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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ FERNANDA LOPES REGINA A PROPAGANDA IDEOLÓGICA DO IPES (1961 – 1964) CURITIBA 2010

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ

FERNANDA LOPES REGINA

A PROPAGANDA IDEOLÓGICA DO IPES (1961 – 1964)

CURITIBA 2010

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FERNANDA LOPES REGINA

A PROPAGANDA IDEOLÓGICA DO IPES (1961 – 1964)

Monografia apresentada à disciplina Orientação Monográfica I, como pré-requisito à conclusão do Curso de Ciências Sociais do Departamento de Ciências Sociais, Setor de Ciências Humanas, Letras e Artes da Universidade Federal do Paraná. Orientador: Profª. Drª. Luciana Fernandes Veiga

CURITIBA 2010

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“Há soldados armados Amados ou não

Quase todos perdidos De armas na mão

Nos quartéis lhes ensinam Uma antiga lição:

De morrer pela pátria E viver sem razão...”

Geraldo Vandré

Em memória de meu pai.

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Dedico este trabalho a pequena família da qual faço parte, minha mãe Ana e minhas irmãs Patrícia e Priscila, sem as quais eu não teria forças para caminhar. Aos grandes amigos que surgiram ao longo dessa caminhada vindos de diferentes direções, Alexsandra, Kássia e Érika, que me ajudaram a continuar quando eu achei que não poderia mais e que hoje fazem parte de todas as minhas conquistas. Aos amigos com quem dividi bons momentos durante esse período e dos quais jamais vou esquecer, Lidiane, Édina e Angel. À Professora Luciana por ter desde o início acreditado no projeto. À atenção e prestatividade de Satiro Nunes do Arquivo Nacional. E, sobretudo a Deus pela força de todos os dias.

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RESUMO

A principal questão apresentada neste trabalho diz respeito à propaganda política e seus

efeitos sociais, políticos e econômicos. Para ilustrar este quadro, a presente análise

busca elucidar de forma exemplificada, algumas das principais questões presentes nas

teorias da Comunicação, da Sociologia e da Ciência Política.

O objetivo central é saber de que forma o discurso pré-64 influenciou a população como

um todo, mobilizando os indivíduos através de uma doutrina ideológica respaldada no

desenvolvimento e no anticomunismo a fim de se buscar o apoio de diferentes classes

para a efetivação do Golpe.

PALAVRAS-CHAVES: Propaganda. Regime Militar, Forças Armadas, IPES.

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LISTA DE QUADROS

QUADRO 1 – Índice do PIB de 1920 a 1980 pg. 47

QUADRO 2 – PIB de 1920 a 1980 por setores pg. 48

QUADRO 3 – Bancada dos principais partidos na Câmara Federal -

1945 – 62 pg. 62

QUADRO 4 – Tipologia dos documentários pg.109

QUADRO 5 – Ocorrência das metas do IPES nos documentários pg. 111

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SUMÁRIO

RESUMO 4

LISTA DE QUADROS 5

INTRODUÇÃO 8

Capítulo I

PROPAGANDA E POLÍTICA

I.1. Propaganda 12

I.2. A Indústria Cultural e os Meios de Comunicação de Massa 14

I.3. A Propaganda Política 22

I.3.1. Estado Poder e Ideologia 22

I. 3. 2. A Propaganda Político-Ideológica 30

I.4. A Propaganda Nazista 35

I.5. A Propaganda Varguista 40

Capítulo II

BRASIL: 1945-1964

II.1. Sociedade, Economia e Política 47

II.2. Os Interesses de Classes 56

II.2.1. Os Trabalhadores 60

II.2.2. Os Militares 66

II.2.3. Os Empresários 79

II. 3. A Difusão Ideológica 85

Capítulo III

O IPES

III.1. Fundação 89

III.2. Estrutura 93

Grupo de Levantamento da Conjuntura (GLC) 94

Grupo de Assessoria Parlamentar (GAP) 95

Grupo de Opinião Pública (GOP) 96

Grupo de Publicações/Editorial (GPE) 98

Grupo de Estudo e Doutrina (GED) 99

III.3. A Propaganda Golpista 100

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Capítulo IV

PROPAGANDA IPESIANA NOS DOCUMENTÁRIOS DE JEAN MANZON

IV.1. O Gênero Documentário no Brasil 104

IV. 2 Os Filmes Ipesianos 108

CONCLUSÃO 114

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 115

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INTRODUÇÃO

As pesquisas documentais tiveram nas últimas décadas um crescimento

significativo na quantidade total de trabalhos realizados. Se analisarmos, por exemplo, o

caso da América Latina, veremos que principalmente a partir da década de 80, que para

muitos países significou o fim de seus regimes autoritários, houve intensa luta para que

os documentos provenientes do período em questão se tornassem públicos, sobretudo

por ter-se tratado de um momento político absolutamente complexo, em que todas as

atividades governamentais eram sigilosas e confidenciais.

No caso brasileiro, os documentos estão sob inteira responsabilidade do Governo

Federal, conforme a Lei nº 8.159 de 1991. A consolidação desta política fica a cargo do

Conarq - Conselho Nacional de Arquivo – órgão colegiado que atua vinculado a Casa

Civil da Presidência da República. O órgão central do Sistema de Gestão de

Documentos de Arquivos – SIGA – é o Arquivo Nacional, localizado nos estados do

Rio de Janeiro e Brasília.

Desde 1990, estão sob a custódia do AN os documentos do período do Regime

Militar (1964-1985), provenientes da extinta Divisão de Segurança e Informações do

Ministério da Justiça – DSI/MJ (1946 – 1986). Em 2005 somaram-se a estes, outros

também oriundos de órgãos extintos que faziam parte do quadro institucional da época,

como o Serviço Nacional de Informação – SNI (1964 – 1990) – da Comissão Geral de

Investigações – CGI (1964 - 1979) e do Conselho de Segurança Nacional – CSN (1964

– 1980), tendo seu acervo sobre repressão passado de 492.898 páginas de texto para

11.468.676 páginas da mesma natureza.

Os documentos disponibilizados pelo Arquivo Nacional do Rio de Janeiro

possibilitaram a René Armand Dreifuss, a realização de sua obra-prima “1964: A

Conquista do Estado – Ação Política, Poder e Golpe de Classe”.

Através deste livro, Dreifuss trouxe a tona uma questão absolutamente

desconhecida pela maior parte da população, qual seja, a existência de um instituto

criado em 1961, formado quase que majoritariamente por empresários multinacionais

que tinham como objetivo principal a derrubada do governo João Goulart: o Instituto de

Pesquisas e Estudos Sociais, o IPES, nosso objeto estudo. A presente pesquisa encontra

respaldo no trabalho precursor de Dreifuss no que diz respeito à análise do IPES

enquanto um órgão disseminador de vasta propaganda política que resultaria em 1964

com o Golpe Militar.

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Fundado oficialmente em 29 de novembro de 1961, o IPES tornou-se o reduto

da conspiração civil contra o governo Goulart, agremiando diversos backgrounds

ideológicos e forças de ação para que o objetivo pudesse ser alcançado.

A questão mais controversa e principal alvo das críticas ao trabalho de Dreifuss

está posta em relação a “primazia do econômico”, ou seja, o alto grau de importância

que o autor teria atribuído ao Instituto, enquanto força de ação para a tomada do poder

de Estado; para os críticos, esta avaliação economicista do momento em questão,

subestimaria a verdadeira essência militar do Golpe.

Nosso trabalho, tanto quanto o de Dreifuss, busca analisar esta questão pela

única maneira possível: a análise de documentos. Seguramente a máxima de que muitas

vezes os fatos dizem mais do que as provas, é absolutamente aplicável, mas as fontes

documentais continuam sendo a única maneira concreta de analisarmos períodos nos

quais não estivemos presentes.

Explicamos ainda que, ao utilizarmos como principal referência o autor em

questão, não temos a intenção de diminuir a influência e a participação das Forças

Armadas na conspiração golpista, pelo contrário, pretendemos demonstrar ao longo do

trabalho que mais do que uma congruência de interesses, houve no período um

intercâmbio de posições entre os empresários e os militares, com a diferença que

enquanto uns utilizaram-se das armas de fogo, outros apelaram para as armas de efeitos

simbólicos.

Nosso principal objetivo é trazer à discussão de que forma o IPES disseminou

sua ideologia contrária ao populismo, nacionalismo, sindicalismo e comunismo entre os

diferentes setores da sociedade, ou seja, de que maneira a propaganda empreendida pela

classe economicamente dominante encontrou respaldo e apoio na população como um

todo, inclusive no interior das Forças Armadas para que houvesse antes de 1964 no

imaginário coletivo a necessidade da interferência dos militares.

Para que esta análise seja possível, utilizaremos como base, a teoria marxista

clássica que trata da luta de classes nas sociedades capitalistas e alguns de seus

desdobramentos mais contemporâneos, aspectos teóricos de comunicação como a

propaganda, com ênfase em seu caráter político e a análise de alguns documentos

audiovisuais (documentários) que foram produzidos sob o rígido controle do IPES para

fins já mencionados.

No primeiro capítulo apresentaremos as diferenciações entre publicidade e

propaganda tomando a segunda como um meio persuasivo para a obtenção de fins não

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comerciais, mas como proveniente de um processo histórico do avanço do capitalismo

que possibilitou um aumento significativo das indústrias o que consequentemente

possibilitou a criação de uma Indústria Cultural e a disseminação dos meios de

comunicação. Na seqüência, falaremos mais detalhadamente sobre a propaganda,

revisitando os textos clássicos da ciência política para explicar a disseminação

ideológica a partir dos conceitos de Estado, Poder e Ideologia e para encerrarmos o

capítulo, traremos dois exemplos práticos da utilização da propaganda política: o

nazismo, na Alemanha e o varguismo, no Brasil.

No segundo capítulo faremos uma contextualização do período democrático

brasileiro, de 1945 a 1964 no que diz respeito à configuração social, econômica e

política do país para na seqüência falarmos sobre os interesses presentes na cena política

detalhando as classes atuantes no conflito ideológico, a saber, os trabalhadores, reunidos

nos sindicatos, os militares e suas concepções doutrinárias e os empresários que viam

no liberalismo a única maneira de garantir a manutenção de seus interesses.

É importante notar que apesar da importância no anticomunismo para os debates

existentes na época, não dedicamos um item em especial para ele neste segundo capítulo

que tem como intenção situar o estado de coisas no Brasil no período em questão. Para

que pudéssemos trazer de forma mais condizente e fiel os acontecimentos, acabamos

por diluir o tema entre os diferentes pontos apresentados, sem a necessidade de explica-

lo detalhadamente, pois o trabalho tornar-se-ia repetitivo e desgastante, já que é um

ponto em comum ao discurso das três classes.

Para encerrarmos o capítulo, faremos uma retrospectiva dos meios de

comunicação no Brasil, trazendo os principais veículos de informação que o país

possuía, bem como os índices de crescimento alcançados pelos mesmos.

No terceiro capítulo, chegaremos ao ponto principal de nosso trabalho, ou seja, o

IPES. Iniciaremos com sua fundação e de que forma ele foi aos poucos estabilizando-se

e garantindo sua atuação. Veremos também como eram realizadas suas atividades, seus

principais membros e seu corpo de diretrizes.

Este é o capítulo de introdução do Instituto, que como dito anteriormente, foi

apresentado por Dreifuss em nada menos que cerca de 900 páginas. Faremos uma

reconstituição dos dados trazidos pelo autor unicamente com as informações pertinentes

ao desenvolvimento de nossa pesquisa que analisa o Instituto no tocante à propaganda,

ou seria inviável a conclusão do trabalho.

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É importante dizer também, que embora nosso trabalho trate do regime militar,

nosso objeto de estudo é o IPES e a propaganda pré-golpe, deste modo o período limite

de análise no trabalho é de 1961, ano de sua fundação a 1964.

Por fim, analisaremos o mais importante dado documental que fez parte do

arcabouço de propagandas que o Instituto difundiu ao longo de sua campanha, os

documentários produzidos pelo IPES através de um dos maiores fotógrafos e

documentaristas que já passaram pelo país, o francês Jean Manzon que adquiriu vasta

experiência como diretor de cinema no período em que trabalhou no Departamento de

Imprensa e Propaganda DIP de Getúlio Vargas e que continuou atuando a serviço do

governo após 1964.

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Capítulo I – PROPAGANDA E POLÍTICA

I.1. Propaganda

“A propaganda permitiu-nos conservar o poder, a

propaganda nos possibilitará a conquista do mundo”.

Adolf Hitler

Os termos “Propaganda” e “Publicidade” são utilizados no Brasil

indistintamente e usualmente acabam por designar a mesma idéia, de forma que as

características que definem cada um deles são colocadas em xeque sem levar em conta

que uma confusão terminológica pode comprometer o resultado final de uma pesquisa.

Erbolato (1985) define publicidade como:

“1. Arte de despertar no público o desejo de compra, levando-

o à ação. 2. Conjunto de técnicas de ação coletiva, utilizadas

no sentido de promover o lucro de uma atividade comercial,

conquistando, aumentando ou mantendo clientes”. 1

A publicidade está associada, portanto, à atividade comercial, ou seja, à

promoção de produtos ou serviços, visando o estímulo à compra por parte do público

consumidor. Acreditamos que esta seja uma classificação primária para o termo, mas é,

no entanto, o suficiente para esclarecermos sua finalidade e podermos diferenciá-lo da

propaganda, que é o nosso real objeto de trabalho.

Ainda segundo Erbolato (1985):

“[a propaganda é um] conjunto de atividades que visam

influenciar o homem, com o objetivo religioso, político ou

cívico, mas sem finalidade comercial”. 2

A partir desta definição, conseguimos identificar a principal diferença entre os

termos através de uma simples relação entre objetos e objetivos: publicidade –

1 ERBOLATO, Mario. Dicionário de Propaganda e Jornalismo. Campinas: Papirus, 1985, p. 281. 2 Ibdem , p. 279.

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comercial e propaganda – ideologia. Embora a segunda, tal qual a definição proposta,

tenha se inspirado na outra surgida nos Estados Unidos, ela adquiriu contornos próprios

e consequentemente, uma função terminológica própria.

A propaganda trata da divulgação de idéias com a finalidade de influenciar

opiniões e ações de outros indivíduos ou grupos relativamente a fins predeterminados,

ela opera no intuito de despertar e influenciar os sentimentos do público receptor. 3 Por

isso, ao longo de sua evolução, ela alcançou uma significativa importância no processo

de desenvolvimento das sociedades. Inúmeros estudos partem deste pressuposto e

analisam a influência que ela teve na difusão de idéias que guiaram importantes

transformações nos campos econômico, político e social.

Segundo Pinho (1990), a propaganda pode ser classificada, segundo sua

natureza, em nove categorias, a saber: ideológica, política, eleitoral, governamental,

institucional, corporativa, legal, religiosa e social.

O estudo do conjunto destas categorias, sem dúvida alguma, possibilita uma

compreensão mais abrangente do conceito em si, mas esta não é a intenção deste

trabalho. Iremos nos ater a duas categorias fundamentais e elucidativas para nossa

apresentação: a política e a ideológica.

A propaganda política consiste basicamente na transmissão de idéias políticas e

de programas ou filosofias partidárias. Ela é comumente utilizada para influenciar a

opinião pública através dos meios de comunicação, atuando pelo processo da persuasão,

que segundo Garcia (1999) é a sua marca distintiva.

O conteúdo de sua mensagem é estabelecido a favor de uma causa, quase sempre

associada à classe dominante e esta mensagem traz embutida em si, uma ideologia,

entendida aqui como um conjunto de idéias a respeito da realidade.

Decorre dela, então, a propaganda ideológica que segundo Pinho (1990) tem a

função

“(...) de formar a maior parte das idéias e convicções dos

indivíduos e, com isso, orientar todo o seu comportamento

social. As mensagens apresentam uma versão da realidade a

partir da qual se propõe a necessidade de manter a sociedade

3 Até mesmo o indivíduo final é diferente, na publicidade é consumidor, na propaganda é público receptor.

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nas condições em que se encontra ou de transformá-la em sua

estrutura econômica, regime político ou sistema cultural”. 4

Neste trabalho utilizaremos a definição “propaganda político-ideológica” para

designar este processo conjunto de atuação das duas categorias de propaganda,

entendida pelo viés sociológico, como um objeto particular constituinte de uma análise

mais ampla que busca esclarecer o andamento do processo de dominação social de

determinada classe por outra em determinado momento histórico, dada a relevância de

seu caráter ideológico.

No entanto, faremos uma breve análise histórica do surgimento da propaganda

encontrando respaldo na teoria sociológica oriunda da Escola de Frankfurt, que tem em

Theodor W. Adorno, seu mais importante representante diante de seus estudos

realizados junto a Max Horkheimer sobre a Indústria Cultural.

I.2. A Indústria Cultural e os Meios de Comunicação de Massa

“Foi somente na década de 1830 que a literatura e as artes

começaram a ser abertamente obsedadas pela ascensão da

sociedade capitalista, por um mundo no qual todos os laços

sociais se desintegravam exceto os laços entre o ouro e o

papel-moeda (...)”5

Na citação apresentada, Hobsbawn refere-se às profundas transformações que o

século XIX assistiu. Neste período houve uma significativa mudança no funcionamento

das sociedades contemporâneas, atingindo assim, todos os seus elementos constituintes,

tais quais a política, a economia, a cultura, etc.

De forma geral, segundo as teorias que analisam este processo, as antigas

relações tradicionais foram suplantadas por outras. Os indivíduos passaram a se

constituir em uma “massa” homogênea sem diferenças político-ideológicas, sem

vínculos comunitários, desintegrando desta forma, as culturas locais diante da transição

econômica que o século XIX apresentou.

4 GARCIA, Nelson Jahr apud PINHO, José Benedito. Propaganda Institucional - Usos e Funções da Propaganda em Relações Públicas. São Paulo: Summus Editora, 1990, p. 22 5 HOBSBAWM, Eric J. p. 22. Disponível em <http://www.scribd.com/doc/2301094/A-Era-das-Revolucoes-Eric-J-Hobsbawm> . Acesso em: 18 de fevereiro 2010.

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Na seqüência de sua exposição, Hobsbawn faz uma citação à “La comédie

humaine” de Honoré de Balzac, considerada uma obra-retrato das mudanças sociais

sofridas pela sociedade francesa na primeira metade do século XIX, período de

transição do Antigo Regime e a consolidação da sociedade burguesa moderna. 6

Neste retrato cômico que Balzac faz da burguesia francesa, estão contidos os

principais elementos presentes no processo de industrialização, pelo qual a Europa,

sobretudo a França e Inglaterra, vinham passando, entre outros: “o sistema de transporte

interurbano (...), o processo da tipografia, o jornalismo nascente, a rotina dos cartórios e

dos escritórios de advocacia, os comerciantes e suas listas de clientes e fornecedores, o

sistema de descontos de letras, a confecção de perfumes, atas de concordatas, montagem

de processos de falências etc”. 7

A transição econômica do modelo liberal para o monopolista, teve início na

metade do século XIX, e consolidação no século XX com o desmoronamento do

liberalismo ocorrido na Revolução Industrial. A principal característica deste momento

foi a mecanização e racionalização da produção, separando capital e trabalho,

produzindo em função do lucro pela produção e consumo em massa. Este processo de

industrialização passou a manifestar tendências monopolistas de controle de mercado e

alterou de forma efetiva as sociedades.

À grande concentração e centralização de capital convencionou-se chamar de

capitalismo, originado com a concentração de unidades fabris e produção industrial

apoiadas pelo capital financeiro, separando visivelmente a sociedade em classes, ou

seja, a burguesia e o proletariado.

Segundo Marx (DATA):

“A burguesia submeteu o campo à cidade. Criou cidades

enormes, aumentou tremendamente a população urbana em

relação à rural, arrancando assim contingentes consideráveis

da população do embrutecimento da vida rural. Assim como

subordinou o campo à cidade, os países bárbaros e

6 Embora a Revolução Industrial tenha tido início na Inglaterra (antiga Grã-Bretanha), logo espalhou-se pelo continente e seu legado pôde ser observado em vários outros países europeus, por isso à alusão de Hobsbawn ao cenário francês. 7 Disponível em < http://pt.wikipedia.org/wiki/La_com%C3%A9die_humaine>, Acesso em: 18 de fevereiro 2010.

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semibárbaros aos civilizados, subordinou os povos camponeses

aos povos burgueses, o Oriente ao Ocidente.

A burguesia suprime cada vez mais a dispersão da população,

dos meios da produção e da propriedade. Aglomerou a

população, centralizou os meios de produção e concentrou a

propriedade em poucas mãos. A conseqüência necessária disso

foi a centralização política”.8

O capitalismo, por sua vez, enfrentou – e enfrenta – crises que estão relacionadas

ao seu próprio funcionamento enquanto modo de organização social, pois como analisa

Marx (DATA)

“Há mais de uma década a história da indústria e do comércio

é, simplesmente, a história da revolta das forças produtivas

modernas contra as condições modernas de produção, contra

as relações de propriedade que condicionam a existência da

burguesia e seu domínio. Basta lembrar as crises comerciais

que, repetindo-se periodicamente, ameaçam cada vez mais a

sociedade burguesa. Nessas crises destrói-se uma grande parte

dos produtos existentes e das forças produtivas desenvolvidas.

Irrompe uma epidemia que, em épocas precedentes, parecia

um absurdo – a epidemia da superprodução. Repentinamente,

a sociedade vê-se de volta a um estado momentâneo de

barbarismo; é como se a fome ou uma guerra universal de

devastação houvesse suprimido todos os meios de subsistência;

o comércio e a indústria parecem aniquilados. E por quê?

Porque há demasiada civilização, demasiados meios de

subsistência, demasiada indústria, demasiado comércio”.(Nota

Manifesto)9

Uma vez que o crescimento econômico está intimamente ligado à produção, e

esta por sua vez, gera uma abundância de produtos, baixa dos preços e

consequentemente o corte de despesas que se convertem em demissões, baixa dos

8 O manifesto comunista 9 O Manifesto

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salários, subemprego, falência de empresas, podemos dizer que a deficiência do sistema

econômico reflete-se principalmente no campo social: cria-se a miséria e o

descontentamento, e o resultado desta união são as revoluções sociais.

“E, de fato, a revolução social eclodiu na forma de levantes

espontâneos dos trabalhadores da indústria e das populações

pobres das cidades, produzindo as revoluções de 1848 no

continente e os amplos movimentos cartistas na Grã-Bretanha.

O descontentamento não estava ligado apenas aos

trabalhadores pobres. Os pequenos comerciantes, sem saída, a

pequena burguesia, setores especiais da economia eram

também vítimas da revolução industrial e de suas ramificações.

Os trabalhadores de espírito simples reagiram ao novo sistema

destruindo as máquinas que julgavam ser responsáveis pelos

problemas”. 10

É neste momento que Karl Marx leva a público o Manifesto Comunista,

originário da secreta Liga Comunista formada por operários alemães que em 1847 no

Congresso de Londres, através de abaixo-assinados, organizaram-se na missão de

“escrever para fins de publicação um programa detalhado, teórico e prático do

partido”.11

A crise capitalista estava deflagrada: para Marx a maior contradição capitalista

está em si mesma, na medida em que o capital origina o proletariado, que é quem dá

vida ao capitalismo e por sua vez, possui a chave para a destruição do mesmo - a união

de esforços contra a burguesia dominante através da luta de classes.

Com este processo instaurado, ficou ainda mais difícil impor a hegemonia de

forma a agrupar o proletariado tal qual a classificação de sociedade de massas; 12 surge

10 HOBSBAWM, Eric J. p. 28. Disponível em <http://www.scribd.com/doc/2301094/A-Era-das-Revolucoes-Eric-J-Hobsbawm> . Acesso em: 18 de fevereiro 2010. 11 O Manifesto 12 A sociedade de massas formou-se durante o processo da industrialização do século XIX, através da especialização em tarefas, a organização industrial em larga escala, a concentração de populações urbanas, a centralização crescente do poder de decisão, o desenvolvimento de um complexo sistema de comunicação internacional e o crescimento dos movimentos políticos das massas. Disponível em <http://pt.wikipedia.org/wiki/Cultura_popular>. Acesso em: 20 de fevereiro 2010.

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disso a necessidade de um mecanismo articulador mais poderoso que torne possível à

burguesia manter seu controle diante das crises operárias; essa mediação começa de

forma mais imperativa a ser realizada pelos meios de comunicação. O primeiro meio

massivo, embora já vastamente utilizado, desde a invenção da imprensa por Gutenberg

no século XV é o jornal, pois a Revolução Industrial aperfeiçoou os métodos de

produção e distribuição de mídia impressa. A impressão de tipo rotativa surgida em

1847 nos Estados Unidos, que substituiu a de tipo plana, acelerou a transformação das

editoras de jornais em enormes empresas.13

Em 1821, surge na Inglaterra o jornal The Guardian, principal jornal britânico

publicado até os dias de hoje. Em 1933, é fundado o New York Sun, primeiro jornal

“popular”, vendido a um centavo de dólar.

“Os jornais – e especialmente os tablóides da yellow press que

começaram a aparecer em grande número a partir de 1870 –

alcançaram tiragens incríveis. Nas grandes metrópoles –

Barcelona, Madrid, Paris, Berlin, Londres e Nova York –

saíam vários jornais diários, com tiragens espantosas, alguns

até com edições da manhã e da tarde”. 14

Acompanhando o desenvolvimento dos jornais, há no século XIX uma revolução

nas tecnologias de informação, de forma que os meios de comunicação tornam-se

instituições privadas com alcance global, não somente no setor jornalístico, mas

também na área de entretenimento (cultura e diversão), e é justamente neste cenário que

no final da primeira metade do século XIX é cunhado na Alemanha o termo Indústria

Cultural.

Coelho (1997) nos diz:

“Seus princípios são os mesmos da produção econômica geral:

uso crescente da máquina, submissão do ritmo humano ao

ritmo da máquina, divisão do trabalho, alienação do

trabalho”.15

13 É importante lembrar, no entanto, que é nessa época que os partidos operários e demais movimentos sociais também passam a utilizar-se da publicação de jornais e folhetos para a disseminação de sua ideologia. 14 Disponível em < http://tipografos.net/jornais/jornais-19-20.html>. Acesso em 20 de fevereiro 2010.

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Este autor brasileiro dedicado ao estudo da cultura afirma que não podemos falar

indústria cultural e em cultura de massa antes da Revolução Industrial e de uma

economia de mercado baseada no consumo. Foi a industrialização que determinou a

industria cultural e a cultura de massa. 16

A sociologia, ao analisar os meios de comunicação, ganhou notoriedade através

dos estudos desenvolvidos por Theodor Adorno, Horkheimer e outros intelectuais da

chamada Escola de Frankfurt.

Os autores voltaram sua atenção ao chamado “processo de dominação de

classe”, imposto pela nova ordem cultural que se desenvolvia amplamente diante da

massificação dos meios de comunicação, desde século XIX, dada a emergência de

grandes empresas ou organizações, como vimos anteriormente, que passaram a explorar

o negócio da comunicação e da cultura, transformando-a em mercadoria.

No trabalho intitulado “Dialética do Esclarecimento”, datado de 1947, Adorno

substituiu o termo até então empregado “cultura de massa” por “indústria cultural”,

partindo do princípio de que a primeira expressão retifica a distorcida imagem de que a

cultura em si, emana das massas, quando na verdade, ela é um produto fabricado pela

classe dominante.

A indústria cultural, grosso modo, pode ser definida como o conjunto dos meios

de comunicação, a exemplo do cinema, do rádio, da televisão, dos jornais e revistas, que

para o autor, formam um poderoso sistema de manipulação e controle social.

“O controle dos meios de difusão de idéias e de informações –

que se verifica ao longo do desenvolvimento da imprensa,

como reflexo do desenvolvimento capitalista em que aquele

está inserido – é uma luta em que aparecem organizações e

pessoas da mais diversa situação social, cultural e política,

correspondendo a diferenças de interesses e aspirações”. 17

15 COELHO, Teixeira. Dicionário Crítico de Política Cultural – Cultura e Imaginário. São Paulo: Editora Iluminuras, 1997, p. 216. 16 COELHO, Teixeira. O que é indústria cultural. São Paulo: Brasiliense, 1983. 17 SODRÉ, Nelson Werneck. História da Imprensa no Brasil. 4ª ed. Rio de Janeiro: Mauad Editora, 1999, p. 1.

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20

Esse controle reitera as relações de produção, ajustando-se, todavia, de acordo

com o contexto no qual estão inseridas, pois a indústria cultural representa um fator de

extrema importância para a formação da consciência enquanto elemento da mentalidade

dominante.

Para os autores, ela previamente determina às massas a direção que deve ser

tomada, orientando o comportamento do indivíduo através do seu trabalho de adaptação

que provém de sua ideologia. Isso acarreta o que o autor chama de “satisfação

substitutiva”, enganando o homem ao propor o modo de organização dado como o ideal

a ser buscado;

“a dominação técnica progressiva, se transforma em engodo

das massas, isto é, em meio de tolher a sua consciência. Ela

impede a formação de indivíduos autônomos, independentes,

capazes de julgar e de decidir conscientemente” 18 (NOTA)

Há uma imposição, por parte daqueles que comandam os veículos de

comunicação, de idéias e valores criados pela indústria cultural. Isso se constitui na

tentativa de legitimação do conteúdo do material cultural produzido, revestido da

ideologia dominante.

Segundo o autor:

“A tecnologia da montagem e do efeito e o realismo exagerado

faz com que o cinema ande muito rápido para permitir reflexão

do seu expectador, fazendo com que o indivíduo passe a se

integrar à multidão, por outro lado, o rádio enquanto comando

aberto e de longo alcance passou a ser instrumento que coloca

o discurso como verdadeiro e absoluto às massas. O filme

sonoro e a televisão podem criar a ilusão de um mundo que

não é o que a nossa consciência espontaneamente pode

perceber, mas uma realidade cinematográfica que interessa ao

sistema econômico e político no qual se insere a indústria

cultural.”19

18 19

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21

Em um estudo sobre a comunicação de massa, Lazarsfeld e Merton (1973),

apontam para o fato de que os meios de comunicação de massa, utilizados enquanto

instrumento de dominação podem ser tanto utilizados para o bem quanto para o mal,

sendo a última proposição mais viável quando a propaganda é desenvolvida de maneira

indiscriminada e sem adequado controle.

Não se pode concluir, entretanto, que há uma indiscriminada assimilação das

informações transmitidas por parte das massas, mas que elas tendem a incorporar as

práticas apresentadas, como necessárias à sua necessidade, substituindo o processo de

manipulação pelo de influência, como veremos mais adiante.

A sujeição social ocorre em diferentes níveis de controle organizado. Segundo

Lazarsfeld e Merton:

“Os meios de massa outorgam prestígio e acentuam a

autoridade de indivíduos e grupos legitimando-lhes o status. O

reconhecimento pela imprensa, pelo rádio, pelas revistas ou

pelos noticiários cinematográficos é a prova de que alguém

triunfou, de que alguém é suficientemente importante para

destacar-se das vastas massas anônimas, de que o

procedimento e as opiniões de alguém são tão significativos

que fazem jus à atenção pública” 20.

Coelho (1997) aponta em seu trabalho para as análises de Norberto Bobbio

filósofo político italiano, para o qual a indústria cultural é incompatível com a

democracia, pois “o uso feito da informação pela indústria cultural produz doutrinação,

que tende a reduzir ou eliminar o sentido da responsabilidade individual, considerada

fundamento da democracia”. 21 Para o autor, não é a cultura em si o que deve ser

analisado nos estudos sobre a Indústria Cultural, mas sim a barreira que ela cria para

que os indivíduos não alcancem a alcancem, evitando desta forma eventuais críticas aos

modos culturais dominantes.

20 LAZARSFELD, Paul F. e MERTON, Robert K. Comunicação de Massa, gosto popular e ação social organizada. In: ROSENBERG Bernard e WHITE, David Manning. Cultura de Massa. São Paulo: Cultrix, 1973, p. 527-545. Disponível em http://www.scribd.com/doc/19703784/O-papel-da-midia-na-formacao-da-Opiniao-Publica-o-two-step-flow. Acesso em: 25 de fevereiro 2010. 21 COELHO, Teixeira. Dicionário Crítico de Política Cultural – Cultura e Imaginário. São Paulo: Editora Iluminuras, 1997, p. 217.

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22

A publicidade desdobra-se em propaganda tal qual o modelo norte-americano e

passa a ser empregada como forte aparelho de persuasão e dominação política. O estudo

sobre comunicação e política, aliado ao de opinião pública, é prova de que o campo

adquiriu alto grau de importância na contemporaneidade.

I.3. A Propaganda Política

I.3.1) Estado, Poder e Ideologia

Uma das maiores críticas feitas ao conjunto de obras escritas por Karl Marx está

relacionada à questão do Estado e sua relação com a “sociedade civil”. Entre as décadas

de 1960 e 1970 a análise da obra O 18 Brumário de Luís Bonaparte permitiu ao

neomarxismo empregar uma série de discussões relativas ao livro, dado o fato de que

para os autores da referida escola, era possível visualizar novas abordagens de conceitos

marxistas que contrariavam determinadas “doutrinas” presentes nas obras da juventude

do autor como resposta aos críticos do marxismo.

Um dos principais autores a apresentar uma teoria marxista contemporânea foi

Nicos Poulantzas, que definiu em Poder Político e Classes Sociais o Estado como “uma

instituição que reproduz a ordem social e que registra na sua forma de organização

interna as relações de classe da sociedade em que opera”. 22

As críticas a teoria clássica do Estado marxista opõe-se principalmente aos

conceitos de instrumentalismo, mecanicismo e economicismo, conceitos estes utilizados

para traduzir - simplificadamente - a visão marxista segundo a qual a economia é a

principal variável na constituição do aparelho estatal.

No primeiro conceito considera-se que o Estado é controlado pelas classes

economicamente dominantes, ou seja, ele é um instrumento nas mãos da “burguesia”.

No segundo, que o movimento da economia é que configura e dita o funcionamento das

superestruturas culturais e ideológicas e no último, que é o processo produtivo que

define as classes sociais.

Vejamos como Marx define aquilo que seria o “fio condutor” de suas análises:

22 PERISSINOTO, Renato. A importância do 18 Brumário de Louis Bonaparte para a teoria marxista contemporânea do Estado capitalista. Curitiba, 2003, p. 7. Disponível em <http://www.nusp.ufpr.br/acervo.php?ac=1&acervo_subcat_id=2#ini_lista>. Acesso em: 15 de outubro de 2009.

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23

“(...) na produção social da sua vida, os homens contraem

determinadas relações necessárias e independentes da sua

vontade, relações de produção que correspondem a uma

determinada fase de desenvolvimento das suas forças

produtivas materiais. O conjunto dessas relações de produção

forma a estrutura econômica da sociedade, a base real sobre a

qual se levanta a superestrutura jurídica e política e à qual

correspondem determinadas formas de consciência social. O

modo de produção da vida material condiciona o processo da

vida social, política e espiritual em geral”. 23

Esta é concepção marxista de Estado baseada na metáfora do edifício, na qual o

“todo social” seria constituído de uma base/estrutura - econômica - e de superestruturas

- política/jurídica e ideológica - consecutivamente.

As críticas a esse modelo, principalmente quando se analisa o “político” nas

obras de Marx, é a visão aparentemente reducionista que ele propõe, ou seja, de que o

Estado não seria mais que um instrumento nas mãos da classe dominante para a defesa

de seus próprios interesses.

Para Poulantzas o Estado tem a função de manter a coesão social e reproduzir as

relações de classe que determinada sociedade apresenta, ou seja, a classe dominante não

é beneficiada porque ele é simplesmente um instrumento em suas mãos, mas porque ele

é responsável por reproduzir o sistema social em que esta classe ocupa posição

dominante.

Uma observação em O 18 Brumário de Luís Bonaparte, por mais superficial que

seja, deve levar em conta que o livro trata fundamentalmente da luta de classes na

França. O fato de a narrativa deter-se principalmente a este ponto e aparentemente

ocupa-se pouco da economia, chegando mesmo em algumas passagens parecer ignorar

sua presença e até mesmo sua importância nos acontecimentos que antecederam a queda

da República, é que levou os neomarxistas às tentativas de demonstrar que todo o

reducionismo ao qual a teoria clássica do Estado marxista estava sujeita é passível de

uma reanálise.

Segundo Codato (2005):

23 MARX, Karl. Prefácio à Contribuição à Crítica da Economia Política. In: MARX, Karl e ENGELS, Friedrich. Karl Marx e Friedrich Engels – Textos 3. São Paulo: Edições Sociais: 300-303, 1977, p. 301.

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24

“Esquematicamente: a centralidade de toda a explanação está

ancorada na noção de luta de classes e essa contradição entre

as classes não deriva de uma oposição qualquer, mas uma das

suas ‘situações econômicas’ respectivas (ainda que elas

possam assumir ‘formas’ específicas: jurídicas, políticas,

ideológicas, simbólicas etc.). As análises históricas de Marx

não negam essa realidade, não contornam essa tese, nem

propõem outro princípio teórico diante da ‘primazia do

econômico’, assim entendido”. 24 ( grifos do autor)

Desta forma, o autor nega a solidariedade vinda dos neomarxistas ao encontro

das obras de Marx no intuito de reformular uma teoria que não tem como outro objetivo

senão mostrar-se exatamente como é, ou seja, uma teoria econômica do Estado. Em

última instância, parafraseando Codato (2005), é a economia que determina e

condiciona as ações políticas dos indivíduos, suas representações ideológicas e que

fundamenta os conflitos entre as classes.

Codato (2005) ainda completa:

“O que O 18 Brumário evidencia, por seu turno, é a

dissimulação desse fato na política, seja porque a atividade

política (os grupos puramente políticos, a representação

partidária das classes e frações de classe etc.) nem sempre

pode ser ligada explicitamente aos interesses econômicos, seja

porque essa dissimulação do que é em relação ao que parecer

ser é o que torna a dominação ‘legítima’”25. (grifos do autor)

Para sustentar seu posicionamento teórico, o autor utiliza-se dos conceitos de

“essência” e “aparência” apresentados por Marx em A Ideologia Alemã, segundo os

quais, os interesses reais podem ser camuflados diante de determinada situação para

garantir que o domínio de uma classe seja alcançado e/ou prevalecido sobre outra.

24 CODATO, Adriano Nervo. O 18 Brumário, política e pós-modernismo. Lua Nova: Revista de Cultura e Política, São Paulo, nº 64, 2005, p. 106. Disponível em <http://www.scielo.br/pdf/%0D/ln/n64/a07n64.pdf>. Acesso em: 3 de fevereiro 2010. 25 Ibdem, p. 106.

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25

Não pretendemos analisar profundamente as críticas direcionadas ao Estado

marxista e tão pouco esboçar um estudo detalhado sobre O 18 Brumário, pois

fugiríamos de nosso propósito. É necessário que fique claro, no entanto, que as análises

empregadas por Codato em relação à totalidade das obras de Karl Marx é a mais

condizente com a nossa perspectiva, de modo que o modelo do edifício, mesmo com

todas as críticas que carrega contra si nos parece a mais conclusiva para o objetivo

empírico deste trabalho que é o de demonstrar até que ponto a proposição ideológica de

uma classe economicamente dominante pôde ser difundida a ponto de tornar-se também

a proposição de quase toda uma nação, sendo que a primeira valia-se basicamente de

sua privilegiada condição material.

Para que se prevaleça sobre as demais, é imprescindível, entretanto, que a classe

economicamente dominante conjure em si os demais elementos constituintes do “todo

social”. Não devemos ver neste ponto uma oposição a tudo o que procuramos

demonstrar até aqui, pelo contrário, alguns teóricos marxistas, vieram acrescentar à

teoria geral de Marx e de seus sucessores elementos de grande importância para o

entendimento do funcionamento das superestruturas, sobretudo o da ideológica, para a

conquista ou manutenção do poder de uma classe.

Antes de apresentar estes elementos, no entanto, nos parece válido

complementar nossa análise sobre a importância atribuída às demais instâncias

constituintes do Estado, pois como nos advertiu Codato, a estrutura econômica

desempenha um papel determinante na configuração geral do Estado, mas “não é o

único fato determinante”:

“A conclusão dessa comédia contém no entanto uma lição:

ainda que a ‘economia’ não comande absolutamente o

comportamento das classes, o interesse puramente político de

classe submete-se, estrategicamente, ao interesse econômico

geral de classe – o capitalismo, como regime de exploração e

como regime de dominação política. Nessa conjuntura precisa,

a burguesia, como classe, ‘reconhece’ (ainda que essa não seja

uma ação nem consciente nem ‘racional’) que para manter

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26

intacto seu poder social, é necessário quebrar seu poder

político (...). (18 Br., p. 481-482, grifos do autor)”. 26

Como vimos até aqui, a “primazia do econômico”, ou seja, o papel crucial que as

estruturas econômicas desempenham na configuração geral do Estado é a base da teoria

marxista, no entanto, as demais superestruturas têm também sua importância em nossa

análise. Ao referir-se ao poder político, por exemplo, Marx diz que ele “é o poder

organizado de uma classe para a opressão de outra” 27, e mesmo referindo-se ao poder

político, os termos “classe” e “opressão” sugerem que existem conceitos subentendidos.

O termo classe supõe, obviamente, que o econômico motiva o descontentamento

que leva às classes a se insurgirem umas contra as outras, de forma que ao “vencedor”

desta disputa é concedido o poder de dominar o outro. Mas de que forma se dá essa

dominação? Onde esta disputa é realizada? O que assegura a manutenção deste poder?

Segundo Althusser (1985), o poder é o elemento constitutivo do Estado, as lutas

de classes se desenvolvem mediante sua busca e conservação, seja por uma classe, uma

aliança de classes ou frações de classes.

O autor nos lembra que “nenhuma classe pode ter em suas mãos o poder de

Estado de forma duradoura sem exercer ao mesmo tempo sua hegemonia sobre e nos

aparelhos ideológicos de Estado” 28, ou seja, para que efetivamente uma classe detenha

o poder sobre outra, é imprescindível que este alcance o nível simbólico/ideológico.

O Estado para Althusser está dividido em duas dimensões: 1) aparelhos

repressivos de Estado que abrange o governo, a administração, o exército, a polícia, os

tribunais, as prisões, etc., que funciona mediante o uso da violência. 2) aparelhos

ideológicos de Estado, formado por igrejas, escolas, família, sindicatos, informação

através dos meios de comunicação, sistemas culturais, etc. Como o autor convencionou

26 CODATO, Adriano Nervo. O 18 Brumário, política e pós-modernismo. Lua Nova: Revista de Cultura e Política, São Paulo, nº 64, 2005, p. 102. Disponível em <http://www.scielo.br/pdf/%0D/ln/n64/a07n64.pdf>. Acesso em: 3 de fevereiro 2010. 27 MARX, K. e ENGELS, F. Obras Escolhidas, s/d, vol. 1, p. 38 apud PERISSINOTO, Renato. A importância do 18 Brumário de Louis Bonaparte para a teoria marxista contemporânea do Estado capitalista. Curitiba, 2003, p. 7. Disponível em <http://www.nusp.ufpr.br/acervo.php?ac=1&acervo_subcat_id=2#ini_lista>. Acesso em: 15 de outubro de 2009. 28 ALTHUSSER. Louis. Aparelhos Ideológicos de Estado: notas sobre os aparelhos ideológicos de Estado. 2ª edição. Rio de Janeiro: Edições Graal, 1985, p. 71.

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27

nominá-los, trataremos estes conceitos por ARE (Aparelho Repressivo de Estado) e AIE

(Aparelho Ideológico de Estado).

Embora o ARE apareça representado por um termo aparentemente pejorativo

que subentende apenas o uso da força física, este também atua através da ideologia, pois

como demonstra o autor em seu exemplo, o exército e a polícia utilizam a ideologia ora

para assegurar a sua coesão interna ora para difundir os valores que eles pretendem

impor. Da mesma forma nos diz que também o AIE se utiliza da violência para ser

imposto, mas neste caso, a repressão simbólica, concluindo assim, que não existem

aparelhos puramente repressivos e nem aparelhos puramente ideológico.

Segundo Althusser (1985):

“Se aceitamos que, em princípio ‘a classe dominante’ tem o

poder do Estado (em forma total, ou, o mais comum, por meio

de alianças de classes ou de frações de classes) e dispõe,

portanto, do aparelho (repressivo) de Estado, podemos admitir

que a mesma classe dominante seja parte ativa dos aparelhos

ideológicos de Estado, na medida que, é a ideologia dominante

a que se realiza” 29.

Para avançarmos na análise, é importante apreendermos que “o conceito de

ideologia deve ser entendido como um sistema de idéias, uma construção imaginária

que domina o espírito de um grupo social. Essas idéias derivam da realidade concreta

dos indivíduos, como analisa Marx em sua obra A Ideologia Alemã”. 30

De acordo com a proposição de sua teoria sobre o Estado no que diz respeito à

metáfora do edifício, para o autor, a ideologia de determinada sociedade reflete os

valores e idéias da classe materialmente dominante.

“Os pensamentos da classe dominante são também, em todas

as épocas, os pensamentos dominantes, ou seja, a classe que

tem o poder material numa dada sociedade é também a

potência dominante espiritual. A classe que dispõe dos meios 29 ALTHUSSER. Louis. Aparelhos Ideológicos de Estado: notas sobre os aparelhos ideológicos de Estado. 2ª edição. Rio de Janeiro: Edições Graal, 1985, p. 71. 30 MARTINS, Ricardo Constante. Ditadura Militar e Propaganda Política: A Revista Manchete durante o Governo Médici. 1999.195 f. Dissertação (Mestrado em Ciências Sociais) – Universidade Federal de São Carlos, São Carlos. 1999, p. 10.

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28

de produção material dispõe igualmente dos meios de

produção intelectual, de tal modo que o pensamento daqueles a

quem são recusados os meios de produção intelectual está

submetido igualmente à classe dominante. Os pensamentos

dominantes são apenas a expressão ideal das relações

materiais dominantes concebidas sob a forma de idéias e,

portanto, a expressão das relações que fazem de uma classe a

classe dominante, dizendo de outro modo, são as idéias de seu

domínio”. 31

A dominação dos “meios de produção intelectual” com a finalidade de difundir

as idéias dominantes por parte da classe que detém o poder material, tem como objetivo

primeiro garantir a manutenção de uma ordem preexistente ou a busca da imposição de

determinada ordem que abrigue em sua essência os valores dominantes.

Essa imposição/manutenção é possível através do processo de domínio, que por

sua vez é imposto através da hegemonia. O conceito encontra a seguinte definição de

Gruppi (1978) segundo Martins (1999):

“capacidade de unificar através da ideologia e de conservar

unido um bloco social que não é homogêneo, mas sim marcado

por profundas contradições de classe. Uma classe é

hegemônica, dirigente e dominante, até o momento em que –

através de sua ação política ideológica, cultural – consegue

manter articulado um grupo de forças heterogêneas, consegue

impedir que o contraste existente entre tais forças exploda,

provocando assim uma crise na ideologia dominante, que leve

à recusa de tal ideologia, fato que irá coincidir com a crise

política das forças no poder”. 32

31 MARX, Karl e ENGELS, Friedrich. A Ideologia Alemã. Disponível em http://www.scribd.com/doc/7207554/Karl-Marx-A-Ideologia-Alema. Acesso em: 13 de novembro 2009. 32 GRUPPI, Luciano. O conceito de hegemonia em Gramsci. São Paulo: Graal, 1978. apud MARTINS, Ricardo Constante. Ditadura Militar e Propaganda Política: A Revista Manchete durante o Governo Médici. 1999.195 f. Dissertação (Mestrado em Ciências Sociais) – Universidade Federal de São Carlos, São Carlos. 1999, p. 11-12.

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29

Althusser propõe em seus estudos que se dado o princípio que estabelece que a

classe dominante detém o poder do Estado, de forma total, ou através de alianças ou

frações de classes, dispondo desta forma, do ARE, é suposto que esta classe seja

também parte ativa nos AIE´s, pois é a ideologia dominante que se realiza no “todo

social”.

As idéias centrais do autor estão baseadas na teoria de Antonio Gramsci,

cientista político italiano responsável pela elaboração do conceito de hegemonia e bloco

hegemônico, utilizando de forma particular em suas análises as superestruturas

determinadas por Marx. Para ele, o poder dos AIE´s é imprescindível à classe

dominante porque é através deles que se dá a educação dos dominados para que eles se

submetam a elas como algo natural e conveniente, reprimindo, desta forma, um possível

potência revolucionária.

Para Gramsci um Estado é absolutamente forte quando exerce não somente o

poder coercitivo, mas também o poder simbólico, pois como afirma Portelli “não existe

sistema social em que o consentimento seja a base exclusiva da hegemonia, nem Estado

em que um mesmo grupo possa, somente por meio da coerção, continuar a manter de

forma durável a sua dominação”. 33 Ou seja, é necessário para que a classe dominante

politicamente, possa manter-se no poder que transformações ocorram também no campo

da cultura, da moral, da concepção de mundo.

O poder hegemônico para o autor, é estabelecido mediante o controle do sistema

educacional, das instituições religiosas e dos meios de comunicação. Em particular,

neste momento, nos interessa particularmente a dominação imposta através dos meios

de comunicação.

Gramsci possui um estudo aprofundado sobre os intelectuais enquanto

organizadores da cultura que veremos mais adiante em nossa apresentação, mas num

primeiro momento, basta entendermos que para o autor, o conceito de “intelectual” é

ampliado a uma categoria social, que ele chamou de “agentes da superestrutura”,

tentando criar na sociedade “uma atmosfera de consenso em torno de um projeto

político que não atende necessariamente às demandas dos setores sociais necessários à

composição de um bloco de poder minimamente estável”. 34

33 MARTINS, Ricardo Constante. Ditadura Militar e Propaganda Política: A Revista Manchete durante o Governo Médici. 1999.195 f. Dissertação (Mestrado em Ciências Sociais) – Universidade Federal de São Carlos, São Carlos. 1999, p. 14. 34 Ibdem, p. 17.

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30

Em outras palavras, podemos dizer que estes “agentes” ou “funcionários” para

utilizar a classificação gramsciana, das superestruturas são intelectuais recrutados na

classe econômica e politicamente dominantes, eles são os responsáveis por elaborar a

ideologia que é difundida através dos meios de comunicação, mais especificamente,

através da mensagem oriunda da propaganda político-ideológica.

I.3.2) A Propaganda Político-Ideológica

Como vimos anteriormente, as sociedades são caracterizadas pelo seu

movimento que se manifesta através dos conflitos existentes entre as classes e também

entre suas frações; desta forma, uma análise coesa sobre a propaganda requer um estudo

específico sobre o contexto no qual está inserida criando uma metodologia de estudo

partindo-se do pressuposto de que ela é realizada em um momento histórico definido,

em uma sociedade que vive determinadas condições de existência.

Diante dessa proposição, Garcia (1999) propõe um esquema analítico

constituído de elementos essenciais que se fazem necessário para a análise da

propaganda: 35

1) Os sistemas político e econômico da sociedade;

2) Os interesses de classes;

3) A ideologia e seu processo de difusão.

Reconhecendo estes aspectos na sociedade a ser estudada, o passo seguinte é

definir em qual nível encontra-se a capacidade que determinada classe tem para realizar

os seus próprios interesses e de que instrumentos ela dispõe para efetivar a sua ação de

forma a impor-lhes ideologicamente aos demais.

Esta imposição, segundo o autor, pode ser feita de duas maneiras: a submissão

por algum tipo de ameaça - inclusive a força física - e a conquista pelo convencimento

ou o chamado “processo de persuasão”, que consiste em um método de manipulação de

idéias que mobilizam as crenças e as opiniões em uma única direção, e podem ser de

dois tipos: racional, que através da argumentação busca convencer o persuadido a

assumir o ponto de vista do persuasor, ou emotiva, quando sua atuação é segundo sua

35 GARCIA, Nelson Jahr. Sadismo, Sedução e Silêncio – Propaganda e Controle Ideológico do Brasil: 1964-1980. E-books Brasil, 1999. p. 13. Disponível em <http://www.ebooksbrasil.org/adobeebook/sadismo.pdf>

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própria classificação diz, emotiva ou simbólica, buscando seduzir o receptor pelo

fascínio.

Definido este quadro, a propaganda vai buscar, em seu aspecto mais geral,

difundir ações que possam alcançar seu receptor de forma organizada e direcionada a

um único fim: a realização dos interesses de seus emissores.

A partir desta análise, conseguimos lançar mão das representações da realidade

que a sociedade em questão formula sobre si, dando desta forma, sentido às suas ações,

ou seja, a ideologia aqui,

“(...)entendida como um conjunto de representações, definido

em determinado momento histórico, que se configurou como

um ponto de referência para a tomada de decisões e sua

execução e, o mais importante aqui, como repertório para a

elaboração das mensagens”36

A propaganda torna-se, pois, ideológica porque assume um caráter persuasivo na

medida em que objetiva induzir a população a agir de maneira premeditada; entretanto,

é fundamental entender de que forma a ideologia foi codificada nestas mensagens de

maneira a se adequarem aos interesses sociais, e como foi percebida, entendida e

memorizada pelos receptores. Neste fato reside a nossa hipótese inicial que trata a

propaganda como um meio eficiente de dominação social de uma classe por outra.

Situaremos, portanto, nosso estudo na análise de sociedades capitalistas, em que

os detentores do capital controlam os meios de comunicação. 37

Desse modo, a mensagem que se busca difundir parte em defesa de seus

interesses de classe, realizada de cima para baixo, buscando constante apoio para a

realização de seus objetivos, pois numa configuração social baseada na teoria marxista

de burguesia e proletariado, para que os interesses de um grupo sobreponham-se aos

interesses de outro, seja de uma classe ou fração de classe, alguém, inevitavelmente,

terá que se submeter.

36 GARCIA, Nelson Jahr. Sadismo, Sedução e Silêncio – Propaganda e Controle Ideológico do Brasil: 1964-1980. E-books Brasil, 1999. p. 14. Disponível em <http://www.ebooksbrasil.org/adobeebook/sadismo.pdf>. Acesso: 05 de janeiro 2010. 37 Não entraremos no mérito da análise de qual elite está envolvida no processo de dominação, se a política ou a econômica.

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32

As classes dirigentes tão bem entendem esta lógica e sua conseqüência, que

sabem que para que a sua ideologia sirva de guia para o comportamento dos demais

indivíduos presentes na cena social é necessário que exista uma consciência comum

para que a atuação coletiva seja efetivada.

Para que se atinja, com efeito, o público, a ideologia dominante não assume a

forma de um discurso racional, como pretende apresentar-se, pelo contrário, é

mascarada e transformada em frases e imagens que atraem a atenção, tornando-se uma

mensagem de fácil assimilação pelos receptores independentemente de suas condições

individuais específicas.

A propaganda política tomou como base para sua consolidação os processos e

técnicas do chamado novo estágio da publicidade norte-americana, substituindo o ato de

impressionar pelo de convencer e o de explicar pelo de sugestionar. Ela conta com

técnicas de repetição de imagens atraentes que dificultam ao homem moderno escapar

do processo de sedução, o que possibilita que ele seja guiado pela mensagem que

suscita nele o sentimento de necessidade.

Segundo Domenach (1955):

“Descoberta formidável, decisiva para os modernos

engenheiros da propaganda: o homem médio é um ser

essencialmente influenciável; tornou-se possível sugerir-lhe

opiniões por ele consideradas pessoais, ‘mudar-lhes as idéias

no sentido próprio, e por que não tentar em matéria política o

que é viável do ponto de vista comercial?’”38.

Houve na primeira metade do século XX, uma expressiva ascensão de regimes

políticos que utilizaram a propaganda como instrumento de controle da sociedade.

Esse tipo de propaganda consolidou-se, de fato, como fenômeno social, nas

décadas de 1920-1940, devido ao avanço tecnológico dos meios de comunicação. Ela

toma como pressuposto básico a sedução, apelando diretamente ao sistema emocional

dos receptores, o que psicologicamente apresenta grande eficácia em relação à conquista

de novas adesões políticas.

38 DOMENACH, Jean Marie. A Propaganda Política. 1955, pg. 24. Disponível em <http://www.adelinotorres.com/sociologia/Jean-Marie%20DomenachA%20propaganda%20politica.pdf>. Acesso em: 03 de junho de 2009.

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33

Francisco Campos (1940) 39 em uma citação sobre o avanço dos meios de

comunicação, fala sobre a transformação da:

“Tranqüila opinião pública do século passado em um estado

de delírio ou de alucinação coletiva mediante os instrumentos

de propagação, de intensificação e de contágio das emoções,

tornados possíveis precisamente graças ao progresso que nos

deu a imprensa de grande tiragem, a radiofusão, o cinema, os

recentes processos de comunicação que conferem ao homem

um dom de ubiqüidade e, dentro em pouco, a televisão,

tornando possível a nossa presença simultânea em diferentes

pontos do espaço. Não é necessário o contato físico para que

haja multidão. Durante toda a fase da campanha ou da

propaganda política, toda a nação é mobilizada em estado

multitudinário. Nessa atmosfera emotiva seria ridículo admitir

que os pronunciamentos de opinião possam ter outro caráter

que não seja o ditado por preferências ou tendências de ordem

absolutamente irracional”. 40

A propaganda apresenta-se como importante estratégia para o exercício do

poder, sobretudo em regimes autoritários, onde o Estado exerce absoluto controle sobre

os meios de comunicação e conseqüentemente, sobre o conteúdo das mensagens

transmitidas, bloqueando qualquer ação contrária à ideologia oficial, ora por meio da

censura ora por meio da repressão, uma vez que o poder político possui o monopólio da

força física e da força simbólica, esforçando-se por legitimar sua ideologia e garantir o

controle sobre a sociedade.

Segundo PEREIRA (2003):

39 Francisco Luís da Silva Campos (Dores do Indaiá, 18 de novembro de 1891 — Belo Horizonte, 1 de novembro de 1968) foi um jurista e político brasileiro, responsável, entre outras obras, pela redação da Constituição brasileira de 1937 e do Ato Institucional do golpe de 1964. Disponível em <http://pt.wikipedia.org/wiki/Francisco_Campos>. Acesso em: 03 de junho 2009. 40 CAMPOS, Francisco. O Estado Nacional. 1940. apud CAPELATO, Maria Helena Rolim. Propaganda política e controle dos meios de comunicação. IN: PANDOLFI, Dulce. Repensando o Estado Novo. Rio de Janeiro: FGV, 1999. pg. 170.

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“Em regimes dessa natureza, a propaganda política se torna

onipresente, atua no sentido de aquecer as sensibilidades e

tende a provocar paixões, visando a assegurar o domínio sobre

os corações e mentes das massas”41. (NOTA)

Joseph Goebbels – ministro da Propaganda de Hitler – dizia que a propaganda é

ilimitada tanto em sua adaptação quanto em seus efeitos e que fazê-la consiste em

espalhar por todas as partes a sua idéia; isso nos permite dizer que para que ela surta

efeitos, é necessário que o propagandista aplique todos os métodos possíveis para seu

sucesso de “contágio”.

A propaganda política lança mão de suportes técnicos, tais como jornais,

panfletos, cartazes, rádio, música, imagem, teatro, cinema e televisão. A política

encontra nestes veículos, aproveitando-se de seu nível de alcance e popularidade, uma

forma de exercer o poder na medida em que busca fazer os receptores acreditarem que o

estadista, o chefe de partido, ou mesmo o governo que passa sua mensagem,

representam-nos efetivamente e assim sendo, são capazes de defender seus interesses

assegurando seus cuidados.

Segundo Capelato (1999), Pierre Ansart (1983) afirma que:

“A imposição sistemática de ideologias nos permite

compreender melhor como a sensibilidade política não é um

estado de fato, mas o resultado de múltiplas mensagens,

apelos, interpelações e dramatizações que mantém ou

modificam os sentimentos coletivos”42. (NOTA)

Em governos ditatoriais, a manipulação das massas pela propaganda é de mais

fácil visualização, não só pela prática em si, mas por seu resultado. O Estado possui o

monopólio dos meios de comunicação, o que amplifica o alcance de suas ações,

possibilitando a imposição de projetos políticos que atendem aos interesses de grupos

41 PEREIRA, Vagner Pinheiro. Cinema e Propaganda Política no Fascismo, Nazismo, Salazarismo e Franquismo. História: Questões e Debates, Curitiba, nº 38, pg 101-131, 2003, pg. 102. 42 ANSART, Pierre. La gestion des passions politiques. Lausanne, L´Age d´home, 1983. apud CAPELATO, Maria Helena Rolim. Propaganda política e controle dos meios de comunicação. IN: PANDOLFI, Dulce. Repensando o Estado Novo. Rio de Janeiro: FGV, 1999. pg. 168.

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específicos apresentando-se mascarados de projetos de interesse nacional, pois

requerem o apoio coletivo para sua realização.

Para ilustrarmos, faremos uma breve análise de dois casos onde a propaganda foi

amplamente utilizada como método de persuasão e conseqüente conquista das massas,

não só no tocante ao apoio vindo dessas para a legitimação de um regime, mas também

na personificação de dois estadistas, de maneira a confundi-los como o próprio Estado:

Adolf Hitler e a propaganda nazista na Alemanha e Getúlio Vargas e a propaganda

varguista no Brasil.

I.4. A Propaganda Nazista

“Ela é um meio e, como tal, deve ser julgada do ponto de vista

da sua finalidade. A forma a tomar deve consentir no meio

mais prático de chegar ao fim a que se colima. É também claro

que a importância do objetivo que se tem em vista pode se

apresentar sob vários aspectos, tendo-se em vista o interesse

social, e que, portanto, a propaganda pode variar no seu valor

intrínseco. A finalidade pela qual se lutava durante a guerra

era a mais elevada e formidável que se pode imaginar.

Tratava-se da liberdade e independência de nosso povo, da

garantia da vida, do futuro e, em uma palavra, da honra da

nação. Estávamos em face de uma questão que, não obstante

opiniões divergentes de muitos, ainda existe ou melhor deve

existir, pois os povos sem honra costumam perder a liberdade

e a independência, mais tarde ou mais cedo”.43

Como vimos anteriormente, a propaganda política tomou de empréstimo as

técnicas da propaganda comercial norte-americana para difundir sua mensagem e lograr

seus objetivos.

Um dos exemplos de maior notoriedade neste aspecto é Adolf Hitler e a

campanha nazista, pois embora não tenha propriamente inventado a propaganda, cabe a

43 HITLER, Adolf. A Propaganda da Guerra. s/d. Disponível em <http://www.scribd.com/doc/6823435/HitlerA-PROPAGANDA-DA-GUERRA>. Acesso em: 06 de junho 2009.

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ele e a Joseph Goebbels os métodos inovadores de sua aplicação com vistas a tomada do

poder através da conquista das massas.

A propaganda posta em prática por eles, seguia os moldes anteriormente

descritos, tal qual a lógica da sedução, para atingir sua eficácia. Segundo Capelato

(1999), a propaganda nazista fez:

“uso de insinuações indiretas, veladas e ameaçadoras;

simplificação das idéias para atingir as massas incultas; apelo

emocional; repetições; promessas de benefícios materiais ao

povo (emprego, aumento de salários, barateamento dos

gêneros de primeira necessidade); promessas de unificação e

fortalecimento nacional”44. (NOTA)

Para isso, Hitler e Goebbels preparavam todas as manifestações, discursos e

coordenavam as campanhas de tal forma que a propaganda nazista penetrou o

inconsciente coletivo.

Segundo Domenach (1955):

“O Partido e o Chefe estavam presentes em toda parte: nas

ruas, nas fábricas e até dentro das casas, nas paredes dos

quartos. Jornais, cinema e rádio repetiam incessantemente a

mesma coisa”45. (NOTA)

A propaganda não cessava, mantinha continuadamente o povo em estado de

alerta. Ela hipnotizava os homens para que estes estivessem com Hitler até o fim e

morressem com ele. A imagem do chefe hipnotizava-os de tal maneira, que era

impossível que estes compreendessem as reais razões de tal fascínio.

A Alemanha utilizou, desde a Primeira Guerra Mundial (1914 – 1918), o cinema

como o mais importante meio de difusão da propaganda. A criação do projeto

44 CAPELATO, Maria Helena Rolim. Propaganda política e controle dos meios de comunicação. IN: PANDOLFI, Dulce. Repensando o Estado Novo. Rio de Janeiro: FGV, 1999. pg. 167. 45 DOMENACH, Jean Marie. A Propaganda Política. 1955, pg. 50. Disponível em <http://www.adelinotorres.com/sociologia/Jean-Marie%20DomenachA%20propaganda%20politica.pdf>. Acesso em: 03 de junho de 2009.

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Universum Film Aktiengesellschaft, conhecido como Ufa, que foi estimulado e

financiado pelo próprio comando militar alemão demonstra isso.

Em 1927 o controle acionário passou a Alfred Hugenberg, homem que

financiava secretamente grupos nacionalistas, do qual Adolf Hitler foi um dos

apoiadores. Com o apoio, o futuro chefe de governo, ganhou notoriedade através de

suas aparições nos cinejornais da Ufa, o que o proporcionou destaque e melhorou sua

imagem política e o desempenho eleitoral de seu partido.

Quando Hitler assumiu o poder, a companhia ficou nas mãos de Goebbels,

ministro da propaganda do Terceiro Reich, enquanto Hugenberg passou ao cargo de

ministro da economia.

Joseph Goebbels merece destaque na análise, pois ele foi o responsável por

construir a imagem pública de Hitler, tornando-o não só um líder político, mas o

“messias” da nação alemã, sendo inclusive dele os créditos pela criação da famosa

saudação nazista “Heil Hitler” – “Ave Hitler” ou “Vida longa a Hitler”. Seu ministério

possuía o controle sobre rádio, televisão, imprensa, cinema e teatro, o que garantiu que a

campanha nazista conseguisse o apoio da população às decisões do Führer.

A Revista Veja de setembro de 1939, publicou uma edição especial sobre a

Guerra na qual, na seção Perfil, aparecia Joseph Goebbels denominado como título à

reportagem de “O cérebro do Reich”.

Segundo a revista:

“Arquiteto da imagem messiânica de Hitler, Joseph Goebbels

direciona seu talento para a política expansionista e anti-

semita do Führer – mestre da propaganda arrebanha o apoio

da população para nova batalha na Europa” .46

À frente do ministério, Goebbels investiu principalmente no cinema, seguindo a

tradição alemã, a ponto de que no ano de 1942, o governo Hitler assumiu o controle

absoluto da produção cinematográfica na Alemanha, como é comum em Estados

autoritários.

46 VEJA. São Paulo: Editora Abril, Série Especial: II Guerra Mundial, set. 1939. Disponível em <http://veja.abril.com.br/especiais_online/segunda_guerra/edicao001/perfil.shtml>. Acesso em 09 de junho 2009. (ANEXO)

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A propaganda nazista, no entanto, não levou tanto tempo para ser solidificada,

iniciou-se antes mesmo de Hitler assumir o poder. O líder alemão já reconhecia o poder

do cinema como difusor de ideologia e conquista das massas antes disso. Tanto que

antes de sua ascensão já eram produzidos filmes de propaganda nazista, dentre os quais

destacam-se os seguintes curtas-metragens eleitorais: Parteitag der NSDAP in Nürnberg

(“O Congresso do NSDAP em Nuremberg”, 1927), Hitlers Braune Soldaten Kommen

(“Os Soldados Marrons de Hitler Chegam”, 1930), Hitlerjugend in den Bergen (“A

Juventude Hitlerista nas Montanhas”, 1932), Triumphahrt Hitlers durch Deutschland (“

Viagem Triunfal de Hitler pela Alemanha”, 1932), Hitler über Deutschland (“Hitler

sobre a Alemanha”, 1932) e Deutschland erwacht! (“Desperta, Alemanha!”, 1932).

Em 13 de março de 1933, com a criação do Ministério do Reich para

Esclarecimento Popular e Propaganda (Reichsministerium für Volksauflärung und

Propaganda) teve início o processo de “nazificação” da arte e da cultura alemãs que

objetivava a destruição das instituições culturais da República de Weimar. Surge então,

em 14 de julho de 1933, a Câmara do Cinema do Reich (Reichsfilmkammer) antes

mesmo de todos os outros departamentos da Câmara de Cultura do Reich

(Reichskultutkammer).

No entanto, não foi o cinema o único e exclusivo artifício utilizado pelos

nazistas para atingir as massas, segundo Capelato (1999):

“O país foi inundado por panfletos, cartazes vermelhos

ornados de cruz gamada, jornais distribuídos nas ruas, caixas

de correio ou lançados por aviões. Alto-falantes foram usados

para repetir as palavras de ordem ou para fazer ouvir as

palavras do líder gravadas em discos. Em meetings

organizados por todo o país, oradores formados pelo partido

popularizaram temas e slogans de fácil assimilação. As águias,

as bandeias, a cruz gamada de fundo vermelho e branco, os

cantos e hinos, os uniformes marrons, as paradas das SA´s

desfilando em colunas em ordem impecável ao som de

fanfarras e à luz de tochas, os Seig Heil ou Heil Hitler

repetidos em coro pela multidão não só asseguravam a coesão

das massas mas também suscitavam êxtase e devotamento”.47

47 CAPELATO, Maria Helena Rolim. Propaganda política e controle dos meios de comunicação. IN: PANDOLFI, Dulce. Repensando o Estado Novo. Rio de Janeiro: FGV, 1999. pg. 169.

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Capelo chama atenção em seu trabalho para os estudos de Ansart, para quem é

característica dos regimes totalitários a evocação e manipulação de sentimentos

despertados pela ação da propaganda com o intuito de produzir fortes emoções, não

apenas através dos meios de comunicação, como foi o caso do nazismo que se utilizou

também, como demonstrado anteriormente, das comemorações, festas e manifestações

públicas para alcançar seu objetivo.

Para Goebbels, o pensamento social deveria ser único, de tal modo que a

população reagisse favoravelmente às ações do governo, colocando-se inclusive à sua

total disposição. E foi justamente através dessas imagens simples e agressivas que o

nazismo alcançou sucesso entre a grande massa da população; utilizando-se da

psicologia despertou o sentimento anti-semita, a exaltação nacional e a busca de um

passado glorioso. Conforme as palavras de Goebbels:

“Chegou a hora de nosso país exigir seu direito histórico na

Europa. O elevado destino da raça superior se aproxima. O

povo tem de desejar sacrificar-se pela glória do Reich.

Qualquer confronto deve ceder lugar à necessidade de

armas”.48

O que se queria atingir eram os sentimentos do povo alemão, pois como

preconizava Hitler: “a arte da propaganda consiste em ser capaz de despertar a

imaginação pública, fazendo apelo aos sentimentos, encontrando fórmulas

psicologicamente apropriadas que chamam a atenção das massas e tocam os

corações”.49 (NOTA)

E assim, o Führer inaugurou uma lógica de adoração à sua imagem e ao seu

governo de maneira que sua fórmula atraiu, do outro lado do Atlântico, a atenção dos

ideólogos do Estado Novo de Getúlio Vargas, como veremos a seguir.

48 48 VEJA. São Paulo: Editora Abril, Série Especial: II Guerra Mundial, set. 1939. Disponível em <http://veja.abril.com.br/especiais_online/segunda_guerra/edicao001/perfil.shtml>. Acesso em 09 de junho 2009. (ANEXO) 49 CAPELATO, Maria Helena Rolim. Propaganda política e controle dos meios de comunicação. IN: PANDOLFI, Dulce. Repensando o Estado Novo. Rio de Janeiro: FGV, 1999. pg. 167.

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I.5. A Propaganda Varguista

Os estudos sobre o Estado Novo demonstram que a propaganda utilizada durante

o Estado Novo, inspirou-se nas experiências italiana e, sobretudo, na alemã, ganhando

inclusive uma titulação congênere ao precursor nazismo: o varguismo.

Embora as semelhanças na organização e no funcionamento dos órgãos

responsáveis pela criação e divulgação da propaganda política, nos casos brasileiro e

alemão, muitos dos ideólogos do Estado Novo, não se declararam abertamente como

simpatizantes do nazismo e do fascismo, pois buscavam manterem-se afastados das

comparações, sem, no entanto, deixarem de admitir sua admiração por tais regimes,

como foi o caso de Filinto Muller, chefe da polícia política, responsável pela repressão

dos opositores e de Lourival Fernandes, diretor do DIP, que controlava os meios de

comunicação e cultura e atuava como o órgão responsável pela produção e divulgação

da propaganda estado-novista.

Assis Chateaubriand, grande magnata da comunicação no Brasil, dono da maior

cadeia de imprensa até hoje vista em nosso país o Diários Associados, ainda em 1935,

no jornal O Diário de São Paulo, criticou abertamente Getúlio Vargas pela sua

incapacidade de utilizar os meios de comunicação de forma eficiente. Apontando para o

sucesso alcançado pelo governo alemão, ele disse:

“a técnica de propaganda obtém resultados até a hipnose

coletiva (...). O número de heréticos se torna cada vez mais

reduzido porque o esforço de sugestão coletiva é

desempenhado pelas três armas poderosas de combate da

técnica material de propaganda: o jornalismo, o rádio e o

cinema (...)”. 50

Tal qual o nazismo, o varguismo empregou técnicas de manipulação das massas

que visavam exaltar os sentimentos, na busca pela conquista de apoio à legitimação do

novo governo, que se impunha através de um golpe, usando como meio de difusão as

mensagens políticas, passadas à população através de slogans, frases de efeito e

repetição contínua de seus preceitos.

50 CAPELATO, Maria Helena Rolim. Propaganda política e controle dos meios de comunicação. IN: PANDOLFI, Dulce. Repensando o Estado Novo. Rio de Janeiro: FGV, 1999. pg. 170.

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41

“O objetivo imediato da propaganda realizada [pelo Estado

Novo] era persuadir as classes subalternas de que a ideologia

dominante, tal qual como objetivada na organização e

estruturação do Estado e nas diretrizes propostas e

implementadas, correspondiam aos seus interesses e mais aos

interesses gerais da ‘nação’. Como objetivo mediato o que se

visava era reproduzir a subordinação ao Estado e assim,

indiretamente, aos interesses do capital por aquele assumidos.

A subordinação deveria se concretizar através da submissão

passiva às decisões governamentais – desmobilização política

– e da participação efetiva através do trabalho – mobilização

econômica. A necessidade de obter a adesão das classes

subalternas à ideologia exigia sua prévia elaboração, de molde

a ocultar sua vinculação com os interesses do capital e torná-

la persuasiva”. 51

De fato, o Brasil nunca assistira até então, semelhante crescimento no uso da

imprensa, do cinema e do rádio a fim de veicular mensagens oficiais. Surgiram

inúmeras obras que tinham como objetivo de enaltecer Vargas e o Estado Novo, além

da disseminação de atos e solenidades públicas.

Em 1937, a censura aos meios de comunicação foi institucionalizada, declarando

que todo o cidadão tinha direito à expressão, “mediante as condições e nos limites

prescritos em lei”. Dizia ainda:

“A lei pode prescrever:

a) com o fim de garantir a paz, a ordem e a segurança

pública, a censura prévia da imprensa, do teatro, do

cinematógrafo, da radiodifusão, facultando à autoridade

competente proibir a circulação, a difusão ou a

representação”. 52

51 GARCIA, Nelson Jahr. Estado Novo. Ideologia e propaganda política. São Paulo: Loyola, 1982. pg. 102. 52 Constituição Federal de 1937. Art. 122. Parágrafo 15 A.

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A imprensa adquiriu uma função de caráter público, ficando o Estado

responsável pela veiculação de informações no país, sendo criado dois anos depois o

Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP), que passou a deter todos os poderes

sobre os meios de comunicação.

O DIP

Criado em 1939, substituindo o extinto Departamento de Propaganda e Difusão

Cultura, O DIP efetivou a intervenção do Estado nos processos de criação e difusão da

cultura no país. Comandando por Lourival Fernandes, tinha como objetivo difundir as

diretrizes do governo através da produção e divulgação de um discurso nacionalista que

construísse uma boa imagem do regime, das suas instituições e do chefe de Estado,

identificando-os com o país e povo. Era um órgão altamente centralizado de tal modo

que os cargos de confiança eram nomeados pelo próprio presidente. Segundo o decreto-

lei de sua fundação:

“Art. 1º As atividades de imprensa e propaganda exercidas no

território nacional, fiscalizadas pelo Departamento de

Imprensa e Propaganda, reger-se-ão pelas normas traçadas

neste decreto-lei” 53. (ANEXO)

O decreto trazia disposições sobre a atuação do DIP em relação à imprensa, ao

cinema, ao teatro e às diversões públicas, à radiofonia, entre outros, impondo

penalidades como multas e mesmo a suspensão de artistas e empresários que não

respeitassem os artigos estipulados.

O DIP estava estruturado da seguinte forma: Divisão de Divulgação, Divisão de

Radiofusão, Divisão de Cinema e Teatro, Divisão de Turismo, Divisão de Imprensa e

Serviços Auxiliares. Através deste organizado aparato, foram produzidos livros,

revistas, cartazes, folhetos, radionovelas, fotografias, programas de rádio, cinejornais,

documentários, destacando-se, sobretudo, a imprensa e o rádio.

O rádio foi o principal veículo de disseminação ideológica do período, dada uma

série de características sociais e econômicas brasileiras, como por exemplo, o

53 Decreto-Lei nº 1949, de 30 de dezembro de 1939. (ANEXO)

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analfabetismo e a baixa renda da maior parte da população, que tornaram o aparelho

mais viável e rentável aos olhos do governo.

O intuito era transformar o rádio no principal canal de educação e cultura

visando a integração nacional, o que não tardou a ocorrer, pois de 63 estações em 1937,

o número subiu para 111 em 1945 e no que diz respeito ao número de radio receptores,

o número foi de 357.921 para 659.762 em 1942.

O principal programa transmitido no rádio para que os propósitos de doutrinação

do Estado Novo fossem atingidos era a “Hora do Brasil”, criado em 1931 e

reestruturado em 1939, após a criação do DIP. O programa tinha 3 finalidades:

informativa, cultural e cívica, divulgando discursos oficiais e atos do governo,

estimulando o gosto pelas artes populares, exaltando o patriotismo e rememorando os

grandes feitos do passado.

O controle da mídia impressa foi feito através da censura e de pressões de ordem

política e financeira. Houve uma intensa cooptação de jornalistas ocorrida através da

“troca de favores” ora financeiros, como as verbas destinadas à ampliação das empresas

jornalísticas oferecidas por Getúlio Vargas, ora políticos, explicado pelo fato de que ele

atendeu à reivindicações da classe que exigia a regulamentação profissional e direitos

aos trabalhadores da área. Os principais jornais de propaganda do regime foram: O

Estado de S. Paulo e A Noite, de São Paulo e O Dia, do Rio de Janeiro.

Segundo Capelato (1999):

“Os periódicos acabaram sendo obrigados a reproduzir os

discursos oficiais, a dar uma ampla divulgação às

inaugurações, a enfatizar as notícias dos atos do governo, a

publicar fotos de Vargas. 60% das matérias publicadas era

fornecidas pela Agência Nacional. Havia íntima relação entre

censura e propaganda. As atividades de controle, ao mesmo

tempo que impediam a divulgação de determinados assuntos,

impunha a difusão de outros na forma adequada aos interesses

do Estado”. 54

54 CAPELATO, Maria Helena Rolim. Propaganda política e controle dos meios de comunicação. IN: PANDOLFI, Dulce. Repensando o Estado Novo. Rio de Janeiro: FGV, 1999. pg. 175.

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A propaganda oficial, através do DIP, adquiriu uma posição de defesa da

unidade nacional e na manutenção da ordem, e o seu objetivo foi alcançado: Vargas

passou a ser cultuado e sua imagem confundiu-se com a idéia de nação e Estado

Moderno, tanto que para muitos, ainda hoje, o Estado Novo é visto como um Estado-

Nação idealizado e realizado pela força de um só homem: Getúlio Vargas, ou “O Pai

dos Pobres”, despertando saudosismo e profunda admiração.

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Capítulo II – BRASIL 1945 - 1964

“O que houve em 1964 não foi uma revolução. As

revoluções fazem-se por uma idéia, em favor de uma

doutrina. Nós simplesmente fizemos um movimento para

derrubar João Goulart. Foi um movimento contra e não

por alguma coisa. Era contra a subversão, contra a

corrupção (...). Era algo destinado a corrigir, não a

construir algo novo, e isso não é revolução”.

Ernesto Geisel

O recorte histórico correspondente à nossa análise compreende um período

democrático no Brasil com limites fixados entre 1945 e 1964. Buscamos saber até que

ponto a combinação, ou mesmo a confrontação de interesses, possibilitou que se gerasse

lentamente no interior do aparelho de Estado a crise de 1963, resultando no Golpe

Militar de 1964.

Conforme veremos, cada classe ou fração de classe envolvidas neste processo de

ruptura das bases democráticas no país tentavam à sua maneira se impor, de forma que,

principalmente a partir da década de 60, o que se observava no Brasil era uma grande

diferenciação entre classes atuantes no nível simbólico de dominação.

Entretanto, como vimos anteriormente, a classe dominante por deter as

condições materiais para a reprodução de sua ideologia, representa sempre a “ideologia

dominante”, e no caso em particular, a elite econômica buscava garantir o modo de

reprodução capitalista no Brasil para salvaguardar a manutenção de seus interesses.

Não nos compete remeter a esse caso a mesma discussão decorrente do trabalho

de Marx, conforme dito no início de nosso trabalho, sobre O 18 Brumário de Luís

Bonaparte. Algumas correntes que analisam as justificativas plausíveis para que o

Golpe Militar de 1964 de fato se concretizasse, criticam “a tradição, de origem marxista,

de privilegiar as explicações econômicas e subestimar as demais”. 55

Segundo Soares (1994):

55 SOARES, Gláucio Ary Dillon. O Golpe de 64. In: SOARES, Gláucio Ary Dillon e D´ARAUJO, Maria Celina (orgs). 21 Anos de Regime Militar – Balanços e Perspectivas. Rio de Janeiro: Editora Getúlio Vargas, 1994, pg. 27. Disponível em <http://cpdoc.fgv.br/livros>. Acesso em: 23 de abril 2009.

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“O economicismo do pensamento político e social da

América Latina fez com que se fosse buscar nas elites

econômicas os responsáveis pelo golpe. O Golpe, porém,

foi essencialmente militar: não foi dado pela burguesia

ou pela classe média, independentemente do apoio que

estas lhes prestaram”.56

Não consideramos que os posicionamentos puramente econômicos foram

determinantes para motivar as Forças Armadas para a ação, até porque esta posição

significaria ignorar a autonomia da ordem militar no que diz respeito a todo processo

histórico de formação de sua consciência ideológica acerca da ordem e desenvolvimento

do país. Ademais, não podemos defender a tese de que os militares enquanto ARE

(Aparelho Repressivo de Estado), constituem por si só, um Estado a favor dos interesses

de uma classe com motivações egoístas.

O que pretendemos demonstrar é que o “econômico”, enquanto fator de

motivação de uma classe em específico, atuou como a principal razão para a deflagração

de uma campanha baseada principalmente na disseminação de uma vasta propaganda

político-ideológica que buscava a desestabilização do Executivo e que para isso contou

invariavelmente, com o apoio de oficiais das Forças Armadas, conforme veremos nos

capítulos II e III do presente trabalho.

Ela foi promovida, reproduzida e distribuída a diferentes setores sociais pelas

elites econômicas - inclusive entre os quadros da própria elite - reunidas em um bloco

hegemônico que tinha como objetivo principal estudar cientificamente “as reformas

básicas propostas por João Goulart e a esquerda sob o ponto de vista de um

tecnoempresário liberal”. 57

Não podemos analisar a propaganda empreendida no período sob o ponto de

vista casual, como um tiro dado no escuro por uma classe que tentava disseminar entre a

massa a necessidade de uma mudança nos rumos socioeconômicos e políticos do país

para garantir a ordem e o desenvolvimento. Pelo contrário, havia um prévio

conhecimento e um elevado grau de técnica por parte dos emissores para que ela

56 SOARES, Gláucio Ary Dillon. O Golpe de 64. In: SOARES, Gláucio Ary Dillon e D´ARAUJO, Maria Celina (orgs). 21 Anos de Regime Militar – Balanços e Perspectivas. Rio de Janeiro: Editora Getúlio Vargas, 1994, pg. 27. Disponível em <http://cpdoc.fgv.br/livros>. Acesso em: 23 de abril 2009. 57 DREIFUSS, René Armand. (2006). 1964: A Conquista do Estado – Ação Política, Poder e Golpe de Classe. 6a ed, Petrópolis, RJ; Vozes. pg. 176

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atingisse os efeitos previstos. Ela relacionava-se intimamente com o processo no qual

estava inserida, de forma que os acontecimentos que sucederam o golpe requerem uma

análise aprofundada diante da complexidade existente em torno da questão.

De acordo com o esquema de análise proposto por Garcia (1999), apresentado

no início do trabalho, que fala sobre a importância de situar a propaganda em um

contexto histórico específico que sirva de referencial para a compreensão dos valores

sociais, econômicos e políticos da sociedade que se pretende analisar, faremos uma

contextualização do período anterior a Março/Abril de 1964.

Esta análise é fundamental na medida em que demonstra o caráter real da

propaganda empreendida pela elite econômica e como ao longo dos anos ela construiu

no imaginário brasileiro, o modelo de nação e consequentemente, os inimigos que

deveriam ser combatidos.

II.1. Sociedade, Economia e Política

A crise de 1963 que resultou no golpe de Estado protagonizado pelos militares

em 1964 foi uma resposta à forma populista, herdada de Getúlio Vargas, com a qual o

país vinha sendo governado no momento em que o processo de industrialização

encontrava-se em franca expansão.

Conforme o quadro 1, que representa os indicadores do PIB, podemos visualizar

o crescimento da economia brasileira:

Quadro 1 – Índice do PIB de 1920 a 1980

Período % PIB per capita

1920 - 1940 2,9

1940 - 1960 3,8

1960 - 1980 4,6

Fonte: (livro do IBGE)

Este desenvolvimento econômico foi o reflexo do processo de concentração

industrial, conforme quadro 2, que demonstra que o setor agropecuário sofreu uma

queda em sua representatividade numérica na composição do PIB.

Quadro 2 – PIB de 1920 a 1980 por setores

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Ano Agricultura % do PIB Indústria % do PIB

1920 38,1 15,7

1940 29,4 18,7

1960 16,9 29,9

1980 9,8 34,4

Fonte: IBGE

O segundo governo de Getúlio Vargas (1951-1954) significou o rompimento

parcial com a política liberalista empreendida por Eurico Gaspar Dutra (1946-1951)

pautada em acordos internacionais que permitiram, sobretudo, a injeção de

investimentos estrangeiros na economia brasileira. 58

Vargas priorizou uma industrialização de caráter nacionalista que garantisse ao

país o direito de possuir e desenvolver seus recursos naturais, entre eles o petróleo, o

que não significa dizer que ele passou a barrar os investimentos estrangeiros, pelo

contrário, os acordos comerciais de seu sucessor foram mantidos.

Debert (1986) apresenta esta questão da seguinte maneira:

“A reflexão sobre o desenvolvimento econômico nas

economias periféricas nos anos 50 (...), considerava que o

crescimento dependia da injeção em doses maciças de

capitais nacionais e estrangeiros adequadamente

controlados por um Planejamento. Essa idéia ganhava

verossimelhança frente ao desenvolvimento das

economias européias no pós-guerra, sobretudo com o

Plano Marshall”. 59

Para conduzir esta combinação de forças, seu quadro político foi composto por

representantes de vários partidos e classes, abrigando sob uma mesma bandeira, através

da égide populista, interesses diversos que privilegiariam do capital ao trabalhador. 58 O grande momento da política externa foi a Conferência Interamericana para a Manutenção da Paz, no Rio de Janeiro, que marcou o encontro dos dois presidentes e a assinatura do Tratado Interamericano de Assistência Recíproca (Tiar). O objetivo era reagir em conjunto à ameaça contra qualquer país da América. Disponível em < http://veja.abril.com.br/idade/exclusivo/relacoes_brasil_eua/contexto2.html>. Acesso em: 25 de abril 2010. 59 DEBERT, Guita Grin . O Desenvolvimento Econômico Acelerado No Discurso Populista. Revista Brasileira de Ciências Sociais, Rio de Janeiro, v. 3, n. 8, p. 39-56, 1986, pg 1.

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Quando falamos em privilégio do capital neste período, devemos ter em conta

que os interesses agrários ainda eram os interesses dominantes, pois a supremacia

industrial-financeira não havia se consolidado nesta época, de forma que não se

constituía em uma hegemonia política e ideológica. No entanto, era através do

Congresso, considerado politicamente forte, que se dava a articulação entre as frações

de classes, possibilitando o compartilhamento do poder do Estado junto ao Executivo.

Segundo Dreifuss (2006):

“Os interesses rurais permaneciam economicamente

poderosos e politicamente ativos com um papel crucial

exercido através do sistema bicameral mantendo a

Câmara dos deputados e Senado como focos de

rotinização de demandas, de agregação e

institucionalização de pressões populares, refletindo a

crescente participação das classes médias

trabalhadoras”. 60

Assim, sob o prisma do conhecido populismo, constituía-se a coexistência do

crescimento econômico com a democracia social, prezando-se uma política nacionalista

de desenvolvimento capitalista apoiada pela combinação de empresas estatais e

privadas.

O ritmo de industrialização, por sua vez, gerou desconforto entre as classes

trabalhadoras que não se viam beneficiadas por uma política socioeconômica justa que

defendesse seus interesses, conforme previa a retórica populista de Vargas, pelo

contrário, o que viam era o aumento significativo de preços de todos os gêneros

alimentícios, do remédios, dos aluguéis, etc., culminando em uma onda de

descontentamento que levou diferentes categorias profissionais às ruas em greve

exigindo reajuste salarial.

O processo de industrialização acentua a divisão social do trabalho e esta por sua

vez, converte-se em uma maior diferenciação entre grupos sociais, originando as lutas

de classes que devem ser controladas pelo Estado para a manutenção da ordem. Mas

como ordenar a luta entre classes no interior do próprio Estado responsável por

60 DREIFUSS, René Armand. (2006). 1964: A Conquista do Estado – Ação Política, Poder e Golpe de Classe. 6a ed, Petrópolis, RJ; Vozes. pg. 41.

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reproduzir essa disparidade? Como dar continuidade a uma política que privilegia tanto

o crescimento econômico quanto os apelos sociais dos trabalhadores afetados

diretamente por esta mesma política?

Vargas indicou João Goulart (1953-1954) para lidar com a questão ao entregar-

lhe em 1953 o Ministério do Trabalho, e este, por sua vez, seguiu a diretriz do partido

do qual era líder - PTB - e optou por acalmar as forças populares anunciando um

aumento de 100% no salário mínimo. Foi o suficiente para empresários e militares

unirem-se em um só propósito: depor Getúlio Vargas. Sob os dois pontos de vista

respectivamente, ao aceitar a prerrogativa de seu ministro, o presidente colocava-se

contra os interesses capitalistas e contra a ordem no país.

Diante da possibilidade da deposição, Vargas preferiu o suicídio, concretizando

sua intenção de entrar para a história. Seu modo de governar passou a orientar os

governos procedentes, com exceção de Café Filho (1954-1955) que, “(...)foi apoiado

por uma aliança formal de centro-direita entre empresários, políticos da UDN e do

Partido Progressista que visava à contenção das classes trabalhadoras e ao estímulo da

penetração de interesses multinacionais através de um entendimento político com

setores cafeeiros e financeiros”. 61

João Goulart, figura-chave na deflagração da crise de 1963, após a demissão do

cargo de Ministro do Trabalho no governo Vargas, retornou à cena política em 1951

como vice-presidente de Juscelino Kubitschek (1956-1961), através da aliança

PSD/PTB.

O governo JK caracterizou-se pelo programa de desenvolvimento do país

subsidiado pela industrialização, esta por sua vez, concretizada pela maciça injeção de

capital internacional na economia brasileira. Os principais setores industriais

favorecidos por essa política foram: automobilístico, construção naval, produtos

químicos e farmacêuticos, maquinaria e produtos elétricos, papel e celulose.

O principal reflexo social do crescimento industrial do país pode ser visto no

acentuado processo de urbanização desencadeado pela indústria, o que aumentou

significativamente as desigualdades sociais e regionais do Brasil.

No interior do Estado presidido por JK, estavam presentes os interesses das

organizações multinacionais que viam na política do presidente uma chance de

61 DREIFUSS, René Armand. (2006). 1964: A Conquista do Estado – Ação Política, Poder e Golpe de Classe. 6a ed, Petrópolis, RJ; Vozes. pg. 42.

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concretizar seus objetivos e as classes populistas e sua forma de domínio, representadas

por João Goulart.

Havia, no entanto, uma questão a ser resolvida: a relação controversa entre os

interesses do Executivo e do Legislativo. A maioria parlamentar presente no Congresso

defendia os interesses conservadores ligados à tradicional oligarquia rural, e este por sua

vez, possuía forte representação política no Estado.

Os interesses industrializantes, da nova ordem do capital multinacional que

começava a se estabelecer no país, ficavam com limitado poder de atuação, já que sua

articulação era barrada pelo Congresso.

A resposta a esse impasse foi a criação dos Grupos Executivos 62 que coexistiam

com o Executivo através de uma administração paralela. Eles eram formados por

diretores de empresas privadas, tecnoempresários e oficiais militares, que contornando

as estruturas de representação do regime populista exerciam o seu domínio.

Nesta política de desenvolvimento é estabelecido o Plano de Metas através do

qual ocorreu uma nacionalização formal da economia com

“(...) o Estado transformando-se em produtor direto de

bens e serviços estratégicos para a infra-estrutura e

tornando-se o controlador indireto de substanciais

mecanismos da política econômica. (...) Dissimulou o

domínio real do capital, o Estado não orientava a nova

estrutura de produção; era o capital transnacional que,

tendo penetrado os setores dinâmicos da economia,

controlava o processo de expansão capitalista”. 63

No final da década de 50, o conflito entre classes parecia inevitável: a classe

trabalhadora organizada em sindicatos; a forte presença estudantil na política; as

populações rurais cada vez mais descontentes; os interesses das frações de classes

presentes no Estado que não se ajustavam, além da crise ideológica no interior das

Forças Armadas resultante de uma polarização de opiniões no que referia à política

62 Veremos no capítulo seguinte esta questão de forma mais detalhada. 63 DREIFUSS, René Armand. (2006). 1964: A Conquista do Estado – Ação Política, Poder e Golpe de Classe. 6a ed, Petrópolis, RJ; Vozes. pg. 45.

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nacionalista enquanto fonte distributiva. A característica essencialmente paternalista do

populismo deixava de “reproduzir ideologicamente e recriar politicamente a idéia de um

Estado neutro e benevolente”. 64

Por essa razão, neste período as questões acerca da segurança nacional passaram

a ser debatidas nas Forças Armadas diante da ameaça subversiva das forças sociais que

se posicionavam contra a ordem vigente.

Após uma política de “adiamento de problemas” chegou ao fim o mandato de

Juscelino Kubitschek e Jânio Quadros venceu as eleições, assumindo a presidência ao

lado, mais uma vez, de João Goulart como vice.

A vitória de Jânio e Jango permitiu o compartilhamento de poder entre um bloco

populista e os interesses econômicos multinacionais, demonstrando que a população

parecia apoiar a dobradinha de desenvolvimento nacionalista e de austeridade e

eficiência administrativas.

O Executivo conjugava principalmente os interesses de grupos econômicos

multinacionais, importantes associações de classe empresariais e o núcleo da ESG.

Para Paulo Ayres Filho65 :

“A eleição de Jânio Quadros para presidente, no final de

1960, poderia ter fortalecido a posição democrática no

Brasil em decorrência de sua visão correta dos

problemas brasileiros. Ele se dispunha a estabelecer um

regime de austeridade e autoridade na administração

pública, a racionalizar as atividades governamentais e

lutar contra a inflação. Ainda mais, ele havia conseguido

um apoio popular sólido que lhe outorgava autoridade

inquestionável sobre todos os grupos sociais e políticos,

apesar de não haver sido apoiado em sua campanha pelo

Partido Comunista (que apoiara o Marechal Lott)”. 66

64 DREIFUSS, René Armand. (2006). 1964: A Conquista do Estado – Ação Política, Poder e Golpe de Classe. 6a ed, Petrópolis, RJ; Vozes. pg. 46. 65 Tecnoempresário membro do Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais (IPES). 66 Ibdem. pg 139

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O então presidente enfrentou graves problemas oriundos do governo anterior,

entre eles: a burocracia populista que era inadequada aos interesses em expansão, a

inflação, a estagnação agrária, dificuldades na balança de pagamentos, exaustão do

mercado de consumo de bens duráveis que beneficiava a classe média alta.

O movimento sindical que desde meados de 56 encontrava-se em franca

expansão alcançou alto nível de repercussão na década de 60, tornando-se aos olhos da

comunidade empresarial um fator de desorganização, na medida em que alguns

sindicatos e líderes exigiam uma mudanças na estrutura social.

Além do mais, os representantes de interesses multinacionais emergentes e do

comércio agroexportador que apoiavam Jânio, sentiam-se bloqueados diante da

coalização governamental entre PDC e o PTB de Jango.

Após um governo de sete meses, ocorreu a inesperada e controversa renúncia do

então presidente:

“Jânio Quadros renunciou na esperança de conseguir um

mandato bonapartista-civil, por intermédio de um retorno

ao governo ouvindo os apelos das classes médias. Ele

também esperava o respaldo de empresários e o apoio de

uma coalizão militar que o capacitariam a impor

soluções econômicas e políticas às demandas conflitantes.

E isso aconteceria enquanto seu vice-presidente se

achava convenientemente em missão de boa vontade e

comercial na China, mas ninguém o apoiou”. 67

Como vice-presidente, João Goulart, por lei, assumiria o mandato no lugar de

Jânio Quadros, mas não foi isso o que aconteceu. O setor econômico ligado ao capital

multinacional juntamente com a estrutura militar de direita, articulou um bloco civil-

militar que tinha como objetivo principal subverter a ordem política populista quanto às

aspirações nacional-reformistas, restringindo as demandas populares e reprimindo os

67 DREIFUSS, René Armand. (2006). 1964: A Conquista do Estado – Ação Política, Poder e Golpe de Classe. 6a ed, Petrópolis, RJ; Vozes. pg. 141.

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interesses tradicionais. A partir desse movimento, eles tentaram impedir a posse de

Jango.

O movimento de apoio, encabeçado por Leonel Brizola envolvendo políticos,

militares e uma parcela da sociedade, relutou para que Jango assumisse o cargo, e após

o regime parlamentarista, utilizado como recurso para que o presidente não tivesse

poderes plenos, um plebiscito votou o retorno ao presidencialismo e em 1963, Goulart

tornou-se efetivamente o presidente da república.

O que podemos observar até este ponto é que os conflitos maiores que se

desenrolaram no período em questão estão intimamente ligados à luta entre grupos com

diferentes orientações ideológicas e programáticas.

De acordo com Delgado (2006):

“As crises políticas (...) – a exceção, talvez, da que

encerra o período – estão longe de representar uma crise

orgânica do bloco histórico instaurado em 1930. Dizemos

que as crises são de caráter político institucional porque

neste período, apesar do Brasil estar inserido num

contexto de profunda desigualdade social e com

problemas sérios de distribuição de renda e terra, o país

não atravessou sérias crises econômicas, com exceção

àquela vivida a partir de 1963. As crises são, portanto,

‘crises conjunturais’, conforme a formulação gramsciana,

que, ao opor diferentes atores em torno de aspectos

superficiais na esfera política, deveriam tender ao

esvaziamento”. 68

O crescimento econômico, conforme visto no quadro I, demonstra que o Brasil

encontrou até 1963 franco desenvolvimento, enfrentando a partir daí, a primeira crise

econômica em sua fase industrial, resultado do desequilíbrio gerado pelo Plano de

Metas de JK e pela renúncia de Jânio Quadros.

68 DELGADO, Marcio de Paiva. O “Golpismo Democrático” – Carlos Lacerda e o Jornal Tribuna da Imprensa na quebra da legalidade (1949-1964). 2006. 154 f. Dissertação (Mestrado em História) – Universidade Federal de Juiz de Fora, Minas Gerais, 2006, pg. 28.

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O governo de João Goulart tinha uma tendência nacional-reformista, apoiado

pelas pequenas e médias burguesias industriais locais, pelas forças populares urbanas e

rurais e pelo heterogêneo dispositivo popular-militar nacionalista.

Além destas classes,

“Ganhou apoio de facções dissidentes da UDN, do PSD e

do PDC, foi também apoiado por novas organizações

nacional-legais como a Frente Parlamentar Nacionalista

– FPN(...)”. 69

Entre as medidas de Goulart que agitaram os interesses multinacionais, estavam:

a lei que restringia a remessa de lucros; a tentativa de monopólio estatal da importação

de petróleo e do reajuste dos salários; através do programa da Reforma Agrária decretou

a desapropriação com compensação prévia e efetiva de áreas não cultivadas; o

reescalonamento da dívida externa; a reforma eleitoral que dava aos analfabetos e

soldados o direito ao voto e concedia aos sargentos novamente a elegibilidade ao

legislativo e a reforma educacional com benefícios às classes populares.

De forma geral, o que se observava na política de Goulart, era que o Executivo

nacional-reformista ameaçava a industrialização capitalista vigente.

Conforme observado anteriormente, problemas de ordem econômica foram

inúmeros na administração de Jango, como por exemplo, a queda do crescimento

econômico, a inflação e a diminuição do consumo de bens duráveis da classe média,

gerando concentração de riqueza, desemprego e baixos salários, estabelecendo pontos

de estrangulamento socioeconômicos que originaram uma instabilidade política.

Este quadro significou a decadência de empresas estatais que eram responsáveis

pela produção e administração de setores de infra-estrutura, como petróleo, aço,

eletricidade, portos, transportes e construção.

Seguiram-se uma série de ataques denunciando a ineficiência do Estado.

Segundo Roberto Campos70, em uma análise preparada para a reunião ministerial de 4

69 DREIFUSS, René Armand. (2006). 1964: A Conquista do Estado – Ação Política, Poder e Golpe de Classe. 6a ed, Petrópolis, RJ; Vozes. pg. 142. 70 Roberto de Oliveira Campos (Cuiabá, 17 de abril de 1917 — Rio de Janeiro, 9 de outubro de 2001) foi um economista, diplomata e político brasileiro. Ocupou os cargos de deputado federal, senador e ministro do Planejamento de Castello Branco. Disponível em <http://pt.wikipedia.org/wiki/Roberto_Campos>. Acesso em: 15 de maio 2010.

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de junho de 1964, a paralisação do desenvolvimento brasileiro em 1963 teve como

principais fatores político-institucionais:

A) Tensão política entre Executivo Federal e Congresso Nacional;

B) Tendência estatizante do governo;

C) Comunismo e subversão;

D) Greves.

As tentativas de reformas econômicas, sociais e políticas de João Goulart,

demonstraram entre outras coisas, a fragilidade de sua posição. Elas significavam que a

coexistência entre classes não era mais possível, pois havia um aparente posicionamento

do governo em favor dos trabalhadores e da mobilização das massas rurais, em

detrimento às classes dominantes, afastando-se do capital multinacional que refletia os

interesses destas.

Além do nacionalismo, o Executivo de João Goulart procurou desempenhar

funções distributivas e desenvolvimentistas, mas foi incapaz de provar a autonomia

relativa do Estado, pois continuava sujeito ao capital e consequentemente contra a

classe trabalhadora, o que resultou na defasagem do discurso nacional-reformista, que

deixou Goulart sem o apoio empresarial, militar e popular.

O que se revelou foi a crise do populismo enquanto forma de participação, pois

ele perdia uma parte substancial de seu caráter manipulador, houve descontentamento

das classes trabalhadoras quanto suas condições socieconômicas, irrompendo na luta de

classes; as Forças Armadas e o empresariado condenavam o populismo, por sua vez, em

“decorrência de uma relativa depreciação em seus salário e uma crescente insegurança e

seu status, que eles consideravam ameaçado pelo crescente movimento de massa e a

incipiente agitação nos baixos escalões de suas respectivas hierarquias”.71

A radicalização da crise, ou seja, sua transformação em uma crise de domínio,

mudou significativamente o universo ideológico das Forças Armadas que buscaram

uma atitude intervencionista, legitimada em grande parte pela ESG.

A burguesia empreendeu uma política de desestabilização contra o Executivo e

criticando as diretrizes políticas populistas, envolveu a opinião pública em uma cruzada

contra o “caos e estagnação, corrupção e subversão”.

II.2. Os Interesses de Classes

71 DREIFUSS, René Armand. (2006). 1964: A Conquista do Estado – Ação Política, Poder e Golpe de Classe. 6a ed, Petrópolis, RJ; Vozes. pg. 154.

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A premissa principal de nosso trabalho é a de que o Golpe de 1964 não pode ser

fundamentado em um único fator explicativo, nem tão pouco determinado pela ação de

uma única classe.

Segundo Boito Jr (s/d):

“Marx concebe a cena política nas sociedades

capitalistas, que é o espaço de luta entre partidos e

organizações políticas, como uma espécie de

superestrutura da luta de classes e de frações de classe,

que formam aquilo que poderíamos denominar a base

sócio econômica da cena política. A cena política é uma

realidade superficial, enganosa, que deve ser

desmistificada, despida de seus próprios termos, para que

se tenha acesso à realidade profunda dos interesses e dos

conflitos de classes.”72 (NOTA) Artigo do 18 brumário

Como vimos anteriormente, o legado da política populista deixado por Getúlio

Vargas em pleno vigor no governo Goulart, ao mesmo tempo em que possibilitava a

coexistência de classes no poder, desgastava ainda mais a relação entre elas, uma vez

que por meio delas, eram propostos diferentes projetos políticos como antídoto à crise

que se alastrava.

O objetivo era um só, mas as alternativas não.

A divergência entre opiniões sobre qual o projeto político ideal para sanar os

problemas brasileiros, acentuou a polarização entre as classes. De um lado estavam os

interesses da grande parcela de trabalhadores que vinham sendo solapadas da cena

política. A representação desta classe que se previa em um primeiro momento ser

realizada através do PTB, partido do governo, não se concretizou efetivamente, levando

a uma maior mobilização dos sindicatos, que de forma mais concreta representavam os

interesses dos trabalhadores. Diante do discurso vazio que continuamente era proferido

pelo Executivo, o movimento radicalizou-se e passou a ser alvo de ataques das elites

72 BOITO, Jr. Armando. Cena política e interesse de classe na sociedade capitalista - comentário em comemoração ao sesquicentenário da publicação de O Dezoito Brumário de Luis Bonaparte. (s/d). Disponível em <http://www.unicamp.br/cemarx/criticamarxista/comen15armando.pdf> . Acesso em: 16 de outubro 2009.

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econômicas e dos militares, que denunciavam, sobretudo, a infiltração comunista no

meio operário.

Do outro lado estava a direita brasileira, representada politicamente pela UDN e

por seus membros de extrema-direita, os militares influenciados pela Doutrina de

Segurança Nacional e os empresários reunidos no IPES.

Para Mendes (2005):

“Privilegiavam as liberdades relativas ao direito de

propriedade e entendiam que as desigualdades eram

benéficas para a existência do equilíbrio e progresso de

uma sociedade. Caracterizavam-se por um profundo

anticomunismo – associado a uma repulsa quanto a

transformações na estrutura social – e pela influência em

menor ou maior grau, da Doutrina de Segurança

Nacional”. 73

Apesar desta aparente união de classes, elas não eram homogêneas. Se

realizarmos um desdobramento em suas estruturas, encontraremos diferentes frações,

como por exemplo, os trabalhadores rurais e urbanos, comunistas ou não; os

empresários ligados a diferentes setores do capital, como o oligárquico, o industrial,

financeiro e multinacional, os interesses conjuntos da classe média; e os militares

nacionalistas e os desenvolvimentistas.

O que pretendemos demonstrar com isso, utilizando-nos dos conceitos marxistas

já citados de “essência” e “aparência”, é que a unidade de ação só foi possível diante de

um inimigo comum a ser combatido: o comunismo.

Neste termo, no entanto, estava envolvida uma questão de grande importância: o

comunismo estava intimamente relacionado e podia ser claramente observado no

interior do movimento sindical e entre a ala nacional-reformista das Forças Armadas.

O aparente discurso contra a ameaça comunista estava revestido de concepções

ideológicas que fugiam aos olhos nus, ou seja, o que se buscava manter era a ordem

73 MENDES, Ricardo Antônio Souza. Março de 1964: esquecendo as diferenças. Ciên.let, Porto Alegre, nº 37, p. 205-225, jan/jun. 2005. pg. 208. Disponível em: <http://www1.fapa.com.br/cienciaseletras/pdf/revista37/cap10.pdf>. Acesso em: 14 de fevereiro 2010.

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capitalista que beneficiava não somente os setores empresariais, mas também condiziam

com a doutrina militar de desenvolvimento.

Os interesses casaram-se e apesar de suas diferenças, no momento em que houve

um efetivo enfrentamento, os dois grupos organizaram-se na defesa de seus propósitos e

mesmo que momentaneamente, passaram a mobilizar suas forças diante de um inimigo

também comum, abandonando, desta forma, as divergências entre si e buscando uma

unidade.

Trabalharemos com as três principais classes atuantes no momento da eclosão do

Golpe de 1964:

1) Trabalhadores;

2) Militares;

3) Empresários.

Nosso objetivo é demonstrar que foi através delas e para elas que a campanha

pró-golpe foi realizada, para umas com o propósito de fortalecer ideologias e para outras

para a submissão de interesses.

Estes interesses, por vezes, estavam encobertos pelo manto da paz, ordem e do

progresso. Quando Campos diz, conforme vimos anteriormente, que os principais

motivos para a crise de 1963 são político-institucionais, acrescentamos a todos os itens

por ele apresentados na reunião ministerial de 1964, a proeminência do “econômico”,

pois foi a partir deste que a economia começou a declinar e precisava urgentemente de

uma solução.

Não trataremos da questão do reducionismo neste momento, pois nos interessa

particularmente entender que a imagem apresentada por Campos para explicar a crise

relacionava-se aos interesses da classe economicamente dominante.

Façamos uma breve análise do quadro antes de passarmos a análise das classes

particularmente:

1) Tensão entre Executivo e Legislativo: vimos exatamente quais os interesses

presentes em cada um dos grupos presentes na organização do Estado. Eles nunca eram

homogêneos, ora se o Executivo era modernizante, o Legislativo era tradicional, ora se

o Executivo era nacionalista, o Legislativo era partilhado por interesses tradicionais e

modernizantes, ou seja, sempre houve uma tensão entre classes que ocupavam os cargos

no governo e aos poucos o discurso da coexistência, do compartilhamento pacífico de

poder caiu por terra, pois cada classe intencionava exercer o seu domínio.

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2) Tendência estatizante: os maiores inimigos da estatização eram os interesses

multinacionais e um bloco das Forças Armadas que eram favoráveis a entrada de capital

estrangeiro no país para a viabilização do desenvolvimento e para garantir a ordem

capitalista.

3) Comunismo e subversão: principal fator de discórdia no período era a ameaça

comunista, infiltrada, sobretudo, nos movimentos sociais e entre os militares, ou seja,

inspirado no movimento comunista de origem soviética, o Brasil estava sendo

amedrontado pelo terror do comunismo que ameaçava a ordem, quando na verdade ele

estava relacionado à tendência capitalista norte-americana em guerra contra a URSS.

4) Greves: significava bem mais do que o comunismo ganhando forma através dos

movimentos sindicais, significava dias de trabalho, ou lucro desperdiçados e falência,

ainda mais no momento em que o governo vigente decidiu dar voz ao movimento

trabalhador e propunha reformas na constituição que beneficiassem a classe. Isso

significava uma afronta aos interesses multinacionais que controlavam a economia no

país, uma vez que eles não estavam sendo beneficiados pela política estatal.

II.2.1) Os Trabalhadores

A Consolidação das Leis do Trabalho, aprovada através do Decreto-Lei nº 5.542

de 1º de Maior de 1943 no governo Vargas, passou a regularizar no Brasil as relações

individuais e coletivas de trabalho.

Entre outras medidas, a CLT instituiu a Justiça do Trabalho e detalhou a

organização sindical dos trabalhadores. Foi o necessário para que estes efetivamente

organizassem a classe e participassem ativamente da vida política, uma vez que,

assegurados por lei sob a égide dos sindicatos, a reivindicação de direitos tornou-se a

chave para a solução das mazelas às quais estavam expostos.

Para alguns estudiosos do período que analisam a questão trabalhista, foi através

da CLT que o direito à greve foi instituído destacando, no entanto, algumas ressalvas:

“Somente, porém, o sindicato regularmente reconhecido

pelo Estado tem o direito de representação legal dos que

participarem da categoria de produção para que foi

constituído, e de defender-lhes os direitos perante o

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Estado e as outras associações profissionais, estipular

contratos coletivos de trabalho obrigatórios para todos os

associados, impor-lhes contribuições e exercer em

relação a eles funções delegadas de poder público. (Art.

138)”. 74

A aproximação de Vargas e dos trabalhadores passou a ganhar contornos

peculiares a partir da CLT, de forma que mesmo após sua deposição e conseqüente fim

do Estado Novo, foi criada uma corrente que era favorável ao continuísmo de seu

governo, que ficou conhecida historicamente como Movimento Queremista, que

contava com o fiel apoio do Ministério do Trabalho.

Em fevereiro de 1945, o movimento passou a operar através de uma intensiva

campanha realizada por manifestações e comícios em diversos pontos do país para o

retorno de Vargas em um novo mandato presidencial.

Segundo D´Araújo (1996)

“As modernas técnicas de organização e propaganda,

assim como os custos da divulgação do movimento, que

recorria a matérias pagas em grandes jornais e a

transmissões diretas via rede nacional de rádio,

evidenciavam que não se tratava, como afirmavam os

getulistas, de simples manifestação espontânea e

emocional de setores populares”. 75

Respeitando seu compromisso para com os trabalhadores, que apoiavam a nova

presidência de Vargas, este passou a organizar um novo partido de bandeira trabalhista

atuando em duas direções: fortalecendo a mobilização das massas e criando uma

alternativa institucional de participação.

74 PINTO, Almir Pazzianotto. Sindicatos, Corporativismo e Política. In: SOARES, Gláucio Ary Dillon e D´ARAUJO, Maria Celina (orgs). 21 Anos de Regime Militar – Balanços e Perspectivas. Rio de Janeiro: Editora Getúlio Vargas, 1994, pg. 89. Disponível em <http://cpdoc.fgv.br/livros>. Acesso em: 23 de abril 2009. 75 D´ARAUJO, Maria Celina. Sindicatos, Carisma & Poder: O PTB de 1945-65. Rio de Janeiro: Editora Fundação Getúlio Vargas, 1996. pg 10. Disponível em <http://cpdoc.fgv.br/livros>. Acesso em: 23 de abril 2009.

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Nascia o Partido Trabalhista Brasileiro, o PTB, que se organizava politicamente

sob a direção de lideranças sindicais e que tinha como objetivo principal ser o

representante da classe trabalhadora, sendo inclusive reconhecido como o “partido dos

pobres no poder”.

Durante o período de 1945 a 1962, foi o terceiro partido mais forte do país,

graças ao prestígio de Getúlio Vargas, conforme mostra a tabela a seguir:

Quadro 3 – Bancada dos Principais Partidos na

Câmara Federal, 1945-62 76

Anos Total de

cadeiras

PSD % UDN % PTB % PSP % Outros %

1945 286 151 52,8 77 26,9 22 7,7 - - 36 12,6

1950 304 112 36,8 81 26,6 51 16,8 24 7,9 36 11,8

1954 326 114 35,0 74 22,7 56 17,2 32 9,8 50 15,3

1958 326 115 35,3 70 21,5 66 20,2 25 7,7 50 15,3

1962 409 118 28,9 91 22,2 116 28,4 21 5,1 63 5,4

Fontes: TSE. Dados estatísticos; Hippolito, 1 984.

Segundo D´Araújo, o crescimento do partido deve-se a alguns pontos

importantes:

1) Organização partidária associada à atuação sindical e a uma prática

governista;

2) Formação de uma importante coalizão de poder que elegeu e sustentou a

Presidência da República entre 1945 a 1964;

3) Era o partido que representava o ideário nacionalista e defendia as reformas

de base.

“Ou seja, personalismo, doutrina e ideologia, associados

a bom desempenho nas urnas e a facilidades junto aos

sindicatos e ao poder, fizeram do velho partido um caso

excepcional de sucesso. Por trás desse sucesso sempre

76 D´ARAUJO, Maria Celina. Sindicatos, Carisma & Poder: O PTB de 1945-65. Rio de Janeiro: Editora Fundação Getúlio Vargas, 1996. pg 36. Disponível em <http://cpdoc.fgv.br/livros>. Acesso em: 23 de abril 2009.

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esteve um certo tom heróico atribuído ao fato de que, a

exemplo de Vargas, elegia o trabalhador como

interlocutor e como alvo de suas ações. Além do mais, o

partido projetara as mais expressivas lideranças

populares do período, todas, aliás, cassadas depois do

golpe: produzir ‘mártires’ foi também uma de suas

facetas. O principal fora o próprio Getúlio”. 77

Durante a presidência de Dutra, o governo manteve rigoroso controle das

atividades sindicais, pois a agitação dos trabalhadores era vista como um levante

comunista, ao passo que em seus cinco anos de mandato, houveram 230 intervenções

em entidades sindicais. Foi em seu governo também que o Movimento de Unificação

dos Trabalhadores (MUT) foi dissolvido tal qual sua sucessora, a Confederação dos

Trabalhadores Brasileiros (CTB).

Desde 1943 os salários não haviam passado por nenhum reajuste e com a

redemocratização do país, os trabalhadores passaram a reivindicar a melhoria salarial

elevando a onda de manifestações. Diante deste cenário, em 15 de março, Dutra

aprovou o decreto-lei que suprimia o direito de greve.

Vargas retornou ao executivo nacional em 1951 e reforçou seu compromisso

com a classe trabalhadora. Em um discurso proferido no dia 1º de Maio, ele deixou

claro que suas antigas posições seriam mantidas.

De acordo com o próprio presidente, os trabalhadores possuíam livre trânsito de

organização e conseqüente reivindicação em seu governo:

“Chegou, por isso mesmo, a hora do governo apelar para

os trabalhadores e dizer-lhes: uni-vos todos nos vossos

sindicatos, como forças, livres e organizadas. As

autoridades não poderão cercear a vossa liberdade, nem

usar de pressão ou de coação. O sindicato é a vossa arma

de luta, a vossa fortaleza defensiva, o vosso instrumento

de ação política. (...) É através dessas organizações,

77 D´ARAUJO, Maria Celina. Sindicatos, Carisma & Poder: O PTB de 1945-65. Rio de Janeiro: Editora Fundação Getúlio Vargas, 1996. pg 15. Disponível em <http://cpdoc.fgv.br/livros>. Acesso em: 23 de abril 2009.

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sindicatos ou cooperativas, que as classes mais

numerosas da nação podem influir nos governos, orientar

a administração pública na defesa dos interesses

populares”. 78

No início de 1954, Getúlio voltou a enfrentar o movimento operário que ganhava

novamente a cena política exigindo um reajuste salarial de 100%, enquanto os

empregadores concordavam com um percentual inferior de 42%. Goulart que nesta

época já era Ministro do Trabalho de Vargas, formalizou seu apoio aos sindicatos e às

suas reivindicações o que gerou uma forte reação empresarial e militar que culminaria

com a sua exoneração, a do Ministro da Guerra, o que ainda marcaria definitivamente o

seu futuro político.

No governo de Jânio Quadros, os movimentos rural e sindical fortaleceram-se

aumentando os conflitos sociais e dando forma a um movimento político favorável às

reformas de base e a uma reorganização institucional, posições contrárias aos ideais da

classe empresarial e aos militares.

O movimento rural encontrou ecos no governo de Goulart, sobretudo através da

organização das Ligas Camponesas, grupo de trabalhadores do campo que

reivindicavam a posse de terras a partir da Reforma Agrária.

As ações das Ligas passaram a ser monitoradas pelos militares que também as

associava à esquerda e consequentemente, a reconheciam como foco de infiltração

comunista.

Segundo Atassio (2007):

“(...) as Ligas não eram entidades muito politizadas, na

verdade eram compostas por pessoas de pouca instrução,

ingênuos e de boa vontade, que lutavam para

sobreviverem em um meio hostil, sendo assim facilmente

ludibriados pelos políticos como o Governador Miguel

Arraes e o líder das Ligas, Francisco Julião. Para os

militares, este se aproveitava das péssimas condições de

vida do povo nordestino e incitava-os à luta armada,

utilizando as técnicas da Guerra Revolucionária, entre as

78 BENAVIDES, Paulo e AMARAL, Roberto (orgs). Textos Políticos da História do Brasil. Brasília: Senado Federal, 2001, 3ª ed., v.6, pg. 595.

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quais figurava a filosofia do ‘quanto pior, melhor’, ou

seja, quanto mais insatisfeito está um povo, mais fácil de

convencê-lo à aderir a revolução”. 79

Em 1962, foi criado o Comando Geral dos Trabalhadores (CGT), que contava

com pleno apoio de João Goulart. A CGT sucedia o Comando Geral de Greve (CGG),

integrado pela Confederação Nacional dos Trabalhadores na Indústria (CNTI), Pacto de

União e Ação (PUA) entre outros.

No governo Goulart, houve um aumento substancial do movimento sindical,

sobretudo em decorrência do processo inflacionário do período que impossibilitava o

aumento de salários e quaisquer outros benefícios à classe trabalhadora, pois com a

falência de empresas, houve desemprego e conseqüente degradação das condições de

vida dos trabalhadores.

No dia 13 de março de 1964, Jango realizou o comício na Central do Brasil,

onde apresentaria e defenderia a implantação das Reformas de Bases no país.

Para alguns autores o comício significou a busca desesperada de Jango por apoio

popular, uma vez que ele não podia contar com a classe empresarial e tão pouco com as

Forças Armadas. Apesar das tentativas de boicote, o comício estava cheio.

Leonel Brizola fez o discurso mais acalorado, acusando o Congresso de não

representar a grande parte da população, além de ser formado por agentes a serviço do

capital. Partiu dele também, a idéia de um plebiscito para votar a dissolução do

Congresso e uma posterior votação para uma nova composição da Casa, substituindo os

interesses dominantes pela participação do povo, dos camponeses e trabalhadores.

Sua relação com Jango, que já andava estremecida, recebeu mais um golpe

diante dos ataques de Brizola ao cunhado. Ele mencionou em seu discurso, a posição

conciliadora que o presidente insistia em manter diante dos acontecimentos do período,

o que resultava na traição das bandeiras de seu partido.

Jango, por sua vez, apesar de não proferir um discurso tão rude como o de

Brizola, foi acusado de atacar às Forças Armadas, o que na verdade, pouco tinha a ver

com o que o presidente tenha dito ou não, mas estava muito mais ligado à organização

do comício em si, e sobretudo, em relação ao motivo pelo qual havia sido convocado.

Para Atassio (2007):

79 ATASSIO, Aline Prado. A Batalha pela Memória: Militares e o Golpe de 1964. 2007. 184 f. Dissertação (Mestrado em Ciências Sociais) – Universidade Federal de São Carlos. 2007, p. 72.

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“Para colocar mais fogo na caldeira, prestes a explodir,

tivemos o Comício da Central do Brasil. (...) foi um

estrondo, até a mulher do Presidente, Maria Tereza,

estava no palanque, gente gritando ‘morte aos gorilas’

referindo-se à nós militares contrários àquela baderna,

mas com a presença, o que é o absurdo maior, do

Ministro da Guerra, General Jair Dantas Ribeiro, que

disse que não ia e acabou indo”.80

A reação civil ao comício foi elaborada por um grupo de mulheres de São Paulo,

que ficou conhecida como a Marcha da Família com Deus pela Liberdade; ato que

reunião na capital paulista, a união cívica feminina, a igreja e associações de bairro da

cidade, conclamando a proteção divina contra o avanço do comunismo.

Para os militares, era o sinal de que o povo pedia com a máxima urgência, a

intervenção das Forças Armadas como a única maneira de defender o país. Nas palavras

do coronel-aviador Gustavo Eugênio de Oliveira Borges, a Marcha:

“(...)foi para nós sumamente importante, porque nos deu

uma força enorme. Pela primeira vez, vimos que a

opinião pública em geral estava a nosso favor”. 81

Acompanhado de outros dois episódios definitivos para a efetiva ação das Forças

Armadas, o comício da Central do Brasil significou a última tentativa de João Goulart

de defender, mesmo que ineficazmente, sua bandeira trabalhista.

II.2.2) Os Militares

O “ser militar”

80 MOTTA, Aricildes de Moraes. 1964 – 31 de Março: O movimento revolucionário e a sua história. Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército Editora, 200, t. 11, p. 35. apud ATASSIO, Aline Prado. A Batalha pela Memória: Militares e o Golpe de 1964. 2007. 184 f. Dissertação (Mestrado em Ciências Sociais) – Universidade Federal de São Carlos. 2007, p. 84. 81 MOTTA, A. M. 2003, t.10, p. 293 apud ATASSIO. A. P. 2007, p. 83.

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Os militares atuaram na cena política brasileira em praticamente todo o período

republicano compreendido entre os anos de 1889 a 1985, que datam da proclamação da

república ao fim do regime militar.

A participação ativa das Forças Armadas no terreno político é explicada por

alguns autores, através da teoria de sua formação ideológica com a qual, os militares são

doutrinados, ou seja, o ideário militar que os impulsiona para ação. Esta doutrina

provém de longos períodos de treinamento que tem como objetivo principal reconstruir

os valores e costumes trazidos da vida civil. É a internalização deste novo modo de vida

que possibilita segundo CASTRO (2004) a criação de uma unidade, de um “Espírito

Militar”. 82

De acordo com o General José Pessoa, ex-comandante da Academia Militar dos

Agulhas Negras, símbolos como os heróis do passado, as bandeiras, os gestos de mãos,

os uniformes, entre outros, têm como finalidade criar

“(...) uma ideologia, que é um misto de brasilidade e

sentimento militar, amalgamados pelo culto do passado,

pelo espírito de tradição”. 83

O Estatuto dos Militares determina seus deveres, tais quais a dedicação e

fidelidade à Pátria, que representam a idéia central contida na doutrina Militar, idéia

esta que os torna orgulhosos de cumprir os deveres impostos pelas Forças Armadas, na

medida em que valores como honra, integridade e as instituições nacionais devem ser

defendidos a todo custo, inclusive com a própria vida, caso seja necessário.

Para Silva (2008), outros valores são importantes para a ordem militar. São eles:

“tradicionalismo, supremacia da sociedade sobre o indivíduo, preocupação com o

cumprimento de ordens, a hierarquização e a divisão das funções, aceitar o Estado-

Nação como forma mais desenvolvida de organização política, reconhecer a permanente

82 CASTRO, Celso. O Espírito militar: Um antropólogo na caserna, 2ª ed., Rio de Janeiro, Jorge Zahar, ed. 2004. apud SILVA, Robson Augusto. Militares pela Cidadania. Movimentos associativistas das praças das Forças Armadas – Da Revolta da Chibata às associações do séc. XXI. Pará, 2008, p. 5. 83 SILVA, Robson Augusto. 2008, p. 13.

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iminência de que venha ocorrer guerra entre países, considerar a guerra como um

instrumento político e exaltar a obediência como a maior das virtudes do ser humano”.84

De maneira geral, o “ser militar” é resultado de um sentimento de unidade e

pertencimento que elevam os militares, segundo sua ideologia, a um patamar superior

em relação ao restante da sociedade, constituindo sua própria identidade que é por regra,

destacada dos demais grupos.

Militares em Ação

Os estudos que tratam da questão militar, enfatizam em sua maioria, a tradição

de intervenção das Forças Armadas na política, o que se desdobra, consequentemente,

em um estado de exceção.

A característica principal destes estudos é pautada na tarefa de reconhecer os

fatores que influenciam o posicionamento político dos militares, ou seja, é entender por

qual razão eles abandonam suas funções militares e adentram a cena política.

Algumas análises explicativas desta trajetória de intervenção, retomam crise de

1955 que dividiu o país entre os “nacionalistas” e os “entreguistas” e/ou legalistas e

internacionalistas. No interior dos quartéis, houve uma disputa entre estes grupos que

passaram a disputar a hegemonia intelectual frente às forças armadas, sobretudo no

Exército.

Estes grupos estavam divididos em radicais, que eram a favor de um

desenvolvimento realizado de forma aberta e com subsídio internacional e em

moderadoss, que pregavam o desenvolvimento baseado na preservação das riquezas

nacionais.

A crise que adentrou o ambiente castrense levava consigo as questões políticas

decorrentes das eleições de 1950, quando diante da vitória de Vargas, ficou evidente

uma tendência popular, inclusive no Clube Militar, que acompanhando a realidade do

restante do país, elegeu um grupo considerado radical.

O ano de 1954 deve ser entendido como o resultado de acontecimentos

plenamente políticos ocorridos em agosto, como o atentado a Carlos Lacerda e o

suicídio de Vargas, pois demandaram conseqüências políticas estruturais. No entanto,

no tocante ao envolvimento das Forças Armas neste ciclo, o mais importante fator de

84 SILVA, Robson Augusto. 2008, p. 11.

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análise não é agosto e sim fevereiro, com o famoso Memorial dos Coronéis que de

modo geral criticava desde a política econômica do governo, passando pelo comunismo,

pela falta de aparelhamento e as agitações nas Forças Armadas.

“Ante a gravidade da situação que está a se criar para

breve, impõe-se alerta corajoso, pois não se poderá

prever que grau de dissociação serão capazes de gerar,

no organismo militar, as causas múltiplas das tensões

que, dia a dia, se acumulam”. 85

Este insistia que o Exército passava por uma crise de autoridade, que poderia

provocar o fim da “coesão da classe militar”.

A União Democrática Nacional (UDN), desde os anos 40 abrigava sob sua

bandeira um elevado número de filiados militares, o que inclusive garantiu ao

presidente Jânio Quadros, o apoio do Exército.

Para a formação do partido, participaram importantes figuras militares de

tendência antigetulista, que mais tarde, na década de 60 ocupariam postos-chaves na

administração pública e negariam seu apoio a João Goulart.

Neste período de criação da UDN e a subseqüente união entre o partido e os

militares, desenvolveu-se para alguns autores uma “orientação militarista na política,

particularmente nos momentos de crise institucional”. 86

Ainda segundo Paiva (2006), os pontos de afinidade entre a UDN e os militares

eram:

“1. O discurso comum na defesa da liberdade, da lei e a

ordem.

2. A exaltação da religião, do anticomunismo e da

família, valores considerados por ambos como

permanentes e devendo ser sempre objeto de culto,

respeito e vigilância.

85 BENAVIDES, Paulo e AMARAL, Roberto (orgs). Textos Políticos da História do Brasil. Brasília: Senado Federal, 2001, 3ª ed., v.6, pg. 653. (ANEXO) 86 DELGADO, Marcio de Paiva. O “Golpismo Democrático” – Carlos Lacerda e o Jornal Tribuna da Imprensa na quebra da legalidade (1949 – 1964). 2006. 154 f. Dissertação (Mestrado em História) – Universidade Federal de Juiz de Fora, Minas Gerais, 2006, p. 43.

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3. A valorização dos intelectuais e da elite esclarecida, e

a desconfiança em relação ao povo.

4. O antigetulismo, ligado também ao elitismo.

5. A identificação da UDN com a classe média. O

Exército sempre buscou o distanciamento entre os pólos

ideológicos representados pela esquerda e pela direita, e

entre as classes, não querendo ser identificado como elite

e nem como classe oprimida. Além disso, o fator

sociológico é importante, já que os militares

tradicionalmente são oriundos da classe média

brasileira.”87

A eleição de Jânio Quadros foi o resultado da aliança entre seu partido PDC,

sem grande visibilidade e a UDN, partido forte e, como vimos, conservador. A vitória

de Jânio significou para os militares a segurança de que o país seria enfim, destituído do

estado de caos em que se encontrava.

O depoimento do General-de-brigada Ruy Leal Campello, tente coronel da

época deixa clara esta posição:

“Escusado dizer que o Presidente Jânio Quadros contava

com o apoio integral do Exército. A Força enxergava no

presidente Jânio uma pessoa capaz de colocar ordem no

país. Naquela conjuntura, mas acabou tornando-se a

maior ‘gafe política’, surpreendendo a todos com a

inesperada renúncia”. 88

Diante da renúncia do então presidente, o sentimento que imperou entre os

militares, de acordo com Atassio (2007), “foi o de abandono e incompreensão”. 89 Para

ilustrar o posicionamento do Exército, ela completa com as palavras de João Carlos 87 Ibdem, p. 44. 88 MOTTA, Aricildes de Moraes. 1964 – 31 de Março: O movimento revolucionário e a sua história. Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército Editora, 2003, t. 11, p. 35. apud ATASSIO, Aline Prado. A Batalha pela Memória: Militares e o Golpe de 1964. 2007. 184 f. Dissertação (Mestrado em Ciências Sociais) – Universidade Federal de São Carlos. 2007, p. 47. 89 Ibdem.

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Rotta, na época, genera-de-divisão que diz: “alguns dias depois o homem renunciava.

Houve um trauma. Vi oficiais chorando. Haviam votado nele, defendiam o Jânio, se

empolgavam com ele, e agora, choravam. Não sabiam o que estava acontecendo”. 90

Com a possibilidade de Jango assumir a presidência, os militares que até então

apoiavam Jango, tornaram-se oposição ao governo. Existiam duas fortes razões para que

Jango fosse o desafeto das Forças Armadas: 1) sua associação a Getúlio Vargas; 2) seu

parentesco com Leonel Brizola, que era conhecido pela ligação que possuía com a

esquerda no Brasil.

Acreditamos que a segunda razão é a mais forte e a mais plausível para explicar

a reação dos militares, visto que o país, sobretudo o Exército, estava imerso na luta

revolucionária contra o comunismo, ainda mais diante da estranha coincidência de estar

Jango, no momento da renúncia de Jânio Quadro, em visita à China comunista.

Desde os anos 30, o comunismo era pauta nos assuntos Militares, “momento em

que a organização militar tornou-se efetivamente uma instituição, com consciência da

própria existência como entidade distinta da sociedade.” (NOTA) Data deste período

também a Intentona Comunista de 1935, liderada por Luís Carlos Prestes, que foi o

marco a infiltração comunista no Brasil.

O Comunismo passou a ser o inimigo do Exército e da soberania nacional, já que

as bandeiras sociais que ele defende ferem os valores militares, pois entre outros, prega

o fim das fronteiras nacionais, da distinção entre indivíduos, da hierarquia e atenta

contra a democracia.

No início dos anos 50, a Escola de Estado Maior, comandada pelo General

Castello Branco, que segundo fontes históricas “descobrira comunistas até debaixo de

sua própria cama”, passou a ser influenciada pela Doutrina militar norte-americana,

substituindo a Missão Francesa.

Em meados dos anos 60, os oficiais passaram a ser instruídos sobre a chamada

Guerra Revolucionária, que estaria sendo praticada pelos comunistas no país e que

consistia na tomada de poder pelo comunismo sem o apoio das Forças Armadas.

A Doutrina norte-americana tinha respaldo em seu próprio cenário local, pois

com o fim da Segunda Guerra Mundial, os americanos entraram em conflito com a

URSS. No início dos anos 60, com a vitória de Fidel Castro e com sua entrada no jogo

do bloco soviético, o foco principal da Guerra Fria passou a ser a América Central, onde

90 MOTTA, Aricildes de Moraes. 2003, t. 5, p. 131. apud ATASSIO, Aline Prado. 2007, p. 48.

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Cuba apoiava formalmente a União Soviética comunista. Houve no Brasil, neste

ínterim, o anúncio de que o governo brasileiro pretendia adotar um regime de repúblicas

popular-democráticas, como eram denominados os países da Europa oriental

“anexados” ao império soviético, adotando um posicionamento semelhante ao de Cuba.

O inimigo a ser combatido era, portanto, o comunismo.

Os militares contaram com amplo apoio da ESG para a doutrinação de seus

quadros através da Doutrina de Segurança Nacional (DSN).

Segundo Oliveira (1976), a ESG significava:

“a) a garantia da presença política de um grupo militar

em alta posição no aparelho de Estado, na medida em

que é órgão subordinado diretamente ao Estado Maior

das Forças Armadas (posteriormente o regulamento de 4-

12-63 a define como “Órgão da Presidência da

República”, mantendo mesmo vínculo com o EMFA);

consequentemente b) a ESG garante a não-dispersão

deste agrupamento político-militar; c) se especializa no

estudo da Segurança Nacional no âmbito da Guerra Fria,

incialmente, e no da “guerra revolucionária”, no

contexto seguinte; d) se assegura a possibilidade de

difusão ideológica entre as ‘elites civis e militares’”. 91

A ESG partia de um aparelho repressivo (Forças Armadas) ao mesmo tempo em

que era uma escola com objetivos técnicos e político-ideológicos.

Na década de 50, a ESG fez severas críticas ao Estado e às suas instituições,

considerando-as incompatíveis ao equacionamento de questões importantes, tais como o

desenvolvimento econômico e a segurança nacional.

“(...) No quadro latino-americano, em relação ao qual a

hegemonia americana implicava na contenção dos

movimentos políticos populares, a DSN e a ESG,

especialmente, aparecem como também ligadas a essa

91 OLIVEIRA, Elizer Rizzo. As Forças Armadas: Política e Ideologia no Brasil (1964-1969). Petrópolis: Editora Vozes, 1976, p. 20

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estratégia de preparação econômica, política e ideológica

para o embate, então considerado muito provável entre

Ocidente e Oriente, entre Democracia e Comunismo. (...)

a especificidade da ESG como um aparelho de Estado

‘misto’, portador de funções marcadamente ideológicas,

poderia ser definida na seguinte proposição: a presença e

atuação da ESG tendem a tornar-se diretamente política

à medida que se configuram críticas às funções do Estado

como orientador da acumulação capitalista e agenciador

da legitimidade – espécie de ‘fiel da balança’ de uma

precária aliança de classes – e, ideologicamente, esta

ação vincula-se ao estabelecimento de limites às crises da

dominação burguesa, ou seja, vincula-se

fundamentalmente à própria preservação do

capitalismo”. 92

Os principais pensadores da DSN foram: Golbery do Couto e Silva, Cordeiro de

Farias, Juarez Távora e Humberto Castelo Branco. O elemento fundamental na

formação da segurança nacional era o conflito ideológico permanente que trazia a tona a

possibilidade de uma guerra total entre Ocidente e Oriente.

“A DSN sustenta implícita e explicitamente que a

definição e implementação do interesse coletivo, expresso

nos Objetivos Nacionais, se torna possível somente pela

atuação de uma ‘contra-elite’ localizada no aparelho de

Estado, que é exatamente o setor militar. Esse caminho (o

do interesse coletivo) parece-nos, estabelece elos

ideológicos entre a DSN e as classes soais”. 93

Foi o Ministro da Guerra, Odylio Denys, que liderou o movimento militar contra

a posse de Goulart, pois de acordo com o General-da-Divisão Francisco Batista Torres

92 Ibdem, p. 26 93 Idem. Ibdem, pg. 40.

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de Melo, na Escola Superior de Guerra, entre seus alunos, acreditava-se que Goulart

representasse um “socialismo arcaico”.

Em contrapartida, o então governador do Rio Grande do Sul, Leonel Brizola,

enquanto Jango esteve fora do país, realizou uma árdua campanha pela posse do vice,

originando a chamada Cadeia da Legalidade com o objetivo de incentivar a população a

lutar pela posse de Jango. Sua campanha era realizada através de transmissões pela

Rádio Mayrink Veiga, que inclusive, como veremos no capítulo seguinte, disputava

audiência com programas de direita que pregavam instruções diferentes das suas.

A questão da posse de Jango dividiu as Forças Armadas; o II Exército que

compreendia os estados do Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul, aderiram o

movimento legalista e significou, nas palavras de Atassio “o recomeço da atuação

comunista dentro das Forças”.

Como vimos anteriormente, a solução temporária para o impasse foi resolvida

pelo Congresso que aprovou um projeto de lei que previa a adoção do regime

parlamentarista, de forma que Jango assumiu a presidência com poderes reduzidos.

A crise de legalidade, entretanto, continuou. No dia 1º de Maio, Jango deixou

claro seu desejo de antecipar a realização do plebiscito que, através do voto dos

cidadãos, definiria se o país continuaria sob o regime parlamentarista ou voltaria ao

presidencialista, pois para ele, o país estava paralisado. O Congresso aprovou a

antecipação.

O temor que pairava entre os opositores de Jango era de que ele estivesse

criando uma manobra para colocar fim à democracia e instaurar no país, a tão temida

república sindical-socialista.

Por fim, no dia 07 de setembro de 1961, as urnas confirmaram o que os clamores

populares já deixavam claro: ele tomou posse com plenos poderes.

No primeiro discurso público realizado após o plebiscito, Jango anunciou suas

principais reformas: troca do Ministro da Guerra, o General Nelson de Melo pelo

General Amauri Kruel; promulgação das leis que permitiam ao governo maior

intervenção na política econômica.

Jango era temido pelos militares por suas “tendências esquerdistas”, ou seja, seu

discurso de apoio ao povo, às Reformas de Base e principalmente à Reforma Agrária,

reformas estas que os militares associavam a ideologia comunista.

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A principal questão existente no conflito entre os militares e João Goulart eram

os sindicatos, questão esta que vinha desde a década de 50 quando o então presidente

ocupava a cadeira de Ministro do Trabalho de Getúlio Vargas.

Na década de 60, porém, as organizações sindicais, principalmente a CGT e a

PUA, passaram a liderar seguidas greves e paralisações que tinham como objetivo

principal expressar suas insatisfações com o governo de Jango, mas que para os

militares era uma forma de demonstrar a força da união dos trabalhadores, numa

tentativa de afrontar o poder do Estado.

Para Atassio (2007), o temor militar era que a organização sindical passasse a

dar suporte ao Executivo e dispensasse a garantia do Exército em manter a segurança do

governo e das instituições democráticas.

Para os militares, a sociedade é organizada organicamente, ou seja, uma vez que

um grupo tenha seus interesses atendidos, o Todo sofrerá as conseqüências o que obriga

o governante, por sua vez, a operar na direção dos interesses nacionais e não

individuais.

Esta visão orgânica foi o que tornou João Goulart um representante da

demagogia populista, pois ao mesmo tempo em que ele buscava atender às exigências

sindicais, estendia as mãos às demandas militares.

É importante destacarmos uma questão importante: atender os sindicatos, na

visão militar, significava mais do que simplesmente atender aos apelos de uma classe,

era contribuir para o avanço do comunismo no Brasil, e eles não poderiam aceitar que

João Goulart efetivasse sua “política sindical”, pois assim estaria traindo a pátria.

O quadro social era alarmante, as pressões que Jango sofria, praticamente

paralisaram seu governo, uma vez que era impossível atender ao anseio geral adotando

uma única alternativa conciliatória, pois ela não existia.

Segundo Atassio (2007):

“O ano de 1963 terminou em situação bem pior do que

havia começado. Jango estava agora na mira dos

generais. A visão dos militares sobre o cenário político e

social do país nos meses que antecederam o golpe foi de

amplo desgoverno. Para eles, as Reformas de Base

representavam o pano de fundo para as greves dirigidas

pelo Comando Geral dos Trabalhadores; os programas

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de rádio e televisão estavam infiltrados pela ideologia

marxista e pregavam a luta de classes, com o apoio do

Governo Federal; a indisciplina nos quartéis,

acreditavam, era estimulada por autoridades federais,

inclusive pelo próprio presidente, e, para finalizar o

quadro, a imagem do Congresso era negativa e

contrastava com as ações da esquerda, por estava ele sem

força, dominado pelos partidários de Jango, os

esquerdistas”. 94

A ineficiência econômica do governo Jango foi crucial para sua desavença com

os militares. Em 1964, a inflação crescia descontroladamente dia a dia; a renda per

capita do trabalhador era reduzida; os investimentos estrangeiros diminuíam

aumentando o déficit público.

O país estava em estado de alerta.

O Clube Militar era o principal fórum de debate no interior das Forças Armadas

sobre questões que ultrapassavam os limites castrenses. Desnecessário dizer que em

1964 a discussão girava em torno de João Goulart e do comunismo. A cúpula militar

que compunha o Clube era formada por Odylio Denys, Costa e Silva, Mourão Filho,

Muricy, Cordeiro de Farias, Castello Branco, entre outros.

Era através deste órgão que eles reuniam-se para debaterem suas posições acerca

da conjuntura nacional e inclusive, para preparar uma eventual intervenção das Forças

Armadas na política.

Segundo o general-da-divisão Anápio Gomes Filho:

“Em meados de 1962, nos reuníamos rotineiramente às

quartas-feiras à noite, na Casa do Deodoro, participando

das reuniões da Cruzada Democrática, as quais

compareciam muitos oficiais da reserva e da ativa. Ali se

analisava a insidiosa penetração do comunismo nos

94 ATASSIO, Aline Prado. A Batalha pela Memória: Militares e o Golpe de 1964. 2007. 184 f. Dissertação (Mestrado em Ciências Sociais) – Universidade Federal de São Carlos. 2007, p. 77.

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vários setores da vida nacionais, até mesmo nas Forças

Armadas.” 95

Atassio (2007) faz um ressalva importante sobre a posição militar em seu

conjunto diante do Golpe de 64, para a autora nem todos os oficiais ou aspirantes,

entendiam claramente as tensões existentes naquele momento, e este quadro era mais

visível entre as posições subordinadas e no interior das Academias Militares.

Esta questão está presente no relato do coronel Luiz Tavares que cursava a

AMAN:

“Entre 1960 e 1962 eu cursava a AMAN e estava

praticamente alheio à política. Naturalmente que os fatos

marcantes – a renúncia de Jânio, a quem admirávamos, a

questão do plebiscito e a posse de Jango – não passaram

desapercebidos (...). Pouco me recordo de ter havido

reuniões com a oficialidade jovem para tratar daquele

momento político. Conversava-se, à noite, com os

capitães que ficavam no quartel”. 96

Isso demonstra que a conspiração do Golpe partiu da cúpula militar e passou a

ser difundida à base para fortalecer-se e dar ao movimento uma idéia de “unanimidade”,

quando na verdade, não houve um consenso para os acontecimentos de 1964. Os

oficiais não estavam realmente cientes do que estava sendo preparado, e apoiaram a

ação automaticamente, demonstrando a obediência típica dos militares aos principais

lemas das Forças Armadas: a hierarquia e a disciplina.

Quando em março de 1964, Jango passou a buscar mais intensamente o apoio

popular para a realização das reformas de base, segundo o general-de-exército Luiz

Gonzaga Shroeder, ele cometeu suicídio:

95 MOTTA, Aricildes de Moraes. 2003, t.6, p.107. apud ATASSIO, Aline Prado. 2007, p. 80. 96 Ibdem p. 228-229 apud p. 81.

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“Suicidou porque o que ele fez em um mês, no curto

espaço de um mês, promovendo uma série de fatos que a

Nação jamais poderia agüentar, representou um

verdadeiro suicídio. Ele promoveu neste mês de março, o

comício do dia 13, apoiou a revolta dos marinheiros e

fuzileiros e participou da reunião no Automóvel Clube do

Brasil, tudo isso no Rio de Janeiro e num único mês,

caracterizando um conjunto de episódios que

antecederiam a revolução comunista para a implantação

da República Sindicalista no dia 1º de maio”. 97

Desta forma, temos cronologicamente organizados os eventos que serviram

como o estopim para a reação militar, na medida em que subverteram a ordem, a

disciplina e a hierarquia das Forças Armadas.

O Comício foi o divisor de águas entre os militares. Não havia como negar a

posição do presidente e a atuação das forças trabalhadoras, de forma que no dia 20 de

março, o general Castello Branco, chefe do Estado-Maior do Exército distribuiu uma

circular que afirmava a evidente ameaça de uma nova Constituinte que tornaria possível

as reformas de base e mais agitações da CGT, além de alertar para os perigos do

comunismo. De forma sutil, ele preparava o espírito militar para a ação.

Enquanto isso, no Rio de Janeiro, os marinheiros reuniram-se na sede do

Sindicato dos Metalúrgicos protestando contra a punição de 12 graduados que haviam

transformado a Associação dos Marinheiros e Fuzileiros Navais, em uma organização

parassindical, monitorada pelo PCB.

O movimento contou com a presença de sargentos, cabos e marinheiro, o que

demonstrava apoio dos comunistas aos revoltosos, comprovando a tese da infiltração

vermelha nas patentes inferiores das Forças Armadas. Eles exigiam a troca do Ministro

e a revogação das punições. As reivindicações foram ouvidas e atendidas: Silvio Mota

renunciou e Jango indicou para o cargo o almirante Paulo Mário da Cunha Rodrigues,

considerado de esquerda. Além disso, Jango não puniu, conforme o regulamento militar,

os revoltosos que haviam infringido a hierarquia da Marinha.

97 MOTTA, 2003. t. 10, p. 61. apud ATASSIO, 2007, p. 82.

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No dia 30 de março, mesmo diante da tensão existente e dos apelos de seu

secretário de imprensa Raul Ruff e do deputado Tancredo Neves, Jango discursou para

um auditório composto de suboficiais e sargentos no Automóvel Clube, acreditando

contar com o dispositivo militar montado pelo general Assis Brasil, no caso de uma

tentativa de golpe.

No entanto, mesmo que contasse com o apoio de todo o conjunto das Forças

Armadas, o presidente não seria apoiado diante de um erro fatal cometido em seu

discurso, ele incentivou a quebra da hierarquia ao dizer que os

“sargentos não deveriam obedecer a seus superiores

hierárquicos naquilo que considerassem ‘sentimento do

povo brasileiro’, ‘sectarismo’, pois o caminho deles era

também o caminho do presidente da República. Portanto,

a relação de comando era com ele, Jango”. 98

Foi a gota d´água para os conspiradores; para eles era chegada a hora do

Exército intervir na política para garantir a manutenção das instituições democráticas do

país. Nas palavras do Coronel Ney Salles (VER), “foi a última afronta do despreparado

caudilho às Forças Armadas” (NOTA).

E no dia 31 de março/1ºde abril de 1964, os militares entraram em ação e deram

início a Ditadura Militar no Brasil.

II.2.3) Os empresários

Os interesses econômicos multinacionais tiveram grande estímulo através da

política de desenvolvimento de Juscelino Kubitschek, de forma que na década de 60

haviam se tornado a força socioeconômica dominante.

Segundo Dreifuss (2006), a estrutura de poder político da nova classe compunha

uma intelligentsia empresarial, formada por:

98 VILLA, Marcelo Antonio. Jango: Um Perfil. São Paulo: Globo, 2003, p. 206. apud ATASSIO, Aline Prado. A Batalha pela Memória: Militares e o Golpe de 1964. 2007. 184 f. Dissertação (Mestrado em Ciências Sociais) – Universidade Federal de São Carlos. 2007, p. 87.

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“a) diretores de corporações multinacionais e diretores e

proprietários de interesses associados, muitos deles com

qualificação profissional;

b) administradores de empresas privadas, técnicos e

executivos estatais que faziam parte da tecnoburocracia;

c) oficiais militares. 99

A capacidade tecnológica e o controle de capital eram os fatores de promoção do

poder que as empresas multinacionais possuíam no país. A estrutura central deste

processo estava fixada nas formações sociais dos países de onde as multinacionais

operavam, favorecendo a formação de elites locais que se ligavam por relações

profissionais e atitudes econômico-políticas.

Conforme vimos anteriormente, desde o governo JK, com a elaboração de uma

administração paralela, os tecnoempresários passaram a ser dotados de uma influência

no interior do aparelho estatal.

Estes técnicos possuíam ligações operacionais e interesses na classe empresarial

de tendência multinacional. Era através deles que se dava a formulação das diretrizes

políticas adotadas pelo governo e a tomada de decisão que favoreciam os seus

interesses, organizando deste modo, a opinião pública.

Adotando o princípio da racionalidade capitalista presente nas empresas

privadas, como a solução dos problemas socioeconômicos nacionais, eles dotaram o

Executivo de planos e metas que tinham como intuito promover o desenvolvimento do

país.

A racionalidade passou a ser a palavra de ordem no processo de crescimento. O

tecnoempresário Eugênio Gudin, precursor de uma geração de economistas político-

empresariais, como Octávio Gouveia de Bulhões, Roberto de Oliveira Campos, Mário

Henrique Simonsen e Antônio Delfim Neto, atribuía grande importância ao papel

central das empresas privadas e às inovações organizacionais e técnicas presentes em

sua estrutura.

Esta nova ideologia passou a ser disseminada em associações comerciais e

industriais, clubes sociais, centros culturais, na ESG e principalmente através de

99 DREIFUSS, René Armand. (2006). 1964: A Conquista do Estado – Ação Política, Poder e Golpe de Classe. 6a ed, Petrópolis, RJ; Vozes. pg. 78.

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organizações de ação, estrategicamente criadas para serem focos de suas atividades,

conforme veremos no capítulo III.

Para que fosse possível atingir os objetivos previstos pela economia no país,

adotou-se uma linha de atuação baseada no planejamento. Ainda no final da década de

50, o então Coronel Golbery do Couto e Silva, o mais hábil e preparado, teórica e

politicamente dos que lutavam pelo desenvolvimento empresarial no Brasil, dizia ser

“(...)necessário evitar, a todo custo, qualquer

incoerência do conjunto, de maneira a garantir a

inexistência de conflito entre objetivos divergentes, o que

finalmente impediria o seu alcance simultâneo ou a sua

preservação e destruiria o sistema como tal”. 100

Os conceitos modernos de planejamento foram implantados no Brasil durante o

período de 1951 a 1953 através da adoção das recomendações da Comissão Mista

Brasil-Estados Unidos de Desenvolvimento Econômico, estabelecida em dezembro de

1949.

A equipe brasileira era composta por Roberto Campos (Assuntos Econômicos),

Ary Frederico Torres (Presidente), Lucas Lopes (Questões Técnicas) Glycon de Paiva

(Assuntos de Geologia e Mineração) e Valentim Bouças (Assuntos Financeiros).

As recomendações previam o estabelecimento de agências e órgãos públicos, o

que culminou com a criação do Banco Nacional de Desenvolvimento (BNDE) que tinha

como pressuposto básico a oferta de apoio financeiro aos investidores privados, o que

beneficiou, sobretudo as companhias multinacionais que recebiam recursos para seu

estabelecimento no Brasil.

Além do BNDE, outras agências e grupos executivos tornaram-se focos de poder

dos interesses econômicos. Oriundas das análises realizadas junto ao CEPAL e a ESG,

durante 1953 e 1954, estavam as diretrizes que possibilitaram a criação do Plano de

Metas de JK que foi operado a partir da racionalidade empresarial, estabelecendo

prioritariamente investimentos de recursos públicos nacionais em cinco setores-chaves:

energia, transporte, alimentação, indústrias de base e educação.

100 DREIFUSS, René Armand. 1964: A Conquista do Estado – Ação Política, Poder e Golpe de Classe. Petrópolis: Vozes. 2006, 6ª ed, pg. 182.

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Segundo Dreifuss (2006):

“Os interesses multinacionais refratavam-se no processo

decisório governamental através do Plano de Metas como

necessidade do desenvolvimento nacional. Assim, o poder

de classe era internalizado no Estado sob a cobertura de

racionalidade técnica, necessidade e perícia, e legitimado

por grupos executivos e pelos escritórios de consultoria

tecnoempresariais”. 101

O slogan “50 anos em 5” através do qual Juscelino resumia seu governo, era a

representação do caráter imediatista que os empresários buscavam para o

desenvolvimento industrial do país.

As Forças Armadas representadas por alguns oficiais militares, foram chamados

também a integrar a comissão de planejamento junto à elite empresarial. Dotados da

ideologia de ordem e progresso, participaram conjuntamente do esforço em busca do

crescimento industrial, sustentado pelos interesses multinacionais e pelo Estado,

oferecendo por sua vez, uma ação de orientação eficaz e legítima, exigidas pela

ideologia da segurança nacional.

Datam deste período a criação das escolas que objetivavam preparar os alunos

para a administração pública e privada e também sugerir diretrizes políticas para a

análise da situação econômica e política do país. É o caso, por exemplo, da Escola de

Administração de Empresas (fundada em 1950), o Instituto Brasileiro de Administração

de Empresas, o Instituto Superior de Administração e Vendas, o Escritório de

Planejamento Econômico e Social – IPEA, os Centros para Treinamento

Administrativos e, principalmente o Instituto Brasileiro de Economia – IBRE – e a

Fundação Getúlio Vargas – FGV – que já haviam sido criados anteriormente.

Os principais dirigentes de ambas instituições principais eram simultaneamente

membros de escritórios de consultoria privados e de órgãos governamentais, como o

BNDE.

Já vimos a questão da interferência das Forças Armadas na cena política. Neste

momento, o que pretendemos demonstrar é que alguns oficiais oriundos da ESG

101 Ibdem. p. 83.

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estabeleceram íntima ligação com os meios empresariais, dos quais, inclusive, muitos

deles faziam parte. Entre os principais, podemos citar os oficiais de escalão médio

Golbery do Couto e Silva, Orlando Geisel, Ernesto Geisel, Aurélio de Lyra Tavares,

Jurandir Bizarria Mamede, Heitor Almeida Herera, Edson de Figueiredo, Geraldo de

Menezes Cortes, Idálio Sardenberg, Belfort Bethlem, João Bina Machado, Liberato da

Cunha Friedrich, Ademar de Queiroz e os generais Cordeiro de Farias e Juarez Távora.

De acordo com Dreifuss (2006):

“É importante notar que já em meados da década de 50 e

mais ainda em princípios da década de 60 a participação

militar na empresa privada era uma realidade, embora

esse fenômeno não fosse tão difundido. A aproximação

ideológica entre os militares brasileiros e empresários e

seus pontos de vista em comum quanto aos caminhos e

meios que levariam ao crescimento industrial foram

traduzidos no acordo militar de 1952 entre o Brasil e os

Estados Unidos. A seção 516 da sua “lei de Segurança

Militar” expunha a necessidade de se encorajar “a

eliminação de barreiras e de se providenciar incentivos

para um aumento constante na participação da empresa

privada no desenvolvimento dos recursos dos países

estrangeiros e desencorajar, na medida do possível e sem

interferir na realização dos objetivos dessa lei, a prática

de monopólio e de cartel que prevalece em certos países

(...)”. 102

Atuando em conjunto com a ESG estavam outros complexos políticos de

acordos militares entre o Brasil e os EUA: o Programa de Assistência Militar (PAM) e o

Acordo de Assistência e Defesa Mútua (AADM), onde a técnica pautava a doutrinação

político-ideológica de que a mente militar nas Américas deveriam representar um centro

hegemônico e a forma específica de desenvolvimento socioeconômico.

102 Ibdem. p. 86.

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O principal impulso dado pela formação ideológica da ESG aos militares no que

se refere a questão econômica, estava no fato de que, o pensamento doutrinário militar

excluía e evitava qualquer transformação na estrutura social, que deveria manter-se

estática em sua divisão entre elites e massas, determinando uma modernização

conservadora.

Esta concepção não aceitava a presença das classes trabalhadoras ou

intermediárias nos círculos de estudos da ESG, nem mesmo como convidadas, pois ali

se davam as ligações entre militares e civis, e não poderia receber interferência de

qualquer ideologia contrária às defendidas pelos grupos presentes.

Ainda de acordo com Dreifuss (2006):

“Como observa Celso Furtado, a perspectiva

desenvolvida por tais industriais e tecoempresários era

bastante diferente da orientação liberal ou populista de

grupos de elite que foram capazes de chegar ao poder

através de eleições. Compartilhando a ideologia de

segurança nacional e de seus equivalentes, esses

empresários viam a disciplina e a hierarquia como

componentes essenciais de um sistema industrial”. 103

Os interesses multinacionais ganharam o apoio das Forças Armadas na luta

contra o governo de João Goulart, assim como os militares, ao promover o intercâmbio

com os civis davam uma conotação popular ao Golpe em formação.

As classes em questão receberam apoio mútuo porque os interesses em jogo

eram parte constituinte de uma ideologia maior, que era justamente a de lutar contra o

comunismo e favorecer o desenvolvimento do país.

Enquanto as classes empresariais possuíam as regalias oferecidas pelo Estado,

como vimos anteriormente, para a expansão do capital multinacional, elas exerciam

grande influência nos cenários econômico, político e social brasileiro, de tal modo que a

urgência do desenvolvimento passou a ser o carro-chefe no imaginário nacional,

inclusive entre os militares que defendiam esta posição. Era a combinação perfeita: a

repressão pelo uso da força e a ideologia, que criava uma doutrina capitalista no país.

103 Ibdem. p. 88.

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II.3. A Difusão Ideológica

O último aspecto, segundo o esquema de Garcia (1999), a ser avaliado na análise

sobre a propaganda política é o da difusão ideológica.

Tomando como base os pontos analisados no início deste capítulo, podemos

resumir a situação econômica, social e política na qual se encontrava o Brasil em um

conflito de interesses.

A ordem sindical orquestrada por um governo vinculado ideologicamente aos

setores trabalhistas dava sinais de ser uma reação à permanência da manutenção dos

interesses economicamente dominantes e ao conservadorismo da ordem militar, tudo

isso sob o contínuo estado de alerta americano contra o comunismo soviético.

Foi o suficiente para que diante da radicalização de algumas frações da classe

trabalhadora, o movimento sindical se transfigurasse em movimento comunista, tendo

na figura de João Goulart o seu pivô.

Era necessário, no entanto, que este estado de coisas fosse facilmente absorvido

pela população, o que gerou a necessidade de disseminar esta nova doutrina constituída

de princípios claros e aparentemente simples como a ordem, o desenvolvimento e a

democracia em retaliação à República Sindical-Socialista, que eles esperavam partir de

Jango.

Veremos no capítulo III e IV a mobilização da classe empresarial em sua luta

pela manutenção de seus interesses, no entanto, acreditamos ser necessária uma prévia e

sucinta análise dos meios de comunicação, dos quais se utilizaram em sua campanha,

para a complementação do principal ponto de nossa análise: a difusão ideológica dos

interesses economicamente dominantes.

O desenvolvimento subseqüente da década de 50 possibilitou a consolidação do

capitalismo e da urbanização no Brasil. A industrialização verificada no período trouxe

grandes transformações nos meios de comunicação e a solidificação da implantação da

Indústria Cultural em solo nacional.

O principal canal até então utilizado era o rádio, que desde a década de 40, com

estímulo do governo Vargas no período do Estado Novo, havia se consolidado como

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principal meio de comunicação. Sua difusão continuou em franca expansão, pois ainda

era o meio de mais fácil acesso e aquisição por grande parte da população.

De acordos com Miceli (2006), o número de aparelhos no período de 1952 a

1962, praticamente dobrou de 2,5 milhões para 4,7 milhões, ao passo que na análise de

1950 a 1960, de acordo com tabela anexa, o número de estações passou de 300 para

735, representando um aumento de quase 507%. 104

Segundo Delgado (2006), o rádio não era o único meio de comunicação utilizado

no período, existiam

“Outras formas de divulgação da informação, como

jornais impressos, a nascente televisão brasileira,

revistas, livros e periódicos (...)”. 105

Ainda na década de 50, surgiu a radiotelevisão, que mais tarde suplantaria a

posição de preferência alcançada pelo rádio. A televisão ampliou o leque de opções

apresentando-se como uma alternativa na divulgação e reprodução da informação,

embora tenha adquirido um caráter amador nos primeiros anos de sua implementação.

A TV Tupi de Assis Chateaubriand foi a precursora na transmissão televisiva no

Brasil, sendo que ele próprio, importou 200 aparelhos para espalhar por São Paulo, a

fim de que a população tivesse acesso à inovação, ao passo que no semestre seguinte do

ano de 1950, haviam 3.500 aparelhos no Brasil. Vale ressaltar que a televisão não era

um meio de comunicação popular diante do seu alto custo de aquisição, de forma que

durante algum tempo, foi um canal de informação restrito às classes economicamente

superiores.

Em 1959, o Brasil já possuía aproximadamente 434 mil aparelhos e várias

emissoras além da TV Tupi: TV Paulista, TV Record, TV Rio, TV Excelsior, TV

Paranaense, TV Cultura de São Paulo e TV Itapoan. 106

104 MICELI, Sérgio. Entre o Palco e a Televisão. In: Estatísticas do Século XX. Rio de Janeiro: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, 2006, p. 350. Disponível em <http://www.ibge.gov.br/seculoxx/seculoxx.pdf >. Acesso em: 24 de fevereiro 2010. 105 DELGADO, Marcio de Paiva. O “Golpismo Democrático” – Carlos Lacerda e o Jornal Tribuna da Imprensa na quebra da legalidade (1949 – 1964). 2006. 154 f. Dissertação (Mestrado em História) – Universidade Federal de Juiz de Fora, Minas Gerais, 2006, p. 16. 106 Disponível em <http://www.tudosobretv.com.br/histortv/tv60.htm >. Acesso em: 23 de junho 2010.

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Quanto a imprensa periódica, no ano de 1960, existiam no país 247 jornais

diários com tiragens médias de 3.973.484, sendo os principais veículos: O Estado de

São Paulo, Jornal do Brasil, Correio da Manhã, O Jornal, Folha de São Paulo, O Globo,

Estado de Minas, Diário Carioca, Diário de Notícias, Última Hora e Correio

Braziliense.

Desde a criação da Revista O Cruzeiro em 1928, também do grupo Emissoras e

Diários Associados de Chateaubriand, as revistas passaram a ser reconhecidas como um

meio de comunicação de variedades, onde ilustrava-se a atualidade no país e no mundo

com assuntos que iam desde a política até às celebridades. Em 1960, a tiragem média de

revistas era de 9.711.750, sendo as de maior destaque: Revista da Semana, O Cruzeiro,

Manchete, e Senhor.

Este era o quadro relativo de como encontravam-se os meios de comunicação no

Brasil em termos de desenvolvimento e divulgação.

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Capítulo III – O IPES

“O IPES surge com o objetivo de esclarecer

primordialmente a classe empresarial que, diga-se de

passagem, precisa mais do qualquer outra classe saber

realmente quais são os limites ideais do regime de livre

iniciativa no campo econômico.”

João Batista Leopoldo Figueiredo

A administração de Juscelino Kubitschek, conforme vimos anteriormente,

baseou-se em sua figura populista e em seu plano de desenvolvimento. As classes

empresariais, no entanto, possuíam duas razões para não se contentarem com o governo

de JK: a primeira era que o populismo tratava-se de uma herança controvertida deixada

por Getúlio Vargas e a segunda dizia respeito ao desequilíbrio econômico originado por

sua política desenvolvimentista.

O crescimento da inflação deu início à manifestação das classes trabalhadoras

que eram as mais atingidas pelas conseqüências deste processo, uma vez que, na mesma

medida em que o custo de vida tornava-se mais elevado, seus salários decresciam.

As principais lideranças empresariais no Brasil estavam preocupadas com o

rumo que o país adotaria tendo em vista que o momento não era favorável ao

crescimento econômico e conseqüente desenvolvimento do país, conforme eles

previam. Assim, no final da década de 50, eles passaram a organizar o que mais tarde

tornar-se-ia o Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais, o IPES.

Gilbert Huber Jr., empresário de origem americana, foi quem primeiro entrou em

contato com Paulo Ayres Filho, influente empresário que residia no Rio de Janeiro e o

incumbiu da tarefa de recruta em São Paulo, homens de negócios para que pudessem

juntos discutir a conjuntura brasileira.

De acordo com as informações anteriores, é importante notar que a influência

americana no Brasil, sobretudo a partir da década de 50, deu-se nos mais variados

campos. Importantes concepções oriundas dos EUA foram semeadas em território

nacional e adotadas como legítimas, caso emblemático do anticomunismo, que se

tornou o principal alvo de ataque das classes economicamente dominantes e também

dos militares. Outro exemplo é a política econômica liberal, que adentrou o país

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carregando consigo a necessidade do estabelecimento de empresas multinacionais para

o desenvolvimento do Brasil.

Paulo Ayres Filho passou a traduzir e distribuir panfletos da Foudation of

Economic Education, sediada em Nova York, que se apresentava, segundo Dreifuss

(2006) como a “defensora da causa de uma limitada participação do governo na

economia e da livre empresa”. 107 Ele recrutou em São Paulo, João Batista Leopoldo

Figueiredo, empresário multinacional que havia sido presidente do Banco do Brasil no

governo de Jânio Quadros e que se tornaria o líder do IPES neste estado.

A atuação no Rio de Janeiro era feita a princípio pelo próprio Gilbert Huber Jr.,

por Antônio Gallotti, Glycon de Paiva, José Garrido Torres e por Augusto Trajano

Azevedo Nunes, que além da tarefa de recrutar quadros para a constituição do Instituto,

estavam também envolvidos na “obtenção dos serviços de diversos oficiais da reserva,

tal como o General Golbery do Couto e Silva, que foi indicado ao IPES pelo General

Heitor Herrera”. 108

As primeiras reuniões foram realizadas nas casas dos próprios empresários, tanto

no Rio quanto em São Paulo, principais centros de onde emergiam grande parte das

atividades empreendidas pelo grupo.

A renúncia de Jânio Quadros em 1961 foi o fato decisivo para que o IPES fosse

efetivamente ativado, resultado da reação empresarial contra o que eles entendiam como

uma “tendência esquerdista” na vida política brasileira.

Um dos principais objetivos do Instituto era desestabilizar o governo de João

Goulart, que trazia consigo a bagagem sindical e a tendência nacionalista, dois

importantes obstáculos ao fortalecimento e imposição de seus interesses. Para que isso

fosse possível, empreenderam uma campanha política, ideológica e militar pautada

principalmente na manipulação de opiniões e numa feroz guerra psicológica.

Entretanto, publicamente apresentavam-se como um seleto grupo de homens de

negócios e intelectuais respeitáveis que buscavam unicamente encontrar através de

estudos e pesquisas, as soluções para os problemas brasileiros.

III.1. Fundação

107 DREIFUSS, René Armand. 1964: A Conquista do Estado – Ação Política, Poder e Golpe de Classe. Petrópolis: Vozes. 2006, 6ª ed, pg. 175. 108 Ibdem

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Em 29 de novembro de 1961, o IPES passou a existir oficialmente, constituído

por indivíduos provenientes de diferentes backgrounds ideológicos. O que os unia era

seu posicionamento anticomunista e suas ambições em reestruturar o Estado.

De acordo com Dreifuss (2006), os empresários que iniciaram a campanha pela

criação de uma base organizada, tinham como objetivo criar

“uma liderança política que fosse compatível com sua

supremacia econômica e ascendência tecnoburocrática,

pois, como foi observado, ‘a direção do país não podia

mais ser deixada nas mãos dos políticos’”. 109

O IPES foi entusiasticamente recebido por diferentes órgãos da imprensa, como

o Jornal do Brasil, O Globo, o Correio da Manhã e o Última Hora; por figuras

eclesiásticas como o Arcebispo do Rio Dom Jayme de Barros Câmara e por diversos

intelectuais que passaram a apoiar o grupo.

Sua campanha, tal qual o desejo de seus fundadores, alcançou o país e também

novos centros de atuação foram incorporados nas atividades do IPES, como é o caso de

Porto Alegre, Belo Horizonte, Curitiba, Manaus e alguns outros centros menores.

De acordo com Dreifuss (2006):

“Os objetivos do IPES, conforme o capítulo I de sua carta

constitucional, constituíam-se de: promover e estimular

educação cultural, moral e cívica dos indivíduos e

desenvolver e coordenar estudos e atividades de caráter

social e obter, por meio de pesquisa, recomendações que

contribuíssem para o progresso econômico, o bem-estar

social e o fortalecimento do regime democrático do

Brasil. O artigo 2 rezava que o “IPES não participará de

nenhuma atividade político-partidária”. O artigo 4

declarava que “todas as atividades do Instituto serão

desenvolvidas em conformidade com a Constituição e as

leis do país, os princípios democráticos, a ordem social,

109 Ibdem.

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as normas da civilização cristã e a obediência devida às

autoridades legalmente constituídas”. 110

E ainda:

“De acordo com ‘A responsabilidade democrática do

empresário’, uma versão de seu documento básico, o

IPES seria orientado por ‘dirigentes de empresas e

profissionais liberais que participam com convicção

democrática, como patriotas e não como representantes

de alguma classe ou de interesses privados. Eles se

reúnem para analisar a situação e contribuir para a

solução dos problemas sociais que surgem

constantemente na vida brasileira. Por isso, a direção do

IPES conta com a colaboração de professores

universitários, técnicos e peritos, que, de acordo com seus

postulados, estejam dispostos a trabalhar no estudo e na

equação dos problemas nacionais’”. 111

O recrutamento era feito de forma ordenada a funcionar como uma corrente de

adesão: os fundadores recrutavam um núcleo de 50 membros, e estes, por sua vez,

teriam de trazer mais 5 e assim sucessivamente ao passo que ao longo de seu

desenvolvimento, o IPES constituiu-se de uma poderosa rede de influência atuante nos

movimentos estudantis, nos quartéis, na mídia e na imprensa – as quais controlou em

todo país – e inclusive no Congresso, onde os integrantes do Instituto ficavam

responsáveis pela coordenação dos esforços em oposição ao governo e à esquerda

trabalhista.

A campanha ipesiana era fundamentada na disseminação entre as classes

dominantes, as camadas sociais intermediárias, militares e a população, da necessidade

da resistência ao governo de João Goulart e posteriormente a inevitabilidade de sua

derrubada.

110 Ibdem. 111 Ibdem. p. 176.

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Para que a doutrinação surtisse efeito, o trabalho inicial do IPES passou a ser

realizado no meio empresarial, que era a sua força motriz, pois era a classe que possuía

o poder econômico para que as atividades empreendidas pudessem ser mantidas.

Com a cobertura do IBAD e da ADEP 112 desenvolveu duas campanhas básicas

denominadas “Ação Social”, que segundo esquema proposto por Dreifuss (2006), trazia

as seguintes características:

“1) consistia na pressão econômica sobre as empresas

privadas e entidades sociais que não se identificavam

com os seus ideais políticos ou que realmente davam

apoio a diretrizes governamentais

2) direcionamento político da opinião pública e

empresarial contra o governo nacionalista e contra

determinadas figuras públicas”. 113

112 As sementes do Instituto Brasileiro de Ação Democrática (IBAD) foram lançadas no final do governo de Juscelino Kubitschek. O instituto foi fundado em maio de 1959, por Ivan Hasslocher, recebendo contribuições de empresários brasileiros e estrangeiros, que, descontentes com a disparada da inflação e o estilo populista de JK, julgaram necessário organizarem-se com o objetivo de combater o comunismo no Brasil e influir nos rumos do debate econômico, político e social do país. O papel desenhado para o IBAD era a ação política. Dessa forma, Hasslocher fundou mais ou menos no mesmo período a agência de propaganda Incrementadora de Vendas Promotion, subsidiária daquele instituto.

A posse de João Goulart na presidência da República, em setembro de 1961, acirrou os ânimos dos ibadianos. O ápice da atuação do instituto foi na campanha eleitoral de 1962. Para isso, foi criada, com fins explicitamente eleitorais, a Ação Democrática Popular (Adep). Sua função era canalizar recursos para os candidatos contrários a Goulart que concorreriam às eleições legislativas e para o governo de 11 estados. Ao mesmo tempo, o IBAD engendrou ferrenha campanha contra o governo Goulart e os candidatos ao Legislativo identificados pelos ibadianos como comunistas. Além disso, produziu e difundiu grande número de programas de rádio e de televisão e matérias nos jornais com conteúdo anticomunista.

Baseado parcialmente em informações reveladas pela CPI, no final de agosto Goulart determinou a suspensão por três meses das atividades do IBAD e da Adep. O decreto presidencial previa que os órgãos do Poder Judiciário examinassem a atuação da entidade e tomasse as medidas cabíveis. No final de novembro, Goulart prorrogou por mais três meses a suspensão, levando em conta o fato de que as investigações sobre as atividades ilícitas das duas organizações ainda se encontravam em curso. Finalmente, em 20 de dezembro, o IBAD e a Adep foram dissolvidos por determinação do Poder Judiciário.

Disponível em <http://cpdoc.fgv.br/producao/dossies/Jango/artigos/NaPresidenciaRepublica/O_Instituto_Brasileiro_de_Acao_Democratica> Acesso: 22 de junho 2010.

113 DREIFUSS, René Armand. 1964: A Conquista do Estado – Ação Política, Poder e Golpe de Classe. Petrópolis: Vozes. 2006, 6ª ed, p. 179.

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Estas propostas para a ação eram planejadas para que o IPES pudesse se

fortalecer afim de atingir os objetivos previstos.

Segundo Dreifuss (2006), para uma das lideranças do IPES, Garrido Torres:

“era preciso fortalecer o regime, fazendo reformas

institucionais que modelassem a estrutura para a

modernização (...). A sobrevivência da democracia,

identificada com a empresa privada, dependia do

comportamento político dos empresários e da

demonstração de sua função social ao grande público”. 114

Para liderar politicamente uma reação burguesa contra o Executivo, os membros

do IPES tiveram que agir realmente como uma classe coesa, independente de sua

heterogeneidade, e assim atuou até o ano de (VER) quando encerrou suas atividades.

III.2. Estrutura

O IPES era dirigido por um Conselho Orientador (CO), por um Conselho Diretor

(CD) e por um Comitê Executivo (CE).

O CO era o sistema nervoso central do Instituto. Constituía-se no fórum de

representação setorial, associativa, profissional e ideológica, além de se responsabilizar

pela elaboração das linhas de orientação, eleger o CD e estabelecer a estrutura

institucional.

O CD era o principal órgão institucional de formulação de diretrizes políticas,

além de serem responsáveis pela escolha dos membros do CE, que por sua vez, era o

comitê responsável pela tomada de decisão e programação das linhas de ação dos

objetivos do IPES, cabendo a ele também o papel de discutir a aprovação de projetos e

orçamentos.

Existia ainda o Conselho Fiscal (CF), que cuidava dos assuntos processuais e do

controle de contas.

114 Ibdem. p. 181

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Geralmente eram os proprietários, acionistas, presidentes e diretores das grandes

empresas multinacionais que exerciam a autoridade no CO, no CD e no CE, mas existia

também a presença de militares de prestígio, alguns dos quais trabalhavam em empresas

privadas, de jornalistas, acadêmicos e tecnoempresários, na estrutura formal de

autoridade.

Apesar das diferenças ideológicas e pessoais existentes no interior do IPES, sua

maior manobra era efetivar a constante mobilização dos diferentes setores em busca de

um único objetivo estratégico: trazer para si o maior número de frações e setores

econômicos, escritórios de consultoria, centros culturais, facções militares e grupos

políticos para desagregar as bases de apoio ao executivo de João Goulart.

A atuação do IPES era organizada a fim de atingir diferentes segmentos para

integrar uma grande rede de apoio; suas atividades iam desde a influência parlamentar,

através da persuasão de legisladores, passando pelo movimento estudantil, a Igreja e as

Forças Armadas.

Tecnicamente, de acordo com as recomendações do Instituto existiam dez

principais áreas de ação política e ideológica, a saber: Forças Armadas, Congresso,

Executivo e classe empresarial, sindicatos, classe camponesa, Igreja, partidos políticos,

mídia e as classes intermediárias.

Suas atividades eram previamente organizadas por 5 grupos de Ação e Estudo:

O Grupo de Levantamento da Conjuntura (GLC); o Grupo de Assessoria Parlamentar

(GAP); o Grupo de Opinião Pública (GOP); o Grupo de Publicações/Editorial (GPE) e

finalmente o Grupo de Estudo e Doutrina (GED).

A) Grupo de Levantamento da Conjuntura (GLC)

Conhecido também como Grupo de Pesquisa, o GLC realizava o

acompanhamento dos acontecimentos políticos oriundos de todas as áreas para poder

esboçar mudanças táticas e acompanhar a evolução da situação, influenciando em seu

processo.

Era o grupo responsável por fixar diretrizes para as atividades dos Grupos de

Ação que atuavam no Congresso, além de estabelecer influência junto aos partidos

políticos, aos estudantes, à Igreja, aos camponeses, às Forças Armadas e à mídia,

encarregando-se inclusive do Setor de Exército e Informação, principalmente dos I e III

Exércitos.

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O líder do GLC era o General Golbery do Couto e Silva. Sua equipe era

responsável pela produção de trabalhos táticos e estratégicos que forneciam as diretrizes

dos projetos. Sua principal atuação ficava a cargo de sua perícia. Era ele quem levantava

informações através de uma íntima rede de militares eficientes, como o Capitão Heitor

Almeida Herrera. Juntos, eles criaram uma conexão com um grupo de oficiais de alta

patente, que logo passaram a colaborar declaradamente com o IPES, e que

coincidentemente, estariam presentes no comando do Golpe de 1964. São eles: os

Generais Jurandir B. Mamede, Ernesto Geisel, Ademar de Queiroz, Idálio Sardenberg,

Cordeiro de Farias e Ulhoa Cintra.

Através do apoio militar, de 1962 a 1964, o IPES conquistou um sistema de

informação capaz de controlar a influência comunista no governo. Estas descobertas

eram distribuídas posteriormente de forma regular entre os oficiais militares-chaves e

demais pessoas por todo o Brasil.

Estas informações eram compiladas em dossiês que identificavam indivíduos e

grupos comunistas além de trazer um mapa que traçava a estrutura e pessoas-chave das

supostas organizações subversivas.

Qualquer semelhança com o Sistema Nacional de Informação (SNI) não é mera

coincidência. Golbery, após 1964, utilizou-se de toda informação coletada através do

GLC do IPES para criar o SNI, órgão que adquiriu uma roupagem institucional após o

Golpe e continuou a monitorar os indivíduos durante o Regime Militar. Apenas durante

o período de existência do IPES, o GLC chegou a grampear cerca de três mil telefones

no Rio de Janeiro.

B) Grupo de Assessoria Parlamentar (GAP)

“Toda menção ao Grupo de Assessoria Parlamentar deve

ser suprimida. Talvez deva-se falar em termos de

Escritório de Brasília”. 115

O GAP era o canal de financiamento do IPES para suas ligações parlamentares.

Desenvolvia e coordenava a campanha política contra João Goulart em Brasília através

de sua rede de contatos com órgãos do governo e com grupos políticos.

115 Ibdem. p. 207

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As atividades eram realizadas através da Ação Democrática Parlamentar (ADP)

que era liderada pelo deputado udenista João Mendes, considerado o mais importante

elo entre o IPES e o Congresso e chefiado pelo banqueiro Jorge Oscar de Mello Flores,

assessorado pelo Paulo Watzel e Francisco Nobre de Lacerda em Brasília e, no Rio,

pelo escritor José Rubem Fonseca.

Segundo o líder ipesiano, Miguel Lins, o GAP deveria “aconselhar o Congresso,

estar dentro dele, ter um homem do IPES dentro dele”, além de sugerir que o IPES

oferecesse “assessoria técnica ao líder do PSD, Amaral Peixoto, para trabalhar dentro da

Câmara”. 116

Para alguns membros do IPES, como Antônio Galotti, era necessário que se

tivesse um “deputado atuante em cada uma das casas do congresso” e mais, avaliavam

que o ideal seria “ter elementos na Câmara, fora dela, na imprensa etc. O IPES ficaria

por trás deles, dando apoio e sugerindo soluções”, 117 de acordo com Israel Klabin, líder

ipesiano.

A partir de 1962, através da ADP, o IPES passou a praticamente controlar a

Câmara dos Deputados e o Senado, atuando como uma força-tarefa capaz de manter

uma ação contínua contra o governo e seu apoio parlamentar.

C) Grupo de Opinião Pública (GOP)

“disseminação dos objetivos e atividades do IPES por

meio da imprensa falada e escrita”, levando “a opinião

pública os resultados de sua pesquisa e estudos” (NOTA)

O grupo tinha como objetivo manipular a opinião pública, sendo o termo

inclusive evitado, substituído por “divulgação” ou “promoção” de informações.

Os principais integrantes do GOP no Rio de Janeiro eram: Nei Peixoto do Valle,

José Luiz Moreira de Souza (proprietário da Denisson Propaganda), Glauco Carneiro

(escritor, jornalista), José Rubem Fonseca (editorais de jornal e filmes), Hélio Gomide e

o General Golbery.

116 Ibdem. p. 207. 117 Ibdem.

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Em São Paulo, Paulo Ayres Filho (trabalhava com educação/doutrinação

política/propaganda geral) e associado do complexo IPES/IBAD, Geraldo Alonso

(proprietário da Norton Propaganda)

Eles contavam com a colaboração de Ennio Pesce, Flávio Galvão de O Estado

de São Paulo e Luiz Cássio dos Santos Werneck e outros como Silveira Lobo (Denisson

Propaganda), Evaldo Pereira Simas, Jorge Sampaio e Alves de Castro, do “Repórter

Esso para todo o Brasil” da TV Tupi.

Para o Capitão Herrera, o GOP era a base de toda a engrenagem.

Segundo Dreifuss, o grupo possuía 4 linhas de ação mais importantes:

“1) resguardar a segurança do IPES

2) disseminar declarações feitas pelo Grupo de Estudo e

Doutrina do Rio e o Grupo de Doutrina e Estudo de São

Paulo

3) “projetar doutrina”, o que envolvia a realização de

princípios e objetivos básicos do IPES, entre os diferentes

setores da população considerados como alvos

adequados para as atividades

4) Retroalimentar com avaliações e dados o Grupo de

Levantamento da Conjuntura”. 118

E para que os objetivos fossem atingidos, era necessário que a projeção da

doutrina fosse realizada de 3 formas diferentes, de acordo com o esquema desenvolvido

pelo General Golbery:

“1) aparecer primeiro com o nome do IPES

2) sem o nome do IPES

3) como “doutrina democrática”. 119

A princípio, eram os próprios associados do IPES o público alvo da propaganda

do GOP. Ele publicava notícias, editava boletins mensais, divulgava matérias na mídia,

118 Ibdem. p. 209. 119 Ibdem. p. 210.

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elaborava material para recrutas em potencial, além de disseminar uma variedade de

material de divulgação. Posteriormente, as atividades passaram a ser direcionadas aos

diferentes segmentos culturais, políticos e sociais da opinião pública.

D) Grupo de Publicações/Editorial (GPE)

De acordo com Dreifuss (2006):

“Organizou uma ‘cadeia de veículos de divulgação’,

através da qual disseminava material impresso e visual

com a mensagem ideológica “apropriada” pelos quatro

cantos do país. Juntamente com o GLC e GOP conduzia

uma campanha de guerra psicológica organizada pelo

IPES”.120

O GPE era supervisionado pelo líder ipesiano José Rubem Fonseca, que ficava

encarregado da Unidade Editorial, enquanto as publicações eram realizadas pelo

General Liberato da Cunha Friedrich, que recebua orientação de uma comissão de

escola para a publicação de livros formada por José Garrido Torres, auxiliado pelo

Capitão Heitor Herrera.

O grupo era essencialmente composto por profissionais da mídia como: osé

Francisco Coelho (ex-jornalista do Jornal do Commercio); Wilson Figueiredo (editor do

Jornal do Brasil) e os poetas e romancistas Augusto Frederico Schmidt, Odylo Costa

Filho e Raquel de Queiroz.

A cruzada empreendida pelo GPE consistia em traduzir e distribuir material

impresso anticomunista, antitrabalhista e antipopulista, além de publicar notícias e

opiniões que ratificassem as propostas ipesianas, como é o caso da escritora Raquel de

Queiroz que escreveu para a Revista O Cruzeiro, do Grupo Diários e Emissoras

Associados de Assis Chateaubriand.

De acordo com Dreifuss (2006), as publicações eram realizadas de três formas:

120 Ibdem. p. 211.

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1) (os mais fáceis e menos dispendiosos), os artigos feitos para os jornais e

revistas do país, que lidam com a atualidade numa linguagem acessível ao grande

público;

2) Publicações de panfletos para divulgação entre estudantes, militares,

trabalhadores de indústrias e pessoal administrativo em geral;

3) Publicação de livros dentro do que o IPES considerava ser uma linha

democrática moderna. Essa linha equiparava democracia e empresa privada, o que

geraria benefícios sociais; assim seria o marco ideológico brasileiro do neocapitalismo.

Esta facilidade de penetração na mídia era possível, pois alguns dos associados

do IPES eram proprietários, diretores ou estavam intimamente ligados a empresas de

publicação e companhias editoriais que colocavam sua infra-estrutura comercial e

técnica, seu equipamento, seu pessoal e perícia à disposição do IPES.

É o caso das editoras cariocas Editora Agir (Cândido Guinle de Paula Machado),

O Cruzeiro (Assis Chateaubriand) e a Gráfica Gomes de Souza (Gilbert Huber Jr.). Em

São Paulo houve um grande impulso diante da proposta da Editora Saraiva, que

consistia num plano de publicações através do qual a Editora Saraiva daria ao IPES a

oportunidade de examinar os trabalhos editados por ela e publicaria sempre que se

fizesse necessário, os panfletos e traduções do IPES.

E) Grupo de Estudo e Doutrina (GED)

Era responsável por preparar estudos que se tornavam a base para teses e

diretrizes a longo prazo e também os projetos de lei e emendas apresentados no

Congresso através dos membros da ADP.

Entre suas principais publicações está o panfleto O que é o IPES? Declarações

de princípios e reformas de base – apresentada na linguagem ideológica da “Aliança

para o Progresso”.

A doutrina disseminada pelo IPES consistia essencialmente no envolvimento

político dos empresários que deveriam cumprir suas atividades como tais, uma vez que

as necessidades básicas do homem seriam melhor satisfeitas através de um sistema de

empresa privada.

Desta forma, o GED supervisionava a ação do Instituto na mídia preparando os

argumentos para exposição e discussão, fornecendo linhas ideológicas e, de fato,

coordenando o material de propaganda relativo à figuras políticas importantes,

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sindicalistas, empresários, e personalidades artísticas ou literárias a ser usado nas

apresentações de televisão e programas regulares de rádio.

Para manter o financiamento do Instituto, existia ainda o Grupo de Integração –

Setor de Ação Empresarial, que segundo Dreifuss, tinha como objetivo

“integrar pessoas e corporações dentro do espírito

democrático do IPES e ao mesmo tempo angariar

contribuições financeiras para as atividades do Instituto.

Na realidade, constituía uma rede de unidade para a

mobilização econômica dos empresários em apoio ao

IPES. Os empresários eram aliciados a participar da

ação liderada pelo IPES com intensidade variável de

engajamento político-econômico. O grupo de integração

recrutava associados e patrocinadores das diferentes

frações empresariais e, dessa forma, várias equipes foram

colocadas em campo, capazes de operar com facilidade

nos muitos níveis e entre diversos setores da classe

dominante. Conduziam-se as atividades de recrutamento,

tendo em mente o potencial econômico e as possibilidades

políticas dos recrutas. O grupo servia também ao objetivo

geral do IPES de estabelecer sua hegemonia política e

ideológica no bloco burguês. Boletim Mensal. 1964, n.

23”. 121

III.3. A Propaganda Golpista

Os grupos de ação do IPES utilizaram-se principalmente dos meios de

comunicação na tarefa de disseminar sua ideologia. O intuito das atividades

121 Ibdem. p. 216

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101

empreendidas pelo Instituto era demonstrar a importância do papel da empresa privada

na elaboração de estudos que buscavam viabilizar os investimentos estrangeiros no país.

Para isso, a elite econômica atuava através de uma campanha ideológica e social

capaz de atingir toda a sociedade na divulgação de suas metas e objetivos. Os esforços

eram manobrados em uma única direção: alcançar o maior número possível de

receptores para que o governo de João Goulart não tivesse apoio em nenhuma das

classes, ao mesmo tempo em que buscava recrutar novos quadros para o IPES.

A doutrinação atingia, desta forma, dois públicos: os indivíduos que já eram

membros do IPES e/ou aqueles que se queria recrutar entre empresários, militares,

intelectuais, técnicos, etc; e o homem comum.

Aos dois grupos, a mensagem chegava através de um processo de

conscientização de si próprio e de suas responsabilidades diante da realidade nacional,

causando um grande impacto ideológico.

Eles atacavam principalmente o comunismo/socialismo, a oligarquia rural e o

populismo. Sua máxima era de que a prosperidade do país e subseqüente melhoria de

vida da população dependiam da iniciativa privada para serem concretizadas, propondo

assim, uma menor intervenção do Estado e a derrubada de um governo de tendência

socialista. O que ocorria na prática, era um “encurralamento pelo pânico organizado”.

Os empresários queriam moldar a consciência e a organização dos setores

dominantes estabelecendo uma ideologia orientada a formar uma classe unificada,

preocupada com os problemas nacionais e que buscava a solução para os mesmos

mediante a modernização e o conservadorismo sociopolítico.

Segundo Dreifuss (2006):

“Os canais de persuasão e as técnicas mais comumente

empregadas compreendiam a divulgação de publicações,

palestras simpósios, conferências de personalidades

famosas por meio da imprensa, debates públicos, filmes,

peças teatrais, desenhos animados, entrevistas e

propaganda no rádio e na televisão. Incluía a publicação

de livros, panfletos, periódicos, jornais, revistas e

folhetos. Saturava o rádio e a televisão com suas

mensagens políticas e ideológicas. Os jornais publicavam

seus artigos e informações. Para alcançar essa extensão

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102

de atividades variadas, o IPES alistava um grande

número de escritores profissionais, jornalistas, artistas de

cinema e de teatro, relações públicas, peritos da mídia e

de publicidade”. 122

O IPES realizou um assalto a opinião pública, pois possuía uma estreita relação

com os principais jornais, rádios, revistas e televisões como: os Diários e Emissoras

Associados (poderosa rede de jornais, rádio e televisão de Assis Chateaubriand, por

intermédio de Edmundo Monteiro, seu diretor-geral e líder do IPES), a Folha de São

Paulo (do grupo de Octavio Frias, associado do IPES), O Estado de São Paulo e o

Jornal da Tarde (do Grupo Mesquita, ligado ao IPES, que também possuía a prestigiosa

Rádio Eldorado de São Paulo); J. Dantas, do Diário de Notícias; a TV Record e a TV

Paulista, ligadas ao IPES através de seu líder Paulo Barbosa Lessa; o Jornal do Brasil,

o Correio do Povo, O Globo, entre outros.

Na televisão, criou uma poderosa rede de relação que possibilitou que suas

mensagens contra o governo atingissem os telespectadores. Alguns dos programas

produzidos pelo IPES foram: séries como “Frente a Frente, com apresentações

individuais de questões polêmicas como “Que Pensa Você sobre a Reforma Agrária?”,

na TV Cultura, os programas “ Esta é a Notícia”, “Assim é a Democracia”,

“Democracia em Marcha”, “Julgue Você Mesmo”, entre outros vários programas que

eram transmitidos em várias estações de televisão e retransmitidos no rádio.

Utilizou também o rádio, sobretudo com a proteção do IBAD que apresentava

programas em trinta e quatro das principais cidades, sendo que em 1962, ele tinha 51

programas em horários nobres nos dias de semana e transmissões especiais aos sábados

e domingos.

De acordo com Dreifuss (2006):

“No auge de suas atividades, dispunha de mais de oitenta

apresentações semanais no rádio, para todo o país, nos

horários especiais. Através de 82 estações, transmitia

programas como “Congresso em Revista” e “A Semana

em Revista”. Produzidas em linguagem popular, tais

122 Ibdem. p. 249

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103

apresentações levavam aos ouvintes os pontos de vista da

elite, que por sua vez, também formava sua própria

“Cadeia de Democracia”, compreendendo mais de cem

estações de rádio em todo o Brasil”. 123

Ainda de acordo com o autor, de outubro de 1963 até o golpe em 1964, as redes

organizadas pelos Diários Associados, através de João Calmon e outros, disputavam a

audiência com os programas de Leonel Brizola na Rádio Mayrink, interferindo nas

transmissões através de seus a esquerda trabalhista.

No próximo capítulo analisaremos de forma mais específica a campanha

ideológica empreendida pelo IPES através do cinema.

123 Ibdem. p. 267.

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104

Capítulo IV – A PROPAGANDA IPESIANA NOS DOCUMENTÁRIOS DE JEAN

MANZON

IV.1. O Gênero Documentário no Brasil

Segundo a classificação de Aumont e Marie (2006), o gênero documentário pode

ser definido como uma

“montagem cinematográfica de imagens visuais e

sonoras dadas como reais e não fictícias. O filme

documentário tem, quase sempre, um caráter didático ou

informativo que visa, principalmente, restituir as

aparências da realidade, mostrar as coisas e o mundo

tais com eles são”. 124

Não nos compete realizar uma análise detalhada sobre a teoria do cinema e seus

desdobramentos, mas é importante dizermos que, ainda para os autores, existe uma

grande discussão sobre o caráter real que é atribuído ao documentário em oposição à

ficção, pois adotando-se esta premissa, conclui-se que a referência na produção é o

mundo real, ou seja, que o mundo representado existe realmente fora do filme, o que

pode favorecer a construção de um imaginário coletivo acerca da realidade, como os

filmes de ficção.

Conforme observamos no primeiro capítulo do presente trabalho, o cinema

começou a ganhar notoriedade no Brasil no final da década de trinta, no período do

Estado Novo. Entre 1937 e 1945, sob os auspícios do DIP, o governo Vargas implantou

vasta campanha política para exaltar sua imagem e a de seu governo, sobretudo através

dos cinejornais.

Altafini (1990) ao citar Bernadet em seu trabalho, diz que para o autor neste

período de implementação do documentário no Brasil “a câmera do documentarista era

124 AUMONT, Jacques e MARIE, Michel. Dicionário Teórico e Crítico de Cinema. Campinas: Papirus Editora, 2006, 2ª ed., p. 86.

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105

a câmera do poder”, 125 visto que a produção deste gênero cinematográfico estava

associada à elite das quais dependiam os cineastas.

O quadro não mudou na década de 40, quando a classe economicamente

dominante ainda era a principal financiadora das produções que estavam voltadas para

documentários sobre as empresas ou empreendimentos comerciais. A mudança só vem a

ocorrer em 1949, quando em São Paulo é estabelecida a Companhia Cinematográfica

Vera Cruz, do engenheiro italiano Franco Zampari, que propõe uma produção industrial

para o cinema brasileiro.

Entre 1952 e 1953 nasce o Cinema Novo no Brasil, fruto de inúmeras discussões

realizadas em Congressos sobre Cinema. Com o objetivo de criar uma postura crítica

diante da realidade brasileira, a nova tendência teve um papel importante no gênero

documentário, pois tinha a intenção de demonstrar que ele nada mais era que o recorte

de uma realidade e não uma verdade absoluta que não permitia diferentes

interpretações.

Neste período novas tecnologias de filmagem e som chegaram ao Brasil,

possibilitando a ampliação da produção cinematográfica. Câmeras mais leves e

compactas como as de 35 mm e 26 mm, permitiram dar às produções mais movimento e

consequentemente novas formas de trabalhar com as imagens. São desta época também

os gravadores portáteis, que possibilitaram a gravação do áudio do filme

simultaneamente a gravação das cenas, pois antes a sonorização era realizada

posteriormente em estúdio, muitas vezes utilizando-se somente da voz do narrador.

Desde 1932 através do Decreto nº 21.240 de 4 de abril, era estabelecido que

todos os cinemas do país deveriam exibir antes das sessões um curta-metragem de

produção nacional.

Muitas eram campanhas comerciais, institucionais e outras possuíam caráter

político, como no caso das campanhas produzidas pelo IPES, que produziu no total 14

documentários que tinham em torno de 8 e 16 minutos que possuíam em comum a

valorização da mensagem liberal-conservadora, dos princípios cristãos e do

anticomunismo.

125 ALTAFINI, Thiago. Cinema Documentário Brasileiro. Evolução Histórica da Linguagem. 1999, p. 8. Disponível em <http://www.bocc.uff.br/pag/Altafini-thiago-Cinema-Documentario-Brasileiro.pdf>. Acesso em: 20 de junho 2010.

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De acordo com Correa (2005) os filmes foram realizados entre os anos de 1962 e

1963, período em que o Brasil atravessava uma crise conjuntural e o governo de João

Goulart sofria forte pressão dos diferentes grupos sociais diante da urgência da

reestruturação do Estado.

Os filmes demonstram claramente a postura adotada pelos empresários diante

das dificuldades vividas pelo país. O que podemos observar de modo geral, é que as

soluções apresentadas ao caos, a estagnação, à república sindical-socialista de Jango

está pautada na democracia e na racionalidade, típica do capital privado, nas funções de

administração pública.

Para os membros do IPES, sobretudo a classe empresarial, o Estado era

ineficiente em todos os campos de atuação e reproduzia através de sua retórica

demagógica a pobreza, a ignorância, além de não realizar investimentos em educação,

em setores públicos, na infra-estrutura, enfim, era necessário que o capital privado

tomasse a iniciativa para que o país pudesse desenvolver-se.

Seguindo a estratégia de atividades do Instituto apresentadas no capítulo

anterior, ao observarmos a mensagem presente nos filmes, percebemos que alguns têm

como objetivo a doutrinação dos próprios empresários enquanto outros são voltados à

população em geral, o que garantia o recrutamento de novos quadros para o Instituto,

aumentando a sua receita e permitia com a adesão popular a desarticulação do governo

Goulart.

Os filmes buscam abranger todos os problemas nacionais com suas respectivas

soluções de acordo com o modelo social e econômico que visam a defesa dos interesses

do capital privado no país.

Anteriormente, vimos quais eram os principais objetivos do IPES e de que forma

eles atuavam para que eles pudessem ser difundidos na sociedade. Os filmes que

analisaremos estabelecem uma particular relação com estas propostas.

De acordo com Correa (2005):

“conforme o documento ‘Definição de Atitudes’, o

respaldo filosófico para suas ações era tirado da

encíclica Master et Magistra, do papa João XVIII e do

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programa ‘Aliança para o Progresso’, organizado pela

administração norte-americana de John Kennedy”. 126

Correa (2005), através da análise de documentos da produtora de Jean Manzon,

a Jean Manzon Films e posteriormente Jean Manzon Produções Cinematográficas,

apresenta uma carta comercial enviada pelo advogado Luiz Cássio dos Santos Werneck,

membro do CO e do CF do IPES de São Paulo, solicitando que a produtora se

pronunciasse urgentemente “sobre a possibilidade de realizar filmes documentários

baseados em quatro ‘séries’: Histórica; Descobrimentos e Conquistas; Social Positiva e

Social Negativa”. 127

O autor traz ainda uma consideração sobre um filme produzido pelo IPES e que

diante de uma contradição sobre a origem da produtora, não foi analisado em seu

trabalho, o filme A boa empresa, que talvez tenha sido produzida por Carlos Niemeyer e

assinado por Jean Manzon porque os dois eram sócios naquela época.

Para além da divulgação no cinema, os documentos de uma reunião de 03 de

janeiro de 1963 indicam que a Comissão Executiva do IPES de São Paulo, tinha a

intenção de comprar um ônibus cine-biblioteca destinado a exibição dos filmes.

Financiado por grandes companhias como a Mesbla S.A., que fornecia

equipamentos de projeção, a Mercedez Benz e a CAIO que contribuíam com o

transporte.

Segundo Dreifuss (2006):

“Objetivando atingir aqueles que não tinham condições

financeiras para adquirir uma entrada de cinema, o IPES

montava projetores em caminhões abertos e ônibus com

chassis especiais, mostrando os filmes não só nas favelas

e bairros urbanos mais pobres das maiores cidades do

Brasil, mas também por todo o interior dos Estados. Esse

projeto seguia a idéia lançada por Oswaldo Tavares, de

126 CORREA, Marcos. O Discurso Golpista nos Documentários de Jean Manzon para o IPÊS (1962/1963). 2005. 290 f. Dissertação (Mestrado em Multimeios) – Universidade de Campinas, 2005, p. 17. 127 Ibdem. p. 82.

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108

um ‘cinema ambulante’ para as seções mais pobres do

Rio.” 128

IV.2. Os filmes ipesianos

O acervo de filmes produzidos pelo IPES, encontrados hoje no Arquivo

Nacional do Rio de Janeiro e divulgados através do trabalho da jornalista Denise

Assis129, é composto de 14 documentários.

Os filmes são: 1) O Brasil precisa de você; 2) Nordeste problema nº 1; 3)

História de um maquinista; 4) A vida marítima; 5) Depende de mim; 6) A boa empresa;

7) Uma economia estrangulada; 8) O IPÊS é o seguinte; 9) Portos Paralíticos; 10) O

que é o IPÊS; 11) Criando homens livres; 12) Deixem o estudante estudar; 13) Que é a

democracia?; 14) Conceito de Empresa.

Antes de iniciarmos a análise dos documentários, é importante dizermos duas

coisas, primeiro que nosso trabalho foi empreendido no sentido de extrair de cada filme

o seu respectivo conteúdo político que pudesse não apenas ratificar as intenções do

Instituto, mas demonstrar a interpretação dos chamados “chefes de empresa” diante do

cenário social, econômico e político do Brasil; segundo que um dos filmes em questão,

o de número 4, não apresenta uma estrutura comum aos outros documentários e por

isso, não o analisaremos neste trabalho.

De acordo com a intencionalidade de cada filme, pudemos reuni-los em 3 tipos:

Posicionamento, Conscientização e Proposição.

Os filmes de Posicionamento estão subdividos em: Posicionamento Ideológico e

Político (O Brasil precisa de você, A boa empresa e O que é o IPÊS?); Social e Político

(Nordeste problema número 1) e Social e Político com ênfase nas Políticas Públicas

(História de um maquinista, Uma economia estrangulada e Portos paralíticos).

Observamos que os filmes pertencentes a este tipo possuem uma estrutura comum qual

seja: uma crítica geral, uma crítica focada no governo e a solução apontada pelo

Instituto.

Os filmes de Conscientização, por sua vez, possuem duas categorias: o filme

com um discurso voltado ao homem comum (Depende de mim, Criando homens livres e

128 DREIFUSS, René Armand. 1964: A Conquista do Estado – Ação Política, Poder e Golpe de Classe. Petrópolis: Vozes. 2006, 6ª ed, p. 169. 129 ASSIS, Denise. Propaganda e Política a serviço do Golpe (1961/1964). Rio de Janeiro: Mauad, 2000.

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109

Que é democracia?) e outro voltado ao empresariado (Conceito de empresa). Neste tipo

de classificação, fica evidente a questão da ramificação da doutrinação do IPES –

quadros internos e população. De forma geral, buscam despertar nas diferentes classes,

de acordo com os limites estabelecidos para cada uma, atitudes que estejam aparadas

pela boa moral, pela família e pela religião e o comportamento ideal para a superação

dos problemas nacionais.

Possuem também uma estrutura de crítica geral e solução, mas o da primeira

categoria não apresenta uma crítica focada ao governo. A explicação por nós encontrada

é que, como se trata de filmes com uma mensagem destinada ao público geral, os

empresários não criticaram abertamente a oposição, principalmente porque a intenção

de um dos documentários é despertar a consciência do voto, diante do pleito que se

aproxima.

O último tipo trata justamente de estabelecer o Estado que o IPES considera

como o ideal a ser buscado com a interferência ativa da iniciativa privada (O IPÊS é o

seguinte, Deixem o estudante estudar). Sua estrutura é ainda mais resumida. Não

existem críticas gerais e tão pouco críticas dirigias ao governo; são apresentadas

soluções para os vários problemas nacionais a partir da lógica do capital privado e assim

estabelece-se o país que eles almejam.

Através do quadro seguinte podemos identificar as principais questões

apresentadas pelos filmes e analisa-las de forma detalhada:

Quadro 4 – Tipologia dos Documentário

TIPOS Crítica Geral Crítica Focada no

Governo

Solução

Posicionamento

Ideológico e Político

Ditaduras na Europa e

Cuba / imagem distorcida

da empresa privada

Comodismo/

miséria/ineficiência/

inflação/ greves

Democracia/ estabilização

da moeda/ superação do

subdesenvolvimento/

elevação do nível de vida/

redistribuição da renda/

diminuição das

desigualdades/ controle da

inflação/ convocação da

elite para a ação

Posicionamento Social e

Precariedade das

condições do trabalho e

Frentes de trabalho

ineficazes/ falta de

Crédito agrícola

supervisionado/ melhor

aproveitamento das terras

úmidas/ investimento em

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Político vida no nordeste/ alta

mortalidade infantil/

ignorância/ seca/ fome/

imigração

cuidados com a saúde dos

trabalhadores/ reduzido

número de obras de

irrigação

energia/ racionalização da

agricultura/

industrialização do campo

Posicionamento Social e

Político com ênfase nas

Políticas Públicas

Precárias condições do

transporte público de

mercadorias e passageiros/

estradas e portos velhos/

uso de métodos antiquados

para a ampliação e

manutenção dos trens e

navios/ precariedade dos

portos/ congestionamento

de navios/ acidentes nas

estradas de ferro/ baixa do

comércio e produtividade

Excesso de burocracia/

empreguismo/ falta de

uma política de transporte

público eficiente/

economia atrasada

Investimento privado/

novas técnicas para a

construção de linhas

férreas e novos navios/

modernização de

equipamentos/

mecanização de

operações/ planejamento/

saneamento administrativo

Conscientização para o

Homem Comum

Regimes autoritários/

comunismo/ favelas/

miséria/ juventude

transviada/ desvios morais

como álcool e cigarro,

criminalidade/

analfabetismo

__________

Voto consciente/

desenvolvimento

industrial/ liberdade/

segurança/ educação

Conscientização para o

Empresário

Visão que a população

tem dos chefes de

empresas/ falta de

interesse e omissão dos

empresários

Estatização das empresas/

discurso demagógico/

espalha discórdia entre o

povo e mentiras sobre a

empresa privada

Apresentar as

responsabilidades sociais e

utilidade pública das

empresas privadas através

da propaganda-imprensa

Proposição

__________

__________

Política fiscal contra a

inflação/ defesa do poder

aquisitivo/ acesso a

cultura/ intervenção do

capital privado na

educação/ combate à

polarização esquerda-

direita/ desburocratização

do Estado/

desenvolvimento do país/

Reforma da Legislação

Tributária/ Redistribuição

racional da renda/

investimentos em

saneamento, higiene e

habitação/ assistência

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111

médica/ luta contra o

analfabetismo/ ensino

técnico/ industrialização/

justa remuneração do

trabalhador/ esforço

coletivo/ espírito de

“brasilidade”/

compromisso com o

estudante

O planejamento e a racionalidade são termos muito utilizados pelos

idealizadores do IPES e podem ser observados no discurso do narrador em praticamente

todos os filmes. O Instituto realizava todas as suas atividades baseado em muita técnica

e perícia que permitiu que eles desenvolvessem, tal qual fizeram no governo JK, com o

Planos de Metas, um Plano de Governo. Esta observação é possível diante das propostas

elaboradas pelos técnicos do IPES e que são apresentadas nos documentários, sobretudo

nos de Posicionamento e de os de Proposição, onde para temas como transporte, saúde,

educação, Reforma Agrária, inflação, greve, entre outros são apresentados projetos de

reestruturação.

No quadro seguinte podemos observar melhor esta questão ao analisarmos as

principais bandeiras defendidas pelo Instituto e a sua ocorrência em cada filme:

Quadro 5 – Ocorrência das metas do IPES nos documentário

Filme Democracia Anticomunismo Liberalismo Cristianismo Valores

Morais

Desenvolvimento/

Industrialização

Empresa

Privada

Reforma

Econômica

1 SIM SIM SIM NÃO NÃO SIM SIM SIM

2 NÃO NÃO SIM NÃO NÃO SIM SIM SIM

3 NÃO NÃO SIM NÃO NÃO SIM SIM SIM

4 - - - - - - - -

5 SIM SIM SIM NÃO SIM SIM SIM SIM

6 SIM SIM SIM SIM NÃO SIM SIM SIM

7 NÃO NÃO SIM NÃO NÃO SIM SIM SIM

8 SIM SIM SIM SIM SIM SIM SIM SIM

9 NÃO NÃO SIM NÃO NÃO SIM SIM SIM

10 SIM SIM SIM NÃO NÃO SIM SIM SIM

11 SIM SIM SIM NÃO SIM SIM SIM SIM

12 SIM SIM SIM SIM SIM SIM SIM SIM

13 SIM SIM SIM NÃO SIM SIM SIM SIM

14 SIM NÃO SIM NÃO NÃO SIM SIM SIM

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Conforme podemos observar a questão econômica, no quadro representada pelo

liberalismo, desenvolvimento/industrialização/ empresa privada e reforma econômica,

são variáveis presentes em todos os documentários apresentados, o que reitera nossa

questão central de que a propaganda empreendida pelo Instituto tinha como base

principal a manutenção de seus interesses de classe.

A mensagem passada pelo IPES através dos documentários analisados reflete

um discurso absolutamente conservador partilhado principalmente pela UDN e pelas

Forças Armadas, e embora o Instituto em momento nenhum tenha se posicionado como

direita, criticando inclusive em diversos momentos a polarização entre esquerda e

direita. Esta questão é muito importante, pois mesmo propondo a redistribuição da

renda, a melhoria de vida dos trabalhadores urbanos e rurais a manutenção das classes é

condição fundamental para que a democracia possa ser plena e efetiva.

O que podemos abstrair do todo é que a luta deveria ser empreendida em uma

única direção: o Executivo nacional-reformista de João Goulart. Era ele o responsável

pela demagogia, pela burocracia, pelo atraso, pelo caos econômico, pelas manifestações

populares, pela desvalorização do homem, enfim, educando a sociedade a votar

conscientemente pela democracia, pela paz e pela ordem.

Sua mensagem atravessou o país e encontrou espaço entre as mais diversas

classes. De forma muito peculiar, a população estava realmente saturada com as

promessas de João Goulart, eles buscavam melhorias salariais, melhoria na condição de

vida, do poder de aquisição e era justamente isso o que o IPES vinha propor naquele

momento. Obviamente não podemos falar em uma adesão que represente 100% da

população, mas de maneira geral, o discurso ipesiano encontrava ecos diante de sua

coerência.

A nação exigia mudanças e naquele momento a alternativa mais viável para que

isso acontecesse era a deposição de João Goulart. E assim foi feito: civis e militares

angariando para si o apoio popular, destituíram o Executivo em exercício e

estabeleceram um novo período na história brasileira – O Regime Militar.

Não nos compete analisar este período em si, mas Dreifuss aponta que após o

Golpe, muitos dos membros civis que lideraram o movimento contra João Goulart

passaram a exercem importantes funções no interior do Estado.

De acordo com o autor:

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“O associados e colaboradores do IPES moldaram o

sistema financeiro e controlaram os ministérios e os

principais órgãos da administração pública,

permanecendo e cargos privilegiados durante o governo

de Castello Branco, exercendo sua mediação de poder.

Com um programa de governo que emergira da direita do

espectro político e social, os ativistas do IPES impuseram

uma modernização da estrutura socioeconômica e uma

reformulação do aparelho do Estado que beneficiou, de

maneira ampla, as classes empresariais e os setores

médios da sociedade, em detrimento das massas. O golpe

de abril de 1964 desdobrou-se numa transformação do

Estado; o programa do IPES trazia em seu bojo uma

regeneração capitalista”. 130

O IPES encerrou suas atividades em 1972, período que não nos compete analisar

neste trabalho, mas vale ressaltar que muitos de seus propósitos conservadores e

desenvolvimentistas estão presentes até hoje entre os grupos empresariais e na política

brasileira, sendo ainda disseminados pela mídia, grande aliada do passado, na orientação

de políticas públicas, de planejamento econômico e demais atividades empreendidas

pelo Executivo nacional.

130 DREIFUSS, René Armand. 1964: A Conquista do Estado – Ação Política, Poder e Golpe de Classe. Petrópolis: Vozes. 2006, 6ª ed, p. 440.

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CONCLUSÃO

A elite econômico formada a partir do processo de industrialização do Brasil,

sobretudo durante a década de 50, buscou ao longo dos anos estabelecer seus objetivos

através de um processo de disseminação ideológica que fosse capaz de atender a sua

demanda.

Com a criação do IPES em 1961, ela empreendeu uma campanha de forte apelo

emocional destinada a todas as classes e que tinha como objetivo principal destituir do

poder o então presidente João Goulart.

Nossa análise buscou demonstrar de que forma isto foi possível e chegamos a

uma conclusão: através de seus contatos no interior das Forças Armadas, que

partilhavam dos mesmos princípios e sua estreita relação com os dirigentes das

principais empresas de comunicação.

Sua mensagem foi difundida por todo o Brasil e aos poucos sua doutrina foi

sendo recebida, principalmente porque o contexto no país, demonstrado ao longo do

trabalho, comprova que a população estava insatisfeita com o governo vigente e

buscava mudanças; as greves e manifestações eram provas disso.

O meio empresarial não poupou esforços para que o capital privado, principal

bandeira do IPES fosse defendida. A propaganda levava ao público receptor a idéia de a

única maneira de salvar o país, proporcionando seu desenvolvimento, a melhoria na

distribuição de renda, a diminuição do analfabetismo e da miséria, a vitória da

democracia sobre o comunismo, enfim, era a empresa privada que deveria tomar para si

estas responsabilidades.

Até hoje estas questões continuam em evidência no Brasil. O quadro

apresentado pelos documentários do IPES não são em sua maioria, diferente do que

vemos hoje, inclusive no que diz respeito a campanha ufanista dirigida à nação.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ALTAFINI, Thiago. Cinema Documentário Brasileiro. Evolução Histórica da Linguagem.

1999, p. 8. Disponível em <http://www.bocc.uff.br/pag/Altafini-thiago-Cinema-Documentario-

Brasileiro.pdf>. Acesso em: 20 de junho 2010.

ALTHUSSER. Louis. Aparelhos Ideológicos de Estado: notas sobre os aparelhos ideológicos

de Estado. 2ª edição. Rio de Janeiro: Edições Graal, 1985.

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09 de junho 2009. (ANEXO)

VILLA, Marcelo Antonio. Jango: Um Perfil. São Paulo: Globo, 2003, p. 206. apud ATASSIO,

Aline Prado. A Batalha pela Memória: Militares e o Golpe de 1964. 2007. 184 f. Dissertação

(Mestrado em Ciências Sociais) – Universidade Federal de São Carlos. 2007.