Regina Célia Alves Barreira · Barreira, Regina Célia Alves. The professional life project...
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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC-SP
Regina Célia Alves Barreira
O PROJETO DE VIDA PROFISSIONAL DESENVOLVIDO
NA TRAJETÓRIA EDUCACIONAL E OCUPACIONAL DA
CLIENTELA DO ENSINO TÉCNICO
DOUTORADO EM EDUCAÇÃO: PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO
SÃO PAULO
2013
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Regina Célia Alves Barreira
O PROJETO DE VIDA PROFISSIONAL DESENVOLVIDO
NA TRAJETÓRIA EDUCACIONAL E OCUPACIONAL DA
CLIENTELA DO ENSINO TÉCNICO
Tese submetida à banca examinadora
como exigência parcial para obtenção
do título de doutor em Educação:
Psicologia da Educação pela Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo,
sob orientação do Prof. Dr. Sérgio
Vasconcelos de Luna.
Programa de Estudos Pós-Graduados em Educação: Psicologia da Educação
PUC-SP
2013
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Banca Examinadora
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AGRADECIMENTOS
Às Profas. Dras. Helena Gemignani Peterossi , Alice Itani, Maria do Carmo
Guedes e Mitsuko Aparecida Makino Antunes, por aceitarem o convite para
comporem a banca e pelas contribuições para o projeto.
Ao meu orientador Prof. Dr. Sérgio Vasconcelos de Luna por, mais uma vez,
orientar meu trabalho de forma impecável e pelas infinitas compreensão, paciência
e dedicação.
À minha família e aos meus amigos pelo apoio, afeto e acolhimento.
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RESUMO
Barreira, Regina Célia Alves. O projeto de vida profissional desenvolvido na trajetória educacional e ocupacional da clientela do ensino técnico.
O objetivo do presente trabalho é identificar, descrever e analisar a trajetória ocupacional e educacional de egressos do ensino técnico de nível médio, por meio da análise das prováveis contingências estabelecidas e dos comportamentos da classe de comportamentos “Projetar a Vida Profissional” emitidos no decorrer da trajetória de egressos. Para tal, as trajetórias conhecidas de egressos do ensino técnico foram relatadas. Foram selecionados 14 dos egressos que tiveram sua história relatada para a inserção de dados sobre as trajetórias em um banco de dados. Dos 14 egressos, foram selecionados 3 egressos oriundos do ensino técnico em instituições particulares para entrevista. A análise dos dados inseridos no banco de dados confrontados com a bibliografia da área revelou questões como as expectativas em relação ao curso técnico, a continuidade dos estudos, a evasão profissional, a influência da família e das atividades econômicas locais, as conquistas possibilitadas pelo curso técnico e o amadurecimento profissional. A análise do repertório de comportamentos da classe de comportamentos “Projetar a Vida Profissional” mostra que os projetos profissionais dos egressos das instituições privadas está mais pautado na necessidade de trabalho que de profissionalização e que estes carecem de um repertório de escolher profissões e decidir-se profissionalmente devido à escassez de opções e informações. Estes resultados sobre os egressos do ensino técnico em instituições privadas são a principal diferença entre seus projetos profissionais e aqueles dos que cursaram este nível de ensino em instituições públicas ou privadas gratuitas. A análise do desenvolvimento do repertório com base em um sistema comportamental da classe de comportamentos “Projetar a Vida da Profissional” se mostra útil para a compreensão de como os comportamentos pertencentes a esta se instalam, assim como para o aprimoramento do próprio sistema e para o desenvolvimento de intervenções em Orientação Profissional direcionadas a grupos específicos.
Palavras-chave: Trajetórias educacionais e ocupacionais, ensino técnico, projeto profissional, Análise do Comportamento
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ABSTRACT
Barreira, Regina Célia Alves. The professional life project developed in the educational and occupational trajectory of technical education clienteles.
the aim of this work is to identify, describe and analyze the trajectory of occupational and educational graduates from secondary technical school, by analyzing the likely contingencies established and behavior of the class of behaviors "Designing a Professional Life" issued during the graduates’ path. For this, the known trajectories of graduates of technical education were reported. We selected 14 of the graduates who had their story told and collected their data to a database. Of the 14 graduates, three were selected from technical education in private institutions for the interview. The analysis of the data entered in the database confronted with the literature of the area revealed issues such as expectations for the technical course, continuing studies, avoidance training, the influence of family and local economic activities, achievements made possible by the technical course and professional maturity. The behavioral analysis of the repertoire of the class of behaviors "Designing a Professional Life" shows that the professional projects of the graduates of private institutions are more guided by the need for jobs over the professionalization and they lack a repertoire of professions to choose and decide from professionally due to absence of options and information. These results on the graduates of technical education from private institutions are the main difference between their professional projects and those who attended this level of education in public or free private institutions. The analysis of the development of the repertoire based on a behavioral system of class behavior "Designing a Professional Life" proves to be useful for understanding how behaviors belonging to these are set, as well as for the improvement of the system itself and the development of interventions in vocational guidance targeted to specific groups.
Keywords: Educational and occupational trajectories, Technical education, Professional life, Behavior Analysis
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SUMÁRIO
ORIGEM DO PROBLEMA............................................................................ 01
APRESENTAÇÃO DO PROBLEMA............................................................. 07
1. DETERMINANTES HISTÓRICOS DAS TRAJETÓRIAS EDUCACIO-NAIS E PROFISSIONAIS DA CLIENTELA DO ENSINO TÉCNICO............ 17
1.1. Ensino Médio, Formação Profissional e Ensino Técnico no Brasil.................................................................................................. 17
2. ESCOLHA PROFISSIONAL, ORIENTAÇÃO PROFISSIONAL E O COMPORTAMENTO DE PROJETAR A VIDA PROFISSIONAL................. 25
2.1. A escolha profissional na história................................................ 25 2.2. Concepções sobre a escolha profissional................................... 27 2.3. A Análise do Comportamento como orientadora do conhecimento sobre trajetórias ocupacionais e educacionais e projetos de vida profissional da clientela do ensino técnico.............. 33
2.3.1. O objeto de estudo da Psicologia na proposta de Skinner e seu modelo de seleção por consequências.............. 33 2.3.2. O homem e a sociedade na proposta de Skinner........... 37
3. EXPERIÊNCIAS DA CLIENTELA DO ENSINO PROFISSIONALIZANTE DE NÍVEL MÉDIO................................................ 48 4. CONSIDERAÇÕES METODOLÓGICAS................................................. 71
4.1. Relato verbal e sua utilização para acesso a eventos privados relacionados à trajetória educacional e ocupacional da clientela do ensino técnico.................................................................................... 72 4.2. A classe de comportamentos “Projetar a Vida Profissional”....... 75 4.3. A História Oral de Vida................................................................ 79
5. MÉTODO.................................................................................................. 81 5.1. Experiência pessoal.................................................................... 81 5.2. Colaboradores............................................................................. 81 5.3. Procedimentos de coleta de dados............................................. 86 5.4. Procedimentos de análise das entrevistas.................................. 88 5.5. Instrumento................................................................................. 88
6. RESULTADOS E DISCUSSÃO................................................................ 103 6.1. Análise das trajetórias lançadas no banco de dados.................. 103
6.1.1. Expectativas e motivações em relação ao curso técnico 105 6.1.2. Continuidade dos estudos e evasão em curso superior. 113 6.1.3. Diferenças entre períodos de realização do curso.......... 120 6.1.4. Percurso profissional e abandono da área de formação técnica....................................................................................... 121
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6.1.5. Realizações com o curso técnico.................................... 131 6.1.6. Habilitação para o trabalho............................................. 133 6.1.7. Escolha do curso técnico................................................ 135 6.1.8. A influência familiar......................................................... 139 6.1.9. As atividades econômicas locais..................................... 141 6.1.10. Amadurecimento profissional........................................ 144 6.1.11. Origem........................................................................... 145
6.2. Rede 1 – Ivan.............................................................................. 150 6.2.1. O repertório de “Caracterizar variáveis relacionadas a projetar a vida profissional” de Ivan.......................................... 154 6.2.2. O repertório de “Planejar a vida profissional” de Ivan..... 158 6.2.3. O repertório de “Desenvolver projeto de vida profissional” de Ivan.................................................................. 159 6.2.4. O repertório de “Avaliar projeto de vida profissional” de Ivan............................................................................................ 160 6.2.5. O repertório de “Aperfeiçoar projeto de vida profissional” de Ivan.................................................................. 161
6.3. Rede 2 – Kleber.......................................................................... 163 6.3.1. O repertório de “Caracterizar variáveis relacionadas a projetar a vida profissional” de Kleber....................................... 171 6.3.2. O repertório de “Planejar a vida profissional” de Kleber. 179 6.3.3. O repertório de “Desenvolver projeto de vida profissional” de Kleber............................................................... 181 6.3.4. O repertório de “Avaliar projeto de vida profissional” de Kleber........................................................................................ 182 6.3.5. O repertório de “Aperfeiçoar projeto de vida profissional” de Kleber............................................................... 185
6.4. Rede 3 – Ulisses......................................................................... 187 6.4.1. O repertório de “Caracterizar variáveis relacionadas a projetar a vida profissional” de Ulisses...................................... 196 6.4.2. O repertório de “Planejar a vida profissional” de Ulisses 201 6.4.3. O repertório de “Desenvolver projeto de vida profissional” de Ulisses............................................................. 201 6.4.4. O repertório de “Avaliar projeto de vida profissional” de Ulisses....................................................................................... 202 6.4.5. O repertório de “Aperfeiçoar projeto de vida profissional” de Ulisses............................................................. 204
7. CONCLUSÕES SOBRE AS TRAJETÓRIAS OCUPACIONAIS E EDUCACIONAIS E PROJETOS PROFISSIONAIS DOS EGRESSOS DO ENSINO TÉCNICO....................................................................................... 207 CONSIDERAÇÕES FINAIS.......................................................................... 212 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS............................................................. 215 FONTES CONSULTADAS 223
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A ORIGEM DO PROBLEMA
O problema tratado no presente trabalho tem correspondência com as minhas
próprias inquietações pessoais e profissionais a respeito do papel do ensino
técnico para a sociedade e, principalmente, para aqueles que o frequentam ou
pretendem frequentá-lo, visto que sou egressa do ensino técnico de nível médio,
além de filha, irmã e sobrinha de outros egressos desta modalidade de ensino.
Objetos de maior inquietação durante todos estes anos que tenho convivido com
egressos do ensino técnico e por minha própria experiência, são os diferentes
rumos tomados por estes egressos em relação às suas ocupações e aos cursos
frequentados por estes. Essa diversidade entre os rumos tomados por diferentes
egressos tem me levado a questionar até que ponto as trajetórias ocupacionais e
educacionais de egressos do ensino profissionalizante de nível médio e os
projetos de vida profissional construídos no decorrer destas têm propiciado à sua
clientela uma trajetória educacional e ocupacional que contemple os objetivos de
tal modalidade de ensino e atendido às necessidades deste público.
Observa-se uma grande diversidade nas trajetórias dos egressos conhecidos. Tal
diversidade torna-se mais evidente partindo da compreensão das trajetórias
ocupacionais e educacionais, como todo o conjunto de contingências relacionadas
às atividades de trabalho e à educação formais ou informais às quais o indivíduo
foi exposto no decorrer da sua vida que, relacionadas sucessivamente umas com
as outras, culminaram em seu estado atual.
Tomando o projeto de vida profissional como um conjunto de comportamentos
adquiridos pela experiência das contingências vividas e que permitem a projeção
de um futuro profissional, nota-se que os egressos conhecidos apresentam
objetivos e expectativas que não necessariamente correspondem às
consequências do curso técnico.
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Ainda, considerando as necessidades do público-alvo do ensino médio, ou seja,
de sua clientela, composta por, todos os indivíduos para os quais o ensino técnico
de nível médio é ofertado, podendo ou não ter frequentado um curso desta
modalidade de ensino, a diversidade de trajetórias e projetos será ainda maior do
que aquela apresentada por egressos. Dentre os possíveis membros da clientela
que não frequentaram o curso técnico estão compreendidos candidatos à prova de
ingresso em instituições que oferecem cursos desta modalidade que não foram
aprovados para a vaga e até mesmo aqueles que poderiam ter seus objetivos
atendidos pelo curso técnico mas que não detinham conhecimento a respeito dele.
Porém, as questões relacionadas às histórias dos egressos do ensino técnico com
quem convivo ou convivi, e que também se revelam em minha própria trajetória,
somadas às discussões acadêmicas das quais tenho participado e às leituras a
respeito do ensino técnico e das trajetórias de seus alunos e egressos mudaram a
minha percepção do que é o ensino técnico de nível médio e de quais questões
ainda necessitam de investigação nesta área. Por este motivo, minha concepção
de ensino técnico a partir da minha própria experiência, confrontada com as
concepções mais difundidas, passou a substituir as descrições de trajetórias
conhecidas e as questões suscitadas por estas enquanto origem do problema,
visto que tais trajetórias e questões encontram algum suporte na bibliografia da
área e necessitam ser discutidas em confronto com esta bibliografia.
Uma possibilidade de conceber o ensino técnico de nível médio é defini-lo por
seus objetivos. Entretanto, estes têm mudado no decorrer de sua história em
função das relações políticas do país, de suas condições econômicas e das
necessidades sociais. Tomando a descrição de ensino técnico divulgada
atualmente pelo Ministério da Educação nas “Perguntas Frequentes”, do Catálogo
Nacional de Cursos Técnicos de Nível Médio (2012b), o propósito dos
ingressantes na modalidade de ensino é o acesso imediato ao mercado de
trabalho, ou a requalificação e a reinserção no setor produtivo, o que não
necessariamente corresponde aos propósitos dos ingressantes e, quando
corresponde, não necessariamente é alcançado, o que é evidenciado pelas
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trajetórias educacionais e ocupacionais de egressos do ensino técnico com os
quais tive contato, dos quais muitos nunca exerceram atividades relacionadas à
formação técnica, ou logo as abandonaram, e buscaram novas formações e
ocupações divergentes daquela cursada no ensino técnico.
Diante desta experiência, me questiono até que ponto os propósitos dos
ingressantes no ensino técnico são atendidos ou frustrados e até mesmo se os
propósitos dos ingressantes correspondem àqueles descritos na definição de
ensino técnico divulgada pelo próprio órgão governamental que o regulamenta.
Tal realidade também contraria o que os governantes e a mídia pregam a respeito
do ensino técnico, tido por estes como solução para atender a uma grande
demanda por mão de obra qualificada e, consequentemente, como forma de
geração de emprego. Como exemplo dessa contradição, o ensino técnico aparece
como solução para o desemprego em propostas de candidatos nas eleições1 e no
telejornal diário de grandes emissoras de televisão2.
Este discurso recorrente da geração de emprego por meio do ensino técnico,
muitas vezes, é amparado por pesquisas que revelam apenas um recorte das
trajetórias dos egressos desta modalidade de ensino que podem mostrar um
índice de empregabilidade enviesado. Por exemplo, algumas escolas técnicas e
até redes de ensino realizam pesquisas com seus egressos recém-formados, que
trazem perguntas objetivas sobre a inserção no mercado de trabalho após o
término do curso e que não consideram a afinidade do trabalho realizado com a
formação oferecida pelo ensino técnico. Tais pesquisas não são capazes de
1 Nas últimas eleições para prefeito no Brasil, tais propostas ocorreram nos planos de governo de diversos candidatos, como tem sido regra nos últimos anos. No debate entre candidatos à Prefeitura da Cidade de São Paulo, a proposta para a área do trabalho e emprego apresentada pelo candidato José Serra, é exemplo de como o ensino técnico tem sido tomado como solução para o desemprego pelos governantes. 2 O Jornal Hoje da Rede Globo de Televisão frequentemente tem um quadro sobre mercado de trabalho que aborda a temática com o viés mencionado. Pode-se considerar o programa exibido no dia 6 de abril de 2009 como exemplo.
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mostrar com clareza como o curso influencia a trajetória ocupacional do aluno
podendo levar a conclusões que não condizem com a realidade.
As características do ensino técnico de nível médio permitem uma grande
variedade nas trajetórias daqueles que o frequentam, visto que existe a
possibilidade de um ingresso desde a conclusão do ensino fundamental e a
possibilidade de cursá-lo tanto concomitantemente ao ensino médio quanto
posteriormente à sua conclusão. Nas trajetórias que acompanhei, isso implica
desde uma decisão bastante precoce por uma profissionalização até uma escolha
após várias experiências ocupacionais.
Quanto à grande variedade de trajetórias, em relação ao ensino superior, pude
testemunhar ao conhecer pessoas que buscaram cursos superiores em áreas
afins ou diferentes daquela em que cursaram o ensino técnico, além daqueles que
cursaram o técnico após a conclusão ou abandono do curso superior, sendo que,
entre os últimos, ainda houve aqueles que retomaram e concluíram o curso
superior abandonado ou outro curso superior.
Cursar o ensino técnico de nível médio, em relação à frequência a outro curso de
educação profissional básica, também tende a ser uma experiência de impacto
relevante. Primeiro, porque o curso técnico tem carga horária mínima de 800
horas (Brasil, 2005), o que implica permanecer neste por um período
relativamente longo e com frequência significativa, na maior parte das vezes por
vários dias da semana durante pelo menos um ano, resultando em um contato
prolongado com colegas e docentes, com a instituição e com o conteúdo.
Segundo, porque o curso técnico exige toda a formação da educação básica e
busca se relacionar com a mesma, permitindo aprofundamento em fundamentos
científicos e tecnológicos. Coerentemente com estas características do ensino
técnico de nível médio, os egressos com os quais tive contato atribuem a este
curso grande importância para o desenvolvimento profissional e pessoal.
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Mesmo não compartilhando dos mesmos objetivos estabelecidos para a educação
básica na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), o ensino técnico
de nível médio é capaz de desenvolver o educando nestes mesmos sentidos.
Sendo assim, a preparação para a cidadania e o aprimoramento do educando
como pessoa humana, que constam como objetivos do ensino médio enquanto
etapa final da educação básica (Brasil, 1996), também podem ser obtidos por
meio do curso técnico, além do desenvolvimento exclusivo das aptidões para a
vida produtiva previstos como objetivos para a educação profissional em tal
legislação.
Apesar de os objetivos da educação básica e da educação profissional não serem
compartilhados na LDB, esta lei considera que é na integração das duas que a
educação profissional atinge os seus objetivos. Além da integração com as outras
formas de educação, na LDB afirma-se que a integração da educação profissional
ao trabalho, à ciência e à tecnologia conduzirão ao seu objetivo de
desenvolvimento de aptidões para a vida produtiva. Porém, sem conhecermos a
trajetória ocupacional e profissional da clientela do ensino técnico e a forma como
esta trajetória se relaciona com os projetos de vida dos indivíduos, não é possível
saber como acontece esta integração.
Sem procurar esgotar questões suscitadas pela legislação educacional, mas
apenas me apoiando nesta para explicitar minhas inquietações, a LDB considera
como objetivo da educação básica, e não da educação profissional, o
fornecimento de meios para progredir em estudos posteriores. Esta lei também
contraria o que vivenciei no contato com egressos do ensino técnico, que foram
capazes de cursar com maior aproveitamento os estudos em cursos superiores na
mesma área em que cursaram o ensino técnico e até em áreas diferentes em
função do que aprenderam no curso técnico.
O convívio com egressos do curso técnico e o conhecimento de sua trajetória
ocupacional e educacional, além da minha própria experiência como egressa do
ensino técnico, permitiram que tivesse uma compreensão do ensino técnico
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diferente ou mais abrangente do que aquela compreendida nas políticas
educacionais e legislações da área, compreensão esta que não separa a
formação técnica da formação científica, da tecnologia, do trabalho e da formação
do indivíduo.
Para que seja possível entender o ensino técnico de nível médio dentro desta
perspectiva, faz-se necessário conhecer trajetórias educacionais e ocupacionais
do indivíduo que vivencia esta formação, composta por seus sucessos e
fracassos, oportunidades e barreiras, das condições sociais, familiares e
econômicas, trajetória inserida em um projeto profissional e em um projeto de vida
que envolvem planejamentos, implementações, avaliações e aperfeiçoamentos.
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APRESENTAÇÃO DO PROBLEMA
Uma questão pouco desenvolvida em trabalhos acadêmicos da área de ações
educativas denominada Orientação Profissional, segundo Ferretti (1988), é a
inserção de trabalhadores na População Economicamente Ativa e sua trajetória no
interior da mesma, apesar de sua evidente relevância. O autor ainda critica a
forma como a questão é abordada nos raros estudos a respeito do assunto, nos
quais, em sua opinião, ocorre uma redução a algum aspecto particular do
desenvolvimento individual, que impede que as múltiplas determinações do objeto
de estudo sejam percebidas.
A escassez de trabalhos que tratam deste objeto, já identificada por Ferretti (1988)
na área de Orientação Profissional há 25 anos, ainda pode ser constatada na
produção mais recente. Ao investigar a literatura da área, é possível perceber que
as trajetórias ocupacionais dos indivíduos são um aspecto pouco explorado por
seus estudiosos.
O estudo de Noronha e Ambiel (2006) corrobora esta afirmação ao concluírem que
entre os trabalhos produzidos entre 1950 e 2005, no Brasil, e revisados pelos
autores predominavam trabalhos de revisões teóricas e de verificação de
qualidade de instrumentos de avaliação. Os trabalhos que buscaram caracterizar
populações específicas com relação a variáveis referentes aos interesses ou
processos de escolha profissional, dentre os quais alguma exploração de aspectos
da trajetória educacional e/ou profissional e do projeto profissional pode ter
ocorrido, representam apenas 11% dos trabalhos revisados por Noronha e Ambiel
(2006).
Tal carência de estudos sobre as trajetórias dos indivíduos também pode ser
verificada na literatura que aborda a educação voltada à formação técnico-
profissional. Apesar da relevância das trajetórias ocupacionais e educacionais dos
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estudantes para a compreensão das relações da formação técnico-profissional
com sua clientela, aquelas não têm sido abordadas com frequência por
pesquisadores que estudam os diferentes níveis e modalidades de ensino que têm
tal formação como objetivo.
A pesquisa documental coordenada pela Universidade Federal de Goiás
(SEB/MEC e UFG, 2009a) que buscou produções acadêmicas sobre o ensino
médio no país publicadas entre 1998 e 2008 ratifica a alegação anterior. O estudo
levantou 1992 registros de estudos sobre a temática e investigou 6 eixos
temáticos: condições de trabalho docente, infraestrutura, organização do trabalho
pedagógico, perfil do aluno, perfil do professor e políticas públicas/gestão
educacional. Os temas do eixo temático Perfil do Aluno, dentro do qual pesquisas
sobre aspectos das trajetórias educacionais e ocupacionais e dos projetos
profissionais dos alunos podem se inserir, segundo o relatório da pesquisa:
(...) parecem pouco expressivos, sem muita clareza de intenção para uma análise mais aprofundada das características biopsicossociais do estudante do ensino médio, enquanto sujeito. (p. 14)
Entre as temáticas dentro do eixo Perfil do Aluno que se relacionam com aspectos
das trajetórias educacionais e ocupacionais identificadas por SEB/MEC e UFG
(2009a), é possível mencionar: identidade e escolha profissional, juventude e
mundo do trabalho, articulação entre trabalho e educação. Porém, estas
temáticas, além de não abarcarem a totalidade dos aspectos das trajetórias,
figuram em meio a outras dezenas de temáticas, o que as torna escassas dentro
deste eixo que já é considerado pouco representado na totalidade da produção de
conhecimento da área.
No que diz respeito ao ensino técnico de nível médio especificamente, dos 1992
trabalhos levantados e analisados (SEB/MEC e UFG, 2009a), apenas 183 tratam
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deste nível de ensino3. Destes 183 trabalhos, apenas 9 eram categorizados como
membros do eixo temático Perfil do Aluno, e outros 4 foram atribuídos a este eixo
de forma secundária.
A maior parte dos assuntos abordados nestes 13 trabalhos tem pouca ou
nenhuma relação com as trajetórias dos alunos, tratando de questões como
representação dos alunos sobre seus corpos, recursos mobilizados para a solução
de inadequações, motivação para o estudo, percepções sobre as políticas de
educação profissional, percepção sobre a instituição de ensino, expressão
linguística, percepção sócio-ambiental e desempenho educacional.
Os trabalhos que guardam relação com as trajetórias dos alunos abordam
aspectos como a articulação estabelecida entre trabalho e educação, a influência
do curso sobre o desenvolvimento de competências profissionais e condição
sócio-econômica, o perfil sócio-econômico do aluno e a formação da identidade
profissional4.
Percebe-se, pelo levantamento de produção de SEB/MEC e UFG (2009a), que
dos poucos trabalhos que foram produzidos entre 1998 e 2008 no Brasil5 que
abordam aspectos das trajetórias educacionais e ocupacionais dos alunos e
egressos do ensino técnico de nível médio, quando o fazem, tendem a discutir
questões específicas e isoladas do resto da trajetória. Outras restrições como a 3 O levantamento dos trabalhos de SEB/MEC e UFG (2009a) que abordavam o ensino técnico foi por mim realizado a partir das fichas de análise publicadas em SEB/MEC e UFG (2009b). Foram considerados trabalhos que abordam o ensino técnico tanto aqueles que o tratavam em seu problema quanto aqueles que acessaram informações de instituições que ofertam esta modalidade de ensino. Até mesmo trabalhos que realizaram uma comparação entre dados obtidos de instituições que oferecem ensino médio não profissionalizante e aqueles levantados em escolas técnicas foram considerados nesta seleção. 4 A perspectiva do aluno é discutida, tanto no resumo identificado dentre as fichas de SEB/MEC e UFG (2009b) quanto na pesquisa de Nakano (1996), revisada no capítulo 3 do presente trabalho, como um dos componentes do processo de construção da identidade com base na obra de Antônio da Costa Ciampa. 5 Apesar da identificação de lacunas no levantamento de SEB/MEC e UFG (2009a), como a ausência dos trabalhos de Trevisan e Veloso (2007) e Azevedo (2007), entre outros identificados mas não revisados no presente trabalho, a pesquisa ainda é considerada representativa do estado da arte da produção sobre o ensino de nível médio em função da evidente extensão do trabalho.
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limitação a um determinado período da trajetória ou a dados objetivos obtidos por
questionários fechados6, também são comuns nos trabalhos encontrados. Outros
levantamentos feitos para o presente trabalho7 corroboram os aspectos
salientados sobre a análise do material publicado em SEB/MEC e UFG (2009b).
Ferretti (1988) também questiona a limitação dos trabalhos da área de Orientação
Profissional em relação ao público pesquisado ao analisarem as escolhas
ocupacionais, visto que, se restringem a estudar indivíduos que podem exercer
opções em função de sua condição social e econômica.
Ao investigar as trajetórias ocupacionais de trabalhadores das classes
subalternas, Ferretti (1988) destaca que tais percursos apresentam-se pontilhados
de idas e vindas, avanços e retrocessos, escolhas e não-escolhas, o que contraria
a idéia de um desenvolvimento ocupacional linear defendido por algumas teorias,
tornando tal linearidade questionável. No caso da clientela do ensino técnico, é
possível observar percursos semelhantes àqueles descritos pelos trabalhadores
estudados por Ferretti (1988), provavelmente por suas características em comum
como classe trabalhadora.
Ainda cabe acrescentar à crítica do autor faz aos trabalhos realizados sobre
trajetórias, a restrição a apenas um comportamento componente da trajetória
ocupacional como objeto de estudo, visto que esta pode ser composta por uma
grande diversidade de comportamentos e um comportamento presente em uma
6 Apesar de demonstrar uma contribuição importante para a compreensão do papel do ensino técnico na trajetória dos seus egressos, o estudo de Franco e Serber (1990), revisado no capítulo 3 do presente trabalho, apresenta limitações tanto em relação ao período da trajetória profissional dos sujeitos quanto a respeito do uso de dados objetivos, apesar de algumas questões abertas terem sido incluídas no questionário utilizado pela autora. 7 Em buscas realizadas no Portal de Periódicos Capes e no banco de dissertações e teses da Capes, foram identificados cerca de 30 trabalhos nos últimos 10 anos que possivelmente acessam algum aspecto do perfil do aluno e/ou egresso do ensino técnico de nível médio. Em sua maioria, estes trabalhos apresentavam as mesmas limitações em relação a aspectos das trajetórias educacionais e ocupacionais mencionadas sobre os trabalhos encontrados no levantamento de SEB/MEC e UFG (2009b).
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trajetória pode não ser apresentado em outra, indicando a necessidade de
considerar todos os possíveis comportamentos em cada trajetória.
A pesquisa de trajetórias ocupacionais e educacionais de egressos do ensino
técnico de nível médio pode revelar aspectos relacionados a como a clientela
deste nível de ensino se comporta em relação à educação e ao trabalho
projetando sua vida profissional, enriquecendo a discussão a respeito desta
modalidade de ensino. As histórias conhecidas de egressos do ensino técnico
sugerem questões a respeito da relação do ensino técnico com sua clientela que
somente podem começar a ser mapeadas ao longo das trajetórias e projetos
individuais.
Partindo destas considerações, é possível entender a investigação das trajetórias
ocupacionais e educacionais da clientela do ensino técnico de nível médio como
um meio privilegiado para o acesso à diversidade de comportamentos de projetar
a vida profissional produzidos no decorrer das mesmas e para o melhor
entendimento dos membros desta clientela enquanto sujeitos.
Tanto determinantes sociais e econômicos quanto individuais e subjetivos
precisam ser considerados conjuntamente e não de forma isolada para a
compreensão das trajetórias. Portanto, as trajetórias ocupacionais e educacionais
de egressos do ensino técnico devem ser abordadas considerando a ação
conjunta de diferentes tipos de variáveis. Neste sentido, os comportamentos
emitidos na trajetória dos egressos devem ser compreendidos tanto pela ação das
variáveis dispostas pelo ambiente particular do indivíduo quanto daquelas
dispostas pelo conjunto de indivíduos membros da comunidade na qual o egresso
se insere em um repertório complexo de comportamentos. No segundo caso,
devem ser considerados os efeitos da cultura sobre o comportamento do
indivíduo. Na Análise do Comportamento, a análise do ambiente social permite
explicar aspectos essenciais da cultura e entender seu efeito sobre o
comportamento individual (Skinner, 1953/1994). A ampla descrição do ambiente
social na Análise do Comportamento permite abordar a determinação social das
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trajetórias dos egressos, assim como a mesma abordagem pode tratar sua
determinação individual.
Além disso, as trajetórias, compostas de eventos objetivos e observáveis, se
relaciona com eventos encobertos e subjetivos tanto como estímulos
antecedentes quanto como consequências. Como exemplo destes eventos
encobertos pode-se mencionar todos os estímulos que levaram a uma escolha
pelo curso ou pela escola e a avaliação da trajetória percorrida para prossegui-la.
Por este motivo, cabe uma diferenciação entre a trajetória educacional e
ocupacional do egresso e o projeto de vida profissional construído durante a
mesma.
Projetar a vida profissional requer um repertório complexo de comportamentos que
envolve a capacidade de decidir sobre o desenvolvimento profissional, elaborar
objetivos profissionais e formas de alcançá-los, além de desenvolver-se
profissionalmente (Luiz, 2008).
Sendo assim, o projeto de vida profissional contempla todos os eventos públicos
que compõem a trajetória ocupacional e educacional, relacionados à
implementação e ao desenvolvimento do projeto profissional, e ainda todos os
eventos encobertos relacionados a projeção do futuro profissional.
Pode-se afirmar que projetar a vida profissional é um repertório complexo de
solução de problemas, tomada de decisão e autocontrole, que por sua vez, requer
o autoconhecimento8. Como característica comum e essencial destes
comportamentos, salienta-se o arranjo ambiental pelo próprio sujeito e não pelos
outros, o que torna o repertório de projetar a vida profissional tanto mais
desenvolvido quanto mais o sujeito for capaz de arranjar as condições ambientais.
8 Os comportamentos específicos de solução de problemas, tomada de decisão e autocontrole são definidos e relacionados aos comportamentos da classe de comportamentos “Projetar a vida profissional” no capítulo 2.
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13
Porém, são as condições vividas no decorrer da trajetória educacional e
ocupacional que permitem o desenvolvimento do repertório de projetar a vida
profissional. Isso significa que a própria trajetória determina o projeto profissional
e, consequentemente, é responsável por quanto este projeto será aprimorado ou
permanecerá precário, o que corrobora a afirmação de Ferretti (1988) de que,
quando os indivíduos não têm opções para decidir sobre sua vida profissional, o
comportamento de tomada de decisão não faz parte de seu repertório, levando
sujeitos nestas condições a não serem contemplados em estudos sobre escolha
profissional.
Analisando por este outro ponto de vista, é possível entender que os indivíduos
podem ter seus repertórios de projetar a vida profissional mais ou menos
desenvolvidos em função das condições sociais e econômicas durante suas
trajetórias, o que não significa que não haja repertório algum. Resta saber qual
repertório foi possível desenvolver por aqueles que tiveram condições menos
privilegiadas.
Mesmo com um repertório de projetar a vida profissional precário, todo indivíduo
que em algum momento frequentou o ensino formal e teve uma atividade
ocupacional teve uma trajetória educacional e ocupacional, assim tendo um
desenvolvimento profissional. Este desenvolvimento, que diz respeito ao que
efetivamente foi realizado, corresponde à parte do repertório de projetar a vida
profissional.
A questão envolvida no estudo das escolhas de um público menos favorecido
economicamente, concebendo as diferenças entre as trajetórias educacionais e
ocupacionais e os projetos profissionais, não é a possibilidade de investigar o
problema a partir deste público, mas sim considerar as diferentes trajetórias
percorridas e as diferentes possibilidades de desenvolvimento do projeto
profissional.
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14
Considerando-se
• a diversidade de trajetórias ocupacionais e educacionais e de projetos
profissionais conhecidos de egressos do ensino técnico e de questões por
estas suscitadas,
• a diversidade de comportamentos componentes do projeto de vida
profissional,
• a escassez de trabalhos que abordem as trajetórias ocupacionais e
educacionais e os projetos de vida profissional da clientela do ensino
técnico em sua totalidade de aspectos comportamentais e de percurso de
vida e
• a relevância das trajetórias ocupacionais e educacionais e projetos
profissionais dos indivíduos para a compreensão da relação destes com o
sistema de ensino
o objetivo do presente trabalho é identificar, descrever e analisar a trajetória
ocupacional e educacional de egressos do ensino técnico de nível médio, por meio
da análise das prováveis contingências estabelecidas e dos comportamentos da
classe de comportamentos “Projetar a Vida Profissional” emitidos no decorrer da
trajetória de egressos relatados verbalmente por egressos desta modalidade de
ensino de forma a conhecer a relação desta modalidade de ensino com sua
clientela.
Tal fenômeno torna-se objeto de estudo pertinente à Psicologia da Educação,
visto que esta “tem como proposta a investigação sobre a constituição do sujeito
social que se dá nas trocas intersubjetivas em contextos que a sociedade oferece
aos indivíduos através da educação formal ou informal” (Szymanski, 2000, p.15).
Assim, a forma como egressos do ensino técnico constituem-se como sujeitos por
via das relações estabelecidas com as contingências sociais no decorrer de sua
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15
trajetória ocupacional e educacional pode ser destacada como uma contribuição
da Psicologia da Educação considerando-se a definição de Szymanski.
A cultura e o ambiente social determinam as contingências em que as trajetórias
ocupacionais e educacionais da clientela do ensino técnico se inserem a cada
momento da oferta desta modalidade e são determinantes fundamentais para a
compreensão do comportamento dos indivíduos em questão. Estas contingências
são descritas no Capítulo 1, que aborda a história do ensino técnico no Brasil.
Parte dos comportamentos presentes nas trajetórias ocupacionais e educacionais
dos indivíduos já tem sido tratada na literatura sob outros rótulos e estes trabalhos
podem contribuir com a forma como estes comportamentos devem ser abordados.
O Capítulo 2 apresenta as teorias de escolha profissional e a Orientação
Profissional como áreas que contribuem para a abordagem das trajetórias
ocupacionais e educacionais da clientela do ensino técnico de nível médio. Ainda
neste capítulo, a Análise do Comportamento é apresentada em suas
possibilidades de abordagem do fenômeno tratado no problema de pesquisa.
A literatura também contém trabalhos que abordam aspectos das experiências
contidas na trajetória ocupacional e educacional de alunos e egressos do ensino
técnico de nível médio ou sujeitos que compartilham características com a
clientela desta modalidade de ensino. Tais trabalhos abordam experiências
individuais, mas trazem o contexto mais amplo no qual se inserem, revelando o
impacto das contingências sobre os indivíduos. Por estas particularidades, estes
trabalhos são descritos no Capítulo 3.
O Capítulo 4 traz considerações metodológicas sobre os comportamentos que
devem ser focalizados a partir de uma organização em um sistema dos
comportamentos pertencentes à classe de comportamentos “Projetar a Vida
Profissional” e sobre o relato verbal como fonte de informação para a Analisa do
Comportamento. O capítulo ainda apresenta a História Oral de Vida como método
para a realização das entrevistas
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Os procedimentos utilizados para a coleta e análise dos dados estão descritos no
Capítulo 5. Neste capítulo, também são definidos os critérios de escolha dos
colaboradores da pesquisa e descritas as características do banco de dados
utilizado para a coleta de dados.
No capítulo 6, são apresentados os resultados e a discussão da análise do banco
de dados, assim como das entrevistas.
Conclusões relacionadas às trajetórias ocupacionais e educacionais dos egressos,
assim como aos seus projetos profissionais, são apresentadas no Capítulo 7.
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1. DETERMINANTES HISTÓRICOS DAS TRAJETÓRIAS EDUCACIONAIS E
PROFISSIONAIS DA CLIENTELA DO ENSINO TÉCNICO
Dentre os determinantes da trajetória ocupacional e educacional da clientela do
ensino técnico incluem-se as contingências em que estas se inserem a cada
momento da oferta desta modalidade de ensino. Assim, para compreender o
comportamento dos indivíduos no decorrer de seu projeto profissional, é
necessário conhecer a história do ensino técnico no Brasil e o panorama
econômico em que estas trajetórias se inserem. Estes determinantes históricos
serão o conteúdo dos tópicos a seguir.
1.1. Ensino Médio, Formação Profissional e Ensino Técnico no Brasil
A literatura sobre a história da educação profissional no Brasil, além de descrever
o ambiente no qual esta modalidade da educação se insere e a visão dos
dirigentes sobre esta pelas políticas públicas implementadas a seu respeito, indica
qual é a população à qual a formação é destinada e quais são as suas
características (Cordão, 2005; Franco e Serber, 1988; Zibas, 2005a; Zibas,
2005b).
A formação em educação profissional no Brasil tem refletido o dualismo entre as
elites e a maioria da população desde o regime colonial e escravagista, que
influenciou, com sua visão preconceituosa das relações sociais entre as “elites
condutoras” e os operários, a visão de educação técnica e profissional (Cordão,
2005). Este autor relembra que, durante a escravidão, os trabalhadores eram
relegados a uma condição social inferior e não tinham direito à educação, já que
esta não era considerada necessária para a formação de mão-de-obra.
A formação profissional no Brasil adquiriu caráter assistencialista desde seus
primórdios, sendo reservada às classes menos favorecidas e àqueles que
precisavam se inserir imediatamente no mercado de trabalho e não tinham acesso
à educação básica (Cordão, 2005).
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As primeiras instituições a realizar atividades de formação profissional,
mencionadas por Cordão (2005), foram criadas em meados da década de 1840 e
tinham como objetivo a “diminuição da criminalidade e vagabundagem (p.44)” e
abrigar menores abandonados e órfãos.
O ensino profissional manteve seu traço assistencialista no início do século XX,
sendo destinado aos menos favorecidos socialmente (Cordão, 2005). Tal
orientação, segundo o autor, foi agregando uma outra: a preparação de operários
para o trabalho.
Em 1906, o ensino profissional deixou de ser atribuição dos órgãos de assistência
social e passou à responsabilidade do Ministério da Agricultura, Indústria e
Comércio, enquanto a educação regular era competência do Ministério da Justiça
e dos Negócios Interiores. Foi consolidada tanto “uma concepção de formação
profissional orientada ao desenvolvimento dos chamados ´setores produtivos´
quanto ’uma política de incentivo ao desenvolvimento do ensino comercial,
industrial e agrícola’” (Cordão 2005, p. 45).
Nos anos subsequentes, foram criadas escolas comerciais públicas e privadas,
Liceus de Artes e Ofícios para atendimento prioritário ao ensino industrial e
escolas agrícolas. Também foram criadas as escolas de oficinas, destinadas à
formação daqueles que pretendessem trabalhar na malha ferroviária, e as escolas
de aprendizes e artífices, embrião da rede federal de educação profissional
(Cordão, 2005).
A formação profissional se limitou ao treinamento operacional para a produção em
série e padronizada até o início da década de 1940, época em que houve a
incorporação de grande número de operários semiqualificados e que uma minoria
dos trabalhadores carecia de competências profissionais mais complexas, sendo a
baixa escolaridade da massa dos trabalhadores desconsiderada como ameaça
para o desenvolvimento econômico (Cordão, 2005).
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Em 1937, foi outorgada pelo regime do Estado Novo a Constituição brasileira que
previa, como dever do Estado, a existência de escolas vocacionais e pré-
vocacionais para as “classes menos favorecidas”, contanto com a colaboração das
“classes produtoras”, estas últimas incumbidas de criar escolas de aprendizes
para os filhos dos operários (Cordão, 2005). Tal determinação possibilitou a
criação do Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI), Serviço
Nacional de Aprendizagem Comercial (SENAC) e da Rede Federal de
Estabelecimentos de Ensino Industrial. Desta forma, consolidou-se a implantação
do ensino profissional no Brasil, ainda tratado preconceituosamente como
“educação de segunda categoria” (Cordão, 2005).
O ensino profissional, conforme enfatizam Franco e Serber (1990), foi elevado
definitivamente ao grau médio a partir da década de 1940, quando se cristalizou,
inclusive no plano legal, a dicotomia neste nível de ensino entre um ensino
secundário destinado à formação das individualidades condutoras contra um
ensino profissional para a formação de trabalhadores.
Para Cordão (2005), as Leis Orgânicas da Educação Nacional, na década de
1940, acentuavam o preconceito sobre a educação profissional, demonstrando
que a atribuição dos dois ramos do ensino ao Ministério da Educação e Saúde
Pública foi mera formalidade, já que não refletia o ensejo de “circulação de
estudos” entre estes.
Em função das críticas à natureza dicotômica das propostas deste período para o
ensino profissionalizante, foram tomadas providências legais para minimizá-las
(Franco e Serber, 1990).
As primeiras providências se deram em torno da questão da continuidade dos
estudos. Assim, em 1950, a Lei 1076/50 possibilitou que os alunos do 1º ciclo de
qualquer ramo tivessem acesso ao 2º ciclo secundário (Franco e Serber, 1990).
Algum nível de equivalência entre ensino profissional e ensino acadêmico regular
só foi alcançado na década de 1950, quando a lei 1821/53 permitiu aos
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concluintes do ensino profissionalizante a possibilidade de ingressar no nível
superior mediante aprovação em exames para as disciplinas não cursadas. A total
equivalência ocorreu em 1961 com a aprovação da primeira LDB (Cordão, 2005).
Para Franco e Serber (1990), apesar de tais tentativas terem visado à ruptura da
dicotomia entre ensino “técnico”, destinado às classes subalternas, e ensino
“acadêmico”, destinado à classe dirigente, não passaram de soluções
conciliatórias, incapazes de diminuir a função propedêutica do ensino secundário,
já que os esforços deste período foram voltados à equiparação do ensino técnico
ao secundário propedêutico e remoção das barreiras entre eles e a universidade.
Em 1971, a LDB sofreu uma alteração que tornou a educação profissional
universal e compulsória no ensino médio. Em decorrência disso, foram criados
centenas de cursos técnicos sem recursos materiais e humanos apropriados e
sem preocupação com a preservação da carga horária mínima destinada à
educação básica para formação do cidadão e para a adequada formação do
profissional (Cordão, 2005).
A profissionalização compulsória baseava-se em dois argumentos: “(...)
necessidade de preparação de maior número de técnicos, dado o estreitamento
das relações do país com o capital internacional, e necessidade de eliminação da
dualidade do sistema de ensino” (Zibas, 2005a, p. 6).
Como resultado, a universalização da educação profissional no ensino médio
provocou a descaracterização das redes de ensino secundário e o
desmantelamento de parte da rede pública de ensino técnico (Cordão, 2005).
Segundo o autor, tais circunstâncias criaram uma falsa imagem da educação
profissional como solução para o desemprego e levaram à criação de cursos que
não atendiam às reais demandas sociais.
As dificuldades enfrentadas pelas instituições de ensino, diante desse contexto,
pouco afetaram aquelas que já eram especializadas em educação profissional
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21
como o SENAI, o SENAC e as escolas técnicas federais. Enquanto isso, nos
sistemas públicos de ensino secundário, a falta de apoio para a oferta de um
ensino profissionalizante de qualidade compatível com as necessidades de
desenvolvimento e a redução da carga horária do ensino básico, interferiu
significativamente na qualidade dos serviços oferecidos. O resultado para a
educação nestas condições foram mais pressões sobre o ensino secundário,
como o alto crescimento no ensino fundamental e o ensino superior elitizado com
exames para ingresso ditando conteúdos para o ensino médio e complementado
pela rede de estabelecimentos privados. Característica sintomática de tal situação
foi o crescimento da rede de cursos preparatórios para o vestibular (Cordão,
2005).
As escolas particulares, nesse período, “improvisavam pseudocursos
profissionalizantes” para atender à sua clientela, visto que as camadas médias
não estavam interessadas em profissionalização, esperando do ensino médio a
preparação para o ingresso na universidade, como relatado por Zibas (2005a). A
autora também menciona a existência de “simulações de profissionalização” nas
escolas públicas, sendo que, no caso destas, o motivo era a falta de recursos e, o
resultado, o maior empobrecimento da educação oferecida aos filhos dos
trabalhadores.
Em função das inúmeras críticas, os Conselhos de Educação do país reuniram-se
com o então Conselho Federal de Educação em busca de soluções, o que
resultou na lei federal n. 7.044/82, como tentativa de atenuar os efeitos do ensino
secundário profissionalizante implantado pela lei federal n. 5.692/71. A nova lei
restringiu a educação profissional às instituições especializadas e, como resultado,
teve a rápida reversão das grades curriculares para oferecer ensino secundário de
natureza exclusivamente acadêmica (Cordão, 2005).
O ensino médio passou por um período de estagnação a partir desta legislação,
embora houvesse articulações em setores acadêmicos para a construção de um
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projeto de ensino médio voltado às necessidades das camadas populares (Zibas,
2005a).
Em 1988, foi promulgada a nova Constituição Federal e tiveram início os debates
sobre uma nova LDB, que foi aprovada e sancionada em 1996 (Cordão, 2005).
Para Zibas (2005a), a nova LDB “minimizou a instituição do trabalho como
princípio educativo e orientador de todo o currículo”. A autora atribui às
ambiguidades a respeito da formação profissional presentes na legislação a
instituição de estruturas paralelas de ensino por uma lei complementar, um
decreto do governo federal, de 1997, que determinou o ensino técnico separado
do ensino médio regular. Neste contexto, o ensino técnico deveria ser organizado
em módulos, com matrícula diferenciada, podendo ser cursado de forma
complementar, paralela ou sequencial ao ensino médio.
Zibas (2005a) considera uma realidade ideal aquela em que houvesse uma
estrutura escolar única até os 17-18 anos de idade, fornecendo a todos as
mesmas oportunidade educativas. Já nas condições reais de segmentação social,
a autora julga que o sistema ignora as dificuldades que o aluno-trabalhador pode
enfrentar para frequentar dois cursos diferentes para obter o título de técnico.
Outros empecilhos evidenciados pela separação do ensino técnico do ensino
médio, determinada em 1997, são a falta de integração dos conhecimentos
técnicos e gerais e a possibilidade de obtenção de certificação cursando módulos,
o que empobrece a formação.
Como o ensino médio apoiou-se na retórica dominante da época frente à
reestruturação produtiva e aos avanços tecnológicos, e acabou por valorizar a
produção de competências e saberes gerais e transferíveis, a necessidade de
realização de qualificações técnicas e especializações profissionais pela escola
média, nos padrões do ensino técnico, foi minimizada (Zibas, 2005a).
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A mudança de enfoque baseou-se na idéia de que a formação profissional deveria
estar vinculada ao mercado de trabalho e próxima das empresas enquanto caberia
à escola média atender às exigências da produção flexível (Zibas, 2005a).
Tal posicionamento, segundo Zibas (2005b), acarretou algumas disputas teóricas.
Foi em meio a estes embates que, em 2004, o Decreto n. 5.154 instituiu a
possibilidade de reintegração entre ensino médio e técnico-profissional, o que
também contrariou diversos críticos. O que resulta dos atuais enfrentamentos
teóricos, políticos e ideológicos é um cenário polimorfo no ensino médio que, para
a autora, apesar da disfuncionalidade administrativa e da perplexidade conceitual
que pode acarretar:
(...) constitui, todavia, um desafio estimulante para pesquisadores do ensino médio em seu incessante trânsito entre a teoria e a observação e análise das práticas sociais, políticas e pedagógicas. (p. 1083)
Diante da história do ensino profissionalizante no Brasil e dos determinantes
políticos que têm impulsionado sucessivas mudanças em sua oferta, são
suscitados vários questionamentos. Um deles diz respeito à forma como o caráter
dualista e assistencialista presente na origem desta modalidade de ensino e que
se fortalecem no decorrer do tempo, persistindo mesmo nos períodos mais
recentes, apesar das críticas e movimentos opostos, pode influenciar a sua
clientela no decorrer de sua trajetória educacional e profissional.
As diferentes legislações que vigoraram sobre o ensino profissionalizante de nível
médio também ditaram diferentes possibilidades de trajetórias ocupacionais e
profissionais à sua clientela. O impacto das diretrizes impostas pela legislação em
cada período sobre as trajetórias educacionais e ocupacionais e projetos
profissionais da clientela do ensino técnico, no entanto, não é conhecido.
A oferta de ensino profissionalizante de nível médio procurou se adequar às metas
de desenvolvimento do governo em diferentes momentos. Cabe saber se estas
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demandas têm correspondência com as demandas individuais de sua clientela, o
que pode ser revelado pelas trajetórias educacionais e ocupacionais e pelos
projetos profissionais da mesma. Também é necessário conhecer as origens das
metas de desenvolvimento nas relações econômicas e as mudanças do sistema
produtivo que influenciaram não só o ensino técnico, mas a educação como um
todo.
Sendo, muitas vezes, a formação técnica restrita a atividades operacionais, torna-
se relevante saber como aqueles que receberam tal formação foram afetados
pelas evoluções tecnológicas e mudanças do sistema produtivo. Esta reflexão
corrobora a necessidade de conhecer como estas mudanças ocorreram ao longo
do tempo.
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2. ESCOLHA PROFISSIONAL, ORIENTAÇÃO PROFISSIONAL E O
COMPORTAMENTO DE PROJETAR A VIDA PROFISSIONAL
A compreensão da repercussão do ensino técnico na trajetória educacional e
ocupacional dos indivíduos depende de descobrir os determinantes de cada
comportamento dentro desta trajetória e a construção do repertório de projetar a
vida profissional no decorrer desta trajetória. Para este levantamento, faz-se útil o
conhecimento construído dentro da área de Orientação Profissional, que descreve
os determinantes envolvidos na tomada de decisão9 profissional e como
desenvolver o repertório de tomada de decisão entre outros envolvidos no
processo de projetar a vida profissional.
2.1. A escolha profissional na história
Aspecto essencial para a compreensão do papel social da Orientação Profissional
é o aparecimento da escolha profissional na história da humanidade e seu
desenvolvimento, visto que a própria escolha profissional pelos indivíduos tem
impacto sobre a sociedade.
A escolha profissional, como menciona Bock (2002), apenas passa a assumir
importância quando se instala o modo de produção capitalista.
Antes do capitalismo, a produção humana era voltada para a satisfação das
próprias necessidades humanas e o desempenho das funções não dependiam de
escolha.
Algumas características fundamentais que dominam o processo de produção no
capitalismo são destacadas por Bock (2002) e ajudam a entender a necessidade
de escolha profissional neste sistema produtivo. A primeira diz respeito à
desapropriação dos meios de produção e consequente necessidade de venda da
9 Apesar de se referir à escolha ou decisão profissional, a bibliografia selecionada nesta área busca abranger todos os comportamentos que culminam na decisão ou escolha.
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força de trabalho pelo homem, que passa a não poder sobreviver de forma
autônoma. Outra característica é o fim da servidão, que torna o trabalhador livre
para vender sua força de trabalho. Finalmente, o objetivo do trabalho no modo de
produção capitalista não é mais a satisfação das necessidades humanas. A
produção passa a se destinar ao mercado e visa o lucro.
A divisão técnica do trabalho foi introduzida pela Revolução Industrial. Nesse
momento histórico, surge a questão da seleção profissional e, consequentemente,
da escolha profissional, visto que deve se buscar o homem certo para a função
certa no intuito de alcançar maior produtividade (Bock, 2002).
A ideologia liberal dá suporte ao novo sistema produtivo. A lógica liberal muda o
conceito de vocação, que até então era atribuído à vontade divina. As diferenças
agora são explicadas por características biológicas inatas que passam a justificar
as diferenças sociais. Assim, os atributos com os quais o ser humano nasce
encontraram expressão na realidade, localizando o indivíduo na estrutura da
sociedade, o que justificaria o fracasso (Bock, 2002).
A partir de tais considerações sobre a história da escolha profissional, Bock (2002)
alerta para o fato de esta não poder ser considerada como um problema natural e
universal, considerando-a como um fenômeno determinado, que ocorre em um
momento da história da humanidade. O mesmo alerta cabe no que se refere a
qualquer comportamento emitido durante a trajetória educacional e profissional
que culmine em uma escolha profissional, assim como os comportamentos
desencadeados por esta escolha. Tal posicionamento também é coerente com a
visão da Análise do Comportamento, que entende o comportamento dos
indivíduos como determinado pela sua história de vida e pelo meio social, porém
sem negligenciar determinantes genéticos.
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2.2. Concepções sobre a escolha profissional
Após uma revisão das práticas e teorias da psicologia em torno da orientação
profissional, Bock (2002) conclui que:
(...) a psicologia do início do século, principalmente aquela que se debruça sobre a escola e sobre o trabalho, tem a missão de sedimentar e de perdurar a ideologia liberal que sustenta o capitalismo, ao canalizar para o indivíduo todas as responsabilidades pelo seu progresso, deixando incólume a estrutura social, isto é, encobrindo injustiças e a exploração inerentes ao modo de produção. (p.55)
Bock (2002) critica a visão tradicional10 e liberal de indivíduo. Segundo o autor, as
visões tradicionais entendem o indivíduo como autônomo em relação à sociedade,
ou seja, com potenciais inatos, sendo o papel da orientação profissional, dentro
desta perspectiva, selecionar os indivíduos segundo as suas potencialidades.
Além disso, as visões tradicionais tendem a naturalizar fenômenos que são
históricos.
A visão de sociedade das teorias tradicionais também é criticada pelo autor por
afirmarem que a sociedade é uma pirâmide formada por camadas sociais,
enquanto ele parte de uma visão marxista ou crítica de sociedade, que é
constituída por duas classes: a burguesia e o proletariado. Do ponto de vista do
autor, tais classes sociais têm interesses e objetivos distintos e contraditórios que
configuram uma luta de classe, substituída, na visão liberal, pela idéia de
ascensão social.
Do ponto de vista tradicional, as profissões seriam estáticas, não teriam história.
Essa perspectiva dá suporte ao modelo de perfis profissionais, que aproxima os
indivíduos das profissões por suas similaridades. Enquanto, na visão tradicional, o
perfil profissional se mantém inalterado ao longo do tempo, na perspectiva crítica
10 O autor se refere às teorias psicológicas não materialistas, ou mentalistas, como visão tradicional de indivíduo.
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descrita por Bock (2002), as profissões e ocupações têm história e mudam em
função de variáveis econômicas, políticas sociais e tecnológicas. Da mesma
forma, os indivíduos também têm suas características pessoais transformadas
com o tempo, o que contraria a idéia de perfil pessoal.
A idéia de perfis, como apresentada por Bock (2002), se ajusta ao trabalho
parcelar e fragmentado do modelo taylorista/fordista de organização da produção.
Porém, tal modelo vem se modificando e, consequentemente, a idéia de perfil
profissiográfico também tem se alterado. O trabalhador, no atual contexto, para
ser empregável, além de suas competências técnicas, deve ter qualificação11 e
versatilidade. Assim, o capital precisa definir os perfis em outros moldes para
continuar se reproduzindo.
Bock (2002) revela o caráter reducionista e mecanicista do modelo de perfis ao
negar a complexidade envolvida na relação indivíduo, trabalho e educação,
denunciando sua ação meramente ideológica, isolando o indivíduo e escondendo
os determinantes econômicos políticos e sociais do fenômeno.
Tais modelos explicativos de enfoque psicométrico, que tinham por objetivo o
diagnóstico de potencialidades e oportunidades de trabalho e a promoção de
compatibilidade entre ambas para a escolha profissional, foram alvo de críticas a
partir dos anos 1950, orientadas por novas concepções de escolha profissional
dedicadas a superar as limitações da “teoria traço fator” (Ferretti, 1988).
Segundo Ferretti (1988), as teorias psicológicas sobre a escolha profissional, em
geral, tendiam a conferir menor importância aos estudos econômicos e
sociológicos a respeito da inserção dos indivíduos nas atividades profissionais.
Por outro lado, as teorias não psicológicas, como as “teorias econômicas” e
“teorias sociológicas” buscam a explicação da distribuição da força de trabalho em
11 O autor se refere à qualificação como uma educação que prepara para aprender continuamente, enquanto competências técnicas dizem respeito à capacidade de fazer sempre a mesma coisa.
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diferentes ocupações na sociedade por meio de fatores de natureza econômica e
social (Crites, 1974).
Crites (1974) retoma as teorias dos economistas clássicos sobre a escolha
profissional e indica a limitação da teoria de oferta e demanda ao atribuir a
distribuição dos indivíduos nas diferentes ocupações a tomadas de decisão
racionais considerando suas vantagens e desvantagens, sendo o homem
totalmente livre para escolher a profissão que julgar mais apropriada a si. Para o
autor, tal teoria se baseia em mercados ideais e não a mercados reais, para os
quais existem restrições de acesso às profissões. Além disso, a teoria econômica
clássica supõe que as vantagens e desvantagens das profissões se resumiriam a
maiores e menores salários, enquanto Crites (1974) entende que os
determinantes econômicos, juntamente com determinantes de outras naturezas,
constituem um amplo conjunto de fatores que interferem na escolha individual.
As “teorias sociológicas” de escolha profissional, mencionadas por Crites (1974),
atribuem à influência da cultura e da sociedade em que vive, em conformidade
com seus valores, o fator de maior importância na determinação da escolha
profissional de um indivíduo. Tais influências também determinariam o grau de
liberdade de escolha do indivíduo.
O autor ainda indica subculturas que restringiriam a escolha. A classe social agiria
de forma a tornar mais valorizadas as atividades profissionais percebidas como
mais possíveis. A escola, como transmissora de valores, também teria uma
interferência na limitação das opções individuais. A família, além de transmitir
valores, teria o poder de influenciar a escolha devido às relações que estabelece
com o indivíduo. Ainda deveriam ser consideradas as influências do grupo étnico,
da localidade de moradia e do grupo de pares.
Para Ferretti (1988), as “teorias sociológicas” de escolha vocacional explicam as
opções individuais à origem sócio-econômica, entre outros fatores, contribuindo
para invalidar o pressuposto de liberdade irrestrita das teorias clássicas, mas não
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30
fazem postulações teóricas sobre o emprego e a distribuição da mão de obra na
sociedade. Assim, faltariam informações sobre as forças econômicas e culturais
que influenciam a escolha, como os efeitos, descritos por Hewer (1968 apud
Ferretti, 1988), dos ciclos econômicos e das mudanças. Tais fatores, de acordo
com Ferretti (1988), resultam do desenvolvimento da tecnologia e da
complexidade das organizações, diminuindo a probabilidade de escolha de grande
parte da população e contraria o pressuposto clássico da Orientação Profissional12
de que as pessoas escolheriam uma profissão e nesta permaneceriam por toda a
sua vida.
Ferretti (1988), com base nas formulações marxistas, critica a utilização do
conceito de classe social que se identifica com o conceito de estrato sócio-
econômico que, geralmente, restringe-se a categorias estatísticas ou
agrupamentos de pessoas em um sistema de estratificação, o que ajusta tais
teorias ao enfoque liberal por meio do conceito de mobilidade social, ignorando as
condições sociais e econômicas próprias do fenômeno da mobilidade e reduzindo
as relações sociais de produção a fatores contingenciais.
Outra discordância de Ferretti (1988) em relação às “teorias sociológicas” diz
respeito à fragmentação do processo de escolha de carreira em variáveis
intervenientes, ao invés de buscar as relações entre as escolhas e a totalidade
representada pelo modo de produção, não havendo uma articulação orgânica
entre os diversos fatores, pouco contribuindo para a compreensão da questão de
forma global. 12 O campo de estudos e atuação denominado “Orientação Profissional” teve sua nomenclatura questionada e alterada no decorrer de sua história. Como discutido por Moura (2011), o conceito de “vocação” está relacionado a uma concepção dualista de homem. Além disso, a autora atenta para o fato de que, na língua portuguesa, “vocação tem o sentido de “chamamento interior”, enquanto na língua inglesa seu significado é de “profissão, ocupação”. Sendo assim, os termos “Orientação Vocacional” e “Psicologia Vocacional”, não são coerentes com as abordagens materialistas da Psicologia, entre elas a Análise do Comportamento, adotada neste trabalho. Por este motivo, autores materialistas preferem usar o termo “Orientação Profissional” ao invés de “Orientação Vocacional” ou “Psicologia Vocacional”. Em função da abordagem adotada por este trabalho ser materialista, o termo adotado pelo mesmo em relação ao campo mencionado será sempre “Orientação Profissional”, mesmo que autores importantes para a construção de conhecimento na área como Crites e Bohoslavsky usem termos como “Psicologia Vocacional” e “Orientação Vocacional” em seus trabalhos originais.
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Ferretti (1988) coloca as “teorias psicológicas” e as “teorias sociológicas” em
extremos opostos: enquanto as primeiras atribuem a escolha de carreira a fatores
quase exclusivamente inerentes ao indivíduo, as últimas enfatizam,
principalmente, os fatores externos ao indivíduo. Assim, ambas tendem a
estabelecer uma polarização sociedade/indivíduo, reduzindo a relação dialética
entre eles a uma relação de subordinação.
Tais polarizações e reduções desconsideram que as experiências cotidianas do homem (como é o caso de suas escolhas profissionais) congregam em si ação/ reflexão/ emoção/ materialidade/ interação social/ interação econômica/ interação política/ etc. A experiência individual é particularidade, mas contém em si toda a carga da estrutura genérica da sociedade onde ela se realiza (p. 31).
Na tentativa de superar a polarização indivíduo/sociedade, foram propostas por
teóricos dos EUA formulações de caráter conciliatório entre as duas posições
polares, denominadas “teorias gerais”. As “teorias gerais” sofreram críticas
justamente por seu caráter “conciliatório”, sendo consideradas um agregado vago
de pressupostos, conceitos e hipóteses com pouca relação entre si, recaindo no
ecletismo conceitual e/ou teórico comum em estudos interdisciplinares e passando
uma falsa concepção de totalidade resultante da somatória das partes (Ferretti,
1988).
Em paralelo às “teorias gerais” da escolha profissional, Ferretti (1988) destaca o
esquema de Blau (Blau, 1968 apud Ferretti, 1988), que foi construído com a
preocupação de ser um esquema conceitual, e não uma teoria da escolha
profissional. Em tal esquema, seus autores procuram mostrar o ingresso do
indivíduo em uma ocupação como resultado de dois processos que se relacionam:
o processo de escolha profissional e o processo de seleção profissional. Não se
trata de uma explicação polarizada, pois o esquema não explica somente as
escolhas individuais, mas também o processo mais amplo de inserção no mercado
de trabalho. A função deste esquema é a de mostrar diferentes tipos de fatores
antecedentes cuja relação precisa ser analisada para que uma teoria seja
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desenvolvida por meio de pesquisa empírica. Assim, o esquema de Blau não
oferece uma explicação sobre o processo de escolha profissional em um dado
momento histórico, tomando substância e significado quando os determinantes
aos quais se refere abstratamente puderem ganhar concretude. Ferretti (1988)
ainda alerta que a pesquisa que usar como base o esquema de Blau pode resultar
em teorias que relacionam apenas superficialmente as relações entre os estudos
de natureza psicológica e sócio-econômica.
A preocupação de superar a falsa dicotomia entre social e individual no campo da
Orientação Profissional surgiu entre os pensadores latino-americanos na metade
da década de 1970, quando o psicólogo argentino Bohoslawisky13 indicou como
perspectiva da Orientação Vocacional a construção de modelos que revelem a
articulação entre o sistema social e os seres humanos que os sustentam, mantêm,
transmitem e transformam (Ferretti, 1988). Bohoslawski identifica a Orientação
Profissional com uma prática pedagógica que tem como um de seus objetivos o
auxílio na tomada de consciência, esclarecendo tanto determinações subjetivas
quanto ligadas às relações de produção e de poder do sistema social.
Os caminhos para uma perspectiva crítica da Orientação Profissional foram
abertos pelas considerações de Bohoslawisky. Pimenta (1981) e Ferretti (1997)
propuseram novas abordagens para a Orientação Profissional coerentes com os
objetivos apresentados por Bohoslawisky, apesar de baseados em um referencial
teórico distinto.
Para Bock (2002), na perspectiva crítica em relação à visão tradicional, proposta
por Ferretti e Pimenta sobre a questão da orientação e escolha profissional, a
estrutura econômica empurra para o sucesso ou para o fracasso, sendo o
indivíduo desprovido de autonomia para definir seu caminho e constitui-se em
reflexo da sociedade. Deste ponto de vista, a escolha pertence às classes
13 Ferretti (1988) se refere à obra organizada por Bohoslavsky, traduzida para o português em 1983, em que este último autor propõe, em um dos capítulos, um modelo de Orientação Profissional baseado nas concepções de homem e sociedade e, principalmente, no conceito de alienação de Marx.
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dominantes, que transportam a ideologia para todas as classes sociais de forma a
justificar as desigualdades sociais presentes no capitalismo (Bock, 2002).
Bock (2002) indica as limitações da perspectiva crítica na contribuição para a
abordagem das questões em pauta, apesar de considerá-la um grande avanço na
compreensão da sociedade capitalista. Para o autor, tal crítica à ideologia liberal,
ao negar a liberdade de escolha, nega a existência do indivíduo, entendendo-o
como mero reflexo da organização social. Bock (2002) coloca a ideologia liberal e
a perspectiva crítica em dois extremos opostos: na primeira, o indivíduo pode tudo
e na segunda, o indivíduo não pode nada.
A análise das trajetórias educacionais e ocupacionais da clientela do ensino
técnico deve levar em consideração as críticas mencionadas sobre os possíveis
pontos de vista a respeito das decisões profissionais e da inserção no mercado de
trabalho, procurando articular determinantes individuais e sociais, mesmo que em
outra abordagem teórica.
2.3. A Análise do Comportamento como orientadora do conhecimento sobre
trajetórias ocupacionais e educacionais e projetos de vida profissional da
clientela do ensino técnico
2.3.1. O objeto de estudo da Psicologia na proposta de Skinner e seu modelo
de seleção por consequências
Um aspecto essencial da obra de Skinner para a compreensão de como a Análise
do Comportamento pode contribuir com a construção de conhecimento sobre a
trajetória educacional e ocupacional da clientela do ensino técnico é sua proposta
de uma ciência do comportamento.
Uma possível condição para o entendimento da proposta de ciência formulada por
Skinner é a compreensão de como este concebe a produção do conhecimento
científico. Para Sério (1999), duas suposições básicas sustentam esta concepção:
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a crença na existência do mundo independente do sujeito que conhece e a crença
na determinação dos fenômenos.
Moroz, Lucci e Silveira (2004) destacam que o determinismo implica a
possibilidade de descrever seu objeto de estudo, o comportamento, na forma de
leis que permitirão a atuação sobre seus determinantes. Neste sentido, ciência,
para Skinner, é ação:
O sistema científico, como a lei, tem por finalidade capacitar-nos a manejar um assunto do modo mais eficiente. O que chamamos de concepção científica de determinada coisa, não é conhecimento passivo. A ciência não se preocupa com a contemplação. Quando já tivermos descoberto as leis que governam uma parte do mundo ao nosso redor, e quando tivermos organizado estas leis em um sistema, estaremos então preparados para lidar eficientemente com esta parte do mundo. (1953/1994, p.26)
A concepção determinista de comportamento na Análise do Comportamento
implica uma visão das trajetórias educacionais e ocupacionais da clientela do
ensino técnico e de seus projetos profissionais como produzidas na relação dos
indivíduos com o mundo material e social, sendo o último, juntamente com a
bagagem genética do indivíduo, determinante dos comportamentos que conduzem
tais trajetórias.
Sério (1999) ainda reforça que o conhecimento exige interação entre o sujeito e o
objeto a ser conhecido, causando mudança em ambos.
O caminho descrito pelo conhecimento científico por Skinner (1953/1994), partindo
da busca de relações ordenadas dos eventos, passa da observação de episódios
singulares para a regra geral ou lei científica e, posteriormente, compondo
arranjos sistemáticos mais amplos chegando a um modelo do objeto de estudo
que permite que novas regras sejam formuladas. As leis de tal sistema científico
nos capacitarão a prever e controlar o objeto de estudo.
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Skinner (1953/1994) rejeita a observação do comportamento feita cotidianamente
por todos como possibilidade de construção de conhecimento científico sobre o
comportamento, já que o leigo não está capacitado a exprimir as relações
adequadas sobre este. Skinner (1953/1994) considera que com contato com a
ciência do comportamento devemos “desaprender” muito do que aprendemos com
esta observação informal.
A complexidade do comportamento é o que o torna um objeto difícil de ser
estudado, exigindo muito do cientista, já que é dinâmico, “mutável”, “fluido” e
“evanescente” (Skinner, 1953/1994, p. 27).
Como é colocado para a ciência em geral, no caso de uma ciência do
comportamento, a descrição de um evento singular não é o suficiente, sendo
necessário buscar a uniformidade, passando do singular para a regra (Skinner,
1953/1994).
O autor (1953/1994) ainda ressalta a necessidade do uso dos métodos da ciência
para o estudo do comportamento, visto que estes se destinam a esclarecer e
explicitar as uniformidades emergidas da observação do comportamento.
Assim, enquanto ciência, a Análise do Comportamento deve permitir a apreensão
de características das trajetórias educacionais e ocupacionais não perceptíveis ao
olhar leigo e a busca de uma uniformidade presente nelas.
Algumas críticas são dirigidas à ciência do comportamento. Sério (1999) descreve
o temor de muitos da redução do objeto da Psicologia com uma ciência do
comportamento, pois entendiam que esta ciência trabalharia exclusivamente com
o comportamento manifesto e que os fenômenos seriam explicados no nível
fisiológico, desvirtuando a especificidade da Psicologia. Segundo a autora (1999),
nenhum destes receios é fundamentado na proposta do behaviorismo radical, pois
Skinner sempre buscou diferenciar a ciência do comportamento da Fisiologia e
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convencer os próprios behavioristas da desnecessidade de excluir os fenômenos
não observáveis diretamente da ciência do comportamento.
Sobre a última afirmação, Sério (1999) destaca que para o behaviorismo radical
cada ser humano é um organismo que interage com o ambiente e se torna pessoa
ao adquirir um repertório comportamental e se torna um self ao interagir com o
ambiente social e adquirir autoconhecimento. O foco da análise da ciência do
comportamento estaria nas duas últimas dimensões: a pessoa e o self (Sério,
1999).
Ao contrário do que versa a crítica mencionada por Sério (1999), a Análise do
Comportamento pode estudar não só aquilo que é manifesto e observável nas
trajetórias educacionais e ocupacionais e projetos profissionais da clientela do
ensino técnico. A abordagem é capaz de compreender os membros de tal clientela
como pessoas que adquiram um repertório comportamental em sua relação com o
mundo, incluindo toda a sorte de comportamentos não observáveis como aqueles
que envolvem suas expectativas e as diferentes influências sobre suas decisões
por exemplo. A Análise do Comportamento ainda reconhece este membro como
um self, no sentido de que ele é capaz de reconhecer os comportamentos de seu
repertório em sua trajetória e escolher as condições que o determinam, o que
perm