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ATIVIDADES CRIATIVAS DOS LIVROS DIDÁTICOS PODEM SER EXPLORADAS COM RECURSOS DIGITAIS? Reinaldo Afonso Mayer 1 Este texto vai de encontro a uma preocupação dos professores com o interesse dos jovens de hoje, principalmente aqueles de escola pública que, às vésperas ou não dos vestibulares, com a facilidade de ter gratuitamente o material didático escrito à sua disposição, convivem com livros grossos e pesados em suas mochilas. Em recente encontro, folheei alguns deles e encontrei informações excelentes que prendem imediatamente a atenção de professores e alunos. Vou, também, por analogia, concluir que pelas características ali tão detalhadas, não são aproveitados em sua totalidade de recursos. Apesar de conter diversas tarefas criativas, os livros didáticos pecam por serem estáticos, com textos longos, muitos deles além ou aquém das realidades regionais, talvez até com muita informação, considerando que seu público- alvo é limitado na aplicação da tecnologia para equilibrar com pesquisas algumas complexidades descritas. Por curiosidade estou revisitando alguns conteúdos dos livros de português 2 das Editoras FTD e MODERNA, que sempre tem propostas de “atividades dinâmicas”, mas confesso que será muito difícil alguém convencer o aluno a se deter com aproveitamento aceitável nas atividades propostas, sem orientação ou algum material complementar, para atingir “duas ordens de critérios: as necessidades de ensino e as possibilidades de aprendizagem”. Vejamos este exemplo, na bibliografia consultada, nem tão recente assim, dirigido a alunos da então 8ª série, num trabalho de segundo bimestre: Figura – atividade sobre o vocabulário jornalístico. 1 Professor de matemática, mas com elemento da família que trabalha com alunos de ensino médio na escola pública e tem biblioteca considerável de livros – do professor - de Português, recentes e mais antigos, que foram excelentes fontes de consulta para este texto. 2 LIVRO DIDÁTICO da FTD “Falando a mesma língua”, de Maria Aparecida Almeida. Caderno de atividades dinâmicas. LIVRO DIDÁTICO de Português-leitura-gramática-produção de texto, volume 1, de Leila Laura Sarmento e Douglas Tufano;

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ATIVIDADES CRIATIVAS DOS LIVROS DIDÁTICOS PODEM SER EXPLORADAS COM RECURSOS DIGITAIS?

Reinaldo Afonso Mayer1

Este texto vai de encontro a uma preocupação dos professores com o interesse dos jovens de hoje,

principalmente aqueles de escola pública que, às vésperas ou não dos vestibulares, com a facilidade de

ter gratuitamente o material didático escrito à sua disposição, convivem com livros grossos e pesados em

suas mochilas.

Em recente encontro, folheei alguns deles e encontrei informações excelentes que prendem

imediatamente a atenção de professores e alunos. Vou, também, por analogia, concluir que pelas

características ali tão detalhadas, não são aproveitados em sua totalidade de recursos. Apesar de conter

diversas tarefas criativas, os livros didáticos pecam por serem estáticos, com textos longos, muitos deles

além ou aquém das realidades regionais, talvez até com muita informação, considerando que seu público-

alvo é limitado na aplicação da tecnologia para equilibrar com pesquisas algumas complexidades

descritas. Por curiosidade estou revisitando alguns conteúdos dos livros de português2 das Editoras FTD e

MODERNA, que sempre tem propostas de “atividades dinâmicas”, mas confesso que será muito difícil

alguém convencer o aluno a se deter com aproveitamento aceitável nas atividades propostas, sem

orientação ou algum material complementar, para atingir “duas ordens de critérios: as necessidades de

ensino e as possibilidades de aprendizagem”. Vejamos este exemplo, na bibliografia consultada, nem tão

recente assim, dirigido a alunos da então 8ª série, num trabalho de segundo bimestre:

Figura – atividade sobre o vocabulário jornalístico.

1 Professor de matemática, mas com elemento da família que trabalha com alunos de ensino médio na escola pública e tem biblioteca considerável de livros – do professor - de Português, recentes e mais antigos, que foram excelentes fontes de consulta para este texto. 2 LIVRO DIDÁTICO da FTD “Falando a mesma língua”, de Maria Aparecida Almeida. Caderno de atividades dinâmicas. LIVRO DIDÁTICO de Português-leitura-gramática-produção de texto, volume 1, de Leila Laura Sarmento e Douglas Tufano;

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Como trabalhar todos os aspectos de um jornal, com as definições, sem ter a mídia a seu favor, e,

principalmente, jornais à disposição de todos?

Como discutir o que é um colunista, correspondente, setorista, diagramador, foca ou redator?

Em minha opinião professores, com conhecimento mínimo de aplicativos básicos, poderiam

perfeitamente “encaixar” numa atividade como esta a produção de um pequeno Jornal, utilizando o

Word ou outro editor de texto que possa acomodar colunas e imagens.

Mas este envolvimento com atividades tecnológicas e a gama de conteúdos que devem ser

trabalhados de forma complementar se choca com outra preocupação ou necessidade imperiosa, “a de

cumprir as ementas e metas do plano de ensino, enfim, conseguir vencer todos os conteúdos”.

Porém, o que todos nós esquecemos, entretanto, é que daqueles que estão nos últimos anos do

ensino médio, nem todos vão cumprir as etapas seguintes, no ensino superior, quando devemos prepara-

los para a “batalha do vestibular”. Por isso, considero necessário também prepara-los para a vida e para

suas necessidades profissionais.

Podemos afirmar então, com alguma razão, que esta missão do professor do Português, como o

das outras disciplinas, pode e deve ter uma aproximação maior das mídias e principalmente dos debates

sobre diversos assuntos considerados nos livros didáticos. E reconhecer que sempre houve um esforço

considerável das Editoras, por motivos comerciais ou não, em mostrar caminhos criativos em suas obras.

Ao interpretar a preocupação contida nos textos de diversos autores, de que “para este alunado, o

que se deve ensinar, para atingir metas determinadas? Para esta comunidade escolar – que incorpora,

por exemplo, alunado de favelas.... quais metas de ensino foram eleitas? E, a partir delas, quais

conteúdos são importantes para atingir essas metas?”, considero que atualmente estamos valorizando

demasiadamente origens sociais de nossos alunos, uma vez que tivemos, quando jovens, diversos degraus

que foram vencidos com muita persistência e determinação. Devemos sim, torna-los parte da

comunidade, pois nós mesmos tivemos uma vida dura e conseguimos vencer graças à intervenção de

boas escolas. Então a relação professor-livro didático-computador pode ser beneficiada por uma

interação que permeie conteúdos de uma forma diferenciada, com a inserção de trabalhos com

processadores de textos, vídeos, planilhas ou até mesmo simples editores gráficos.

As ideias lançadas pelas Editoras já podem ira do papel para o formato digital, enriquecidas com

inserção, modificação ou edição de desenhos, imagens, animações, mapas, enfim, muitos gêneros

textuais complementares.

Em seus volumes didáticos, podemos encontrar quase sempre o uso das tirinhas, que são histórias

em quadrinhos3, consideradas um meio de comunicação de massa, que possibilitam, de forma

complementar, se avalia o entendimento desse leitor sobre a mensagem e os fatos que a cercam, sejam

eles explícitos ou velados.

3 A tirinha em quadrinhos é considerada a menor célula dentro dos gêneros que englobam as histórias em quadrinhos

e é amplamente utilizada na educação em livros didáticos, web sites, etc

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“O caráter lúdico desse gênero desperta o prazer de ler e encoraja o discente a se tornar o autor de suas próprias histórias – aspectos que não podem ser desconsiderados pelo docente." No nosso entendimento, história em quadrinhos é uma mídia que se constitui da convergência da linguagem verbal com a visual no balão – ícone que distribui o texto e a imagem em uma sequência e estabelece discursos que se somam. O discurso verbal acrescenta informações ao discurso visual e vice-versa. (PESSOA e MAIA, 2012, p. 5).

Esse gênero textual – história em quadrinhos – em especial a tirinha, quando utilizada como apoio

digital em tarefas de uma disciplina, oportuniza aos alunos que externem suas opiniões sobre uma

realidade que observam. Fato que aproxima todos de um diálogo permanente em torno do principal

objetivo, o de formar um aluno com relativa autonomia crítica. Se as tecnologias colocam desafios aos

professores, no atual contexto, devemos avaliar qualquer experimento que, ampliado pelos recursos

tecnológicos, gere criações inovadoras ou resultados satisfatórios. Eles vão justificar o planejamento

docente ao revelar alunos mais competentes com programas e computadores, mais participativos, nas

tarefas, sejam elas em sala de aula ou no laboratório da escola.

Figura – reprodução de uma tira no livro didático

Uma derivação interessante das tirinhas é a proliferação, nos livros didáticos, da charge. Charge4 é

uma ilustração humorística que envolve a caricatura de um ou mais personagens e é feita com o objetivo

de satirizar algum acontecimento da atualidade.

Os aspectos visuais destacam a charge, permitindo estimular o entendimento da mensagem e a

interpretação, permitindo compará-la com outros fatos e informações, provenientes de conversas com os

outros, leitura de notícias ou jornais televisivos.

Figura – reprodução de uma charge no livro didático

4 O termo charge tem origem no francês "charger" que significa "carga, carga, exagero ou, até mesmo ataque violento". As primeiras foram criadas no século 19 e no Brasil, a primeira charge foi feita no ano de 1837.

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Mas há um alerta importante sobre a utilização correta deste recurso, feita por Bier (2012, p.8):

A seleção da charge ou do conjunto de charges já é uma atitude crítica. O que demonstra que o

professor, antes do aluno, deve ter a consciência crítica transformada, precisa primeiro aprender

com a charge e só depois "seduzir" a turma para as delícias que tal aprendizado proporciona. O

desenvolvimento de narrações a partir de charges também tem sido feito utilizando-as como

recurso de estímulo direto, ligados a fatos conhecidos do cotidiano nacional, solicitando aos

alunos a criação de um possível e plausível diálogo para as situações sugeridas na charge -

estímulo. Para tanto, o ideal é usar charges sem balão, oferecendo ao estudante a possibilidade de

criar a história sem qualquer interferência, exceto o puro grafismo.

Há diversos recursos gratuitos que podem trabalhar charges e quadrinhos na Internet, que podem

ser aproveitados em uma aula. O portal PIXTON5 é um exemplo, pois oferece uma excelente via de

produção gráfica para elaborar conclusões criativas sobre um assunto, em tom descontraído. Este

exemplo tecnológico simples de proposta criativa já conta com uma opção especial para escolas onde os

alunos podem interagir com o seu professor nas produções a respeito de um tema ou assunto.

Figura – reprodução digital das tiras e charges no aplicativo online PIXTON

Ainda nos livros didáticos se encontram inúmeras variações, que possibilitam trabalhar os conceitos

curriculares, explorando observação, pesquisa, compreensão e expressão discente. Como o exemplificado

nesta proposta de atividade, em um livro didático, que oferece ao interlocutor a oportunidade de

interpretar e decifrar uma “carta enigmática” e com certeza algum aplicativo já está disponível para

desfazer esta “mistura” de palavras:

Figura – Texto enigmático para ser decifrado no livro impresso

5 O Pixton é um portal com ferramenta intuitiva online que permite a construção de uma história em quadrinhos, de modo fácil e rápido. A interface disponibilizada oferece a oportunidade de criação de personagens com escolha de pré atributos e expressões, como cabelo, cor da pele, partes rotativas do corpo, altura e balões de diálogo..

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Também o uso das palavras cruzadas é outro recurso criativo, que pode facilitar a aprendizagem

através da observação e do trabalho de pesquisar conceitos que possam reviver um assunto, na forma de

reforço ou mesmo de desafio ou curiosidade. Ele está presente em qualquer livro didático e sua aplicação

é considerada atraente em qualquer disciplina, principalmente a de “Língua Portuguesa e Literatura”, no

ensino médio, por suas características:

“Esse exercício é uma forma de entretenimento para algumas pessoas, porém ao serem usadas as palavras cruzadas estimulam o raciocínio. O recurso de se usar esse suporte pedagógico em sala de aula de modo lúdico, colabora para desenvolver nos estudantes escrever e compreender o sentido das palavras e sua ortografia. A palavra cruzada tem vários subsídios importantes que colaboram no desenvolvimento do pensamento e da linguagem, além da ortografia e questões semânticas. “6

Igualmente, digitalmente o aplicativo online que tem o nome de Puzzle Maker, da Discovery

Education, permite gerar palavras cruzadas, caça-palavras e outros desafios, que podem ser impressos e

usados em diversas disciplinas. Há uma pequena barreira a ser vencida, a do idioma, mas sua

compreensão é simples e ainda há tutoriais específicos publicados na Internet sobre o assunto.

Figura – palavras – cruzadas no livro didático impresso e geradas no aplicativo online.

Então, se fizermos uma análise aproveitável dos conteúdos que as Editoras oferecem, sob as mais

diversas formas de tarefas “criativas”, temos, com alguma “proficiência” em tecnologias, possibilidade de

trabalhar digitalmente aspectos complementares nas tarefas propostas dos livros didáticos, recentes ou

não. Porque foram atividades “pensadas” e podem nos ajudar com outras reflexões. Mesmo aqueles

livros que estão quase esquecidos, em nossas bibliotecas, prateleiras ou armários pessoais, podem aguçar

o espírito da pesquisa e da expressão midiática de professores e alunos.

6 Conceito bem exemplificado em http://educador.brasilescola.com/trabalho-docente/palavras-cruzadas.htm

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Como conclusão deste breve relato, devo concordar com as considerações sobre o artigo

denominado “Livros em sala de aula – modo de usar”, da professora Roxane Rojo7, que nos serviu de

referência para esta reflexão, de que outros aspectos devem ser considerados também:

...como se organizam o tempo e o espaço escolar de que se dispõe, como por exemplo, numero e tempo de aulas, numero e tipo de alunos por sala, disposição da sala, existência de biblioteca, laboratório, salas e ambientes? E será possível contar com professores de outras disciplinas para atingir estas metas? Que obras/trechos de obras interessantes podem ser selecionadas para atingir estas metas, em face destas restrições? Como e possível complementar esta obra a partir de outros impressos e recursos?

São questões pontuais interessantes que devem ser abordadas para instigar a coletividade de um

encontro como o nosso. Mas a intenção primordial é que todos os professores, principalmente aqueles

que têm um tempo considerável no ensino público, possam revisitar suas bibliotecas pessoais, em busca

de livros didáticos, recentes ou antigos, uma vez que contém interessantes atividades propostas.

Eles não podem ser simplesmente descartados, pois suas referências potencializam análise mais

profunda e podem nos mostrar interessantes caminhos na integração das atividades em sala de aula, com

apoio de recursos tecnológicos gratuitos. A partir desta consciência, vamos então procurar

correspondências tecnológicas possíveis para as ampliações participativas necessárias.

Também poderemos reavaliar a importância ou não, da utilidade atual, daqueles “livros grossos e

pesados”, que se acomodam em grandes mochilas e preocupam pais e médicos ortopedistas. Com estas

novas visões, podemos fortalecer a ideia de que as mídias podem tornar este fardo mais leve e

significativo para os alunos.

Quando todos acreditarem que os livros didáticos podem ser interpretados e aproveitados com

outros olhares, com as muitas tecnologias gratuitas simples, que estão à nossa disposição, tarefas e

discussões complementares trarão, com certeza, um interesse pela evolução tecnológica, já tão

necessária, em nossas escolas. Docentes e alunos , em todas as séries, vão poder finalmente integrar

propostas interdisciplinares e avanços que vão fazer diferença significativa, num cenário mais digital e

atualizado com recursos midiáticos gratuitos tão fáceis de utilizar.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BIER, Augusto Franke. O uso da charge na sala de aula. Disponível em http://www.portcom.intercom.org.br/pdfs/f4783e8bbd42de33e07b8d7c1d392079.pdf. Consulta em 08 jan. 2014.

PESSOA, Alberto Ricardo; MAIA, Gisele Gomes. As tirinhas como ferramenta de estudo da linguagem oral . Disponível em http://www.insite.pro.br/2012/Abril/tirinhas_linguagem_oral.pdf, Consulta em 20 mar 2014.

Portal do Professor. Cadernos didáticos digitais. Disponível em http://portaldoprofessor.mec.gov.br/cadernosDidaticos.html. Consulta em 20 mar 2014.

7 Capítulo escrito pela autora no documento “Materiais didáticos – escolha e uso”, disponível em http://tvbrasil.org.br/fotos/salto/series/151007MateriaisDidaticos.pdf

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