estudo.

As crianças atendidas, no total de 15, e que prosseguiram na mesma turma,

nos respectivos anos de 2011 e 2012, e que apesar de não participarem diretamente

dos processos de entrevistas, são objetos diretos deste estudo, e, sendo assim,

terão os registros de suas falas observadas nos momentos de interação com as

17 Os nomes das participantes da pesquisa são fictícios, a fim de preservarmos sua identidade. Paratanto, elegemos nomes de flores para designar seus nomes.

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professoras e com seus pares no cotidiano da unidade. Para não identificá-los, como

forma de preservar as suas identidades, manteremos somente as inicias dos seus

nomes, conforme destacado abaixo.

QUADRO 6: Identificação das crianças

CRIANÇAS18

1 C (menino) 10 M2 (menina)2 E (menina) 11 M3 (menina)3 F (menina) 12 P1 (menino)4 H (menino) 13 P2 (menino)5 I (menino) 14 R1(menina)6 J (menino) 15 R2 (menina)7 K (menina) 16 R3 (menina)8 L (menina) 17 W (menino)9 M1 (menino)

Fonte: Elaborado pela pesquisadora com base na pesquisa de campo 2011/2012.

Segundo identificamos no quadro, a turma é composta por oito meninos e

nove meninas. Destas, identificamos 5 crianças negras, sendo um menino (J) e

quatro meninas (K; R1; R2 e R3). No entanto, durante a observação, verificamos

que as professoras, quando se referem à criança negra, fazem alusão somente a

duas crianças (R2 e R3)19.

Os critérios utilizados para seleção dos sujeitos da pesquisa foram

direcionados a partir dos seguintes aspectos: a) os professores que tenham

experiência no exercício na educação infantil; sejam professores em início de

carreira, sejam professores com uma longa trajetória de experiência na educação

infantil, e também professores em fim de carreira, mas que também tenham uma

trajetória nas unidades de educação infantil; b) professores que desenvolvam

práticas pedagógicas que estejam voltadas para o reconhecimento e a valorização

da cultura no trato com as questões raciais; c) a concessão dos sujeitos em

participarem da pesquisa, partindo, assim, da lógica da acessibilidade20.

18 Para melhor identificação das crianças que possuem as mesmas iniciais em seus nomes,acrescentamos um número para podermos diferenciá-las. Esclarecemos, ainda, que estas criançasparticiparam da mesma turma, observada nos respectivos anos de 2011 e 2012, sendo que no anode 2011 encontravam-se matriculadas na turma de crianças de 4 anos/ Jardim I, prosseguindo no anode 2012 para a turma de crianças de 5 anos/ Jardim II.19 Esta questão será melhor esclarecida em nossa análise, na 5ª seção deste estudo.20 A lógica da acessibilidade considera que para realização da pesquisa em campo acha permissãopara a efetivação da mesma pelos atores sociais. Ver mais em Jaccoud e Mayer (2010, p. 254-294).

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2.3.3.1 O perfil dos sujeitos investigados

Conforme a realização da entrevista, obtivemos informações, no primeiro

item, sobre o perfil dos sujeitos investigados, acerca dos seguintes aspectos: faixa

etária; sexo; autoclassificação por cor/ raça; formação acadêmica; experiência

profissional; turno de trabalho; carga-horária de trabalho e renda mensal. Assim,

detalharemos a seguir os dados obtidos.

Trabalhamos com um universo de 5 profissionais da educação infantil que

desenvolvem suas atividades na unidade investigada. No que se refere à faixa etária

dos participantes, verificamos os seguintes dados: 60% dos participantes possuem

faixa etária de 36 e 40 anos; 20%, idade entre 26 e 30 anos e os outros 20%

possuem entre 41 e 45 anos; todas são do sexo feminino, sendo uma coordenadora

e 4 professoras.

Gráfico 2 – Informações sobre a faixa etária dos sujeitos investigados

Fonte: Elaborado pela pesquisadora com base na realização de entrevista-perfil/2012

Nas informações obtidas sobre o perfil dos participantes da pesquisa com

relação à atribuição de sua cor/raça, observamos um certo receio pelos sujeitos

investigados em conceder esta informação, pois os mesmos questionavam: “é

preciso mesmo eu informar?”. Isto ocorreu, conforme constatamos no momento da

realização das entrevistas, pelo não reconhecimento por parte dos participantes de

sua pertença racial, consoante ilustram as falas a seguir: “Será que eu sou parda, ou

branca?”; “Sou branca, mas tenho descendência de negro e de portugueses na

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minha família, então, sou branca ou negra?”. Nesse sentido, procuramos não

interferir na opção, deixando os participantes definirem se iriam ou não declarar sua

autoclassificação racial; no entanto, orientamos sobre a relevância não somente na

identificação dos participantes do estudo, mas também no reconhecimento de si

enquanto professores e o reflexo para sua prática docente junto às crianças.

Durante a realização das entrevistas, 2 professoras não realizaram sua

autoclassificação racial, no entanto, quando devolvemos as entrevistas já transcritas

e solicitamos que cada participante fizesse as alterações necessárias, as referidas

professores entregaram os dados contendo as informações sobre a cor/raça.

Nesses termos, obtivemos os seguintes resultados: 03 professores se

autodeclararam pardos; 01 professora se autodeclarou preta e a coordenadora se

autodeclarou branca, conforme quadro a seguir.

QUADRO 7 – Autoclassificação dos sujeitos investigados sobre sua Cor/Raça.COR/RAÇA Nº DE PROFESSORESBRANCO 01PARDO 03PRETO 01

AMARELO -INDÍGENA -

OUTRO -TOTAL 05

Fonte: Dados obtidos a partir da realização da entrevista, 2012.

Essa autodeclaração foi de suma importância na confrontação com os dados

obtidos na entrevista e principalmente na observação, por demarcar o lugar onde

cada participante da pesquisa se situa no e com o mundo; consigo e com o outro;

como são efetivadas as suas representações sobre sua pertença racial e o modo

como isto influi em sua trajetória docente no trato com as diferenças raciais, que é o

que analisaremos no decorrer desta seção.

No tocante à formação acadêmica dos participantes do estudo, ressaltamos

que todas possuem nível superior completo em Pedagogia, título obtido em

universidades particulares de Belém e de São Paulo, a saber: Universidade

Adventista de São Paulo (Coordenadora) – NASP; Universidade da Amazônia –

UNAMA (Profª. Hortência/JII/2012/T); Universidade Vale do Acaraú – UVA (Profª.

Rosa/JI/2011/M e Profª. Dália/JII/2012/T); Faculdade Integrada Brasil Amazônia-

FIBRA (Profª. Margarida/JI/ 2011/T); concluídas respectivamente nos anos de 1995,

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1999, 2008, 2009 e 2011. Ressaltamos ainda que, em nível de pós-graduação, duas

professoras informaram que estão realizando estudos de pós-graduação strictu

senso, com ênfase em dois campos, a saber: gestão educacional (Profª.

Rosa/JI/2011/M) e educação inclusiva (Profª. Margarida/JI/ 2011/T).

A trajetória dos profissionais participantes deste estudo no campo da

educação infantil teve início, em sua maioria, por meio de estágio curricular

realizados na educação infantil. Proximidade e afinidade com o trabalho

desenvolvido nas unidades de educação infantil impulsionaram as professoras em

trilharem sua caminha neste campo.

No que se refere ao tempo de experiência na educação infantil, duas

participantes possuem de 8 a 10 anos (a coordenadora e a Profª.

Hortência/JII/2012/T); e três participantes possuem de 3 a 5 anos (Profª.

Rosa/JI/2011/M; Profª. Dália/JII/2012/T; Profª. Margarida/JI/ 2011/T). Ressaltamos

também que as professoras, com exceção da coordenadora, iniciaram sua atividade

profissional na unidade investigada, onde continuam atualmente. Três participantes

informaram que, além da experiência na educação infantil, desenvolveram

atividades em outros níveis e modalidade de ensino, conforme destacamos a seguir:

ensino fundamental (coordenadora; Profª. Margarida/JI/2011/T; Profª.

Hortência/JII/2012/T); educação de jovens e adultos (coordenadora); e ensino

superior (coordenadora). As outras duas professoras ressaltaram que atuam

somente na educação infantil.

Em relação à atividade profissional desenvolvida atualmente, as três

professoras informaram que estão trabalhando somente na unidade investigada nas

turmas de educação infantil, com carga-horária diária entre 6 a 8 horas. Uma

professora declarou que desenvolve atividade em turmas de educação infantil em

uma escola particular, com uma carga-horária diária também entre 6 a 8 horas. Já a

coordenadora informou que, paralelamente ao cargo exercido na unidade, trabalha

ainda em turmas de jovens e adultos, com uma carga-horária diária de trabalho

acima de 8 horas.

Destacamos que os rendimentos salariais de três professoras apresentam-se

em torno de dois salários mínimos, uma professora declarou rendimentos de três

salários mínimos e a coordenadora da unidade informou rendimentos acima de

quatro salários mínimos, conforme visualizamos no quadro a seguir.

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QUADRO 8– Perfil profissional dos sujeitos participantes da pesquisa

SUJEITOS DAPESQUISA

ATUAÇÃOPROFISSIONAL 21 TURNO CARGA-

HORÁRIARENDA

MENSAL

CoordenadoraEducação Infantil Matutino e

Vespertino acima de 8horas

acima de 4saláriosmínimosEducação de Jovens

e Adultos Noturno

Profª. Rosa/JI/2011/M Educação Infantil Matutino eVespetino

entre 6 a 8horas

três saláriosmínimos

Profª. Margarida/JI/2011/ Educação Infantil Matutino entre 6 a 8

horas dois salários

Profª. Dália/JII/2012/T Educação Infantil Matutino entre 6 a 8horas dois salários

Profª.Hortência/JII/2012/T Educação Infantil Matutino entre 6 a 8

horas dois salários

Fonte: Elaborado pela pesquisadora com base nos dados coletados na entrevista/2012.

A compreensão de quem são os atores sociais, sua identificação profissional,

seu pertencimento racial, o modo como situa sua formação acadêmica e

profissional, é elemento determinante para refletirmos sobre a constituição de suas

representações sociais sobre a criança negra. Essas informações constituem a

maneira de ser, de pensar e de agir como professor e interferem diretamente na sua

prática pedagógica com as crianças.

2.3.4. Instrumentos de produção de dados

2.3.4.1 Levantamento documental

Assumimos ainda como fonte de dados o documento escrito, o qual

constitui, de acordo com Cellard (2010, p. 295-296), “uma fonte extremamente

preciosa para todo pesquisador”, no entanto, o autor ressalta ser imprescindível que

o pesquisador avalie a “credibilidade” e a “representatividade” no momento da

escolha dos documentos, visando, assim, a sua validade na pesquisa qualitativa. O

21 As informações sobre a atuação profissional referem-se ao ano de 2012.

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autor orienta quanto à importância da análise preliminar dos documentos; todavia,

ressalta que o pesquisador deverá ter “um olhar crítico” sobre a análise que

pretende realizar.

Este autor destaca, ainda, cinco dimensões que envolvem a análise

documental, a saber: a) o contexto: trata-se de situar o contexto social no qual um

dado documento foi produzido, pois “o analista não poderia prescindir de conhecer

satisfatoriamente a conjuntura política, econômica, social, cultural, que propiciou a

produção de um dado documento” (2010, p. 299); b) o autor ou os autores:

identificar quem são os autores que produziram um determinado documento implica

na sua análise, uma vez que, por meio da identificação dos mesmos, é possível

revelar suas motivações e seus interesses em elaborarem um dado documento;

assim sendo, “elucidar a identidade do autor possibilita, portanto, avaliar melhor a

credibilidade de um texto, a interpretação que é dada de alguns fatos, a tomada de

posição que transparece de uma descrição [...]” (idem, p. 300); c) a autenticidade e a

confiabilidade: o cuidado que o pesquisador deve ter em verificar a procedência do

documento a ser analisado torna-se relevante para “assegurar-se da qualidade da

informação transmitida” (idem, p. 301); d) a natureza do texto: considerar a natureza

e o suporte em que o documento foi produzido possibilita avaliar que “a estrutura de

um texto pode variar enormemente, conforme o contexto no qual ele é redigido”

(idem, p. 302); e) os conceitos-chave e a lógica interna do texto: a análise

documental envolve ainda a compreensão pelo pesquisador dos sentidos dos

termos empregados pelos autores de determinado documento escrito; assim, “deve-

se também prestar atenção aos conceitos-chave presentes em um texto e avaliar

sua importância e seu sentido, segundo o contexto preciso em que eles são

empregados (idem, p. 303).

Na escolha de documentos como fonte, cabe ao pesquisador tomar os

devidos cuidados na escolha e na análise dos mesmos, bem como estabelecer uma

mediação entre o rigor, a criatividade, a curiosidade no decorrer das etapas que

envolvem o processo de análise, a partir da “leitura repetida que permite, finalmente,

tomar consciência das similitudes, relações e diferenças capazes de levar a uma

reconstrução admissível e confiável” do documento (CELLARD, 2010, p. 304).

Elegemos então, neste estudo, como fontes para recolha de dados

empíricos, os documentos oficiais, a saber: a) Diretrizes Curriculares para Educação

Infantil; b) Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-

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Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana; c) Lei nº

9.394/96 – Estabelece Diretrizes e Bases da Educação Nacional; d) Lei nº 10.639.

Além dos documentos oficiais, foram analisados os documentos pedagógicos que

orientam o trabalho desenvolvido na unidade de educação infantil como: o Projeto

Político-Pedagógico (2007) e os Planos de Ensino dos Professores (2011 e 2012).

Destacamos a relevância na escolha dos respectivos documentos por estes

configurarem os novos marcos legais na atualidade da política nacional em prol do

reconhecimento e da valorização da diversidade cultural e étnico-racial no contexto

da educação básica, abrangendo, então, a educação infantil.

2.3.4.2. Observação

Neste estudo, levamos em consideração alguns aspectos que envolvem a

técnica da observação para a coleta de dados empíricos, pois, na pesquisa

qualitativa, o uso da observação tem contribuído significativamente para coleta de

dados, principalmente os de natureza não-verbal. Entretanto, o observador deve ir

além de olhar a realidade imediata, devendo identificar e descrever os diversos tipos

de interações e de processos humanos, exigindo, então, por parte do observador

uma maior sensibilidade no trabalho de campo, bem como a definição de objetivos,

planejamento e formas de registros dos dados para a garantia da confiabilidade dos

resultados (VIANNA, 2007).

A observação é uma das mais importantes fontes de informação empesquisas qualitativas em educação. Sem acurada observação, não háciência. Anotações cuidadosas e detalhadas vão constituir os dados brutosdas observações, cuja qualidade vai depender, em grande parte, da maiorou menor habilidade do observador e também da sua capacidade deobservar, sendo ambas as características desenvolvidas,predominantemente, por intermédio de intensa formação (VIANNA, 2007,p.12).

Lüdke e André (1986) ressaltam que a técnica de observação na pesquisa

qualitativa aproxima o pesquisador do fenômeno investigado, na medida em que

favorece um contato pessoal e estreito com o objeto de estudo, possibilitando ao

pesquisador ampliar sua compreensão e reflexão sobre a realidade.

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A observação direta permite também que o observador chegue mais pertoda “perspectiva dos sujeitos”, um importante alvo nas abordagensqualitativas. Na medida em que o observador acompanha in loco asexperiências diárias dos sujeitos, pode tentar apreender a sua visão demundo, isto é, o significado que eles atribuem à realidade que os cerca e àssuas próprias ações (LÜDKE e ANDRÉ, 1986, p. 26).

Adotamos a observação direta com a intenção de buscar indícios que

revelem, de uma forma ou de outra, aspectos do cotidiano vivenciados pelos atores

sociais participantes da pesquisa em relação ao objeto deste estudo, e de acordo

com os objetivos pretendidos.

Trata-se de uma técnica direta, já que há um contato com informantes.Trata-se, também, de uma observação não-dirigida, na medida em que aobservação da realidade continua sendo o objetivo final e, habitualmente, opesquisador não intervém na situação observada. Trata-se, ainda de umaanálise qualitativa, uma vez que entram em jogo anotações para descrevere compreender uma situação (JACCOUD e MAYER, 2010, p. 255)

Para tanto, elegemos os seguintes aspectos que nortearam o processo da

observação, a saber: a organização da prática pedagógica do professor no trato com

a questão racial; as intervenções estabelecidas entre o educador e a criança no trato

com as questões que envolvem a manifestação de atitudes de preconceito e de

discriminação racial; o modo em que ocorrem a socialização da criança negra nas

atividades desenvolvidas nas turmas de educação infantil.

Cientes de que em um processo que envolve a imersão no cotidiano dos

sujeitos investigados há que se ter a devida curiosidade e sensibilidade em olhar

com rigor científico todos os aspectos verbais e não-verbais; o enunciado e o

silenciado nas interações com os sujeitos.

Chizzotti (2010, p.173) ressalta que a observação “não consiste apenas em

ver e ouvir”, mas cabe ao pesquisador, no contato direto com os sujeitos e diante de

sua realidade social, fazer análise crítica de como ocorre os fatos e os fenômenos

que se pretender estudar. Já para Minayo (2010), este, somado com o ambiente

observado, exige, por parte do pesquisador, o estabelecimento de critérios e de

atitudes diante do contexto observado.

Isso significa imergir na realidade e concomitante dominar os referenciaisteóricos necessários à investigação. A atitude do observador científicoconsiste em colocar-se do ponto de vista do grupo pesquisado, comrespeito, empatia e inserção, o mais íntima e mais intensamente possível.

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Significa, por parte do pesquisador, ter abertura para o grupo, sensibilidadepara sua lógica e para sua cultura (MINAYO, 2010, p. 277).

A observação requer ainda, por parte do pesquisador, um rigoroso

detalhamento de todos os momentos em que a mesma ocorrerá, pois de acordo com

Bogdan e Biklen (1994, p.133), “o trabalho de campo exige disciplina”, desde a

definição do locus, dos sujeitos que participaram desse processo, da definição dos

aspectos a serem observados, a partir da elaboração de um roteiro e dos

respectivos instrumentos que subsidiaram o registro dos fatos considerando também

o tempo que se pretende permanecer no ambiente investigado.

Sobre isso, Minayo (2010) aponta o diário de campo como um instrumento

importante no auxílio das anotações dos fatos e dos acontecimentos pelo

investigador, já que

Nele devem ser escritas impressões pessoais que vão se modificando como tempo, resultados de conversas informais, observações decomportamentos contraditórios com as falas, manifestações dosinterlocutores quanto aos vários pontos investigados, dentre outrosaspectos (MINAYO, 2010, p. 295).

Deve-se observar o conteúdo a ser registrado nas notas de campo, pois,

segundo Bogdan e Biklen (1994, p.152), esses conteúdos apresentam caráter

“descritivo” e “reflexivo”. A descrição nas notas de campo, segundo o autor, auxilia

na captação dos detalhes acerca da descrição do local investigado, das

características pessoais dos sujeitos envolvidos, etc. No entanto, é fundamental que

registremos nas notas de campo a reflexão a partir do ponto de vista do pesquisador

sobre suas impressões, suas inquietações, suas dúvidas e seus conflitos diante dos

fatos investigados, favorecendo, assim, uma descrição minuciosa dos

acontecimentos, bem com uma análise reflexiva e crítica dos mesmos.

Minayo (2010) enfatiza ainda a importância do uso dos dados registrados no

diário de campo no momento da análise do objeto de investigação ao considerar que

“é exatamente esse acervo de impressões e notas sobre as diferenciações entre

falas, comportamentos e relações que podem tornar mais verdadeira a pesquisa de

campo” (MINAYO, 2010, p. 295).

Partimos neste estudo, das orientações e dos cuidados destacados pelos

diversos teóricos (BOGDAN e BIKLEN, 1994; VIANA, 2007; MINAYO, 2010;

CHIZZOTTI, 2010) acerca do uso da observação na pesquisa qualitativa, como

estratégia de coleta de dados, no intuito de atingirmos os objetivos pretendidos. Para

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tanto, definimos alguns procedimentos para a coleta de dados que deveremos

adotar na organização prévia da observação: a) a definição do locus a ser

investigado; b) a definição dos sujeitos a serem observados; c) a elaboração de um

roteiro considerando os aspectos relevantes a serem observados em consonância

com o que se pretende alcançar; d) a definição do uso de instrumentos que auxiliem

no momento da observação desde o diário de campo, o uso de gravador e câmera

fotográfica; e) a avaliação e a definição do tempo de permanência do pesquisador

no locus da pesquisa considerando o alcance dos objetivos estabelecidos.

Para a realização da pesquisa em questão, elegemos uma unidade de

educação infantil – UEI, da rede municipal de ensino de Belém, já caracterizada

anteriormente, como o locus onde ocorreu o estudo, tendo como sujeitos

participantes da observação quatro professoras que atendem crianças em idade

pré-escolar, entre 4 e 5 anos, conforme explicitamos na seção 2.3.3, que trata dos

sujeitos participantes do estudo.

Quanto ao tempo de duração da observação, realizamos em junho de 2011

o primeiro contato com a unidade, objetivando verificar a viabilidade do estudo. No

mês de julho, solicitamos a autorização da SEMEC mediante o aceite pela UEI em

participar da pesquisa, e, nos meses de agosto e setembro do respectivo ano,

apresentamos a autorização da secretaria para realizarmos uma coleta inicial de

dados referente à organização e ao funcionamento da unidade, da estrutura física,

do quadro de funcionários e das propostas pedagógicas, nelas incluídas o projeto

político-pedagógico e o plano de ensino da unidade de educação infantil investigada.

A partir desses contatos iniciais, foi possível entrar em contato com o

ambiente investigado, com a coordenação da UEI e com os professores. Após estas

primeiras inserções do pesquisador em campo, agendamos uma conversa mais

formal com os professores, realizada em setembro de 2011, a fim de esclarecermos

os objetivos do estudo e o consentimento livre esclarecido pelos sujeitos que estão

diretamente envolvidos neste estudo.

A observação ocorreu com início de permanência do pesquisador no campo

por cerca de duas horas por turno, prolongando o período de permanência

gradativamente, objetivando, assim, compreender todas as nuanças que envolvem a

interação entre o educador e a criança, presentes no processo educativo acerca do

trato com as questões raciais, a partir da descrição crítica da realidade investigada,

considerando o fenômeno investigado em toda a sua complexidade.

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Cabe, portanto, ao pesquisador, em um primeiro momento, descrever essarealidade, para depois analisá-la, interpretá-la, ou seja, explicitar seusignificado. Isso se dá precisamente através de um método de reconstruçãodo significado dos elementos dessa cultura a ser examinada. Para isso, énecessário destacar dentro dessa realidade – vista como um sistemacultural – os elementos que a estruturam, a maneira como esses elementosse relacionam, quais os que têm um papel determinante sobre os outros,que funções desempenham nessa cultura, qual a sua dinâmica, etc. Sódessa forma, o sentido dessas práticas sociais pode ser reconstruído ecompreendido pelo pesquisador. Interpretar significa assim reconstruir osentido dos fenômenos observados, a partir da compreensão desses comoelementos de um sistema mais amplo de significado, relacionando-os comoutros elementos do sistema. É seu papel nesse sistema mais global quelhes dá significado (MARCONDES, 2010, p. 28).

Destacamos que, durante o processo de observação, houve uma

aproximação positiva do pesquisador com os professores, bem como com as

crianças. As professoras confidenciavam suas angústias, seus conflitos, suas

alegrias e seus desafios no desenvolvimento de sua prática na educação infantil. As

crianças desde o primeiro dia foram muito receptivas, logo perguntaram: quem é

você? Você vai cuidar da gente? O que você anota aí no seu caderninho? (referindo-

se ao diário de campo).

Nas primeiras semanas em que acompanhamos as atividades da turma, foi

possível observar como as professoras organizavam e realizavam as atividades

promovidas junto às crianças, e nos auxiliou a compreendermos o funcionamento e

a rotina da unidade. A cada dia, nos aproximávamos das professoras e das crianças,

estas sempre que viam a pesquisadora, perguntavam: “Como é mesmo o seu

nome?”; outras diziam: “Eu já sei o teu nome”; indagavam muito sobre o que

estávamos fazendo, dizendo: “Você vai cuidar da gente?”; “Você vem amanhã?”; “O

que você tá escrevendo aí?”; “Posso escrever o meu nome?”. Naquele momento da

escrita do nome, quando as outras crianças perceberam que havíamos deixado

escreverem no caderno de anotações, logo todas ficaram ao redor dizendo: “Agora

sou eu”. Tais momentos são indescritíveis, porque demonstravam o carinho e o

afeto das crianças por “alguém desconhecido”. A abertura sem medo de perguntar,

de se aproximar e sem desconfiança, aos poucos possibilitou a construção da

confiança entre o pesquisador e as crianças da turma investigada. Já em relação às

professoras o processo foi mais lento, mas, com o passar dos dias, fomos acolhidos

e progressivamente houve maior aceitação de nossa presença.

Essas aproximações, tanto por parte das professoras quanto das crianças,

possibilitaram uma relação de confiança e muitas vezes de cumplicidade. As

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crianças sempre nos recebiam com abraços, beijos e apesar de não ter a intenção

de interferir na interação entre as crianças e as professores, elas (as crianças)

sempre solicitavam nossa ajuda, principalmente nos momentos de pentearem seus

cabelos e de se vestirem, era quase inevitável recusar tal pedido, realizado, é claro,

com a permissão das professoras, que sempre agradeciam a ajuda. Esses

momentos serão abordados e analisados na quinta seção deste estudo, na qual

faremos as devidas considerações.

2.3.4.3. Entrevista

Em conjunto com a estratégia da observação, o uso de entrevista contribuiu

na recolha dos dados.

Em investigação qualitativa, as entrevistas podem ser utilizadas de duasformas. Podem constituir a estratégia dominante para a recolha de dados oupodem ser utilizada em conjunto com a observação participante, análise dedocumentos e outras técnicas. Em todas estas situações, a entrevista éutilizada para recolher dados descritivos na linguagem do próprio sujeito,permitindo ao investigador desenvolver intuitivamente uma ideia sobre amaneira como os sujeitos interpretam aspectos do mundo (BOGDAN eBIKLEN, 1994, p. 134).

A entrevista se difere em sua organização e estrutura, existindo dois tipos de

entrevista em que o pesquisador poderá definir previamente o roteiro com as

questões formalmente elaboradas que serão apresentadas aos sujeitos

investigados, podendo ser estruturada ou semiestruturada, e também poderá

estabelecer o diálogo a partir da entrevista aberta com os entrevistados, de modo

que a entrevista discorra livremente acerca do objeto de estudo. Na opção do tipo de

entrevista a ser utilizado, destacamos que

A escolha recai num tipo particular de entrevista, baseada no objetivo dainvestigação. Para além disso, podem-se utilizar diferentes tipos deentrevista, em diferentes fases do mesmo estudo. Por exemplo, no início doprojeto pode aparecer importante utilizar a entrevista mais livre eexploratória, pois nesse momento o objetivo é a compreensão geral dasperspectivas sobre o tópico. Após o trabalho de investigação, pode surgir anecessidade de estruturar mais as entrevistas de modo a obter dadoscomparáveis num tipo de amostragem mais alargada (BOGDAN e BIKLEN,1994, p.136).

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Para Marconi e Lakatos (2010, p. 178), a entrevista configura-se como “um

encontro entre duas pessoas, a fim de que uma delas obtenha informações a

respeito de determinado assunto, mediante uma conversação de natureza

profissional”. Ampliando esta perspectiva de somente extrair informações das

“fontes”, há uma preocupação por parte de alguns estudiosos desse campo em

problematizar quanto a essa “neutralidade”, destacando os conflitos presentes no

ato de entrevistar.

Um jogo interlocutivo em que um/a entrevistador/a “quer saber algo”,propondo ao/à entrevistado/a uma espécie de exercício de lacunas a serempreenchidas... Para esse preenchimento, os/as entrevistados/as saberão outentarão se reinventar como personagens, mas não personagens sem autor,e sim personagens cujo autor coletivo sejam as experiências culturais,cotidianas, os discursos que os atravessam e ressoam em suas vozes. Paracompletar essa “arena de significados”, ainda se abre espaço para mais umpersonagem: o pesquisador, o analista, que – fazendo falar de novo taisdiscursos – os relerá e os reconstruirá, a eles trazendo outros sentidos(SILVEIRA, 2007, p.137).

Minayo (2010, p. 263) ressalta que a entrevista permite ao pesquisador

recolher dados, pois “além das falas que é seu material primordial o investigador terá

em mãos elementos de relações, práticas, cumplicidades, omissões e imponderáveis

que pontuam o cotidiano”. Entendendo, então, que a não neutralidade envolvendo o

pesquisador e os entrevistados no processo de pesquisa, e compreendendo a

importância de o pesquisador estar atento aos significados subjacentes às diversas

vozes, seja verbal ou não, no momento da entrevista, permitirá apreender as

perspectivas dos atores sociais acerca de suas concepções em relação ao objeto de

estudo.

Nesses termos, priorizamos, neste estudo, a abordagem a partir da

entrevista semiestruturada, no intuito de favorecer o diálogo por meio dos relatos

dos/as entrevistados/as, buscando neste percurso uma aproximação com o objeto

de investigação, considerando as questões gerais que norteiam esta pesquisa.

Aspectos éticos, tanto na entrevista quanto na observação, foram

previamente estabelecidos, a fim de que sejam preservadas as identidades dos

sujeitos, bem como evitar que haja qualquer dano aos integrantes nas etapas de

realização da pesquisa. Rosa e Arnoldi (2008) ressaltam a exigência de se

considerar os aspectos éticos na pesquisa qualitativa, pois

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Muitos pesquisadores insistem, hoje, na necessidade de se obter o“consentimento esclarecido” do participante, para deixar claro que este devenão apenas concordar em participar do experimento, mas também tomaressa atitude plenamente consciente dos fatos, dos questionamentos que lheserão feitos, dos motivos da Entrevista, dos riscos e dos favorecimentos queos resultados podem ocasionar e da sua liberdade de ser participante, casosinta necessidade, por qualquer que seja o motivo (ROSA; ARNOLDI, 2008,p. 69).

Apesar de iniciarmos a observação no ano de 2011, sentimos a necessidade

de uma aproximação maior por parte do pesquisador e dos sujeitos participantes do

estudo para a realização das entrevistas. Para tanto, retomamos a observação em

junho de 2012 e agendamos previamente as entrevistas individuais, de acordo com

a disponibilidade das professoras e da coordenação pedagógica. Nesse sentido,

conseguimos realizar quatro entrevistas no mês de junho, restando apenas uma

professora que, por questões de saúde, somente conseguimos obter a entrevista em

setembro do respectivo ano.

Portanto, no processo de investigação do presente estudo, o uso da

observação direta e da entrevista semiestruturada, foi de suma relevância para que

pudéssemos, a partir dos registros obtidos, emergir os dados empíricos, assim como

o levantamento bibliográfico e a análise dos documentos oficiais no que tange à

educação para as relações raciais, contribuindo, assim, para reflexão e análise à luz

do referencial teórico estabelecido neste estudo.

2.3.5. Procedimentos de análise

Os dados empíricos adquiridos por meio do levantamento bibliográfico, dos

documentos oficiais, da observação e da entrevista compõem o corpus deste

trabalho. Corpus compreendido como “conjunto dos documentos tidos em conta

para serem submetidos aos procedimentos analíticos” (BARDIN, 2010, p. 96).

Tomamos como referência algumas contribuições da análise de conteúdo de

Bardin (2010), a partir da proposição da análise por categorias definida como

Uma operação de classificação de elementos constitutivos de um conjunto,por diferenciação e, seguidamente, por reagrupamento segundo o gênero(analogia), com os critérios previamente definidos. As categorias sãorubricas ou classes, as quais reúnem um grupo de elementos (unidade deregistro, no caso da análise de conteúdo) sob um título genérico,agrupamento esse efectuado em razão dos caracteres comuns desteselementos (BARDIN, 2010, p. 117-118).

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Bardin (2010) considera ainda que

A análise do conteúdo aparece como um conjunto de técnicas de análisesde comunicações, que utiliza procedimentos sistemáticos e objetivos dedescrição do conteúdo das mensagens. [...] A intenção da análise deconteúdo é a inferência de conhecimentos relativos às condições deprodução e de recepção das mensagens, inferência esta que recorre aindicadores (quantitativos, ou não) (BARDIN, 2010, p. 38).

Franco (2005, p. 13) corrobora com essa premissa estabelecendo a

“mensagem” como “ponto de partida” da análise do conteúdo, desde a linguagem

verbal até o que se revela por meio dos gestos, das omissões através do silêncio,

dos documentos, etc., os quais estão permeados de sentidos e significados

imbricados no contexto em que são produzidos. No que concerne à compreensão do

que sejam os sentidos e significados, a autora esclarece que

O significado de um objeto pode ser absorvido, compreendido egeneralizado a partir de suas características definidoras e pelo seu corpusde significação. Já, o sentido implica a atribuição de um significado pessoale objetivado, que se concretiza na prática social e que se manifesta a partirdas Representações Sociais, cognitivas, valorativas e emocionais,necessariamente contextualizados (FRANCO, 2005, p. 15).

Os resultados, portanto, provenientes da análise do conteúdo devem primar

pelo alcance dos objetivos estabelecidos a priori, evidenciado os “conteúdos

manifestos” ou “latentes” a partir da captação das mensagens emitidas (FRANCO,

2005). Faz-se necessário, no entanto, por parte do pesquisador, buscar indícios,

seja na fala, no comportamento, nos documentos, para além dos conteúdos

manifestos, o que exige uma “vigilância crítica ante a comunicação” estabelecida

durante o processo de investigação e determinante para a interpretação dos

enunciados (MINAYO, 2010).

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3 INFÂNCIA, EDUCAÇÃO INFANTIL E A CRIANÇA NEGRA NO BRASIL

3.1 A [IN] VISIBILIDADE DA CRIANÇA NEGRA NO BRASIL

[...] Resgatar a história da criança brasileira não apenas enfrentando umpassado e um presente cheio de tragédias anônimas – como a venda decrianças escravas, a sobrevida nas instituições, as violências sexuais, aexploração de sua mão de obra – mas tentando também perceber paraalém do lado escuro. A história da criança simplesmente criança, suasformas de existência cotidiana, as mutações de seus vínculos sociais eafetivos, sua aprendizagem da vida através de uma história que, no maisdas vezes, não nos é contada diretamente por ela (DEL PRIORE, 2010a, p.16-17).

Os estudos sobre a história da infância têm sido foco de interesse nas

últimas décadas por parte de teóricos de diversos campos, seja da pedagogia, da

sociologia, da filosofia, da antropologia, da história, bem como da psicologia. O

trecho da epígrafe transcrito do livro “História das Crianças no Brasil”, de Mary Del

Priori (2010a), contribui para compreendermos como a criança foi historicamente

colocada à margem dos discursos políticos, sociais e econômicos da sociedade

brasileira.

A imagem da criança, representada muitas vezes de forma estereotipada a

partir da voz e do registro dos adultos seja por meio dos livros didáticos, da mídia,

da literatura, dentre outros, possibilitou que a voz dos pequenos fosse também

silenciada no percurso da história brasileira (DEL PRIORI, 2010a).

Inicialmente analisaremos sobre a constituição da infância da criança negra

no Brasil, no intuito de refletirmos sobre como a criança negra foi excluída da história

de nossa sociedade. Não uma história dita em uma perspectiva estática, fixa, linear,

mas ao contrário, compreendendo-a como reflexiva, dinâmica e em constante

movimento, sem a pretensão de aprofundarmos historicamente os fatos, pois

iríamos necessitar de um tempo que ultrapassa os limites deste estudo. Nossa

intenção nesta seção, então, é contextualizar como a infância e a criança negra foi

representada na história brasileira, e como ocorreu o processo de

institucionalização da educação infantil no Brasil, para compreendermos as

demandas, as problemáticas e os desafios que temos na atualidade neste campo,

ou seja, como ocorre hoje a inserção e a socialização da criança negra nos espaços

educativos da educação infantil.

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3.1.1 Sentimentos sobre a infância: a criança como um ser abstrato, universalà compreensão da criança como ser histórico-social

A luta pelos direitos à infância tem sido travada de forma candente nas

últimas décadas, fruto dos movimentos e dos fóruns sociais em defesa de uma

infância que valorize os sentimentos, a voz, o brincar, o lúdico, a criança cidadã. No

entanto, no decorrer da história e de acordo com seu contexto, a infância foi

concebida de diversas formas:

a ideia de infância não existiu sempre, e nem da mesma maneira. Aocontrário, ela aparece com a sociedade capitalista, urbano-industrial, namedida em que mudam a inserção e o papel social da criança nacomunidade. Se, na sociedade feudal, a criança exercia um papel produtivodireto (“de adulto”) assim que ultrapassava o período de alta mortalidade, nasociedade burguesa ela passa a ser alguém que precisa ser cuidada,escolarizada e preparada para uma atuação futura. Este conceito deinfância é, pois, determinado historicamente pela modificação das formas deorganização da sociedade (KRAMER, 2011, p.19).

O estudo realizado pelo pesquisador Ariès (2006), na França, e publicado no

Brasil na década de 70, em sua História Social da Criança e da Família, traz

inegáveis contribuições para a história da infância, ainda que estudiosos do campo

discorram críticas sobre a sua perspectiva singular e burguesa no modo em que se

refere à infância22.

A sociedade medieval é tomada como ponto de partida por Ariès, que afirma

que, nesse período, a criança não era bem vista, muito menos o adolescente, isto é,

não havia, segundo ele, uma consciência em relação à particularidade da infância. O

período da infância era compreendido a uma duração que se reduzia aos primeiros

anos de vida, assim, tão logo se deixa o período de amamentação, a criança era

misturada aos adultos, compartilhando de suas atividades e ofícios de trabalho e

vida de modo geral.

Não havia nenhum controle por parte da família nem mesmo assegurado por

esta a transmissão de valores e dos conhecimentos, bem como do processo de

socialização da criança. Nesses moldes, a educação caracterizava-se pela

aprendizagem da criança na convivência com o adulto.

22 Ver sobre em Kuhlmann Jr. (2007).

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Na sociedade medieval, que tomamos como ponto de partida, o sentimentoda infância não existia – o que não quer dizer que as crianças fossemnegligenciadas, abandonadas ou desprezadas. O sentimento da infâncianão significa o mesmo que a afeição pelas crianças: corresponde àconsciência da particularidade infantil, essa particularidade que distingueessencialmente a criança do adulto, mesmo jovem. Essa consciência nãoexistiu. Por essa razão, assim que a criança tinha condições de viver sem asolicitude constante da mãe ou de sua ama, ela ingressava na sociedadedos adultos e não se distinguia mais destes (ARIÈS, 2006, p. 99).

Ariès (2006) identifica o surgimento de um sentimento sobre a infância a

partir do fim do século XVII. Sua pesquisa, com base nos estudos da iconografia,

revela as mudanças no decorrer dos tempos no modo como as crianças eram

representadas por meio de pinturas de retratos de famílias, antigos diários,

testamentos, inscrições em igrejas e em túmulos. Nos diários de família, constatou-

se a necessidade do registro cronológico dos fatos, como o nascimento e a morte, o

que revelava um sentimento de “dar à vida familiar uma história, datando-a” (ARIÈS,

2006, p. 3).

As imagens artísticas, anteriores a este período, retratavam sempre a

criança como um “adulto em miniatura” (ARIÈS, 2006). Esta indiferença quanto ao

reconhecimento da infância persistiu até o século XIII, o que também era

evidenciado no traje das crianças, período em que não havia, até então, uma

distinção entre as vestimentas destas com as dos homens e as das mulheres da

época em questão: “nada, no traje medieval, separava a criança do adulto” (ARIÈS,

2006, p.32).

Na sociedade medieval, não havia um sentimento da infância, de sua

singularidade e de sua particularidade, no modo de ser, de viver, de se trajar e de se

constituir criança, o que não significava, no entanto, a ausência de afeto, mas sim a

falta de consciência da existência da particularidade da infância nesse período,

conforme enfatiza Kramer (2011, p.16) sobre o que seja esta particularidade: “aquilo

que distingue a criança do adulto e faz com que a criança seja considerada como

um adulto em potencial, dotada de capacidade de desenvolvimento”.

Surge, então, a partir do século XIII, mais precisamente entre os séculos XVI

e XVII, um novo sentimento da infância, por meio de duas compreensões

destacadas por Ariès (2006): a primeira refere-se ao que ele denomina de

“paparicação”, uma vez que a criança é percebida como objeto de distração e de

relaxamento para o adulto, por meio da manifestação, pela criança, de gestos de

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gentileza, de ternura, de encantamento, de graciosidade e de ingenuidade; na

segunda percepção, todavia, o sentimento da infância parte da negação dessa visão

de “pararicação” da criança, principalmente por parte dos moralistas e dos

educadores do século XVII, que tinham agora uma preocupação e cuidado moral

sobre a criança, sentimento este que o autor refere como “autêntico” da infância; a

criança, neste contexto, necessitava de correção e de disciplina ao invés de

paparicação.

Esses sentimentos da infância, tanto de paparicá-las quanto de educá-las

por meio da disciplina e da educação assumem lugar central no meio familiar.

Nesse sentido, Müller (2007, p. 26) destaca, ao se referir ao período do século XVI,

que a concepção em relação aos cuidados com a criança adquire um novo status, a

partir não somente da preocupação da família nos cuidados com a criança branca,

mas agora, também, por parte da Igreja e do Estado.

Kramer (2011) adverte que esse duplo sentimento de infância resulta ainda

em uma dupla atitude para com a criança, a saber: “preservá-las da corrupção do

meio, mantendo sua inocência, e fortalecê-la, desenvolvendo seu caráter e sua

razão” (KRAMER, 2011, p. 18). Isto, segundo a autora, remete ao conceito de

criança como essência ou natureza, no qual se considera que todas as crianças são

iguais, sem distinção de classe, de raça ou de gênero. No entanto, esta

compreensão abstrata da criança se materializa no contexto da burguesia, e ainda é

representada nos dias atuais nas práticas pedagógicas dos professores.

Essa ideia de infância como abstrata e supostamente universal,

desvinculada das suas condições de existência, desconsidera que a criança está

inserida em uma sociedade, e, como tal, interage com o meio social e cultural,

estabelecendo sentido e significado, individualmente e coletivamente; significa,

assim, “considerar a criança como o ser social que ela é, sujeito de sua história e

também produtora de cultura” (MUNIZ, 1998, p. 244). Sobre isto, a autora enfatiza

ainda que

A concepção de infância vem marcada pela ideia de uma natureza infantilque separa a criança de uma existência concreta e julga suasmanifestações de acordo com o que seria a essência em cada natureza. Acriança continua a ser vista como um ser abstrato, e a escola teria o papelde resguardá-la e prepará-la para o mundo. Se a criança ganha navalorização de sua particularidade, o que se chama de sentimento deinfância, por outro lado, ainda não a localiza socialmente. O significadosocial da infância fica, assim, mascarado pela ideia de uma natureza infantildescontextualizada e homogênea (MUNIZ, 1998, p. 247).

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Os sentimentos da infância evidenciados a partir da iconografia na obra de

Ariès (2006) demonstram as mudanças sofridas no decorrer do tempo sobre a

concepção de infância. Porém, essa concepção não pode ser simplesmente

“transposta” para a realidade da infância no Brasil; devemos considerar os diferentes

contextos em que se vivenciou a infância a partir da compreensão dos aspectos

educacionais, sociais, culturas, políticos e econômicos (KRAMER, 2011). É o que

abordaremos a seguir.

3.1.2 Infância e a criança negra no Brasil

A infância no Brasil pode ser concebida de diferentes maneiras, dependendo

do contexto histórico, social e político em que se encontra inserida. Então, para

refletirmos sobre as diversas formas que as discussões sobre os conceitos e as

representações sobre a infância da criança negra ocorreram, perpassaremos, de

modo breve, pelos períodos do colonialismo, do império, da república até os dias

atuais, no intuito de compreendermos como a infância e a criança negra eram

percebidas em cada período e como hoje as políticas educacionais direcionam seu

foco para o trato da criança e das relações raciais no contexto educacional.

3.1.2.1 Infância e a criança negra no Brasil Colonial

A chegada dos portugueses em territórios brasileiros marca um início por

disputas pelas terras, pela imposição da cultura europeia em detrimento da

domesticação dos nativos indígenas por meio da educação.

No caso da educação instaurada no âmbito do processo de colonizaçãotrata-se, evidentemente, de aculturação já que as tradições e costumes quese busca inculcar decorrem de um dinamismo externo, isto é, que vai domeio cultural do colonizador para a situação objeto de colonização(SAVIANI, 2004, p. 123).

Sobre isso, Saviani (idem, p.121) destaca que este processo de aculturação

ocorreu com base em três aspectos intimamente relacionados: “a colonização, a

educação, e a catequese”, pois, para “converter os gentios”, chegaram ao Brasil, em

1549, os primeiros jesuítas, com o objetivo de doutrinar os nativos e, para tanto,

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foram criadas e implantadas diversas escolas, colégios e seminários no território

brasileiro.

O processo de colonização abarca, de forma articulada, mas nãohomogênea ou harmônica, antes dialeticamente, esses três momentosrepresentados pela colonização propriamente dita, ou seja, a posse eexploração da terra subjugando os seus habitantes (os íncolas); a educaçãoenquanto aculturação, isto é, a inculcação nos colonizados das práticas,técnicas, símbolos e valores próprios dos colonizadores; e a catequeseentendida como a difusão e conversão dos colonizados à religião doscolonizadores (SAVIANI, 2004, p. 121).

Para o autor, “a colonização significa, pois, um espaço que se ocupa, mas

também terra ou povo que se pode trabalhar ou sujeitar” (SAVIANE, 2004, p. 122).

Assim, não bastava apenas dominar e explorar as terras, mas era necessário, além

disso, “conquistar” os nativos, convertendo-os para a obra divina. Por meio da

educação, então, era necessário “tomar conta das crianças, cuidar delas, discipliná-

las, ensinar-lhes comportamentos, conhecimentos e modos de operar” (idem, 2004,

p. 123).

No século XVI, a educação das crianças evidencia-se como uma das

principais preocupações da Companhia de Jesus, isto porque era mais viável a

evangelização dos pequenos em relação à resistência encontrada nos nativos

indígenas.Talvez, o ensino das crianças indígenas pudesse representar, também, umapossibilidade de estabelecer alianças entre grupos indígenas e padres,revelando outra dimensão da evangelização das crianças como “grandemeio” para converter o gentio (CHAMBOULEYRON, 2010, p. 59).

O papel da instrução na Companhia de Jesus ocupa lugar central na

educação das crianças indígenas, sinalizando, então, desde o período da

colonização um sentimento em relação à infância.

É bem verdade que a infância estava sendo descoberta nesse momento noVelho Mundo, resultado da transformação nas relações entre indivíduo egrupo, o que ensejava o nascimento de novas formas de afetividade e aprópria “afirmação do sentimento da infância”, na qual Igreja e Estadotiveram um papel fundamental (CHAMBOULEYRON, 2010, p. 58).

Para Paiva (2010), o Ratio Studiorum marca a organização e a consolidação

da educação jesuítica, com a instituição de escolas e os ensinamentos da leitura, da

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escrita, do contar e do cantar. Portanto, o que, inicialmente, destinava-se aos

indígenas acaba por se converter no atendimento da elite colonial portuguesa.

Chambouleyron (2010) destaca que a instrução pelos jesuítas no

ensinamento da doutrina às crianças se dava por meio da memorização,

caracterizado por um rígido sistema disciplinar, que compreendia muitas vezes uma

vigilância permanente, bem como o uso de castigos corporais visando à conversão

dos indígenas.

A segunda metade do século XVI assistiu ao lento, e, às vezesproblemático, estabelecimento da Companhia de Jesus no Brasil. Em razãode sua vivência apostólica e da própria descoberta da infância, os padresentenderam que era sobre as crianças, essa “cera branda”, que deveriamimprimir os caracteres da fé e virtude cristãs (CHAMBOULEYRON, 2010, p.79, grifos do autor).

Essa percepção da criança é reafirmada por Farias (2011) ao considerar

esta visão que os jesuítas tinham sobre a criança. Para ela,

A alma infantil era considerada um “papel em branco”, uma “tabula rasa”,uma “cera virgem”, facilmente moldável, na qual qualquer coisa poderia serescrita. A infância é considerada o momento ideal do processo deaculturação efetivada por meio da catequese e a família também poderiaser atingida por intermédio da criança (FARIAS, 2011, p. 47).

Conforme esta compreensão da infância, Kuhlmann Jr. (2007) considera que

já havia no Brasil do século XVI sinais do desenvolvimento de um sentimento de

infância, fato evidenciado na educação das crianças indígenas por meio da

catequese pelos jesuítas, na vinda de crianças órfãs de Portugal trazidas pelos

jesuítas, com o objetivo de contribuir na conversão dos pequenos nativos, bem como

na instituição do programa educacional jesuítico com a criação do Ratio Studiorum.

Para Silva (2004), o conceito de criança no Brasil colônia limitava o período

da infância aos 7 anos, compreendendo duas divisões etárias: a primeira

correspondia ao período da criação, desde o nascimento até os 3 anos, momento

em que a criança era amamentada; na segunda fase estavam as crianças de 4 aos

7 anos, fase esta em que eram inseridas no convívio com os adultos, sendo que aos

7 anos aprendia diversos ofícios nos artesanatos e nas lavouras.

Esses ofícios também eram vivenciados pela criança escrava, descrita por

Góes e Florentino (2010), o que demonstrava o descaso à criança, pois muitas

delas, advindas dos tráficos negreiros, representavam um número reduzido em

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relação aos adultos, resultado da alta mortalidade. A criação da criança se dava pelo

“adestramento”. Assim, ao completar os 12 anos, a criança já era considerada um

adulto, assumindo tarefas domésticas desde os 4 anos, aos 8 anos pastoreando,

aos 11 anos na costura, bem como o cumprimento pela criança negra de outras

atividades como as de passar, lavar, cozinhar e servir seus senhores, ocupações

essas semelhantemente assumidas também pelo escravo adulto (GÓES e

FLORENTINO, 2010, p. 184-185).

Diferente tratamento era dispensado à criança escrava em relação à criança

da casa-grande, pois esta não tinha o direito a instrução concedida à criança livre, a

qual tinha o ensino das primeiras letras no convívio familiar; ao contrário dessa

realidade, à criança escrava era reservada uma inserção totalmente diferenciada na

sociedade.

A sociedade colonial usurpava da criança negra o direito à infância. Logoque nascia, ela não tinha direito ao leite e aos cuidados maternos. Assimcomo na Europa, as senhoras da casa-grande não amamentavam seusfilhos, entregavam-nos aos cuidados de uma ama de leite, que era obrigadaa retirar tal sustento da boca de seus próprios filhos. O desconhecimentodas necessidades (físicas, emocionais, sociais, etc.) específicas da“infância” se traduzia, naquele momento, como negligência e descuido queacabavam fomentando os altos índices de mortalidade, tanto de criançasbrancas como de crianças mestiças ou negras (FARIAS, 2011, p. 51).

A autora afirma ainda que:

Dos 3 aos 7 anos, a criança escrava passava por um período de iniciaçãoaos comportamentos sociais, que a identificava e lhe fazia reconhecer a suacondição social. A partir dos 7 anos, a criança negra deixava a infância parater sua força de trabalho explorada ao máximo. O sistema escravocratatambém se encarregava de não permitir que a “família negra” seconstituísse, fragmentando o elo parental básico, distanciando os filhos dospais (FARIAS, 2011, p. 52).

Em relação à criança livre, Del Priore (2010b, p. 84) define o cotidiano desta

durante o colonialismo, período em que “a infância era, então, um tempo sem maior

personalidade, um momento de transição e por que não dizer, uma esperança”. A

infância correspondia à idade pueril, que iria do nascimento até os 14 anos, e,

dependendo da condição dos pais, variava a forma em que a criança vivenciava sua

infância. Sendo assim, até os 3 - 4 anos, a criança era amamentada. Dessa idade

até completar os 7 anos, a criança convivia com os pais, acompanhando-os nas

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diversas atividades. Após este período, eram inseridas no trabalho e tratadas tal

como um adulto na aprendizagem dos ofícios.

Del Priore (2010b) destaca a convivência da criança livre com a criança

negra na casa dos senhores, onde os negrinhos escravos eram constantemente

tratados como “animaizinhos de estimação” nos momentos de brincadeiras e

diversões, como forma de demonstração de mimos e afetos pelas mães e amas

negras. Em repúdio a qualquer manifestação de afeto, tanto à criança livre quanto

aos filhos de escravos, práticas de castigos físicos eram comuns no cotidiano

colonial, já que “com tantos mimos, o risco era da criança ficar mole e bamba” (DEL

PRIORE, 2010b, p. 96).

No Brasil colonial, como vimos, as crianças sejam elas indígenas, negras,

órfãs ou livres, apesar da condição social e econômica que a distinguiam, a idade

representava certa semelhança, no trato com os pequeninos, isto porque

A formação social da criança passa mais pela violência explícita ou implícitado que pelo livro, pelo aprendizado e pela educação. Triste realidade numBrasil, onde a formação moral e intelectual, bem como os códigos desociabilidade, raramente aproximam as crianças de conceitos comocivilidade e cidadania (DEL PRIORE, 2010b, p. 105).

3.1.2.2 Infância e a criança negra no Brasil Imperial

No Brasil imperial, Mauad (2010, p.140) descreve a vida das crianças da

elite durante o império. Nesse período, eram os adultos que estabeleciam a

educação e os espaços em que a criança poderia frequentar, “era a rotina do mundo

adulto que ordenava o cotidiano infantil e juvenil, por meio de um conjunto de

procedimentos e práticas aceitos como socialmente válidos”.

A infância era considerada a primeira idade da vida, caracterizando-se pela

“ausência de fala” ou pela “fala imperfeita”, período em que corresponde ao

nascimento até os 3 anos; a puerícia era a fase da vida que substituía esta primeira,

compreendendo as crianças a partir dos 3 anos até atingirem os 12 anos. Nesta

fase, a infância pueril estava diretamente relacionada aos aspectos físicos, à fala,

aos períodos de dentição, à estatura, bem como às características que envolviam os

sexos femininos e masculinos (MAUAD, p. 141).

A infância era também registrada por meio da fotografia, na qual o que se vê

parte do “enquadramento do olhar adulto para o objeto do olhar: a criança e o

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adolescente” (MAUAD, 2010, p.142). As crianças eram preparadas para estes

momentos, desde a escolha da pose, das vestimentas, dos objetos que comporiam

o ambiente, enfim. Através desses registros, era possível, então, perceber “a

presença das crianças nas vivências familiares” (idem, p.143), principalmente da

família imperial devido ao interesse por esse tipo de atividade.

No que se refere à educação da criança, à família restava a incumbência de

educar e a responsabilidade da escola era de instrução, visando à preparação da

criança para o mundo adulto, no qual ela deveria ser vista como um ser em

potencial, capaz de assumir responsabilidades tal qual o adulto.

As crianças desde os 7 anos recebiam um ensino enciclopédico nas escolas,

onde aquelas que obtinham êxito nas sabatinas e arguições eram “enaltecidas”; no

entanto, somente haveria êxito na educação dos pequenos se a família garantisse a

educação doméstica, a partir do ensino de princípios morais (MAUAD, 2010 p.150).

Outro aspecto importante, descrito pelo autor, refere-se à educação e à

instrução da infância na distinção no tratamento de meninos e meninas presentes

nos colégios da Corte Imperial, onde os meninos eram instruídos por homens e as

meninas por mulheres. Ao universo feminino, destinavam-se a valorização de

atividades manuais e intelectuais; já ao masculino, além da extensão no tempo de

instrução, que variava em relação aos das meninas, pois os meninos começavam

seus estudos aos 7 anos e prosseguiam com estes até sua formação em nível

superior, eles poderiam seguir carreira militar, diferentemente da educação das

meninas, na qual “exigia-se perfeição no piano, destreza em língua inglesa e

francesa, e habilidade no desenho, além de bordar e tricotar” (MAUAD, p. 154).

Observamos, então, que desde a mais tenra idade a família e a escola

determinavam, a partir do ensino e da instrução, os papéis sociais que, quando

adulto, a criança deveria exercer, definindo, assim, a forma de inserção destas no

mundo adulto.

Diferentemente da realidade vivenciada pelas crianças da elite, foi a dura

realidade de muitas crianças negras e indígenas que enfrentavam o crescente

abandono no final do século XIX. Pois, segundo Leite (2011), devido à explosão

demográfica do período, principalmente nas cidades médias e grandes,

desencadearam o deslocamento das famílias pobres, as quais, sem condições de

sustentar os filhos, acabam por abandoná-los, além de outros fatores como a má

distribuição de renda, bens e serviços entre as diversas camadas sociais.

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Gonçalves (2010, p. 326) revela outro agravante do abandono das crianças

negras com a promulgação da Lei do Ventre Livre de 1871, que deixou as “crianças

nascidas de escravos, muitas vezes, sem destino”. Ele ainda destaca a exigência

pelo governo imperial na responsabilização, pelos senhores de escravos, no cuidado

com as crianças livres até a idade de 7 anos, fato que não evitou a situação de

abandono da criança negra.

A abolição dos escravos em 13 de maio de 1888 leva ao agravamento da

situação de abandono da criança negra. Assim, de acordo com Cavalleiro (2007, p.

28), “constata-se que a lei abolicionista não possibilitou a cidadania para a massa de

ex-escravos e de seus descendentes. A partir da promulgação da lei, os ex-escravos

e seus descendentes foram segregados social e economicamente”.

Nesse cenário, que marca desde então o crescente abandono da criança

negra, surgem as Casas dos Expostos, instituição que recebia os bebês

abandonados nas rodas, “cilindros de madeira que permitiam o anonimato de quem

ali deixasse a criança” (KULMANN JR., 2010, p. 473). Segundo Kuhlmann Jr.

(2010), essa medida, a criação desse espaço, visou a minimizar a situação de

abandono pelas famílias mais carentes, dando, assim, ênfase no suporte aos mais

necessitados, como no caso das crianças negras, pobres e órfãs.

Marcilio (2011) analisa a história da infância abandonada no período de

1726 a 1950, enfatizando que a roda dos expostos foi uma das instituições que mais

se expandiu, tendo sua origem desde o período da Colônia, ampliando o número de

instituições no período imperial e persistindo na República até meados da década de

50.

Essas instituições tiveram origem na Europa medieval. Aos mosteiros

medievais, eram entregues as criancinhas abandonadas pelos pais, os quais

confiavam que não só com eles a criança teria uma educação aprimorada, mas que

receberia também o batismo e poderia ainda crescer contribuindo para a obra de

Deus. Dessa forma, segundo Leite (2011), a mortalidade infantil muito presente nos

países europeus, passa a ser objeto de registro e de combate com a criação da roda

dos expostos.

No século XVIII, foi reivindicada a primeira Roda de Expostos à coroa no

Brasil, sendo a primeira instituída no estado da Bahia, com a responsabilidade da

Casa da Misericórdia, seguindo o modelo da Santa Casa de Misericórdia de Lisboa,

a qual prestava assistência às crianças abandonadas. A segunda roda foi instalada

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na cidade do Rio de Janeiro, em 1738. Já a terceira e última roda, ainda no período

colonial, teve sua sede em Recife, na Santa Casa de Misericórdia. Após a

independência, havia 13 rodas instaladas em diversos estados e com a obrigação de

auxílio aos desamparados, agora sob a incumbência das câmaras municipais.

Ocorre ainda, no século XIX, de acordo com Kulmann Jr. (2010), a difusão

na sociedade ocidental da criação de creches, salas de asilos e outras instituições

destinadas a atender as crianças com idade de 0 a 6 anos, principalmente, aquelas

oriundas de famílias pobres, cujas mães, muitas delas escravas ou ex-escravas, que

necessitassem trabalhar, poderiam dispor desses espaços para amparar os

pequenos no tocante ao cuidado, com um caráter essencialmente assistencial; já os

jardins de infância eram destinados à elite, aos moldes da proposta cunhada por

Fröebel na Alemanha, na qual dispunha de um caráter pedagógico.

Kulmann Jr. (2010) considera que, no Brasil, a existência desses espaços,

sejam as creches ou os jardins de infâncias, ainda eram em número muito reduzido

no final do referido século, mas que, apesar disso, pouco a pouco o atendimento da

criança fosse colocado em pauta como uma necessidade na demanda dos sistemas

sociais e educacionais, preocupação esta que se intensifica no período seguinte da

república que destacaremos a seguir.

3.1.2.3 A infância e a criança negra no Brasil República aos Dias Atuais

A concepção sobre a infância no início do Brasil República está estritamente

relacionada ao progresso da nação, envolvendo fatores de diversas ordens no

âmbito social, político, econômico e educacional, que idealizam o discurso da

“civilização da infância”, emergido no seio da sociedade burguesa. A infância, então,

é assumida enquanto categoria social (REIS, 2011), marcando, assim, nesse

período, uma mudança de concepção sobre a infância na sociedade brasileira.

Kramer (2011) destaca este período inicial das duas primeiras décadas do

século XX como um momento de criação e de expansão de instituições de

atendimento à criança, além da promulgação de diversas leis na defesa desse

atendimento.

Em consonância com este contexto, Kuhlmann Jr. (2007) também descreve

nesse período a criação de instituições à infância, sejam elas no campo jurídico,

sanitário e de educação popular com um cunho eminentemente assistencial ao qual

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denomina de “assistência científica”, pelo cuidado com a alimentação e habitação

dos mais carentes, retratando assim uma preocupação com os ideais progressistas

preconizados no início do período republicano.

Tendo em vista o fomento das questões em relação ao problema da criança

no âmbito governamental, Kramer (2011) descreve a criação das principais

instituições nesse período, dentre elas a criação, em 1899, na cidade do Rio de

Janeiro, do Instituto de Proteção e Assistência à Infância do Brasil, que, segundo a

autora, visava, dentre os seus objetivos, a atender os menores de 8 anos, a criação

de maternidades, creches e jardins de infância para o atendimento das crianças

abandonadas, negras, maltratadas e pobres, além da regulação por meio da criação

de leis que resguardassem os cuidados com os recém-nascidos, que garantissem os

serviços das amas de leite, e também de leis que velassem pelos menores

envolvidos no trabalho e na criminalização.

No início do século XX, precisamente em 1908, destinou-se a primeira

creche popular aos filhos de operários, com atendimento até aos 2 anos de idade;

em 1909, já se tinha inaugurado, no Rio de Janeiro, o, então, Jardim de infância

Campos Salles. O surgimento dessas primeiras instituições no Brasil ocorre muito

depois da realidade europeia, que já possuía creches e jardins de infância desde os

séculos XVIII e XIX, respectivamente (KRAMER, 2011).

O referido instituto, segundo Kramer (2011), criado e mantido

financeiramente por Moncorvo Filho, institui, em 1919, o Departamento da Criança

no Brasil, com o intuito de que o Estado tivesse a responsabilidade pelo mesmo, fato

que não ocorreu, ficando ainda sob a direção do instituto a incumbência de fazer o

levantamento do quadro de proteção da infância no Brasil, tendo em vista a situação

estatística da mortalidade infantil, a promoção de congressos e de medidas de

proteção à criança pobre, registrando, já em 1922, o 1º Congresso Brasileiro de

Proteção à Infância, fortalecendo o debate com as iniciativas públicas e privadas

sobre o atendimento da criança, visando ao combate dos problemas sociais

advindos após a abolição, com o crescimento da miséria, principalmente dos ex-

escravos.

A medicalização de assistência à criança até seis anos, por um lado, e apsicologização do trabalho educativo, por outro, imbuídos de umaconcepção abstrata de infância, foram a ênfase da etapa, pré-1930. Alémdisso, o surgimento de um Estado que se pretendia forte e autoritárioacarretava uma maior preocupação com a massa de crianças brasileiras

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consideradas não aproveitadas. O sistemático às crianças significava umapossível utilização e cooptação destas em benefício do Estado. Essavalorização da criança seria gradativamente acentuada nos anos pós-1930(KRAMER, 2011, p. 55-56).

Foi diante desse cenário político e econômico que Kramer (2011) aponta o

avanço industrial e a ampliação da classe média, que, paralelamente ao advento do

proletariado das zonas rurais, provocou um fenômeno da urbanização, que

minimizou esse quadro de desemprego, de fome e de desamparo, principalmente à

criança negra. Nesse sentido, emerge um interesse cada vez maior por parte do

Estado em promover um atendimento de proteção à infância brasileira.

No entanto, a autora destaca que o Estado, a partir da década de 30, apesar

de assumir como atribuição o trato com a infância, não o faz sozinho, ao contrário,

convoca a sociedade brasileira, especialmente as associações particulares, a

juntamente com ele dividirem as responsabilidades no atendimento à criança,

configurando um discurso em que constata a impossibilidade do Estado em assumir

integralmente os custos financeiros, necessitando, assim, de ajuda de entidades

filantrópicas. Discurso este que, para Kramer (2011), ainda permanecem na

atualidade no cenário político de atendimento à infância

Neste quadro, percebem-se duas tendências que até os dias de hojecaracterizam o atendimento à criança em idade pré-escolar: o governoproclama(va) a sua importância e mostra(va) a impossibilidade de resolvê-ladadas as dificuldades financeiras em que se encontra(va), enquantoimprimia uma tendência assistencialista e paternalista à proteção dainfância brasileira, em que o atendimento não se constituía em direito, masem favor (KRAMER, 2011, p. 61).

Enfatiza, ainda, no que tange a quem era de fato a responsabilidade pela

infância ora pelas instâncias oficiais ou pela iniciativa privada, o fato de que os

discursos eram os mesmos, no sentido de um atendimento de cunho assistencial

médico-pedagógico à criança, visando ao progresso e desenvolvimento industrial da

nação, caracterizado por uma visão universal e abstrata da infância, bem como pela

expansão de instituições e órgãos visando ao atendimento e à legalização no trato à

infância brasileira.

Kramer (2011) descreve a criação sucessiva de diversos órgãos a partir

desse período, dentre eles a criação, em 1930, por meio do Decreto nº 10.402, o

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Ministério da Educação e Saúde, na condução do ministro Francisco Campos, o qual

posteriormente criou o Departamento Nacional da Criança, em 1940, com a

incumbência de coordenar as ações a nível nacional, unificando, assim, o

direcionamento da política de proteção da infância, da maternidade e da

adolescência; para a assistência aos menores de 18 anos em situação de abandono

e envolvidos em atos de delinquência, foi criado, em 1941, o Serviço de Assistência

a Menores, vinculado ao Ministério da Justiça e dos Negócios Interiores.

Posteriormente, este órgão foi extinto e foi criada a Fundação Nacional do Bem-

Estar do Menor (FUNABEM), ligado ao Ministério da Previdência e Assistência

Social e também sob a direção do Projeto Casulo da Legião Brasileira de

Assistência (LBA).

Além dessas iniciativas nacionais na promoção de políticas de incentivo e

proteção à infância, surgem, também, influências de agências internacionais como o

Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), criado em 1946, pela

Assembleia Geral das Nações Unidas, tendo como um dos principais objetivos a

assistência às crianças em situações de risco, provocadas nos países atingidos pela

Segunda Guerra Mundial, tendo, assim, inicialmente, uma ênfase no atendimento

médico, sendo posteriormente sua atuação voltada para o campo dos Serviços

Sociais, considerando o desenvolvimento dos países atendidos, ampliando a sua

atuação para com o cuidado com a infância, compreendendo esta como importante

para o futuro do progresso das nações dos países subdesenvolvidos (KRAMER,

2011).

No âmbito educacional, a autora destaca a presença de duas formas de

atendimento pré-escolar, uma de caráter privado e beneficente, realizado pela

Organização Mundial de Educação Pré-escolar (OMEP), fundada em 1948, visando

ao atendimento das crianças na faixa etária de 0 a 7 anos, independente da

condição social, com um caráter educativo internacional e não-governamental; e a

outra de caráter público federal, assumida pela Coordenação de Educação Pré-

Escolar (COEPRE) em 1975, vinculada ao Ministério da Educação e Cultura, com a

incumbência de estabelecer as diretrizes do atendimento ao pré-escolar por meio

das Secretariais Estaduais.

Kramer (2011) analisa esse quadro de atendimento à criança brasileira

marcado pela criação e pela extinção de órgãos, de departamentos e de ministério,

com objetivos de cunho assistencialistas, ora focados na saúde dos pequenos, ora

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na proteção dos menores infratores, ou, ainda, direcionados ao setor educacional,

demonstrando, assim, uma fragmentação não só no atendimento da criança, mas

principalmente no modo de concebê-la.

Tal fragmentação fica constatada quando se analisa o histórico e as váriastendências do atendimento à criança brasileira. De uma ênfase acentuadana proteção da saúde, progressivamente as preocupações se voltaram paraa assistência social e daí para a educação. Entretanto, essas tendênciasnão foram englobando as anteriores; não houve uma ampliação daperspectiva com que se encarava o problema, mas, ao contrário, umaramificação gradativa do atendimento à infância (KRAMER, 2011, p. 87).

Lobo (2011) ressalta que as presenças dessas contradições, na forma de

atendimento à infância, perpassam também no plano da legislação brasileira, com a

promulgação da primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, Lei

4.024/61, a qual determinou que a União, bem como os estados e o Distrito Federal

se responsabilizassem pela organização de seus respectivos sistemas de ensino,

reforçando, assim, um caráter descentralizador previsto na Constituição de 1946. A

autora destaca a pouca referência na lei com relação à criança de 0 a 6 anos, e no

que tange à instituição de creches nas empresas em que possuíssem mães de

crianças menores de 7 anos. Assinala que

A situação se agrava ainda mais quando se constata que, atéaproximadamente metade da década de 1960, a Lei 4.024/61, além de nãoser respeitada pelas empresas (devido à fiscalização deficiente e àausência de punição), era conhecida por um pequeno número detrabalhadoras. Se o empresário tinha, formalmente e por força da lei, aobrigação de prestar algum tipo de serviço destinado à população de 0 a 6anos, por outro lado, o Estado, nos níveis federal, estadual e municipal, via-se absolutamente desobrigado de qualquer ação nesse sentido. Ainda éimportante lembrar que não havia nenhuma lei ou um documento elaboradopelo poder público que orientasse esses empresários quanto àcaracterização, formação, carga horária ou remuneração dos profissionaiscontratados para o trabalho nos berçários e creches das empresas. Osprofissionais eram contratados sem haver preocupação com a escolaridadeou com a formação na área do magistério. Quando muito, visava-seformação relativa à área de saúde, como auxiliares e atendentes deenfermagem (LOBO, 2011, p. 137-138).

A autora argumenta que a promulgação da Lei 5.692, criada em 1971, em

complementação à lei anterior, pouco alterou o sentido dado à infância, pois instituiu

a obrigatoriedade do ensino de 1º grau, a partir dos 7 aos 14 anos, bem como

estabelece a reforma do ensino primário e médio, que passam a ser denominados,

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respectivamente, de ensino de primeiro e segundo graus, determinando, dentre

outros, a formação mínima para atuação dos profissionais de educação, deixando à

margem o atendimento das crianças menores de 7 anos, permanecendo o descaso

que ora estava sob a incumbência do Estado, ora sob o setor privado.

O descaso na época pela educação para a criança pequena e pelacategoria docente atuante nesse nível, por meio do tratamento sintético ereduzido nas leis educacionais, é fruto, certamente, da herança da caridade,da filantropia e do assistencialismo na história do atendimento à infância emnosso país. Decerto, a política assistencialista presente historicamente nadinâmica do atendimento à infância brasileira fez com que a formação e aespecialização do profissional na área se tornassem desnecessárias, pois,para tanto, segundo a lógica dessa concepção, bastariam a boa vontade,gostar do que se faz e ter muito amor pelas crianças (LOBO, 2011, p. 141).

O não reconhecimento para a autora da importância da educação pré-

primária destinada aos menores de 7 anos, nas décadas de 60 e 70, e evidenciado

na legislação brasileira, nega, assim, a educação enquanto direito para o

desenvolvimento infantil, na medida em que não estabelece a obrigatoriedade do

mesmo.

Kramer (2011) enfatiza que a ausência de legislação, nesse período, no

trabalho com a infância, revela dentre outros uma política educacional meramente

assistencialista, compensatória e superficial, revestida por um discurso imbuído de

recomendações; no entanto, não traduzindo na prática as reais necessidades que as

crianças vivenciavam no cotidiano, ao contrário, a defesa da pré-escola visava a

combater o fracasso escolar.

A partir da abertura política no início da década de 80, e juntamente com os

movimentos sociais, principalmente os das mulheres em defesa do direito à

educação das crianças, as reivindicações feitas por esses grupos entram no bojo

das discussões da Constituinte de 1988, a qual estabelece no inciso IV do Art. 208

“o atendimento em creches e pré-escolas”, bem como no próprio artigo que define “o

dever do Estado com a educação” (BRASIL, 2009a). Lobo (2011) ressalta a

importância da Carta Magna no que se refere à educação infantil, pois esta

reconhece como direito social a educação de 0 a 6 anos, tendo os municípios a

incumbência de garantir este atendimento com auxílio dos estados e da União.

O importante papel também assumido pelo Estatuto da Criança e do

Adolescente – ECA, no início da década de 90, “assegura à criança a condição de

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sujeito de direitos fundamentais e individuais e esses direitos devem ser garantidos

com toda prioridade possível (idem, p. 153). A promulgação da LDB 9394/96 avança

ainda mais os direitos da criança à educação infantil, ao destinar à creche as

crianças de 0 a 3 anos, e a pré-escola, com atendimento de 4 a 5 anos,

incorporando-as como primeira etapa da educação básica em seu Art. 29.

Assim, a compreensão da criança enquanto cidadã de direito, a partir do

estabelecimento da Constituição de 1988, do Estatuto da Criança e do Adolescente

e da atual LDB, imprime, segundo Viera (2011, p. 265), um movimento de

“permanências, avanços/ redefinições/ mudanças e tensões” em torno das políticas

para a infância. Isto se deve ao fato de que, segundo a autora, há a necessidade de

se aprofundar e consolidar nos dias atuais a legislação em vigor, envolvendo, então,

um diálogo constante com os diversos movimentos sociais, fóruns, educadores,

pesquisadores para que seja garantida uma educação infantil de qualidade.

Esse movimento de redefinições em torno das mudanças ocorridas nas

últimas duas décadas nas políticas está imbuído de tensões, principalmente a partir

da reforma de ensino estabelecido na LDB vigente, que estabelece a integração da

educação infantil no atual sistema de ensino; isto porque o atendimento dessa

clientela está diretamente envolvido nas discrepâncias econômicas, bem como dos

diferentes critérios estabelecidos para o acesso à matrícula entre os diversos

municípios deste imenso país.

Vieira (2011) destaca a crescente mudança e avanços no plano da

legislação, com o estabelecimento de resoluções, ementas constitucionais, diretrizes

visando aos direitos das crianças em uma educação promotora de cidadania.

Observam-se, portanto avanços no processo de institucionalização daeducação infantil nos sistemas de ensino com a predominância da ofertapública sob responsabilidade das políticas educacionais dos municípios;com a regulação dos convênios sob coordenação da Educação; com aadoção de parâmetros de qualidade da educação infantil, com a presençacrescente de professores com formação em nível de ensino superioratuando em creches e sobretudo em pré-escolas; com a inserção daeducação infantil nas metas de expansão melhoria da Educação Básicabrasileira (VIERA, 2011, p. 268).

Este processo de expansão da educação infantil na década de 80 é

analisado por Rosemberg (1999), em seu artigo “Expansão da Educação Infantil e

Processos de Exclusão”, o qual revela as desigualdades de acesso e de

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permanência nos sistemas educacionais entre brancos e negros, resultando em um

processo de exclusão de crianças negras e pobres.

O ser humano negro, segundo a autora, não somente pela sua origem

econômica, mas também pelo seu pertencimento racial encontra sérios obstáculos

no acesso à educação, sendo esta, muitas vezes, de baixíssima qualidade em

relação às frequentadas pelo homem branco.

Isto é, quando se compara o acesso de mulheres ao de homens à educaçãoformal, observam-se oportunidades e barreiras equivalentes associadas àorigem econômica e ao pertencimento racial: mulheres e homens brancosde bom nível de renda familiar dispõem de boas e semelhantesoportunidades educacionais, [...] mulheres e homens não brancos, contandocom pequena renda familiar dispõem, igualmente de péssimas condiçõeseducacionais (ROSEMBERG, 1999, p. 8).

Este processo de exclusão educacional à criança foi evidenciado nos estudos

realizados por Rosemberg (1999), a qual constatou a presença simultânea de dois

processos discriminatórios, a saber: a retenção elevada, principalmente de crianças

negras, no pré-escolar; e, na mesma proporção, o crescimento de professoras

leigas, desprovidas de formação específica para atenderem as demandas da

expansão da educação infantil.

Isto é, o modelo a baixo custo, apoiado numa concepção das “habilidadesnaturais” da mulher para o exercício da função de educadora infantil,impregnou o imaginário e as práticas sociais, generalizando-se comomodelo possível e adequado de educação infantil para o Brasil. Baseando-se no enfoque de compensação de carências de populações empobrecidas,o governo federal estimulou a abertura de vagas pela administraçãomunicipal, principalmente nas regiões Norte e Nordeste, que recrutou mão-de-obra não formada para atuar junto a crianças com idade próxima ousuperior à prevista para o ingresso no ensino fundamental. Nota-se, pois,um deslizamento importante de sentido: a educação infantil destinada acrianças em idade anterior à educação compulsória, passou a ser entendidacomo educação anterior à educação compulsória, independentemente daidade da criança, fato atestado pelo número significativo de crianças de setea onze anos nos estabelecimentos de creche/pré-escola (ROSEMBERG,1999, p. 20).

Segundo a autora, constata-se uma desvalorização da educação infantil em

relação à valorização destinada ao ensino fundamental. À educação infantil, ficou a

incumbência de acolher as crianças retidas no ensino fundamental, com a

predominância de crianças negras e pobres, excluídas do direito em prosseguir seus

estudos. Desvalorização evidenciada também na falta de qualificação das

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professoras que, além de leigas, recebiam baixos salários, “é essa desigualdade no

custeio/qualidade que penaliza crianças pobres e negras de diferentes formas”

(ROSEMBERG, 1999, p. 31).

Combater estes processos de exclusão na educação infantil perpassa, por um

processo de qualificação dos docentes que atendem esta clientela, que garanta uma

política de acesso e permanência a todas as crianças independente da sua situação

econômica e de seu pertencimento racial.

As instituições de educação infantil assumem, assim, um papel determinante

para o desenvolvimento cognitivo, cultural e social da criança pequena nas relações

sociais estabelecidas com os adultos e com seus pares. E nesse processo em que a

criança constitui a compreensão de si e do outro, necessária se faz, então, a

mediação pelos educadores de práticas de respeito e de valorização da diversidade

cultural, para a construção positiva da identidade da criança, principalmente da

criança negra, rompendo com a ótica do discurso reproduzido no ambiente escolar

que estabelece um padrão de beleza branca em detrimento aos traços do nariz, da

boca, do cabelo e da cor da pele da criança negra.

Observamos, portanto, que as concepções da infância e o cotidiano da

criança negra no decorrer da história foram marcadas por uma visão idílica da

criança como a sem voz, incapaz, um adulto em miniatura. É no século XX que a

criança começa a ser percebida enquanto sujeito, que interfere no/ e com o mundo

social. Nesta percepção, a criança constrói, por meio da interação com o outro, sua

identidade, seus valores, seus desejos, estabelecendo sua compreensão e sua

visão de mundo.

As crianças são sujeitos sociais e históricos, marcados por contradições dassociedades em que vivem. A criança não é filhote do homem, ser emmaturação biológica; ela não se resume a ser alguém que não é, mas quese tornará (adulto, no dia em que deixar de ser criança). Defendo umaconcepção de criança que reconhece o que é específico da infância – seupoder de imaginação, fantasia, criação – e entende as crianças comocidadãs, pessoas que produzem cultura e são nela produzidas, quepossuem um olhar crítico que vira pelo avesso a ordem das coisas,subvertendo essa ordem. Esse modo de ver as crianças pode ensinar nãosó a entendê-las, mas também a ver o mundo a partir do ponto de vista dainfância, pode nos ajudar a aprender com elas (KRAMER, 2008, p. 91).

Abordaremos, a seguir, as principais reflexões realizadas pelos estudiosos e

pesquisadores sobre os desafios postos para os educadores no trato com as

questões raciais, enfatizando o papel da formação dos educadores de educação

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infantil na produção de práticas multi/interculturais nos espaços educacionais, tendo

como base os marcos legais que orientam a política das relações raciais,

estabelecendo as orientações necessários para a promoção de práticas

pedagógicas que fomentem o respeito à diversidade racial, por entendermos que é

por meio da prática pedagógica que poderemos intervir na construção de atores

sociais que respeitem e valorizem a diversidade cultural desde a educação infantil,

considerando a criança como agente social na promoção de relações sociais de

respeito as diferenças no espaço escolar.

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4 POLÍTICA MULTI/INTERCULTURAL PARA A EDUCAÇÃO DAS RELAÇÕESRACIAIS NA EDUCAÇÃO INFANTIL NO BRASIL

4.1 Os marcos legais para a educação das relações raciais no âmbito da educação

infantil

No Brasil, recentemente, a discussão acerca da diversidade cultural a partir

do movimento negro e demais grupos sociais vem sendo conquistada por meio da

luta por uma sociedade democrática e cidadã. Em termos de legislação, avanços

têm ocorrido a partir da Constituição Federal de 1988, que prevê a discriminação

racial como crime no seu artigo 5º, “institui a discriminação racial como prática de

crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão, nos termos da lei”

(BRASIL, 2009a).

O mito da democracia racial começa a ser questionado. Ao ser configurada a

criminalização da discriminação, fica evidente que é ilusório o ideal de igualdade

preconizado há décadas, no qual não existe preconceito e todos têm os mesmos

direitos.

No que se refere à legislação educacional, a atual Lei de Diretrizes e Bases

9.394/96 estabelece no art. 3º, incisos I e III, uma educação que tenha como

princípios: “I- igualdade de condições para o acesso e permanência na escola”; e no

“III- pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas”. Amplia também a sua

composição no art. 21- inciso I, ao abarcar a formação da educação básica desde a

educação infantil até o ensino médio, abrindo um leque de possibilidades para que

tanto o acesso e a permanência quanto a questão da pluralidade de ideias e saberes

sejam garantidos desde a mais tenra idade (Brasil, 2012).

A questão da pluralidade cultural materializa-se posteriormente nos

Parâmetros Curriculares Nacionais - PCNs, configurando um caráter nacional para o

trato com a diversidade cultural, diversidade esta de raça, gênero, religiosa; enfim,

Tratar da diversidade cultural, reconhecendo-a e valorizando-a, e dasuperação das discriminações é atuar sobre um dos mecanismos deexclusão – tarefa necessária, ainda que insuficiente, para caminhar nadireção de uma sociedade mais plenamente democrática. É um imperativodo trabalho educativo voltado para a cidadania, uma vez que tanto adesvalorização cultural – traço bem característicos de país colonizado –quanto a discriminação são entraves à plenitude da cidadania para todos;portanto para a própria nação (BRASIL, PARÂMETROS CURRICULARES,2000, p. 21).

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No entanto, a efetivação de práticas pedagógicas inovadoras que legitime no

ambiente escolar o debate acerca da diversidade cultural, no âmbito das discussões

sobre as questões de meio ambiente, sexualidade e pluralidade cultural requeridas

nos parâmetros ainda necessita de aprofundamento, debates, estudos e reflexões

não somente pelos professores, mas por todos aqueles envolvidos no processo

educacional, como pais, gestores, coordenadores, discentes acerca da pluralidade

existente no cotidiano escolar, para que uma proposta de ensino voltada para o

reconhecimento dessa diversidade seja de fato efetivada.

No intuito de fortalecer e de legitimar normas para o enfrentamento do

combate à exclusão, ao preconceito e à discriminação racial, é sancionada pelo

governo federal a Lei nº 10.639/03, que faz alteração no artigo 26 da Lei de

Diretrizes e Bases 9.394/96, tornando obrigatório o ensino da história da África e da

cultura afro-brasileira na educação básica, sendo depois modificada pela Lei

11.645/08, que torna obrigatório aos estabelecimentos de ensino inserirem nos seus

currículos os estudos dos povos indígenas no Brasil, com o intuito de resgatar a

contribuição da população negra e indígena na formação histórica, econômica,

social e cultural da sociedade brasileira.

As instituições de ensino têm a incumbência de viabilizarem a implantação

de um currículo não mais em uma concepção folclórica e excludente, presente há

décadas nos discursos pedagógicos, bem como na literatura difundida nos livros

didáticos focadas na cultura eurocêntrica, mas em uma nova perspectiva sobre a

contribuição da cultura africana e indígena para a formação da identidade brasileira.

Na forma da lei, trazer esta discussão racial para o currículo amplia o debate sobre

a necessidade de uma educação multicultural/ intercultural, à medida em que nos

faz repensar novas formas de olhar o outro, reconhecendo-o em sua singularidade e

pluralidade.

Visando à implementação da lei nos sistemas de ensino, despontam novas

diretrizes curriculares para as questões das relações étnico-raciais, a partir da

aprovação, em 2004, pelo Conselho Nacional de Educação, das Diretrizes

Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o

Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana – DCNRER (2004),

possibilitando o surgimento de questionamentos e preocupações, principalmente

sobre o processo de formação inicial e continuada do professor frente a esta

temática, cuja inserção no trabalho pedagógico encontra obstáculos em sua

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efetivação, quer seja curricular ou do processo de formação dos professores tanto

por parte das instituições superiores responsáveis pelo processo de formação inicial

dos professores quanto por parte das políticas públicas e secretarias de educação.

Esta última, juntamente com os sistemas de ensino, tem a função de promover

formação continuada para capacitar os educadores a fim de gerar uma discussão

sobre a educação para o reconhecimento étnico-racial. Nesses termos, as Diretrizes

apontam indicativos sobre a necessidade de formação, ao considerar que

[...] sistemas de ensino e estabelecimentos de diferentes níveis converterãoas demandas dos afro-brasileiros em políticas públicas de Estado ouinstitucionais, ao tomarem decisões e iniciativas com vistas a reparações,reconhecimento e valorização da história e cultura dos afro-brasileiros, àconstituição de programas de ações afirmativas, medidas estas coerentescom um projeto de escola, de educação, de formação de cidadãos queexplicitamente se esbocem nas relações pedagógicas cotidianas. Medidasque, convém, sejam compartilhadas pelos sistemas de ensino,estabelecimentos, processos de formação de professores, comunidade,professores, alunos e seus pais (BRASIL, 2004, p. 17).

A escola assume, então, um papel determinante na efetivação das

Diretrizes, desde a educação básica, compreendendo esta a educação infantil, o

ensino fundamental e o ensino médio, na viabilização de formação continuada aos

professores no fomento das questões referentes ao preconceito e à discriminação

racial; no redimensionamento do currículo que valorize e que reconheça as

discussões da diversidade cultural, e na promoção de práticas pedagógicas que

fortaleçam de modo afirmativo o respeito ao outro.

Para tanto, estabelece as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação

Básica, por meio do Parecer CNE/CEB nº 7/2010, o qual define princípios e objetivos

que devem orientar a elaboração de propostas curriculares para a educação infantil,

ensino fundamental e educação de jovens e adultos que valorizem seus atores

sociais.

A Educação Básica é direito universal e alicerce indispensável para acapacidade de exercer em plenitude o direto à cidadania. É o tempo, oespaço e o contexto em que o sujeito aprende a constituir e reconstituir asua identidade, em meio a transformações corporais, afetivo-emocionais,socioemocionais, cognitivas e socioculturais, respeitando e valorizando asdiferenças. Liberdade e pluralidade tornam-se, portanto, exigências doprojeto educacional (BRASIL, p. 12, 2010).

No âmbito da educação infantil, a Resolução CNE/CEB nº 5/ 2009 define as

Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil e orientam para a

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promoção de propostas pedagógicas que considerem os princípios éticos, políticos e

estéticos na relação com a criança, conforme sinalizado no art.6º, a saber

Art. 6º As propostas pedagógicas de Educação Infantil devem respeitar osseguintes princípios:I – Éticos: da autonomia, da responsabilidade, da solidariedade e dorespeito ao bem comum, ao meio ambiente e às diferentes culturas,identidades e singularidades.II – Políticos: dos direitos de cidadania, do exercício da criticidade e dorespeito à ordem democrática.III – Estéticos: da sensibilidade, da criatividade, da ludicidade e da liberdadede expressão nas diferentes manifestações artísticas e culturais (BRASIL, p.2, 2009b).

Ao conceber estes princípios, parte da compreensão de criança como sujeito

histórico-social, em pleno desenvolvimento, que constitui sua identidade a partir da

relação que estabelece com o outro e com si mesma. Então, o desafio está na

constituição de propostas pedagógicas que respeitem suas particularidades e

singularidades, valorizando o diálogo positivo com as diversidades e as diferenças

presentes em nossa sociedade sejam de classe, gênero, raça ou religiosa.

As Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil preveem a

organização de propostas pedagógicas que garantam o respeito ao desenvolvimento

social, emocional, cultural da criança na promoção de sua identidade. Para tanto,

estabelece no art. 8º, § 1º, inciso IV – o reconhecimento, a valorização, o respeito, e

a interação das crianças com as histórias e as culturas africanas, afro-brasileiras,

bem como o combate ao racismo e à discriminação (BRASIL, p.3, 2009b). Portanto,

a educação infantil assume um espaço-tempo ímpar para a troca de experiência, de

sociabilidade, de vivência com o outro, de aprendizagem e de sensibilidade do

respeito às diferenças.

Destacamos, o proposto no Art. 8º, no que tange às propostas pedagógicas,

as quais devem ser implementadas pelas instituições que ofertam a educação

infantil e que prevê

Art. 8º A proposta pedagógica das instituições de Educação Infantil deve tercomo objetivo garantir à criança acesso a processos de apropriação,renovação e articulação de conhecimentos e aprendizagens de diferenteslinguagens, assim como o direito à proteção, à saúde, à liberdade, àconfiança, ao respeito, à dignidade, à brincadeira, à convivência e àinteração com outras crianças.

§ 1º Na efetivação desse objetivo, as propostas pedagógicas dasinstituições de Educação Infantil deverão prever condições para o trabalho

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coletivo e para a organização de materiais, espaços e tempos queassegurem:

I - a educação em sua integralidade, entendendo o cuidado como algoindissociável ao processo educativo;

II - a indivisibilidade das dimensões expressivo-motora, afetiva, cognitiva,linguística, ética, estética e sociocultural da criança;

III - a participação, o diálogo e a escuta cotidiana das famílias, o respeito e avalorização de suas formas de organização;

IV - o estabelecimento de uma relação efetiva com a comunidade local e demecanismos que garantam a gestão democrática e a consideração dossaberes da comunidade;

V - o reconhecimento das especificidades etárias, das singularidadesindividuais e coletivas das crianças, promovendo interações entre criançasde mesma idade e crianças de diferentes idades;

VI - os deslocamentos e os movimentos amplos das crianças nos espaçosinternos e externos às salas de referência das turmas e à instituição;

VII - a acessibilidade de espaços, materiais, objetos, brinquedos einstruções para as crianças com deficiência, transtornos globais dedesenvolvimento e altas habilidades/superdotação;

VIII - a apropriação pelas crianças das contribuições histórico-culturais dospovos indígenas, afrodescendentes, asiáticos, europeus e de outros paísesda América;

IX - o reconhecimento, a valorização, o respeito e a interação das criançascom as histórias e as culturas africanas, afro-brasileiras, bem como ocombate ao racismo e à discriminação;

X - a dignidade da criança como pessoa humana e a proteção contraqualquer forma de violência – física ou simbólica – e negligência no interiorda instituição ou praticadas pela família, prevendo os encaminhamentos deviolações para instâncias competentes (BRASIL, 2009b).

Damos ênfase, porém, aos itens VIII e IX da referida diretriz, que preveem a

constituição nas propostas curriculares das instituições de educação infantil da

apropriação, do reconhecimento e da valorização das contribuições históricas dos

povos indígenas, africanos, etc. visando a combater, desde a mais tenra idade,

qualquer forma de preconceito e de discriminação racial.

Essa demanda ainda recente no âmbito da educação, principalmente no que

se refere à educação infantil, uma vez que requer a formação e a reflexão dos

educadores, no intuito de implementarem, por meio do currículo, o reconhecimento e

a valorização da cultura dos povos historicamente excluídos, bem como na

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promoção de uma prática pedagógica que promova a manifestação de atitudes

positivas no trato com as questões da diversidade étnico-racial.

O Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil (BRASIL,1998)

orienta para a implementação pelas instituições de educação infantil de propostas

pedagógicas e curriculares que respeite a criança como sujeito de direito,

valorizando sua especificidade e singularidade, contribuindo para a formação de sua

identidade. Para tanto, estabelece os seguintes objetivos gerais:

• desenvolver uma imagem positiva de si, atuando de forma cada vez maisindependente, com confiança em suas capacidades e percepção de suaslimitações;

• descobrir e conhecer progressivamente seu próprio corpo, suaspotencialidades e seus limites, desenvolvendo e valorizando hábitos decuidado com a própria saúde e bem-estar;

• estabelecer vínculos afetivos e de troca com adultos e crianças,fortalecendo sua auto-estima e ampliando gradativamente suaspossibilidades de comunicação e interação social;

• estabelecer e ampliar cada vez mais as relações sociais, aprendendo aospoucos a articular seus interesses e pontos de vista com os demais,respeitando a diversidade e desenvolvendo atitudes de ajuda ecolaboração;

• observar e explorar o ambiente com atitude de curiosidade, percebendo-secada vez mais como integrante, dependente e agente transformador domeio ambiente e valorizando atitudes que contribuam para suaconservação;

• brincar, expressando emoções, sentimentos, pensamentos, desejos enecessidades;

• utilizar as diferentes linguagens (corporal, musical, plástica, oral e escrita)ajustadas às diferentes intenções e situações de comunicação, de forma acompreender e ser compreendido, expressar suas ideias, sentimentos,necessidades e desejos e avançar no seu processo de construção designificados, enriquecendo cada vez mais sua capacidade expressiva;

• conhecer algumas manifestações culturais, demonstrando atitudes deinteresse, respeito e participação frente a elas e valorizando a diversidade(BRASIL, 1998, p. 63).

Os marcos legais instituídos no Brasil, apesar dos avanços, apresentam um

discurso ideológico fundamentado na política pluralista multicultural de caráter

neoliberal, que se diferencia dos pressupostos do multiculturalismo crítico.

Delinearemos, a seguir, o cenário da política multicultural, defendendo a

perspectiva crítica e intercultural como possibilidade de diálogo entre as culturas, e

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como estratégia de intervenção nos espaços educacionais da educação infantil na

garantia do respeito e reconhecimento das diferenças.

4.2 O cenário da política multicultural/intercultural

Os estudos sobre o multiculturalismo no contexto educacional é recente,

tendo ainda um reduzido número de pesquisas que discutem esta temática. A escola

surge na perspectiva multicultural como espaço em que transitam diversas culturas,

permeadas de conflitos, de resistências, de disputas, marcado também pela

supremacia da cultura branca, masculina e cristã (McLAREN, 1997).

O multiculturalismo emerge, então, em um contexto político, econômico e

cultural marcado pela globalização, pela desigualdade social e econômica e pela

segregação entre as culturas. Surge nos Estados Unidos, como movimento social de

luta em defesa dos movimentos sociais, como dos movimentos dos negros, dos

homossexuais, dos indígenas e de outras minorias oprimidas. Movimentos estes que

visam a combater o preconceito e a discriminação seja racial, seja de gênero, seja

de classe, seja religiosa, enfim, múltiplas formas de exclusão sofridas pelos povos

oprimidos historicamente.

O multiculturalismo vem também suscitar novas e diferentes atitudes por

parte da escola e de seus educadores, visando, a partir do reconhecimento e da

valorização das diferenças, a romper com a lógica excludente, favorecendo uma

educação que contribua para a promoção de sujeitos críticos, participativos e

construtores de sua realidade.

McLaren (1997) estabelece uma análise do multiculturalismo a partir de

quatro abordagens, a saber: multiculturalismo conservador; multiculturalismo

humanista liberal; multiculturalismo liberal de esquerda; multiculturalismo crítico e de

resistência. O multiculturalismo conservador enfatiza a soberania de uma cultura

comum, hegemônica, com supremacia da cultura branca, visando à padronização e

à legitimação de uma única língua oficial em detrimento da negação das diversas

culturas, como as africanas, indígenas, e seus dialetos. Já o multiculturalismo

humanista liberal sustenta a ideia de uma “igualdade natural”, onde não há uma

supremacia intelectual entre as raças.

Essa premissa defende que brancos, negros, indígenas, asiáticos, latinos e

etc. teriam as mesmas condições intelectuais de buscarem na sociedade capitalista

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melhorias de vida, de emprego e de moradia. No entanto, a desigualdade econômica

se intensifica na sociedade capitalista, acabando por negar o acesso aos bens

sociais e à educação, negando também a cultura, os valores e as crenças dos

grupos excluídos.

Em contraposição, o multiculturalismo liberal de esquerda reconhece a

pluralidade cultural entre as raças, no entanto, nega que esta se constitua histórica e

socialmente, tendo, assim, um caráter meramente essencial. A abordagem do

multiculturalismo crítico e de resistência vem superar essa visão essencialista ao

situar a questão da diferença a partir do debate político constituído em um contexto

histórico, social, cultural, em que as relações entre as diferentes culturas

estabelecem disputas que envolvem ideologias, discurso e poder. Rompe com a

visão de que as relações entre as culturas ocorrem de maneira idílica, dentro do

ideal de igualdade preconizado pelas abordagens liberais, estando carregadas de

conflitos, de resistências e de disputas que passam fundamentalmente por questões

ideológicas e de poder.

Todo esse movimento do multiculturalismo, iniciado em territórios

estadunidenses, avança fronteiras e alcança ecos pelo mundo. Nesse contexto, o

Brasil, não muito diferente do ocorrido nos Estados Unidos, também no século XX, a

partir do movimento negro, em defesa da valorização e do reconhecimento da

cultura afrodescendente, amplia as discussões para o combate ao preconceito e à

discriminação étnico-racial.

Estudos e pesquisas sobre essa temática tiveram grande repercussão a

partir da década de 80 com a redemocratização política e a luta de diferentes

movimentos sociais em defesa de uma sociedade justa e igualitária. Autores como

Freire (2005); Candau (2008); Oliveira (2011) e Fleuri (2003) trazem importantes

contribuições para o estudo do multiculturalismo crítico e intercultural no contexto

educacional brasileiro.

Para Candau (2008), o multiculturalismo apresenta duas abordagens, a

primeira na perspectiva descritiva, o multiculturalismo se configura como movimento

estático dado em um contexto histórico. A segunda na perspectiva propositiva

compreende o multiculturalismo como dinâmico, construído historicamente a partir

das relações entre os sujeitos e suas culturas, que requer atitude crítica, interventiva

e transformadora pelos seus atores, visando, por meio da educação, propor

mudanças estratégicas de luta e combate ao preconceito e à discriminação.

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A partir da abordagem propositiva, ela defende um multiculturalismo crítico e

interativo, que promova o diálogo entre as culturas, enfatizando a interculturalidade

como possibilidade de reconhecimento e valorização de identidades.

A perspectiva intercultural que defendo quer promover uma educação parao reconhecimento do “outro”, para o diálogo entre os diferentes grupossociais e culturais. Uma educação para a negociação cultural, que enfrentaos conflitos provocados pela assimetria de poder entre os diferentes grupossocioculturais nas sociedades e é capaz de favorecer a construção de umprojeto comum, pelo qual as diferenças sejam dialeticamente incluídas(CANDAU, 2008, p.23).

A educação assume, então, um caráter transformador, provedora da troca

entre as diferentes culturas presentes no ambiente escolar, favorecendo o respeito à

diversidade cultural e à valorização do “outro”. Exige-se, portanto, uma prática

pedagógica problematizadora, emancipatória e libertadora que não exclua e não

reproduza o preconceito, mas que promova o diálogo crítico e autônomo entre os

sujeitos. Freire (2005) corrobora com esta premissa ao situar o debate sobre a

interculturalidade a partir do princípio da troca e da negociação permanente entre as

culturas quando afirma que

A síntese cultural não nega as diferenças entre uma visão e outra, pelocontrário, se funde nelas. O que ela nega é a invasão de uma pela outra. Oque ela afirma é o indiscutível subsídio que uma dá a outra (FREIRE, 2005,p. 210).

Oliveira (2011) argumenta que a origem deste debate sobre a

interculturalidade no Brasil está estritamente relacionado à luta preconizada pelos

movimentos sociais na década de 60 por equidade social, representadas no

pensamento educacional de Freire, por meio de categorias fundantes, as quais

constituem, segundo a autora, os conceitos que embasam a concepção freireana

sobre a interculturalidade, a saber:

Considero que desde as suas primeiras produções, a questão dainterculturalidade está presente na educação de Paulo Freire em torno decategorias fundantes presentes no seu pensamento educacional entre asquais: oprimido, cultura, invasão cultural, síntese cultural, diálogo,autonomia, e, posteriormente, nas obras dos anos 90, ao tratar do tema domulticulturalismo, em que problematiza questões como a diferença, aidentidade cultural, relações de gênero e de raça, a tolerância, entre outras.Além disso, por meio da tese unidade na diversidade, Paulo Freirefundamenta o debate sobre a diferença na perspectiva intercultural crítica(OLIVEIRA, 2011, p. 38).

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A partir dessas categorias, Oliveira (2011) destaca que a educação de Paulo

Freire, além de fazer a denúncia de uma pedagogia bancária e excludente, promove

o anúncio da possibilidade da promoção de uma pedagogia crítica e dialógica, que

inclui e liberta da opressão, por meio do diálogo que humaniza, e permite a

transformação da sociedade com “outro”, conforme argumenta:

No meu modo de ver existe aproximação entre os pressupostos teórico-metodológicos da educação de Paulo Freire com a educação interculturalpelos seguintes aspectos: a cultura e o diálogo são centrais no debate ético-político na educação e na promoção do encontro entre as diferenças e asrelações interculturais; a educação, pela reflexão crítica e por meio damatriz liberdade, é vista como capaz de viabilizar a autonomia e oempoderamento dos sujeitos que sofrem opressão e exclusão social; e nodebate sobre o multiculturalismo são fundamentais as questões sobre adiferença, a alteridade, a solidariedade, classe, gênero, etnia, tolerância,entre outras (OLIVEIRA, 2011, p. 54).

Vale dizer que estabelecer o diálogo cultural é um desafio, por tratar-se de

uma tarefa complexa que requer escuta, troca, conflito, disputa, tensão, mas,

sobretudo, a manifestação plena de cada cultura, não recaindo mais na negação, na

exclusão e na discriminação dos diversos grupos sociais.

Nesse contexto, a escola assume um papel de mediação na proposição de

uma prática pedagógica reflexiva e interventora na construção do respeito e da

valorização cultural entre os agentes sociais, segundo considera Walsh (2009, p.25)

a interculturalidade crítica como ferramenta pedagógica que questionacontinuamente a racialização, subalternização, inferiorização e seuspadrões de poder, visibiliza maneiras diferentes de ser, viver, e saber ebusca o desenvolvimento e criação de compreensões e condições que nãosó articulam e fazem dialogar as diferenças num marco de legitimidade,dignidade, igualdade, equidade e respeito, mas que – ao mesmo tempo –alentam a criação de modos “outros” – de pensar, ser, estar, aprender,ensinar, sonhar e viver que cruzam fronteiras.

Fleuri (2003) alerta para o cuidado em não se construir práticas que visem a

homogeneizar as culturas em tempos de globalização; isto porque, a tendência da

sociedade atual é a instituição de uma cultura universal, em defesa da superioridade

da identidade branca e eurocêntrica em contraposição às culturas ditas como

inferiores, como as das diversas raças e etnias. Ao invés de uma visão binária, entre

brancos e índios, brancos e negros, etc., o autor propõe a existência de uma

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fronteira cultural, entendendo esta como um constante jogo político, bem como um

complexo campo de forças que envolvem as relações entre as culturas e a

construção histórico-social de identidades.

A identidade, sendo definida historicamente, é transformada continuamenteem relação às formas pelas quais somos representados ou interpelados nossistemas culturais que nos rodeiam, de tal forma que, à medida que ossistemas de significação e representação cultural se multiplicam, somosconfrontados por uma multiplicidade desconcertantes e cambiantes deidentidades possíveis, com cada uma das quais poderíamos nos identificar.Na maioria das vezes, as relações entre sujeitos e entre culturas diferentessão consideradas a partir de uma lógica binária (índio X branco, centro Xperiferia, dominador X dominado, sul X norte, homem X mulher, criança Xadulto, normal X deficiente...) que não permite compreender a complexidadedos agentes e das relações subentendidas em cada pólo, nem areciprocidade das inter-relações, nem a pluralidade e a variabilidade dossignificados produzidos nessas relações. Entretanto, a complexidade darelação entre culturas evidencia a necessidade de analisar a abordagem daexistência de uma fronteira cultural, uma borda deslizante e intervalar nasrelações, para além de uma simples divisão e classificação binária daexistência humana. Esse espaço intervalar da cultura aparece como umespaço de intervenção (tensão-negociação-tradução) que introduz areinvenção criativa da existência, fundada num profundo desejo desolidariedade social: a busca do encontro (FLEURI, 2003, p. 11).

O multiculturalismo vem configurando, assim, em diversos territórios do

cenário global, a partir dos contextos históricos, políticos, sociais de cada sociedade

um movimento em defesa dos grupos oprimidos em oposição à discriminação de

raça, gênero, classe, religiosa.

A educação na perspectiva multicultural/intercultural requer novas práticas

que valorizem o saber de cada cultura, implicando, nesse sentido, uma mudança

radical na organização do currículo, não mais tomando o modelo eurocêntrico, único

e universal. Outra exigência refere-se à formação dos professores, a qual é

imprescindível para contribuir na efetivação de uma prática crítica, transformadora,

libertadora que reconheça e favoreça, dialeticamente, o diálogo entre as diversas

culturas.

Moreira (2010) considera a escola como espaço de crítica e questionamento

ao existente; espaço de formação de indivíduos não conformistas, rebeldes,

transgressores, que combatem todas as formas de opressão. A escola, então, como

espaço público, em que são estabelecidas relações sociais, produtora de

significados e identidades. Assim, o autor destaca quatro aspectos importantes na

promoção da educação multicultural no espaço escolar, a saber:

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Pode-se promover a educação multicultural para desenvolver sensibilidadepara a pluralidade de valores e universos culturais, decorrente do maiorintercâmbio cultural no interior de cada sociedade e entre diferentessociedades. Pode-se também empregá-la para resgatar valores culturaisameaçados, visando-se a garantir a pluralidade cultural. [...] Pode-se, com oauxílio da educação multicultural, destacar a responsabilidade de todos noesforço por tornar o mundo menos opressivo e injusto (MOREIRA, 2010, p.176).

Para a efetivação de uma educação multicultural, Moreira (2010) propõe

uma interseção entre o multiculturalismo e o currículo, ao pressupor o currículo como

um instrumento privilegiado na orientação de propostas e práticas multiculturais. O

autor concebe, então, o currículo como

Todas as experiências organizadas pela escola que se desdobram em tornodo conhecimento escolar. Incluo no âmbito do currículo, assim, tanto osplanos com base nos quais a escola se organiza, com a materializaçãodesses planos nas experiências e relações vividas por professores noprocesso de ensinar e aprender conhecimentos. Nessa perspectiva, oprofessor encontra-se necessariamente comprometido com o planejamentoe com o desenvolvimento do currículo (MOREIRA, 2010, p. 179).

Nas últimas décadas vem se despontando a formulação de leis e de

diretrizes que objetivam reorientar o currículo escolar e a prática pedagógica, no

intuito de contribuir para a formação de cidadãos críticos que valorizem e respeitem

as diversas culturas que permeiam o ambiente escolar.

Delinearemos, a seguir, os desafios para a promoção de uma prática

docente intercultural no espaço educacional.

4.3 Desafios para uma prática docente intercultural no espaço educacional

Nas últimas décadas, a questão racial no Brasil tem sido palco de inúmeras

discussões por parte dos grupos historicamente marginalizados, como os negros,

tendo em vista a necessidade emergente de se colocar em pauta na educação

discussões acerca da discriminação racial, social, cultural, política e econômica

sofrida pela população negra neste país.

A escola apresenta-se como cenário que vislumbra a possibilidade de

construção de uma política afirmativa para a igualdade racial, tendo como principal

ator a figura do professor, atuando ora como veiculador da promoção do

reconhecimento e da valorização da diversidade étnico-racial, por intermédio de uma

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educação que permita a emancipação da cultura negra, ora para a negação desse

direito, por não conceber a existência do preconceito racial no contexto educacional.

O professor, em geral, não percebe as graves diferenças existentes nosresultados escolares de crianças negras e brancas. Não estabelecerelações entre raça/ etnia, gênero e desempenho escolar, e não percebetambém como essa não-percepção interfere na sua própria conduta.Entretanto, sabe-se que as representações determinam as relações, oscomportamentos, as expectativas e as interações sociais. Assim, odespreparo constitui campo fértil para que o racismo se perpetue e adiscriminação racial sofra mutações próprias do ambiente escolar (SILVA,2001, p. 66-67).

Então, a educação infantil é concebida no amplo contexto da educação

formal e considerando-a como uma das primeiras etapas do processo de

aprendizagem e de formação do ser humano como sujeito sociocultural, que

estabelece interação com seu meio e com sua cultura, com base em Vygotsky.

Em síntese, na perspectiva vygotskiana o desenvolvimento das funçõesintelectuais especificamente humanas é mediado socialmente pelos signose pelo outro. Ao internalizar as experiências fornecidas pela cultura, acriança reconstrói individualmente os modos de ação realizadosexternamente e aprende a organizar os próprios processos mentais. Oindivíduo deixa, portanto, de se basear em signos externos e começa a seapoiar em recursos internalizados (imagens, representações mentais,conceitos etc.) (REGO, 1995, p. 62).

Nessa perspectiva, a educação infantil cumpre um papel socioeducativo

próprio e indispensável ao desenvolvimento da criança, valorizando as experiências

e os conhecimentos que ela já possui, fomentando a construção de novos

conhecimentos por meio da interação que estabelece com o outro, reconhecendo

sua diversidade cultural e étnico-racial.

Considerando as ações que promovam a discussão da cultura racial na

educação infantil, bem como a postura do professor diante dessa necessidade,

torna-se fundamental a formação de sujeitos críticos, tendo como alicerce o

processo de inclusão racial na educação infantil, por meio de práticas de

reconhecimento e de valorização de sua história, cultura e identidade no seu

cotidiano, favorecendo a apropriação da função social dessas práticas.

[...] a prática pedagógica deve considerar a diversidade de classe, sexo,idade, raça, cultura, crenças etc., presentes na vida da escola e pensar(repensar) o currículo e os conteúdos escolares a partir dessa realidade tãodiversa. A construção de práticas democráticas e não preconceituosas

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implica o reconhecimento do direito à diferença, e isso inclui as diferençasraciais (GOMES, 2001, p. 87).

Uma das principais tarefas do educador é propiciar um ambiente que permita

este reconhecimento da cultura e da identidade negra, no qual as relações

estabelecidas entre os sujeitos, nas atividades que envolvam a oralidade, o brincar,

o jogo, a escrita, o desenho e o lúdico tenham como alvo a formação de cidadãos

que respeitem esta diversidade étnica e cultural.

Pesquisas realizadas, como a de Cavalleiro (2001), revelam que a questão

racial está presente no cotidiano da escola, nela inserida a educação infantil, e são

vivenciados por professores e crianças mecanismos sutis de exclusão, de

preconceito e de discriminação. Para romper com esta situação, a autora propõe

[...] a elaboração de um cotidiano escolar que contemple as necessidadesespecíficas de alunos/as negros/as, a saber: a) reconhecimento daproblemática racial na sociedade; b) desenvolvimento de estratégiaspedagógicas que possibilitem o reconhecimento da igualdade entre osgrupos raciais e paralelamente, a aceitação positiva dos alunos negrospelos demais alunos; c) provimento de alternativas para a construção deautoconceito positivo e auto-estima elevada para crianças e adolescentesnegros, incentivando-os a construir projetos de vida. (CAVALLEIRO, 2001,p.149).

Daí compreender o papel social da educação infantil como possibilidade de

que sejam organizados, planejados e avaliados pelo educador tempos e espaços em

que se valorizem os diversos tipos de linguagem, expressões e culturas,

contextualizando-as com a realidade social na qual a criança está inserida,

contribuindo para seu desenvolvimento socioeducativo.

Reconhecer o papel das instituições de educação infantil significa reafirmarsua função de atender as necessidades das crianças constituindo umespaço de socialização e de convivência. Espaço este de cuidar e educar,que possibilite explorar o mundo, novas vivências, trocas de experiências,ter acesso a livros, no qual brincar de boneca, casinha, soltar pipa, jogarbola de gude, amarelinha, entre outras, signifique o resgate dasbrincadeiras infantis, como realidade de inserção, integração, transformaçãoe interação das crianças no mundo (SOUZA, 2002, p. 58).

Essa interação também inclui a presença da criança negra nos espaços da

educação infantil, devendo ser uma questão que envolva educadores, pais, alunos,

comunidade e a sociedade em geral. Sendo assim, para os educadores se torna um

desafio a abordagem da questão racial em suas propostas pedagógicas, bem como

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na organização dos conhecimentos considerando a rotina em creches e pré-escolas,

conforme estabelecido pelas Diretrizes da Educação Infantil (2009b) e

consubstanciado nas Diretrizes para as Relações Raciais (2004).

A partir da inserção no projeto político pedagógico das unidades de

educação infantil em garantir à discussão da questão cultural e étnico-racial, aos

educadores caberá o desafio em incorporá-las em suas propostas de ensino, de

modo que possa garantir às crianças o diálogo com a diversidade cultural brasileira.

Nessa discussão relativa à educação às ações culturais, não podemos abrirmão de pensar criticamente nosso tempo, produzindo teorias e práticasemancipadoras, que provoquem a reflexão e instrumentalizem-nos paracombater a discriminação e a exclusão de muitos. Enquanto lutamos paraconquistar condições concretas de democratizar a cultura, precisamosenfrentar este que talvez seja um dos mais pesados e difíceis problemas danossa própria condição humana e que é, sem dúvida, um dos maioresdesafios deste século: a dificuldade de aceitar as diferenças e dereconhecer que aquilo que caracteriza nossa singularidade é justamentenossa pluralidade. Contra perspectivas educacionais e culturaishomogeneizadoras, difundidas cada vez mais pela mídia em tempos deglobalização, cabe – em todas as instâncias da vida educacional e cultural –aprender a lidar com a heterogeneidade como riqueza, e não comoobstáculo (KRAMER, 1998, p. 213).

Portanto, a relevância de refletirmos acerca da interculturalidade tendo como

eixo central a reflexão sobre a percepção do educador sobre a questão étnico-racial

e sobre a importância em demonstrar uma atitude de respeito às diferenças, é

crucial, já que, para formar crianças que valorizem sua cultura no que tange à

questão racial, o educador precisa, primordialmente, reconhecer sua identidade

cultural.

Além disso, trabalhar a questão das relações raciais no contexto da

educação infantil é fundamental para o desenvolvimento e a aprendizagem das

crianças, bem como para a sua formação enquanto sujeitos, pois contribui para que

a criança seja capaz de entender, de refletir, de interferir e de construir um mundo

melhor.

Romper com a dificuldade de conviver com as questões raciais entre ascrianças e entre nós mesmos, a fim de que se construa uma práticapedagógica voltada para o respeito mútuo, conscientizando-se de que éfundamental lidar com as diferenças, partindo do princípio de que elas sãoriquezas e precisam ser respeitadas (SOUZA, 2002, p. 14).

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Pensar como se constituem as práticas pedagógicas no trato com a questão

étnico-racial é fundamental, por se considerar a ausência de discussão,

questionamentos, dúvidas sobre o que e como abordar esta questão, o que constitui

campo fértil para disseminação de práticas discriminatórias e excludentes desde a

pré-escola. Dessa forma, a omissão em considerar a discriminação e o preconceito

no ambiente escolar leva à perpetuação de práticas de exclusão.

Nosso argumento se encaminha no sentido de afirmar a omissão presentenos processos de formação – planos e na bibliografia de formação, emrelação à questão racial. Argumenta-se ser crucial a preparação dosprofessores para o trato da questão, uma vez que a ausência desta leva àreprodução do preconceito em sala de aula (COELHO, 2008, p. 82).

Considerando não só a necessidade de o educador investir

permanentemente em seu processo de formação, mas ainda a contribuição dos

sistemas de ensino em assegurar a reflexão, a troca de experiências entre os

educadores, posto que a formação é contínua, inconclusa e esta deve ser realizada

a partir do contexto histórico-social no qual os sujeitos estão inseridos, é necessária

a mobilização para uma prática compartilhada na qual se favoreça a construção de

uma práxis pedagógica para a inclusão.

Por essa ótica, formação assume uma posição de “inacabamento”,vinculada à história de vida dos sujeitos em permanente processo deformação, que proporciona a preparação profissional. O processo deformação é multifacetado, plural, tem início e nunca tem fim (VEIGA, 2008,p. 15).

Concebendo a escola enquanto espaço de cultura, em que a pluralidade de

raça, gênero, religião, de classe se entrecruzam formando redes de saberes, o

desafio em fortalecer o reconhecimento desses saberes, a inclusão ao invés da

exclusão, a valorização em detrimento da discriminação, enfim, para alcançarmos

estas demandas postas atualmente para a escola e para o trabalho docente, faz-se

necessário repensar o processo de formação do professor, como elemento

determinante na constituição de uma educação dialógica e transformadora, para a

garantia da valorização da diversidade, conforme defende Pimenta (2008, p. 15):

Tenho investido na formação de professores, entendendo que na sociedadecontemporânea cada vez mais se torna necessário o seu trabalho enquantomediação nos processos constitutivos da cidadania dos alunos, para queconcorre a superação do fracasso e das desigualdades escolares. O queme impõe a necessidade de repensar a formação de professores.

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Santos (2007) entende como fundamental a realização de formação

continuada considerando as necessidades dos professores, o contexto no qual estão

inseridos, de modo que estes sejam reconhecidos e valorizados, e possam contribuir

para a construção de uma sociedade crítica, reflexiva e democrática.

Entende-se a formação continuada como um processo em construção edesenvolvimento de identidades e cultura dos professores que criam ereproduzem o conhecimento historicamente e socialmente construído poruma sociedade (SANTOS, 2007, p. 52).

As políticas de formação devem primar pela qualificação dos educadores

que os capacite na mediação das relações raciais de modo positivo. A escola

também deve cumprir sua função social, pois a ausência dessa discussão pode criar

um ambiente propício para a reprodução do preconceito e de práticas

discriminatórias.

As poucas mudanças agem muito lentamente e o espaço escolar continuapropicio à naturalização e à banalização da discriminação e do preconceito,os quais passam a ser codificados nas relações interpessoais, familiares econfundidos com gestos de confiança, intimidade, “afeto”. Enquadrados noscomportamentos “dentro da normalidade”, evitam enfretamentos, conflitospessoais e institucionais, punições e terminam por acobertar violênciasverbais e simbólicas (MARIM, 2008, p. 67).

Eis o desafio e a necessidade de ampliar estudos e pesquisas que reflitam

sobre a importância do modo como os educadores percebem a questão étnico-racial

e manifestam isso no cotidiano da educação infantil para o combate ao preconceito

racial em busca de uma educação para a diversidade racial, contribuindo para

demarcar espaço no cotidiano escolar para a valorização da cultura africana, cujas

raízes culturais impregnam a cultura de nosso país.

Gomes e Silva (2011) destacam a necessidade ímpar do reconhecimento

pelos professores da diversidade no cotidiano escolar.

[...] os profissionais que atuam na escola e demais espaços educativossempre trabalharam e sempre trabalharão com as semelhanças e asdiferenças, as identidades e as alteridades, o local e o global. Por isso, maisdo que criar novos métodos e técnicas para se trabalhar com as diferençasé preciso, antes, que os educadores e as educadoras reconheçam adiferença enquanto tal, compreendam-na à luz da história e das relaçõessociais, culturais e políticas da sociedade brasileira, respeitem-na eproponham estratégias e políticas de ações afirmativas que se coloquem

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radicalmente contra toda e qualquer forma de discriminação (GOMES eSILVA, 2011, p. 16).

A partir do exposto esperamos que o presente estudo possibilite um

aprofundamento da temática em questão, assim como favoreça novas reflexões

para os profissionais de educação, especialmente àqueles que atuam na educação

infantil, orientando-os no repasse de suas concepções e práticas pedagógicas junto

às crianças no trato com a questão da diversidade étnico-racial.

Concebemos que esses elementos são significativos para ampliar a

compreensão sobre os desafios de uma prática pedagógica na perspectiva do

multiculturalismo crítico/ intercultural no contexto da educação infantil, considerando

que a problemática da sociedade capitalista exclui, segrega, discrimina.

Instituir práticas que incluam, acolham e valorizem a diversidade é um papel

desafiador para as instituições educacionais. Compreender como se constitui os

mecanismos de exclusão presentes nas relações de poder favorecerá a ruptura de

práticas discriminatórias.

O caminho está delineado pelas leis e diretrizes. No entanto, para uma

mudança efetiva nas propostas pedagógicas, curriculares e de formação, serão

necessários que haja uma conscientização teórico-metodológica, política e cultural

pelos educadores, para que a mudança em suas práticas possibilite o diálogo, a

troca, a negociação, o reconhecimento da diferença no contexto educacional,

contribuindo para a formação crítica de crianças, jovens e adultos.

Necessário se faz, então, compreender as crianças enquanto atores sociais,

produtoras de culturas, e que, como tais, interagem no e com o mundo, sujeitos da

história. As crianças se formam, criam, recriam diferentes maneiras de interpretar e

resignificar o mundo, sendo agentes sociais que estabelecem relações com o outro

e com seu ambiente.

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5 AS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS DOS PROFESSORES DE EDUCAÇÃOINFANTIL EM RELAÇÃO À CRIANÇA NEGRA E SUA SOCIALIZAÇÃO NOCONTEXTO DA UNIDADE EDUCACIONAL INVESTIGADA

Nesta seção, procederemos a análise dos dados obtidos, a partir da

observação de campo e das entrevistas semiestruturadas, visando a refletir sobre

como são construídas as representações sociais dos professores de educação

infantil sobre a criança negra e sua socialização na escola, por meio de sua prática

pedagógica na unidade investigada . Para tanto, partimos dos referenciais teóricos

adotados a partir dos estudos da Teoria das Representações Sociais; do

Multiculturalismo Crítico e das Relações Raciais na Escola. Assim, tendo como base

este corpus, elegemos cinco categorias temáticas, a saber:

(1) Representações dos professores sobre a criança negra no espaço escolar;

(2) Representações dos professores sobre a socialização da criança negra na

escola;

(3) Ações de discriminação e preconceito racial na prática pedagógica na escola;

(4) A contribuição do professor, por meio da prática pedagógica, para a superação

dos preconceitos e discriminações raciais na escola;

(5) A formação dos professores e as relações raciais na escola.

Ao organizamos as categorias não as colocamos em ordem hierárquica, pois

consideramos que todas são importantes para refletirmos sobre as representações

sociais dos professores de educação infantil e sobre a criança negra.

Neste sentido, situarmos a temática das representações sociais dos

professores de educação infantil em relação à criança negra, constitui-se um desafio

no sentido de identificarmos os processos em que ocorrem a ancoragem e a

objetivação na construção das representações, partindo do contexto de produção e

de circulação dos discursos consensuais elaborados pelos participantes sobre o

objeto de estudo.

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A fim de analisarmos e de refletirmos sobre o modo como os professores

produzem suas representações sociais em relação à criança negra, lançaremos mão

das Teorias das Representações Sociais, que contribuem significativamente para tal,

pelo fato de ser um fenômeno que emerge em um contexto social na interação entre

o sujeito e o objeto investigado. Sobre isso, Moscovici (2003, p. 41) enfatiza que as

Representações, obviamente, não são criadas por um indivíduoisoladamente. Uma vez criadas, contudo, elas adquirem uma vida própria,circulam, se encontram, se atraem e se repelem e dão oportunidade aonascimento de novas representações, enquanto velhas representaçõesmorrem. Como consequência disso, para se compreender e explicar umarepresentação, é necessário começar com aquela, ou aquelas, das quaisela nasceu. Não é suficiente começar diretamente de tal ou tal aspecto, sejado comportamento, seja da estrutura social. Longe de refletir, seja ocomportamento ou a estrutura social, uma representação muitas vezescondiciona ou até mesmo responde a elas. Isso é assim, não porque elapossui uma origem coletiva, ou porque ela se refere a um objeto coletivo,mas porque, como tal, sendo compartilhada por todos e reforçada pelatradição, ela constitui uma realidade social sui generis. Quanto mais suaorigem é esquecida e sua natureza convencional é ignorada, maisfossilizada ela se torna. O que é ideal, gradualmente torna-se materializado.Cessa de ser efêmero, mutável e mortal e torna-se imortal.

Nas categorias temáticas deste estudo, iremos situar as objetivações e as

ancoragens que caracterizam as representações dos professores sobre a criança

negra, buscando evidenciar as redes de significações que dão sentido e significado

ao objeto de estudo, destacando de que modo às professoras orientam suas

práticas pedagógicas no trabalho desenvolvido com a criança negra.

5.1Representações dos professores sobre a criança negra no espaço escolar

Esta categoria busca levantar a partir do corpus da pesquisa, as

representações sociais das professoras em relação a criança negra no espaço de

educação infantil.

No primeiro dia em que começamos nossas observações no turno da tarde,

as duas professoras da turma, Profª. Rosa (JIM - DIÁRIO DE CAMPO, 2011) e Profª.

Margarida (JIT- DIÁRIO DE CAMPO, 2011) estavam organizando uma atividade na

área livre de lazer. As crianças foram acordadas para participarem da atividade, e

uma a uma, iam saindo devagar da sala, e ainda com sono se dirigiam ao pátio da

unidade. As professoras informaram à pesquisadora que não era ainda o horário das

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crianças acordarem, mas que era necessário, porque a atividade visava uma

apresentação de uma peça a ser encenada na mostra da educação infantil, e, para

tanto, as crianças precisavam de muitos ensaios. A peça em questão tratava-se de

um ensaio musical com o título da letra da música: “A Linda Rosa Juvenil”, que

destacamos, a seguir, a letra:

A Linda Rosa Juvenil

A linda Rosa juvenil, juvenil, juvenilA linda Rosa juvenil, juvenil, juvenilVivia alegre no seu larNo seu lar, no seu larVivia alegre no seu lar

Um dia veio a bruxa máMuito má, muito má

Que adormeceu a Rosa assim,Bem assim, bem assim,Adormeceu a Rosa assim, bem assim

O mato cresceu ao redor, ao redorAo redor, ao redorO mato cresceu ao redor

O tempo passou a correr, a correrA correr, a correrO tempo passou a correr

Um dia veio um belo ReiBelo rei, belo ReiUm dia veio um belo Rei

E despertou a Rosa assim,Bem assim, bem assim

E os dois puseram-se a dançarA dançar, a dançarE os dois puseram-se a dançar

(Diário de campo, 2011)

Antes do início do ensaio, as professoras foram organizando as crianças

conforme os personagens presentes na letra da música. Apresentamos no registro a

seguir este momento:

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(Diário de Campo, 2011)

Os diálogos entre as professoras e as crianças e seus pares, acima descritos,

revelam que não existe nada de inocente naquilo que as crianças aprendem sobre a

questão racial, tal como retrata as histórias infantis. Além de que são profundamente

ideológicas as histórias infantis que apresentam um determinado tipo físico como

portador de beleza, da bondade, da riqueza ou da pobreza. A escola tem uma

Profª. Rosa: - Vamos ver quem veio hoje, quem eu chamar levanta a mão.

Profª. Rosa: - F (menina) Está presente? (a menina levanta timidamente a mão).

Profª. Rosa: - Você já sabe né? Fará papel da “Rosa”, e tem que estar bem sorridente. (a

menina confirma com a cabeça que “sim”).

Profª. Rosa: - a R1 (menina) está aí? (procurando pela menina que ainda não havia

acordado). Alguém pode acordá-la, porque ela fará o papel da “Bruxa” e não tem ninguém

com o cabelo igual o dela (se referindo ao cabelo crespo e volumoso). (Logo R1 (menina)

aparece no pátio com cara de emburrada por ter sido acordada).

Profª. Rosa: - Não adianta ficar emburrada, pode ajeitar a tua cara, porque hoje temos que

ensaiar, e tu terás que ensaiar com a capa da bruxa que fizemos pra ti.

Profª. Rosa: - Cadê o “Rei” (P1- menino)? Ele também ainda não acordou? (e pede pra Profª.

Margarida acordá-lo).

Profª. Margarida: - Ele não quer acordar. É melhor escolhermos outro menino pra fazer o

papel do “Rei”. (As duas professoras ficam olhando e observando quem poderia substituí-lo, e

prosseguem dizendo).

Profª. Rosa: Acho que é melhor chamá-lo (se referindo a P1- menino), porque acho que ele

representa melhor o papel do “Rei”, e acho que os outros meninos não saberão fazer. (os

meninos ficam com ar de decepcionados, olhando uns para os outros e abaixando a cabeça,

como se concordassem com a professora. Logo aparece o P1 (menino)).

P1 (menino): - eu tô com sono, e não quero fazer isso (se referindo ao seu papel na peça).

Profª. Rosa: (insistindo): - Olha P1 (menino), você faz tão bem o papel do “Rei”, e hoje

fizemos uma coroa pra colocar em você. (O menino olhou a coroa e pegou-a com a

professora).

Profª. Margarida: - Vocês (se referindo as outras crianças) serão o matinho, depois vamos

explicar como deverão fazer. (Durante o ensaio, as crianças ficavam puxando e rindo do

cabelo da “Bruxa”- menina R1).

Crianças (Gritavam): - Olha o cabelo da “Bruxa”!

R1 (menina): - Deixa o meu cabelo! (fazendo caretas e colocando língua para seus colegas.

As professoras continuaram o ensaio, alheias aos conflitos envolvendo as crianças).

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responsabilidade grande em desmistificar estas representações sociais na ação

pedagógica desenvolvida junto às crianças.

Observamos que na escolha das crianças para representarem os papéis da

“Rosa”, da “Bruxa” e do “Rei” havia certa preocupação das professoras com as

características estéticas destes personagens, pois a “Rosa”, assim como o “Rei”

eram brancos, no entanto ao escolher qual a criança representaria o papel de

“Bruxa”, as professoras enfatizaram que deveria ser uma criança com “cabelos bem

crespos e volumosos”, tal como representados nos contos infantis. As crianças

ratificavam a escolha, ao dizerem que o cabelo da R1 (menina) parecia mesmo ao

de uma “bruxa”.

Tal fato, nos leva a refletir que trabalhar com a diversidade racial,

especialmente na educação infantil exige, sim, que o professor tenha um

compromisso ético e político. A escolha feita pelas professoras da unidade

investigada e ratificada pelas crianças, deixam bem evidente a representação social

presente na prática das professoras e cultivada no imaginário das crianças em

relação à questão racial. Ressaltamos que as professoras, nestes momentos de

construção do ensaio musical, poderiam ter conduzido à atividade e a escolha dos

personagens de outra forma, ou seja, refletir com as crianças sobre estas

representações presentes nos contos infantis, na perspectiva de desconstruir e

romper com a lógica de reprodução do racismo e preconceito. Situação que

evidencia que as professoras, ao trazerem o estereótipo do “Rei” e da “Bruxa”,

reforçam uma lógica de discriminação e colocam a criança negra em situação de

constrangimento.

Este primeiro contato possibilitou a observação das interações e das

socializações das professoras com as crianças e destas com seus pares. Permitiu

identificar, também, indícios de que as crianças já em idade de 4 anos conseguem

manifestar seus gostos e preferências estéticas, ao que é belo e feio, pois ao se

referirem ao cabelo da criança que representava a bruxa, suas expressões faciais

revelavam a rejeição às características do tipo de cabelo mais crespo, enquanto

manifestavam admiração em relação ao cabelo da menina que representava a

“Rosa”, tocando levemente em seus cabelos bem lisos. Não obstante, verificamos

na representação das professoras, em relação à criança negra, a manutenção dos

padrões clássicos de beleza, sustentados ainda hoje pelos livros didáticos e pelos

contos clássicos, como por exemplo, o rei ser sempre representado por

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personagens brancos, enquanto que a bruxa, com todas as suas características

peculiares, dificilmente é representada por uma personagem branca e de cabelos

lisos.

Segundo Silva (2008), os discursos presentes nos livros didáticos e nas

literaturas infanto-juvenil acabam por legitimar o padrão de beleza do homem

branco, o que “naturaliza a branquidade” (p. 18) em nossa sociedade. Este autor

analisa os discursos sobre o negro e o branco em seu livro intitulado “Racismo em

Livros Didáticos”, e constata, com base na revisão bibliográfica realizada sobre seu

objeto, que na literatura infanto-juvenil os personagens negros estiveram sub-

representados, e quando apareciam no texto ou em imagens, representavam

profissões socialmente desvalorizadas e, muitas vezes, ocorria a estereotipia do

negro associado à criminalidade e ao exercício de funções desvalorizadas pela

sociedade, dentre outros aspectos identificados em sua pesquisa. Assim, o autor

ressalta que

As ilustrações dos livros didáticos mantiveram as desigualdades nasproporções de personagens brancas e negras; tenderam à diferenciação donegro, ilustrado particularmente em situações de miséria social; mantiverama naturalização da condição do branco como representante da espécie,estabelecendo contextos de valorização do branco e propondo interlocuçãocom leitores brancos, promovendo a universalização desta condição(SILVA, 2008, p. 195).

As instituições de ensino tendem a naturalizar as diferenças no cotidiano

escolar, seja nas relações estabelecidas com o outro, seja no currículo escolar que

legitima a cultura eurocêntrica. Assim, o modo como às professoras estabelecem

relação em sua prática pedagógica com a criança negra, poderá evidenciar uma

relação de manutenção de desigualdades raciais na rotina da educação infantil; ou

de uma prática pedagógica que subverta toda forma de preconceito e de

discriminação em relação à criança negra.

Apesar de existir nas propostas oficiais recomendações para que as

instituições assumam práticas que contemplem a diversidade racial, especialmente

na educação infantil, percebemos que incluir tais ações pedagógicas, ainda se

mostra como um desafio a ser enfrentado pelas professoras na instituição

pesquisada.

Há uma preocupação com o cumprimento dos horários, principalmente com

os horários das refeições e do banho, como forma de garantir o horário de saída das

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crianças, situação que faz com que as professoras interrompam uma sequência de

atividades com as crianças, a fim de garantir o cumprimento da rotina da unidade

investigada, o que de certo modo contribui para práticas pedagógicas rígidas e

padronizadas, o que faz com que as crianças vivenciem “rotinas de espera: a espera

do banho, da comida, da troca de fraldas.” (ROSEMBERG, 1996, p.64)

comprometendo a efetivação de uma ação pedagógica crítica e criativa. Destacamos

que a rotina na unidade investigada é vivenciada pelas professoras como o modo de

organização do espaço/ tempo das atividades de refeições, atividades pedagógicas,

recreação e hora do banho e sono, bem como considerando a entrada e a saída das

crianças.

Apesar da preocupação no cumprimento da rotina da unidade, as crianças

buscavam formas de romper com as regras impostas pelas instituições e pelas

professoras, seja individualmente ou com os seus pares, a brincadeira e a

inventividade rompem com a monotonia do cumprimento das normas. É neste

momento de interação e de socialização que também evidenciamos indícios de

conflitos entre as crianças com relação à manifestação de discriminação racial,

conforme alguns episódios observados na pesquisa de campo, que destacamos a

seguir:A professora Rosa libera as crianças para a área livre, elas saem correndoda sala, com muita euforia gritando: - vamos brincar! Durante a recreação,cada criança vai aos poucos se inserindo nos grupos, mas no balanço acriança negra R2 novamente brinca sozinha, com um olhar triste e distante.As professoras das demais turmas chegam ao pátio com as outras crianças,formam uma roda de professoras e acompanham distantes as brincadeirasdas crianças (Diário de Campo, 2011).

No decorrer da observação, constatamos que há pouca ou nenhuma

intervenção das professoras em relação às situações de conflito entre as crianças,

mesmo aquelas que envolvem rejeição e discriminação racial. Percebemos também,

que a pouca intervenção do professor provoca sofrimento e contribui para reforçar a

baixa autoestima da criança negra e incentiva a exclusão e o pouco convívio entre

os pares.

Esses episódios se repetiam com certa frequência, no entanto, as professoras

se limitavam a observar, indiferentemente, aos conflitos que iam surgindo na

interação entre as crianças, não realizando mediação no processo de interação e de

socialização da criança negra na unidade investigada. Na realidade percebemos que

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estas situações são naturalizadas como se fossem normais e comuns, não existindo

uma ação de reflexão por parte das professoras acerca desta problemática.

Observamos, ainda, em algumas interações entre as professoras com as

crianças, a evidência de falas que ratificam as representações das professoras em

relação à criança negra, ancoradas em aspectos biológicos (tipo de cabelo); sociais

(pobreza) e estéticos (belo/feio). Um desses momentos em que pudemos observar o

modo como as professoras revelam suas representações ocorreram na hora do

banho. As próprias professoras reforçavam de modo negativo, as características

estéticas do tipo de cabelo das crianças negras, como destacamos nas falas a

seguir:

Olha o cabelo dela (R2), apesar de ser muito crespo é macio. (PROFª.MARGARIDA/JIT- DIÁRIO DE CAMPO, 2011)

O cabelo dela é muito embaraçado e vem sempre de casa despenteado.(PROFª. ROSA/JIM - DIÁRIO DE CAMPO, 2011)

A água aqui na unidade é muito fraca, e fica muito difícil de tirar o creme docabelo dela (R2), pois é muito embaraçado. PROFª. ROSA/JIM - DIÁRIODE CAMPO, 2011)

Teu cabelo é muito difícil de pentear (se referindo à criança negra R2).Desembaraça primeiro, depois ponho as xuxinhas. ((PROFª.MARGARIDA/JIT- DIÁRIO DE CAMPO, 2011)

As representações das professoras em relação à criança negra se ancoram

em aspectos que envolvem uma relação de conflito e de tensão na relação

estabelecida com o cabelo e com o corpo da criança negra. Isto porque, ao se

referirem ao cabelo da criança negra, as professoras se reportam ao mesmo de

modo negativo, acabando, assim, legitimando um padrão de beleza do cabelo do

homem branco, como o belo, e o cabelo do negro, como feio. Deste modo, a

tentativa das professores em se familiarizarem com o fenômeno investigado geram

conflitos que levam os indivíduos a buscarem elementos e categorias visando a

apropriação do objeto desconhecido. Este processo de formação das

representações sociais é denominado por Moscovici (2003, p. 61) como um

mecanismo de ancoragem, defino pelo autor como:

Ancorar é, pois, classificar e dar nome a alguma coisa. Coisas que não sãoclassificadas e não possuem nome são estranhas, não existem e ao mesmotempo ameaçadoras. Nós experimentamos uma resistência, um

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distanciamento, quando não somos capazes de avaliar algo, de descrevê-loa nós mesmos ou a outras pessoas. O primeiro passo para superar essaresistência, em direção à conciliação de um objeto ou pessoa, acontecequando nós somos capazes de colocar esse objeto ou pessoa em umadeterminada categoria, de rotulá-lo como um nome conhecido. [...] Pelaclassificação do que é inclassificável, pelo fato de se dar um nome ao quenão tinha nome, nós somos capazes de imaginá-lo, de representá-lo.

A representação do professor no trato com o cabelo da criança negra nega

também a contribuição da cultura africana na formação da nossa sociedade,

dificultando ou até mesmo impedindo que a criança negra construa uma identidade

positiva sobre si mesma. Sobre isto, Gomes (2008a, p.20) compreende que

A construção da identidade negra como um movimento que não se dáapenas a começar do olhar de dentro, do próprio negro sobre si mesmo eseu corpo, mas também na relação com o olhar do outro, do que está fora.É essa relação tensa, conflituosa e complexa que este trabalho privilegia,vendo-a a partir da mediação realizada pelo corpo e pela expressão daestética negra. Nessa mediação, um ícone identitário se sobressai: o cabelocrespo. O cabelo e o corpo são pensados pela cultura. Por isso não podemser considerados simplesmente como dados biológicos.

Gomes (2008a) considera que o corpo e o cabelo são expressão da

identidade do negro no Brasil e, como tal, revelam a beleza dessa raça como

resultado da construção social, política, cultural e ideológica da comunidade negra.

No entanto, o processo de construção da identidade do negro no Brasil esteve e

ainda está sendo construída numa zona de conflito, tensão, resistência e

negociação, pois estamos ainda ligados ao mito da democracia racial, que legitima

um padrão eurocêntrico em nossa sociedade, oprimindo e negando outras culturas,

enraizando ainda mais a inferioridade e as desigualdades da cultura negra. Deste

modo, Gomes (2008a, p. 21) explicita que

O cabelo do negro, visto como “ruim”, é expressão do racismo e dadesigualdade racial que recai sobre esse sujeito. Ver o cabelo do negrocomo “ruim” e do branco como “bom” expressa um conflito. Por isso, mudaro cabelo pode significar a tentativa do negro de sair do lugar da inferioridadeou a introjeção deste.

Gomes (2008a) ressalta que no Brasil há um padrão de beleza corporal

considerado real e o outro ideal, sendo este último genuinamente branco, no

entanto, a sociedade brasileira é formada realmente pelo negro e mestiço, sendo

que a relação entre os padrões de beleza real e o ideal marcam a exclusão e a

disseminação do racismo no Brasil.

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A escola acaba por reproduzir um padrão de beleza legitimado pela

sociedade. Destacamos, a seguir, um fato observado em que as professoras não

realizaram intervenção no que se refere à relação com a criança negra, a saber:

No início da manhã, após o desjejum, a Profª. Dália informou às criançasque ela e outra professora (do jardim I) iriam fazer o ensaio da festa junina.As crianças pulavam de alegria, neste momento, foram conduzidas para ocentro da sala, onde, inicialmente, foram orientadas a aguardaremsentadas. As turmas do jardim I e jardim II foram agrupadas para arealização do ensaio. Assim, a professora do jardim I trouxe seus alunos eexplicou que iria formar os pares para a dança, e assim o fez. No primeiromomento, a professora foi chamando um menino e uma menina, e assim,sucessivamente, os pares foram se formando, somente duas crianças (doismeninos) manifestaram que não queriam dançar e a professora pediu queeles aguardassem nas últimas cadeirinhas, e, então, ela continuou. Nessemomento, observamos que a uma das crianças negras a R1 (menina)esperava com os olhos elevados para a professora, ansiosa para serescolhida, no entanto, ao final, 12 pares foram formados, e a única que nãofoi escolhida, foi ela. A professora então disse: - R1 não tem par para você.A menina abaixou a cabeça e curvou o seu ombro desolada, então nosaproximamos e perguntamos: - você não quer dançar? Ela respondeu: -quero, mas a professora disse que não tem par para mim. O ensaiocomeçou e, durante a dança, uma das meninas pediu para sair da dança, ea R2 pulou e disse eu fico no teu lugar; entretanto, o menino da outra turmaolhou para a professora e disse:- eu não quero dançar com essa piolhenta,ela é feia (apontando para o cabelo dela), as professoras olharam entre si, edisseram para a R2, não podemos fazer nada. (Diário de Campo, 2012)

Diante do exposto, percebemos uma dupla rejeição para com a criança negra.

Na primeira, as duas professoras, de modo indiferente, não escolhem a menina

negra para a dança; na segunda, quando houve a verbalização pela criança,

alegando que a menina era piolhenta, as professoras se mantiveram em silêncio. O

silêncio que segrega, que oprime, que exclui, conforme a denúncia realizada nos

estudos de Cavalleiro (2007, p.100).

“Silencia” um sentimento de impotência ante o racismo da sociedade, quese mostra hostil e forte. “Silencia” a dificuldade que se tem em se falar desentimentos que remetem ao sofrimento. “Silencia” o desprezo do grupopara o enfrentamento do problema, visto que essa geração tambémapreendeu o silêncio e foi a ele condicionada na sua socialização.

E prossegue afirmando que

Ao silenciar, a escola grita inferioridade, despeito e desprezo. Neste espaço,a vergonha de hoje somada à de ontem e, muito provavelmente, à deamanhã leva a criança negra a represar suas emoções, conter os seusgestos e falas, quem sabe, passar despercebida num “espaço que não é oseu”. (idem)

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Conforme estes registros das falas das professoras, as características do tipo

de cabelo da criança negra R2 são reforçadas nas falas de modo negativo. Além

disso, essas falas são lançadas na frente da criança negra, bem como das demais

crianças, que acabam assimilando e posteriormente reproduzindo-as de modo

pejorativo. O que mais nos chamou a atenção, e que nos incomodou muito, foi

observar o quanto estas atitudes das professoras deixavam a criança sem poder

reagir, ficando calada e de cabeça baixa, ouvindo as constantes reclamações quanto

à dificuldade no trato ao seu cabelo. Os conflitos vivenciados pela criança negra com

relação a sua “estética do corpo negro marca a vida e a trajetória dos sujeitos”

(GOMES, 2008a, p.21), por estar estritamente relacionada à construção de sua

identidade.

O modo como as professoras tornam natural os conflitos vivenciados no

processo de socialização da criança negra faz com que as diferenças se tornem

invisíveis. As diferenças passam a ter forma e cor dos muros da escola para fora,

isto porque, quando indagamos sobre como as professoras veem a criança negra na

sociedade brasileira, as representações são objetivadas em uma imagem de uma

criança sem oportunidades, carente e excluída de nossa sociedade. No entanto,

quando esta criança adentra a escola, as diferenças são naturalizadas. Essas

representações evidenciadas no discurso das professoras revelam a compreensão

que elas possuem sobre o objeto de estudo, o que segundo Moscovici (2003, 46):

As representações sociais devem ser vistas como uma maneira específicade compreender e comunicar o que nós já sabemos. Elas ocupam, comefeito, uma posição curiosa, em algum ponto entre conceitos, que têm comoseu objetivo abstrair sentido do mundo de uma forma significativa. Elassempre possuem duas faces, que são interdependentes, como duas facesde uma folha de papel: a face icônica e a face simbólica. Nós sabemos que:representação = imagem/significação; em outras palavras, a representaçãoiguala toda imagem a uma idéia e toda idéia a uma imagem.

A representação social do professor sobre a imagem da criança negra no

Brasil é objetivada nos relatos a seguir:

Sabemos assim que muitos estão sofrendo com a questão racial. Seriamuito bom se fosse diferente, em todos os ângulos, mas principalmente naaceitação do outro, pois a partir do momento que a gente começa a aceitaro outro muda muita coisa, na vida da criança, porque ele vê que ele tem umvalor, e essa valorização nós temos que dar, por amor. Então eu acreditoque a educação muda. Qualquer ser humano que não se aceita, ou não éaceito por seus pares este fato causa danos, um trauma que vai pelo resto

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da vida. Então a escola e a educação têm esse papel (COORDENADORA,ENTREVISTA, 2012).

Neste depoimento da coordenadora da unidade, inferimos que apesar de

demonstrar em sua fala momentos de consciência da situação vivenciada pelas

crianças, não consegue superar uma visão ingênua em relação à questão racial em

nossa sociedade, no momento em que acredita que “por amor” devemos valorizar o

outro, impedindo que se promova uma prática pedagógica mais crítica, livre de

preconceito e discriminação. A compreensão sobre a questão racial fica no nível do

discurso, sem que as professoras consigam transpor e efetivamente intervir no

cotidiano escolar. Tal situação não é surpreendente, pois, a origem que faz com que

o racismo, o preconceito e a discriminação racial persistam está estritamente

relacionada à construção ideológica do mito da democracia racial difundido há

décadas na sociedade brasileira.

A professora Rosa, aponta em sua fala abaixo, uma compreensão da criança

ancorada em aspectos sociais que retratam a pobreza e a carência da criança negra

na sociedade brasileira:

Vejo a criança negra como carente, que não tem condições, que não temapoio de lugar nenhum, e onde penso que podemos encaixá-la com algumaajuda, não sei como, porque vejo o preconceito em relação a elas na própriaescola, já na matrícula a pessoa já começa a olhar com um jeito estranho evejo uma discriminação aí. A criança negra muitas vezes não tem apoio daprópria família, não tem um lugar pra morar, pra comer, não tem umaboa saúde e alimentação (PROFª. ROSA, ENTREVISTA, 2012 – grifonosso).

O jeito estranho de olhar o “outro”, sinalizado na fala da professora Rosa,

parte muitas vezes do próprio professor. No momento, em que atribuem as

situações de rejeição ao “outro” e se eximem de culpa e responsabilidade em mediar

e intervir, por meio de uma prática pedagógica que subverta todas as formas de

discriminação racial no espaço escolar.

Nos depoimentos a seguir, as professoras Margarida, Dália enfatizam a

compreensão sobre a criança negra, ancorada em uma representação de que a

criança negra está imersa em uma situação de pobreza, miséria, sem perspectiva

nos estudos, ocupando quando adultas posições sociais subvalorizadas em nossa

sociedade, como os exemplos de profissões citadas pelas professoras, como a de

empregada doméstica e chofer, quando muito as crianças são apontadas em

situações de criminalidade.

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Toda criança independente de sua raça, cor, credo tem seus direitosgarantidos por lei, infelizmente, apesar da aprovação da lei 10.639, existegrande preconceito por parte da sociedade, não só pela criança, mas peloadulto. Vou contar uma experiência pessoal, eu estava passeando em umcarro de luxo com minha filha e meu marido junto com outras pessoas, e sóo motorista era negro, quando mandaram que descêssemos do carro emuma blitz, eles só revistaram o negro. Então hoje a sociedade é assim,acha que pela cor pode julgar quem é ladrão, quem é pivete, e eu achoque independente da cor as pessoas tem que respeitar, que valorizar, quedar oportunidade, para que as pessoas negras possam mostrar seupotencial e que independente de qualquer coisa eles são seres humanosque merecem respeito (PROFª. MARGARIDA, ENTREVISTA, 2012 –GRIFO NOSSO).

A imagem que tenho da criança negra no Brasil é de uma criança pobre,da periferia, com recursos de estudos carentes, alimentação carente,educação carente, pais que não têm educação, nem formação, e por issonão prosperam isso para os filhos porque eles não têm. A mídia divulgauma imagem pejorativa do negro, porque ele só aparece na televisão comoum chofer, como empregada doméstica, como ladrão e traficante, pois éisso que eles representam nas novelas, é raro o negro que é doutor(PROFª. DÁLIA, ENTREVISTA, 2012 – GRIFO NOSSO).

Diferentemente dos relatos descritos acima, é o depoimento da professora

Hortência, que argumenta não haver hierarquia social, econômica e de classe entre

negros e brancos na sociedade brasileira, no momento em que a mesma considera

que não deveriam existir políticas públicas que garantisse um maior acesso do negro

as universidade, isto porque, para a professora independente da “cor” todos

possuem as mesmas condições de acesso por “sermos todos iguais”:

Hoje eu vejo assim, essa questão do negro no Brasil, ela ainda vem sendotrabalhada de uma forma pouco assim deixada realmente de lado, porquevai desde a educação da criança até quando chega a faculdade, tem aquelataxa que é pra negro, e eu creio que independente da cor se é branco, se énegro, se é pardo, todos nós somos capazes, desde crianças até nostornarmos adultos. Então, eu não vejo porque ter essa discriminação, detratarmos diferenciados porque todos nós somos iguais, independenteda nossa cor, somos capazes de tudo, somos inteligentes. Vejo que aquestão do racismo vem sendo muito debatida, sendo que, pelo governoainda há coisas que eu não concordo, uma delas é essa taxa paraestudantes negros terem acesso à faculdade, eu não concordo com isso(PROFª. HORTÊNCIA, ENTREVISTA, 2012 – GRIFO NOSSO).

As representações expressas nos depoimentos acima descritos, revelam a

presença de discursos ideológicos ainda existentes sobre a superioridade e a

hierarquização das raças, em que o negro, é visto como inferior, incapaz e carente.

Assim, a escola e seus agentes sociais acabam por reproduzir uma das vertentes do

multiculturalismo, denominado de conservador e liberal, por essencializar e por

naturalizar as diferenças em nossa sociedade e no espaço escolar (McLAREN,

1997).

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5.2 Representações dos professores sobre a socialização da criança negra na

escola

Nesta categoria, trataremos do modo como as relações sociais entre os

professores com a criança e destas com seus pares são estabelecidas no cotidiano

da Unidade de Educação Infantil Cirandinha, buscando evidenciar em que

circunstâncias as representações sociais dos professores são produzidas no

processo de socialização da criança negra no espaço da educação infantil.

Para Berger e Luckmann (1998, p. 173), “o indivíduo não nasce membro da

sociedade”. Assim, o que há na verdade é uma “predisposição” do indivíduo em se

socializar e assim constituir-se membro desta sociedade. Desse modo, faz-se

necessário a ocorrência de processos de socialização que possibilitem a integração

do indivíduo em uma comunidade. Para tanto, esses processos de socialização do

indivíduo são viabilizados a partir das relações sociais estabelecidas desde os

primeiros anos de vida, na interação da criança com a sua família, com a escola e,

posteriormente, com a sociedade de um modo geral. Assim, os autores definem a

socialização como “a ampla e consistente introdução de um indivíduo no mundo

objetivo de uma sociedade ou de um setor dela” (BERGER e LUCKMANN, 1998, p.

175).

Berger e Luckmann (1998) estabelecem dois processos de socialização

vivenciados pelos indivíduos, a saber: a socialização primária e a socialização

secundária. Na socialização primária “é construído o primeiro mundo do indivíduo”

(BERGER e LUCKMANN, 1998, p. 182), ou seja, como o nome já indica é o primeiro

estágio em que ocorre a socialização na infância, em que ocorre a interiorização e a

apreensão pelo indivíduo de si e do outro, bem como a compreensão por este das

normas, dos valores e dos costumes da sociedade na qual está inserido, dando

sentido e significado às coisas e aos objetos existentes no mundo. Portanto, a

interiorização constitui “a base primeiramente da compreensão de nossos

semelhantes, e em segundo lugar, da apreensão do mundo como realidade social

dotada de sentido” (BERGER e LUCKMANN, 1998, p. 174), contribuindo, assim,

para a socialização do indivíduo.

A socialização secundária corresponde a “qualquer processo subsequente

que introduz um indivíduo já socializado em novos setores do mundo objetivo da

sociedade” (BERGER e LUCKMANN, 1998, p. 175). Sendo assim, o indivíduo já

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nasce em uma estrutura social objetiva, estabelecendo por meio da socialização

primária as aproximações e as percepções sobre os significados dos objetos e do

ser humano nesta realidade objetivada, ampliando, progressivamente, por meio

desta socialização e da interação sua visão de mundo. Isto não ocorre de modo

estático e mecânico, ao contrário, as relações estabelecidas pelo indivíduo nesses

processos de socialização estão permeadas por conflitos e são dialeticamente

construídas, corroborando para a construção de sua identidade. Conforme

enfatizado por Berger e Luckmann (1998, p. 176-177), a saber:

A criança absorve os papéis e as atitudes dos outros significativos, isto é,interioriza-os, tornando-os seus. Por meio desta identificação com os outrossignificativos a criança torna-se capaz de se identificar a si mesma, deadquirir uma identidade subjetivamente coerente e plausível. Em outraspalavras, a personalidade é uma entidade reflexa, que retrata as atitudestomadas pela primeira vez pelos outros significativos com relação aoindivíduo, que se torna o que é pela ação dos outros para ele significativos.Este processo não é unilateral nem mecanicista. Implica uma dialéticadentre a identificação pelos outros e a auto-identificação, entre a identidadeobjetivamente atribuída e a subjetividade apropriada. A dialética, que estápresente em cada momento em que o indivíduo se identifica com os outrospara ele significativos, é, por assim dizer, a particularização na vidaindividual da dialética geral da sociedade [...].

A identidade enquanto fenômeno social é construída a partir da relação

dialética entre um indivíduo e uma dada sociedade, por meio dos processos de

socialização deste nas instituições como a família, a escola e a igreja. São nessas

instituições que as identidades são formadas, nos processos de socialização e de

interiorização dos códigos, da linguagem, das regras que o indivíduo encontra o

sentido e o significado de ser e representar o mundo. Assim, Berger e Luckmann

(1998, p.228) definem o que seja a identidade.

A identidade é formada por processos sociais. Uma vez cristalizada, émantida, modificada ou mesmo remodelada pelas relações sociais. Osprocessos implicados na formação e conservação da identidade sãodeterminados pela estrutura social. Inversamente, as identidadesproduzidas pela interação do organismo, da consciência individual e daestrutura social reagem sobre a estrutura social dada, mantendo-a,modificando-a ou mesmo remodelando-a.

Afirma, também, que nessa construção da identidade

O homem é biologicamente predestinado a construir e habitar um mundocom os outros. Este mundo torna-se para ele a realidade dominante edefinitiva. Seus limites são estabelecidos pela natureza, mas, uma vezconstruído, este mundo atua de retorno sobre a natureza. Na dialética entrea natureza e o mundo socialmente construído, o organismo humano se

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transforma. Nesta mesma dialética o homem produz a realidade e com issose produz a si mesmo (BERGER e LUCKMANN, 1998, p. 240-241).

Hall (2006, p.9) argumenta que na sociedade moderna a identidade está

constantemente sendo transformada, “abalando a ideia que temos de nós próprios

como sujeitos integrados”, é o que ele denomina como “crise de identidade”. Isto

ocorre, segundo o autor, por se conceber esta identidade não como algo fixo,

estável e permanente, ao contrário, a identidade é construída partindo da incerteza e

da dúvida, promovidas pelas constantes mudanças das complexas sociedades

modernas. Assim, Hall (2006, p.13) enfatiza que

A identidade plenamente unificada, completa, segura e coerente é umafantasia. Ao invés disso, à medida em que os sistemas de significação erepresentação cultural se multiplicam, somos confrontados por umamultiplicidade desconcertante e cambiante de identidades possíveis, comcada uma das quais poderíamos nos identificar – ao menostemporariamente.

Explicita, ainda, que

Assim, a identidade é realmente algo formado, ao longo do tempo, atravésde processos inconscientes, e não algo inato, existente na consciência nomomento do nascimento. Existe sempre algo “imaginário” ou fantasiadosobre sua unidade. Ela permanece sempre incompleta, está sempre “emprocesso”, sempre “sendo formada”. As partes “femininas” do eu masculino,por exemplo, que são negadas, permanecem com ele e encontramexpressão inconsciente em muitas formas não reconhecidas, na vida adulta.Assim, em vez de falar da identidade como uma coisa acabada, deveríamosfalar de identificação, e vê-la como um processo em andamento. Aidentidade surge não tanto da plenitude da identidade que já está dentro denós como indivíduos, mas de uma falta de inteireza que é “preenchida” apartir de nosso exterior, pelas formas através das quais nós imaginamos servistos por outros (HALL, 2006, p. 38-39)

A família e a escola assumem um papel central no processo de socialização

primária do indivíduo (BERGER e LUCKMANN, 1998), contribuindo também no

processo de construção da identidade do indivíduo.

A socialização da criança nem sempre ocorreu do mesmo modo no percurso

da história do Brasil, bem como do mundo. Conforme abordamos na terceira seção

deste estudo sobre a infância, vimos que nem sempre esta era reconhecida. Ariés

(2006) destaca que o surgimento de um sentimento sobre a infância ocorreu a partir

do fim do século XVII, isto implicava no modo como esta infância era concebida, e

no modo como ocorria a socialização da mesma na sociedade. O período da

infância se reduzia aos seus primeiros anos, momento em que, após o período de

amamentação, a criança adentrava no mundo adulto, vivenciando e compartilhando

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seus ofícios e suas atividades cotidianas, não sendo, assim, assegurado à criança

um amplo processo de socialização seja na família, seja na escola, considerando

suas particularidades e singularidades (ARIÉS, 2006).

No Brasil, a socialização da criança ocorreu de diferentes modos conforme o

contexto histórico da sociedade. Logo nos primórdios de 1549, com a chegada dos

primeiros jesuítas e a criação de escolas para doutrinar os nativos, as crianças,

principalmente às indígenas, eram ensinados os conhecimentos, por meio da

disciplina e do comportamento, para manutenção do domínio sobre elas. Já no

período colonial, Góes e Florentino (2010) descrevem que as crianças escravas

eram criadas pelo “adestramento”, sendo inseridas nas atividades e nas tarefas

domésticas, juntamente com os escravos adultos. A instrução destinava-se às

crianças livres, as quais aprendiam as primeiras letras no seu próprio ambiente

familiar. No império, as crianças da elite eram inseridas no mundo adulto desde

cedo, participando de suas rotinas e costumes. No convívio familiar, aprendiam os

princípios morais que eram socialmente válidos na sociedade; na escola,

enfrentavam um ensino enciclopédico que exigia um rigoroso disciplinamento

(MAUAD, 2010).

No Brasil República, a ideia de infância está relacionada ao progresso e

esperança de uma nação. Isto marca a criação e a expansão das instituições de

atendimento à criança, tendo um caráter eminentemente assistencialista,

destinadas, principalmente, às crianças pobres, abandonadas e negras (KRAMER,

2011).

A partir das lutas dos movimentos sociais em defesa dos direitos das

crianças, foi promulgada a Carta Magna de 1988, reconhecendo a criança como

sujeito de direito e garantindo o acesso à educação infantil às crianças de zero a

seis anos. Com a atual LDB, houve uma nova reconfiguração com relação à política

educacional das crianças pequenas, pois a educação infantil passa a ser a primeira

etapa da educação básica.

A trajetória da infância no Brasil revela, dentre outros aspectos, o modo como

a criança foi concebida e socializada em nossa sociedade. Na atualidade, alguns

estudos revelam como esse processo de socialização da criança negra vem

ocorrendo nas instituições educacionais. A escola tem a incumbência de contribuir

nesse processo de socialização, devendo favorecer um espaço lúdico de

aprendizado, de experiência e de desenvolvimento da criança. Para tanto, Cavalleiro

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(2007) enfatiza sobre a importância na socialização da criança no espaço

educacional, a saber:

A socialização torna possível à criança a compreensão do mundo por meiodas experiências vividas, ocorrendo paulatinamente a necessáriainteriorização das regras, afirmadas pela sociedade. Nesse início de vida afamília e a escola serão os mediadores primordiaisapresentando/significando/o mundo social (CAVALLEIRO, 2007, p.16).

Ainda enfatiza que

A experiência escolar amplia e intensifica a socialização da criança. O contatocom outras crianças de mesma idade, com outros adultos não pertencentesao grupo familiar, com outros objetos de conhecimento, além daquelesvividos pelo grupo familiar vai possibilitar outros modos de leitura do mundo(CAVALLEIRO, 2007, p. 17).

Os processos de socialização vivenciados pelas crianças nas instituições

escolares são determinantes para a construção de uma identidade positiva pela

criança, dependendo, é claro, das intervenções e mediações realizadas pelos

professores nas interações envolvendo a relação adulto-criança e criança-criança.

Na unidade investigada, observamos algumas situações que demonstram

como ocorre o processo de socialização das crianças, como nesse processo as

crianças negras são acolhidas e participam das atividades vivenciadas pela turma

participante da pesquisa. Isto contribuiu para desvelarmos, por meio da prática

pedagógica, as representações sociais que os professores têm em relação à criança

negra e como estas orientavam o professor no trato e na socialização desta criança.

No episódio destacado abaixo, observamos que a criança negra no espaço

escolar de sala de aula tem dificuldade de se socializar e se “enturmar” como os

demais colegas, apesar da criança manifestar o interesse em participar das

brincadeiras que acontecem no cotidiano de sala de aula.

Após o desjejum, as crianças livremente escolhiam o que queriam fazer noespaço de sala de aula. Alguns brincavam com carrinhos, brincavam decasinha, e começamos a observar certo distanciamento de uma dascrianças negras (R2 - menina), a qual se encontrava no canto da sala emcima de uma mesinha, sem interagir com as outras crianças. Quando amesma resolve entrar na brincadeira e pegar uma cadeira para sentar, oscoleguinhas imediatamente gritaram: - Professora a R2 pegou nossacadeira. A professora solicitou que ela devolvesse a cadeira para oscolegas, no entanto, R2 alegou que queria apenas sentar. As criançascontinuaram a brincadeira alheias a R2, que ficava ao redor a espera de

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que alguém a chamasse para brincar. Mas as crianças diziam: - nós nãoqueremos você na brincadeira, e tomavam a cadeira dela, não a deixandobrincar. Ainda assim, ela indiferente aos colegas, por diversas vezes,tentava se inserir na brincadeira (Diário de Campo, 2011).

Nesses momentos de interação, no qual todas as crianças deveriam ser

incentivadas a compartilharem seus brinquedos e brincadeiras, os processos de

seleção, de inclusão e de exclusão de uma ou mais crianças no grupo ocorre sem a

devida mediação e intervenção dos professores, os quais em diversos momentos

deixavam que as crianças “livremente” estabelecessem suas escolhas, conforme

ilustrado no registro a seguir:

A professora Margarida, durante o momento pedagógico, realizou a leiturade algumas histórias infantis, como por exemplo, a do Lobisomem. Após aleitura, a professora liberou as crianças para brincarem na área derecreação. E logo elas foram escolhendo quem iria entrar ou não nasbrincadeiras, dizendo: - não queremos brincar com R2 (menina), porque elatem piolho e porque ela bate em nós. (Diário de Campo, 2011).

Este registro revela a presença de conflitos que envolvem a socialização da

criança negra desde a educação infantil, e vai ao encontro dos resultados de

pesquisa realizada por Cavalleiro (2007, p.98), a qual afirma que “[...] as crianças da

pré-escola, além de já se darem conta das diferenças étnicas, percebem também o

tratamento diferenciado destinado a elas [...]”. A criança negra percebe que não é

aceita do mesmo modo que as demais crianças. Percebe ainda, que as professoras

não intervêm para mediar a situação de conflito, restando para a criança se isolar

das demais ou tentar, sem muito sucesso, se inserir no grupo, além de ter que ouvir

os constantes xingamentos à estética do seu corpo e de seu cabelo, visto pelas

expressões e verbalizações das crianças como sujo, e, portanto, passível de possuir

piolho.

O silêncio diante da questão racial, no ambiente escolar, interfere

decisivamente no processo de socialização da criança negra, e contribui para a

construção de sua identidade permeada pelo sentimento de inferioridade,

principalmente relacionada à sua estética, como no caso do cabelo. Isto se torna

ainda mais preocupante quando alguns professores naturalizam as diferenças,

conformando o pensamento de igualdade no processo de socialização da criança

negra no espaço escolar. Constatamos assim, que os discursos de aceitação das

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diferenças se contrapõem a prática pedagógica do professor, conforme exposto no

depoimento a seguir:

Entre as crianças há uma boa socialização, eles se aceitam bem. Acriança negra é mais bem aceita entre as crianças do que em relação aospróprios adultos. Eles se aceitam normalmente, porque para mim elessão iguais, assim como nós temos crianças especiais, que também sãobem aceitas entre as crianças, pois as crianças agradam, fazem tudo comela, temos uma cadeirante, e se ela se arrasta no chão eles fazem omesmo, então acredito que há uma boa socialização (PROFª. DÁLIA,ENTREVISTA, 2012 – GRIFO NOSSO).

Para a professora Dália “eles se aceitam normalmente, porque para mim eles

são iguais”, discurso que além de reforça uma representação que naturaliza as

diferenças, pouco se evidencia na prática, pois as crianças não se aceitam não se

respeitam e a ação do professor deveria ser decisiva neste processo de mediação

da socialização da criança no espaço escolar. As observações realizadas apontam

que a muitos desafios a serem enfrentados pelas professoras, em sua prática

pedagógica para superar as representações sociais em relação às questões raciais

presentes na escola e na sociedade.

Apesar de observamos a necessidade de uma maior intervenção e medicação

das professoras no processo de socialização, a professora Hortência ratifica, no

depoimento abaixo, o discurso da professora Dália, ao considerar que não existe

nenhum tipo de dificuldade em relação ao processo de socialização da criança na

escola. A professora ressalta, entretanto que ocorrem problemas na turma, isso

significa que existe consciência das situações de discriminação entre as crianças.

Para ela, estes episódios que são isolados do contexto da escola são devidamente

trabalhados pelos docentes, apesar de não termos percebido uma intervenção

efetiva das professoras nos conflitos envolvendo as crianças no cotidiano da

unidade investigada.

Aqui na unidade, o processo de inclusão da criança negra ocorre desde omomento em que ela tem acesso e direito à vaga, isto é feito de formanormal. Eu enquanto professora da unidade nunca notei nem por parte deprofessores, nem por parte de funcionário nenhum, algum tipo depreconceito, pois a criança ela é acolhida de maneira normal como qualqueroutra criança, eu nunca vi nenhuma discriminação, o que pode acontecer éno decorrer do ano há entraves e problemas na turma, problemas que agente soluciona, que trabalhamos para melhorar a socialização e o convívioentre as crianças (PROFª. HORTÊNCIA, ENTREVISTA, 2012 – GRIFONOSSO).

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Evidenciamos nas falas das professoras, que o processo de socialização da

criança negra no espaço escolar, ocorre de modo natural, tranquilo, sem maiores

percalços em relação à questão racial. Estas representações das professoras sobre

o modo em que a criança se socializa na escola estão pautadas no mito da

democracia racial, que camufla e forja os conflitos e as diferenças entre o negro e o

branco. Conforme relatado pela coordenação da unidade, a socialização da criança

negra deve ser tratada pelos professores e demais funcionários como algo natural,

no entanto, esta postura nega a presença das diferenças existentes entre as

crianças, dificultando o processo de socialização da criança no espaço escolar.

5.3 Ações de discriminação e preconceito racial na prática pedagógica na escola

Nesta categoria temática, retomamos alguns conceitos sobre racismo,

preconceito e discriminação, para que possamos avançar em nossa análise sobre a

construção das representações sociais dos professores sobre a criança negra,

situando os modos como são manifestadas ações de preconceito e de discriminação

no espaço escolar investigado.

Entendemos como Guimarães (2004) que no Brasil, popularmente, diz-se que

existe o “preconceito de cor” (p. 17), o qual se caracteriza por atitudes e preferências

relacionadas à ideia de raças superiores e inferiores, considerando, então, o negro

como feio e inferior, seja no “campo moral, estético, físico ou intelectual” (idem).

Guimarães (2004, p. 18) enfatiza que

A discriminação racial consiste no tratamento diferencial de pessoasbaseado na ideiia de raça, podendo tal comportamento gerar segregação edesigualdades raciais. E o preconceito seria apenas a crença prévia(preconcebida) nas qualidades morais, intelectuais, físicas, psíquicas ouestéticas de alguém, baseada na ideia de raça. Como se vê, o preconceitopode manifestar-se, seja de modo verbal, reservado ou público, seja demodo comportamental, sendo, que só neste último caso é referido comodiscriminação.

Segundo Schwarcz (1993), as teorias raciais começam a ser discutidas no

Brasil no final do século XIX, seguindo um modelo científico liberal adotado na

Europa. Nesse período, o Brasil era tido pela elite intelectual como uma nação

caracterizada pela miscigenação racial, onde a hibridização das raças servia como

justificativa para o discurso ideológico do atraso do país, bem como justificava a

superioridade da raça branca, como possibilidade do progresso da nação.

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Schwarcz (1993) argumenta que a saída encontrada pela elite intelectual para

o destino da nação foi agregar o modelo de ciência positiva e determinista como

orientadora do pensamento racial brasileiro, sendo que o “esforço de adaptação,

atualizou o que combinava e descartou o que de certa forma era problemático para a

construção racial no país” (p.19).

As teorias advindas do darwinismo social e do evolucionismo contribuíram,

então, para os intelectuais do fim do século XIX e início do século XX, dentre eles

políticos, cientistas e pesquisadores, para afirmarem a hierarquia natural entre as

raças, em que, de um lado, a raça branca representava a raça superior, enquanto,

de outro lado, as demais raças caracterizavam o atraso e a estagnação da nação

por sua inferioridade. Esse era o discurso ideológico que tentava solucionar os

“problemas da miscigenação”, conforme explicita o excerto a seguir:

É na brecha desse paradoxo – no qual reside a contradição entre aaceitação da existência de diferenças humanas inatas e o elogio docruzamento – que se acha a saída original encontrada por esses homens deciência, que acomodaram modelos cujas decorrências teóricas eramoriginalmente diversas. Do darwinismo social adotou-se o suposto dadiferença entre as raças e sua natural hierarquia, sem que seproblematizassem as implicações negativas da miscigenação. Das máximasdo evolucionismo social sublinhou-se a noção de que as raças humanasnão permaneciam estacionadas, mas em constante evolução e“aperfeiçoamento”, obliterando-se a idéia de que a humanidade era una.Buscavam-se, portanto, em teorias formalmente excludentes, usos edecorrências inusitados e paralelos, transformando modelos de difícilaceitação local em teorias de sucesso (SCHWARCZ, 1993, p.18).

É nesse cenário que deflagramos a “originalidade do pensamento racial

brasileiro” (SCHWARCZ, 1993, p.19), após a abolição da escravatura e a

promulgação da República, tendo o intuito de dar a esses novos tempos pós-

escravista a identidade de uma nova nação. Nação mestiça, mistura de índios, de

negros, de portugueses, de espanhóis, dentre outros. Essa mistura representava, o

desafio em buscar a identidade do país em meio à diversidade. Para tanto, tornou-se

fundamental a absorção das teorias raciais europeias a fim de se inviabilizar o mal-

estar trazido pela miscigenação, visando à construção de uma nova nação, tento a

raça branca a superioridade e a garantia de progresso do país, seguindo, assim, a

“doutrina do branqueamento”. Isso é corroborado por Silva (2008, p. 68) quando

afirma que

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A doutrina do branqueamento pendeu para uma explicação inversa aoracismo científico. Mantendo a hierarquia em relação ao branco e apontou-ocomo ideal, considerou que a inferioridade da raça negra seria abrandadacom a miscigenação, à medida que os traços fenotípicos deixassem de sermarcados. Essa concepção influenciou para um alto grau de importância dacor da pele na hierarquização das pessoas, que é tomada, no Brasil comouma das marcas corpóreas de raça.

Guimarães (2003) enfatiza que a questão das desigualdades raciais deve ser

entendida no contexto social onde são produzidas, representadas e modificadas.

Assim, no Brasil, não só a doutrina do branqueamento, mas também o ideal de

democracia racial sustentaram os discursos excludentes de hierarquia entre as

raças, sendo a raça negra excluída de necessidades básicas como moradia,

emprego, saúde e educação, funcionando como um novo processo de colonização,

consoante demonstra o excerto abaixo do referido autor.

Essa democracia seria basicamente um modo diferente de colonizar quesignificou miscigenar-se, igualar-se, integrar os culturalmente inferiores,absorver sua cultura, dar-lhes chances reais de mobilidade social no mundobranco (GUIMARÃES, 2003, p. 102).

O referido autor considera os conceitos de raça sob uma perspectiva

analítica, e, como tal, deve partir do contexto histórico em que foi produzida. Para

tanto, define o termo “raça” como

Um conceito que não corresponde a nenhuma realidade natural. Trata-se,ao contrário, de um conceito que denota tão somente uma forma declassificação social, baseada numa atitude negativa frente a certos grupossociais, e informada por uma noção específica de natureza, como algoendodeterminada. A realidade das raças limita-se, portanto, ao mundosocial. Mas por mais que nos repugne a empulhação que o conceito de“raça” permite – ou seja, fazer passar por realidade natural preconceitos,interesses e valores sociais negativos e nefastos -, tal conceito tem umarealidade social plena, e o combate ao comportamento social que ele ensejaé impossível de ser travado sem que se lhe reconheça a realidade socialque só o ato de nomear permite (GUIMARÃES, 2009, p.11).

Como realidade social, o conceito de raça se materializa no processo das

relações sociais estabelecidas pelo indivíduo nas instituições como a família, a

escola e a igreja. No entanto, a ideia do mito da democracia racial, vivenciado nos

primórdios da primeira república, no qual se acreditava na inexistência do racismo

no Brasil, serve ainda na atualidade como discurso ideológico para justificar e

reforçar ainda mais a naturalização das diferenças entre negros e brancos. O

racismo ocorre, então, de forma velada, naturalizada e, muitas das vezes, tido como

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inexistente, segundo enfatiza Guimarães (2009, p. 11-12) ao discorrer sobre o

conceito de racismo e suas manifestações em nossa sociedade:

O racismo é, portanto, uma forma bastante específica de “naturalizar” a vidasocial, isto é, de explicar diferenças pessoais, sociais e culturais a partir dediferenças tomadas como naturais. A atitude na qual se baseiam o racismo,assim como todas as outras formas de naturalização do mundo social, estápresente – para ficar com exemplos corriqueiros, banais e, para muitos,inofensivos – quando se considera que alguém, portador de uma certaidentidade racial ou regional (como um baiano, por exemplo), deva reagir acondições climáticas ou sociais de uma certa maneira “predita” por suaidentidade social (sentir mais frio ou menos calor que um gaúcho, porexemplo), independentemente da história de vida e da compleição física eorgânica dos dois indivíduos; ou ainda quando se acha que um certo Estadoda Federação é menos desenvolvido que o outro porque primeiro é povoadopor mestiços; ou quando se consideram os naturais de um Estado maismusicais que os de outro Estado, em razão do sangue negro que corre emmaior quantidade nas suas veias. Em todos os exemplos, encontra-sepresente, de modo implícito, a ideia de uma natureza geral que determinaaspectos individuais ou sociocuturais.

A fala da coordenadora abaixo retrata de forma explícita este processo de

naturalização das relações raciais no espaço da escola.

Aqui na unidade quando percebemos as questões sobre a aceitação dacriança negra buscamos intervir e estamos até hoje tralhando. É um desafioconstante, é o dia-a-dia. Não posso afirma que já alcançamos o ápice detudo não, estamos em desenvolvimento. Quando recebemos a criançanegra, parda, branca, seja o que for, a criança é a criança. Então a gentebusca trabalhar desta forma, receber a criança, acolher, socializar a criançae tentamos passar isso para os pais, porque às vezes acontece de os paisserem racistas. Então tentamos ao máximo estar passando essasituação como natural, porque é natural, então tentamos fazer o trabalhocom a criança independente da cor, da raça, da religião, de como ela seja,tentamos fazer um trabalho direto com ela, socializá-la, fazer com que elase sinta bem na unidade, porque aqui é uma parte da casa dela, ela passaaqui em torno de 12 horas, Então se aqui nós ainda fizermos diferenças issoirá repercutir por toda vida da criança, na infância, fase adulta, na velhice, epelo resto da vida, o trauma vai seguir com ela. Então, nós procuramosalcançar ao máximo a atenção, a garantia de carinho, de que aqui é o lugardela e que nós estamos aqui por ela (COORDENADORA, ENTREVISTA,2012 – GRIFO NOSSO).

Ressaltamos, que a questão da socialização da criança negra no espaço de

educação infantil investigado, deve ser problematizada tanto pela coordenação,

quanto pelas professoras, não como algo “natural”, mas reconhecendo as diferenças

e os conflitos acerca da questão racial, principalmente, porque conforme relatado

pela coordenadora as crianças ficam em torno de 12 horas por dia na unidade,

tempo este que deve ser planejado e organizado de modo a favorecer uma

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socialização de respeito e valorização da diversidade na escola. Caso contrário, a

escola, enquanto espaço social poderá reproduzir e conformar práticas de racismo,

muitas vezes, de forma velada e silenciada, naturalizando as diferenças no ambiente

escolar.

Na unidade investigada, quando perguntamos se as crianças agiam de modo

depreciativo entre si, as professoras foram unânimes em afirmar que as crianças,

independentemente de se referirem à questão da “cor”, constantemente se ofendem,

por diversas razões, conforme destacamos nos seguintes depoimentos:

Esses conflitos ocorrem na sala de aula quando um colega senta na cadeirado outro, aí eles se ofendem dizendo sai daí seu feio, seu cabelo não sei doquê, assim que eles vão se xingando, e às vezes há o uso de apelidos entreeles como forma de ofensas verbais. (PROFª. ROSA, ENTREVISTA, 2012)

Sim, as ofensas ocorrem por meio de apelidos, às vezes eles se batem,seja por causa de um brinquedo que eles trazem de casa que o outro queirapegar. Eu ensino muito através do lúdico, um dia desses fiz uma atividadeonde trouxe uma cartola com um pouco de purpurina e um pauzinho demágico, onde íamos jogando e tirando as palavras mágicas, como eles nãosabem ler, eu ia falando, olha essas são as palavras mágicas e fiz umaencenação dizendo este é o João, ele está na nossa frente, que palavradevemos usar? - com licença! Então, quando uma criança está sentada emuma cadeira e a outra quer sentar, digo vamos nos lembrar das palavrasmágicas, e existe um retorno sim das crianças. (PROFª. MARGARIDA,ENTREVISTA, 2012)

Às vezes eles se ofendem porque eles escutam os adultos falarem certascoisas, então eles reproduzem aqui, e é nessa hora que eu, enquantoprofessora, entro e faço a intervenção e explico o porquê daquilo, porqueaquela forma de conduta é errada. Tem certas crianças que chegam aofender o colega e muitas vezes não sabem nem o que estão falando parao outro. (PROFª. HORTÊNCIA, ENTREVISTA, 2012)

As falas expressam o princípio de que a ideia da diferença deve ser

construída como algo positivo, que deve ser trabalhada pelas professoras junto com

as crianças. Construir entre as crianças no espaço de educação infantil a concepção

de que as diferenças observadas no cotidiano é algo que pode ser pensado e

refletido de modo positivo, respeitando e valorizando a diversidade cultural no

espaço escolar. Este reconhecimento das diferenças se contrapõe a representação

de que existem hierarquias entre as pessoas em função de sua cor de pele, cabelo

ou classe social.

O depoimento da professora Hortência revela que as crianças reproduzem,

muitas vezes, o comportamento dos adultos. Isso significa que a omissão dos

professores e de outros adultos, seja no espaço da escola ou fora dela, são

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determinantes e contribuem para a ocorrência de conflitos e comportamentos das

crianças em relação ao outro.

Entendemos que uma instituição de educação infantil, ao direcionar sua ação

pedagógica nesta perspectiva de reconhecimento, respeito e valorização das

diferenças, estará questionando a sua própria prática em relação ao trato com a

questão racial, garantindo que as crianças, os professores, os funcionários pensem

nas diferenças como uma experiência construída de forma coletiva entre os sujeitos

e não se constitui a partir de um comportamento, traço ou característica de algum

sujeito específico da sociedade.

No mesmo espaço social, verificamos que existem discursos, práticas sociais

e representações diferenciadas acerca da questão racial. Assim, quando

questionamos se as ofensas e apelidos estavam relacionados a atitudes de

preconceito e de discriminação, houve divergência por parte de uma professora, a

qual afirma não haver conflitos envolvendo a questão racial, conforme verificamos

no seguinte depoimento:

Não que eu observe. Observei uma vez, mas foi de uma aluna novata quechegou este ano com a gente, mas eu e a outra professora conversamoscom ela e hoje em dia, graças a Deus, ela não faz mais esse tipo decomentário em relação ao cabelo da criança que é negra. (PROFª.HORTÊNCIA, ENTREVISTA, 2012)

No entanto, as outras professoras relataram que observam na interação e na

socialização das crianças certas atitudes de repulsa em relação à criança negra,

seja pela sua cor, seja por suas características corporais como o tipo de cabelo,

nariz e boca. Evidenciamos este fato nos seguintes relatos:

Sim, apesar de que muitas vezes a própria criança negra age de formapreconceituosa, por ter um cabelo mais solto do que o da colega que era“pixaim”, então existe sim, às vezes, essa diferença; ela querer mostrar parao outro a sua inferioridade pelo tipo de cabelo, “pixaim” e “grudadinho”, pornão ter o cabelo solto. Assim a criança busca mostrar que ela é mais bonita,ajeitada. (COORDENADORA, ENTREVISTA, 2012)

Há, sim, a partir do momento porque ela não chega no horário, e o queacontece é quando ela vem chegando os colegas vão se afastando dela, aíé o meu momento de intervenção, eu vou, sento e coloco ela ao meu lado, evou conversar a respeito de determinada criança. Neste momento, observoque há o preconceito das crianças em relação à criança negra, eles nãorespeitam nem a criança, nem o próprio professor dentro de sala de aula ecomeçam a xingar e a criança negra se sente ofendida, e percebe também,pois sabe que é com ela. (PROFª. ROSA, ENTREVISTA, 2012)

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Entre eles como um todo, mas em relação ao preconceito com a criançanegra eu percebia no toque das mãos, quando ela ia dançar, ela eraexcluída. Por exemplo, eu percebia isso, mais nos momentos em queenvolviam ensaios de danças, muitas vezes chamavam ela de piolhenta ede outras coisas também. (PROFª. MARGARIDA, ENTREVISTA, 2012).

Observamos nesses relatos que a criança negra, além de sentir a rejeição

pelas outras crianças, sofre com ela. Isto porque a criança negra se sente

inferiorizada, pelo seu tipo de cabelo, afetando sua autoimagem diante do “outro”

que a exclui. Portanto, as crianças materializam em suas ações, comportamentos e

atitudes as representações que possuem sobre as diferenças no espaço escolar.

Sobre isto, Moscovici (2003, p.48) afirma que “a característica específica dessas

representações é precisamente a de que elas “corporificam idéias” em experiências

coletivas e interações em comportamento [...]”.

Os estudos de Cavalleiro (2007) revelaram que as crianças pequenas na

“fase pré-escolar percebem as diferenças étnicas” (p.52). No entanto, há ausência

destas discussões no ambiente escolar, assim, “o silêncio sobre o tema aparece

aqui como indicador da inexistência do problema (p.56)”.

A despeito da lacuna na formação dos professores no trato com a questão

racial destacada por Coelho (2006), observamos na unidade investigada uma

unanimidade nos relatos da coordenação e das professoras sobre a relevância em

se abordar esta temática desde a educação infantil, pelo fato de observarem nas

relações sociais da unidade manifestações de atitudes de discriminação em relação

à cor entre as crianças. Isto é enfatizado no seguinte depoimento:

Sim lógico, com certeza. Não só com essas informações que temos aqui naunidade, mas conversando também com outras coordenadoras eu já fiqueisabendo de casos em outras unidades que a criança era totalmente racista,entendeu, ela não gostava de sentar perto de uma criança negra, ela nãogostava nem de pegar no lápis da criança negra, de compartilhar algo comela por ela ser negra. Então, eu acredito que sim, eu acredito que isso sãovalores e valores têm que ser ensinados desde o início, desde o berço naverdade. Você vê que é claramente perceptível à criança fazer diferença deum porque é negro, e de outro porque é branco, ela consegue fazer essadiferença. Hoje a criança mostra isso facilmente para nós.(COORDENADORA, ENTREVISTA, 2012)

Para a professora Rosa é possível trabalhar a questão racial com as crianças

desde os seus primeiros anos de vida, considerando que as crianças já começam

desde cedo “a identificar as diferenças entre um e outro”.

Eu creio que é possível trabalhar a questão racial com as crianças a partirdos seus dois anos de idade. Assim, a criança identifica a diferença entre

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um e outro, sendo que nós não temos só a questão racial, nós temostambém a questão das deficiências, porque é o segundo ano que a unidadeestá trabalhando com crianças deficientes, então nós não temos todoaquele acompanhamento que nós precisamos, sendo que agora a unidadeestá em reforma e agora eles estão apropriando o espaço para podermostrabalhar com estas crianças que são deficientes, no caso os cadeirantes.(PROFª. ROSA, ENTREVISTA, 2012)

A compreensão de que a educação infantil constitui-se um espaço fértil para

que as crianças se apropriem dos conhecimentos sobre as diferenças, é ratificada

também nas falas das professoras Dália e da professora Margarida.

Sim é importante e relevante introduzir um trabalho sobre a questão racialdesde a educação infantil. Acho que qualquer idade, desde os bebezinhosaté os que já estão no jardim, ou seja, a educação infantil como um todo.(PROFª. DÁLIA, ENTREVISTA, 2012)

Sim, é importante introduzir a temática desde a educação infantil, porqueela é a primeira etapa da educação básica, e com essa lei 10.639/96 queobriga que as instituições federais, estaduais e municipais incluírem nassuas disciplinas o ensino da africanidade, então a educação infantil é abase, e a criança tem que ter esse preparo, e serem introduzidas asquestões raciais desde a educação infantil (PROFª. MARGARIDA,ENTREVISTA, 2012)

Já a professora Hortência considera que este trabalho de conscientização

acerca da questão racial deva envolver a família das crianças, para que haja “algum

respaldo e apoio, tanto na escola, como em casa”.

Bem, considero importante sim, porque desde a infância a gente já vaipoder trabalhar não só com as crianças, mas com os próprios familiaresessas questões, porque sabemos que o racismo ainda mais com crianças,ofende e machuca, então começando a trabalhar desde a infância,possivelmente no futuro, talvez essa criança não sofra nenhum tipo deretaliação, e não vá ter muitos entraves na vida. Ela vai superá-los de umamaneira melhor se ela tiver algum respaldo e apoio, tanto na escola, comoem casa também. (PROFª. HORTÊNCIA, ENTREVISTA, 2012)

Nesse sentido, há uma preocupação por parte das professoras em incorporar

as discussões em seus currículos, no planejamento, bem como em sua prática

pedagógica, considerando que, na educação infantil, as crianças já manifestam

ações de preconceito e de discriminação racial. Todas são unânimes em enfatizar

que a reflexão e mudança de concepção e de representação tem início desde a

educação infantil e perdura em todo o processo de formação humana. Destacam

também que o conteúdo trabalhado nos espaços educacionais deve refletir esta

preocupação.

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Quando os conflitos entre as crianças se referem à questão da “cor” as

professoras são unânimes em afirmar que há, sim, a presença de conflitos e o

quanto é difícil intervir e orientar as crianças a respeitarem e valorizarem as

diferenças referentes à questão de raça/cor. Evidenciamos isto no relato abaixo:

Sempre eu busco estar chamando eles pra estar conversando, voumostrando figuras, imagens e explico que não é para acontecer atitudes dediscriminação porque nós todos somos iguais, então não tem porque haverdiferença, eu acho incrível é como eles conseguem detectar a diferençaentre cores, entre um e outro. E eu acho incrível as crianças de 3 e 4 anosconseguirem diferenciar, e é tipo assim há sempre uma liderança, um líder,que é o cabeça que puxa as outras crianças e diz olha não chega pertodaquela menina porque ela é isso e aquilo, então eu penso, meu Deuscomo eu vou trabalhar, aí procuro conversar explicando que não é dessamaneira, não é dessa forma, e vou tentando amenizar a situação, é difícil,porque vem de dentro de casa também, tem toda essa questão. (PROFª.ROSA, ENTREVISTA, 2012)

No relato da professora Margarida, descrito abaixo, reside um dos aspectos

fundamentais para a professora que desejar trabalhar na perspectiva de repensar as

suas representações sociais negativas em relação a discriminação racial. O

professor ao considerar a criança sujeito ativo e reflexivo, não pode tão somente

obrigar que a criança assuma uma postura favorável em relação ao outro, ainda que

consideremos ser mais viável que as crianças se aceitem e se respeitem. Diante do

observado, inferimos que as situações apontadas merecem intervenção, ações e

práticas mais positivas na abordagem das questões raciais no ambiente escolar.

Vou te dar um exemplo, ano passado nós fizemos uma peça musical, ondeeu tentei que a criança negra, ela tivesse um papel importante, fundamentalna peça. Então, eu a arrumei, não desprezando as outras crianças, mas euqueria elevar a autoestima dela, que ela se sentisse bem, porque eu vejotambém que ela mesma tem a autoestima baixa. Então eu arrumei umaroupa bem bonita pra ela, estilo bailarina, e que na minha opinião, ela era amais bonita, para que ela se sentisse valorizada perante os colegas, e paraque os colegas soubessem que ela poderia fazer parte do grupo, eu achoque deu certo porque vi a felicidade estampada nos olhos dela, eu vi queela gostou da roupa, porque anteriormente tinha falado de um outro tipo deroupa, que na peça ela seria um matinho, depois eu percebi que teria quever uma forma dela se sentir valorizada, eu tenho esse olhar. (PROFª.MARGARIDA, ENTREVISTA, 2012)

Para a professora Hortência é importante mediar as situações de conflito para

que as diferenças e discriminações no espaço da educação infantil sejam

superados, ressaltando que a importância do papel da família neste processo de

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combate à discriminação e preconceito racial, conforme explicitado no depoimento a

seguir.

Bom, a forma que procuro mediar essas situações de discriminação racial,não só na minha turma, mas também se observo alguma criança de outraturma tendo algum tipo de conduta errada é claro que a gente chama aatenção. Agora é difícil sim quando a questão já vem enraizada de casa,que a criança já vem com aquele conceito pré-concebido de casa, dafamília, porque tem criança que já chegou a comentar assim que não gostado colega por causa do seu cabelo pixaim, do cabelo ruim, então é difíciltrabalhar assim, porque a gente trabalha aqui na unidade, mas quandochega em casa a criança ouve certos tipos de comentários, é claro que elavai trazer para o cotidiano dela na UEI, vejo que devemos trabalhar nãosomente com as crianças, mas também com os familiares. A criança podeaté não entender a questão racial, mas por ela ouvir certos tipos decomentários ou perceber certos tipos de ações dos adultos, ela acaba portransportar isso nas suas atitudes com os colegas no seu dia-a-dia, tantoque eu já tive problema com crianças que diziam para o colega: - eu nãogosto de ti porque tu és escurinho, meu pai disse que não gosta de genteescura, mas era o pai dele. (PROFª. HORTÊNCIA, ENTREVISTA, 2012)

.Dessa maneira, mesmo que a coordenadora e as professoras afirmem nas

entrevistas que percebem, observam, e tentam mediar os conflitos envolvendo

situações de discriminação e preconceito racial nas relações sociais entre as

crianças dentro da unidade investigada, isto é colocado como um “problema” não

somente da escola, mas que deva ser trabalhado com a família. Nesse sentido, o

professor percebe a importância de sua prática na relação com a criança negra,

sendo primordial sua mediação para que ela seja aceita e valorizada pelo grupo.

Constatamos também que as ações são pontuais, alusivas as datas

comemorativas e que não existem conteúdos, projetos de ações definidos a priori

em relação ao trato com as questões de raça, credo, etnias. Presentemente existe

certo espontaneísmo nas ações, intervenções pedagógicas do professor no espaço

da escola.

Apontaremos, a seguir, algumas contribuições verificadas na prática

pedagógica do professor visando à superação de ações de discriminação e de

preconceito em relação à criança negra, destacando os limites e avanços, bem

como os desafios que ainda precisam ser enfrentados pelas professoras na

abordagem da questão racial no espaço da educação infantil.

5.4 A contribuição do professor, por meio de sua prática pedagógica, para a

superação dos preconceitos e discriminações raciais na escola

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Nesta categoria, buscamos compreender de que modo as representações

sociais sobre a criança negra são objetivadas e materializadas nas práticas

pedagógicas das professoras, analisando a forma em que as questões raciais são

abordadas nas ações propostas no projeto político-pedagógico e no plano de ensino

da unidade investigada, visando destacar as contribuições, os avanços e desafios

para a prática pedagógica das professoras no trato com a questão racial.

Neste item enfatizamos o modo como os professores encaminham sua prática

pedagógica considerando o evidenciado no projeto político-pedagógico e nos planos

de ensino no trato com as questões raciais, visando a superação do preconceito e

da discriminação na defesa de uma ação pedagógica que promova uma educação

intercultural no espaço escolar.

Para tanto, tomamos como referência os pressupostos dos marcos legais,

que orientam para uma educação das relações raciais na educação básica na

perspectiva da educação infantil.

No decorrer da pesquisa percebemos na escola pouca circulação de

informação e entendimento em relação às questões legais que orientam a temática

investigada, apesar de desde 1988 a Constituição Federal considerar a prática de

racismo como crime. Bem como no campo da educação, a atual LDB ter sofrido

alteração pela Lei 10.639/03, em seus art. 26 e 27, tornando obrigatório aos

sistemas de ensino a inclusão em suas propostas curriculares o ensino da história

da África e da cultura afro-brasileira, e com a Lei 11.645/08 tornou obrigatório o

ensino da cultura dos povos indígenas. Inferimos assim, que os marcos legais

necessitam serem de fato introduzidos nas discussões e reflexões dos professores

para que possibilitem a viabilização de uma prática pedagógica que contemplem

ações estruturantes no combate a exclusão no espaço escolar.

As Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-

Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana – DCNRER

(2004) enfatiza o papel da escola e dos profissionais nelas envolvidos, como

responsáveis na promoção de uma educação antirracista. Desse modo, as diretrizes

orientam para que se promovam uma educação de respeito às diferenças desde a

educação básica, a qual tem início na educação infantil.

Segundo Santos (2005), esta mudança ocorrida na legislação é fruto de mais

de meio século de luta por parte dos movimentos sociais negros e seus intelectuais

em defesa do reconhecimento da cultura negra brasileira e da contribuição do negro

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na formação de nossa nação, bem como da luta em defesa dos direitos sociais

secularmente negados aos negros, como saúde, moradia e educação, dentre outros.

Santos (2005) ressalta que apesar da mudança na forma da lei, isto não é

garantia para que as instituições de ensino implementem em seus currículos e

práticas pedagógicas as intervenções necessárias para uma educação que se

pretenda antirracista. Isto porque, segundo o autor, a legislação se apresenta de

forma genérica, não aprofundando no cerne dos problemas, no que tange ao modo

em que ocorrerá a implementação pelas instituições de ensino de currículos

orientados para a valorização e o reconhecimento sobre a História e Cultura Afro-

Brasileira, bem como a lei não ressalta sobre a necessidade de qualificação dos

professores no trato com esta demanda, secularmente silenciada nos currículos e

nas práticas escolares.

Santos (2005) destaca, ainda, outra fragilidade para a implementação da Lei

nº 10.639/03, no tocante à necessidade da reformulação dos programas de ensino

das universidades, na inserção dos conteúdos sobre a história da cultura negra e

indígena, bem como a preparação da formação dos futuros profissionais. Deste

modo, o autor afirma que a ausência de uma formação inicial para o trato com a

diversidade cultural poderá inviabilizar a implementação da lei, conforme podemos

depreender do excerto abaixo:

Segundo o nosso entendimento, a Lei nº 10.639, de 9 de janeiro de 2003,apresenta falhas que podem inviabilizar o seu real objetivo, qual seja, avalorização dos negros e o fim do embranquecimento cultural do sistema deensino brasileiro. A lei federal, simultaneamente, indica uma certasensibilidade às reivindicações e pressões históricas dos movimentos negroe anti-racista brasileiros, como também indica uma certa falta decompromisso vigoroso com a sua execução e, principalmente, com suaeficácia, de vez que não estendeu aquela obrigatoriedade aos programasde ensino e/ou cursos de graduação, especialmente os de licenciatura, dasuniversidades públicas e privadas [...] (SANTOS, 2005, p. 34 e 35).

O autor ressalta ainda que

Pensamos que é preciso não somente melhorar esta lei [...], masprincipalmente, que é preciso uma pressão constante dos movimentossociais negros e dos intelectuais engajados na luta anti-racismo junto aoEstado Brasileiro para que esta Lei não se transforme em letra morta donosso sistema jurídico. Ou seja, é preciso mais do que nunca pressão sobreos governos municipais, estaduais e federal para que esta Lei sejaexecutável (SANTOS, 2005, p. 35).

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Gomes (2008b) argumenta que a implementação da Lei nº 10.639/03 e a

instituição das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações

Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana de 17

de março de 2004, representam uma vitória das lutas historicamente travadas pelo

Movimento Negro no Brasil. Luta em prol da superação do racismo na sociedade

brasileira, e de uma escola que construa uma representação positiva dos afro-

brasileiros.

Ao invés de apontar as lacunas presentes na lei, Gomes (2008b) alerta sobre

a necessidade de investirmos esforços nos aspectos positivos, visando à superação

dos obstáculos para a efetiva implementação da lei nas instituições de ensino.

Gomes (2008b) destaca alguns aspectos positivos que culminaram com a

promulgação da lei e das diretrizes curriculares e que merecem destaque. Dentre os

aspectos, a autora destaca que a Lei 10.639/03 encontra-se no bojo das políticas de

ação afirmativa, tendo como eixo central o combate e a correção das desigualdades

para os povos socialmente excluídos de nossa sociedade, como os negros e os

indígenas.

O Estado assume um novo papel na viabilização de políticas de

enfrentamento e de reconhecimento da história, da cultura e da identidade dos

povos excluídos. A autora destaca como aspecto positivo da lei e das diretrizes essa

nova postura do Estado diante da diversidade étnico-racial de nossa sociedade. Ele

se apresenta como um instrumento de intervenção na promoção de políticas

educacionais que orientem as propostas curriculares e a prática pedagógica dos

professores.

Neste sentido, participamos, atualmente, de um momento de redefinição dopapel do Estado. Não mais o Estado totalmente neutro diante da complexainter-relação entre classe, raça, gênero e desigualdades, mas sim, comopropulsor de transformações sociais, reconhecendo as disparidades entrebrancos e negros no Brasil e a sua responsabilidade de intervenção nessequadro. A superação das desigualdades raciais começa aos poucos a serincorporada como uma das tarefas do Estado brasileiro, problematizando,aprofundando e ampliando o debate sobre a garantia dos direitos humanosbásicos e fundamentais, não de forma abstrata, mas incluindo a diversidade(GOMES, 2008b, p. 79-80).

Outro aspecto positivo e que, como tal, contribui para o avanço da lei, na

construção de uma política educacional democrática e inclusiva, refere-se a uma

mudança de postura diante de nossa própria história. Isto permite, segundo Gomes

(2008b), que ao introduzirmos nos currículos escolares e nas práticas pedagógicas

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dos professores as discussões sobre a história do negro e dos povos indígenas, não

mais em uma visão idealizada e folclórica, mas evidenciando as contribuições

sociais e culturais destes povos na constituição da formação de nossa sociedade,

corrobora, assim, para a formação da identidade positiva de crianças, jovens e

adultos nas instituições de ensino. A autora enfatiza, no entanto, para não

reduzirmos as discussões sobre a história dos povos africanos e indígenas em

conteúdos escolares fragmentados e descontextualizados. Para tanto, adverte que,

Se reduzirmos a discussão trazida pela Lei. 10.639/03 e suas respectivasdiretrizes curriculares em “conteúdos” escolares, corremos o risco de apagara riqueza desta proposta. Corre-se o risco de inserir as múltiplaspossibilidades que essa discussão nos traz em uma ou duas aulas, umapalestra com militante do Movimento Negro ou um estudioso do tema, umdia de comemoração sobre a África ou reduzi-la à Semana da ConsciênciaNegra. É fato que os alunos e alunas terão de ler, pesquisar, estudar,discutir, assistir filmes, documentários e debater. Muito mais do que umconteúdo curricular, a inserção da discussão sobre a África e a questão donegro no Brasil nas escolas da educação básica têm como objetivopromover o debate, fazer circular a informação, possibilitar análisespolíticas, construir posturas éticas e mudar o nosso olhar sobre adiversidade (GOMES, 2008b, p.81).

Gomes (2008b) ressalta ainda a importância das diretrizes nos processos que

envolvem a educação para as relações raciais nas instituições de ensino, pois a

construção de uma educação que respeite as diferenças não acorre com ações e

indivíduos isolados, ao contrário, a “relação” com o “outro” é o alicerce de uma

política de valorização e reconhecimento da diversidade. Para a autora, as diretrizes

orientam para uma ação pedagógica pautada na ética, ou seja, no diálogo com o

“outro”, no respeito de suas particularidades e singularidades.

Por isso, a ética é a casa ou a morada da liberdade. Ela não se fecha nanorma moral do certo e do errado, mas na capacidade de problematizar, derefletir e tomar decisões. E é no campo da liberdade que a questão racialdeve ser pensada. Ser negro, reconhecer-se negro e ser reconhecido comotal, na perspectiva ética, nunca deveria ser motivo de vergonha, negação eracismo, mas de reconhecimento, respeito e valorização. Significa trazer nocorpo, na cultura e na história a riqueza de uma civilização ancestral e umprocesso de luta e resistência que continua agindo no mundocontemporâneo (GOMES, 2008b, p. 82).

Construir uma postura pedagógica pautada na ética, requer que, diante dos

conflitos, possamos estabelecer uma relação de diálogo e negociação na promoção

de uma educação que emancipe e liberte os agentes sociais de práticas de

preconceitos e de discriminação com o “outro”.

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Um dos critérios da escolha da Unidade de Educação Infantil Cirandinha

como locus de nossa investigação, foi sinalizar se em seu projeto político-

pedagógico e planejamentos a presença de conteúdos e práticas voltados para o

trato com as questões raciais. Na pesquisa exploratória realizada, a coordenadora

da referida unidade nos informou que já haviam incluído este tema no currículo

desde o ano de 2010. Todavia, identificamos que no Projeto Político-Pedagógico

(2007) as questões acerca das relações raciais são apontadas de forma

generalizada, diante de outras problemáticas, como por exemplo, sobre as questões

de gênero e religião, conforme identificamos no objetivo indicado no projeto, a saber:

Respeito à diversidade dos alunos é parte integrante da nossa proposta.Para que seja incorporada pelas crianças, a atitude de aceitação do outroem suas diferenças e particularidades precisa estar presente nos atos eatitudes dos adultos com os quais convivem na instituição. Começandopelas diferenças de temperamento, de habilidades e de conhecimentos, atéas diferenças de gênero, de etnia e de credo religioso, o respeito a essadiversidade deve permear as relações cotidianas (PROJETO POLÍTICOPEDAGOGÍCO, 2007, p. 5).

Apesar de o projeto indicar o trato com as diferenças, não há nenhuma

referência ao proposto tanto na atual LDB quanto pela Lei nº 10.639/03 e das

Diretrizes Curriculares para Educação das Relações Étnico-Raciais, que orientam

para a implementação nos currículos escolares e na prática pedagógica dos

professores de uma ação que valorize, reconheça e promova o respeito à

diversidade étnica, de raça e de culturas no espaço educacional. A coordenadora

justifica estas lacunas pelo fato deste projeto ter sido elaborado em 2007 e, portanto,

necessitar de uma reformulação para que se contemple, com maior profundidade, o

tema da questão racial, conforme destacado na fala a seguir:

Quando eu assumi a unidade, eu juntamente com a equipe e algunsmembros da comunidade, nós formulamos o projeto político-pedagógico,logicamente houve nosso interesse com este assunto, como outrosassuntos também, a questão da inclusão social, das crianças ditasespeciais, então, nós tivemos essa preocupação, mas eu acredito que hoje,é muito interessante até diante do trabalho que nós desenvolvemos fazeruma reformulação deste projeto algo mais detalhado, mais claro, maisvoltado claramente para este assunto. Eu acredito, então, que realmenteprecise de uma reformulação, até porque o projeto foi feito em 2007, entãomuitas coisas se fortificarão dentro da educação aqui na unidade, entãotemos que fazer uma reformulação até mais sólida sobre este assunto noprojeto político-pedagógico. (COORDENADORA, 2012)

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Essa ausência no corpo do texto do projeto político-pedagógico sobre os

marcos legais que orientam a política para a educação das relações raciais se

materializam também nos discursos dos professores, que, em sua maioria, alegam

desconhecerem o proposto pelo projeto, conforme apresentados nos relatos abaixo

da professora Margarida e da professora Dália.

Para ser sincera, eu não li o PPP, já conversei sim com a coordenadora arespeito dessa questão, eu também não sei se foi falta de interesse meu ouda unidade, mas ela já conversou comigo e me disse que no projeto estaquestão é abordada de uma forma geral, não tem aquilo minucioso, ou seja,um projeto direcionado para essa questão do respeito da valorização donegro, do deficiente [...]. (PROFª. MARGARIDA, ENTREVISTA, 2012)

Não li ainda o projeto da unidade, não tenho conhecimento. (PROFª. DÁLIA,ENTREVISTA, 2012)

Nesse sentido, há ainda no projeto político-pedagógico da unidade

investigada uma lacuna no que se refere ao conhecimento dos marcos teóricos e

legais que contribuem para o direcionamento de uma nova postura tanto nos

currículos quanto na prática pedagógica dos professores para o trato com a questão

racial. Isto contribui, de certo modo, para a implementação de uma ação pedagógica

destituída de elementos estruturais para o enfretamento do racismo no espaço

escolar, como a formação, o conhecimento e o reconhecimento da diversidade racial

nas instituições de ensino.

Destituídos de uma formação teórica e de um embasamento das leis que

legitimam o combate ao preconceito racial no ambiente escolar, identificamos na

unidade de educação infantil investigada práticas pedagógicas descontextualizas de

uma proposta efetiva de combate às desigualdades raciais, que acabam se

esvaziando na realização de atividades que envolvem datas comemorativas em

alusão à semana da consciência negra, como destacado na seguinte fala:

Bem, nós realizamos um trabalho sobre a questão racial com ascrianças, durante o mês de novembro, eu só não estou bem lembradaa data, mas é no mês de novembro que nós trabalhamos a questãoda consciência negra, todo ano nós trabalhamos. ((PROFª. ROSA,ENTREVISTA, 2012)

Na unidade investigada desde a fase em que ocorreu a pesquisa exploratória

para definição do locus do presente estudo, observamos na fala tanto da

coordenação quanto das professoras, a indicação da ocorrência de conflitos sobre a

questão racial na socialização das crianças. A unidade elaborou um projeto desde

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2010, intitulado: “Iguais ou diferentes, que diferença faz?”, como forma de inserir na

prática pedagógica do professor, bem como em sua proposta curricular a questão

racial. Assim, o referido projeto objetivava: abordar as diversidades culturais bem

como suas particularidades; entender e valorizar o respeito de si e do outro;

pesquisar as diferentes culturas da Instituição para serem trabalhadas nas

atividades; trabalhar a interação família-escola; estimular o respeito às diferenças;

aprender a viver junto aceitando a opinião dos outros e expondo as suas com

clareza e detalhes, com afetividade, colaboração e entender que precisamos

resolver os conflitos por meio de negociação pacífica.

Observamos a execução deste projeto no ano de 2011, durante o

acompanhamento da turma de 4 anos – jardim I. O projeto estava previsto para ser

realizado durante uma semana, mais precisamente na semana da consciência

negra. Porém, segundo as professoras, não seria possível a realização de todas as

atividades previstas, porque uma das professoras que havia elaborado o projeto

estava de licença saúde, ficando destinado apenas um dia para sua execução. Isto

evidenciou o quanto o trabalho com a questão racial ainda necessita de um maior

comprometimento coletivo e de um maior conhecimento por todos os profissionais

para que não seja um trabalho fragmentado e esvaziado de sentido e significado.

Não obstante, o projeto se resumiu à realização de uma atividade de exibição

de um filme: “O patinho feio”, no qual todas as crianças da unidade assistiram juntas

à sessão do mesmo. O filme narrava a história de um patinho que ao nascer foi

rejeitado pela mãe pata e pelos seus outros irmãos, que nasceram belos e robustos,

enquanto o patinho, pela diferença em sua penugem acinzentada, era tratado por

todos com desprezo por sua feiura e diferença dos tidos como “iguais”. No filme, o

patinho feio cresce e vira um belo cisne, no então, carregava a dor pela rejeição e

pelo desprezo sofrido em sua infância. Assim, durante a exibição do filme, as

crianças riam da história, outras logo se dispersavam pela sala, enquanto isso as

professoras na entrada da sala, conversavam sem fazer inferência sobre os fatos

apresentados no filme.

Após o filme, não houve discussão sobre a problemática apresentada sobre

as diferenças. As crianças foram encaminhadas para a área de recreação. Então,

perguntamos para a Profª. Rosa qual seria a atividade seguinte para a continuidade

do projeto e a mesma respondeu que achava que seria somente essa, por conta de

não haver tido tempo para o planejamento das demais, devido à ausência da

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professora que estava de licença saúde, justificando que no ano anterior o projeto foi

melhor organizado, e que as professoras procuraram trabalhar a questão das

diferenças todos os dias.

No entanto, percebemos que o trato com a questão racial fica à margem das

preocupações e das intervenções realizadas junto às crianças, conforme

observamos na condução do projeto. Porém, quando perguntadas se consideravam

que a intervenção e a orientação do professor no trato com as questões raciais

poderiam contribuir para a manifestação de atitudes positivas pelas crianças em

suas relações sociais, as professoras ressaltaram de forma unânime que o papel do

professor é fundamental para a promoção e a garantia do respeito às diferenças no

ambiente escolar, conforme expresso no depoimento da coordenadora e da

professora Rosa, abaixo.

Sim, com certeza. Até porque a gente sabe que nós adultos somos oexemplo da criança, se a criança percebe esse comportamento positivo doprofessor, com certeza ela vai começar a avaliar aquele comportamentodela, o professor é sempre aquele que a criança quer ser, quer imitar, querfazer, quer falar igual, e isso é muito importante que o professor tenha essapostura de combater, combater não no combate direto, mas voltado praeducação, por meio de orientação, com dedicação, não fazendo diferençaentre eles, a partir daí a criança vai avaliar que não tem porque ser dessejeito, se todos estão fazendo, ela começa a pensar na ação dela,principalmente se o professor coloca esse tipo de dúvida na cabeça dacriança, será que o que eu “tô” fazendo “tá” correto? A forma como estoupensando está certa? Então existem meios para isto, e o papel do professoré importantíssimo nesse momento, não só do professor, como dooperacional, do servente, do coordenador, de todos aqueles que estãoinseridos na unidade em prol da educação daquela criança.(COORDENADORA, ENTREVISTA, 2012)

A intervenção do professor contribui muito, porque nós temos que trabalharem conjunto a família e a escola, então eu creio que vai contribuir bastantepara esta criança, desde o momento em que ela sai ali de casa ela já tem asua cultura. Então é o momento de trabalharmos juntos, porque eu perceboque a família se afasta muito, ela joga toda responsabilidade pra escola.(PROFª. ROSA, ENTREVISTA, 2012)

No entanto, a professora Margarida ressalta que se faz necessário “um

trabalho contínuo” que deve ser iniciado nos primeiros anos da educação infantil,

considerando que a ação positiva do professor, respeitando e valorizando as

diferenças desperta na criança atitudes de reconhecimento de modo positivo em

relação à criança negra.

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Percebemos na fala da professora, que a mesma conduz sua prática

pedagógica no trato com as questões raciais de modo isolado, no momento em que

a professora ressalta que tenta fazer a sua parte independente dos outros

professores, caracterizando um trabalho fragmentado, sem um maior envolvimento

do coletivo dos professores na abordagem das questões raciais. O que inferimos ser

um dos entraves que podem dificultar a efetivação de uma prática pedagógica que

possibilite combater o preconceito e a discriminação no espaço escolar, como

descreve em seu relato abaixo.

Com certeza, mas que seja um trabalho contínuo, por exemplo, que venhadesde lá do maternalzinho e que vá seguindo uma linha, infelizmente euestou respondendo aqui por mim, eu não sei se o outro profissional vaifazer, mas eu estou fazendo a minha parte. E a atitude do professor vaidespertar na criança atitudes positivas com relação à criança negra. Porqueeu sei que eles demonstram certas atitudes principalmente em relação aocabelo da criança, que é um cabelo estilo blak power, mas procuro sempremediar essas situações. Percebia que tinha outra criança que é negratambém, e na hora do banho como o cabelo dela é muito cheio eu via queela ficava com vergonha, porque ela era bem magrinha e com um cabelograndão, então eu incentivava vamos tomar banho com os coleguinhas,tentando integrá-la para que ela se sentisse parte efetiva do grupo. (PROFª.MARGARIDA, ENTREVISTA, 2012)

A professora Hortência, em seu depoimento abaixo, ressalta a importância do

papel do professor no reconhecimento das diferenças no espaço escolar,

destacando que o professor “se torna um espelho pra criança” e que a postura e

conduta da ação pedagógica do professor reflete no modo como as crianças

constroem suas identidades positivas de si e do outro.

A gente acaba se tornando um espelho nas nossas ações com as crianças,eu penso assim, se eu tiver uma boa conduta em qualquer ação que eu vádesenvolver com a criança vai refletir sim, poxa a tia agiu daquele jeito,então eu não vou agir assim se não vou estar errado. Então a gente setorna um espelho pra criança, e se tivermos uma boa conduta ou aocontrário, a criança vai se achar no direito de fazer algo errado também, aha tia vez eu também posso fazer. Então penso que eu sou o espelho paraos meus alunos, e tenho que trabalhar da melhor forma possível se queropassar para eles boas condutas, boas ações e a questão do respeito paracom o outro. (PROFª. HORTÊNCIA, ENTREVISTA, 2012)

Destacamos nas falas da coordenadora e das professoras o reconhecimento

acerca do papel do professor, por meio de sua prática pedagógica, na promoção e

na viabilização de uma educação que garanta o respeito e a valorização do “outro”.

No entanto, o discurso necessita ser materializado em ação, o projeto proposto pela

unidade necessita ser revisto, planejado e organizado pelo coletivo dos professores,

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para que a intervenção destes tenha um rigor teórico-metodológico, e de fato ocorra

uma mediação positiva no trato com a questão racial, principalmente quando

ocorrem os conflitos envolvendo as crianças.

Ressaltamos como avanço a iniciativa da escola em elaborar uma proposta

de intervenção no trato com as questões raciais. No entanto, identificamos uma

ausência de um suporte teórico-metodológico que possibilite uma intervenção

positiva, planejada e orientadora da prática pedagógica sobre a questão racial.

Deste modo, ações sistemáticas e contínuas são necessárias no contexto da escola

investigada a fim de superar as práticas pontuais e pouco contextualizadas.

Isto impede, ainda, que se promova uma educação multi/intercultural, que não

torne invisível as diferenças, mas que esta seja o centro das discussões, do diálogo,

do reconhecimento e da valorização. Uma educação com todos, onde o professor

tem um papel fundamental na mediação e intervenção de modo positivo na

socialização da criança negra no espaço educacional, tendo, assim, uma “postura

crítica das diferenças” (GONÇALVES e SILVA, 2003, p. 120). A presença de uma

proposta multi/intercultural ainda é o desafio posto para a educação e para os

professores, conforme destacado por Gonçalves e Silva (2003, p. 121):

Observando mais de perto a expansão do movimento multicultural naeducação no Brasil, é possível vislumbrar, para os próximos dez anos,mudanças significativas nas nossas práticas escolares. Porém, uma lição daqual não podemos nos esquecer é a de que uma educação multiculturalexigirá, de nós, um enorme trabalho de desconstrução de categorias.

Promover uma prática pedagógica que garanta o reconhecimento e a

valorização das diferenças no espaço escolar, é um desafio posto aos professores e,

como tal, necessita ser repensado desde a formação do educador. Apontaremos a

seguir os desafios para a formação dos professores na abordagem da questão das

relações raciais no interior das escolas.

5.5 A formação dos professores e as relações raciais na escola

Compreender como o professor constrói suas representações sociais sobre a

criança negra pressupõe uma reflexão sobre o modo como se deu sua formação

inicial e continuada, entendendo-as como determinantes na constituição de suas

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representações no trato com as questões que envolvem as relações raciais no

espaço educacional.

No decorrer da análise realizada constatamos que há especificidades nas

apropriações de cada uma das professoras, também é possível evidenciar as

diferenças dos discursos, apesar de viverem sob o mesmo construto ideológico.

Fato que possibilitou conhecer as representações dos professores, por meio das

suas práticas e intervenções realizadas no âmbito da escola de educação infantil e

da sala de aula em relação ao trabalho desenvolvido com a criança negra. Deste

modo, as construções dessas representações, configuram-se segundo Jodelet

(2001, p.22):

Como fenômenos cognitivos, envolvendo a pertença social dos indivíduoscom as implicações afetivas e normativas, com as interiorizações deexperiências, práticas, modelos de condutas e pensamento, socialmenteinculcados ou transmitidos pela comunicação social, que a ela estãoligadas.

Constatamos que os pressupostos pedagógicos que orientam os modos de

fazer e pensar a educação e refletem a concepção de educação e de sociedade dos

professores, incidindo no processo de construção das representações sociais sobre

o objeto investigado.

Ao longo do processo de investigação, percebemos certa preocupação por

parte dos professores em exporem suas práticas pedagógicas para “alguém

desconhecido”. Esse estranhamento foi necessário e com o tempo superado, tanto

pelas professoras quanto pelas crianças, o que de fato foi fundamental para que a

pesquisadora tivesse cautela e cuidado com a inserção no ambiente investigado,

delimitando com as professoras os dias e os horários em que ocorreria o

acompanhamento da turma.

A formação, seja ela inicial ou continuada, deve contribuir na orientação da

prática pedagógica do professor, direcionando-o em quais caminhos percorrer na

definição do currículo e processos avaliativos que devem ser implementados,

influenciando-o no modo como estabelecem suas relações com os demais

profissionais do espaço educacional, com os pais, com a comunidade extraescolar

e, principalmente, na interação com as crianças, com os jovens e com os adultos, na

viabilização de um ensino que valorize e respeite as diferenças, que contribua para a

construção de cidadãos críticos e participativos.

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Dessa maneira, temos clareza da importância do processo de formação

inicial e continuada para a prática pedagógica do professor, Pimenta (2008, p. 17-

18) destaca que

Para além da finalidade de conferir uma habilitação legal ao exercícioprofissional da docência, do curso de formação inicial se espera que formeo professor. Ou que colabore para sua formação. Melhor seria dizer quecolabore para o exercício de sua atividade docente, uma vez queprofessorar não é uma atividade burocrática para a qual se adquireconhecimentos e habilidades técnico-mecânicas. Dada a natureza dotrabalho docente, que é ensinar como contribuição ao processo dehumanização dos alunos historicamente situados, espera-se da licenciaturaque desenvolva nos alunos conhecimentos e habilidades, atitudes e valoresque lhes possibilitem permanentemente irem construindo seus saberes-fazeres docentes a partir das necessidades e desafios que o ensino comoprática social lhes coloca no cotidiano. Espera-se, pois, que mobilize osconhecimentos da teoria da educação e da didática necessários àcompreensão do ensino como realidade social, e que desenvolva neles acapacidade de investigar a própria atividade para, a partir dela, constituíreme transformarem os seus saberes-fazeres docentes, num processo contínuode construção de suas identidades como professores.

O processo de formação do professor emerge em um dado contexto histórico,

político e econômico, e de acordo com as demandas e necessidades da sociedade.

A profissão docente configura-se, então, enquanto prática social, por partir desta

realidade cotidiana e nela buscar os elementos norteadores de sua prática,

resignificando, assim, sua formação tendo como base as teorias e seu fazer

pedagógico.

A formação é, na verdade, autoformação, uma vez que os professoresreelaboram os saberes iniciais em confronto com suas experiênciaspráticas, cotidianamente vivenciadas nos contextos escolares. É nesseconfronto e num processo coletivo de troca de experiências e práticas queos professores vão constituindo seus saberes como praticum, ou seja,aquele que constantemente reflete na e sobre a prática (PIMENTA, 2008,29).

Na sociedade atual, novos dilemas são impostos ao professor e por meio

destas constantes mudanças e desafios, novas indagações surgem acerca de sua

identidade, mobilizando outros modos de ser e viver a profissão docente. Quanto à

identidade profissional do professor, Pimenta (2008, p.19) enfatiza que

Uma identidade profissional se constrói, pois, a partir da significação socialda profissão; da revisão constante dos significados sociais da profissão; darevisão das tradições. Mas também da reafirmação de práticas consagradas

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culturalmente e que permanecem significativas. Práticas que resistem ainovações porque prenhes de saberes válidos às necessidades darealidade. Do confronto entre as teorias e as práticas, da análise sistemáticadas práticas à luz das teorias existentes, da construção de novas teorias.Constrói-se também, pelo significado que cada professor, enquanto ator eautor, confere à atividade docente no seu cotidiano a partir de seus valores,de seu modo de situar-se no mundo, de sua história de vida, de suasrepresentações, de seus saberes, de suas angústias e anseios, do sentidoque tem sua vida o ser professor.

A identidade do professor neste sentido vai se consolidando na prática social,

tendo como referência a sua formação inicial e continuada, o professor em contato

com os desafios que envolvem a profissão docente, a saber: organização do

currículo, dos processos avaliativos, a relação professor-aluno, professor-professor,

etc., isto colabora para a problematização de sua prática pedagógica orientando-o

para ação crítica e reflexiva sobre seu fazer docente. Sobre a necessidade desta

valorização e investimentos na formação do professor Pimenta (2010, p. 44-45)

argumenta que

Estamos nos referindo a uma política de formação e exercício docente quevaloriza os professores e as escolas como capazes de pensar, de articularos saberes científicos, pedagógicos e da experiência na construção e naproposição das transformações necessárias às práticas escolares e àsformas de organização dos espaços de ensinar e de aprender,compromissados com um ensino com resultados de qualidade social paratodas as crianças e os jovens. Os professores e as escolas não sãoconsiderados, portanto, como meros executores e cumpridores de decisõestécnicas e burocráticas gestadas de fora. Para isso, o investimento na suaformação inicial e no desenvolvimento profissional e o investimento nasescolas, a fim de que se constituam em ambientes capazes de ensinar coma qualidade que se requer, é grande. São necessárias condições detrabalho para que a escola reflita e pesquise e se constitua num espaço deanálise crítica permanente de suas práticas.

Mobilizar esforços para viabilizar uma prática pedagógica que atenda os

novos desafios que a sociedade impõe requer uma permanente reflexão e ação

sobre ela. Neste sentido, a formação assume uma conatação imprescindível quando

pensamos na importância de quais conhecimentos e competências deve dispor o

trabalho do professor no trato com a diversidade, seja ela de gênero, de raça, de

religião ou de classe nas instituições de ensino. Sobre isto, Gomes e Silva (2011,

p.11) ressaltam que

Quanto mais complexas se tornam as relações entre educação,conhecimentos, e cotidiano; cultura escolar e processos educativos; escolae organização do trabalho docente mais o campo da Pedagogia é desafiado

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a compreender e apresentar alternativas para a formação dos seusprofissionais. Os pesquisadores e as pesquisadoras da área também sãodesafiados a realizar estudos e pesquisas na tentativa de melhorcompreender esses processos. Porém, ainda faltam estudos que articulema formação de professores/as e outras temáticas tão caras à escola e aosmovimentos sociais. A diversidade étnico-cultural é uma delas.

Gomes e Silva (2011) explicitam, ainda, que é recente o reconhecimento da

relevância em se discutir a questão da diversidade cultural, tanto por parte das

instituições formadoras de professores, quanto pela instituição escolar. No entanto,

ressaltam que apesar dos avanços em se promover estudos e pesquisas acerca

desta questão da diversidade no campo da educação, ela já tem sido há muito

tempo objeto de interesse, por parte das Ciências Sociais, mais especificamente da

Antropologia.

Esta nova maneira de refletir sobre a formação docente, permite que o

professor alcance novos olhares sobre a sua prática social, entendendo os desafios

e as demandas sobre as questões concernentes à diversidade cultural para o campo

da educação. Permite, ainda, que o professor ultrapasse a mera reprodução de uma

prática pedagógica dissociada da realidade dos educandos, tendo condições, então,

de mobilizar uma ação crítica, reflexiva e, sobretudo, transformadora de práticas

excludentes e discriminatórias.

Considerando a inserção desta questão no campo da educação, Gomes e

Silva (2011), destacam que a relevância dos estudos sobre a formação dos

professores para atuarem na valorização da diversidade étnico-cultural teve seu

destaque a partir de 1996, no campo da Didática e Prática de Ensino, com a

realização do VII Encontro Nacional de Didática e Prática de Ensino – ENDIPE, com

a temática sobre Formação e Profissionalização do Educador. Observou-se,

segundo as autoras, a inclusão de temáticas sociais e culturais, a saber: “trabalho e

subjetividade, avaliação, subjetividade e poder, representação de alunos,

sexualidade, memória de professores, espaço e tempo, cultura, marginalidade,

gênero e raça” (GOMES e SILVA, 2011, p. 14-15).

Gomes e Silva (2011) enfatizam que estas novas demandas estão

diretamente relacionadas com a escola e com o fazer educativo, com todas as

nuanças que esta relação pode ter, ou seja, estes novos enfoques sobre o estudo da

formação e da prática dos professores foi ao encontro de suas reais necessidades

de compreender a profissão docente permeada por conflitos, disputa de poder,

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tensões, dúvidas sobre como realizar um trabalho que contribua para superar os

dilemas vivenciados no cotidiano escolar.

Os referidos autores destacam, ainda, que no XI ENDIPE, o tema foi sobre a

Igualdade e Diversidade na Educação, demonstrando, assim, o avanço do debate e

da reflexão sobre esta questão para a promoção de uma prática docente que

emancipe.

O desafio para o campo da didática e da formação dos professores no quese refere à diversidade é pensá-la na sua dinâmica e articulação com osprocessos educativos escolares e não escolares e não transformá-la emmetodologias e técnicas de ensino para os ditos “diferentes”. Isso significatomar a diferença como um constituinte dos processos educativos, umavez que tais processos são construídos por meio de relaçõessocioculturais entre seres humanos e sujeitos sociais. Assim, podemosconcluir que os profissionais que atuam na escola e demais espaçoseducativos sempre trabalharam e sempre trabalharão com assemelhanças e as diferenças, as identidades e as alteridades, o local e oglobal. Por isso, mais do que criar novos métodos e técnicas paratrabalhar com as diferenças é preciso, antes, que os educadores e aseducadoras reconheçam a diferença enquanto tal, compreendam-na à luzda história e das relações sociais, culturais, e políticas da sociedadebrasileira, respeitem-na e proponham estratégias e políticas de açõesafirmativas que se coloquem radicalmente contra toda e qualquer forma dediscriminação (GOMES e SILVA, 2011, p. 16).

A questão da formação do professor para uma educação que valorize e

respeite as diferenças encontra-se, segundo Gomes e Silva (2011), no bojo das

discussões das propostas de uma prática pedagógica multicultural, por compreender

que a partir da realidade social, política e cultural que são travadas as lutas pelos

movimentos sociais, em defesa de igualdade e de justiça social que possibilitará aos

professores a construção de práticas pedagógicas que promovam a inclusão destes

processos sociais no ambiente educacional. Arroyo (2007) corrobora com este

argumento, ao apontar a possibilidade do diálogo entre uma pedagogia multirracial

popular e as propostas pedagógicas desenvolvidas nos sistemas de ensino, visando

à superação e à transformação de práticas excludentes. Para tanto, destaca que

Levar um diálogo multirracial ao sistema significará tentar que saia dessemonoculturalismo e reconheça o caráter multicultural de nossa sociedade,que reconheça como legítimas as diversas culturas e os diversos valores ereferentes morais dos coletivos diversos que fazem parte de nossasociedade. Coletivos e povos que mesmo tratados de forma discriminatóriamantiveram suas identidades e culturas como coletivos. Nas fronteiras dasescolas está instalada uma fecunda tensão que exige equacionar essadiversidade de identidades e culturas (ARROYO, 2007, 129).

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Romper com um currículo monocultural e vivenciar uma prática pedagógica

que reconheça a diversidade cultural e racial nos sistemas educacionais requer que

a escola e que os professores garantam a promoção do diálogo com as diversidade

cultural, racial, política e social que estão enraizados no seio de nossa sociedade

plural. Isto não isenta, segundo Arroyo (2007), os conflitos e as tensões no espaço

educacional, mas ao contrário, são esses mecanismos de tensões e de dúvidas que

proporcionam uma ação crítica, reflexiva e transformadora por parte dos educadores

diante da problemática da diversidade cultural. Situação que os professores na

pesquisa sobre a representação social de professores da educação infantil não

conseguem realizar a contento.

Candau (2008, p. 24) afirma que a promoção de uma prática pedagógica na

perspectiva multi/intercultural é uma “tarefa complexa e desafiante”, pois exige

esforço coletivo dos sujeitos e não somente ações isoladas e descontextualizadas

da realidade, que não combatem as relações sociais hierarquizadas tanto no espaço

escolar quanto na sociedade.

Candau (2008) propõe a implementação de ações que corroborem para a

construção de práticas pedagógicas que assumam a perspectiva intercultural, a

saber: o primeiro elemento para alcançar essa perspectiva é Reconhecer Nossas

Identidades Culturais, partindo, assim, da tomada de consciência de quem somos,

em que contexto estamos situados, o que contribui para a construção e a

valorização de nossa identidade. A autora destaca, ainda, que o que tem constatado

É a pouca consciência que em geral temos destes processos e docruzamento de culturas presentes neles. Tendemos a uma visãohomogeneizadora e estereotipada de nós mesmos, em que nossaidentidade cultural é muitas vezes vista como um dado “natural”. Desvelaresta realidade e favorecer uma dinâmica, contextualizada e plural dasnossas identidades culturais é fundamental, articulando-se a dimensãopessoal e coletiva destes processos. Ser consciente de nossosenraizamentos culturais, dos processos de hibridização e de negação esilenciamento de determinados pertencimentos culturais, sendo capazes dereconhecê-los, nomeá-los e trabalhá-los constitui um exercício fundamental(CANDAU, 2008, p. 26).

O segundo elemento em busca de uma prática intercultural exige Desvelar o

Daltonismo Cultural Presente no Cotidiano Escolar, rompendo com o caráter

monocultural da cultura escolar que acarreta o distanciamento das experiências

vivenciadas dentro e fora da escola pelos alunos provenientes de grupos

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historicamente excluídos, como os negros, favorecendo neste sentido, a sua baixa

autoestima, bem como uma maior probabilidade do seu fracasso escolar.

O daltonismo cultural tente a não reconhecer as diferenças étnicas, degênero, de diversas origens regionais e comunitárias ou a não colocá-lasem evidência na sala de aula por diferentes razões: a dificuldade e falta depreparo para lidar com estas questões, o considerar que a maneira maisadequada de agir é centrar-se no grupo “padrão”, ou, em outros casos, por,convivendo com a multiculturalidade quotidianamente em diversos âmbitos,tender a naturalizá-la, o que leva a silenciá-la e não considerá-la como umdesafio para a prática educativa.Trata-se de um “dado” que não incide nadinâmica escolar. Não corresponde à escola trabalhar estas questões(CANDAU, 2008, p. 28).

Eliminar o daltonismo permite que novas maneiras de “olhar” o outro sejam

possíveis, para além de práticas que naturalizam as diferenças. A partir desta

reflexão, destacamos o terceiro elemento: Identificar nossas representações dos

“outros”, que se refere ao modo como nos relacionamos com o “outro”, nossos pré-

conceitos para com ele. Isto ocorre porque certas práticas de cunho etnocêntrico

tendem a situar o “outro” em um contexto histórico e social distante do que somos,

das nossas crenças e valores. Assim,

Incluímos na categoria “nós”, em geral, aquelas pessoas e grupos sociaisque têm referenciais culturais e sociais semelhantes aos nossos, que têmhábitos de vida, valores, estilos, visões de mundo que se aproximam dosnossos e os reforçam. Os “outros” são os que se confrontam com estasmaneiras de nos situar no mundo, por sua classe social, etnia, religião,valores, tradições, etc. (CANDAU, 2008, p. 29).

O quarto aspecto destacado por Candau (2008) orienta quanto ao modo de

Conceber a Prática Pedagógica como um Processo de Negociação. Para tanto, faz-

se necessário compreender outros elementos que estão estritamente relacionados

com a prática docente. O currículo é um desses elementos que orientam e

ressignificam a prática pedagógica, revelando as representações dos professores

acerca dos conhecimentos e dos saberes que devem ou não compor o currículo

escolar. Porém, esse currículo nem sempre atende às reais necessidades dos

educandos, por estar centrado em uma visão a-histórica, universal e eurocêntrica.

Garantir uma prática pedagógica na qual os processos de construção de

conhecimentos são permanentemente problematizados e negociados é, portanto,

ainda um desafio para a promoção de práticas docentes que valorizem e respeitem

as diversidades nas sociedades multiculturais.

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Nessa perspectiva, conceber a escola como espaço de crítica e produção

cultural corrobora para a reflexão sobre uma prática pedagógica que valorize as

diferenças, que proponha o diálogo e a negociação na organização do currículo, e

que tome a realidade de crianças, jovens e adultos como referência na produção do

conhecimento escolar. Compreendemos a escola como interventora e mediadora

das diversidades culturais, tendo como eixo central a prática docente na fomentação

de conhecimentos contextualizados histórico e politicamente. Esses elementos são

desafios ainda impostos pelas sociedades multiculturais e que necessitam ser objeto

de estudo e de reflexão na formação dos professores. Sobre isto, Candau (2008, p.

35) enfatiza que

As relações entre cotidiano escolar e cultura (s) ainda constitui umaperspectiva somente anunciada em alguns cursos de formação inicial e/oucontinuada de educadores/as e pouco trabalhada nas escolas. No entanto,considero que esta perspectiva é fundamental se quisermos contribuir paraque a escola seja reinventada e se afirme como lócus privilegiado deformação de novas identidades e mentalidades capazes de construirrespostas, sempre com caráter histórico e provisório, para as grandesquestões que enfrentamos hoje, tanto no plano local quanto nacional einternacional.

No contexto da unidade investigada, a formação tanto inicial quanto

continuada foi apontada pelos professores participantes da pesquisa como

fundamental nos processos de compreensão e elaboração das representações

acerca das relações raciais no espaço educacional. Neste sentido, a coordenadora e

as professoras relataram durante a realização das entrevistas o modo como a

questão das relações raciais foram introduzidas na ocasião de suas formações

iniciais e destacaram ainda a relevância desta para o trabalho docente com as

crianças, conforme o seguinte depoimento, a saber:

Em relação a minha formação acadêmica, eu acredito que por eu ter meformado em uma instituição religiosa, porque o NASP é a UniversidadeAdventista de São Paulo, e lá desde o início já vem se trabalhando essasquestões. Hoje sabemos que é bem mais marcante trabalhar essasquestões, mas por ser uma instituição religiosa, de filosofia religiosa, que agente sabe que para Deus não existe essa diferença entre os sereshumanos, e a instituição também teve essa preocupação em trabalhar coma gente essas questões das relações raciais, sem fazer diferença racialprincipalmente. Então eu acredito que na instituição isso foi muito bemtrabalhado. (COODENADORA, 2012).

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A coordenadora da unidade afirma que na sua formação inicial teve

oportunidade de refletir sobre questões relacionadas ao tema das diferenças e

discriminação racial. Ela atribui ao fato de ter cursado pedagogia em uma instituição

religiosa.

Pensamento e depoimento diferente tem a professora Hortência que relata

não ter tido oportunidade em discutir o tema das relações raciais durante sua

formação inicial, entretanto apesar de não ter abordado o tema em sua formação

percebemos que tem ao longo da entrevista um posicionamento crítico em relação à

questão racial.

Na minha formação acadêmica, pelo que eu lembro, não foi abordado assimde forma ampla a questão das relações raciais, foi assim abordado de formabem restrita, pouco voltado para a educação infantil a questão de temasraciais, mas eu lembro que alguns seminários, algumas mostras que nóstivemos foi abordado, mas assim de uma forma muito restrita. (PROFª.HORTÊNCIA, ENTREVISTA, 2012)

A professora Margarida, no depoimento abaixo, considera importante a

abordagem das questões raciais em sua formação inicial, no entanto, ressalta que

esta abordagem foi realizada somente em uma disciplina. Fato que consideramos

ser limitado para um aprofundamento do tema pelo professor em seu processo de

formação.

A questão das relações raciais foi abordada nas disciplinas durante agraduação, na disciplina de educação infantil e é muito importante sim nanossa formação a gente ter essa base. É muito importante para nossaformação que tenha uma disciplina, que tenha um seminário que abordeessas questões, esse olhar que deveríamos ter em relação à criança negra,porque as pessoas dizem que a criança em si não tem preconceito, mas eutenho uma filha e por experiência própria eu acho que a criança tem sim.(PROFª. MARGARIDA, ENTREVISTA, 2012)

Já a professora Dália enfatiza a necessidade de uma formação mais

sistemática sobre as questões raciais, ressalta também a necessidade do professor

rever os seus posicionamentos e representações para poder trabalhar de modo

crítico e reflexivo junto às crianças na educação infantil.

Na minha formação acadêmica a questão sobre o racismo foi abordadoatravés de seminário. Considero importante a discussão no ensino superior,para não termos atitudes referentes ao preconceito racial, pois, acredito quesomos todos iguais, independente de qualquer coisa. Eu acho quedeveríamos ter uma melhor preparação para trabalhar com essas questões,porque ainda existe o preconceito racial, e temos que ser trabalhados parapodermos estar preparados para ensinar as nossas crianças e eliminar toda

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e qualquer forma de discriminação, porque nós somos iguais independentesde cor, raça, credo. Acredito que as crianças em si não tem preconceito,quem tem somos nós que muitas vezes crescemos com isso, daí serimportante trabalhar com as crianças desde já, pois são os adultos quedemonstram atitudes de preconceito para a criança. ((PROFª DÁLIA,ENTREVISTA, 2012)

A professora Rosa ratifica a importância da formação do professor para o

trato com a questão racial, e do mesmo modo que a professora Dália considera

fundamental que no processo de formação, a abordagem sobre o tema ocorra com

maior profundidade, para além, da realização de seminários, que apesar de trazer

reflexões na abordagem do tema, pouco contribui para o conhecimento teórico-

metodológico no processo de formação do professor.

Tenho 5 anos de experiência na educação infantil, incluindo a realização deestágios, e na minha formação a questão das relações raciais não foiabordada enquanto disciplina, mas sim em momentos de seminários. Esteseminário foi importante para minha formação, mas não foi suficiente por tersido somente um momento, foi questão de uma semana a duração doseminário. Creio que deveríamos ter trabalhado mais, um mês, ou até muitomais pela importância do tema. (PROFª. ROSA, ENTREVISTA, 2012)

Entretanto apesar de identificarmos que apenas a coordenadora relatou ter

tido acesso a um processo de formação sistemática sobre as questões raciais, as

demais professoras enfatizam que não tiveram acesso a essa discussão no período

da formação inicial e continuada, afirmando que as discussões, quando ocorreram,

ocorreram de modo isolado, com a realização de seminários de curta duração.

Identificamos nas falas descritas alguns elementos que necessitam de uma

maior análise. O primeiro elemento que destacaremos refere-se ao consenso

apresentado nas falas das entrevistadas sobre a relevância da formação inicial para

o trato com a questão racial no ambiente educacional. Isto reflete a importância

teórica que a questão racial exige para a atuação positiva do professor no trato com

a criança negra. A formação assume um papel determinante na reflexão e na

tomada de consciência por parte dos professores na valorização da diversidade

racial. Para Gomes e Silva (2011, p. 14),

Entre as perspectivas que se têm aberto para o estudo da formação deprofessores/as, vêm encontrando interesse crescente aquelas quefocalizam as histórias de vida, o desenvolvimento profissional, a formaçãode professores reflexivos e de novas mentalidades. Questões, até poucotempo, não levadas seriamente em conta, mas que as pesquisas e osdebates de caráter pedagógico relativos à construção das identidades,

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valores, ética, religião, relações de gênero, de raça, de trabalho têmmostrado serem relevantes dimensões na atuação profissional dos/asprofessores/as. É nesse ponto que a diversidade étnico-cultural começa aser reconhecida como uma questão (mais do que uma temática) queprecisa ser articulada à formação de professores/as e às práticaseducativas escolares e não escolares.

A formação do professor para o trato com esta diversidade constitui-se ainda

um dos desafios para o campo da educação, na construção de práticas pedagógicas

que promovam o respeito ao “outro” em suas particularidades e singularidades, que

estabeleça o confronto com base no diálogo e na negociação dos conhecimentos

socialmente construídos.

Destacamos o segundo elemento evidenciado nas falas das entrevistadas, o

qual aponta que a temática sobre as relações raciais esteve de certo modo ausente

nos currículos dos cursos de formação de professores, na medida que, quando

apresentada como discussão e reflexão, era de modo fragmentado, por meio de

seminários e debates que acabavam por diluir a questão racial no bojo de outras

temáticas tanto quanto importantes nos processos que envolvem a exclusão escolar

como a questão das necessidades especiais. Isto acaba por destituir a importância

da questão racial no processo de formação de professores, ocasionando a ausência

de uma ação formativa que garanta subsídios teóricos capazes de contribuir para a

intervenção na prática pedagógica dos professores para as questões raciais.

Coelho (2006), em estudo realizado em uma instituição de formação de

professores, adverte que a ausência da reflexão sobre as questões raciais nestes

cursos contribui para a reprodução da discriminação e do preconceito, por parte dos

futuros profissionais que atuarão como professores nas instituições escolares.

Assim, argumenta que

Como a quase totalidade das instituições de formação de professores temfeito, furtou-se a desenvolver nos seus alunos um novo habitus. Ele nãodesenvolveu neles uma prática profissional que viabilizasse o enfretamentoda questão racial e a sua abordagem como um problema do sistema deensino. Ao agir dessa forma, permitiu que as concepções incorporadas dosdiversos agentes sociais se manifestassem recorrentemente, por meio deações de discriminação e práticas de preconceito (COELHO, 2006, p. 231).

As professoras enfatizam em suas falas a ausência de uma abordagem

teórico-metodológica acerca das questões raciais no seu processo de formação. Tal

situação corrobora, então, para a reprodução de práticas sociais excludentes e

discriminatórias no interior dos sistemas de ensino, evidenciando, assim, uma prática

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pedagógica que concebe as diferenças culturais de modo essencializado, onde não

há diferenças entre as mesmas, prevalecendo uma postura harmoniosa. Isto

contribui para um enraizamento de práticas pedagógicas de exclusão e de

reprodução das desigualdades no ambiente escolar.

Temos, no entanto, que destacar a iniciativa por parte dos professores em

trabalhar com a temática da questão racial, pois, ainda que não haja um

aprofundamento das leis e diretrizes e muito menos uma formação inicial e

continuada que possibilite um aprofundamento do tema, os mesmos organizam,

planejam e executam ações que visam, minimamente, ao enfrentamento. Os

depoimentos das professoras abaixo relevam que há a necessidade da viabilização

de um processo de formação continuada, por parte da Secretaria Municipal de

Belém, que garanta a reflexão e a orientação para as questões raciais, conforme

previsto nas diretrizes curriculares para a educação das relações raciais.

Não me lembro da secretaria municipal ter enviado algo sobre estasDiretrizes, o que temos e sabemos foi a partir do que pesquisamos para aconstrução de nossos projetos, mas que tenha sido enviada para nossoconhecimento, ela não foi enviada, apesar disso temos ciência do que trataa lei. (COORDENADORA, ENTREVISTA, 2012)

Pelo que eu me lembre, não houve momento de discussão sobre essasDiretrizes. Nós só trabalhamos a questão racial no mês de novembro, ondetrabalhamos a consciência negra, é o único momento que eu estoulembrada. ((PROFª. ROSA, ENTREVISTA, 2012)

Essas diretrizes precisam ser introduzidas de uma forma mais direcionada,porque as crianças sofrem esse tipo de preconceito. Então, essas questõesprecisam ser trabalhadas não só na época da semana da consciêncianegra, mas introduzidas diariamente. (PROFª. MARGARIDA, ENTREVISTA,2012)

As professoras afirmam que percebem a discriminação racial no cotidiano

escolar, mas se ressentem de oportunidades institucionais de formação.

As professoras entrevistadas, de um modo geral, apresentaram um discurso

marcado pelo compromisso com o combate ao racismo e discriminação no espaço

escolar, entretanto, não conseguem extrapolar este discurso para a prática

pedagógica. Um dos entraves para a efetivação de uma prática pedagógica de

reconhecimento e intervenção, é apontado pelas professoras que requerem um

maior investimento por parte das secretarias de educação na formação continuada

em relação a temática da questão racial.

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As falas das professoras revelam a necessidade de um maior fomento no

processo de formação inicial e continuada sobre as questões raciais, suscitando,

portanto, uma mudança de postura diante da problemática da questão racial no

contexto escolar, tanto por parte das instituições superiores e das secretarias de

ensino quanto da postura do próprio professor, que deve assumir, em seu processo

de formação continuada, a necessidade de estudar, de refletir e de reconhecer que

sua mediação na relação com a criança negra é primordial para a promoção de uma

educação de respeito às diferenças.

Contata-se também, que no processo de formação de professores não é

suficiente a discussão das questões relativas a discriminação racial, exclusão social

e educacional se não forem acompanhadas de um suporte teórico crítico que as

levem a refletir e construir valores e crenças diferentes das presentes no seu meio

social e educacional. Neste sentido a que se construir um conjunto de práticas que

tragam o debate acerca do multiculturalismo e educação que permita seguir por

novos paradigmas que possibilitem a reflexão critica do contexto histórico, político e

cultural de formação da sociedade brasileira, em um movimento que problematize a

influência da sociedade neoliberal e capitalista para a difusão da miséria, exclusão,

discriminação e preconceito reproduzidos por instituições sociais, entre estas a

escola.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

No presente estudo, intitulado: “A criança negra: representações sociais de

professores de educação infantil”, o objetivo geral que orientou a pesquisa foi

conhecer as representações sociais dos professores de educação infantil em relação

à criança negra, a partir da prática pedagógica do professor, visando compreender

as interferências destas representações na socialização da criança no espaço

educacional.

Indicamos como objetivos específicos: a) Identificar as representações sociais

manifestadas nas práticas pedagógicas dos professores de educação infantil em

relação à criança negra e sua socialização no espaço escolar; b) Perceber como as

representações sociais em relação à criança negra e sua socialização ocorrem nas

interações entre professor e a criança e das crianças com seus pares no espaço

educacional de educação infantil; e c) Verificar se/ e como os professores de

educação infantil promovem a socialização da criança negra no espaço educacional,

possibilitando o respeito à diversidade racial e multi/intercultural.

Para tanto, realizamos cinco meses de observação, em uma unidade de

educação infantil do município de Belém em uma turma de crianças de quatro anos

com atendimento de quinze crianças, no ano de 2011, e prosseguimos

acompanhando a mesma turma no ano de 2012, com as crianças já em idade de

cinco anos, tendo o envolvimento de quatro professoras e a coordenadora da

unidade investigada. Além da pesquisa de campo, realizamos entrevistas

semiestruturadas com quatro professoras que atendiam as referidas turmas e uma

coordenadora, com o intuito de nos familiarizarmos com o fenômeno objeto de

estudo acerca das práticas pedagógicas das professoras em relação à criança

negra.

A relevância do estudo caracteriza-se pelo contexto histórico, político e social

em que as sociedades multiculturais assentam-se, ou seja, as lutas históricas

promovidas pelos grupos socialmente excluídos, dentre eles, o movimento negro em

busca de justiça por seus direitos e equidade social.

A escola tem um papel fundamental no reconhecimento e na valorização das

diferenças. As representações que têm orientado os currículos e as práticas

pedagógicas das escolas e dos professores tem como base uma concepção de

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conhecimento universal eurocêntrico e, portanto, com uma visão fragmentada e a-

histórica da formação da nação brasileira.

A relevância de tratarmos estas questões no ambiente escolar deve-se à

compreensão que temos da criança enquanto sujeito histórico e social, que produz e

é produtora de cultura e, como tal, em seu processo de socialização desde os

primeiros anos, apresenta manifestação de ações de preconceito e discriminação

com o “outro”, seja na família ou na escola. Isso nos remete à reflexão sobre a

importância do papel dos professores de educação infantil no estabelecimento de

práticas pedagógicas, na perspectiva da interculturalidade, que orientem para o

reconhecimento, a valorização e o diálogo crítico com a diversidade racial espaço

escolar.

Destacamos que as representações sociais das professoras pautam-se em

representações já familiarizadas e, portanto, cristalizadas em nossa sociedade,

baseadas no mito da democracia racial, que concebe a inexistência do racismo na

sociedade brasileira. É neste movimento de tensão e conflito com as representações

já consolidadas nos discursos sociais, portanto familiares, e com as novas

representações que vêm surgindo de diversas frentes, como as lutas dos

movimentos sociais, as mudanças na Constituição Federal, bem com as recentes

políticas educacionais, que apontam novas possibilidades no trato com as

diferenças, que as professoras vão paulatinamente (re)construindo suas

representações sobre o fenômeno estudado.

Neste sentido, buscamos investigar sobre os sentidos e significados que

orientaram a construção das representações dos professores de educação infantil

em relação à criança negra. A partir do corpus deste estudo elegemos cinco

categorias temáticas, a saber: (1) Representações dos professores sobre a criança

negra no espaço escolar; (2) Representações dos professores sobre a socialização

da criança negra na escola; (3) Ações de discriminação e preconceito racial na

prática pedagógica na escola; (4) A contribuição do professor, por meio da prática

pedagógica, para a superação dos preconceitos e discriminações raciais na escola;

(5) A formação dos professores e as relações raciais na escola.

A primeira categoria trata sobre as Representações dos Professores sobre a

criança negra no espaço escolar. Esta categoria revela que há especificidades no

modo em que as professoras se apropriam do tema investigado, bem com

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evidenciamos posicionamentos e discursos diferenciados sobre as representações

em relação à criança negra.

Identificamos que as representações dos professores em relação à criança

negra, encontram-se ancoradas em aspectos biológicos (tipo de cabelo); sociais

(pobreza) e estéticos (belo/feio). Isto se justifica pelo fato de tanto as professoras,

quanto as crianças da turma se referirem de modo negativo às características

estéticas do corpo e do cabelo da criança negra.

O cabelo da criança negra é considerado esteticamente como feio e sujo,

ocasionando o isolamento e rejeição desta criança por parte das demais crianças da

turma na unidade investigada. Verificamos que as professoras não realizam uma

mediação efetiva de combate aos conflitos entre as crianças, tanto os verbais,

quanto os não verbais. Ao contrário, as professoras reforçam em suas práticas

pedagógicas a desvalorização do cabelo negro, no momento em que enfatizam o

quanto é trabalhoso o cuidado com o cabelo da criança negra. Essa desvalorização

acaba por legitimar um padrão de beleza do homem branco, inferiorizando no

interior da escola a cultura negra, que tem no cabelo a expressão de sua beleza.

Esse padrão de beleza é manifestado também nas literaturas infanto-juvenis,

que legitimam a branquidade como algo natural nos contos infantis. Isto, de certo

modo, é reproduzido nas ações e escolhas realizadas pelas professoras ao se

reportarem às características estéticas dos personagens, considerando os padrões

de beleza legitimados em nossa sociedade.

Inferimos que as representações das professoras em relação a criança negra,

ancoradas no aspecto social, partem da crença da criança negra como um ser sem

oportunidades, carente e excluída de nossa sociedade. No entanto, essas

desigualdades sociais são silenciadas no cotidiano da unidade investigada, pois as

professoras consideram que “todos são iguais” e, portanto, possuem as mesmas

condições de sucesso escolar.

Consideramos que a escola e seus agentes sociais ao naturalizarem as

questões das diferenças, contribuem para a manutenção e reprodução de processos

de exclusão e discriminação em relação ao acesso e permanência com sucesso da

criança negra no espaço escolar.

Na segunda categoria, que trata das Representações dos professores sobre

a socialização da criança negra na escola, verificamos que as representações

expressas pelas professoras e pela coordenadora, tanto nas entrevistas, quanto na

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observação, revelaram que as mesmas consideram que o processo de socialização

da criança negra ocorre de modo natural, pois, segundo as professoras, as crianças

são consideradas “todas iguais” e, portanto, não existem diferenças na socialização

da criança negra em relação à criança branca. Entretanto, observamos que em

vários momentos, a criança negra é excluída das brincadeiras e interações pelas

outras crianças e, que as próprias professoras acabam excluindo à criança negra

“naturalmente” de suas atividades.

Constatamos que a criança negra na unidade investigada não é socializada

de modo positivo, uma vez que há a evidência de conflitos que a excluem da

participação e interação com seu grupo sem, no entanto, haver uma devida

intervenção pelas professoras.

Na terceira categoria, que trata das Ações de discriminação e preconceito

racial na prática pedagógica na escola, apontamos como essas ações ocorrem na

prática pedagógica do professor em relação à criança negra. Observamos, então,

que para a Coordenadora as diferenças são consideradas como algo “natural” e que

as crianças são acolhidas na unidade independente de sua cor. Porém, as

professoras Rosa e Margarida afirmam, nos relatos realizados, que há sim a

manifestação de ações de preconceito e discriminação entre as crianças no

cotidiano da unidade, uma vez que há ofensas referentes ao tipo de cabelo, bem

como certa rejeição no simples toque de mãos em relação à criança negra. No

entanto, a uma unanimidade entre as professoras e a coordenadora no sentido de

reconhecerem que as crianças desde a educação infantil manifestam ações de

preconceito e discriminação em relação à criança negra. Inferimos que as

professoras e a coordenadora necessitam problematizar e, sobretudo, reconhecer

de fato a ocorrência de ações de preconceito e discriminação no espaço escolar

para que as mesmas possam mediar os conflitos e intervir de modo crítico e reflexivo

em suas práticas pedagógicas no cotidiano da unidade investigada.

Na quarta categoria, que trata da Contribuição do professor para a superação

dos preconceitos e discriminações raciais por meio da prática pedagógica,

destacamos que as professoras ao perceberem os conflitos envolvendo a questão

racial na educação infantil, tentam elaborar, a partir do seu projeto político

pedagógico e dos planos de ensino, intervenções que visam a superação de práticas

de racismo e preconceito em relação à criança negra. Contudo, o que podemos

observar na unidade investigada é que apesar da iniciativa dos professores em

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elegerem a questão racial como pauta de interesse e intervenção no processo de

socialização da criança negra, verificamos que estas propostas necessitam ser mais

bem estruturadas, considerando os marcos legais que orientam as práticas

pedagógicas no trato com as questões raciais, pois ao desconsiderarem os

dispositivos legais em seus projetos políticos-pedagógicos, em seus currículos e

planos de ensino, isto contribui para a realização de uma prática pedagógica

reprodutora das desigualdades no cotidiano escolar.

Na quinta categoria, sobre A formação dos professores e as relações raciais

na escola, evidenciamos que na formação inicial das professoras participantes deste

estudo, as questões raciais foram silenciadas nos currículos dos sistemas de ensino

superiores, com exceção da Coordenadora que afirmou que a questão racial foi

abordada em sua formação inicial, atribuindo isto ao fato de ter realizado sua

graduação em uma instituição religiosa. As demais professoras relataram que a

abordagem das questões raciais, quando discutidas nos cursos de formação inicial,

ocorreu de forma restrita, geralmente abordada em seminários que ocorriam durante

uma semana, sendo necessário, segundo as professoras, um aprofundamento desta

temática, tanto pelas instituições superiores quanto pelas secretarias de educação,

visando um maior enfrentamento desta questão no espaço escolar.

As representações sociais dos professores em relação à criança negra e sua

socialização no espaço escolar estão ancoradas em três aspectos, a saber:

aspectos biológicos (tipo de cabelo); aspectos sociais (pobreza) e no aspecto

estético (belo/feio). Com isto, inferimos que estas representações têm como suporte

o proposto pelo mito da democracia racial, que naturaliza as diferenças, negando

deste modo a cultura, a arte e, sobretudo, a identidade negra.

A criança negra no espaço escolar da unidade investigada tem sua identidade

negada, principalmente no tocante aos aspectos estéticos de seu cabelo, que é

inferiorizado e tido como sujo e feio. Não obstante, para os sujeitos investigados, as

representações são objetivadas por uma imagem da criança negra no cenário

brasileiro relacionada a uma criança desprovida de saúde, moradia, educação e,

portanto, carente e em estado de extrema pobreza. Estas constatações pelas

professoras não são mantidas quando perguntamos sobre a existência de

preconceito e discriminação no espaço escolar, pois as docentes, apesar de

afirmarem a ocorrências destes tipos de conflitos nas relações entre as crianças,

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consideram que os mesmos se dão de modo “isolados”, tão pouco realizando uma

intervenção crítica e transformadora no trato com as diferenças.

O não reconhecimento das diferenças no espaço escolar, bem como a

ausência de uma mediação efetiva por parte das professoras no trato com as

questões raciais, contribui para que a criança negra não seja aceita, reconhecida,

respeitada tanto pelos professores quanto por seus pares, influenciando para um

difícil processo de socialização, no qual a criança se sente inferiorizada construindo

uma identidade negativa de si diante do outro que a exclui.

Os desafios evidenciados no presente estudo pressupõem um repensar

acerca das ideias, opiniões, atitudes e representações sobre a criança negra e sua

socialização no espaço da educação infantil na unidade investigada. Para tanto, um

dos desafios que se faz necessário é a tomada de consciência de que as diferenças

são produzidas nos processos de interação entre o professor e a criança e da

criança com seus pares e, portanto, não podem ser negadas.

Outro desafio parte desta tomada de consciência para uma mudança de

postura no trato com as diferenças, buscando um permanente diálogo entre o

coletivo de professores para que as propostas pedagógicas sejam de fato efetivas,

não de modo isolado e fragmentado, mas que seja viabilizada uma ação pedagógica

que subverta todas as formas de discriminação e preconceito no espaço escolar,

contribuindo para a transformação e inclusão das diferenças na escola.

Contudo, para que ocorram mudanças nas posturas das professoras, a que

se transpor outro desafio ainda maior, aquele que de fato encontra-se na base

estruturante da problemática das questões raciais apresentadas em pesquisas

anteriores e reafirmadas no presente estudo, a saber: o processo formativo do

professor. Este desafio é apontado pelas próprias professoras, que sentem a

necessidade de um processo formativo contínuo no trato com as questões raciais.

As lacunas no processo de formação do professor, seja na formação inicial, seja na

formação continuada, corroboram para a reprodução de práticas excludentes no

interior das escolas.

Concluímos reiterando que a escola e, mais precisamente, as instituições de

educação infantil, tem um papel importantíssimo no trato com as diferenças,

considerando que as crianças são sujeitos de direitos e como tal participam do

processo de construção de conhecimento no espaço educacional. As instituições

superiores e as secretarias de educação devem garantir um processo de formação

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inicial e continuada para que o professor seja agente ativo na mediação e

intervenção no trato às diferenças, garantindo que este espaço/tempo vivenciado

pelas crianças brancas e pelas crianças negras na educação infantil, seja constituído

pelo diálogo, negociação, reconhecimento e respeito à diversidade racial na escola,

a partir de uma prática pedagógica transformadora, inclusiva e libertadora

contribuindo, deste modo, para a efetivação de uma sociedade intercultural.

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APÊNDICES

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PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO-MESTRADO

APÊNDICE A – INSTRUMENTAL DE ROTEIRO DE OBSERVAÇÃO

Aspectos que orientaram o registro das observações

a organização da prática pedagógica do professor no trato com a questão

racial;

as intervenções estabelecidas entre o educador e a criança no trato com as

questões que envolvem a manifestação de atitudes de preconceito e de

discriminação racial;

o modo em que ocorrem a socialização da criança negra nas atividades

desenvolvidas nas turmas de educação infantil.

DATA DA OBSERVAÇÃO: ___________TURMA/TURNO: ___________________PROFESSORA:____________________ASPECTOS OBSERVADOS:

____________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

CONSIDERAÇÕES DA PESQUISADORA:

____________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

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PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO-MESTRADO

APÊNDICE B – INSTRUMENTAL DAS ENTREVISTAS SEMI-ESTRUTURADAS

I – IDENTIFICAÇÃO

1.1 NOME:____________________________________________________

1.2 FAIXA ETÁRIA

( ) até 20 anos

( ) entre 21 e 25 anos

( ) entre 26 e 30 anos

( ) entre 31 e 35 anos

( ) entre 36 e 40 anos

( ) entre 41 e 45 anos

( ) entre 46 e 50 anos

( ) entre 51 e 55 anos

( ) acima de 56 anos

1.3 SEXO: ( ) Masculino ( ) Feminino

1.4 COR/RAÇA:

( ) Branco

( ) Preto

( ) Pardo

( ) Amarelo

( ) Indígena

( ) Outros. Qual? ____________

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1.5 FORMAÇÃO ACADÊMICA

( ) Ensino Médio/ Sem Magistério

( ) Ensino Médio/ Com Magistério

( ) Graduação Cursando? Qual: _____________ Início em: _______.

( ) Graduação Concluída? Qual: _____________ Término em: ______.

( ) Especialização Cursando? Qual: _____________ Início em: ______.

( ) Especialização Concluída? Qual: _____________ Término em: _____.

( ) Pós-Graduação (Mestrado/Doutorado) Cursando? Qual: ___ Início em: ___.

( ) Pós-Graduação (Mestrado/Doutorado) Concluída? Qual: __Término em: __.

1.6 ATUAÇÃO PROFISSIONAL

1.6.1 EXPERIÊNCIA NA EDUCAÇÃO INFANTIL

( ) até de 2 anos

( ) entre 3 a 5 anos

( ) entre 6 a 8 anos

( ) entre 8 a 10 anos

( ) entre 11 a 15 anos

( ) entre 16 a 20 anos

( ) entre 21 a 25 anos

( ) acima de 25 anos

1.6.2 OUTRAS EXPERIÊNCIAS

( ) Ensino Fundamental. Quanto tempo? ______________.

( ) Educação de Jovens e Adultos. Quanto tempo? _____________.

( ) Ensino Superior. Quanto tempo? _____________.

1.7 ATUALMENTE TRABALHA

( ) apenas na educação infantil

( ) na educação infantil e no ensino fundamental

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( ) na educação infantil e na educação de jovens e adultos

( ) na educação infantil e no ensino superior

( ) Outros. Quais: _______________________________.

1.8 TURNO (S) DE TRABALHO

( ) apenas pela manhã

( ) apenas pela tarde

( ) apenas pela noite

( ) manhã e tarde

( ) tarde e noite

( ) manhã e noite

( ) Outros. Quais? ______________________________.

1.9 CARGA-HORÁRIA DIÁRIA DE TRABALHO

( ) até 4 horas

( ) entre 4 e 6 horas

( ) entre 6 e 8 horas

( ) acima de 8 horas

1.10 RENDA MENSAL

( ) menor que um salário mínimo

( ) um salário mínimo

( ) dois salários mínimos

( ) três salários mínimos

( ) acima de quatro salários mínimosII

- TRAJETÓRIA ACADÊMICA/ PROFISSIONAL E A QUESTÃO RACIAL NAEDUCAÇÃO INFANTIL

2.1 - Na sua formação acadêmica como foi abordada a questão das relaçõesraciais?

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2.2 - Você considera importante introduzir a temática da questão das relações

raciais desde a educação infantil?

2.3 - De que maneira, a unidade de educação infantil aborda a questão das relações

raciais em seu projeto político pedagógico?

2.4 – Como as questões raciais são discutidas/ trabalhadas nas turmas de educação

infantil?

2.5 - Você já vivenciou situações de discriminação entre as crianças nas atividades

desenvolvidas no cotidiano da unidade (acolhida, momento pedagógico, momento

de lazer, hora do banho, refeições, momento do descanso, etc.)?

2.6 - Como você media as relações com as crianças envolvendo a manifestação de

discriminação racial?

2.7 - Você acredita que a intervenção do professor a partir das propostas

pedagógicas desenvolvidas com as crianças no trato com as questões raciais pode

contribuir para a manifestação de atitudes positivas nas relações sociais entre as

crianças?

2.8 - As crianças na rotina da UEI costumam se referir de forma depreciativa entre

si?

2.9 - E em relação à criança negra, há alguma atitude de preconceito pelos seus

pares?

2.10 - Tem conhecimento do que as Diretrizes da Educação Infantil propõe para o

trato com a questão da diversidade étnico-racial a serem implementadas pelas

instituições de educação infantil em suas propostas pedagógicas?

2.11 – Em relação às Diretrizes Curriculares para as Relações Ético-Raciais, em

algum momento você teve conhecimento por meio de sua unidade ou pela

Secretaria Municipal de Educação sobre o que esta propõe para a educação infantil?

2.12. Como ocorre a socialização/ inclusão da criança negra nas atividades

pedagógicas e na interação com seus pares na unidade de educação infantil em que

você trabalha?

2.13 – Como você vê hoje a criança negra na sociedade brasileira?

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PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO-MESTRADO

APÊNDICE C: TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE EESCLARECIDO

Vimos, por meio deste termo, convidá-lo (a) a participar da pesquisa de dissertação

de mestrado, intitulada: “A Criança negra: as representações sociais deprofessores de educação infantil”, vinculada ao Programa de Pós-Graduação da

Universidade Estadual do Pará, na linha de pesquisa Formação de Professores, sob

a responsabilidade da pesquisadora Regiane de Assunção Costa, orientada pela

Profª Drª Tânia Regina Lobato dos Santos. A pesquisa tem por objetivo geral

investigar a percepção dos educadores acerca das relações étnico-raciais em

uma unidade de educação infantil da Rede Municipal de Ensino de Belém.

Os participantes da pesquisa, serão quatro professores de educação infantil e a

coordenadora da Unidade de Educação Infantil- UEI, da Rede Municipal de Ensino

de Belém. Sendo assim, a sua participação se dará pela concessão de entrevista ao

pesquisador a fim de que se obtenham informações sobre o objeto de estudo. Para

tanto, no momento da entrevista, que temos previsão de duração de 1 hora,

utilizaremos um gravador e câmera digital.

As informações obtidas através dessa pesquisa serão confidenciais e asseguramos

o sigilo sobre sua participação. Os dados não serão divulgados de forma a

possibilitar a sua identificação. Esclarecemos ainda que estas informações serão

veiculadas apenas no meio científico. A participação também não traz riscos aos

participantes.

Ao participar desta pesquisa você não deverá ter nenhum benefício direto,

compensações pessoais ou financeiras relacionadas à autorização concedida.

Entretanto, nós esperamos que esta pesquisa nos dê informações importantes sobre

a percepção dos professores sobre as relações étnico-raciais na educação infantil,

as quais poderão subsidiar reflexões aos profissionais que trabalham na educação.

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Bem como contribuir para o redimensionamento das propostas pedagógicas

implementadas nas instituições de educação infantil do município de Belém.

Os professores participantes não terão nenhum tipo de despesa por participar desta

pesquisa. E nada será pago por sua participação.

Tendo em vista os itens acima apresentados, eu, de forma livre e esclarecida,

manifesto meu interesse e autorizo a minha participação neste estudo.

__________________________________________REGIANE DE ASSUNÇÃO COSTA(Pesquisadora responsável)Res. Natália Lins, Bl D, aptº 104, Mangueirão2323-1029 / 96034994

CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDODeclaro que li as informações acima sobre a pesquisa e que me sinto perfeitamenteesclarecida sobre o conteúdo da mesma, assim como seus riscos e benefícios.Declaro ainda que, por minha livre vontade, autorizo o uso das informações,manifestando o meu consentimento em participar da pesquisa.

_______________________ ______________________Participante da Pesquisa Local e Data

________________________ ______________________Assinatura da Pesquisadora Local e Data

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