Regina Célia Alves Barreira · Barreira, Regina Célia Alves. The professional life project...

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP Regina Célia Alves Barreira O PROJETO DE VIDA PROFISSIONAL DESENVOLVIDO NA TRAJETÓRIA EDUCACIONAL E OCUPACIONAL DA CLIENTELA DO ENSINO TÉCNICO DOUTORADO EM EDUCAÇÃO: PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO SÃO PAULO 2013

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  • PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

    PUC-SP

    Regina Célia Alves Barreira

    O PROJETO DE VIDA PROFISSIONAL DESENVOLVIDO

    NA TRAJETÓRIA EDUCACIONAL E OCUPACIONAL DA

    CLIENTELA DO ENSINO TÉCNICO

    DOUTORADO EM EDUCAÇÃO: PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO

    SÃO PAULO

    2013

  • Regina Célia Alves Barreira

    O PROJETO DE VIDA PROFISSIONAL DESENVOLVIDO

    NA TRAJETÓRIA EDUCACIONAL E OCUPACIONAL DA

    CLIENTELA DO ENSINO TÉCNICO

    Tese submetida à banca examinadora

    como exigência parcial para obtenção

    do título de doutor em Educação:

    Psicologia da Educação pela Pontifícia

    Universidade Católica de São Paulo,

    sob orientação do Prof. Dr. Sérgio

    Vasconcelos de Luna.

    Programa de Estudos Pós-Graduados em Educação: Psicologia da Educação

    PUC-SP

    2013

  • Banca Examinadora

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  • AGRADECIMENTOS

    Às Profas. Dras. Helena Gemignani Peterossi , Alice Itani, Maria do Carmo

    Guedes e Mitsuko Aparecida Makino Antunes, por aceitarem o convite para

    comporem a banca e pelas contribuições para o projeto.

    Ao meu orientador Prof. Dr. Sérgio Vasconcelos de Luna por, mais uma vez,

    orientar meu trabalho de forma impecável e pelas infinitas compreensão, paciência

    e dedicação.

    À minha família e aos meus amigos pelo apoio, afeto e acolhimento.

  • RESUMO

    Barreira, Regina Célia Alves. O projeto de vida profissional desenvolvido na trajetória educacional e ocupacional da clientela do ensino técnico.

    O objetivo do presente trabalho é identificar, descrever e analisar a trajetória ocupacional e educacional de egressos do ensino técnico de nível médio, por meio da análise das prováveis contingências estabelecidas e dos comportamentos da classe de comportamentos “Projetar a Vida Profissional” emitidos no decorrer da trajetória de egressos. Para tal, as trajetórias conhecidas de egressos do ensino técnico foram relatadas. Foram selecionados 14 dos egressos que tiveram sua história relatada para a inserção de dados sobre as trajetórias em um banco de dados. Dos 14 egressos, foram selecionados 3 egressos oriundos do ensino técnico em instituições particulares para entrevista. A análise dos dados inseridos no banco de dados confrontados com a bibliografia da área revelou questões como as expectativas em relação ao curso técnico, a continuidade dos estudos, a evasão profissional, a influência da família e das atividades econômicas locais, as conquistas possibilitadas pelo curso técnico e o amadurecimento profissional. A análise do repertório de comportamentos da classe de comportamentos “Projetar a Vida Profissional” mostra que os projetos profissionais dos egressos das instituições privadas está mais pautado na necessidade de trabalho que de profissionalização e que estes carecem de um repertório de escolher profissões e decidir-se profissionalmente devido à escassez de opções e informações. Estes resultados sobre os egressos do ensino técnico em instituições privadas são a principal diferença entre seus projetos profissionais e aqueles dos que cursaram este nível de ensino em instituições públicas ou privadas gratuitas. A análise do desenvolvimento do repertório com base em um sistema comportamental da classe de comportamentos “Projetar a Vida da Profissional” se mostra útil para a compreensão de como os comportamentos pertencentes a esta se instalam, assim como para o aprimoramento do próprio sistema e para o desenvolvimento de intervenções em Orientação Profissional direcionadas a grupos específicos.

    Palavras-chave: Trajetórias educacionais e ocupacionais, ensino técnico, projeto profissional, Análise do Comportamento

  • ABSTRACT

    Barreira, Regina Célia Alves. The professional life project developed in the educational and occupational trajectory of technical education clienteles.

    the aim of this work is to identify, describe and analyze the trajectory of occupational and educational graduates from secondary technical school, by analyzing the likely contingencies established and behavior of the class of behaviors "Designing a Professional Life" issued during the graduates’ path. For this, the known trajectories of graduates of technical education were reported. We selected 14 of the graduates who had their story told and collected their data to a database. Of the 14 graduates, three were selected from technical education in private institutions for the interview. The analysis of the data entered in the database confronted with the literature of the area revealed issues such as expectations for the technical course, continuing studies, avoidance training, the influence of family and local economic activities, achievements made possible by the technical course and professional maturity. The behavioral analysis of the repertoire of the class of behaviors "Designing a Professional Life" shows that the professional projects of the graduates of private institutions are more guided by the need for jobs over the professionalization and they lack a repertoire of professions to choose and decide from professionally due to absence of options and information. These results on the graduates of technical education from private institutions are the main difference between their professional projects and those who attended this level of education in public or free private institutions. The analysis of the development of the repertoire based on a behavioral system of class behavior "Designing a Professional Life" proves to be useful for understanding how behaviors belonging to these are set, as well as for the improvement of the system itself and the development of interventions in vocational guidance targeted to specific groups.

    Keywords: Educational and occupational trajectories, Technical education, Professional life, Behavior Analysis

  • SUMÁRIO

    ORIGEM DO PROBLEMA............................................................................ 01

    APRESENTAÇÃO DO PROBLEMA............................................................. 07

    1. DETERMINANTES HISTÓRICOS DAS TRAJETÓRIAS EDUCACIO-NAIS E PROFISSIONAIS DA CLIENTELA DO ENSINO TÉCNICO............ 17

    1.1. Ensino Médio, Formação Profissional e Ensino Técnico no Brasil.................................................................................................. 17

    2. ESCOLHA PROFISSIONAL, ORIENTAÇÃO PROFISSIONAL E O COMPORTAMENTO DE PROJETAR A VIDA PROFISSIONAL................. 25

    2.1. A escolha profissional na história................................................ 25 2.2. Concepções sobre a escolha profissional................................... 27 2.3. A Análise do Comportamento como orientadora do conhecimento sobre trajetórias ocupacionais e educacionais e projetos de vida profissional da clientela do ensino técnico.............. 33

    2.3.1. O objeto de estudo da Psicologia na proposta de Skinner e seu modelo de seleção por consequências.............. 33 2.3.2. O homem e a sociedade na proposta de Skinner........... 37

    3. EXPERIÊNCIAS DA CLIENTELA DO ENSINO PROFISSIONALIZANTE DE NÍVEL MÉDIO................................................ 48 4. CONSIDERAÇÕES METODOLÓGICAS................................................. 71

    4.1. Relato verbal e sua utilização para acesso a eventos privados relacionados à trajetória educacional e ocupacional da clientela do ensino técnico.................................................................................... 72 4.2. A classe de comportamentos “Projetar a Vida Profissional”....... 75 4.3. A História Oral de Vida................................................................ 79

    5. MÉTODO.................................................................................................. 81 5.1. Experiência pessoal.................................................................... 81 5.2. Colaboradores............................................................................. 81 5.3. Procedimentos de coleta de dados............................................. 86 5.4. Procedimentos de análise das entrevistas.................................. 88 5.5. Instrumento................................................................................. 88

    6. RESULTADOS E DISCUSSÃO................................................................ 103 6.1. Análise das trajetórias lançadas no banco de dados.................. 103

    6.1.1. Expectativas e motivações em relação ao curso técnico 105 6.1.2. Continuidade dos estudos e evasão em curso superior. 113 6.1.3. Diferenças entre períodos de realização do curso.......... 120 6.1.4. Percurso profissional e abandono da área de formação técnica....................................................................................... 121

  • 6.1.5. Realizações com o curso técnico.................................... 131 6.1.6. Habilitação para o trabalho............................................. 133 6.1.7. Escolha do curso técnico................................................ 135 6.1.8. A influência familiar......................................................... 139 6.1.9. As atividades econômicas locais..................................... 141 6.1.10. Amadurecimento profissional........................................ 144 6.1.11. Origem........................................................................... 145

    6.2. Rede 1 – Ivan.............................................................................. 150 6.2.1. O repertório de “Caracterizar variáveis relacionadas a projetar a vida profissional” de Ivan.......................................... 154 6.2.2. O repertório de “Planejar a vida profissional” de Ivan..... 158 6.2.3. O repertório de “Desenvolver projeto de vida profissional” de Ivan.................................................................. 159 6.2.4. O repertório de “Avaliar projeto de vida profissional” de Ivan............................................................................................ 160 6.2.5. O repertório de “Aperfeiçoar projeto de vida profissional” de Ivan.................................................................. 161

    6.3. Rede 2 – Kleber.......................................................................... 163 6.3.1. O repertório de “Caracterizar variáveis relacionadas a projetar a vida profissional” de Kleber....................................... 171 6.3.2. O repertório de “Planejar a vida profissional” de Kleber. 179 6.3.3. O repertório de “Desenvolver projeto de vida profissional” de Kleber............................................................... 181 6.3.4. O repertório de “Avaliar projeto de vida profissional” de Kleber........................................................................................ 182 6.3.5. O repertório de “Aperfeiçoar projeto de vida profissional” de Kleber............................................................... 185

    6.4. Rede 3 – Ulisses......................................................................... 187 6.4.1. O repertório de “Caracterizar variáveis relacionadas a projetar a vida profissional” de Ulisses...................................... 196 6.4.2. O repertório de “Planejar a vida profissional” de Ulisses 201 6.4.3. O repertório de “Desenvolver projeto de vida profissional” de Ulisses............................................................. 201 6.4.4. O repertório de “Avaliar projeto de vida profissional” de Ulisses....................................................................................... 202 6.4.5. O repertório de “Aperfeiçoar projeto de vida profissional” de Ulisses............................................................. 204

    7. CONCLUSÕES SOBRE AS TRAJETÓRIAS OCUPACIONAIS E EDUCACIONAIS E PROJETOS PROFISSIONAIS DOS EGRESSOS DO ENSINO TÉCNICO....................................................................................... 207 CONSIDERAÇÕES FINAIS.......................................................................... 212 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS............................................................. 215 FONTES CONSULTADAS 223

  • A ORIGEM DO PROBLEMA

    O problema tratado no presente trabalho tem correspondência com as minhas

    próprias inquietações pessoais e profissionais a respeito do papel do ensino

    técnico para a sociedade e, principalmente, para aqueles que o frequentam ou

    pretendem frequentá-lo, visto que sou egressa do ensino técnico de nível médio,

    além de filha, irmã e sobrinha de outros egressos desta modalidade de ensino.

    Objetos de maior inquietação durante todos estes anos que tenho convivido com

    egressos do ensino técnico e por minha própria experiência, são os diferentes

    rumos tomados por estes egressos em relação às suas ocupações e aos cursos

    frequentados por estes. Essa diversidade entre os rumos tomados por diferentes

    egressos tem me levado a questionar até que ponto as trajetórias ocupacionais e

    educacionais de egressos do ensino profissionalizante de nível médio e os

    projetos de vida profissional construídos no decorrer destas têm propiciado à sua

    clientela uma trajetória educacional e ocupacional que contemple os objetivos de

    tal modalidade de ensino e atendido às necessidades deste público.

    Observa-se uma grande diversidade nas trajetórias dos egressos conhecidos. Tal

    diversidade torna-se mais evidente partindo da compreensão das trajetórias

    ocupacionais e educacionais, como todo o conjunto de contingências relacionadas

    às atividades de trabalho e à educação formais ou informais às quais o indivíduo

    foi exposto no decorrer da sua vida que, relacionadas sucessivamente umas com

    as outras, culminaram em seu estado atual.

    Tomando o projeto de vida profissional como um conjunto de comportamentos

    adquiridos pela experiência das contingências vividas e que permitem a projeção

    de um futuro profissional, nota-se que os egressos conhecidos apresentam

    objetivos e expectativas que não necessariamente correspondem às

    consequências do curso técnico.

  • 2

    Ainda, considerando as necessidades do público-alvo do ensino médio, ou seja,

    de sua clientela, composta por, todos os indivíduos para os quais o ensino técnico

    de nível médio é ofertado, podendo ou não ter frequentado um curso desta

    modalidade de ensino, a diversidade de trajetórias e projetos será ainda maior do

    que aquela apresentada por egressos. Dentre os possíveis membros da clientela

    que não frequentaram o curso técnico estão compreendidos candidatos à prova de

    ingresso em instituições que oferecem cursos desta modalidade que não foram

    aprovados para a vaga e até mesmo aqueles que poderiam ter seus objetivos

    atendidos pelo curso técnico mas que não detinham conhecimento a respeito dele.

    Porém, as questões relacionadas às histórias dos egressos do ensino técnico com

    quem convivo ou convivi, e que também se revelam em minha própria trajetória,

    somadas às discussões acadêmicas das quais tenho participado e às leituras a

    respeito do ensino técnico e das trajetórias de seus alunos e egressos mudaram a

    minha percepção do que é o ensino técnico de nível médio e de quais questões

    ainda necessitam de investigação nesta área. Por este motivo, minha concepção

    de ensino técnico a partir da minha própria experiência, confrontada com as

    concepções mais difundidas, passou a substituir as descrições de trajetórias

    conhecidas e as questões suscitadas por estas enquanto origem do problema,

    visto que tais trajetórias e questões encontram algum suporte na bibliografia da

    área e necessitam ser discutidas em confronto com esta bibliografia.

    Uma possibilidade de conceber o ensino técnico de nível médio é defini-lo por

    seus objetivos. Entretanto, estes têm mudado no decorrer de sua história em

    função das relações políticas do país, de suas condições econômicas e das

    necessidades sociais. Tomando a descrição de ensino técnico divulgada

    atualmente pelo Ministério da Educação nas “Perguntas Frequentes”, do Catálogo

    Nacional de Cursos Técnicos de Nível Médio (2012b), o propósito dos

    ingressantes na modalidade de ensino é o acesso imediato ao mercado de

    trabalho, ou a requalificação e a reinserção no setor produtivo, o que não

    necessariamente corresponde aos propósitos dos ingressantes e, quando

    corresponde, não necessariamente é alcançado, o que é evidenciado pelas

  • 3

    trajetórias educacionais e ocupacionais de egressos do ensino técnico com os

    quais tive contato, dos quais muitos nunca exerceram atividades relacionadas à

    formação técnica, ou logo as abandonaram, e buscaram novas formações e

    ocupações divergentes daquela cursada no ensino técnico.

    Diante desta experiência, me questiono até que ponto os propósitos dos

    ingressantes no ensino técnico são atendidos ou frustrados e até mesmo se os

    propósitos dos ingressantes correspondem àqueles descritos na definição de

    ensino técnico divulgada pelo próprio órgão governamental que o regulamenta.

    Tal realidade também contraria o que os governantes e a mídia pregam a respeito

    do ensino técnico, tido por estes como solução para atender a uma grande

    demanda por mão de obra qualificada e, consequentemente, como forma de

    geração de emprego. Como exemplo dessa contradição, o ensino técnico aparece

    como solução para o desemprego em propostas de candidatos nas eleições1 e no

    telejornal diário de grandes emissoras de televisão2.

    Este discurso recorrente da geração de emprego por meio do ensino técnico,

    muitas vezes, é amparado por pesquisas que revelam apenas um recorte das

    trajetórias dos egressos desta modalidade de ensino que podem mostrar um

    índice de empregabilidade enviesado. Por exemplo, algumas escolas técnicas e

    até redes de ensino realizam pesquisas com seus egressos recém-formados, que

    trazem perguntas objetivas sobre a inserção no mercado de trabalho após o

    término do curso e que não consideram a afinidade do trabalho realizado com a

    formação oferecida pelo ensino técnico. Tais pesquisas não são capazes de

    1 Nas últimas eleições para prefeito no Brasil, tais propostas ocorreram nos planos de governo de diversos candidatos, como tem sido regra nos últimos anos. No debate entre candidatos à Prefeitura da Cidade de São Paulo, a proposta para a área do trabalho e emprego apresentada pelo candidato José Serra, é exemplo de como o ensino técnico tem sido tomado como solução para o desemprego pelos governantes. 2 O Jornal Hoje da Rede Globo de Televisão frequentemente tem um quadro sobre mercado de trabalho que aborda a temática com o viés mencionado. Pode-se considerar o programa exibido no dia 6 de abril de 2009 como exemplo.

  • 4

    mostrar com clareza como o curso influencia a trajetória ocupacional do aluno

    podendo levar a conclusões que não condizem com a realidade.

    As características do ensino técnico de nível médio permitem uma grande

    variedade nas trajetórias daqueles que o frequentam, visto que existe a

    possibilidade de um ingresso desde a conclusão do ensino fundamental e a

    possibilidade de cursá-lo tanto concomitantemente ao ensino médio quanto

    posteriormente à sua conclusão. Nas trajetórias que acompanhei, isso implica

    desde uma decisão bastante precoce por uma profissionalização até uma escolha

    após várias experiências ocupacionais.

    Quanto à grande variedade de trajetórias, em relação ao ensino superior, pude

    testemunhar ao conhecer pessoas que buscaram cursos superiores em áreas

    afins ou diferentes daquela em que cursaram o ensino técnico, além daqueles que

    cursaram o técnico após a conclusão ou abandono do curso superior, sendo que,

    entre os últimos, ainda houve aqueles que retomaram e concluíram o curso

    superior abandonado ou outro curso superior.

    Cursar o ensino técnico de nível médio, em relação à frequência a outro curso de

    educação profissional básica, também tende a ser uma experiência de impacto

    relevante. Primeiro, porque o curso técnico tem carga horária mínima de 800

    horas (Brasil, 2005), o que implica permanecer neste por um período

    relativamente longo e com frequência significativa, na maior parte das vezes por

    vários dias da semana durante pelo menos um ano, resultando em um contato

    prolongado com colegas e docentes, com a instituição e com o conteúdo.

    Segundo, porque o curso técnico exige toda a formação da educação básica e

    busca se relacionar com a mesma, permitindo aprofundamento em fundamentos

    científicos e tecnológicos. Coerentemente com estas características do ensino

    técnico de nível médio, os egressos com os quais tive contato atribuem a este

    curso grande importância para o desenvolvimento profissional e pessoal.

  • 5

    Mesmo não compartilhando dos mesmos objetivos estabelecidos para a educação

    básica na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), o ensino técnico

    de nível médio é capaz de desenvolver o educando nestes mesmos sentidos.

    Sendo assim, a preparação para a cidadania e o aprimoramento do educando

    como pessoa humana, que constam como objetivos do ensino médio enquanto

    etapa final da educação básica (Brasil, 1996), também podem ser obtidos por

    meio do curso técnico, além do desenvolvimento exclusivo das aptidões para a

    vida produtiva previstos como objetivos para a educação profissional em tal

    legislação.

    Apesar de os objetivos da educação básica e da educação profissional não serem

    compartilhados na LDB, esta lei considera que é na integração das duas que a

    educação profissional atinge os seus objetivos. Além da integração com as outras

    formas de educação, na LDB afirma-se que a integração da educação profissional

    ao trabalho, à ciência e à tecnologia conduzirão ao seu objetivo de

    desenvolvimento de aptidões para a vida produtiva. Porém, sem conhecermos a

    trajetória ocupacional e profissional da clientela do ensino técnico e a forma como

    esta trajetória se relaciona com os projetos de vida dos indivíduos, não é possível

    saber como acontece esta integração.

    Sem procurar esgotar questões suscitadas pela legislação educacional, mas

    apenas me apoiando nesta para explicitar minhas inquietações, a LDB considera

    como objetivo da educação básica, e não da educação profissional, o

    fornecimento de meios para progredir em estudos posteriores. Esta lei também

    contraria o que vivenciei no contato com egressos do ensino técnico, que foram

    capazes de cursar com maior aproveitamento os estudos em cursos superiores na

    mesma área em que cursaram o ensino técnico e até em áreas diferentes em

    função do que aprenderam no curso técnico.

    O convívio com egressos do curso técnico e o conhecimento de sua trajetória

    ocupacional e educacional, além da minha própria experiência como egressa do

    ensino técnico, permitiram que tivesse uma compreensão do ensino técnico

  • 6

    diferente ou mais abrangente do que aquela compreendida nas políticas

    educacionais e legislações da área, compreensão esta que não separa a

    formação técnica da formação científica, da tecnologia, do trabalho e da formação

    do indivíduo.

    Para que seja possível entender o ensino técnico de nível médio dentro desta

    perspectiva, faz-se necessário conhecer trajetórias educacionais e ocupacionais

    do indivíduo que vivencia esta formação, composta por seus sucessos e

    fracassos, oportunidades e barreiras, das condições sociais, familiares e

    econômicas, trajetória inserida em um projeto profissional e em um projeto de vida

    que envolvem planejamentos, implementações, avaliações e aperfeiçoamentos.

  • 7

    APRESENTAÇÃO DO PROBLEMA

    Uma questão pouco desenvolvida em trabalhos acadêmicos da área de ações

    educativas denominada Orientação Profissional, segundo Ferretti (1988), é a

    inserção de trabalhadores na População Economicamente Ativa e sua trajetória no

    interior da mesma, apesar de sua evidente relevância. O autor ainda critica a

    forma como a questão é abordada nos raros estudos a respeito do assunto, nos

    quais, em sua opinião, ocorre uma redução a algum aspecto particular do

    desenvolvimento individual, que impede que as múltiplas determinações do objeto

    de estudo sejam percebidas.

    A escassez de trabalhos que tratam deste objeto, já identificada por Ferretti (1988)

    na área de Orientação Profissional há 25 anos, ainda pode ser constatada na

    produção mais recente. Ao investigar a literatura da área, é possível perceber que

    as trajetórias ocupacionais dos indivíduos são um aspecto pouco explorado por

    seus estudiosos.

    O estudo de Noronha e Ambiel (2006) corrobora esta afirmação ao concluírem que

    entre os trabalhos produzidos entre 1950 e 2005, no Brasil, e revisados pelos

    autores predominavam trabalhos de revisões teóricas e de verificação de

    qualidade de instrumentos de avaliação. Os trabalhos que buscaram caracterizar

    populações específicas com relação a variáveis referentes aos interesses ou

    processos de escolha profissional, dentre os quais alguma exploração de aspectos

    da trajetória educacional e/ou profissional e do projeto profissional pode ter

    ocorrido, representam apenas 11% dos trabalhos revisados por Noronha e Ambiel

    (2006).

    Tal carência de estudos sobre as trajetórias dos indivíduos também pode ser

    verificada na literatura que aborda a educação voltada à formação técnico-

    profissional. Apesar da relevância das trajetórias ocupacionais e educacionais dos

  • 8

    estudantes para a compreensão das relações da formação técnico-profissional

    com sua clientela, aquelas não têm sido abordadas com frequência por

    pesquisadores que estudam os diferentes níveis e modalidades de ensino que têm

    tal formação como objetivo.

    A pesquisa documental coordenada pela Universidade Federal de Goiás

    (SEB/MEC e UFG, 2009a) que buscou produções acadêmicas sobre o ensino

    médio no país publicadas entre 1998 e 2008 ratifica a alegação anterior. O estudo

    levantou 1992 registros de estudos sobre a temática e investigou 6 eixos

    temáticos: condições de trabalho docente, infraestrutura, organização do trabalho

    pedagógico, perfil do aluno, perfil do professor e políticas públicas/gestão

    educacional. Os temas do eixo temático Perfil do Aluno, dentro do qual pesquisas

    sobre aspectos das trajetórias educacionais e ocupacionais e dos projetos

    profissionais dos alunos podem se inserir, segundo o relatório da pesquisa:

    (...) parecem pouco expressivos, sem muita clareza de intenção para uma análise mais aprofundada das características biopsicossociais do estudante do ensino médio, enquanto sujeito. (p. 14)

    Entre as temáticas dentro do eixo Perfil do Aluno que se relacionam com aspectos

    das trajetórias educacionais e ocupacionais identificadas por SEB/MEC e UFG

    (2009a), é possível mencionar: identidade e escolha profissional, juventude e

    mundo do trabalho, articulação entre trabalho e educação. Porém, estas

    temáticas, além de não abarcarem a totalidade dos aspectos das trajetórias,

    figuram em meio a outras dezenas de temáticas, o que as torna escassas dentro

    deste eixo que já é considerado pouco representado na totalidade da produção de

    conhecimento da área.

    No que diz respeito ao ensino técnico de nível médio especificamente, dos 1992

    trabalhos levantados e analisados (SEB/MEC e UFG, 2009a), apenas 183 tratam

  • 9

    deste nível de ensino3. Destes 183 trabalhos, apenas 9 eram categorizados como

    membros do eixo temático Perfil do Aluno, e outros 4 foram atribuídos a este eixo

    de forma secundária.

    A maior parte dos assuntos abordados nestes 13 trabalhos tem pouca ou

    nenhuma relação com as trajetórias dos alunos, tratando de questões como

    representação dos alunos sobre seus corpos, recursos mobilizados para a solução

    de inadequações, motivação para o estudo, percepções sobre as políticas de

    educação profissional, percepção sobre a instituição de ensino, expressão

    linguística, percepção sócio-ambiental e desempenho educacional.

    Os trabalhos que guardam relação com as trajetórias dos alunos abordam

    aspectos como a articulação estabelecida entre trabalho e educação, a influência

    do curso sobre o desenvolvimento de competências profissionais e condição

    sócio-econômica, o perfil sócio-econômico do aluno e a formação da identidade

    profissional4.

    Percebe-se, pelo levantamento de produção de SEB/MEC e UFG (2009a), que

    dos poucos trabalhos que foram produzidos entre 1998 e 2008 no Brasil5 que

    abordam aspectos das trajetórias educacionais e ocupacionais dos alunos e

    egressos do ensino técnico de nível médio, quando o fazem, tendem a discutir

    questões específicas e isoladas do resto da trajetória. Outras restrições como a 3 O levantamento dos trabalhos de SEB/MEC e UFG (2009a) que abordavam o ensino técnico foi por mim realizado a partir das fichas de análise publicadas em SEB/MEC e UFG (2009b). Foram considerados trabalhos que abordam o ensino técnico tanto aqueles que o tratavam em seu problema quanto aqueles que acessaram informações de instituições que ofertam esta modalidade de ensino. Até mesmo trabalhos que realizaram uma comparação entre dados obtidos de instituições que oferecem ensino médio não profissionalizante e aqueles levantados em escolas técnicas foram considerados nesta seleção. 4 A perspectiva do aluno é discutida, tanto no resumo identificado dentre as fichas de SEB/MEC e UFG (2009b) quanto na pesquisa de Nakano (1996), revisada no capítulo 3 do presente trabalho, como um dos componentes do processo de construção da identidade com base na obra de Antônio da Costa Ciampa. 5 Apesar da identificação de lacunas no levantamento de SEB/MEC e UFG (2009a), como a ausência dos trabalhos de Trevisan e Veloso (2007) e Azevedo (2007), entre outros identificados mas não revisados no presente trabalho, a pesquisa ainda é considerada representativa do estado da arte da produção sobre o ensino de nível médio em função da evidente extensão do trabalho.

  • 10

    limitação a um determinado período da trajetória ou a dados objetivos obtidos por

    questionários fechados6, também são comuns nos trabalhos encontrados. Outros

    levantamentos feitos para o presente trabalho7 corroboram os aspectos

    salientados sobre a análise do material publicado em SEB/MEC e UFG (2009b).

    Ferretti (1988) também questiona a limitação dos trabalhos da área de Orientação

    Profissional em relação ao público pesquisado ao analisarem as escolhas

    ocupacionais, visto que, se restringem a estudar indivíduos que podem exercer

    opções em função de sua condição social e econômica.

    Ao investigar as trajetórias ocupacionais de trabalhadores das classes

    subalternas, Ferretti (1988) destaca que tais percursos apresentam-se pontilhados

    de idas e vindas, avanços e retrocessos, escolhas e não-escolhas, o que contraria

    a idéia de um desenvolvimento ocupacional linear defendido por algumas teorias,

    tornando tal linearidade questionável. No caso da clientela do ensino técnico, é

    possível observar percursos semelhantes àqueles descritos pelos trabalhadores

    estudados por Ferretti (1988), provavelmente por suas características em comum

    como classe trabalhadora.

    Ainda cabe acrescentar à crítica do autor faz aos trabalhos realizados sobre

    trajetórias, a restrição a apenas um comportamento componente da trajetória

    ocupacional como objeto de estudo, visto que esta pode ser composta por uma

    grande diversidade de comportamentos e um comportamento presente em uma

    6 Apesar de demonstrar uma contribuição importante para a compreensão do papel do ensino técnico na trajetória dos seus egressos, o estudo de Franco e Serber (1990), revisado no capítulo 3 do presente trabalho, apresenta limitações tanto em relação ao período da trajetória profissional dos sujeitos quanto a respeito do uso de dados objetivos, apesar de algumas questões abertas terem sido incluídas no questionário utilizado pela autora. 7 Em buscas realizadas no Portal de Periódicos Capes e no banco de dissertações e teses da Capes, foram identificados cerca de 30 trabalhos nos últimos 10 anos que possivelmente acessam algum aspecto do perfil do aluno e/ou egresso do ensino técnico de nível médio. Em sua maioria, estes trabalhos apresentavam as mesmas limitações em relação a aspectos das trajetórias educacionais e ocupacionais mencionadas sobre os trabalhos encontrados no levantamento de SEB/MEC e UFG (2009b).

  • 11

    trajetória pode não ser apresentado em outra, indicando a necessidade de

    considerar todos os possíveis comportamentos em cada trajetória.

    A pesquisa de trajetórias ocupacionais e educacionais de egressos do ensino

    técnico de nível médio pode revelar aspectos relacionados a como a clientela

    deste nível de ensino se comporta em relação à educação e ao trabalho

    projetando sua vida profissional, enriquecendo a discussão a respeito desta

    modalidade de ensino. As histórias conhecidas de egressos do ensino técnico

    sugerem questões a respeito da relação do ensino técnico com sua clientela que

    somente podem começar a ser mapeadas ao longo das trajetórias e projetos

    individuais.

    Partindo destas considerações, é possível entender a investigação das trajetórias

    ocupacionais e educacionais da clientela do ensino técnico de nível médio como

    um meio privilegiado para o acesso à diversidade de comportamentos de projetar

    a vida profissional produzidos no decorrer das mesmas e para o melhor

    entendimento dos membros desta clientela enquanto sujeitos.

    Tanto determinantes sociais e econômicos quanto individuais e subjetivos

    precisam ser considerados conjuntamente e não de forma isolada para a

    compreensão das trajetórias. Portanto, as trajetórias ocupacionais e educacionais

    de egressos do ensino técnico devem ser abordadas considerando a ação

    conjunta de diferentes tipos de variáveis. Neste sentido, os comportamentos

    emitidos na trajetória dos egressos devem ser compreendidos tanto pela ação das

    variáveis dispostas pelo ambiente particular do indivíduo quanto daquelas

    dispostas pelo conjunto de indivíduos membros da comunidade na qual o egresso

    se insere em um repertório complexo de comportamentos. No segundo caso,

    devem ser considerados os efeitos da cultura sobre o comportamento do

    indivíduo. Na Análise do Comportamento, a análise do ambiente social permite

    explicar aspectos essenciais da cultura e entender seu efeito sobre o

    comportamento individual (Skinner, 1953/1994). A ampla descrição do ambiente

    social na Análise do Comportamento permite abordar a determinação social das

  • 12

    trajetórias dos egressos, assim como a mesma abordagem pode tratar sua

    determinação individual.

    Além disso, as trajetórias, compostas de eventos objetivos e observáveis, se

    relaciona com eventos encobertos e subjetivos tanto como estímulos

    antecedentes quanto como consequências. Como exemplo destes eventos

    encobertos pode-se mencionar todos os estímulos que levaram a uma escolha

    pelo curso ou pela escola e a avaliação da trajetória percorrida para prossegui-la.

    Por este motivo, cabe uma diferenciação entre a trajetória educacional e

    ocupacional do egresso e o projeto de vida profissional construído durante a

    mesma.

    Projetar a vida profissional requer um repertório complexo de comportamentos que

    envolve a capacidade de decidir sobre o desenvolvimento profissional, elaborar

    objetivos profissionais e formas de alcançá-los, além de desenvolver-se

    profissionalmente (Luiz, 2008).

    Sendo assim, o projeto de vida profissional contempla todos os eventos públicos

    que compõem a trajetória ocupacional e educacional, relacionados à

    implementação e ao desenvolvimento do projeto profissional, e ainda todos os

    eventos encobertos relacionados a projeção do futuro profissional.

    Pode-se afirmar que projetar a vida profissional é um repertório complexo de

    solução de problemas, tomada de decisão e autocontrole, que por sua vez, requer

    o autoconhecimento8. Como característica comum e essencial destes

    comportamentos, salienta-se o arranjo ambiental pelo próprio sujeito e não pelos

    outros, o que torna o repertório de projetar a vida profissional tanto mais

    desenvolvido quanto mais o sujeito for capaz de arranjar as condições ambientais.

    8 Os comportamentos específicos de solução de problemas, tomada de decisão e autocontrole são definidos e relacionados aos comportamentos da classe de comportamentos “Projetar a vida profissional” no capítulo 2.

  • 13

    Porém, são as condições vividas no decorrer da trajetória educacional e

    ocupacional que permitem o desenvolvimento do repertório de projetar a vida

    profissional. Isso significa que a própria trajetória determina o projeto profissional

    e, consequentemente, é responsável por quanto este projeto será aprimorado ou

    permanecerá precário, o que corrobora a afirmação de Ferretti (1988) de que,

    quando os indivíduos não têm opções para decidir sobre sua vida profissional, o

    comportamento de tomada de decisão não faz parte de seu repertório, levando

    sujeitos nestas condições a não serem contemplados em estudos sobre escolha

    profissional.

    Analisando por este outro ponto de vista, é possível entender que os indivíduos

    podem ter seus repertórios de projetar a vida profissional mais ou menos

    desenvolvidos em função das condições sociais e econômicas durante suas

    trajetórias, o que não significa que não haja repertório algum. Resta saber qual

    repertório foi possível desenvolver por aqueles que tiveram condições menos

    privilegiadas.

    Mesmo com um repertório de projetar a vida profissional precário, todo indivíduo

    que em algum momento frequentou o ensino formal e teve uma atividade

    ocupacional teve uma trajetória educacional e ocupacional, assim tendo um

    desenvolvimento profissional. Este desenvolvimento, que diz respeito ao que

    efetivamente foi realizado, corresponde à parte do repertório de projetar a vida

    profissional.

    A questão envolvida no estudo das escolhas de um público menos favorecido

    economicamente, concebendo as diferenças entre as trajetórias educacionais e

    ocupacionais e os projetos profissionais, não é a possibilidade de investigar o

    problema a partir deste público, mas sim considerar as diferentes trajetórias

    percorridas e as diferentes possibilidades de desenvolvimento do projeto

    profissional.

  • 14

    Considerando-se

    • a diversidade de trajetórias ocupacionais e educacionais e de projetos

    profissionais conhecidos de egressos do ensino técnico e de questões por

    estas suscitadas,

    • a diversidade de comportamentos componentes do projeto de vida

    profissional,

    • a escassez de trabalhos que abordem as trajetórias ocupacionais e

    educacionais e os projetos de vida profissional da clientela do ensino

    técnico em sua totalidade de aspectos comportamentais e de percurso de

    vida e

    • a relevância das trajetórias ocupacionais e educacionais e projetos

    profissionais dos indivíduos para a compreensão da relação destes com o

    sistema de ensino

    o objetivo do presente trabalho é identificar, descrever e analisar a trajetória

    ocupacional e educacional de egressos do ensino técnico de nível médio, por meio

    da análise das prováveis contingências estabelecidas e dos comportamentos da

    classe de comportamentos “Projetar a Vida Profissional” emitidos no decorrer da

    trajetória de egressos relatados verbalmente por egressos desta modalidade de

    ensino de forma a conhecer a relação desta modalidade de ensino com sua

    clientela.

    Tal fenômeno torna-se objeto de estudo pertinente à Psicologia da Educação,

    visto que esta “tem como proposta a investigação sobre a constituição do sujeito

    social que se dá nas trocas intersubjetivas em contextos que a sociedade oferece

    aos indivíduos através da educação formal ou informal” (Szymanski, 2000, p.15).

    Assim, a forma como egressos do ensino técnico constituem-se como sujeitos por

    via das relações estabelecidas com as contingências sociais no decorrer de sua

  • 15

    trajetória ocupacional e educacional pode ser destacada como uma contribuição

    da Psicologia da Educação considerando-se a definição de Szymanski.

    A cultura e o ambiente social determinam as contingências em que as trajetórias

    ocupacionais e educacionais da clientela do ensino técnico se inserem a cada

    momento da oferta desta modalidade e são determinantes fundamentais para a

    compreensão do comportamento dos indivíduos em questão. Estas contingências

    são descritas no Capítulo 1, que aborda a história do ensino técnico no Brasil.

    Parte dos comportamentos presentes nas trajetórias ocupacionais e educacionais

    dos indivíduos já tem sido tratada na literatura sob outros rótulos e estes trabalhos

    podem contribuir com a forma como estes comportamentos devem ser abordados.

    O Capítulo 2 apresenta as teorias de escolha profissional e a Orientação

    Profissional como áreas que contribuem para a abordagem das trajetórias

    ocupacionais e educacionais da clientela do ensino técnico de nível médio. Ainda

    neste capítulo, a Análise do Comportamento é apresentada em suas

    possibilidades de abordagem do fenômeno tratado no problema de pesquisa.

    A literatura também contém trabalhos que abordam aspectos das experiências

    contidas na trajetória ocupacional e educacional de alunos e egressos do ensino

    técnico de nível médio ou sujeitos que compartilham características com a

    clientela desta modalidade de ensino. Tais trabalhos abordam experiências

    individuais, mas trazem o contexto mais amplo no qual se inserem, revelando o

    impacto das contingências sobre os indivíduos. Por estas particularidades, estes

    trabalhos são descritos no Capítulo 3.

    O Capítulo 4 traz considerações metodológicas sobre os comportamentos que

    devem ser focalizados a partir de uma organização em um sistema dos

    comportamentos pertencentes à classe de comportamentos “Projetar a Vida

    Profissional” e sobre o relato verbal como fonte de informação para a Analisa do

    Comportamento. O capítulo ainda apresenta a História Oral de Vida como método

    para a realização das entrevistas

  • 16

    Os procedimentos utilizados para a coleta e análise dos dados estão descritos no

    Capítulo 5. Neste capítulo, também são definidos os critérios de escolha dos

    colaboradores da pesquisa e descritas as características do banco de dados

    utilizado para a coleta de dados.

    No capítulo 6, são apresentados os resultados e a discussão da análise do banco

    de dados, assim como das entrevistas.

    Conclusões relacionadas às trajetórias ocupacionais e educacionais dos egressos,

    assim como aos seus projetos profissionais, são apresentadas no Capítulo 7.

  • 17

    1. DETERMINANTES HISTÓRICOS DAS TRAJETÓRIAS EDUCACIONAIS E

    PROFISSIONAIS DA CLIENTELA DO ENSINO TÉCNICO

    Dentre os determinantes da trajetória ocupacional e educacional da clientela do

    ensino técnico incluem-se as contingências em que estas se inserem a cada

    momento da oferta desta modalidade de ensino. Assim, para compreender o

    comportamento dos indivíduos no decorrer de seu projeto profissional, é

    necessário conhecer a história do ensino técnico no Brasil e o panorama

    econômico em que estas trajetórias se inserem. Estes determinantes históricos

    serão o conteúdo dos tópicos a seguir.

    1.1. Ensino Médio, Formação Profissional e Ensino Técnico no Brasil

    A literatura sobre a história da educação profissional no Brasil, além de descrever

    o ambiente no qual esta modalidade da educação se insere e a visão dos

    dirigentes sobre esta pelas políticas públicas implementadas a seu respeito, indica

    qual é a população à qual a formação é destinada e quais são as suas

    características (Cordão, 2005; Franco e Serber, 1988; Zibas, 2005a; Zibas,

    2005b).

    A formação em educação profissional no Brasil tem refletido o dualismo entre as

    elites e a maioria da população desde o regime colonial e escravagista, que

    influenciou, com sua visão preconceituosa das relações sociais entre as “elites

    condutoras” e os operários, a visão de educação técnica e profissional (Cordão,

    2005). Este autor relembra que, durante a escravidão, os trabalhadores eram

    relegados a uma condição social inferior e não tinham direito à educação, já que

    esta não era considerada necessária para a formação de mão-de-obra.

    A formação profissional no Brasil adquiriu caráter assistencialista desde seus

    primórdios, sendo reservada às classes menos favorecidas e àqueles que

    precisavam se inserir imediatamente no mercado de trabalho e não tinham acesso

    à educação básica (Cordão, 2005).

  • 18

    As primeiras instituições a realizar atividades de formação profissional,

    mencionadas por Cordão (2005), foram criadas em meados da década de 1840 e

    tinham como objetivo a “diminuição da criminalidade e vagabundagem (p.44)” e

    abrigar menores abandonados e órfãos.

    O ensino profissional manteve seu traço assistencialista no início do século XX,

    sendo destinado aos menos favorecidos socialmente (Cordão, 2005). Tal

    orientação, segundo o autor, foi agregando uma outra: a preparação de operários

    para o trabalho.

    Em 1906, o ensino profissional deixou de ser atribuição dos órgãos de assistência

    social e passou à responsabilidade do Ministério da Agricultura, Indústria e

    Comércio, enquanto a educação regular era competência do Ministério da Justiça

    e dos Negócios Interiores. Foi consolidada tanto “uma concepção de formação

    profissional orientada ao desenvolvimento dos chamados ´setores produtivos´

    quanto ’uma política de incentivo ao desenvolvimento do ensino comercial,

    industrial e agrícola’” (Cordão 2005, p. 45).

    Nos anos subsequentes, foram criadas escolas comerciais públicas e privadas,

    Liceus de Artes e Ofícios para atendimento prioritário ao ensino industrial e

    escolas agrícolas. Também foram criadas as escolas de oficinas, destinadas à

    formação daqueles que pretendessem trabalhar na malha ferroviária, e as escolas

    de aprendizes e artífices, embrião da rede federal de educação profissional

    (Cordão, 2005).

    A formação profissional se limitou ao treinamento operacional para a produção em

    série e padronizada até o início da década de 1940, época em que houve a

    incorporação de grande número de operários semiqualificados e que uma minoria

    dos trabalhadores carecia de competências profissionais mais complexas, sendo a

    baixa escolaridade da massa dos trabalhadores desconsiderada como ameaça

    para o desenvolvimento econômico (Cordão, 2005).

  • 19

    Em 1937, foi outorgada pelo regime do Estado Novo a Constituição brasileira que

    previa, como dever do Estado, a existência de escolas vocacionais e pré-

    vocacionais para as “classes menos favorecidas”, contanto com a colaboração das

    “classes produtoras”, estas últimas incumbidas de criar escolas de aprendizes

    para os filhos dos operários (Cordão, 2005). Tal determinação possibilitou a

    criação do Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI), Serviço

    Nacional de Aprendizagem Comercial (SENAC) e da Rede Federal de

    Estabelecimentos de Ensino Industrial. Desta forma, consolidou-se a implantação

    do ensino profissional no Brasil, ainda tratado preconceituosamente como

    “educação de segunda categoria” (Cordão, 2005).

    O ensino profissional, conforme enfatizam Franco e Serber (1990), foi elevado

    definitivamente ao grau médio a partir da década de 1940, quando se cristalizou,

    inclusive no plano legal, a dicotomia neste nível de ensino entre um ensino

    secundário destinado à formação das individualidades condutoras contra um

    ensino profissional para a formação de trabalhadores.

    Para Cordão (2005), as Leis Orgânicas da Educação Nacional, na década de

    1940, acentuavam o preconceito sobre a educação profissional, demonstrando

    que a atribuição dos dois ramos do ensino ao Ministério da Educação e Saúde

    Pública foi mera formalidade, já que não refletia o ensejo de “circulação de

    estudos” entre estes.

    Em função das críticas à natureza dicotômica das propostas deste período para o

    ensino profissionalizante, foram tomadas providências legais para minimizá-las

    (Franco e Serber, 1990).

    As primeiras providências se deram em torno da questão da continuidade dos

    estudos. Assim, em 1950, a Lei 1076/50 possibilitou que os alunos do 1º ciclo de

    qualquer ramo tivessem acesso ao 2º ciclo secundário (Franco e Serber, 1990).

    Algum nível de equivalência entre ensino profissional e ensino acadêmico regular

    só foi alcançado na década de 1950, quando a lei 1821/53 permitiu aos

  • 20

    concluintes do ensino profissionalizante a possibilidade de ingressar no nível

    superior mediante aprovação em exames para as disciplinas não cursadas. A total

    equivalência ocorreu em 1961 com a aprovação da primeira LDB (Cordão, 2005).

    Para Franco e Serber (1990), apesar de tais tentativas terem visado à ruptura da

    dicotomia entre ensino “técnico”, destinado às classes subalternas, e ensino

    “acadêmico”, destinado à classe dirigente, não passaram de soluções

    conciliatórias, incapazes de diminuir a função propedêutica do ensino secundário,

    já que os esforços deste período foram voltados à equiparação do ensino técnico

    ao secundário propedêutico e remoção das barreiras entre eles e a universidade.

    Em 1971, a LDB sofreu uma alteração que tornou a educação profissional

    universal e compulsória no ensino médio. Em decorrência disso, foram criados

    centenas de cursos técnicos sem recursos materiais e humanos apropriados e

    sem preocupação com a preservação da carga horária mínima destinada à

    educação básica para formação do cidadão e para a adequada formação do

    profissional (Cordão, 2005).

    A profissionalização compulsória baseava-se em dois argumentos: “(...)

    necessidade de preparação de maior número de técnicos, dado o estreitamento

    das relações do país com o capital internacional, e necessidade de eliminação da

    dualidade do sistema de ensino” (Zibas, 2005a, p. 6).

    Como resultado, a universalização da educação profissional no ensino médio

    provocou a descaracterização das redes de ensino secundário e o

    desmantelamento de parte da rede pública de ensino técnico (Cordão, 2005).

    Segundo o autor, tais circunstâncias criaram uma falsa imagem da educação

    profissional como solução para o desemprego e levaram à criação de cursos que

    não atendiam às reais demandas sociais.

    As dificuldades enfrentadas pelas instituições de ensino, diante desse contexto,

    pouco afetaram aquelas que já eram especializadas em educação profissional

  • 21

    como o SENAI, o SENAC e as escolas técnicas federais. Enquanto isso, nos

    sistemas públicos de ensino secundário, a falta de apoio para a oferta de um

    ensino profissionalizante de qualidade compatível com as necessidades de

    desenvolvimento e a redução da carga horária do ensino básico, interferiu

    significativamente na qualidade dos serviços oferecidos. O resultado para a

    educação nestas condições foram mais pressões sobre o ensino secundário,

    como o alto crescimento no ensino fundamental e o ensino superior elitizado com

    exames para ingresso ditando conteúdos para o ensino médio e complementado

    pela rede de estabelecimentos privados. Característica sintomática de tal situação

    foi o crescimento da rede de cursos preparatórios para o vestibular (Cordão,

    2005).

    As escolas particulares, nesse período, “improvisavam pseudocursos

    profissionalizantes” para atender à sua clientela, visto que as camadas médias

    não estavam interessadas em profissionalização, esperando do ensino médio a

    preparação para o ingresso na universidade, como relatado por Zibas (2005a). A

    autora também menciona a existência de “simulações de profissionalização” nas

    escolas públicas, sendo que, no caso destas, o motivo era a falta de recursos e, o

    resultado, o maior empobrecimento da educação oferecida aos filhos dos

    trabalhadores.

    Em função das inúmeras críticas, os Conselhos de Educação do país reuniram-se

    com o então Conselho Federal de Educação em busca de soluções, o que

    resultou na lei federal n. 7.044/82, como tentativa de atenuar os efeitos do ensino

    secundário profissionalizante implantado pela lei federal n. 5.692/71. A nova lei

    restringiu a educação profissional às instituições especializadas e, como resultado,

    teve a rápida reversão das grades curriculares para oferecer ensino secundário de

    natureza exclusivamente acadêmica (Cordão, 2005).

    O ensino médio passou por um período de estagnação a partir desta legislação,

    embora houvesse articulações em setores acadêmicos para a construção de um

  • 22

    projeto de ensino médio voltado às necessidades das camadas populares (Zibas,

    2005a).

    Em 1988, foi promulgada a nova Constituição Federal e tiveram início os debates

    sobre uma nova LDB, que foi aprovada e sancionada em 1996 (Cordão, 2005).

    Para Zibas (2005a), a nova LDB “minimizou a instituição do trabalho como

    princípio educativo e orientador de todo o currículo”. A autora atribui às

    ambiguidades a respeito da formação profissional presentes na legislação a

    instituição de estruturas paralelas de ensino por uma lei complementar, um

    decreto do governo federal, de 1997, que determinou o ensino técnico separado

    do ensino médio regular. Neste contexto, o ensino técnico deveria ser organizado

    em módulos, com matrícula diferenciada, podendo ser cursado de forma

    complementar, paralela ou sequencial ao ensino médio.

    Zibas (2005a) considera uma realidade ideal aquela em que houvesse uma

    estrutura escolar única até os 17-18 anos de idade, fornecendo a todos as

    mesmas oportunidade educativas. Já nas condições reais de segmentação social,

    a autora julga que o sistema ignora as dificuldades que o aluno-trabalhador pode

    enfrentar para frequentar dois cursos diferentes para obter o título de técnico.

    Outros empecilhos evidenciados pela separação do ensino técnico do ensino

    médio, determinada em 1997, são a falta de integração dos conhecimentos

    técnicos e gerais e a possibilidade de obtenção de certificação cursando módulos,

    o que empobrece a formação.

    Como o ensino médio apoiou-se na retórica dominante da época frente à

    reestruturação produtiva e aos avanços tecnológicos, e acabou por valorizar a

    produção de competências e saberes gerais e transferíveis, a necessidade de

    realização de qualificações técnicas e especializações profissionais pela escola

    média, nos padrões do ensino técnico, foi minimizada (Zibas, 2005a).

  • 23

    A mudança de enfoque baseou-se na idéia de que a formação profissional deveria

    estar vinculada ao mercado de trabalho e próxima das empresas enquanto caberia

    à escola média atender às exigências da produção flexível (Zibas, 2005a).

    Tal posicionamento, segundo Zibas (2005b), acarretou algumas disputas teóricas.

    Foi em meio a estes embates que, em 2004, o Decreto n. 5.154 instituiu a

    possibilidade de reintegração entre ensino médio e técnico-profissional, o que

    também contrariou diversos críticos. O que resulta dos atuais enfrentamentos

    teóricos, políticos e ideológicos é um cenário polimorfo no ensino médio que, para

    a autora, apesar da disfuncionalidade administrativa e da perplexidade conceitual

    que pode acarretar:

    (...) constitui, todavia, um desafio estimulante para pesquisadores do ensino médio em seu incessante trânsito entre a teoria e a observação e análise das práticas sociais, políticas e pedagógicas. (p. 1083)

    Diante da história do ensino profissionalizante no Brasil e dos determinantes

    políticos que têm impulsionado sucessivas mudanças em sua oferta, são

    suscitados vários questionamentos. Um deles diz respeito à forma como o caráter

    dualista e assistencialista presente na origem desta modalidade de ensino e que

    se fortalecem no decorrer do tempo, persistindo mesmo nos períodos mais

    recentes, apesar das críticas e movimentos opostos, pode influenciar a sua

    clientela no decorrer de sua trajetória educacional e profissional.

    As diferentes legislações que vigoraram sobre o ensino profissionalizante de nível

    médio também ditaram diferentes possibilidades de trajetórias ocupacionais e

    profissionais à sua clientela. O impacto das diretrizes impostas pela legislação em

    cada período sobre as trajetórias educacionais e ocupacionais e projetos

    profissionais da clientela do ensino técnico, no entanto, não é conhecido.

    A oferta de ensino profissionalizante de nível médio procurou se adequar às metas

    de desenvolvimento do governo em diferentes momentos. Cabe saber se estas

  • 24

    demandas têm correspondência com as demandas individuais de sua clientela, o

    que pode ser revelado pelas trajetórias educacionais e ocupacionais e pelos

    projetos profissionais da mesma. Também é necessário conhecer as origens das

    metas de desenvolvimento nas relações econômicas e as mudanças do sistema

    produtivo que influenciaram não só o ensino técnico, mas a educação como um

    todo.

    Sendo, muitas vezes, a formação técnica restrita a atividades operacionais, torna-

    se relevante saber como aqueles que receberam tal formação foram afetados

    pelas evoluções tecnológicas e mudanças do sistema produtivo. Esta reflexão

    corrobora a necessidade de conhecer como estas mudanças ocorreram ao longo

    do tempo.

  • 25

    2. ESCOLHA PROFISSIONAL, ORIENTAÇÃO PROFISSIONAL E O

    COMPORTAMENTO DE PROJETAR A VIDA PROFISSIONAL

    A compreensão da repercussão do ensino técnico na trajetória educacional e

    ocupacional dos indivíduos depende de descobrir os determinantes de cada

    comportamento dentro desta trajetória e a construção do repertório de projetar a

    vida profissional no decorrer desta trajetória. Para este levantamento, faz-se útil o

    conhecimento construído dentro da área de Orientação Profissional, que descreve

    os determinantes envolvidos na tomada de decisão9 profissional e como

    desenvolver o repertório de tomada de decisão entre outros envolvidos no

    processo de projetar a vida profissional.

    2.1. A escolha profissional na história

    Aspecto essencial para a compreensão do papel social da Orientação Profissional

    é o aparecimento da escolha profissional na história da humanidade e seu

    desenvolvimento, visto que a própria escolha profissional pelos indivíduos tem

    impacto sobre a sociedade.

    A escolha profissional, como menciona Bock (2002), apenas passa a assumir

    importância quando se instala o modo de produção capitalista.

    Antes do capitalismo, a produção humana era voltada para a satisfação das

    próprias necessidades humanas e o desempenho das funções não dependiam de

    escolha.

    Algumas características fundamentais que dominam o processo de produção no

    capitalismo são destacadas por Bock (2002) e ajudam a entender a necessidade

    de escolha profissional neste sistema produtivo. A primeira diz respeito à

    desapropriação dos meios de produção e consequente necessidade de venda da

    9 Apesar de se referir à escolha ou decisão profissional, a bibliografia selecionada nesta área busca abranger todos os comportamentos que culminam na decisão ou escolha.

  • 26

    força de trabalho pelo homem, que passa a não poder sobreviver de forma

    autônoma. Outra característica é o fim da servidão, que torna o trabalhador livre

    para vender sua força de trabalho. Finalmente, o objetivo do trabalho no modo de

    produção capitalista não é mais a satisfação das necessidades humanas. A

    produção passa a se destinar ao mercado e visa o lucro.

    A divisão técnica do trabalho foi introduzida pela Revolução Industrial. Nesse

    momento histórico, surge a questão da seleção profissional e, consequentemente,

    da escolha profissional, visto que deve se buscar o homem certo para a função

    certa no intuito de alcançar maior produtividade (Bock, 2002).

    A ideologia liberal dá suporte ao novo sistema produtivo. A lógica liberal muda o

    conceito de vocação, que até então era atribuído à vontade divina. As diferenças

    agora são explicadas por características biológicas inatas que passam a justificar

    as diferenças sociais. Assim, os atributos com os quais o ser humano nasce

    encontraram expressão na realidade, localizando o indivíduo na estrutura da

    sociedade, o que justificaria o fracasso (Bock, 2002).

    A partir de tais considerações sobre a história da escolha profissional, Bock (2002)

    alerta para o fato de esta não poder ser considerada como um problema natural e

    universal, considerando-a como um fenômeno determinado, que ocorre em um

    momento da história da humanidade. O mesmo alerta cabe no que se refere a

    qualquer comportamento emitido durante a trajetória educacional e profissional

    que culmine em uma escolha profissional, assim como os comportamentos

    desencadeados por esta escolha. Tal posicionamento também é coerente com a

    visão da Análise do Comportamento, que entende o comportamento dos

    indivíduos como determinado pela sua história de vida e pelo meio social, porém

    sem negligenciar determinantes genéticos.

  • 27

    2.2. Concepções sobre a escolha profissional

    Após uma revisão das práticas e teorias da psicologia em torno da orientação

    profissional, Bock (2002) conclui que:

    (...) a psicologia do início do século, principalmente aquela que se debruça sobre a escola e sobre o trabalho, tem a missão de sedimentar e de perdurar a ideologia liberal que sustenta o capitalismo, ao canalizar para o indivíduo todas as responsabilidades pelo seu progresso, deixando incólume a estrutura social, isto é, encobrindo injustiças e a exploração inerentes ao modo de produção. (p.55)

    Bock (2002) critica a visão tradicional10 e liberal de indivíduo. Segundo o autor, as

    visões tradicionais entendem o indivíduo como autônomo em relação à sociedade,

    ou seja, com potenciais inatos, sendo o papel da orientação profissional, dentro

    desta perspectiva, selecionar os indivíduos segundo as suas potencialidades.

    Além disso, as visões tradicionais tendem a naturalizar fenômenos que são

    históricos.

    A visão de sociedade das teorias tradicionais também é criticada pelo autor por

    afirmarem que a sociedade é uma pirâmide formada por camadas sociais,

    enquanto ele parte de uma visão marxista ou crítica de sociedade, que é

    constituída por duas classes: a burguesia e o proletariado. Do ponto de vista do

    autor, tais classes sociais têm interesses e objetivos distintos e contraditórios que

    configuram uma luta de classe, substituída, na visão liberal, pela idéia de

    ascensão social.

    Do ponto de vista tradicional, as profissões seriam estáticas, não teriam história.

    Essa perspectiva dá suporte ao modelo de perfis profissionais, que aproxima os

    indivíduos das profissões por suas similaridades. Enquanto, na visão tradicional, o

    perfil profissional se mantém inalterado ao longo do tempo, na perspectiva crítica

    10 O autor se refere às teorias psicológicas não materialistas, ou mentalistas, como visão tradicional de indivíduo.

  • 28

    descrita por Bock (2002), as profissões e ocupações têm história e mudam em

    função de variáveis econômicas, políticas sociais e tecnológicas. Da mesma

    forma, os indivíduos também têm suas características pessoais transformadas

    com o tempo, o que contraria a idéia de perfil pessoal.

    A idéia de perfis, como apresentada por Bock (2002), se ajusta ao trabalho

    parcelar e fragmentado do modelo taylorista/fordista de organização da produção.

    Porém, tal modelo vem se modificando e, consequentemente, a idéia de perfil

    profissiográfico também tem se alterado. O trabalhador, no atual contexto, para

    ser empregável, além de suas competências técnicas, deve ter qualificação11 e

    versatilidade. Assim, o capital precisa definir os perfis em outros moldes para

    continuar se reproduzindo.

    Bock (2002) revela o caráter reducionista e mecanicista do modelo de perfis ao

    negar a complexidade envolvida na relação indivíduo, trabalho e educação,

    denunciando sua ação meramente ideológica, isolando o indivíduo e escondendo

    os determinantes econômicos políticos e sociais do fenômeno.

    Tais modelos explicativos de enfoque psicométrico, que tinham por objetivo o

    diagnóstico de potencialidades e oportunidades de trabalho e a promoção de

    compatibilidade entre ambas para a escolha profissional, foram alvo de críticas a

    partir dos anos 1950, orientadas por novas concepções de escolha profissional

    dedicadas a superar as limitações da “teoria traço fator” (Ferretti, 1988).

    Segundo Ferretti (1988), as teorias psicológicas sobre a escolha profissional, em

    geral, tendiam a conferir menor importância aos estudos econômicos e

    sociológicos a respeito da inserção dos indivíduos nas atividades profissionais.

    Por outro lado, as teorias não psicológicas, como as “teorias econômicas” e

    “teorias sociológicas” buscam a explicação da distribuição da força de trabalho em

    11 O autor se refere à qualificação como uma educação que prepara para aprender continuamente, enquanto competências técnicas dizem respeito à capacidade de fazer sempre a mesma coisa.

  • 29

    diferentes ocupações na sociedade por meio de fatores de natureza econômica e

    social (Crites, 1974).

    Crites (1974) retoma as teorias dos economistas clássicos sobre a escolha

    profissional e indica a limitação da teoria de oferta e demanda ao atribuir a

    distribuição dos indivíduos nas diferentes ocupações a tomadas de decisão

    racionais considerando suas vantagens e desvantagens, sendo o homem

    totalmente livre para escolher a profissão que julgar mais apropriada a si. Para o

    autor, tal teoria se baseia em mercados ideais e não a mercados reais, para os

    quais existem restrições de acesso às profissões. Além disso, a teoria econômica

    clássica supõe que as vantagens e desvantagens das profissões se resumiriam a

    maiores e menores salários, enquanto Crites (1974) entende que os

    determinantes econômicos, juntamente com determinantes de outras naturezas,

    constituem um amplo conjunto de fatores que interferem na escolha individual.

    As “teorias sociológicas” de escolha profissional, mencionadas por Crites (1974),

    atribuem à influência da cultura e da sociedade em que vive, em conformidade

    com seus valores, o fator de maior importância na determinação da escolha

    profissional de um indivíduo. Tais influências também determinariam o grau de

    liberdade de escolha do indivíduo.

    O autor ainda indica subculturas que restringiriam a escolha. A classe social agiria

    de forma a tornar mais valorizadas as atividades profissionais percebidas como

    mais possíveis. A escola, como transmissora de valores, também teria uma

    interferência na limitação das opções individuais. A família, além de transmitir

    valores, teria o poder de influenciar a escolha devido às relações que estabelece

    com o indivíduo. Ainda deveriam ser consideradas as influências do grupo étnico,

    da localidade de moradia e do grupo de pares.

    Para Ferretti (1988), as “teorias sociológicas” de escolha vocacional explicam as

    opções individuais à origem sócio-econômica, entre outros fatores, contribuindo

    para invalidar o pressuposto de liberdade irrestrita das teorias clássicas, mas não

  • 30

    fazem postulações teóricas sobre o emprego e a distribuição da mão de obra na

    sociedade. Assim, faltariam informações sobre as forças econômicas e culturais

    que influenciam a escolha, como os efeitos, descritos por Hewer (1968 apud

    Ferretti, 1988), dos ciclos econômicos e das mudanças. Tais fatores, de acordo

    com Ferretti (1988), resultam do desenvolvimento da tecnologia e da

    complexidade das organizações, diminuindo a probabilidade de escolha de grande

    parte da população e contraria o pressuposto clássico da Orientação Profissional12

    de que as pessoas escolheriam uma profissão e nesta permaneceriam por toda a

    sua vida.

    Ferretti (1988), com base nas formulações marxistas, critica a utilização do

    conceito de classe social que se identifica com o conceito de estrato sócio-

    econômico que, geralmente, restringe-se a categorias estatísticas ou

    agrupamentos de pessoas em um sistema de estratificação, o que ajusta tais

    teorias ao enfoque liberal por meio do conceito de mobilidade social, ignorando as

    condições sociais e econômicas próprias do fenômeno da mobilidade e reduzindo

    as relações sociais de produção a fatores contingenciais.

    Outra discordância de Ferretti (1988) em relação às “teorias sociológicas” diz

    respeito à fragmentação do processo de escolha de carreira em variáveis

    intervenientes, ao invés de buscar as relações entre as escolhas e a totalidade

    representada pelo modo de produção, não havendo uma articulação orgânica

    entre os diversos fatores, pouco contribuindo para a compreensão da questão de

    forma global. 12 O campo de estudos e atuação denominado “Orientação Profissional” teve sua nomenclatura questionada e alterada no decorrer de sua história. Como discutido por Moura (2011), o conceito de “vocação” está relacionado a uma concepção dualista de homem. Além disso, a autora atenta para o fato de que, na língua portuguesa, “vocação tem o sentido de “chamamento interior”, enquanto na língua inglesa seu significado é de “profissão, ocupação”. Sendo assim, os termos “Orientação Vocacional” e “Psicologia Vocacional”, não são coerentes com as abordagens materialistas da Psicologia, entre elas a Análise do Comportamento, adotada neste trabalho. Por este motivo, autores materialistas preferem usar o termo “Orientação Profissional” ao invés de “Orientação Vocacional” ou “Psicologia Vocacional”. Em função da abordagem adotada por este trabalho ser materialista, o termo adotado pelo mesmo em relação ao campo mencionado será sempre “Orientação Profissional”, mesmo que autores importantes para a construção de conhecimento na área como Crites e Bohoslavsky usem termos como “Psicologia Vocacional” e “Orientação Vocacional” em seus trabalhos originais.

  • 31

    Ferretti (1988) coloca as “teorias psicológicas” e as “teorias sociológicas” em

    extremos opostos: enquanto as primeiras atribuem a escolha de carreira a fatores

    quase exclusivamente inerentes ao indivíduo, as últimas enfatizam,

    principalmente, os fatores externos ao indivíduo. Assim, ambas tendem a

    estabelecer uma polarização sociedade/indivíduo, reduzindo a relação dialética

    entre eles a uma relação de subordinação.

    Tais polarizações e reduções desconsideram que as experiências cotidianas do homem (como é o caso de suas escolhas profissionais) congregam em si ação/ reflexão/ emoção/ materialidade/ interação social/ interação econômica/ interação política/ etc. A experiência individual é particularidade, mas contém em si toda a carga da estrutura genérica da sociedade onde ela se realiza (p. 31).

    Na tentativa de superar a polarização indivíduo/sociedade, foram propostas por

    teóricos dos EUA formulações de caráter conciliatório entre as duas posições

    polares, denominadas “teorias gerais”. As “teorias gerais” sofreram críticas

    justamente por seu caráter “conciliatório”, sendo consideradas um agregado vago

    de pressupostos, conceitos e hipóteses com pouca relação entre si, recaindo no

    ecletismo conceitual e/ou teórico comum em estudos interdisciplinares e passando

    uma falsa concepção de totalidade resultante da somatória das partes (Ferretti,

    1988).

    Em paralelo às “teorias gerais” da escolha profissional, Ferretti (1988) destaca o

    esquema de Blau (Blau, 1968 apud Ferretti, 1988), que foi construído com a

    preocupação de ser um esquema conceitual, e não uma teoria da escolha

    profissional. Em tal esquema, seus autores procuram mostrar o ingresso do

    indivíduo em uma ocupação como resultado de dois processos que se relacionam:

    o processo de escolha profissional e o processo de seleção profissional. Não se

    trata de uma explicação polarizada, pois o esquema não explica somente as

    escolhas individuais, mas também o processo mais amplo de inserção no mercado

    de trabalho. A função deste esquema é a de mostrar diferentes tipos de fatores

    antecedentes cuja relação precisa ser analisada para que uma teoria seja

  • 32

    desenvolvida por meio de pesquisa empírica. Assim, o esquema de Blau não

    oferece uma explicação sobre o processo de escolha profissional em um dado

    momento histórico, tomando substância e significado quando os determinantes

    aos quais se refere abstratamente puderem ganhar concretude. Ferretti (1988)

    ainda alerta que a pesquisa que usar como base o esquema de Blau pode resultar

    em teorias que relacionam apenas superficialmente as relações entre os estudos

    de natureza psicológica e sócio-econômica.

    A preocupação de superar a falsa dicotomia entre social e individual no campo da

    Orientação Profissional surgiu entre os pensadores latino-americanos na metade

    da década de 1970, quando o psicólogo argentino Bohoslawisky13 indicou como

    perspectiva da Orientação Vocacional a construção de modelos que revelem a

    articulação entre o sistema social e os seres humanos que os sustentam, mantêm,

    transmitem e transformam (Ferretti, 1988). Bohoslawski identifica a Orientação

    Profissional com uma prática pedagógica que tem como um de seus objetivos o

    auxílio na tomada de consciência, esclarecendo tanto determinações subjetivas

    quanto ligadas às relações de produção e de poder do sistema social.

    Os caminhos para uma perspectiva crítica da Orientação Profissional foram

    abertos pelas considerações de Bohoslawisky. Pimenta (1981) e Ferretti (1997)

    propuseram novas abordagens para a Orientação Profissional coerentes com os

    objetivos apresentados por Bohoslawisky, apesar de baseados em um referencial

    teórico distinto.

    Para Bock (2002), na perspectiva crítica em relação à visão tradicional, proposta

    por Ferretti e Pimenta sobre a questão da orientação e escolha profissional, a

    estrutura econômica empurra para o sucesso ou para o fracasso, sendo o

    indivíduo desprovido de autonomia para definir seu caminho e constitui-se em

    reflexo da sociedade. Deste ponto de vista, a escolha pertence às classes

    13 Ferretti (1988) se refere à obra organizada por Bohoslavsky, traduzida para o português em 1983, em que este último autor propõe, em um dos capítulos, um modelo de Orientação Profissional baseado nas concepções de homem e sociedade e, principalmente, no conceito de alienação de Marx.

  • 33

    dominantes, que transportam a ideologia para todas as classes sociais de forma a

    justificar as desigualdades sociais presentes no capitalismo (Bock, 2002).

    Bock (2002) indica as limitações da perspectiva crítica na contribuição para a

    abordagem das questões em pauta, apesar de considerá-la um grande avanço na

    compreensão da sociedade capitalista. Para o autor, tal crítica à ideologia liberal,

    ao negar a liberdade de escolha, nega a existência do indivíduo, entendendo-o

    como mero reflexo da organização social. Bock (2002) coloca a ideologia liberal e

    a perspectiva crítica em dois extremos opostos: na primeira, o indivíduo pode tudo

    e na segunda, o indivíduo não pode nada.

    A análise das trajetórias educacionais e ocupacionais da clientela do ensino

    técnico deve levar em consideração as críticas mencionadas sobre os possíveis

    pontos de vista a respeito das decisões profissionais e da inserção no mercado de

    trabalho, procurando articular determinantes individuais e sociais, mesmo que em

    outra abordagem teórica.

    2.3. A Análise do Comportamento como orientadora do conhecimento sobre

    trajetórias ocupacionais e educacionais e projetos de vida profissional da

    clientela do ensino técnico

    2.3.1. O objeto de estudo da Psicologia na proposta de Skinner e seu modelo

    de seleção por consequências

    Um aspecto essencial da obra de Skinner para a compreensão de como a Análise

    do Comportamento pode contribuir com a construção de conhecimento sobre a

    trajetória educacional e ocupacional da clientela do ensino técnico é sua proposta

    de uma ciência do comportamento.

    Uma possível condição para o entendimento da proposta de ciência formulada por

    Skinner é a compreensão de como este concebe a produção do conhecimento

    científico. Para Sério (1999), duas suposições básicas sustentam esta concepção:

  • 34

    a crença na existência do mundo independente do sujeito que conhece e a crença

    na determinação dos fenômenos.

    Moroz, Lucci e Silveira (2004) destacam que o determinismo implica a

    possibilidade de descrever seu objeto de estudo, o comportamento, na forma de

    leis que permitirão a atuação sobre seus determinantes. Neste sentido, ciência,

    para Skinner, é ação:

    O sistema científico, como a lei, tem por finalidade capacitar-nos a manejar um assunto do modo mais eficiente. O que chamamos de concepção científica de determinada coisa, não é conhecimento passivo. A ciência não se preocupa com a contemplação. Quando já tivermos descoberto as leis que governam uma parte do mundo ao nosso redor, e quando tivermos organizado estas leis em um sistema, estaremos então preparados para lidar eficientemente com esta parte do mundo. (1953/1994, p.26)

    A concepção determinista de comportamento na Análise do Comportamento

    implica uma visão das trajetórias educacionais e ocupacionais da clientela do

    ensino técnico e de seus projetos profissionais como produzidas na relação dos

    indivíduos com o mundo material e social, sendo o último, juntamente com a

    bagagem genética do indivíduo, determinante dos comportamentos que conduzem

    tais trajetórias.

    Sério (1999) ainda reforça que o conhecimento exige interação entre o sujeito e o

    objeto a ser conhecido, causando mudança em ambos.

    O caminho descrito pelo conhecimento científico por Skinner (1953/1994), partindo

    da busca de relações ordenadas dos eventos, passa da observação de episódios

    singulares para a regra geral ou lei científica e, posteriormente, compondo

    arranjos sistemáticos mais amplos chegando a um modelo do objeto de estudo

    que permite que novas regras sejam formuladas. As leis de tal sistema científico

    nos capacitarão a prever e controlar o objeto de estudo.

  • 35

    Skinner (1953/1994) rejeita a observação do comportamento feita cotidianamente

    por todos como possibilidade de construção de conhecimento científico sobre o

    comportamento, já que o leigo não está capacitado a exprimir as relações

    adequadas sobre este. Skinner (1953/1994) considera que com contato com a

    ciência do comportamento devemos “desaprender” muito do que aprendemos com

    esta observação informal.

    A complexidade do comportamento é o que o torna um objeto difícil de ser

    estudado, exigindo muito do cientista, já que é dinâmico, “mutável”, “fluido” e

    “evanescente” (Skinner, 1953/1994, p. 27).

    Como é colocado para a ciência em geral, no caso de uma ciência do

    comportamento, a descrição de um evento singular não é o suficiente, sendo

    necessário buscar a uniformidade, passando do singular para a regra (Skinner,

    1953/1994).

    O autor (1953/1994) ainda ressalta a necessidade do uso dos métodos da ciência

    para o estudo do comportamento, visto que estes se destinam a esclarecer e

    explicitar as uniformidades emergidas da observação do comportamento.

    Assim, enquanto ciência, a Análise do Comportamento deve permitir a apreensão

    de características das trajetórias educacionais e ocupacionais não perceptíveis ao

    olhar leigo e a busca de uma uniformidade presente nelas.

    Algumas críticas são dirigidas à ciência do comportamento. Sério (1999) descreve

    o temor de muitos da redução do objeto da Psicologia com uma ciência do

    comportamento, pois entendiam que esta ciência trabalharia exclusivamente com

    o comportamento manifesto e que os fenômenos seriam explicados no nível

    fisiológico, desvirtuando a especificidade da Psicologia. Segundo a autora (1999),

    nenhum destes receios é fundamentado na proposta do behaviorismo radical, pois

    Skinner sempre buscou diferenciar a ciência do comportamento da Fisiologia e

  • 36

    convencer os próprios behavioristas da desnecessidade de excluir os fenômenos

    não observáveis diretamente da ciência do comportamento.

    Sobre a última afirmação, Sério (1999) destaca que para o behaviorismo radical

    cada ser humano é um organismo que interage com o ambiente e se torna pessoa

    ao adquirir um repertório comportamental e se torna um self ao interagir com o

    ambiente social e adquirir autoconhecimento. O foco da análise da ciência do

    comportamento estaria nas duas últimas dimensões: a pessoa e o self (Sério,

    1999).

    Ao contrário do que versa a crítica mencionada por Sério (1999), a Análise do

    Comportamento pode estudar não só aquilo que é manifesto e observável nas

    trajetórias educacionais e ocupacionais e projetos profissionais da clientela do

    ensino técnico. A abordagem é capaz de compreender os membros de tal clientela

    como pessoas que adquiram um repertório comportamental em sua relação com o

    mundo, incluindo toda a sorte de comportamentos não observáveis como aqueles

    que envolvem suas expectativas e as diferentes influências sobre suas decisões

    por exemplo. A Análise do Comportamento ainda reconhece este membro como

    um self, no sentido de que ele é capaz de reconhecer os comportamentos de seu

    repertório em sua trajetória e escolher as condições que o determinam, o que

    perm