Relação de Ajuda, Aconselhamento Pastoral e … essa concepção para as abordagens consideradas...
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Resumo
Na rotina das comunidades terapêuticas, a conversa de um profissional ou voluntário com o residente éreconhecida como uma ação comum e benéfica. No entanto, a identificação do procedimento utilizado nemsempre está clara para as pessoas que o desenvolvem. No encontro onde exista objetivo terapêutico, como setorna possível reconhecer a intervenção realizada ou a maneira como ocorre a comunicação? Quais asdiferenças entre Relação de Ajuda, Aconselhamento Pastoral e Psicoterapia? O texto ainda distingue osconhecimentos científicos que fazem parte das abordagens práticas com o objetivo de identificar tais técnicaspsicológicas que são amplamente reconhecidas e utilizadas em comunidades terapêuticas.
Palavras-Chave: Comunidade Terapêutica, Relação de Ajuda, Aconselhamento Pastoral, Psicoterapia.
Therezinha Moura Jorge
Psicóloga (CRP 08/04315) e Analista Transacional Clínica no Revitacentri - Espaço Terapêutico. Curitiba, PR. Especialista em
Dependência Química e ComunidadeTerapêutica pela Faculdade Luterana deTeologia - FLT e Cruz Azul no Brasil.
E-mail: [email protected]
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Therezinha Moura Jorge¹
Relação de Ajuda, Aconselhamento Pastoral ePsicoterapia em Comunidades Terapêuticas
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Revista Cruz Azul Online - 1 Semestre 2017 - Número 15°
1.1 Relação de Ajuda
A Relação de Ajuda constitui-se na simplicidade de
oportunizar o bem-estar para as pessoas que
precisam, com base no diálogo e no encontro entre
pessoas. O foco volta-se para o sofrimento
cotidiano e o público-alvo constitui-se de pessoas,
sem qualquer distinção entre si. Afinal, quem ainda
não passou por momentos de dor no corpo ou na
alma?
Estudioso brasileiro reconhecido mundialmente
em razão de suas respeitáveis autorias e graduações,
Frei Carlos Mesters se dedica aos estudos sobre
relacionamentos. Afirma (2010, p.57) que “só a
verdadeira escuta leva à compreensão e a clareza, e
que sem clareza não há movimento, sem
movimento não há transformação.” Acredita na
prática da Relação de Ajuda por meio da sabedoria
que se revela em palavras simples. Lembra que “É
conversando que as pessoas se convencem, se
convertem. A produz e se tornaconversa conversão
fonte de felicidade para muita gente!” (MESTERS;
MIRANDA, 2010, p.15). O autor traduz de maneira
singela o objetivo da Relação de Ajuda, a qual chama
também de . ProcedimentoEscuta Amorosa
constituído de lucidez, interação e de um amor que,
mais do que sentimentos, revela as atitudes de
comprometimento com o outro.
Das produtivas conversas entre Frei Carlos Mesters
e Marcio de Miranda, além de outros colaboradores,
surgiu a obra denominada Jesus da Escuta Amorosa
(2010). Tal obra revela-se como um fruto que emana
agradável sabor na medida em que se experimenta
a leitura de páginas recheadas de histórias de
pessoas comuns, entendidas a partir das bem-
aventuranças de Jesus Cristo.
É onde são encontradas sabedorias como esta
gerada pelo Frei Carlos Mesters: “Bem-aventurado
quem for capaz de uma boa conversa; ele vai
encontrar alívio para sua dor!”O conjunto dessa obra
foi desenvolvido com base no Humanismo e na
valorização da Relação de Ajuda.
Entre os detalhes da obra, vale ressaltar a
contracapa e a folha de rosto, onde estão a foto de
um encontro entre os residentes da Comunidade
Terapêutica Mosteiro Monte Carmelo, que está em
Curitiba, Paraná. Essa escolha não foi obra do acaso,
mas sim pelo fato dos dois autores conhecerem a
Comunidade e, em épocas distintas, terem
desenvolvido trabalhos sobre Relação de Ajuda,
solidariedade e outros conhecimentos que
permanecem nos comentários das pessoas que
fazem parte dessa Comunidade.
2. Aconselhamento Pastoral
Metodologia que se faz presente na vida de um
considerável número de pessoas e se mostra
atravessando séculos de existência, ganhando
adeptos e estudos em distintos grupos cristãos, nos
mais diferentes países.
Ao mencionar tal abordagem, torna-se prudente
remeter-se às ações de um homem reconhecido
pela comunidade cristã pela sua significativa
conversão, deixando cair por terra suas convicções,
seus valores, após ter ouvido a voz que dizia “Saulo,
Saulo, porque me persegues? ” (BÍBLIA, N. T. At 22:7).
Palavra dirigida inteiramente a ele, expressando seu
nome e o amor em plenitude num questionamento,
levando-o a se tornar o apóstolo Paulo. Em cartas
dirigidas a diferentes comunidades e em suas ações
posteriores ele é percebido como um .Curadàlma
Este termo era designado para quem detinha o
poder da cura e atenção para aqueles que
necessitavam.
THEREZINHA MOURA JORGE - Relação de Ajuda,Aconselhamento Pastoral e Psicoterapia em CTs
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Por meio das considerações de Krüger (2010b),
verifica-se que os conceitos presentes na Bíblia
mostram o ser humano como alguém que necessita
de cuidado e, portanto, apresentado na figura da
ovelha. As passagens também remetem ao Deus
que cuida. Nos tempos neotestamentários, aparece
a figura do pastor de ovelhas, considerada uma
atividade humilde e desfavorecida da época. Esse
título foi adotado por Jesus (BÍBLIA, N. T. Jo 10:1-30),
além de ser delegado a Pedro (BÍBLIA, N. T. Jo
21:16ss) e aparecer no livro bíblico “Atos dos
Apóstolos”, referindo-se Paulo a pastorear a igreja de
Deus (BÍBLIA, N. T. At 20:28). Em todas essas
passagens, pastorear representava acompanhar e
exercer o cuidado por completo.
O Acompanhamento Pastoral ocorre por meio do
diálogo, a partir da visão ampla do ser humano,
considerando-o pertencente à comunidade dos
fiéis. Todo cristão é chamado a exercer esse cuidado,
independente da sua área de trabalho. Significa que
na doença, por exemplo, o conselheiro não age
como médico, mas como ouvidor do sofrimento e
incentivador do tratamento. Como argumenta
Wachholz (2010, p.216), “Se Deus se apresenta de
forma dialogal em Cristo, o aconselhamento
somente pode ter essa dimensão, jamais um caráter
d e i n f o r m a ç ã o e d e s p e j o d e v e r d a d e s
desencarnadas e opressoras com roupagens
bíblicas”.
Na perspectiva de Krüger (2010b), esse cuidado
enxerga o todo e oportuniza o Aconselhamento
Pastoral, procedimento definido por Hurding como:
“Uma atividade com o objetivo de ajudar os
outros em todo e qualquer aspecto da vida,
dentro de um relacionamento de cuidado”.
Considera-se que não é o conselho que causa
impacto, mas sim o conselheiro, a partir de sua
postura e capacidade de “olhar junto com o
aconselhando para frente, para a infinitude, para
Deus, e trilhar o caminho de fé. ”- HURDING apud
WACHHOLZ (2010, p.216).
O termo vem sendo questionadoaconselhamento
para definir tal metodologia. Já o termo sepastoral
tornou referência ao trabalho que se limita à igreja, à
alma, a uma parte do ser humano. Atualmente a
a b o r d a g e m e s t á s e n d o e n t e n d i d a c o m o
direcionamento, de maneira a ser iniciada de
maneira não diretiva e, na continuidade do
caminho, ser conduzido para o diretivo. Desta forma
apresenta-se um autêntico , um Pastor.Curadàlma
Pastores são pessoas que, a partir de atitudes
maduras e saudáveis, tornam possível o trabalho
fraterno. O Aconselhamento Pastoral é um dos
caminhos que leva a pessoa a ser autônoma em sua
caminhada. Esse caminho envolve uma atuação
diretamente ligada à visão ampla do ser humano e
ao imaginário sobre Deus.
3. Psicoterapia breve
A palavra tem a sua origem no termopsicoterapia
grego que significa e pode sertherapon servo
entendido como: . O termo foiser útil à psique
utilizado pela primeira vez por Tuke, na Inglaterra
em 1872. A partir desse marco histórico, foi
desenvolvida uma multiplicidade de modelos
psicoterapêuticos e de conceitos para definir essa
abordagem. Segundo as considerações de Inghilleri
(2005, p.1):
“A atual variedade de intervenções não permite
encontrar uma definição unitária para o que seria oportuno
entender com o termo psicoterapia, [...] porque cada
profissional, em última análise, interpreta de modo pessoal a
própria orientação, a aplica de maneira peculiar. ”
Relação de Ajuda, Aconselhamento Pastoral e Psicoterapiaem CTs
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Trazendo essa concepção para as abordagens
consideradas neste estudo, verifica-se que, para
Rogers, por exemplo, a empatia, a aceitação
incondicionada e a autenticidade da parte do
psicoterapeuta são elementos necessários no
processo psicoterapêutico. Já para a Análise
Transacional, são impor tantes: o Contrato
Terapêutico, os conceitos de Script, Permissão,
Proteção, Poder e Jogos Psicológicos.
Como lembra Paul Tournier (Feldman e Miranda,
2 0 0 1 , p. 4 6 ) : “ É i m p o s s í ve l d e s c re ve r- s e a
necessidade imensa que têm as pessoas de serem
realmente ouvidas, levadas a sério, compreendidas.
A Psicologia de nossos dias nos tem, cada vez mais,
chamado a atenção para esse aspecto. ” Uma
constante em meio aos diversos olhares atuais se faz
na busca pela resolução. Seja a resolução de um
problema ou a busca do aprimoramento pessoal ou
do autoconhecimento, as pessoas que desenvolvem
o processo psicoterapêutico esperam encontrar a
resposta das questões que lhe incomodam.
Em comunidades terapêuticas (CTs), o processo
psicoterápico se apresenta como intervenção
possível e adequada por meio da orientação
psicodinâmica, também chamada de Psicoterapia
Breve. As referências à realidade, contratos sobre
objetivos e estratégias de solução, desenvolvimento
de alternativas comportamentais, mesmo somente
como tentativa, são fatores que determinam o
andamento desse trabalho. Schlegel (1997/1998, p.
8) esclarece a necessidade de cliente e terapeuta
estarem no mesmo patamar de importância, de
i g u a l d a d e e m g r a u d e s a b e r e s e d e
responsabilidades, apenas com papéis diferentes. É
n e s s e c e n á r i o t e r a p ê u t i c o q u e o c o r r e a
transformação como proposta do tratamento.
A importância da psicoterapia em CTs se torna
evidente aos profissionais e organizações
competentes no assunto. De Leon, reconhecido
como autoridade na pesquisa sobre CTs, esclarece
que a mudança de vida dos residentes em CT e a
maneira como elas ocorrem são decorrentes da
“evolução do indivíduo como pessoa única, de
acordo com seu crescimento pessoal, sua
personalidade e sua função psicológica” (DE LEON,
p. 332). Entende como necessária a experiência de
cura emocional, a qual atenua os sentimentos de dor
e desconforto emocional, que abrange medos,
raivas, culpas, mágoas e solidão vividos pelos
residentes. Esses sentimentos estão ligados a danos
psicológicos e isolamento pessoal e social, que
necessitam de intervenção adequada. Torna-se
e v i d e n t e a n e c e s s i d a d e d o P r o c e s s o
Psicoterapêutico em CTs. Como De Leon conclui, a
pessoa transformar-se integralmente “significa
integrar os comportamentos, cognições, emoções,
experiências e percepções do indivíduo”. (ibid., p.
371)
Outra particularidade é verificada. Para quem já
participou das psicoterapias em CT, fica evidente
que não é possível conceber esse trabalho da
mesma forma como se procede na rotina do
consultório particular. As diferenças ocorrem desde
a rotina da CT, que convida à vida social, até as
atitudes do profissional de psicologia que são
diariamente observadas. Como afirma Rolf Kruger
(2011): “Temos a vantagem de cuidar melhor de
nosso comportamento ético. Não precisamos ser
uma imagem de perfeição; precisamos ser naturais,
mas fazer de tudo para não quebrar nossa
confiabilidade. ”convida à vida social, até as atitudes
do profissional de psicologia que são diariamente
observadas.
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Na CT Mosteiro Monte Carmelo, por exemplo,
e n c o n t r a - s e a t u a l m e n t e u m a e q u i p e d e
profissionais de psicologia responsável pelo
atendimento de todos os residentes, que
representam mais de 80 pessoas.
4. Conclusão
Relação de Ajuda, Aconselhamento Pastoral e
Psicoterapia podem ser entendidos como
ramificações que a psicologia oportuniza e que se
re ve l a m ú te i s n o t rat a m e nto d e p e s s o a s
dependentes de SPAs. As diferentes abordagens
aparecem como sustentação terapêutica, conforme
se percebe nos relatos dos profissionais das CTs que
se manifestam favoráveis a tais procedimentos,
reconhecendo-os como positivos e eficazes.
A conceituação acima apresentada de cada uma
das técnicas tem por objetivo facilitar e clarear o que
cada CT identifica como fazendo parte do seu
Programa Terapêutico. Assim ocorreu, por exemplo,
na CT Mosteiro Monte Carmelo que, a partir deste
caminho, sistematizou s eus procedimentos e
identificou na Relação de Ajuda o que é chamado
atualmente na instituição de . EstaEscuta Terapêutica
ferramenta foi reconhecida por seu fundador como
o “oxigênio de respiração das Casas”. Na Relação de
Ajuda, múlt iplos conhecimentos e visões
enriquecem a abordagem, que pode até ser vista
como uma simples conversa de meia hora.
As pessoas que atuam nesse trabalho identificam-
n o co m o u m c a m p o p ro m i s s o r, t a nto n o
aprimoramento dos métodos utilizados pelos atuais
profissionais de CTs, quanto na sistematização dos
trabalhos, deixando assim a contribuição para
aqueles que se disporem a dar continuidade à
história.
Relação de Ajuda, Aconselhamento Pastoral e Psicoterapiaem CTs
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Este fato pode ser entendido como um ícone
representando realidades similares que trabalham
na saúde integral do ser humano a partir da
valorização de seus métodos.
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