Rejane Galvao Coutinho

13
 18º Encontro da Associação Nacional de Pesquisadores em Artes Plásticas Transversalid ades nas Artes Visuais – 21 a 26/09/2009 - Salvador, Bahia 3737 QUESTÕES SOBRE A FORMAÇÃO DE MEDIADORES CULTURAIS Rejane Galvão Coutinho Instituto de Artes – UNESP Resumo O texto levanta questões sobre a formação de mediadores culturais, especialmente aqueles que atuam no contexto de ações educativas em museus e centros culturais. Busca inicialmente situar o campo  e refletir sobre alguns pressupostos que atravessam estas práticas para tecer considerações sobre o perfil do mediador cultural a partir de pesquisa (Alencar, 2008) realizada na Cidade de São Paulo e apontar importantes dimensões do processo de formação deste profissional. Palavras chaves: formação de mediadores , mediação cultural, ação educativa.  A bs tract This article raises questions about the training process of museum educator’s. Initially, it tries to outline the field work and reflect about some assumptions that transverse these practices to make considerations about the museum educator’s profile in Brazil, and discuss important training process dimensions. Key words: museum educator, training process, museum education.  A questão da formação de mediadores cult urais tem sido nos últimos dez anos um dos focos de minha atuação profissional, especialmente a formação de mediadores para atuar no contexto de ações educativas em museus e centros culturais. A partir dessa experiência de formação, neste texto busco inicialmente refletir sobre alguns pressupostos que atravessam este campo de práticas para tecer considerações sobre o perfil do mediador cultural e apontar importantes dimensões do processo de formação deste profissional. O campo das práticas de mediação cultural que trato aqui lida com o segmento exclusivo da alta cultura, ou seja, obras de arte, objetos e bens culturais patrimoniais que se colocam em exposição em museus e centros culturais. Segmento este que tem nos últimos anos no Brasil, recebido incentivos de renúncia fiscal em nome da ampliação do acesso de todos aos bens culturais sob a bandeira da “democratização das artes e da cultura”. Esta ampliação de acesso aos bens culturais é a justificativa institucional para a presença dos

description

Arte e seu ensino

Transcript of Rejane Galvao Coutinho

  • 18 Encontro da Associao Nacional de Pesquisadores em Artes PlsticasTransversalidades nas Artes Visuais 21 a 26/09/2009 - Salvador, Bahia

    3737

    QUESTES SOBRE A FORMAO DE MEDIADORES CULTURAIS

    Rejane Galvo Coutinho Instituto de Artes UNESP

    Resumo

    O texto levanta questes sobre a formao de mediadores culturais, especialmente aqueles que atuam no contexto de aes educativas em museus e centros culturais. Busca inicialmente situar o campo e refletir sobre alguns pressupostos que atravessam estas prticas para tecer consideraes sobre o perfil do mediador cultural a partir de pesquisa (Alencar, 2008) realizada na Cidade de So Paulo e apontar importantes dimenses do processo de formao deste profissional.

    Palavras chaves: formao de mediadores, mediao cultural, ao educativa.

    Abstract

    This article raises questions about the training process of museum educators. Initially, it tries to outline the field work and reflect about some assumptions that transverse these practices to make considerations about the museum educators profile in Brazil, and discuss important training process dimensions.

    Key words: museum educator, training process, museum education.

    A questo da formao de mediadores culturais tem sido nos ltimos dez anos

    um dos focos de minha atuao profissional, especialmente a formao de

    mediadores para atuar no contexto de aes educativas em museus e centros

    culturais. A partir dessa experincia de formao, neste texto busco

    inicialmente refletir sobre alguns pressupostos que atravessam este campo de

    prticas para tecer consideraes sobre o perfil do mediador cultural e apontar

    importantes dimenses do processo de formao deste profissional.

    O campo das prticas de mediao cultural que trato aqui lida com o segmento

    exclusivo da alta cultura, ou seja, obras de arte, objetos e bens culturais

    patrimoniais que se colocam em exposio em museus e centros culturais.

    Segmento este que tem nos ltimos anos no Brasil, recebido incentivos de

    renncia fiscal em nome da ampliao do acesso de todos aos bens culturais

    sob a bandeira da democratizao das artes e da cultura. Esta ampliao de

    acesso aos bens culturais a justificativa institucional para a presena dos

  • 18 Encontro da Associao Nacional de Pesquisadores em Artes PlsticasTransversalidades nas Artes Visuais 21 a 26/09/2009 - Salvador, Bahia

    3738

    mediadores nas exposies. Situar este contexto fundamental para

    compreender as complexas questes que se imbricam na mediao cultural e,

    conseqentemente, dizem respeito aos sujeitos que impulsionam estas aes.

    Neste campo, comum partir do pressuposto de que a mediao levada a

    cabo nas instituies culturais sempre uma ao que visa o bem. Pouco se

    questiona este pressuposto, pois ao coloc-lo em xeque se estar de certa

    maneira ameaando um campo de prticas ainda incipiente, em processo de

    consolidao. Grande parte das pesquisas realizadas no Brasil at o momento

    (Benvenutti, 2004; Grispum, 2000; Martins, 2005; Martins, Schultze, Egas,

    2007; Moura, 2007; Orloski, 2005; Rizzi, 1999) partem do pressuposto de que

    as aes de mediao e o acesso aos bens patrimoniais so aes em

    princpio inquestionveis que devem interessar a todos os cidados, reforando

    assim a premissa da democratizao das artes e da cultura.

    Qual o lugar da mediao cultural no contexto brasileiro?

    No Seminrio Internacional de Mediao Cultural e Social que aconteceu no

    Centro Cultural Banco do Brasil de So Paulo em 2004, em minha

    apresentao procurei situar a questo da mediao cultural no mbito das

    prticas do campo educacional. Naquele momento, ao buscar situar a questo

    no mbito da educao, procurava operar um deslocamento do acesso

    cultura comumente situado no mbito das prticas exclusivas do campo da

    arte. Isto porque a breve histria da mediao cultural no Brasil vem nos

    mostrando, atravs de prticas vinculadas ao campo da arte, o quanto as

    aes de mediao tm buscado muito mais reforar as distines

    socioeconmicas de cunho elitista que tm por base as heranas culturais

    previamente adquiridas, do que propriamente procurado reduzir as

    desigualdades de acesso. Essas prticas, mesmo usando o slogan da

    democratizao das artes e da cultura, vm contraditoriamente assumindo e

    reforando o discurso da elitizao.

    Tenho observado que no suficiente abrir as portas dos museus e instituies

    culturais para o grande pblico, assim como no suficiente oferecer nibus

  • 18 Encontro da Associao Nacional de Pesquisadores em Artes PlsticasTransversalidades nas Artes Visuais 21 a 26/09/2009 - Salvador, Bahia

    3739

    gratuitos para horda de estudantes de escolas pblicas da periferia, entre

    outras tantas aes que visam aumentar o nmero de pblico atendido em uma

    exposio ou em uma instituio para justificar os incentivos. Esta minha

    percepo corroborada por outros pesquisadores como Darras (2008) e

    Aguirre (2008) que consideram que uma mediao que busca aproximar o

    pblico leigo da alta cultura com aes que fazem uso de um discurso elitista,

    reprodutor de mecanismos de distino, apenas confirmam para o grande

    pblico que esta parcela da cultura no lhes pertence.

    Ao trazer a questo da mediao para o mbito educacional estou procurando

    encontrar outros modos de operar o acesso cultura, ou seja, pensar uma

    mediao cultural que busque, como j alertava Bourdieu (2007), compensar

    (pelo menos parcialmente) as desvantagens daqueles que no encontram em

    seu meio familiar, social e cultural a incitao a esta especfica prtica cultural.

    Muitos daqueles que j possuem um capital cultural (artistas, produtores

    culturais, crticos de arte, curadores, historiadores, etc.) tecem crticas a este

    modo de operar, ou seja, o modo de fazer da visita a uma exposio uma ao

    educativa. Pondera-se que ao trazer a questo da mediao para o campo

    educacional corre-se o risco de reduzir as prticas diletantes da cultura, ou o

    prazer da experincia esttica a uma escolarizao excessiva.

    Outro argumento a considerar que uma dimenso educativa pode tambm

    reduzir essas prticas de mediao ao mesmo processo de reproduo das

    desigualdades que operado pelas engrenagens do sistema escolar

    tradicional. Por isso, quando pretendo deslocar a questo da mediao para o

    campo educacional, tomo como referncia uma perspectiva crtica de educao

    e, sobretudo, de arte-educao, tendo a pedagogia dialgica como concepo

    norteadora e proposies contemporneas de ensino de arte como modo de

    articular as aes de mediao.

    Diante deste campo minado que o campo das prticas artsticas temos que

    ser cautelosos, e como agentes mediadores neste contexto cabem ento nos

    perguntar: para quem fazemos a mediao? Qual o foco prioritrio deste

  • 18 Encontro da Associao Nacional de Pesquisadores em Artes PlsticasTransversalidades nas Artes Visuais 21 a 26/09/2009 - Salvador, Bahia

    3740

    trabalho? Si pensamos no pblico preciso buscar identificar e situar quem

    este pblico. Si buscamos ampliar o acesso desse pblico aos bens culturais

    necessrio posicionar nosso foco de ao e refletir sobre as concepes de

    arte e de cultura que norteiam os projetos educativos das instituies. E aqui

    no podemos ignorar que os projetos educativos tambm fazem parte das

    estratgias promocionais das instituies, que com estes projetos justificam

    parte do capital investido.

    Assim, penso que urgente em nosso contexto brasileiro refletir sobre as

    aes educativas que tenham por finalidade favorecer aproximaes com a

    arte e a cultura, sobretudo aquelas que tm como foco os sujeitos que

    historicamente foram apartados destes conhecimentos. A partir dessas

    consideraes sobre o campo da mediao como um espao de enfrentamento

    de concepes sobre a arte, a cultura e a educao, adentro o tema deste

    texto deslocando o foco da discusso para as implicaes dessas questes

    sob os agentes mediadores deste processo.

    Qual o perfil do mediador cultural em atuao?

    Para pensar a formao deste educador mediador preciso conhec-lo. Em

    recente pesquisa de mestrado realizada por Valria Peixoto de Alencar1 no

    Instituto de Artes da UNESP, defendida em julho de 2008, temos dados que

    nos fornecem algumas caractersticas destes sujeitos que nos permitem

    delinear um perfil dos mediadores culturais no contexto da Cidade de So

    Paulo. Trabalharemos ento com os dados de uma pesquisa de campo

    realizada entre os meses de setembro e novembro de 2006, com cem (100)

    educadores/mediadores que atuavam na ocasio nos principais museus e

    centros culturais da Cidade. importante salientar que este nmero de

    educadores representava na poca um tero do total de educadores atuantes

    no mercado.

    Inicialmente alguns dados2 bsicos sobre a idade desses sujeitos que esto

    agrupados por faixa etria e podem ser lidas a partir das seguintes etapas que

    compem a vida profissional de um educador, segundo Nvoa (1995).

  • 18 Encontro da Associao Nacional de Pesquisadores em Artes PlsticasTransversalidades nas Artes Visuais 21 a 26/09/2009 - Salvador, Bahia

    3741

    Diviso por faixa etria

    Faixa etria Educadores Etapa da vida profissional

    18 a 22 anos 17 Perodo de formao inicial

    23 a 27 anos 20 Incio da vida profissional

    28 a 32 anos 21 Relativa experincia e busca

    de estabilidade profissional

    33 a 37 anos 12 Relativa experincia e busca

    de estabilidade profissional

    Acima de 40 anos 6 Estabilidade profissional

    No revelaram a idade 24

    Os dezessete (17) educadores que se encontram no perodo de formao

    inicial eram na ocasio estagirios da Bienal de 2006. Por esta amostragem

    temos claro que a maior parte dos educadores mediadores atuantes se

    encontra na faixa etria do incio da vida profissional (20) e, sobretudo, no

    perodo de busca de estabilidade profissional (33). Isto revela um campo que

    est em processo de profissionalizao, apesar da falta de reconhecimento de

    grande parte das instituies, dos problemas de contratao temporria, da

    falta de perspectiva de carreira e outros problemas observados por aqueles

    que trabalham na rea e confirmados na pesquisa de Alencar.

    Sobre a formao desses educadores, a pesquisa de Alencar3 revela que dos

    cem educadores que responderam ao questionrio, vinte e seis (26) eram

    estudantes de graduao e trabalhavam como estagirios. Dos setenta e

    quatro (74) graduados, treze (13) tinham uma graduao concluda e dezenove

    (19) tinham duas graduaes ou estavam concluindo a segunda graduao. Os

    quarenta de dois (42) restantes, alm da graduao, eram ps-graduados ou

    estavam na ocasio cursando uma ps-graduao. Entre estes ltimos, sete

    (7) estavam cursando uma especializao; dezenove (19) j eram especialistas

  • 18 Encontro da Associao Nacional de Pesquisadores em Artes PlsticasTransversalidades nas Artes Visuais 21 a 26/09/2009 - Salvador, Bahia

    3742

    (incluindo-se aqui dois (2) com duas especializaes); trs (3) cursavam o

    mestrado; dez (10) j haviam concludo o mestrado; dois (2) eram doutorandos

    e um j havia concludo o doutorado.

    Ou seja, confirmando a questo evidenciada pelos dados de faixa etria estes

    setenta e quatro (74) educadores mediadores que estavam em processo de

    ampliao de suas experincias e busca de estabilidade profissional, se

    encontravam tambm em processo de especializao em suas reas de

    atuao como demonstram os dados acima de ps-graduandos, ps-

    graduados, assim como aqueles com duas graduaes.

    Para complementar o perfil desse profissional, vale a pena observar o teor das

    formaes iniciais. Aqui os dados apresentados esto em porcentagens, pois

    se tratam dos setenta e quatro (74) sujeitos que possuam graduao

    concluda. A pesquisa de Alencar revela que 70% dos graduados haviam

    concludo cursos na rea de artes e afins. Em nota4 a pesquisadora especifica

    que entende como cursos afins, os de fotografia, cinema, publicidade, moda,

    teatro, arquitetura, desenho industrial e design. Quanto ao restante, 22%

    concluram cursos na rea de cincias humanas com uma maior concentrao

    em Histria, e 8% em outras reas.

    Entre aqueles que se formaram na grande rea de artes e afins, 39% eram

    licenciados e 61% haviam concludo bacharelados. A variedade de

    nomenclaturas dos cursos nas respostas ao questionrio da pesquisa de

    Alencar evidencia a complexidade da rea de formao para as artes do

    contexto brasileiro. Aparecem as licenciaturas em Educao Artstica, Artes

    Plsticas, Artes Visuais e Artes Cnicas. Os bacharelados so em Artes

    Visuais, Artes Plsticas, Cinema, Arquitetura, Artes Cnicas, Desenho

    Industrial, Moda e Fotografia.

    Este quadro evidencia que em torno de um tero (39%) dos educadores

    mediadores em atuao naquele momento, tiveram em sua formao inicial

    nos cursos de licenciatura, disciplinas relativas ao campo da educao,

    preparando-os para lidar com os processos pedaggicos inerentes s aes

  • 18 Encontro da Associao Nacional de Pesquisadores em Artes PlsticasTransversalidades nas Artes Visuais 21 a 26/09/2009 - Salvador, Bahia

    3743

    educativas. No entanto, aqui temos que ponderar que os cursos de licenciatura

    em geral tratam muito pouco da questo da educao no-formal nos

    contedos de suas disciplinas pedaggicas. Sabe-se que o foco da preparao

    dos professores ainda centra-se na educao formal, apesar do mercado cada

    vez mais evidenciar que o campo de atuao do educador na rea de artes se

    amplia em direo a aes no-formais.

    Com relao aos bacharelados, precisamos tambm ponderar que em nosso

    contexto universitrio no mbito dos cursos de artes e afins, reproduz-se a

    ideologia do campo da arte que menospreza o ensino de artes, reproduzindo

    vrios preconceitos e reforando uma elitizao desse campo.

    Vejamos agora as reas que os educadores mediadores tm procurado para

    se qualificar em cursos de ps-graduao. Reproduzimos aqui a tabela de

    profissionalizao da pesquisa de Alencar5.

    Especializao Mestrado Doutorado

    Artes e reas afins 17 5 1

    Cincias humanas 4 4 2

    Educao 1 1

    Museologia 4

    Outros 2

    O quadro revela que os educadores mediadores em atuao tm buscado se

    qualificar majoritariamente na grande rea de artes e afins, ou seja, em

    consonncia com as especificidades do campo de atuao. Mas, importante

    ponderar tambm que muitas vezes escolhemos cursos para nos qualificar

    diante das possibilidades, do que nos oferecido em nosso contexto. Assim

    sendo, as reas de cincias humanas, educao e museologia podem tambm

    ser consideradas reas correlatas no processo de qualificao.

  • 18 Encontro da Associao Nacional de Pesquisadores em Artes PlsticasTransversalidades nas Artes Visuais 21 a 26/09/2009 - Salvador, Bahia

    3744

    Diante dos dados e consideraes sobre o perfil do mediador cultural,

    especialmente sobre o teor das formaes iniciais e qualificaes em ps-

    graduaes, percebe-se que o campo da mediao cultural est sendo

    exercido e, consequentemente, constitudo por conhecimentos de reas afins e

    correlatas. Por um lado as interseces e complementaridades de

    conhecimentos diversos podem enriquecer as mediaes e por outro gera a

    necessidade de encontrar pontos comuns que ajudem a situ-las.

    A pesquisa de Valria Peixoto de Alencar evidencia o que estamos observando

    no contexto das aes educativas, a importncia da formao em servio ou

    formao continuada do mediador cultural. Uma formao em consonncia

    com a prtica, que procure extrair o melhor da complementaridade dos

    conhecimentos envolvidos e enfrente os desafios de constituir este campo

    interdisciplinar.

    Qual a formao necessria ao mediador cultural?

    A partir de minha experincia com a formao de mediadores culturais, quero

    tecer alguns comentrios e apontar algumas dimenses fundamentais que

    acredito devem ser cuidadas em processos de formao.

    Sabe-se que todo projeto de ao educativa precedido de um curso

    preparatrio para os educadores antes do incio da exposio (no caso das

    exposies temporrias) e/ou ao longo do processo de trabalho (no caso das

    colees fixas). Em geral, o foco desse curso a pesquisa e o aprofundamento

    nos contedos e contextos da exposio para que o educador possa constituir

    seu discurso acerca desse universo, tendo como base conhecimentos de

    histria e teoria crtica da arte. No pretendo me ater em detalhes a esta

    dimenso do processo, pois ela me parece ser ponto de concordncia geral e

    privilegiada nos processos de formao. Chamo ateno apenas para o

    direcionamento dado aos cursos que pode reforar discursos reprodutores

    (quando o educador incitado a reproduzir o discurso do curador, por exemplo)

    ou estimular uma participao crtica na constituio de discursos mais

    autorais. Isto leva a crer que a concepo que orienta a ao educativa deve

  • 18 Encontro da Associao Nacional de Pesquisadores em Artes PlsticasTransversalidades nas Artes Visuais 21 a 26/09/2009 - Salvador, Bahia

    3745

    ser no apenas evidenciada no debate de idias, mas exercida nos modos

    como o curso organizado.

    No processo de formao importante ressaltar as competncias ou

    dimenses do campo educacional e do campo comunicacional que se

    entrelaam na ao mediadora. Resumidamente pode-se dizer que so as

    competncias para se relacionar com o pblico. Porm sabemos que o pblico

    se constitui de sujeitos diversos, com diferentes demandas e necessidades,

    pertencentes a diferentes comunidades interpretativas. Ou seja, quando falo da

    dimenso comunicacional, no me refiro apenas capacidade de se

    comunicar, de colocar a voz, de ter ateno com sua postura corporal, seu

    olhar, seus gestos, enfim sua presena em relao ao grupo e ao prprio

    espao expositivo, questes importantes, mas chamo a ateno, sobretudo

    para a capacidade de flexibilizar a comunicao para os diferentes pblicos.

    Sensibilidade de escuta para perceber as diferentes demandas, para identificar

    sem estereotipar os diferentes contextos de origem dos sujeitos. Em suma,

    capacidade de articular e adequar seu discurso para os diferentes pblicos.

    Mas, como estimular estas competncias? Poderia dizer que no conheo

    frmulas exatas, mas tenho alguns exemplos oriundos de experincias que

    podem servir como pretexto para consideraes. Podemos comear com uma

    prtica que tem sido exercida em vrios contextos de aprendizagem, mas que

    nem sempre aproveitada como processo de formao. Trata-se do processo

    de aprendizagem prtico por acompanhamento. No caso de uma ao

    educativa, d-se quando um educador menos experiente acompanha a visita

    de um educador mais experiente para aprender com este ltimo. O

    acompanhamento de visitas, se entendido como possibilidade de formao,

    pode ser um momento de trocas entre todos os agentes envolvidos. Para que

    isto acontea necessrio legitimar o processo com orientaes especficas

    quanto s questes a serem observadas. Esta legitimao importante para

    abrir espao/tempo na jornada de trabalho dos educadores para discusso

    sobre a experincia vivida. Uma orientao importante, pois nem sempre os

    educadores tm sua ateno voltada para aspectos da dimenso

  • 18 Encontro da Associao Nacional de Pesquisadores em Artes PlsticasTransversalidades nas Artes Visuais 21 a 26/09/2009 - Salvador, Bahia

    3746

    comunicacional e educativa da performance de quem conduz o processo de

    mediao.

    Por conta da riqueza da experincia de aprendizagem que pode ocorrer no

    acompanhamento de uma visita, foi criada pela equipe do Arteducao

    Produes uma dinmica dialgica de acompanhamento, legitimada como

    processo de formao. Nesta dinmica um educador/formador destacado

    para acompanhar os vrios educadores em suas visitas, funcionando como um

    espelho reflexivo do processo de mediao. O educador/formador deve

    obviamente ter um maior repertrio de experincias com a mediao para

    enfrentar este desafio. O ideal que ao longo do projeto todos os educadores

    possam passar pelo processo de observao mais de uma vez para que as

    questes possam ser retomadas e analisadas em diferentes situaes. Ao final

    de cada acompanhamento de visita os dois educadores, o formador e aquele

    que foi observado, discutem o processo experienciado apontando os pontos

    positivos e negativos da performance do educador na conduo da visita, sua

    postura, o andamento do percurso, as dinmicas propostas, os materiais

    utilizados, os processos de leitura de obras, e, sobretudo, as reaes do grupo

    a toda esta conduo. Este processo de acompanhamento pode tambm ser

    enriquecido com registros fotogrficos e/ou em vdeos do desenrolar da visita

    como meio de retomar algumas questes relativas performance do educador.

    Do campo educacional, especificamente da arte/educao, podemos apontar

    algumas questes que merecem ser tratadas no processo de formao em

    dinmicas de grupo ou a partir de leituras e discusses de textos. Este espao

    de formao ao longo do desenvolvimento da ao educativa deve ser

    garantido pela estrutura de trabalho. Uma reunio semanal coletiva com tempo

    suficiente para discusso de um tema, levando-se em conta a necessidade de

    conversas sobre questes do cotidiano, suficiente. A conduo desses

    encontros pode ser atribuio do coordenador da ao educativa, de

    assessores especialistas convidados, ou ainda pode se d em sistema de

    rodzio entre os prprios educadores que podem se engajar na proposio de

    temas de seu interesse e competncia relativos ao contexto da exposio e/ou

  • 18 Encontro da Associao Nacional de Pesquisadores em Artes PlsticasTransversalidades nas Artes Visuais 21 a 26/09/2009 - Salvador, Bahia

    3747

    questes sobre mediao. Ao engajar os educadores no processo de formao

    alm de estimular seu comprometimento com o trabalho e com o prprio

    processo de formao, reforam-se as complementaridades das formaes

    iniciais em direo a um processo interdisciplinar de formao.

    Aponto alguns temas que so, a meu ver, importantes neste processo de

    aprofundamento e reflexes:

    Entender os processos de construo de conhecimentos em arte; Buscar instrumentos para avaliar os diferentes nveis de compreenso

    esttica (de crianas, jovens e adultos leigos);

    Pesquisar e exercitar diferentes abordagens de leitura de imagens; Trabalhar as diferenas de percepo e recepo dos diferentes

    pblicos, incluindo aqueles com necessidades especiais;

    Discutir diferentes concepes de arte, cultura e educao, buscando situar e refletir sobre suas prprias concepes;

    Exercitar processos de criao em arte de forma relacionada com o contexto da exposio.

    E aponto ainda outras dimenses do processo que devem ser exercidas nas

    mediaes formativas, como o estmulo e respeito autonomia crtica dos

    educadores, o exerccio de posturas reflexivas para enfrentamento dos

    conflitos vivenciados por sua funo, e o exerccio da flexibilidade diante de

    diferentes pontos de vista.

    Todo este processo de formao precisa ser permeado por uma reflexo

    consciente sobre seu posicionamento profissional em relao s instituies e

    as suas polticas educacionais e promocionais. No d mais para encarar a

    mediao cultural de forma ingnua ou romntica ignorando os pressupostos

    ideolgicos que as orienta. Enfim, este um trabalho que demanda uma

    formao especfica e profundamente comprometida, pois fundamental ter

    clareza de seus posicionamentos em relao a sua funo.

  • 18 Encontro da Associao Nacional de Pesquisadores em Artes PlsticasTransversalidades nas Artes Visuais 21 a 26/09/2009 - Salvador, Bahia

    3748

    1 Valria Peixoto de Alencar. O Mediador Cultural. Consideraes sobre a formao e profissionalizao de educadores de museus e exposies de arte. Dissertao (Mestrado). Orientao de Rejane Galvo Coutinho, Instituto de Artes da UNESP, So Paulo, 2008.

    2 Alencar, 2008, p.42.

    3 Idem, p.45.

    4 Idem, p.45.

    5 Idem, p.46.

    Referencias bibliogrficas

    AGUIRRE, Imanol. Nuevas ideas de arte y cultura para nuevas perspectivas en la

    difusin del patrimonio. In: Aguirre, Imanol; Fontal, Olaia; Darras, Bernard;

    Rickenmann, Ren. El acceso al patrimonio cultural. Retos y debates. Cadernos da Ctedra Jorge Oteiza: Universidade Pblica de Navarra, Espanha, 2008.

    ALENCAR, Valria Peixoto de. O Mediador Cultural. Consideraes sobre a formao e profissionalizao de educadores de museus e exposies de arte.

    Dissertao (Mestrado) - Instituto de Artes/UNESP, So Paulo, 2008.

    BENVENUTTI, Alice. Museu e educao em museus: histria, metodologias e projetos, com anlises de caso: museus de arte contempornea de So Paulo, Niteri

    e Rio Grande do Sul. Dissertao (Mestrado) Universidade Federal do Rio Grande

    do Sul, Porto Alegre, 2004.

    BOURDIEU, Pierre. Escritos de educao. Maria Alice Nogueira e Afrnio Catani (organizadores). Petrpolis, RJ: Vozes, 2007.

    DARRAS, Bernard. Del patrimonio artstico a la ecologa de las culturas. La cuestin

    de La cultura elitista en democracia. In: Aguirre, Imanol; Fontal, Olaia; Darras, Bernard;

    Rickenmann, Ren. El acceso al patrimonio cultural. Retos y debates. Cadernos da Ctedra Jorge Oteiza: Universidade Pblica de Navarra, Espanha, 2008.

    GRINSPUM, Denise. Educao para o patrimnio: museu de arte e escola. Tese (Doutorado) Faculdade de Educao/USP, So Paulo, 2000.

    MARTINS, Mirian Celeste (org.). Mediao: provocaes estticas. Universidade Estadual Paulista, Instituto de Artes, Ps-graduao, v.1, n.1, out, 2005.

  • 18 Encontro da Associao Nacional de Pesquisadores em Artes PlsticasTransversalidades nas Artes Visuais 21 a 26/09/2009 - Salvador, Bahia

    3749

    MARTINS, Mirian Celeste; SCHULTZE, Ana Maria; EGAS, Olga. (orgs.). Mediando [com]tatos com arte e cultura. Universidade Estadual Paulista, Instituto de Artes, Ps-graduao, v.1, n.1, Nov. 2007.

    MOURA, Ldice Romano de. Arte e educao: uma experincia de formao de educadores mediadores. Dissertao (Mestrado) Instituto de Artes/UNESP, So

    Paulo, 2007.

    NVOA, Antnio. (coord.). Profisso professor. Porto: Porto Editora, 1995.

    ORLOSKI, Erick. Dilogos e reflexes com educadores: a instituio cultural como potencialidade na formao docente. Dissertao (Mestrado) Instituto de

    Artes/UNESP, So Paulo, 2005.

    RIZZI, Maria Christina de Souza Lima. Olho vivo: arte-educao na exposio Labirinto da Moda uma aventura infantil. Tese (Doutorado) Escola de Comunicao

    e Arte/USP, So Paulo, 1999.

    Currculo do autor

    Rejane Galvo Coutinho doutora em Artes pela ECA/USP e professora do Instituto de Artes da UNESP, onde atua na Graduao e Ps-graduao.

    Membro do Arteducao Produes e de grupos de pesquisa do CNPq. Tem

    publicado artigos em peridicos e livros, incluindo o Artes Visuais: da exposio

    sala de aula, So Paulo, Edusp, 2005 em co-autoria com Ana Mae Barbosa e

    Heloisa Margarido Sales.