Relações Interétnicas em Conflito entre Makuxi e Wapixana ... · CAPÍTULO 1: História de um...

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Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes - CCHLA Programa de Pós-graduação em Antropologia Social – PPGAS Mestrado em Antropologia Social Relações Interétnicas em Conflito entre Makuxi e Wapixana na Terra Indígena Raposa Serra do Sol. Wanderley Gurgel de Almeida Mestre Natal - RN Agosto de 2008

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Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN

Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes - CCHLA

Programa de Pós-graduação em Antropologia Social – PPGAS

Mestrado em Antropologia Social

Relações Interétnicas em Conflito entre Makuxi e Wapixana na Terra

Indígena Raposa Serra do Sol.

Wanderley Gurgel de Almeida

Mestre

Natal - RN

Agosto de 2008

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Relações Interétnicas em Conflito entre Makuxi e Wapixana na Terra

Indígena Raposa Serra do Sol.

Wanderley Gurgel de Almeida

Mestre

Natal - RN

Agosto de 2008

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social como requisito à obtenção do título de Mestre em Antropologia Social pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte.

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Copyright © 2008 by Wanderley Gurgel de Almeida

Todos os direitos reservados. Está autorizada a reprodução total ou parcial deste trabalho, desde que seja informada a fonte.

Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes – CCHLA Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social – PPGAS Secretaria do Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social Campus Universitário, Lagoa Nova, CEP: 59.072-970 – Natal/RN Fone/Fax: (0XX84)32153547 E-mail: [email protected]:http://www.cchla.ufrn.br/ppgas

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

A447r ALMEIDA, Wanderley GurgelRelações interétnicas em conflito entre makuxi e wapixana

na terra indígena Raposa Serra do Sol / Wanderley Gurgel de Almeida. Natal – RN: UFRN, 2008.

175 f. il. 30 cm.

Orientadora: Profª. Drª. Francisca de Souza Miller. Dissertação (Pós-Graduação) Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN.

Curso de Mestrado em Antropologia Social.

1.Antropologia social – Roraima 2. Etnologia – Roraima 3.Demarcação de terra indígena (Raposa Serra do Sol) Roraima 4.Índios de Roraima – Relações sociais 5.Índios makuxi e wapixana – Conflito interétnico I. Miller, Francisca de Souza (Orient.) I.Título.

CDD 306.098114 (19. ed.)

Ficha catalográfica elaborada pela Bibliotecária Jaíne Avana Cruz Nascimento – CRB-11/262

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Alguém sem orientação, é como um náufrago sem bússola.

Obrigado, obrigado, obrigado, a minha orientadora,

Profa. Dra. Francisca Miller.

Aos meus professores do PPGAS-UFRN.

Aos professores do Departamento de Antropologia e do INSIKIRAN da UFRR pelo ambiente acolhedor e cooperativo, extensivamente aos colegas professores da UERR.

Ao Dr. Renato Athias (UFPE), por ter aceitado o convite para

a avaliação e apresentação deste trabalho.

À Ana e Adriano, exímios secretários.

Aos colegas Marcos, Jânio, Marilú, Bárbara, Bruno e tantos outros que percorreram comigo a trajetória

– obrigado por permitirem aprender, juntos; Ao Governo do Estado de Roraima e

a Comissão de Gestão do Magistério, por terem concedido o direito de

afastamento remunerado durante o período do mestrado.

Agradeço assim aos amigos e amigas que me incentivaram quando mais precisei:

Kennedy, João, Weykme, Jailton, Jonildo,Sandro, Auricéia, Cristino Wapixana;

A Everton e Roseli, pelo apoio incondicional;Aos primos Francivaldo, Cândida e seus filhos,

pelo suporte que me permitiram;Agradeço especialmente à dona Lilian pela receptividade junto à sua família.

A todos, o meu muito obrigado.

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Aos professores Makuxi e Wapixana: Este trabalho é para nós.

Muito obrigado.

A(os) meus ex-alunos(as).

A minha mãe, pai, irmãos e demais familiares; Aos meus ex-professores que me deram as chaves

para a maior das criações: a humanidade. Aos sogros, Iacy e Aluízio e família, pelo suporte dado

por ocasião de minha ausência na família.

À minha esposa e aos meus filhos Jefferson e Luan Victor:

lutei movido pelo amor a vocês.

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BANCA EXAMINADORA

____________________________________________________

Profa. Dra. Francisca de Souza Miller (Titular) – PPGAS/UFRN

(Orientadora)

_____________________________________________________

Prof. Dr. Edmundo Marcelo Mendes Pereira (Titular) – PPGAS/UFRN

(Membro Interno)

____________________________________________________

Prof. Dr. Renato Athias (titular) - UFPE

(Membro Externo)

____________________________________________________

Dr. Carlos Guilherme Octaviano do Valle - PPGAS-UFRN

(Suplente)

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“O futuro professor que não tiver acesso à formação e à prática de pesquisa, terá,

a meu ver, menos recursos para questionar devidamente sua prática e todo o contexto

na qual ela se insere, o que o levaria em direção a uma profissionalização

autônoma e responsável” (Menga Lüdke – Dra. em Sociologia

Universidade de Paris XX – PUC-RJ)

“Makunaima: vivo até o último índio”. (Faixa fixada acima do púlpito da

34ª Assembléia dos Povos Indígenas de Roraima, realizada em Maturuca, no período de

12 a 15 de fevereiro de 2005).

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SUMÁRIO

Lista de Ilustrações .................................................................................. 09

Resumo .................................................................................................... 10

Abstract .................................................................................................... 11

INTRODUÇÃO ....................................................................................... 12

CAPÍTULO 1: História de um percurso .................................................. 18

1.1 Nascimento e desenvolvimento deste trabalho .................................. 19

1.2 Ambiência .......................................................................................... 21

1.3 O campo de pesquisa ......................................................................... 26

1.4 Makuxi, Wapixana e outros parentes: uma história de conflitos........ 27

1.5 A etnia Makuxi .................................................................................. 38

1.6 A etnia Wapixana .............................................................................. 40

1.7 Preparando para a pesquisa de campo ............................................... 45

CAPÍTULO 2: Conflito Interétnico: uma revisão bibliográfica ............. 55

2.1 Revolvendo concepções .................................................................... 58

2.2 O conflito interétnico no pensamento antropológico ........................ 69

2.3 O conflito interétnico e a Antropologia no Brasil ............................. 82

CAPÍTULO 3: A pesquisa de campo .................................................... 106

3.1 O percurso até a Maloca do Barro ................................................... 107

3.2 A Maloca do Barro........................................................................... 110

3.3 Percepção exterior e interior de um conflito.................................... 126

3.4 No Centro de Formação e Cultura Indígena da Raposa-Serra do Sol e

na Escola Estadual Pe. José de Anchieta ............................................... 137

3.4.1 Primeira viagem ao campo de pesquisa ........................................ 138

3.4.2 Segunda viagem ao campo de pesquisa ........................................ 142

3.5 Da formação em campo à formação na academia ........................... 165

CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................... 168

FONTES CONSULTADAS ................................................................ 174

ANEXOS .............................................................................................. 180

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Lista de Ilustrações

1. FIGURAS: 1.1 Figura 1: Tipiri queimado................................................................................................... 21 1.2 Figura 2: Moradia............................................................................................................... 21 1.3 Figura 3: Creche................................................................................................................. 21 1.4 Figura 4: Vista aérea da área da Maloca do Barro ............................................................ 27 1.5 Figura 5: Duas etnias - separadas no passado e unidas no presente.................................. 64 1.6 Figura 6: Silos de armazenamento e estrutura de beneficiamento de grãos de arroz – lado direito da BR – 174 no trecho Boa Vista – RR – Brasil e Santa Helena, na Venezuela ....... 108 1.7 Figura 7: Entroncamento entre a BR – 174 e a entrada para a Vila do Barro no município de Pacaraima – RR................................................................................................................. 108 1.8 Figura 8: Placa identificadora da entrada para a Vila do Barro onde destaco a inscrição da logomarca do Arroz Acostumado...........................................................................................110 1.9 Figura 9: Vista aérea da Maloca do Barro .......................................................................111

1.10 Figura 10: Fluxograma da dinâmica política na Maloca do Barro ............................... 117

1.11 Figura 11: Alunos Makuxi quando apresentavam trabalho na Escola de Formação de Professores..............................................................................................................................1321.12 Figura 12: Da esquerda para a direita: eu, a Profª. Roseli no alojamento do Centro de Formação................................................................................................................................ 138

1.13 Figura 13: Templo da Igreja Evangélica Assembléia de Deus...................................... 138

1.14 Figura 14: Interior do templo católico local incendiado ............................................... 138 1.15 Figura 15: Interior do criatório de coelhos.................................................................... 141 1.16 Figura 16: Criatório de porcos pertencente ao Centro de Formação............................. 141 1.17 Figura 17: Viveiro de plantas medicinais do Centro de Formação............................... 142

2. MAPAS: 2.1 Mapa 1: Acesso à Maloca Barro ...................................................................................... 132.2 Mapa 2: Raposa Serra do Sol ........................................................................................... 13 2.3 Mapa 3: Mapa de localização dos municípios no Estado de Roraima.............................. 13 2.4 Mapa 4: Regiões Indígenas da TIRSS............................................................................. 23 2.5 Mapa 5: Áreas Indígenas em Roraima.............................................................................. 23 2.6 Mapa 6: Localização por satélite da área da Maloca do Barro........................................ 27

3. DESENHOS: 3.1 Desenho 1: Aniké e seu irmão Insikiran, caçam uma “raposa” a pedido de sua avó que tinha saído da Serra Marari e alcançado a Pedra Pintada .....................................................125 3.2 Desenho 2: Irmãos espreitam o jacaré para cortar-lhe a língua ..................................... 125 3.3 Desenho 3: Raposa sendo enterrada pelos dois irmãos ................................................. 125

4 CROQUIS 4.1 Croqui 1: Centro Comunitário........................................................................................ 119 4.2 Croqui 2: Posição em perspectiva do Centro Comunitário............................................ 120 4.3 Croqui 3: Esboço do quarto onde dormia ...................................................................... 145

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RESUMO

Esta dissertação apresenta uma análise do conflito interétnico entre Makuxi e Wapixana no

momento atual na Maloca do Barro, Terra Indígena Raposa-Serra do Sol, no Estado de

Roraima. O campo teórico foi abordado na Etnologia, perseguindo situações na história local,

com margens na etno-história. A pesquisa decorreu da necessidade de aprofundamento sobre

as relações sociais e políticas indígenas, para o exercício profissional intercultural de

professor, recorrendo a levantamento bibliográfico e observação participante como métodos;

entrevistas não diretivas, fotografias, filmagens e registro em diário de campo, como técnicas

realizadas no período de 2006 a 2007. Apesar de habitarem a mesma área e estabelecerem

casamentos entre si, indivíduos e grupos expressam tensões, agravadas com a demarcação e

reconhecimento legal da área, a qual gerou disputa inter e intra-etnias, principalmente com a

intrusão de fazendeiros e rizicultores e a forma de influência governamental. Foi constatada

uma relação de rivalidade, individual e coletiva, sugerindo o fortalecimento e não o

fracionamento, das lutas políticas, internas e externas em meio à diversidade cultural e

adversidade social.

PALAVRAS CHAVE: Conflito interétnico. Demarcação. Etnologia de Roraima.

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ABSTRACT

This dissertation present an analysis of the interethnic conflict between Makuxi and Wapixana

at the current moment in the Maloca of the Adobe, Aboriginal Land Fox-Mountain range of

the Sun, in the State of Roraima. The theoretical field was boarded in the Ethnology, pursuing

situations in local history, with edges in ethno-history. The research elapsed of the deepening

necessity on the social relations and aboriginal politics, for the intercultural professional

exercise of educator, appealing the bibliographical survey and participant comment as

method; not directive interviews, photographs, filmings and daily register in of field, as

techniques carried through in the period of 2006 to 2007. Although to inhabit in the same area

and to establish marriages between itself, individuals and groups express tensions, aggravated

with the landmark and legal recognition of the area, which generated inter dispute and intra-

etnias, mainly with the intrusion of farmers, rizicultores and the form of governmental

influence. A relation of rivalry, individual and collective was evidenced, suggesting the

strengthenig and not it fractionly, of the fights external politics, interns and in way to the

cultural diversity and social adversity.

KEY WORDS: Interethnic conflict. Landmark. Etnology from Roraima.

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INTRODUÇÃO

Este trabalho consiste numa análise das relações sociais em conflito entre as etnias

Makuxi e Wapixana, habitantes da Terra Índígena Raposa-Serra do Sol, no Estado de Roraima

– Brasil, elaborado como parte da avaliação do Mestrado em Antropologia Social, do

Programa de Pós-graduação em Antropologia Social da Universidade Federal do Rio Grande

do Norte.

Mirar nas relações sociais inter e intra-etnias tornou-se um alvo cujo objetivo foi

formar um entendimento para o fato de que, em meio a situações de intenso e constante

conflito, duas etnias – Makuxi e Wapixana – desenvolvem formas de convivência e

fortalecem a defesa de sua terra e culturas, em meio à diversidade cultural e de espaço político

conturbado no contexto pré e pós-demarcatório da Terra Indígena Raposa-Serra do Sol.

Advindas de ambientes distintos, um caribenho – a etnia Makuxi, e outro amazônico –

a etnia Wapixana, mas nem por isso impelidas por forças diferentes – o processo colonizador -

essas se encontraram e se instalaram na região Nordeste do Estado de Roraima. Estabeleceram

relações vinculantes nos aspectos sociais (casamentos e instituições educativas), econômicos

(comércio e trocas comuns de produtos básicos), culturais (templos religiosos, mitos) e

políticos (divisão de presidências e diretorias de organizações indígenas). Paradoxalmente,

instigaram situações de rivalidade, disputas e reconhecimento coletivo, em alguns momentos,

a ponto de provocarem cisões e fraturas nos vínculos construídos em quase trezentos anos,

embora isto tenha, segundo o propósito e conclusões desta pesquisa, concentrado forças, numa

sinergia política em favor da terra tão disputada entre esses e os grupos intrusivos.

A Maloca do Barro encontra-se após a Terra Indígena São Marcos, dentro da Terra

Indígena Raposa Serra do Sol, abrangendo os municípios de Pacaraima, Uiramutã, Normandia

e Bonfim. Ao Norte, limita-se com a Venezuela e a Leste, com a Guiana Inglesa, como

mostram os mapas na página seguinte.

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Maloca do Barro [Anterior Vila Surumu] – Município de Pacaraima – Roraima – Brasil

É do conhecimento acadêmico o grave problema decorrente do conflito entre índios e

não índios no Estado de Roraima, como em outras regiões do Brasil. Conflitos são fatos

inerentes à sociedade, seja entre indivíduos ou/e entre estes e grupos, dada à diversidade de

pensamentos, projetos, modos de contato inter e intra-etnias. A observação e descrição destas

situações são pretéritas à Antropologia em si, e marcam desde as literaturas das viagens

ultramarinas. Seu estudo mais recente, reporta-se há menos de um século, sobretudo focado na

oposição índios e não-índios, feito acerca do processo “civilizatório” ou, como se denomina

também, processo de contato.

No Brasil, o componente étnico índio, “descoberto” por ocasião do contato dos

“homens”, transitou de características “selvagens” até atingir o patamar de ser um “cidadão

civilizado que até vota”. Povoou romances como O Guarani, Iracema e Ubirajara, todos

apresentando um mesmo substrato estético e ideológico: heróis da nascente nacionalidade pós-

colonial. Através desses guerreiros “audaciosos e sem mácula” (Peri, Jaguarê, Poti) e da

mulher disposta a qualquer sacrifício (Iracema), os leitores do século XIX podiam se orgulhar

de suas supostas origens americanas e de sua ancestral nobreza.

Esse índio também foi tema de filmes épicos nacionais como a ficção Brava Gente

Brasileira (Brasil, 2000) onde colonizadores da região do Pantanal se envolvem por estupro

com índias da tribo Kadiwéus, de raminificação Guaicuru, no século XVIII; a comédia Carlota

Mapa 3: Mapa de localização dos municípios no estado

(Fonte SEPLAN RR – 2001 / Adaptação Ruschmann

Consultores).

Mapa 1: Acesso à Maloca do Barro (Fonte: Mapa IBGE – 2000).

Mapa 2: Raposa Serra do Sol (Fonte: CIR.)

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Joaquina (Brasil, 1995), abordando o desencanto colonial português a partir de 1807 e os treze

anos seguidos; e, o infantil Tainá I - Uma Aventura na Amazônia, e II – A Aventura Continua

(Brasil, 2000; 2005), onde a infância está representada na relação índio com não-índio, no

contexto da proteção à natureza e o conflito entre valores naturais e urbanos, entre outros

filmes. Em nenhum deles é abordado o problema do conflito entre índios e índios, um conflito

interétnico indígena.

Nos informativos escritos e falados acompanhados a partir de consultas diárias em

sítios virtuais de busca e pelas redes de televisão em noticiários nacionais, nenhum dos canais

veiculou, no período de fevereiro de 2006 a junho de 2008, notícias dando conta do conflito

na Terra Indígena Raposa-Serra do Sol, com ressalva a atritos individuais provocados fora da

Maloca, quase sempre originados por “bebedeiras” [destaque meu]. De 350 arquivos escritos e

falados, 85,71% (300) reportam-se a problemas originados do encontro entre índios e não-

índios, e os demais, acerca de como as “autoridades” estavam encaminhando a oposição ao

modelo demarcatório. É em apenas um filme etnográfico – Em Nome da Terra (Brasil, 2003)

– que o conflito indígena é enfocado no passado do Estado de Roraima como fator de fusão

interétnica.

Na literatura acadêmica local, até o momento da pesquisa bibliográfica, não constava

nenhum estudo aprofundado realizado sobre esse “objeto empírico”. Ressalto que as menções

feitas a desavenças entre Makuxi e Wapixana foram detectadas por antropólogos estrangeiros,

como Teodor Koch-Grünberg (1917), Santilli (2001), Herwin Frank (2002) e Baines (2004).

Os Makuxi compõem uma etnia presente na República Federativa do Brasil e na

República Cooperativista da Guiana, com população estimada em 19 mil (Brasil) e 9,5 mil

índios na Guiana conforme Censo de 2001, confirmado nos dados do Instituto Sócio-

ambiental, de dezembro de 2004. De língua materna Karib, integram um grupo maior

chamado Pemon, termo opositor a Kapon, nome que os une ao Arakaio – que no Brasil são

reconhecidos por Ingarikó – e os Patamona, povos vizinhos seus ao norte e nordeste,

respectivamente. Essas variantes etnoculturais possuem identidades específicas que mantém

esses povos distintos, ao que se dá a alcunha de área circum-Roraima, cujas terras são

chamadas de campos gerais por uns, e de lavrados, por outros, o que se estende às serras

entrecortadas de pequenas florestas no extremo norte do estado e a norte do distrito guianense

de Rupununi, totalizando cerca de 30 mil a 40 mil km2. Com Ingaricós e Wapixanas, residem

na Terra Indígena Raposa-Serra do Sol, área estimada em 1.678.800 ha.

Já os Wapixana estão constituídos em cerca de 12.500 pessoas que vivem na extensão

que vai do Vale do Rio Uraricoera, no Brasil, ao vale do Rio Rupununi, na República

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Cooperativista da Guiana. Para Migliazza (1985, p. 60), o termo Wapixana é empregado para

indicar, no Brasil e na República Cooperativa da Guiana, os falantes de dois dialetos

reciprocamente compreensíveis: Wapishana e Atorai, em que podem, também, ser

encontrados ao se fazer referência a esse povo: Wapityan, Wapitschana, Matisana, Uapixana,

Vapidiana, Attaraye, Dauri, Atorayu, Vapidiana Verdadeiro, Aturaiu, Amaripás, Maopitian e

Wapichiyana.

Segundo informações da Diocese de Roraima, com a chegada dos Karib, e em

especial, dos Makuxi, os Wapixana tiveram que defender seu território bravamente. Após

várias guerras com os Makuxi, foram derrotados, empurrados para outras áreas da região e, os

submetidos, tiveram que assumir vários traços culturais dos Makuxi (Conselho Indígena de

Roraima, 1989). Encontram-se distribuídas em três malocas distintas: Surumu-Cotingo,

Taiano-Amajari e Serra da Lua-Rupununi (idem, 1989, p. 71). Aquelas que ficam na área de

Sorumu-Cotingo estão em pertinência territorial com os Makuxi, configurando-se um espaço

de confluência interétnica como igualmente ocorre com os dois rios que banham suas terras. O

termo maloca é empregado por Makuxi e Wapixana [wapitSan] para exprimir o sentido de

aldeia e de abrigo que, como percebeu o Professor Dr. Manuel Gomes dos Santos, da

Universidade Federal de Roraima, encontram-se “situadas nas proximidades dos rios e

igarapés, compostas de um conglomerado central constituído de edificações de uso coletivo,

quais sejam: um ‘malocão’, amplo galpão coberto de palha de buritizeiro ou de inajá onde se

realizam eventos sociais diversos” (2006, p. 26), o que também confirmei, posteriormente,

pela presença em campo.

Ambas as etnias se atribuem o termo Tuxaua [em Makuxi escrito como na língua

portuguesa e tuSau – em Wapixana] ao chefe político que igualmente assume uma liderança

local e externa na representação étnica e, quando necessário, resolve contendas individuais e

grupais. Segundo relato obtido do Tuxaua da Maloca do Barro, há muito tempo atrás se

tratava de uma autoridade transferida hereditariamente. Após o contato estabelecido com a

sociedade não indígena, a seleção para Tuxaua passou a ser segundo a capacidade

reconhecida, o que me soou como uma adoção de um modelo alheio a que associo,

provavelmente, à ação de umas ou de todas as agências indigenistas como a Fundação

Nacional do Índio - FUNAI ou Conselho Indigenista Missionário - CIMI. Vale o registro de

que essa nomenclatura não é encontrada até 1981 quando são reconhecidas apenas duas

autoridades nas Malocas, segundo a literatura consultada, que são o “cacique” e o “pajé”,

sendo o primeiro “proveniente do Taino, uma língua das Antilhas, palavras indevidamente

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utilizadas para definir chefes indígenas” enquanto o segundo, “um ou mais indivíduos que se

encarregam de curar doenças através de práticas mágicas” (FARIAS, 1981, p. 18).

Como os Makuxi, os Wapixana têm atividades de subsistência a partir da plantação em

roças comunitárias, bem como da coleta direta dos víveres terrestres e aquáticos. De acordo

com os relatos ouvidos durante a pesquisa de campo, as roças são feitas mediante um convite

formulado por alguém, a que outros se engajam. São plantios de milho, feijão, mandioca,

macaxeira e atualmente, pequenos roçados de arroz. A preparação do solo para plantio é feita

pelo uso controlado do fogo, no que é conhecido como “coivara”.

Considerando os elementos expostos acima, apresento o problema desta pesquisa: O

que propicia o estabelecimento e fortalecimento de relações sociais vinculantes entre as etnias

Makuxi e Wapixana, habitantes da Terra Indígena Raposa-Serra do Sol, mesmo estando em

pleno contexto de conflito social ao desdobramento da homologação de sua terra? Como

formulam “mecanismos” de aproximação, quando tudo leva a crer numa interseção entre

ambas e, conseqüentemente, um processo de afastamento social? Qual a atuação que

indivíduos e grupos exerceram e podem exercer em prol dessa (im)pertinência interétnica? Há

alguma influência da instituição escolar nesse processo? Havendo, como transcorre? Como e o

que foi abordado pela literatura local quanto a um provável conflito interétnico? Que desafios

podem emergir por ocasião do encontro investigativo entre um professor pesquisador e outros

“alvos” de sua pesquisa? Que estratégias tornaram-se eficazes, viabilizando o trabalho

antropológico em campo?

A fim de atender ao desafio instaurado da necessidade minha e de meus colegas

professores que atuam na formação intercultural indígena no Estado de Roraima, de ampliar o

entendimento do conflito e obter uma compreensão de como atuar em contextos sociais de

conflito interétnico, elaborei um roteiro teórico e metodológico. O trabalho tem três capítulos.

No primeiro capítulo, cujo início se dá por uma breve incursão pela minha história pessoal e

profissional, adentra-se no campo empírico – a Maloca do Barro (anterior Vila Surumu) – com

o propósito de recuperar aspectos mais relevantes da história Makuxi e Wapixana,

precisamente ao encalço das situações de contato entre estas, enquanto me proponho trazer à

memória a produção antropológica local, regional e nacional para, no segundo, propor uma

revisão bibliográfica na literatura psicológica, filosófica, sociológica e antropológica, com o

intuito de avaliar sua validade ou não para o estudo em curso. Nesta seção, perseguem-se

elementos que levam à aproximação e distanciamento das características do conflito

interétnico em tela com as respectivas abordagens. E no terceiro capítulo, realizar uma leitura

por observação participante, das expressões e impressões individuais e coletivas de conflito, o

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que foi feito em duas ocasiões: maio (pesquisa exploratória) e novembro/dezembro de 2007

(observação participante) em que foram feitas anotações em diário de campo, entrevistas

abertas (individuais e coletivas) com foco na história pessoal de cada participante e gravações

em áudio e vídeo para memória da pesquisa e geração de um pequeno documentário do

trabalho em campo, bem como o acompanhamento diário em artigos escritos e matérias

jornalísticas televisionadas.

É conveniente esclarecer que a Maloca do Barro foi escolhida por ser o centro político

da Terra Indígena Raposa-Serra do Sol (doravante TIRSS). É para lá que todos aqueles

interessados em desenvolver diferentes trabalhos sobre a TIRSS se dirigem e, em princípio, lá

fazem porto, além de ser a porta de entrada para as outras Malocas que a compõem. É nela

onde se encontram as instituições educativas que considero de maior influência social e

política da TIRSS: a Escola Estadual Pe. José de Anchieta e o Centro de Formação e Cultura

da Terra Indígena Raposa-Serra do Sol (CFCIRSS); a primeira com cinqüenta anos e a

segunda com seis anos de existência. Instituições de grande relevância, pois, a maioria dos

Tuxauas estudou ali. Lembro ainda que o CFCIRSS teve sua estrutura depredada por uma

campanha incendiária e que a sede da Escola Pe. José de Anchieta sempre serviu de abrigo a

pessoas e grupos em ocasiões emergenciais, desde refúgio em caso de ataque que ameace a

vida, a abrigo para grupos de policiais como ocorreu no processo de desintrusão, o que foi

chamado de Operação Upatakon (Nossa Terra).

Estudar o problema do caráter do conflito interétnico não constitui ameaça grave a

quem por ele se interessar. O problema a que se deve – sim – atentar, é o de se conseguir um

financiamento para a pesquisa, quando o centro de formação do aluno (a Universidade) for

distante do campo de pesquisa, o ideal é que fossem feitas participações periódicas.

Infelizmente, não dispunha de recursos suficientes para a manutenção pessoal e as

necessidades da pesquisa nem de uma licença para permanecer por um período maior, senão

de quinze dias na segunda viagem.

Considero que este trabalho não chegou ao fim. Consiste no primeiro passo na direção

de um aprofundamento maior que abarque os meandros do cotidiano e das representações que

Makuxi e Wapixana fazem de si e dos outros, focando nas relações de sociabilidade, o que,

quem sabe, possa vir com o doutoramento, ou por alguém que lhe dê continuidade.

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CAPÍTULO 1

História de um percurso

Considero importante apresentar esta pesquisa por uma via que permita o

entendimento do que chamo de história de um percurso. Tanto em termos de percepção do

“objeto” quanto da identificação do e com o espaço e os “sujeitos” incluídos, a objetivação

não foi ao acaso. O processo de formação intercultural de professor índio e não índio me

impôs uma série de fatores que concorreram de tal modo que posso afirmar, incidiram

fortemente no delineamento deste trabalho.

Se há fotografias de algum episódio dos que aqui foram citados, não tive acesso a

nenhuma delas. Provavelmente, diria, não haja sequer uma, visto que conflito é algo comum

nas relações interétnicas indígenas, não justificando a captura de uma cena para que seja

guardada em um álbum ou caixa. Refiro-me numa expressão aparentemente redundante –

relações interétnicas indígenas – para marcar a particularidade do recorte feito: um conflito

entre índios e índios. Pois, há incontáveis fotos possíveis de inserção neste trabalho, de um

outro conflito – entre não índios e índios – inclusive nesta ordem, das quais selecionei e

publico aqui, apenas como cenas que me provocaram, ocorridas dentro da Terra Indígena

Raposa-Serra do Sol, fatos que igualmente marcaram a vida de muitos dos que estão citados e

ouvidos neste capítulo.

O problema de pesquisa não foi “escolhido” aleatoriamente, mas como uma imposição

requerida pelo exercício profissional na peculiaridade de formação intercultural de professores

índios e não índios, função que exerço no Estado de Roraima. Na seqüência, apresento1 a

pesquisa, tanto por levantamento bibliográfico local, quanto no campo, realizada na Maloca

do Barro – antiga Missão Surumu – no município de Pacaraima - Estado de Roraima, no ano

de 2007. A população do Município, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

para residentes até 1° de abril do mesmo ano, é de 8.640 habitantes2.

1 Durante a elaboração do texto sirvo-me algumas vezes de questionamentos com o propósito de provocar reflexão sobre o que virá em discussão. 2 Disponível em: http://www.ibge.com.br/home/estatistica/populacao/contagem2007/default.shtm. Acessado em 14 de julho de 2008.

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1.1 Nascimento e desenvolvimento deste trabalho

Para mim, estudar conflitos interétnicos não foi por acaso. Sempre mantive um certo

envolvimento com movimentos de participação política. Foi assim desde que cooperava com

as comunidades eclesiais de base – CEBs – da Igreja Católica, ainda quando residia no

Município de Caraúbas, Rio Grande do Norte. Naquele período (década de 1990), quase que

semanalmente mantinha contato com trabalhadores rurais no município. Eram ocasiões em

que, reunidos, debatíamos sobre os problemas sociais de cada uma delas e pensávamos em

alternativas de superação. De certa forma, isto me serviu de “escola”, uma espécie de espaço

de iniciação.

Com a licenciatura em Ciências Sociais (1990-1993), sobretudo pelas experiências de

pesquisa vivenciada no Programa Especial de Treinamento3 (CAPES/UERN), e o curso de

Especialização em Metodologia do Ensino Superior e da Pesquisa Científica (1996), há 12

anos procuro identificar, enquanto docente de Ensino Fundamental, Médio e na Educação

Superior, fatores que incidem direta e indiretamente no ato do conhecimento do outro, visto

que o exercício profissional docente requer essa habilidade, inclusive para verificação da

aprendizagem.

Como formador de professores, me sinto participando da personificação profissional

de outras pessoas. Essa conclusão veio durante conversas estabelecidas com meus pares, ao

recordar três atuações por mim exercidas, sendo a primeira quando docente do Magistério

Parcelado Indígena4 (1999-2001), a segunda, por ocasião da docência no Instituto Superior de

Educação de Roraima – ISE – RR, e quando lecionava disciplinas antropológicas para alunos

de cursos de licenciatura e bacharelado na Universidade Federal de Roraima – UFRR (1998-

1999; 2002-2003). Por todas as experiências anteriores, percebia que eram apreendidos não

apenas teorias e métodos, mas também percebia aproximações de pensamento, ação,

sentimentos, falas, relações e construções de conhecimentos do professor, manifestos nos

discentes. Devia acontecer o mesmo com outras características de outros docentes.

O ano 2005 foi decisivo para a “conquista”. Neste, aceitei ser co-orientador do ex-

aluno G5. do curso de Graduação [bacharelado] em Antropologia Social da Universidade

Federal de Roraima. Por ocasião dos encontros que geralmente ocorriam na minha residência,

3 Programa de Educação Tutorial, organismo ligado ao Ministério da Educação do Brasil. 4 Curso preparatório de professores para o Ensino Fundamental desenvolvido pela Escola Estadual de Formação de Professores de Boa Vista – RR. Em 2002 foi transformado no Instituto Superior de Educação de Roraima – ISE-RR e em 2006, na Universidade Estadual de Roraima, onde participei da elaboração do Projeto Pedagógico das duas últimas instituições. 5 Guardo o anonimato apenas o identificando pela letra “G”, para resguardar a identificação da pessoa.

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G. sempre me falava de suas preocupações com os desdobramentos sociais e ambientais da

demarcação para os grupos envolvidos e supracitados. E, à tarde, mostrei-lhe uma específica

preocupação: a de que os meus alunos professores/professoras - indígenas e não-indígenas

[Ensino Fundamental – séries iniciais] em formação – diziam eles – não queriam falar de outra

coisa dentro e fora da sala de aula, senão da “demarcação” na Raposa-Serra do Sol.

E, por fim, durante observações dentro e fora de sala de aula com professores

indígenas e não-indígenas no Estado de Roraima6, de 1998 a 2005 [ano em que encerrei as

atividades no Instituto Superior de Eucação de Roraima], por ocasião de minha aprovação no

processo seletivo do Programa de Pós-graduação em Antropologia Social da Universidade

Federal do Rio Grande do Norte, este tema sempre vinha em direção a outros correlatos à

docência: aprendizagem, ensino, contextualização.

A referida temática e exercício profissional tornaram-se paralelos. Isto, portanto,

participaria efetivamente, da relação teoria e prática de formação intercultural e não por uma

necessidade pessoal ou, como diz Selma Garrido Pimenta, “a experiência como saber se

constata no sentido do que se produz no cotidiano docente, num processo permanente de

reflexão sobre sua prática, mediatizada pela de outrem, seus colegas de trabalho, os textos

produzidos por outros educadores” (GARRIDO PIMENTA, 2002, p. 15).

O fato primordial para despertar o interesse pela temática encontra-se nas primeiras

vivências minhas realizadas em sala de aula em uma das duas turmas do Magistério Parcelado

Indígena em que trabalhava como professor: em nenhuma delas eu conseguia reunir em um

mesmo grupo de trabalho, índios de origem Makuxi com índios Wapixana. Isto me instigava.

Sem nunca obter uma explicação deles próprios, a não ser o silêncio, ou no máximo, sorrisos,

busquei explicação fora do ambiente de sala de aula. Durante os intervalos de aula,

conversando com alunos enquanto fazíamos algum lanche, ouvi de um deles, o que tanto

aguardava: “Professor, é que desconfiamos uns dos outros” – exclamou um dos alunos em

meio a um sorriso. Alí estava o começo de minha trilha.

Quando iniciava o Mestrado em Antropologia Social na Universidade Federal do Rio

Grande do Norte, pretendia estudar sobre o processo de formação da identidade social desses

professores, de modo que fosse possível estabelecer alguma comparação com características

da minha identidade docente, que hipoteticamente, seriam encontradas enquanto me

6 Na única escola de formação de professores do Estado, denominada Escola de Formação de Professores de Boa Vista e posteriormente o instituto Superior de Educação de Roraima – ISE – RR. Nessas instituições, alunos de todo o Estado freqüentavam sendo que, os da capital, durante os semestres regulares e os do interior, nos recessos letivos.

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relacionasse com os demais. Porém, duas ocorrências importantes vieram: a primeira, na

oferta de duas disciplinas optativas pelo curso, mas obrigatórias para mim: Antropologia e

Meio Ambiente, ministrada pela Professora Drª. Francisca Miller, e Etnologia Indígena, pelo

Professor Dr. Edmundo Pereira; e a segunda, o acesso a uma vasta cobertura fotográfica a que

tive acesso, de um ato que me provocou bastante: um ato incendiário ocorrido na antiga Vila

Surumu, conforme imagens a seguir.

Vestígios de Incêndio Criminoso na Maloca – Surumu – Pacaraima – RR, em 06 de janeiro de 2004.

ilha.

As fotos provocaram uma inquietação: afinal, quem cometeu esses atos criminosos?

Que motivos levaria alguém a atear fogo em espaços de uso individual e coletivo?

Para situar a pesquisa, menciono a seguir alguns elementos que pretendem expor um

pouco sobre o espaço onde transcorreu a pesquisa nos aspectos geográficos e históricos, com a

finalidade de situar indivíduos e grupos em seus ambientes. A área de estudo encontra-se

situada a nordeste do Estado de Roraima.

1.2 Ambiência

Apóio-me em elementos apreendidos de estudos e pesquisas na Terra Indígena

Raposa-Serra do Sol, terras habitadas predominantemente pelas etnias Makuxi – de tronco

lingüístico Caribe, e Wapixana – Aruak (FREITAS, 1997). Contudo, reporto-me aqui às etnias

Makuxi e Wapixana, por serem aquelas que se mantiveram na “linha de frente” do processo

demarcatório da Terra Indígena Raposa-Serra do Sol e se mantêm na “frente de defesa” de sua

homologação.

Perseguem-se aqui alguns desdobramentos e repercussões ao nível coletivo e

individual, na perspectiva de perceber compreensões sobre situações de conflito interétnico.

Figura 1: “G” - Tipiri queimado

Figura 2:“G”. –

Moradia

Figura 3: “G”. - Creche

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Para tal empreendimento, elegi como contingente de pesquisa: 01 Tuxaua; 02 Coordenadores

de área; 07 professores (2 do Centro de Formação e Cultura Indígena da Terra Raposa-Serra

do Sol e 5 da Escola Estadual Pe. José de Anchieta); 20 alunos do Centro de Formação; 03

lideranças religiosas (1 “evangélica”- pastor, e duas católicas - missionárias); 1 representante

de agência indigenista e pessoas da comunidade selecionadas aleatoriamente. Uma ênfase é

dada aos professores da Escola Estadual Pe. José de Anchieta e do Centro de Formação e

Cultura Indígena Raposa-Serra do Sol, instituições educativas que atendem juntas, quase 400

alunos do Ensino Fundamental (etnias Makuxi e Wapixana) ao Ensino Médio (Makuxi,

Wapixana, Taurepang, Wai-wai e Ianomâmi), este último na categoria de Técnico em Manejo

Ambiental.

Tal destaque foi dado por considerá-las colunas principais, não apenas como locais que

servem de cenários, mas como espaços de reflexão, mobilização e proteção. Segundo dados

do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira, a etnia Makuxi é a

terceira do País em número de alunos matriculados, conforme o Censo Escolar das Escolas

Indígenas 2001. Parto da hipótese de que no processo de delimitação da Terra Indígena

Raposa-Serra do Sol [TIRSS], a atuação de um “par étnico” – Makuxi e Wapixana – foi

decisiva para o seu reconhecimento e homologação, principalmente pela atuação de

professores índios das e nas escolas presentes na Maloca do Barro, porque capazes de

conciliar dois fatores importantes: tradição e diferenças.

Tradição aqui se entende não na acepção de reprodução de traços originais de uma

cultura, mas como definida na direção pensada por Melvina Araújo (2006): tradição como

resultado da ressignificação sugerida pela gramática religiosa da Missão Consolata, isto é,

pelo catecismo ali ensinado. Nesse sentido, as formas de ação desses índios [Makuxi] passam

a ser concebidas na perspectiva alheia aos seus atores, propiciando uma reapropriação do

simbólico e do ritualístico, aferindo uma outra extensão, no que seja classificada como

próxima àqueles traços anteriores ao contato com não índios.

Todo o Estado de Roraima apresenta uma extensão 1.922 km de divisas internacionais,

sendo: 958 km com a Venezuela, a Norte e a Oeste, e 964 Km com a República Cooperativista

da Guiana. A capital estadual é Boa Vista sendo que, com mais 14 municípios, compõem o

Estado, totalizando 225.116,1 km2, o que corresponde a 2,63% do território nacional7.

Para uma melhor identificação das áreas indígenas, particularmente aquelas habitadas

pelas etnias Makuxi e Wapixana, apresento os mapas a seguir:

7 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE, 2000.

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Como se pode perceber ao comparar os mapas 4 e 5, há diferenças entre o

delineamento geográfico indígena com o não indígena, o que atribuo a dois fatores: o

primeiro, pelo conhecimento detalhado que só aqueles que lá habitam, detectam os marcos

estabelecidos e, segundo, pelo modo como captam a realidade local, colocando em parâmetro,

as áreas de interesse do Estado. Com relação ao Mapa 5, notam-se as áreas 2 e 8, habitadas

pelas duas etnias em foco. E pelo posicionamento geográfico demonstra que segundo fontes

orais ouvidas durante a pesquisa de campo, o encontro interétnico Makuxi e Wapixana

REGIÕES INDÍGENAS

MAPA 5: Áreas Indígenas em Roraima. Fonte: Secretaria de Planejamento, Indústria e Comércio-SEPLAN Deptº de Meio Ambiente - monitoramento ambiental (2001).

MAPA 4: Regiões Indígenas da TIRSS, identificadas e reconhecidas pela Organização dos Professores Indígenas de Roraima. Fonte: OPIR (2008).

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ocorreu no início do século XVIII quando os Makuxi, fugindo da perseguição espanhola no

Caribe, migraram na direção sul, alcançando a Vanezuela e, seguindo pelo Rio Orinoco,

alcançaram a região onde habitam – Brasil e Guiana. Lá chegando, se depararam com a etnia

Wapixana, que igualmente migrava, fugindo da perseguição portuguesa a partir do curso do

Rio Branco.

Os portugueses tomaram conhecimento das terras mais ao Norte do Brasil a partir de

relatos do Jesuíta Christobal de Acunã, cronista oficial da primeira viagem do capitão Pedro

Teixeira pelo Rio Amazonas, entre 1637 e 1639. Segundo o professor e historiador da

Universidade Federal de Roraima, Dr. Jacir Guilherme Vieira:

Essa expedição tornou mais conhecido o trecho entre os Andes e o Atlântico. Foi depois dessa viagem que os portugueses ficaram bem mais informados da quantidade de rios importantes que possuía essa região. Não se sabe ao certo, mas talvez date daí a descoberta do Rio Branco, possibilidade apontada por um funcionário colonial no século XVIII, Francisco Xavier Ribeiro Sampaio e, posteriormente, por Joaquim Nabuco, quando da defesa do Brasil na questão de limites com a Inglaterra em 1901 (VIEIRA, 2003, p. 25).

Havia, portanto, uma situação crítica aos Wapixana: acima (Norte) e ao lado (Leste),

uma etnia desconhecida, mas semelhante pelos traços físicos – os Makuxi; abaixo (Sul), um

grupo fisicamente e culturalmente diferente – os portugueses. Ambos com os mesmos fins: a

busca de novos territórios, condição que lhes forçaria a processos adaptativos nos aspectos

sociais e culturais. Sociais porque os Makuxi e portugueses chegavam com uma maior

habilidade guerreira, enquanto os Wapixana não tinham essas práticas; além do mais, os

Makuxi, falantes de uma língua incompreensível para estes, tinham uma organização familiar

distinta: eram poligâmicos.

Como ocorreu a ocupação “branca” em terras do extremo Norte brasileiro? Na segunda

metade do século XVII e parte do seguinte, a falta de braços para a lavoura e outros serviços

na Amazônia oriental deu origem a uma modalidade econômica: a da caça ao índio, no alto

Rio Branco e seus afluentes. Sertanistas portugueses sediados em Belém e Maranhão

entravam em constantes atritos com religiosos, principalmente os jesuítas (REIS, 1989). Mais

que uma disputa por mão-de-obra, segundo Furtado (1987), era uma luta por dois sistemas

incompatíveis: o extrativismo e a agricultura escravista, ficando esta confinada, pelas

dificuldades enfrentadas, inclusive a de adquirir escravos africanos no Maranhão e áreas mais

próximas do delta amazônico (idem, p. 10).

Ambos os sistemas dependiam inteiramente dos índios, como identifica Farage: “Dos

índios dependiam não só a extração das ‘drogas do sertão’, como também todos os outros

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serviços voltados para a vida cotidiana dos colonos: eram os remeiros, os guias, os

pescadores, os caçadores, carregadores, as amas-de-leite, os farinheiros [...]”(FARAGE,

1991, p. 26).

O embrião do que no futuro seria Roraima iniciou-se com a formação de três fazendas

Reais. A primeira das fazendas criadas, a de São Bento, na margem esquerda do Rio Branco,

nasceu da iniciativa pessoal do governador, segundo Reis (1989). O comandante do Forte de

São Joaquim, o alferes Nicolau de Sá Sarmento, fundou a segunda fazenda, a de São José. A

terceira, a única fazenda ainda existente, a de São Marcos, foi fundada por Freire d’Évora,

tido como senhor de grandes posses (REIS, 1989, pp.144-145).

Com a fundação do Forte de São Joaquim e a implantação das fazendas reais, os

campos do Rio Branco estavam incorporados ao projeto amazônico iniciado pelo Marquês de

Pombal: de ocupação e domínio. A cultura do gado e a fortaleza fixaram ali um pequeno

grupo de origem européia, se impondo ao indígena, e deu origem a um setor social e político

de relevância no futuro. Membros do contingente militar foram casando com as índias e

formando famílias, o que era facilitado pelas autoridades (SIMONIAN, 2001), enquanto os

militares mais graduados, quase sempre oriundos do Nordeste, trouxeram suas famílias.

Seus descendentes se tornaram fazendeiros, privatizando as terras das fazendas reais

(BARROS, 1995) e incorporando elementos chegados mais recentemente. Com a passagem

do século XIX para o XX, originaram-se grupos familiares que ainda têm projeção social em

Roraima. Ocorreu assim, como em tantas outras partes do Brasil, um processo típico de

estruturação de uma sociedade formada em função de formar patrimônio, terras,

propriedades. Uma sociedade reproduzida pelos herdeiros de um patrimônio, quase sempre

integrantes de uma mesma família.

No fim do século XVIII, os índios administrados pelos soldados do Forte São

Joaquim se rebelaram contra maus tratos sofridos. Muitos abandonaram as antigas missões,

só retornando após anistia e promessas de melhoria das condições de vida que se

encontravam (comida, cuidados com a saúde, etc), enquanto outros permaneceram nas

florestas e serras. Outros ainda, como os Ianomâmi, ficaram à margem do processo colonial,

só manteriam contatos mais freqüentes com a civilização dominante no século XX.

Assim sendo, é fácil entender porque a política de fundação dos territórios federais no

Brasil foi focada em centros urbanos, inclusive no Norte brasileiro e, particularmente, mais

tarde ratificado pelo Estado, quando da criação do Estado de Roraima em 05 de outubro de

1988, com a nova Constituição da República.

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Para defender os interesses de grupos não-indígenas, como explicita o discurso do

governo estadual e da imprensa local, encontram-se o Estado e todo o grupo de arrozeiros e de

plantadores de soja. Estes, com modelo único: em áreas descontínuas, excluindo-se as

“propriedades produtivas”, chegando-se a proferir abertamente na imprensa escrita e falada o

discurso da inviabilidade econômica e social do Estado de Roraima. Outro discurso paralelo

que se pode testemunhar foi o do “entreguismo” [destaques meu], ou seja, há uma força não

governamental atuando legalmente, interferindo e pressionando a entrega do estado de

Roraima a países estrangeiros, particularmente aos Estados Unidos.

1.3 O campo de Pesquisa

Até 1917 a área onde hoje está situada a Maloca do Barro era legalmente uma

propriedade do Estado do Amazonas que, no mesmo ano, foi demarcada pela primeira vez

para ser reconhecida como terras indígenas – a da Raposa e a da Serra do Sol. Esta sofreu uma

nova demarcação em 1979, depois, outra vez em 1980; uma quarta em 1981, outra no ano

seguinte [1982] e sua oficialização em 2005, segundo Relatório da Diocese de Roraima

(1990).

O processo de demarcação da Área Indígena Raposa/Serra do Sol desde então

mobilizou e repercutiu na população de Roraima. Após sucessivas ampliações, a reserva foi

declarada de posse permanente dos índios8 – com um total de 1.678.800 hectares – conforme

detalhes do Decreto Presidencial:

Art. 1º Fica homologada a demarcação administrativa, promovida pela Fundação Nacional do Índio - Funai, da Terra Indígena Raposa Serra do Sol, destinada à posse permanente dos grupos indígenas Ingarikó, Makuxi, Taurepangue e Wapixana, nos termos da Portaria n.º 534, de 13 de abril de 2005, do Ministério da Justiça; Art. 2º A Terra Indígena Raposa Serra do Sol tem superfície total de um milhão, setecentos e quarenta e sete mil, quatrocentos e sessenta e quatro hectares, setenta e oito ares e trinta e dois centiares (sic), e perímetro de novecentos e setenta e oito mil, cento e trinta e dois metros e trinta e dois centímetros, situada nos municípios de Normandia, Pacaraima e Uiramutã (...)

Dois motivos de ordem física foram determinantes na escolha da Maloca do Barro

como o local da pesquisa: as difíceis condições de acesso (estradas em péssima condição de

manutenção, malocas que só podem ser alcançadas por via fluvial e o fato de não dispor de

um carro com tração a minha disposição) para percorrer toda a extensão da Terra Indígena

8 De acordo com o Estatuto do Índio que diz que as terras utilizadas por grupos indígenas devem permanecer sob sua posse exclusiva, embora não lhe consista uma propriedade particular nem comunal, já que não são pertencentes a uma pessoa física nem jurídica. Isto pode representar uma condição para um embate jurídico.

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Raposa-Serra do Sol e a não disposição de um veículo que vencesse os obstáculos de acesso

via terrestre no local onde realizaria a pesquisa. Outro forte motivo é o de que na mesma se

concentra a organização e a coordenação política da Terra Indígena Raposa Serra do Sol, por

sinal, onde fica a mais antiga escola indígena do Estado, a Escola Estadual Pe. José de

Anchieta (50 anos) e o Centro de Formação e Cultura Indígena Raposa Serra do Sol (quatro

anos – apesar de o Projeto Político Pedagógico ter sido concluído em 2006). A primeira,

oferece o Ensino Fundamental, desde a Educação Infantil ao Ensino Médio não

profissionalizante, e a segunda, formação em ensino profissionalizante com concentração em

técnicas agropecuárias e manejo ambiental, modalidade criada em 2006.

O mapa abaixo dispõe de uma vista aérea em que se pode ver, ao centro, o contorno

em que a Maloca encontra-se situada, o que destaco em seta.

MAPA 6: Localização por satélite da área da Maloca do Barro. Fonte: Google Maps. Disponível em: http://maps.google.com.br/maps?utm_campaign=pt_BR&utm_source=pt_BR-ha-latam-br-bk-gm&utm_medium=ha&utm_term=mapas%20google. Acessado em: 23 de julho de 2008. Recorte: Foto Divulgação (FOLHA DE BOA VISTA, 17.04.2008).

1.4 Makuxi, Wapixana e outros parentes – uma história de conflito.

Os primeiros relatos sobre a convivência entre Makuxi e Wapixana foram feitos por

Theodor Koch-Grünberg em sua obra “Do Roraima ao Orinoco” (2006 – Brasil), publicação

posterior a “Dois anos entre os Indígenas - viagens no noroeste do Brasil” (1903/1905).

Embora durante todo o texto recorra a uma intensa vontade de mediar a realidade em que

estava e traduzi-la para o leitor, transpôs para a escrita um clima capaz de envolvê-lo e até

sem esforço, provocar o imaginário o suficiente para que sejam recriados o espaço geográfico

FIGURA 4 – vista aérea Maloca do Barro

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e seus componentes como temperatura, oscilações dos ventos, o relevo, a hidrografia e,

sobretudo, os problemas decorrentes das relações sociais e de seus ajudantes, bem como dos

habitantes dos lugares por onde passavam, em suas cores, sons e cheiros.

Como os de sua geração, Koch-Grünberg em “Do Roraima ao Orinoco” (2006) realiza

classificações que vão desde “naturais” (envolvendo espécies animais e vegetais) quanto

sociais (mameluco, civilizado-caboclo e autêntico – categorias citadas por ele). Ele avança à

sua geração, quando traz os problemas inerentes às paisagens e às sociedades e indivíduos,

como os rios que dificultam o acesso e a passagem de seus barcos, ou as intrigas e desavenças

surgidas das relações de convivência, atentando-se para situações de “desentendimento e

rivalidade” ocorridas entre ajudantes dele, pertencentes às etnias Makuxi e Wapixana.

Koch-Grünberg começa a sua exposição, caracteristicamente, com uma referência às

“primeiras notícias seguras” [destaque do Autor] sobre a área, que encontra em Lobo

D'Almada. Informa que aquele autor encontrou 22 tribos distintas no centro-norte de Roraima,

das quais Koch-Grünberg declara a maioria “extinta” ou “que dentro de pouco desaparecerão,

já que [de muitos delas] sobrevivem somente alguns restos lastimosos” (KOCH-GRÜNBERG,

2006, p. 205).

Sobre as características do olhar de Koch-Grünberg, o Professor da Universidade

Federal de Roraima, o antropólogo Dr. Herwin Frank, diz estar-se diante de uma manobra

orientalista9 importante, no esclarecimento do próprio Frank:

Como Edward Said (1979) nos ensinou já há vinte anos, longe de ser meramente outra "ciência regional", orientalismo ‘é uma espécie de consenso’, pelo qual ‘certas coisas, certo tipo de pronunciamentos, certo tipo de obras [são] vistas pelo Orientalista [e seus leitores ocidentais, diria eu] como corretos’” [...]. “O ‘orientalismo pode, pois, ser tomado como um modo regulamentado (ou 'orientalizado') de escrever, olhar e estudar’ que, segundo Said, ‘cria’ o Oriente, não como um espaço geográfico particular, mas sim como ‘conhecimento verdadeiro’ do Ocidente. (...) É certo que Edward Said aplicou o termo especificamente a um conjunto de ‘ciências regionais’ (tais como: Egiptologia, Sinologia, Indologia etc.) que surgiram no século XIX para dotar o Ocidente (sobretudo a França e a Inglaterra, naquele momento em rápida expansão colonial) com uma visão cientificamente legitimada do amplo espaço entre o Egipto e o Japão. Mas, como notou prontamente a maioria dos participantes da viva discussão provocada pelas teses de Said (e finalmente, até ele mesmo), o ‘orientalismo’ como estilo de pensar [ocidental, claro], ‘fundamentado em distinções ontológicas e epistemológicas’ (entre o Ocidente e tudo que fica fora deste espaço privilegiado), constitui toda uma ‘visão do mundo’, associada a uma metodologia e estruturas institucionais ‘autorizadas para produzir, e institucionalizadas para autorizar’ tal visão, que em nada se confine ao Oriente geográfico” (FRANK, 2002. p. 2-3).

9 Em respeito à exímia explicação feita pelo Dr. Erwin Frank (UFRR), optei por transladá-la diretamente sem empregar a técnica de citação indireta.

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Esse esclarecimento permite entender três operações fundamentais: primeiro, essa

manobra atribuída a Koch-Grünberg elimina a priori da sua versão do espaço étnico

roraimense, todos aqueles grupos (como os Parauianá, Amariba, Tucuripis, Acarapis, Arinas e

Chaperos) identificados em fontes do século XVIII, mas ausentes das fontes do século XIX

(“extintos”); e, segundo, também eliminar do quadro da constelação étnica roraimense de

1912 aqueles grupos “tribais” mencionados por autores do século XIX, ignorados como tais

pelos informantes consultados por Koch-Grünberg no campo; terceiro, essa manobra introduz

no quadro étnico roraimense a importante categoria de “tribos reduzidas a restos miseráveis”,

categoria que compreende todas aquelas “tribos” identificadas nas fontes, tanto do século

XVIII como do século XIX (ou apenas nestas últimas), mas que os informantes de Koch-

Grünberg, em 1911, parece que ignoram como tais [grifos do autor referenciado].

Em resposta aos seus insistentes questionamentos sobre as residências dos Sapará,

Wayumará, Purukotó e Makú, por exemplo, os informantes lhe apontam apenas um ou outro

indivíduo ou (no caso dos Pauischianá, Marakaná e Auaké) as respostas são sempre

extremamente vagas.

A importância dessa categoria na história da formação de um quadro etnológico

ortodoxo do espaço étnico roraimense está no fato que, posteriormente, nas décadas que

seguem a morte de Koch-Grünberg, os grupos indígenas acima citados não são mais

procurados pelos pesquisadores, pois, segundo Frank, “não estariam eles já quase extintos nos

tempos do grande antropólogo alemão?”10 Por outro lado, devido à total confiança de Koch-

Grünberg na veracidade das informações de Coudreau e Thurn e, sobretudo, dos irmãos

Schomburgk (1841 e 1848, respectivamente), autores que, na sua totalidade, tinham formado

as suas respectivas versões da paisagem étnica roraimense desde as savanas do Rio Essequibo

na Venezuela.

Koch-Grünberg incluiu na sua descrição dessa paisagem uma série de grupos, na faixa

oriental do Essequibo, que, antes dele, não faziam parte desse quadro como, por exemplo, os

Akawaio, os Ingarikó e os Patamona. A completa ausência dessas “tribos” no mapa étnico de

autores que – como o próprio Koch-Grünberg – enfocaram esse espaço, desde as margens do

Rio Branco (ou da grande savana venezuelana), explica, aliás, as sérias dificuldades que ele

10 No entendimento captado pelo Dr. Erwin, “o fato de Koch-Grünberg ainda identificar indivíduos que supostamente são sobreviventes de ‘tribos’, como os Sapará, Wayamurá etc., não implica necessariamente que tais ‘tribos’ existiram ‘realmente’. Ninguém sabe com base em um Yekuana, que Koch-Grünberg encontrou no Surumú, apontou-lhe dois homens residentes da ilha de Maracá como Wayamurá, nem mesmo o que significava para este informante esta palavra” (Nota de comentário 14, p. 13).

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encontrou no campo, para verificar a existência e importância deles, atribuídas por seus

autores preferidos do século XIX.

O caso dos Ingarikó é particularmente revelador. Por um lado, embora no seu caminho

ao cume do Monte Roraima o antropólogo tenha cruzado o território desse grupo, conseguiu

identificar como tal somente um homem “já velho, casado com uma Taulipáng” (KOCH-

GRÜNBERG, 2006, p. 21). Por outro, entre os Taulipáng e Macuxí do Surumu e Cotingo,

Koch-Grünberg encontrou uma rica prosa, relatando guerras sangrentas entre estes “homens

da mata”, ou seja, entre Makuxi e Wapixana.

Mas, o antropólogo alemão destacou algo provocante em um de seus capítulos. No

capítulo 4, após apresentar e explicar o mito Kanaimé e relatar manifestações de saudade na

ocasião de quando tinha de partir para outros lugares, ele informou da prática de observação

do céu noturno pelos indígenas locais e a repercussão dos eventos, como a passagem de

“estrelas com caudas” [cometas], bem como a realização de pequenas festas11 noturnas (idem,

p. 71), e, o detalhe maior: o parentesco na formação de núcleos familiares é captado por ele. E

aponta que, enquanto os Wapischána (sic) são monogâmicos, os Makuschí (sic) são

poligâmicos, mas só com os Taulipáng” (idem, p. 80). Houve, portanto, uma adaptação na

rede de parentesco Makuxi por ocasião do contato com os Taurepáng (escritas dadas

atualmente pelas próprias etnias), mais tarde estendida aos Wapixana, antes da chegada dos

primeiros missionários católicos.

Como se pode intuir no “olhar” de Koch-Grünberg, uma nuance da organização social

e parentesco não passara despercebida. A condição poligâmica “Makuschi” chegará ao

encontro dos “Wapischána” [grafias da fonte]. Porém, as fontes orais por mim consultadas na

Maloca do Barro, dão conta de que este aspecto deixou de ser praticado há muitos anos e

“hoje” [palavra empregada pelos entrevistados], “só se casa com uma mulher só ou com um

homem só”. Isto significa que, no processo de formação étnica na Terra Indígena Raposa-

Serra do Sol, doravante TIRSS [por abreviação], dentro da etnia Makuxi operou-se uma

reformulação na estrutura familiar pela seguinte condição: núcleos familiares poligâmicos

Makuxi tiveram de ser “reestruturados” a fim de constituírem outros, monogâmicos.

Infelizmente, pelo tempo que me foi permitido pelo Presidente do Conselho Indígena de

Roraima, a permanência na Maloca do Barro, não foi em tempo o suficiente para efetuar um

novo censo e assim verificar a estrutura de parentesco de cada núcleo familiar, como forma de

11 Dançarinos de paricherá [hoje pronunciado parichara] foram notados tanto a noite quanto de dia. A dança do beija-flor, também (idem, p. 78). Danças também foram percebidas durante encantações para conseguir pesca e caça abundante (idem, p. 79). Já em se tratando de festas organizadas por não indígenas, ele as define como bailes mesmo que tivessem a participação de indígenas (idem, p. 105).

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captar a atualização dessa dinâmica na organização social e parentesco local, principalmente

no que considero como agravante pessoas não-índias terem ingressado neste sistema, inclusive

gerando desagregação social, isto é, a separação e distanciamento entre pais e filhos, avós e

netos, e assim, tensionando ainda mais as já conflitantes relações interétnicas dentro da

TIRSS, como o caso da índia Cacilda Brasil que cito a seguir.

A agricultora indígena, (sic) Cacilda Brasil, (sic) vive um dilema jamais imaginado ao longo de seus 76 anos de idade. Após ser retirada da propriedade onde morou por mais (sic) 50 anos, sob a alegação de que não tinha origem indígena, ela está liberada para voltar para a reserva Raposa/Serra do Sol, desde que não leve os filhos, pelo fato deles serem filhos de brancos. O dilema veio à tona na manhã desta quarta-feira, 16, quando a agricultora apresentou documentos que comprovam a propriedade de 1.900 hectares na Vila do Socó, município de Uiramutã. Os documentos datam desde 1936, quando seu esposo já falecido, nasceu na região. Em 1950, Cacilda casou com Osmundo Pereira da Silva e foi para a região, onde deu a luz a 12 filhos. No ano de 1995, a Funai (sic) (Fundação Nacional do Índio) emitiu um documento informando que a propriedade pertencia a reserva indígena e que teria direito a indenização. E em 2007, ela recebeu um documento expedido pela comunidade do Maturuca, exigindo que deixasse a área e assim o fez sem contestar. Ocorre que, posteriormente, foi reconhecida como indígena e com direito a retornar a área, porém, sem os filhos, visto que os mesmos não são índios puros. Cacilda decidiu então, ficar na Capital e esperar pela indenização, a ter que voltar sozinha para a Raposa/Serra do Sol. “Na minha idade, como vou ficar sozinha. Meus filhos têm sangue de índio e tem que ficar comigo. Tive-os lá e, se for pra voltar para área, que seja com eles, se não, prefiro ficar aqui”, declarou a indígena. Carlos Pereira da Silva, 57, é filho de Cacilda e, mesmo fora da área homologada, aguarda pela indenização das terras que até hoje não foi paga, como prometido pela Funai (sic). “Moro no Uiramutã, sou de lá, e precisamos da indenização para continuar nossa vida, já que eles acham que não somos índios”, ressaltou Carlos. (Tiana Brazão - Índia é impedida de levar filhos brancos para reserva – site roraimaemfoco.com, 17 de abril de 2008).

Não posso aqui dar uma posição sobre o caso Cacilda. Fiz referência à reportagem por

tratar-se de um elemento que aponta para um conflito dentro de um conflito. Ou seja, na

TIRSS, grupos consideráveis de índios entram em situações de tensão que tendem, dada a

complexidade que vão adquirindo, a se propagar e se alastrar de tal modo que criam

problemas sérios e de difícil solução, para as próprias etnias. Outra justificativa: o referido

caso não é um apêndice que recupero historicamente neste trabalho, embora provocado em

outro contexto social – a presença do componente não-indígena no sistema de parentesco - sob

a circunstância do conflito entre rizicultores, índios e poderes públicos, o “julgamento” e

solução recaem agora sobre as etnias presentes na TIRSS.

Uma lacuna acerca de conflito interétnicos entre povos indígenas de Roraima pode ser

encontrada se pesquisada da segunda metade do século XX até o seu final, ciclo quebrado

com as duas últimas décadas do século XX quando o Professor Paulo Santilli – mestre e

doutor em Antropologia – empreendeu-se uma série de pesquisa na área desde 1983, o que foi

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apresentado e discutido no capítulo dois da revisão bibliográfica deste trabalho. Sobre essa

lacuna, o professor antropólogo Eduardo Viveiros de Castro (Museu Nacional do Rio de

Janeiro), se referiu à Taylor – 1984; Urban & Sherzer – 1988. Descola – 1993; Rivière – 1993

e Hendley – 1996, para ressaltar que a Antropologia da Amazônia encontrava-se na fase de

superação de um período marcado por pouco conhecimento, alcançando, a partir de 1975, “um

crescimento sem precedente” (SANTILLI, 2002, p. 319), oportunidade aquela em que se

começou a descrever sociedades a partir de um olhar mais aprofundado muitas vezes

revisitadas por pesquisadores de diferentes orientações teóricas como nos campos da

Ecologia, da História e Arqueologia.

Para Viveiros de Castro, o primeiro grupo da produção etnológica na Amazônia

consistia de um “modelo padrão”, de inspiração do “Handbook of South American Indians”

(1946-1950 – Julian Steward) em que estava focado na cultura material e organizações sociais

“primitivas” [destaque do autor] de “caçadores e coletores [...] incapazes, portanto, de gerar o

excedente indispensável à emergência da especialização econômica, da estratificação social e

da centralização política presentes em outras áreas do continente” (VIVEIROS DE CASTRO,

2002, p. 321); ainda neste grupo, uma segunda geração de norte estruturalista apontada para

“o valor cognitivo e simbólico daquelas dimensões materiais estudadas pelos ecologistas

culturais de um ponto de vista adaptativo” (idem, p. 322), como os estudos de Maybury-Lewis

(1967) e Peter Rivière (1969) já bem moldados na tradição antropológica britânica, aqui

expressas em etnografias e, por outro lado, nos ídos da década de 60 e 70 no Brasil, trabalhos

sobre os “panoramas histórico-culturais e em macro-tipologias, guiados por uma concepção

adaptacionista e energética da cultura” (VIVEIROS DE CASTRO, 2002, p. 323), que

perderam força com o advento de uma “reavaliação geral da América pré-colombiana pondo

em questão: estimativas populacionais; datações arqueológicas; uma organização social

simples em prol de uma mudança de estado de tribo para middle-range societies pelo

reconhecimento de estruturas políticas mais abrangentes; sistemas e zonas heterogêneas e, por

fim, influências societárias de longa distância (idem, p. 324).

Um segundo agrupamento é o classificado por Viveiros de Castro de Ecologia humana.

Concentrava-se sobre a diversidade ambiental e humana, precisamente quanto à fluidez e

plasticidade fisica como trabalhadas por Lathrap - 1970; Meggers – 1971 entre outros. Ou

ainda, sobre a influência de uma história cultural na “natureza amazônica” como fez William

Balée – 1988-1994 – ou das “respostas adaptativas” dos índios na economia, à compressão de

Hames e Vickers – 1983, cujos estudos levaram à formação de teorias dos “fatores limitantes”

e “forrageio ótimo” ou de “manejo de recursos” [grifos do autor] (idem, p. 326).

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O terceiro estágio da produção etnológica na Amazônia poderia ser reconhecida na

perspectiva arqueológica. Começaria com a tese de Anna Roosevelt (1980-1993) em que ela

se opõe a Betty Meggers (1954-1971) por atribuir o baixo desenvolvimento da Amazônia às

limitações ambientais. De acordo com Roosevelt, a várzea foi capaz de sustentar populações

muito densas a partir do cultivo do milho e de outras sementeiras (idem, p. 328). Esta tese

inicial provocou a queda do domínio de uma “antropologia ecológica” em provas materiais

alcançadas pela Arqueologia na Amazônia que revelou um desenvolvimento complexo com a

horticultura da mandioca pelo trabalho de Heckenberg – 1996), encerrando qualquer iniciativa

de revalidação de teorias ecológicas para explicação de problemas sociais (idem, p. 329).

A penúltima classificação de Viveiros de Castro está reconhecida e atende pelo grupo

dos trabalhos em Antropologia Social na Amazônia. Com o olhar voltado para a organização

social, orientado pelos trabalhos de Lévy-Strauss e de outros como Murphy – 1979, incluiu-se

a questão da troca matrimonial, permitindo assim a minimização à força e a tendência pelo

emprego de uma premissa aonde o casamento em circuito fechado seria então uma lei entre os

povos do centro-norte brasileiro e latino, como a identificação feita por Peter Rivière (1969) e

Joanna Overing (1975) na Guiana, percebem a existência de uma “aliança simétrica”, opondo-

se à explicação de Luis Dumont dos sistemas dravidianos de afinidade ou de consangüinidade

(idem, p. 332).

Gostaria de lembrar que no campo da literatura sobre as etnias de Roraima, o primeiro

a “testemunhar” um caso de casamento entre índios Makuxi e Wapixana foi Theodor Koch-

Grünberg, resultando no que ele chamou de mestiçagem entre os moradores de Koimélemong

(também conhecida como Maloca do Mel) que seriam filhos de pais Makuschí (sic) com mães

Wapischána (sic), mas que dada a matrilinearidade local, permaneceram Wapiscána (sic)

(KOCH-GRÜNBERG, 2006, p. 56).

Nesta geração em que o próprio Viveiros de Castro – 1981-1993 – se inclui, sublinha o

autor que a aldeia ou comunidade local consistiam âmbito para um olhar mais abrangente –

Clastres (1974 e 1977), até terem elevado à condição de ponto importante e prioritário, as

redes supra-locais de comércio e de aliança político-matrimonial, obtendo, assim, a

configuração de um “sistema regional” (VIVEIROS DE CASTRO, 2002, p. 333) subdividido

em “três estilos analíticos”: 1) economia e política de controle (TERENCE TURNER – 1979-

1984; PETER RIVIÈRE – 1984;1987) pela distinção e separação entre “domínio doméstico e

domínio político-jural (ídem, ibidem.); 2) economia moral da intimidade (OVERING e seus

alunos), quanto à contribuição para uma filosofia social e da prática da sociabilidade cotidiana

na Amazônia, favorável a uma fenomenologia do desejo como demanda intersubjetiva – Gow

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(1989); e a 3) economia simbólica da alteridade, dirigida primeiramente por etnólogos

remanescentes do estruturalismo – Albert [sobre os Ianomâmi] (1995); Menget (1985);

Viveiros de Castro (1986) entre outros, perseguindo a correlação entre “inter-relações

sociológicas e cosmologias nativas como feito por Descola (1986) sobre os Jivaro e Achuau

(idem, p. 336).

E por última classificação, a da história. O trabalho inicial, segundo Viveiros de

Castro, começaria com um “exame de consciência” [destaque do autor] por ocasião da

passagem dos 500 anos da invasão da América, inicialmente interessante para historiadores

enquanto que etnólogos realizavam investigações em arquivos, com valorização das fontes

antigas – Forsyth (1983 e 1985); Combès (1992); Viveiros de Castro (1993) e Whitehead

(1995), sobretudo na junção entre História e Etnologia para estudos da região do “escudo da

Guiana” e “pré-andina” (VIVEIROS DE CASTRO, 2002, p. 338), berço da etno-história na

Amazônia que apontaram apara a existência de uma “consciência histórica nas culturas

amazônicas” (idem, ibidem).

Passei em revisão a historiografia feita acima por Viveiros de Castro na tentativa de

estabelecer uma sintonia entre os trabalhos de Cirino (UFRR) mencionado no capítulo da

revisão bibliográfica, e Lemos (1998, pp. 47, 57). Ambos recaem exatamente sobre esta

última classificação, como serão detalhados mais adiante neste capítulo.

Concomitante e posterior a toda pesquisa feita por Santilli, uma razoável produção de

outros trabalhos foram feitos, entre os quais destaco: O trabalho do antropólogo francês Bruce

Albert sobre O Massacre Ianomâmi de Ramixu12, estes, habitantes de terras brasileiras (11.700

pessoas – 2000) – Amazonas e Roraima – e venezuelanas (15.193 pessoas – 1992). Não se

trata de um conflito entre índios e sim entre índios e garimpeiros, que resultou na morte de 13

índios. Há também a recém publicação do historiador Professor Dr. Jaci Guilherme Vieira

(UFRR) “Missionário, Fazendeiros e Índios em Roraima: a Disputa pela Terra (1777 a 1980)”

[2007], mas que mantém o mesmo sentido e atores: conflito entre não-indígenas garimpeiros,

rizicultores e pecuaristas como igualmente foi tratado por Stephen G. Baines (2004)13:O conflito envolve lideranças e organizações indígenas de tendências políticas diversas, políticos e empresários roraimenses, o Exército, a Procuradoria Geral da República e diversas instâncias do governo federal, até o ministro da Justiça e o presidente da República. Os sucessivos adiamentos da homologação da Terra Indígena Raposa Serra do Sol em área contínua pelos governos do PSDB e do PT, e o recente relatório do Deputado Federal Lindberg Farias, que defende a fragmentação da área indígena através de uma redução da terra indígena já demarcada, afronta os direitos constitucionais dos povos indígenas (BAINES, 2004, p. 18).

12 Disponível em: http://www.socioambiental.org/pib/epi/yanomami/print_massacre.htm. Acessado em 24 de outubro de 2007. 13 Professor adjunto 4, Departamento de Antropologia, UnB; pesquisador 1b do CNPq.

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A fim de detectar casos de conflito individual e coletivo entre Makuxi e Wapixana,

ainda examinei outras fontes disponíveis na Biblioteca Nenê Macagi, no Palácio da Cultura de

Boa Vista – capital, mas que não resultou em nenhum ganho, a não ser o de permitir

classificação de todas elas nas seguintes categorias: espaço físico de Roraima14; Economia15,

Astronomia16, Sociologia17, Antropologia18, Biologia19, Folclore20, Jornalismo21 e

Linguagem22.

Estas foram e são decisivas para afirmar que a liderança Makuxi frente às relações

interétnicas dentro da Terra Indígena Raposa e Serra do Sol, dá-se por sua história de contato.

Pois, desde o processo migratório originado do Caribe até alcançarem o Brasil no século

XVIII, impetraram com seus vizinhos: os Taurepangue, os Arecuna e os Kamarakoto – os

14 MAGALHÃES, Dorval de. Roraima: informações históricas. 4 ed., Rio de Janeiro: s. Ed., 1986, 192p.; ESTADO DE RORAIMA. Breves informações dos municípios de Roraima – subsídios didáticos. Roraima: Secretaria Estadual de Educação, Cultura e Desporto, Departamento de Cultura, Divisão de Patrimônio, 1991, s.p.; MAGALHÃES, Valério Caldas de. O Rio Branco na Câmara. Brasília: Câmara Federal, s.d.; s.p.; FREITAS, Aimberê. A história política e administrativa de Roraima (1943-1985). Roraima: Fundação do Meio Ambiente e Tecnologia de Roraima, 1994, 512p.; FREITAS, Aimberê. Figuras de nossa história. Boa Vista: Desenho, Letra e Música, 1998, 80p.; SOUZA, João Mendonça. A Manaus-Boa Vista – roteiro histórico. Manaus: Imprensa Oficial do Estado do Amazonas, 1977, 370p.; MIRANDA, Alcir Gursen de. Historiando a terra de Macunaima – a questão indígena. A questão indígena – Maloca da Raposa e Serra do Sol. Boa Vista: Faculdade Atual, Instituto Gursen de Miranda, 2005, p. 168-195; RICE, Alexander Hamilton. Exploração da Guiana brasileira. Belo Horizonte: Itatiaia, USP, 1978, 201p.; LIMA ROSAS, Maria; NOGUEIRA, Damásio Douglas. Normandia: Editora Boa Vista, 2002, s.p.; ESTEVES, Claudia Lima (org.). Formação do espaço amazônico e relações fronteiriças. Boa Vista: UFRR, 1998, 247p.; 15 SEBRAE-RR. Perfil agroindustrial: cultura do caju. Boa Vista: Centro de Apoio à Pequena e Média Empresa de Roraima, 1983, 47p.; SENADO FEDERAL. O II PND e os programas de desenvolvimento regional do Amazonas e de Roraima. Estudos e Debates III. Brasília: Senado Federal e Comissão de assuntos regionais – Manaus e Boa Vista, 1975, 154p.; FREITAS, Aimberê. Fronteiras Brasil/Venezuela – encontros e desencontros. São Paulo: Corprint, 1998, 262p. 16 BRASIL. Objetos e fenômenos celestes observáveis em Boa Vista, Roraima no ano 1977. Santa Maria - RS: Editora Universidade de Santa Maria e Ministério da Educação e Cultura, 1977, 40p. 17 SOUZA, Jorge Manuel Costa. Os Wai-wai de Jatapuzinho e o irresistível apelo a modernidade. Dissertação de mestrado em Ciências Sociais. Santa Catarina: Editora da Universidade Federal de Santa Catarina, 1998, 248p.; DINIZ, Edson Soares. Os índios Makuxi do Roraima – sua instalação na sociedade nacional. Marília – RS: Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Marília, 1972, 181p.; ESTEVES, Cláudia de Lima (org.), Formação do espaço amazônico e relações fronteiriças. Boa Vista: UFRR, 1998, 247p. 18 MAKUSIYAMÎ’YA TESERVKON KO’MANNÎPÎ – Os Macuxi conservam sua tradição. Brasília: Fundação Educar, 1988, 64p.; RORAIMA: O AVISO DA MORTE. Relatório sobre a viagem da comissão e ação pela cidadania ao Estado de Roraima entre 9 e 12 de junho de 1989. Brasília: Secretaria Nacional da Ação pela Cidadania, CCPY, CEDI e CIMI, 198,. s.p.; EUSEBI, Luigi. “A barriga morreu: o genocídio dos Yanomami. São Paulo: Loyola, 1991, 147p.; KOCH-GRÜNBERG, Theothor. Del Roraima a Orinoco. Caracas – Venezuela: Ediciones del Banco Central de Venezuela. Colección histórico-econômica – 40 aniversário, 336p., (xérox); 19 BARBOSA, Reinaldo Imbrósio; FERREIRA, Efrem Jorge Gondim; CASTELLO, Eloy Guillermo. Homem, ambiente e ecologia no Estado de Roraima. Manaus: INPA, 1997, 630p. 20 Morî Paton. Belas histórias (xérox com detalhes de identificação da obra, destruídos); SILVA, Antonio de Souza Ferreira. Roraima: fatos e lendas, s.d., s.p.. BRASIL, Cecy Lya. Histórias, lendas e mitos. Boa Vista: Caderno Cultural, 1996, 67p. 21 SANTOS, Fernando dos. Por quem os sinos não dobram – um encontro de 15 dias com índios Yanomamis, Macuxí e Wapixana na Amazônia Brasileira. Newark: EUA, 1944, 114p.; RODRIGUES, Shirley. A impreensa escrita em Roraima: uma questão de ética. Boa Vista: Compukromus, 1996, 100p. 22 CADETE, Manuel Casimiro. Dicionário de Wapixana – Português / Português – Wapixana. São Paulo: Loyola, s.d., 230p.; AMADIO, Emanuele; Makuxi Maimu. Boa Vista: Centro de Documentação das Culturas Indígenas de Roraima, 1983, s.p.

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povos Pemon, segundo Paulo Santilli (1994, p. 9), um contato de abertura para, assim,

formarem uma unidade étnica, um mesmo tronco lingüístico Carib, junto aos Akawaio

(Ingarikó) e os Patamona – povos Kapon, habitantes das terras altas.

Penso aqui relações interétnicas (destaque meu) na linha em que Alcida Rita Ramos

(1998) aponta, aquela que em:

Alguns momentos da história das relações interétnicas em que o índio se colocou politicamente enquanto interlocutor do homem branco são recuperados na segunda parte do livro, "Speaking to the Whiteman". Seja no caso do Tribunal Russell organizado em 1980 na Holanda para avaliar genocídios ou etnocídios contra as populações indígenas americanas, em que a questão indígena alcançou visibilidade nacional e internacional (cap. 3), ou na análise dos discursos de três lideranças indígenas (cap. 4), a autora mostra como se articulam as noções de etnicidade, cidadania e universalismo, no posicionamento de setores da Igreja, ONGs, pesquisadores e lideranças. O conceito de cidadania, por exemplo, serve para as populações indígenas como um instrumento de sobrevivência, mostrando, dessa forma, que o sucesso do contato depende da capacidade de manipulação dessa categoria. É oferecido um panorama da emergência das organizações indígenas no Brasil, no início da década de 80 (cap. 4), momento em que o "índio" se constrói como uma categoria reconhecida e legitimada no cenário político nacional. Ao mesmo tempo como a questão indígena, nessa época, serviu como válvula de escape para setores da sociedade brasileira insatisfeitos e silenciados pelo governo militar (RITA RAMOS, 1998, síntese dos capítulos, realizada por mim).

Senão o histórico de contatos interétnicos com índios “estrangeiros”, os Makuxi

certamente aprenderam a lidar com diferenças sociais, culturais e econômicas de um segundo

grupo: os não índios, constituídos de colonizadores portugueses, holandeses e espanhóis.

Ainda apoiado no relevante trabalho de Santilli (1994), tornaram-se os Makuxi, um povo a

quem se deve creditar uma participação decisiva no estabelecimento das fronteiras do Brasil

setentrional.

Santilli, em seu trabalho monográfico “Os Macuxi no Vale do Rio Branco”23, quando

analisa a relação entre a etnia Makuxi e as agências indigenistas: a missão da Ordem de São

Bento e o Serviço de Proteção ao Índio, fruto de uma pesquisa iniciada em 1982, orientada

pela Professora Manuela Carneiro da Cunha, permite ratificar a mesma constatação feita por

Theodor Koch-Grünberg (2006): uma aproximação fronteiriça entre Makuxi e Wapixana.

Segundo ele, já em 1970, nas mediações do encontro dos rios Tacutu e Uraricoera, havia,

portanto, aldeias de população mista: “No extremo noroeste, nos vales dos rios Surumu e

Miang, limite com o território Taurepangue, há três aldeias mistas Makuxi-Taurepangue, e na

23 Recomendo o texto para conhecimento e aprofundamento sobre a história das sociedades indígenas habitantes da tríplice fronteira Brasil – Guiana – Venezuela, trabalho de grande importância por ter, verdadeiramente, adentrado com imensurável competência, nos detalhes dos escritos de viajantes, missionários, etnógrafos, entre outros, como E. Im Thurn (1883), R.H. Schomburgk (1830), W. Roth (1915, 1924, 1929), H. Coudreau (1887) e E. Stradelli (1887, 1889, 1906).

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extremidade norte, limite com os Ingaricó, outras aldeias mistas Macuxi-Ingaricó, no

interflúvio Cotingo-Maú” (KOCH-GRÜNBERG, 2006, p. 10).

Santilli e Farage (2006), descrevendo e analisando a formação dos “territórios e

identidades no Vale do Rio Branco” afirmam que Macuxi (sic), Wapixana, Ingarikó e

Taurepang, a partir de meados do século XVIII tiveram contato com portugueses através de

expedições de apresamento de escravos. O mesmo ocorreu com holandeses por meio da troca

de manufaturados por escravos índios pelo Vale do Rio Branco para a mão-de-obra na

pecuária, o que perdurou até o período colonial. Conforme anotações do cronista Lobo

D’Almada, segundo Santilli e Farage (2006), as etnias Macuxi e Wapixana mantinham

relações muito próximas. Os primeiros, na região das serras, desde o Rio Rupununi às

vertentes do Rio Surumu; e, os outros, do Rio Maú ao Parimé, na etnonímia Acarapi ou

Karapia aos filhos advindos do casamento entre estes e aqueles, configurando-se assim no que

Farage e Santilli chamam de “processo de absorção entre etnia” (2006, p. 269), confirmando o

que Koch-Grünberg havia percebido.

É fato a existência de um conhecimento político dos Makuxi historicamente elaborado.

Isto me fez, por seu tempo, deduzir que sua liderança no processo demarcatório da Terra

Indígena Raposa e Serra do Sol não poderia ser diferente, visto seu conhecimento acumulado

pelos constantes desafios enfrentados e superados para se manterem presentes na nova terra. O

mesmo teria acontecido antes entre os Paraviana incorporados pelos Wapixana nos séculos

XIX e XX, deflagrando uma “composição étnica profundamente alterada” (SANTILLI &

FARAGI, 2006, p. 270). Juntos, Makuxi e Wapixana permaneceriam aliados e sofreriam uma

série de problemas decorrentes da tentativa republicana de controlar as fazendas de

particulares, criando as fazendas nacionais, pelo que designava a Constituição Federal, de

1891, que passou a considerar terras indígenas como devolutas, fato complicado com o

Decreto n° 7, de novembro de 1889, que conferiu competência aos estados para gerir os bens

dentro dessas terras, o que foi comemorado pelos fazendeiros locais que mantinham pacto de

compadrio, uns assinando os requerimentos de titulação de suas terras, como testemunhas uns

dos outro, a fim de barganharem as terras e, o pior, os seus ocupantes como patrimônio, uma

forma de escravidão atualizada, segundo os Autores.

Estas literaturas permitem compreender um pouco da história deste Estado, o que é

necessário, também ao entendimento deste conflito e compreensão de uma realidade, aqui

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pensada no sentido hegeliano24, como uma entre possíveis formas de compreensão, uma

totalidade em permanente transformação, visto que os primeiros Makuxi que chegaram às

terras da referida área, vieram em migração oriunda do Caribe, tendo encontrado os Wapixana

que já habitavam por lá, vindos do Amazonas, segundo Santilli (2001). Assim, trata-se de um

conflito entre dois grupos migratórios que disputavam um mesmo território.

Como estão caracterizadas as etnias Makuxi e Wapixana que habitam a Terra Indígena

Raposa-Serra do Sol? Sob os aspectos sociedade, economia, cultura e política, há uma

literatura produzida por professores que acompanharam por mais tempo essas etnias e que se

tornam imprescindíveis à recuperação desses elementos. Refiro-me as descrições feitas pelos

pesquisadores que, em nível de Doutorado, estudaram aprofundadamente os Makuxi e os

Wapixana.

1.5 A etnia Makuxi

A professora antropóloga Alexandra Lemos (1998)25, caracteriza os Makuxi quanto à

localização (entre os rios Maú, Cotingo e Surumu), alimentação (mandioca e peixes) grupos

sociais adjacentes (missionários católicos da Missão Consolata) que seriam, em hipótese,

responsáveis pela inspiração da organização política e de suas relações com o poder extra

tribal, ou seja, com organismos governamentais, cuja importância do estudo equivalia,

sinteticamente, à oportunidade de conhecer o processo de índios adaptados e de se averiguar

os impactos do pensamento missionário católico (LEMOS, 1998, p. 4-9).

Do trabalho de Lemos, as seções que mantém maior relação com esta pesquisa são a

segunda e a terceira. Na segunda seção, “The Brazilian State of Roraima and Macuxi Indians”,

a Professora apresenta as dimensões geográficas do território em que habitam os Macuxi,

cerca de 7.410,000 a 9.880,00 acres e localizado entre as latitudes 3º ao 4º N. e longitude 58º

ao 61º W, afirmando que estes, naquele ano, consistiam uma população de cerca de 12.500

índios, habitantes na Maloca e nos centros urbanos [Pacaraima e Boa Vista], segundo

informações da FUNAI. Ela, além de recuperar parte da história do contato entre Macuxi e

não índios, acentua que índios foram tomados como aliados na defesa territorial brasileira,

referindo-se ao Século XVII no que faz interface a FARAGE (1991), HEMMING (1978) e

24 Georg Wilhelm Friedrich Hegel (1770-1831), filósofo alemão, idealizador da doutrina filosófica que identifica a realidade com a razão ("todo real é racional"), compreendida esta por meio do desenvolvimento histórico da consciência, do que resultou a criação do método dialético. 25 Ex-professora do Departamento de Antropologia da Universidade Federal de Roraima. Mestra em Antropologia Social pela Universidade da Califórnia – EUA, pessoa com quem tive a oportunidade de trabalhar quando éramos colegas do Departamento de Antropologia da UFRR (1998).

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WAGLEY (1976) quanto à relação de dominação e exploração da mão de obra indígena e a

resistência Macuxi, ocorrida entre 1784 e 1789 no espaço físico do que era chamado de

Fazendas Nacionais (LEMOS, 1998, pp. 14-28). É quando os Makuxi estabelecem aliança

com os Caripuna, também de origem Caribe. Da mesma forma, a autora relembra que no

período de 1970 até 1995, portanto, por 25 anos, garimpeiros invasores também entraram em

conflito com índios Macuxi, já que o acesso aos garimpos clandestinos dava-se principalmente

pela BR-174 que liga Manaus a Venezuela, cortando terras habitadas por Makuxi. Foi quando

em visita às terras da Raposa Serra do Sol, em 1995, repórteres e políticos do Estado de

Roraima foram impedidos de entrar em Maturuca, alegando que estariam levando morte às

crianças pela difusão de doenças virais, nem sempre contidas através de vacinas (LEMOS,

1998, p. 38).

Lemos ainda percorre historicamente, a inserção do projeto católico entre os Makuxi.

Refere-se a Kelsey (1972), citando sobre a existência das três fazendas: São José, São Bento e

São Marcos que ladeavam o Rio Branco e que eram a garantia do empreendimento português

no extremo norte brasileiro (idem, p. 41), servindo de ponto de distribuição dos produtos

vindos de Manaus, para consumo dos habitantes das terras, inclusive índios; e se referindo a

ocupação humana até 1920, a densidade demográfica consistia de 0,04 pessoas por Km²,

enquanto que a quantidade de “cabeças de gado” [grifo da autora] era de 223.861. É quando

Lemos, recorrendo a BORGES DA SILVA (1996), enfatiza que a etnia Macuxi é mesmo uma

sociedade indígena integrada à sociedade nacional, pois, além de produtos de alimentação,

também se utilizam de ferramentas para plantação, tendo passado por quatro estágios de

evolução, segundo Borges da Silva: 1) isolamento, 2) contato esporádico com a sociedade

nacional, 3) contato permanente e 4) integração final (idem, p. 46), mostrando sua capacidade

de resiliência em prol da manutenção de sua identidade étnica, mesmo utilizando-se de

dinheiro e na aquisição de outros produtos a partir de uma “cantina” instalada pelo Conselho

Indígena de Roraima, o que também fora percebido por Schmink e Wood (1992) em seus

estudos sobre a expansão da fronteira amazônica.

Para Lemos, portanto, o aspecto marcante que faz a etnia Makuxi a maior e mais

envolvente é a sua capacidade de integração e resiliência, de plasticidade, embora no passado

local seus componentes tenham sido feitos escravos por portugueses nos centros urbanos de

Manaus e Belém, e mais tarde, “soldados” [destaque meu] da fronteira nacional. As

percepções de Lemos permitem inferir que, ao estabelecer aliança com os Caripuna, fizeram já

com a intenção de inclusão no sentido de incorporação, o que, ao meu entendimento, não

ocorreu de modo inconsciente e involuntário, nem por influência da doutrina católica

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implantada. E sim, pela sua convicção de ser um povo aguerrido cujas vitórias ancestrais

serviriam de incentivo às atuais.

1.6 A etnia Wapixana

Outro trabalho que impõe a necessidade de exame é a tese do professor e ex-colega de

Departamento, Dr. Carlos Alberto Marinho Cirino (UFRR). Um aspecto que chamou atenção

de imediato, foi quando o Autor abriu seu texto pondo uma epígrafe que diz “O povo indígena

traz na sua raiz uma religião forte que é a própria vontade de viver” (ALVINO, apud Cirino,

2000, s.p.).

Logo em seu Resumo, Cirino aponta para seu objetivo que é “delinear o processo de

evangelização católica na região do Rio Branco [...] as alterações que esse processo provocou

na cultura do grupo indígena Wapichana no decorrer do século XX”.

Para tal empreendimento, refere-se à situação política econômica da região e a

estrutura organizacional marcadamente em três datas: 1909 – disputa pela área; 1915 – ano em

que missionários da Ordem de São Bento deixam a região e 1948 – ano de entrega da área

pela Ordem de São Sento à Ordem Consolata.

Da Introdução de seu trabalho identifico o fator que o levou a atentar-se para tal

pesquisa: a tradução em Wapischana do evangelho de São Marcos produzido pela Diocese de

Roraima. O texto segue apresentando todo o percurso percorrido até as referidas malocas

(aldeias). Foi enfático ao dizer que, em todos os seus encontros com os habitantes, explicava o

propósito de seus trabalhos sobretudo o de escrever acerca da atenção e desconfiança destes

para com suas palavras; os momentos de fortalecimento de vínculos com seus informantes, no

caso o padre Macuxi Alvino Andrade, ocasião em que ia conhecer a maloca do Moscou

(CIRINO, 2000, p. 13).

Vale perguntar: estando em maior número, no passado anterior ao encontro

interétnico que os Makuxi, o que teria levado os Wapixana a passarem da posição de líderes a

liderados? Cirino sustenta a tese de que as hostilidades foram atenuadas com a evangelização

católica, tornando possível a convivência pacífica de demarcação fronteiriça entre ambas.

Acrescenta que, segundo dados da Fundação Nacional de Saúde, eram cerca de 6 mil índios

Wapischana (sic) no lado brasileiro até 1995. E do lado da República da Guiana, segundo o

Centro de Informação da Diocese de Roraima, até 1989 existiam 8.348 Wapischanas (idem, p.

64). Quanto à língua Wapischana (sic), segundo Brett (1868 – apud Cirino, 2000, p. 68) é uma

língua específica, que foi se tornando predominantemente falada até pelos Atorais, grupo

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indígena do Sul da Guiana Inglesa numa expedição (1913-1916) patrocinada pelo Museu da

Universidade da Pennsylvania e publicada no trabalho de Currtis Farabee.

Ainda considerando a reconstrução sócio-política do Professor Cirino, ele recorre a

Farabee, e cita que uma outra etnia integrante do ciclo social Wapixana - os Atorais - “tinham

abandonado quase por completo o velho dialeto para só falar ‘ouapichiane’. [...] Não mais

existiam como grupo separado e nem tampouco falavam sua própria língua” (FARABEE,

apud Cirino, 2000, p. 69). Por outro lado, os missionários beneditinos classificavam a língua

Wapischana como um dialeto da língua Tupi ou Nhenhegatu, pelo que consta na anotação de

D. Béda Goppert (1910 – apud Cirino, p. 69). Porém, segundo Ildefonso – índio Macuxi da

região do Surumu –, depoimento coletado por D. Béda Goppert, o Nhenhegatu desaparecia

junto com os mais velhos e pelo desprezo dos Wapischana (sic) mais novos. Este foi o fato

que levou os beneditinos a concluir, erradamente, que as línguas Wapischana (sic) (Aruak) e

Macuxi (Karib) eram sim, dialetos Nhenhegatu. E para uma “melhor compreensão” [grifo

meu] o “desaparecimento lingüístico” [idem, ibidem] teria ocorrido pela “dispersão contínua

dos índios, o desaparecimento dos antigos missionários que falavam a língua, as epidemias, o

desenvolvimento da região do Rio Negro e a extração da borracha” (CIRINO, 2000, p. 70).

Cirino, descreve o espaço físico habitado pelos Wapixana, recorrendo a Henri

Coudreau, que, acometido de febres, permaneceu entre Wapischana na maloca “Maracachite”

em 1987[?]. Sobre as moradias Wapischana, ele constatou que os indígenas:

tinham o hábito de construir suas malocas a cerca de meia hora de caminhada das margens dos rios ou igarapés, precavendo-se das constantes enchentes no período de inverno. A maioria das casas tinha formato redonda ou oval (sic), mas era possível encontrar algumas de forma retangular. As casas tinham apenas uma porta, de mais ou menos um metro de altura, com telhado em forma de cone e coberto com folhas da palmeira buriti (COUDREAU, apud Cirino, p.71).

Sobre os traços humanos, acrescenta, que características físicas dos Wapischana

[Cirino grafa a etnonímia com os fonemas scha. No entanto, todos os Wapixana por mim

entrevistados, grafaram com x. Por tal motivo, todas as vezes que quero me referir a esta etnia,

emprego assim como os próprios] do final do século XIX e XX. O Autor menciona o próprio

Coudreau, Gillen (1963), Brett (1868), Farabee (1918), Koch-Grünberg e D. Bonaventure

Barbier (1911), para indicar traços físicos da etnia: poucos pêlos no queixo e lábio inferior,

estatura baixa, mas robusta, pele escura, cabeça longa e face redonda, nariz aquilino, ocaa

pequena, olhos retos, pés e mãos pequenos, pulsos e tornozelos finos, de corpo parcialmente

pintado de jenipapeiro; mulheres e crianças de cabelos cortados à tesoura, porém um pouco

mais longos do que os dos homens.

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As atividades econômicas dos Wapischanas (sic) encontravam-se caracterizadas,

segundo Cirino, de roças [mandioca, tabaco, milho, cana de açúcar, banana, ananás, inhame,

batata e jerimum], cerâmica, tecelagem (exclusivas de mulheres), pesca, caça e fabricação de

instrumentos de trabalho (exclusivas de homens). O excedente da farinha de mandioca era

exportado para abastecer, regularmente, o mercado de Boa Vista, cujo processo de produção

da farinha já fora descrito por D. Eggeerath (1924). Somada ao milho, a mandioca também era

empregada na produção de uma bebida denominada “caxiri”, bem descrita por Coudreau

(1887) e qualificada por Koch-Grünberg como refrescante, resultado da fermentação obtida da

mastigação de pedaços de cana-de-açúcar ou pedaços de bolo de farinha e cuspidos dentro de

uma gamela, acrescidos de água e abafado com folhas de bananeiras, para posterior cozimento

e coagem. Um processo “verdadeiramente repugnante” (D. EGGERATH, apud Cirino, 2000,

p.78).

Necessitando de alguma remuneração, era comum a prestação de serviços no

município de Boa Vista, o que já fora percebido e descrito por Coudreau e por Koch-

Grünberg. Isto era para atender à aquisição de fuzis, chumbo, facas, machados, tecidos, etc.

Para o segundo, tratava-se de trabalho escravo em fazendas e comércios, gerando quase

sempre endividamento. Segundo Cirino, uma “inserção numa nova ordem econômica”

(CIRINO, 2000, p. 81). Tal situação denunciada em crônicas beneditinas ao bispo do

Amazonas, D. Frederico Costa, dava conta de maltratos de índios Wapischana (sic) por

fazendeiros e comerciantes que “chegavam a retirar à força, de arma em punho, os índios das

malocas [...] quando se rebelavam contra a exploração, eram chicoteados nas margens dos

rios. Quando fugiam, eram capturados por homens especialmente treinados pelos fazendeiros

e comerciantes” (idem,, p. 82).

Segundo os beneditinos, em conseqüência da acessibilidade e vulnerabilidade dos

Wapischana (sic) à “civilização” [grifo do Autor] que para Cirino, corresponde a uma

“interpretação etnocêntrica dos missionários [que] os impedia de admitir a sua capacidade de

formular um pensamento lógico e racional” (idem, p. 83). Entretanto, se as denúncias eram

feitas pelos missionários, estes não deixavam de se beneficiar do mesmo modelo relacional,

pois, “encontravam-se na companhia de duas domésticas e duas crianças que trabalhavam na

missão [...] trabalhando na cozinha da missão, outras duas no jardim e duas outras como

serradores na marcenaria e outros ‘kurumys’ encarregados de capinar, cultivar a terra, cuidar

do rebanho e da limpeza da missão” (CIRINO, 2000, p. 84).

Penso que a condição de passividade Wapixana não reflete um senso de aceitação e

vulnerabilidade como explicavam missionários da Igreja Católica, atribuindo a uma condição

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natural para a relação entre Wapixana e Makuxi, aliás, o mesmo princípio tomado por Lemos

para explicar a perda da etnia Makuxi em relação aos portugueses, como uma condição da

ação missionária católica. Pois, se assim fosse, se não tivessem de enfrentar as ações

dominantes dos Makuxi invasores, os Wapixana necessitariam resistir ao uso da força de não

índios, fazendeiros, comerciantes e, mais tarde, mineradores e à própria igreja católica, sem

deixarem por extinguir a língua e a organização política, de modo geral, a cultural, mesmo que

para isto adotassem estratégias de “convivência pacífica” com todos eles. Nesta tarefa,

concordo com Cirino, principalmente quando ele ratifica o entendimento de Coudreau sobre

os Wapischana (sic), ao fato de que o Tuxáua – chefe da maloca, e o pajé – curandeiro e

detentor do conhecimento e da religião, conseguiam mantê-los unidos e este último, tinha um

“verdadeiro poder de mando [...] sendo suas qualidades socialmente reconhecidas: a

inteligência, energia, autodomínio, conhecimento das plantas medicinais e das lendas que

glorificavam o seu povo e o seu poder” (idem, p. 86).

Assim, a vida na maloca desde as constatações de Coudreau, era tranqüila. Wapixana

levantava cedo antes do nascer do sol. Havia dias de fartura e de escassez, quando se

alimentavam apenas de beiju. Para Coudreau (1887), “a maior parte de suas vidas passava

dentro de uma rede, a se balançar, fumando ou passeando uns com os outros, conversando e

bebendo caxiri” em meio a animais domésticos como cães e tartarugas tidos mais como

“ornamentos vivos” até mesmo nas festas constantes em que se acrescia a embriaguez e a

mistura de sons instrumentais vindos de flautas, o teiquiem, o yéoué, o yaté, cabaças cheias de

seixos e o tilelé feitos de uma dezena de talos de cana, que animavam a dança Parischara

(COUDREAU, apud Cirino, 2000, p. 91-92).

Cirino esclarece que a referida dança originou-se de uma lenda Wapischana (sic),

“quando um pajé recebeu dos animais os instrumentos mágicos da caça e da pesca, mas teve

de devolvê-los, por causa de uns parentes mal intencionados” (idem, p.92), tornando-se assim,

uma dança-ritual festiva também executada, segundo Herrmann [1947] (apud Cirino) na

fertilização da caça e da pesca e por nascimento de criança do sexo masculino, talvez por que

ocupasse uma posição hierárquica superior na estrutura política local, merecendo o cuidado de

todos (CIRINO, 2000, p. 94), inclusive para o ensinamento das atividades paternas para os

meninos (brincadeiras de arco e flecha). No entanto, não são mencionadas ocupações das

crianças meninas.

Há ainda duas competentes análises que ao meu entendimento dialogam entre si e

que não podem deixar de ser relacionadas com essa discussão. No ano de 2001, o problema do

conflito interétnico é, enfim, posto em foco pelo antropólogo Paulo Santilli, no trabalho muito

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bem escrito, “Pemongon Patá”, a cujos tópicos não apenas fiz referência quanto procurei

aplicar concomitante a Oliveira Filho (1988; 1998) com os quais junto a elementos da

pesquisa realizada por mim, apresentei no primeiro capítulo deste trabalho.

Por fim, Victor Hugo Veppo Burgarth (2006) em sua tese de Doutorado em História,

intitulada “Bravas Gentes - Cotidiano, Identidade e Representações na Terra Indígena

Raposa/Serra do Sol e Parque Nacional Canaima: ambiências de Boa Vista (Brasil) e Cidade

Bolívar (Venezuela)”, reconhece que artimanhas estabelecidas entre fazendeiros, pecuaristas e

Wapixana em terras Wapixana eram tão intensas que “um favor aqui, outro acolá, um batizado

de criança indígena aqui mais um compadre ali. Desta forma, foi menos problemático o

avanço do gado na Terra Indígena Raposa Serra do Sol (BURGARTH, 2006, p. 78),

concordando com Santilli (1994), para explicar que “o termo compadre conota, neste

contexto, uma relação de intimidade, e ainda, alguma permissividade, que variava, conforme o

status respectivo de compadres, de uma condição igualitária a uma distância que impunha o

reconhecimento da hierarquia” (SANTILLI, 1994, p. 57).

Como se pode notar, a devida atenção e reconhecimento da existência de relações

interétnicas conflituosas pela Antropologia no Brasil só transcorrerão com os trabalhos de

Cardoso de Oliveira, Oliveira Filho e Santilli. Com Lemos, Cirino e Bougarth surge o

contexto roraimense. Empreendem um excelente trabalho não apenas etnográfico, como

também de atuação profissional entre as etnias Makuxi e Wapixana, porque não dizer, entre os

povos indígenas de todo o Estado. Vale salientar que os trabalhos desses professores são mais

do que pesquisas acadêmicas. São provas de que há um conflito dentro de um conflito, em

cujas estratégias propõem acrescentar, não apenas colaboraram para que o Estado de Roraima

tenha os contornos que tem hoje com suas respectivas fronteiras, como também participam

ativamente para a garantia destas, ao contrário do que é propagado pela imprensa: uma

ameaça à soberania nacional.

No capítulo 3 proponho uma atualização quanto à organização social dos habitantes

da Maloca do Barro, estabelecendo comparação entre as descrições feitas por Lemos (1998) e

Cirino (2000), sob as categorias alimentação, atividade econômica, habitação, cotidiano, festas

e brincadeiras.

Assim sendo, fica claro que as relações sociais entre os Makuxi e os Wapixana

foram e ainda são historicamente estabelecidas. No interior da T. I. Raposa-Serra do Sol, essas

relações não apenas se ampliaram como se intensificaram. Se antes ocorria embate bélico,

inclusive com registro de mortes, mudaram para casamento intertribal, ora cedendo terras, ora

pessoas para trabalharem em roças e outras atividades produtivas. Externamente, essa relação

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é estendida. Representam-se em fóruns próprios quando participam de encontros e eventos

indígenas e não indígenas dentro e fora de sua terra, assinam comunicados públicos,

organizam festas e outros atos para tratarem de diferentes assuntos, fazem denúncias à órgão

legais como delegacias e organismos internacionais, adquirem bens de uso coletivo,

emprestam utensílios, entre outras ações.

1.7 Preparando para a pesquisa de campo

Esta breve imersão no percurso das relações interétnicas em terras de Roraima foi para

recuperar parte da história das etnias e suas características sociais. Primeiro, porque a

atividade da escrita permite a consolidação de um pensamento e reflexão ou como nos disse

Roberto Cardoso de Oliveira, “a função de escrever o texto é mais do que uma tentativa de

exposição de um saber: é também e, sobretudo, uma forma de pensar, portanto, de produzir

conhecimento” (CARDOSO DE OLIVEIRA, 2006, p. 12), ou, noutra expressão dele, “atos

cognitivos” (idem, p. 18; p. 25), que procedem ao ver e ouvir.

Quanto à condução em campo, não poderia seguir apenas por entrevistas, visto que

situações de conflito, além de verbalizadas, poderiam ser identificadas em pequenas atitudes

cotidianas, requerendo uma observação participante com apontamentos mais detalhados.

Pensei no que poderia causar a presença de alguém anotando num caderno, o que via, ouvia e

sentia, por exemplo, sobre o que ocorresse numa reunião comunitária. Ou da presença de um

equipamento pequeno como um gravador digital nas rodas de conversa. Ou ainda uma câmera

a todo instante, ligada, com uma luz vermelha informando que está gravando. E tudo isto

somado ao clima de tensão entre intrusos e comunidade local. Mas, um olhar não pode ser

aplicado sem um norte. Requer, portanto, uma orientação.

Para o Prof. Raúl Rojas Soriano (2004) “a pesquisa social deve abordar os problemas

a partir de uma perspectiva mais global, considerando a sociedade como um todo, conforme a

dinâmica e os vínculos internos e externos que ela adquire no seu devir histórico” (SORIANO,

2004, p. 14). Assim, pode-se entender que o estudo de uma problemática criada e mantida

socialmente necessita vasculhar os espaços objetivos e subjetivos que com ela se relacionam.

Este ainda considera que a adoção de teorias e metodologia científica pertinentes evita erros

na tomada de decisões. Ele ainda esclarece que, em se utilizando da observação participante,

advoga que para este fim, se requer:

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um esquema de trabalho para captar as manifestações e aspectos mais transcendentes e significativos da vida familiar e comunitária [...] avaliando suas atitudes, expressas pela linguagem corporal (aceno, gestos, e posturas do corpo, bem como a linguagem oral – exclamações, expressão emocional da voz). Observa também se o grupo está dividido em subgrupos, se é heterogêneo ou homogêneo; observa suas vestimentas, o tipo de participação [...] e a atitude dos líderes. Observa o meio ambiente onde se desenvolve o acontecimento (SORIANO, 2004, p. 146).

O autor ainda adverte que ocorrendo em núcleos indígenas, numa pesquisa há de se

persistir, pois embora aquele e aquela que tenham sido aceitos, podem gerar uma aversão,

alterando a normalidade do cotidiano, agindo, portanto com uma formalidade, distorcendo e

invalidando a observação.

Havendo observação participante, eu não tinha como deixar de alterar aquela

realidade social. Então, o que fazer para ter a confiança daqueles a quem observara? Pensei:

propor-me-ia a trabalhar com as crianças da escola Pe. José de Anchieta. Mas o que fazer com

elas? Lembrei do que havia lido sobre isto, nas idéias de Carlos Rodrigues Brandão (1999).

Para ele, se um conhecimento resulta de uma inserção na história de um grupo, isto implica

em tomar posse deste conhecimento. E, daí, torna-se ética uma retribuição, uma forma em que

pesquisadores-e-pesquisados [palavra composta pelo autor] “são sujeitos de um trabalho

comum” (BRANDÃO, 1999, p. 11). Assim, decidi que eu poderia atuar diretamente com os

alunos das duas escolas, contando e ouvindo histórias deles e, com os professores, ouvindo,

primeiro, a história de vida profissional e pessoal deles. Igualmente estenderia o procedimento

com aqueles com quem encontrasse e se dispusessem a colaborar com o trabalho. E havendo

permissão dos entrevistados, filmaria tudo isto e viabilizaria uma maneira de inserir esses

participantes na socialização dos resultados do trabalho de pesquisa, já que toda a edição

ocorreria fora de campo.

Esta troca de histórias durante a tomada das entrevistas não estruturadas não era o

único recurso metodológico a fim de gerar um sentimento de confiança entre sujeitos.

Também era uma forma recomendada por James Clifford (2002) para que na observação

participante, captasse essas percepções minhas e deles. Para ele:

A observação participante obriga seus praticantes a experimentar tanto em termos físicos quanto intelectuais, as vicissitudes da tradução. Ela requer um árduo aprendizado lingüístico, algum grau de desenvolvimento direto [grifo meu] e conversação, e freqüentemente, um ‘desarranjo’ das expectativas pessoais e culturais (CLIFFORD, 2002, p. 20).

Mas, e o que fazer com as histórias? E se elas viessem repletas de mitos? Ora,

enquanto essas variáveis circulavam em minha reflexão, lembrei do que Darrell Posey em sua

Introdução à Etnobiologia: teoria e prática, já destacava:

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Em ecossistemas da Amazônia e os modos pelos quais podem ser explorados encontram-se, direta ou indiretamente, expressos nos mitos e rituais dos grupos indígenas da região. Com efeito, sua concepção do mundo influencia – e é influenciada em graus diversos – pela maneira como o ecossistema é percebido. Por outro lado, o modo como os índios interagem com seu hábitat oferece informações preciosas sobre as inter-relações ecológicas, todas elas cruciais para o funcionamento dos microssistemas (POSEY, 1997, p. 12).

E como dialogar com os participantes se todos estão sempre a desenvolver alguma

atividade, seja aluno ou aluna e professor e professora, ou demais pessoas de uma comunidade

indígena? A saída mais segura consistia em integrar-me aos sujeitos em suas atividades, de

modo a não perder de vista nenhuma das formas ou fontes de informação. Do mesmo autor

aprovisionei-me de sua valiosa compreensão de que “quanto menos pergunta, melhor [...]. Um

mito em cujo enredo compareçam elementos vegetais, animais e seres humanos pode

constituir a chave para decodificar a percepção por uma determinada cultura de importantes

inter-relações (idem, p. 13).

Com essa indicação, me compenetrei ainda em Boa Vista, antes de viajar à Maloca do

Barro, ao exame do mito de origem Makunaima e a Raposa, obtido de um documento escrito e

ilustrado por professores, o que apresento e discuto no tópico 3. O segundo, pronunciado pelo

Tuxaua A. D. F.[Tuxaua da Maloca do Barro – Surumu] no final da tarde do dia 26 de

novembro de 2007 no que antecipo o recorte. Assim pronunciou-se: “Somos um povo de

passado aguerrido. Sempre estivemos à frente da luta por nossa terra. E todos esses jovens que

estudam aqui no Centro de Formação, se preparam para isto: a defesa de nosso povo, de nossa

cultura”.

Quando entrevistava os professores na sede da escola Pe. José de Anchieta, entre

perguntas e solicitações para que falassem sobre o passado de suas etnias, apenas me

respondiam que tinha sido de muita exploração e dominação. Se havia conflito entre Makuxi e

Wapixana, a resposta era “não”. Que ambas as etnias “conviviam em paz”. Só não me

souberam explicar o porquê de se ensinar a alunos das etnias mencionadas, a língua Makuxi

como “língua materna”, o que para mim significaria uma forma de violência simbólica, uma

manifestação que não cabe no sentido físico considerado pelo filósofo alemão Jürgen

Habermas e sim àquele compreendido por Pierre Bourdieu (2000) onde indivíduos ou grupos

impõem valores, hábitos e comportamentos sem recorrer necessariamente à agressão física

com vistas a obter uma integração social ou em suas próprias palavras:

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Los símbolos son los instrumentos por excelencia de la “integración social”: en cuanto que instrumentos de conocimiento y de comunicación (cf. el análisis durkheimiano de la festividad), hacen posible el consenso sobre el sentido del mundo social, que contribuye fundamentalmente a la reproducción del orden social: la integración “lógica” es la condición de la integración moral (BOURDIEU, 2002, p. 2).

Ou ainda por um outro motivo em que segundo os próprios professores do Centro de

Formação e Cultura Indígena sentiam o mesmo problema porque passei na Escola de

Formação de Professores de Boa Vista por ocasião das atividades do Projeto Caimbé: não se

conseguia, agrupar alunos de etnias diferentes em um mesmo grupo de trabalho, quando todos

falavam e entendiam em língua portuguesa. Disse-me em entrevista o professor Jonildo Viana

do Núcleo de Educação Superior Indígena INSIKIRÁN [nome de um dos filhos mitológicos

de Makunaima], ter ouvido relatos de seus alunos professores, relatos de passarem pelos

mesmos problemas com alunos da Educação Básica entre todas as escolas de toda a Terra

Indígena Raposa-Serra do Sol, em entrevista não diretiva realizada no Campus Central da

Universidade Federal de Roraima, um dia antes da minha viagem à Maloca do Barro.

O devir em campo sempre guarda segredos e desafios. É nele que a teoria é refletida

com maior intensidade, enquanto as categorias localizadas pelo pesquisador, reconhecidas e

empregadas em espaço de conflito, a atenção necessita ser redobrada, porque ele se encontra

frente a frente com o que eu chamaria de pico de comportamento, isto é, a manifestação

primaz das tensões em si. É por ele – o comportamento – individual e coletivo, que o conflito

se configura e se realiza hoje, cuja “arena” se dá nos fóruns políticos locais, regionais,

nacionais e internacionais.

Uma colaboração indispensável para pensar sobre isto de forma prática, veio de

Langness (1965), cuja leitura me pareceu bastante apropriada e atual para o delineamento do

“objeto” de estudo que acompanho. É que toda a preocupação dele se concentra em posicionar

metodologicamente, a observação participante e seus procedimentos, em um lugar de

prioridade quando se deseja estudar aspectos de comportamento na Antropologia. É desta

consideração que elejo a observação participante como uma das técnicas necessárias ao estudo

do conflito interétnico.

Ele adverte que a história de vida, quando desvinculada de seus contextos e de quem a

utiliza para estabelecer comparações entre os relatos obtidos, pode incorrer em erros caso não

se atente para a correlação entre contextos e respostas, vez que ambos são interpretados por

cada indivíduo (LANGNESS, 1965, p. 48). Mas enfatiza que, se acompanhada de atenção a

aspectos mais abrangentes, tais como papéis desempenhados pelos indivíduos, valoração

exercida por estes e pelo grupo sobre objetos valorados, a história de vida servirá de um

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competente método de pesquisa. Embora não tenha adotado integralmente as histórias de vida

de todos os ouvidos e entrevistados, as incluí como um dos tópicos a serem captados a fim de

perceber a presença ou não de relações sociais permanentes ou esporádicas com as etnias da

Maloca.

De certo, o grau de confiabilidade referido por Langness como rapport (1969: 57), isto

é, uma mútua confiança, deve ser levado em consideração pelo etnógrafo no ato da pesquisa.

É esse grau que trará veracidade às respostas de seu contingente, segundo Langness,

encontram-se postas duas personalidades: a de quem investiga e a de quem é investigado. As

primeiras impressões ficam.

Uma confiança deve sempre ser considerada relativa. Isto por que, como bem adverte

Langness, “um pesquisador ocidental dos altiplanos da Nova Guiné, por exemplo, nunca se

tornará verdadeiramente um membro autêntico da comunidade nativa, por mais que ele tente”

(LANGNESS, 1969, p. 59). Então, qualquer recurso que o pesquisador queira utilizar para

assegurar um compromisso, um “voto” [grifo meu] de fidedignidade de seus informantes, por

exemplo, será inválido, quer seja brinde, presente, etc. Um rapport é elaborado durante a

convivência.

Por sua vez, nessa convivência, o pesquisador necessita estar consciente de que ele não

é nem será o outro. Mesmo que eu tenha meus territórios e saiba muito bem defender; embora

seja capaz de me articular com outras pessoas para este fim, ou seja, embora eu e aqueles a

quem estude sejamos capazes de termos algo de similar, nossas intimidades permanecerão

como um bem de cada um, de cada uma. Sobre essa intimidade, sugere Langness:

É importante não se isolar da vida da aldeia, ou pela localização da casa ou por seus próprios hábitos pessoais e outros motivos. [...] Existem algumas vantagens no papel de estranho, contudo que seja objetivo e amistoso e não intruso, autoritário ou malévolo. Desempenhar de maneira apropriada o papel de estranho, torna possível ser convocado para resolver disputas arbitrárias, para oferecer opiniões sobre assuntos de interesse mútuo, para atuar como intermediário entre os nativos e uma terceira parte não tão bem conhecida ou que não goze de tanta confiança. Além disso, pode-se algumas vezes usar o prestígio que resulta de seu status, se ele é membro de um grupo dominante ou controlador (LANGNESS, 1969, p. 60).

Bastante apropriadas as prerrogativas de Langness ao estudo que realizo, porque ele

igualmente reflete sobre a relação pesquisador – intérprete – nativo. Afinal, eu estava

trabalhando numa comunidade na qual é possível encontrar até quem seja poliglota: falar

makuxi, wapixana, português, inglês e espanhol, essas duas últimas dadas à relação fronteiriça

que Roraima tem com a Guiana Inglesa e a Venezuela.

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Referindo-se a Margaret Mead, Langness informa que ela fez distinção entre aprender

e usar a língua nativa, isto em um artigo publicado em 1939, onde ela dizia não haver

necessidade de se aprender uma língua para se fazer uma pesquisa competente, considerando

que dependendo do aspecto tratado, implicaria no conhecimeno de vocábulos especializados

(idem, p. 62). O que pode ocorrer é sim, problema de interpretação quando não se fala a língua

materna [expressão empregada praticamente por todos os índios e não índios no Estado de

Roraima, para se referir à língua nativa], pois, é possível que ocorra antipatia entre um

informante e outro e que isto acabe por influências em traduções, por exemplo, conclui

Langness. Daí, uma conversa que implique referência a uma terceira pessoa, que no meu caso

de certo foram fazendeiros e rizicultores, bem como um dos governos envolvidos, pode exigir

a quebra da individualidade entre nativo – nativo [para usar o termo de Mead], por exemplo,

ao se conversar sobre briga entre casais.

As entrevistas devem ser diretas objetivas, já que é um processo indireto de

observação. Como as pessoas podem ter perspectivas diversas, uma outra pode desconsiderar

a pergunta e, consequentemente, a resposta deixará lacunas ou adquirir versão não confiável,

de acordo com o prisma em que o entrevistador tenha sido “interpretado” [grifo meu]. Quanto

mais em espaço de conflito em estudo. A desconfiança também é previsível por ocasião das

entrevistas, estruturadas, semi-estruturadas ou não-estruturadas, pelo fato de eu não ser índio,

ainda mais funcionário do Estado de Roraima. Isto é alertado também por Langness:

O papel social designado ao entrevistador faz grande diferença e assim, a informação dada pode variar grandemente de situação para situação. Enquanto estava na Nova Guiné, fui testemunha de algumas das mentiras mais evidentes, usualmente dadas por um nativo a um estrangeiro ou a funcionários administrativos. O motivo dessas mentiras é fácil de entender, pois o povo tem a tendência de contar aos estranhos o que eles pensam que esses gostariam de ouvir, e eles gostam de dizer aos funcionários administrativos que eles possuem menos porcos do que realmente têm ou que não têm negligenciado seu café ou outras colhetas (LANGNESS, 1969, p. 66).

Há uma interação que é inegável na relação entre os sujeitos em pesquisa. Esta por seu

turno, transcorrerá, também, com a capacidade do pesquisador em estar sensível ao que vê,

ouve e sente, sendo igualmente hábil em extrair ao máximo elementos, ainda que não obtenha

o suficiente para formar uma conclusão à questão perseguida, o que pode requerer, também,

uma certa criatividade.

Reflito sobre a relação entre pesquisador em campo de pesquisa, também apoiado em

Bourdieu (1992), onde ele teoriza sobre o poder simbólico a partir da sua noção de campo.

Para ele, o campo é semelhante a um universo constituído de relações objetivas de

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interdependência entre sub-campos que preservam uma certa autonomia e união pela

solidariedade orgânica na divisão do trabalho de dominação. Envolve população como um

conjunto de agentes suscetíveis a submissões e participações reais e ligados por interações

reais e diretamente observáveis (BOUDIEU, 1989, p.373-374 [Curso no Collège de France:

L’Etat: conclusions, aula de 21/2/91]).

Em “A Miséria do Mundo”, Bourdieu (1999) leva a intuir que desde a formulação das

questões, o pesquisador deve se atentar para não elaborar perguntas absurdas, arbitrárias,

ambíguas, deslocadas ou tendenciosas, respeitando a seqüência do pensamento do pesquisado,

ou seja, procurando dar continuidade na conversação, conduzindo a entrevista com um certo

sentido lógico para o entrevistado. Nem sempre o melhor caminho é aquele que se pretende

chegar pela pergunta direta, e sim, o que permite com que o pesquisado relembre parte de sua

vida. Para tanto, o pesquisador pode muito bem ir suscitando a memória do pesquisado, que

pode ser um procedimento onde o pesquisador exerça com humildade, sua maturidade

metodológica, que passa inclusive, pela necessidade de se expressar na língua do pesquisado,

ao mesmo tempo em que isto diminui a violência simbólica entre ambos, já que lidará com

sentimentos, afetos pessoais, fragilidades, conflitos pessoais.

No trabalho “O Poder Simbólico” (1998), Bourdieu, citando Nietzsche, equipara o

pesquisador em Ciências Sócias a alguns “profissionais” [grifo meu]: que os sacerdócios

vivem do pecado... De maneira semelhante acrescentamos: os gramáticos vivem dos erros,

assim como os metodólogos... Ele mesmo, como sociólogo faz uma relativização da função do

metodólogo, ou seja, do especialista em metodologia. Por isso mesmo os manuais de

metodologia que tanto enfatizam o fazer correto, não dizem que esse correto é algo construído

e dado historicamente.

Quanto à categoria epistemológica deste trabalho de pesquisa, opto pela compreensão

de Richard Adams (1975) para qual o ambiente mantém uma estreita relação com o aspecto

material, físico ou de forma-e-fluxo-energético do habitat social e físico do homem. Isto é,

meio ambiente contém e está contido no humano. Não há um sem o outro, como se um e outro

fossem elementos de um conjunto. Assim, não somente a topografia, o clima, os recursos

naturais, etc., formam uma parte do ambiente, mas também outros seres humanos, ondas

sonoras (falas), comportamento dos outros”(ADAMS, 1975, p. 13).

Portanto, se encortina uma relação de poder mesmo com a aparente relação de

sociabilidade bem evidente. Assim, dadas as peculiaridades que aqui apontam-se, considerem-

se as indicações feitas por Richard Adams (1975), ainda bem atuais para o problema em

análise.

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O que as evidências estão indicando é que as ações realizadas no trabalho de campo e

nas consultas bibliográficas levam ao entendimento de que as formas de transferência desses

poderes e de adaptações feitas pelas duas etnias em relação ao ambiente variam, e a variação,

parece constituir-se aos momentos de “organização interna” (ADAMS, 1975, pp. 55-56).

É da relação estabelecida entre Makuxi e Wapixana com aqueles que não são

indígenas mas encontram-se dentro da Raposa Serra do Sol, que surge o fracionamento do

poder pela divergências e desacordos quanto às medidas e modos de estabelecimento dos

marcos territoriais que dariam o contorno à TIRSS. E, uma vez poderes enfraquecidos, então

poderes transferidos ao executivo, o que enfraquece por fracionamento de coalisão de

objetivos políticos, ou melhor, nas próprias palavras de Adams:

A redução de poder num sistema conduzirá necessariamente a uma redução nos níveis de articulação, da mesma maneira que o despovoamento reduzirá o número de domínios [...] Domínios e níveis sãos, num sentido muito real, construídos de poder; ao faltar aquele poder, simplesmente desaparecerão, fora das mentes daqueles que lembram, ou na arquitetura e resíduos documentários que fornecem emprego para futuros arqueólogos e historiadores (ADAMS, 1975, p. 93).

E então me vieram algumas reflexões. As primeiras delas a partir daquelas presentes

em um dos textos estudados durante a disciplina do Mestrado, Teorias Antropológicas

Contemporâneas – A Experiência Etnográfica. Em James Clifford (2002), encontrei aportes

que me permitiram entender algumas “dúvidas” ocorridas dentro do campo e fora dele: um

conflito que é negado pela população “de dentro” pode ser estudado por alguém “de fora”?

Como então encaminhar esta pesquisa de campo entre as etnias envolvidas?

Por retomar a máxima de que o etnógrafo poderia alcançar um atributo “sobrenatural

de pensar, sentir e perceber o mundo” (GEERTZ, 1999, p.86) desde que se colocasse na

condição do nativo, Clifford Geertz não considera como um problema, visto de dentro ou de

fora, na primeira ou na terceira pessoa, mas sim, de estabelecer, como dizia o psicanalista

Heinz Kohut uma “experiência próxima e distante” (KOHUT apud Geertz, p. 87), a tal modo

que constate a impossibilidade de estar sob a pele do nativo e sim, de esforçar-se em não se

envolver por empatias internas com os informantes, para então saber expressar o que é uma

explicação nativa de uma não nativa.

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Já na Apresentação do livro “O Saber Local”, feita por José Reginaldo Santos

Gonçalves26, encontro o primeiro argumento para esta ajudaria a sanar as dívidas

anteriormente citadas. Ele reconhece que:

No saber convencional da disciplina, a etnografia desempenha um papel metodológico central. [...] É entendida por certos autores como a ‘observação e análise de grupos humanos considerados em sua particularidade (...) e visando a reconstituição, tão fiel quanto possível de cada um deles’ [grifo do apresentador. Lévi-Strauss, apud Gonçalves, 1973: 14] da vida dos grupos estudados e problematizam o entendimento mesmo do que seja a ‘prática da etnografia’ [grifo do apresentador] (GONÇALVES, 1980, p. 9).

Daí me deixa uma margem para justificar que as particularidades necessárias a esta

pesquisa poderiam ser contempladas pela averiguação nas histórias das etnias, mediante um

exame mais apurado das fontes escritas e orais. E se considerar a interlocução feita pelo

apresentador no qual faz a Clifford Geertz, para quem a “Etnografia é uma atividade

eminentemente ‘interpretativa’, ‘uma descrição densa’ [grifos do apresentador], voltada para a

busca de ‘estruturas de significação’” (GEERTZ, apud Gonçalves, 1980, p.15), responderia:

persigo e intento encontrar o sentido mais próximo ao que os estudos e vivências pessoais me

inspiram, para o conflito interétnico entre Makuxi e Wapixana. Pois como ressalta Gonçalves

sobre o propósito do James Clifford, uma etnografia deve se propor a:

entender a diversidade mesma (sic) dos processos de construção dos textos etnográficos, visualizando-os como empreendimentos textuais situados em circunstâncias históricas e culturais específicas [...] parte de um sistema complexo de relações [...] vividas por etnógrafos, nativos e outros personagens situados no contexto de situações coloniais. [...] Ela se configura na verdade como um campo articulado pelas tensões, ambigüidades e indeterminações próprias do sistema de relações do qual faz parte (GONÇALVES, 2006, p. 10).

Se assim pode ser concebida uma etnografia, sobretudo pelas condições adversas em

que me encontrava, não havia como fugir ou debelar as circunstâncias históricas e culturais.

Recaía sobre mim a necessidade de captar o máximo de informações e expressões em um

mínimo de tempo possível, a fim de apreender essas tensões e todo o arcabouço pelo qual se

pode perceber e sentir uma relação interétnica conflitante.

A seguir, apresento uma proposta de revisão bibliográfica sobre conflito, perpassando

desde os primeiros relatos do que ficou reconhecido como “viajantes”, aos clássicos da

Antropologia britânica, francesa, americana e brasileira para, no capítulo três, apresentar a

26 PhD em Antropologia Cultural pela Universidade de Virginia, Charlottesville, Estados Unidos (1989). Mestre em Antropologia Social pelo PPGAS do Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro (1980). Disponível em: http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.jsp?id=K4781996H6. Acessado em: 27 de março de 2008.

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pesquisa de campo realizada nos meses de maio e novembro de 2007, oportunidades em que

foram feitas duas viagens: a primeira, de caráter exploratório, a fim de levantar aspectos

relevantes em preparação teórica e adequação de roteiros de entrevistas e de observação; e a

segunda, de efetivo trabalho de campo, com apontamentos em diário, fotografias e filmagens,

totalizando 24 fotografias em película; 15 horas de gravações em fitas cassete e digitais em

aparelho MP3, bem como 1 hora de tomadas em vídeo, registradas em fita VHS (8

milímetros) com posteiror edição digital em DVD sobre a participação dos professores da

Maloca do Barro na vida da comunidade, seu espaço físico e das dificuldades de pesquisa,

material do qual será produzida uma curta-metragem.

Na mesma ocasião, elaboro um quadro comparativo entre as sociedades Makuxi e

Wapixana, pondo em relação: atividade econômica, cotidiano, organização social, habitação e

alimentação, propondo uma atualização aos trabalhos de Lemos (1998) e Santilli (2001) sobre

os Makuxi e Cirino (2000) quanto aos Wapixana, ressaltando que as características levantadas

se dão da observação feita em um mesmo espaço social, a Maloca do Barro, campo único

deste trabalho, com o propósito de trazer à presença, o que para mim é parte da “arena” deste

conflito, excluída a conotação artística e ressaltada a denotação de lugar de debate e de

discussão.

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CAPÍTULO 2

Conflito Interétnico – uma revisão bibliográfica

O conflito interétnico a que me refiro neste trabalho é aquele manifesto entre as duas

principais etnias da Terra Indígena Raposa-Serra do Sol, a Makuxi e a Wapixana. Consiste de

embates políticos, não físicos, concebidos e empreendidos por líderes indígenas internos como

o Tuxaua, os Coordenadores de Área, grupos, e às vezes, indivíduos que, à revelia dos

primeiros, praticam ações mútuas segundo seus próprios interesses, dentro e fora da Maloca

do Barro. Essa Maloca foi selecionada como campo de pesquisa por ser a sede

“administrativa” e política da Terra Indígena. Sem ser visível em espaços “abertos”, tal fato

não é reconhecido pelos habitantes locais nem pela sociedade envolvente. O “silêncio” sugere

ao pesquisador ser uma forma de autoproteção social e política das etnias envolvidas.

As características da situação de conflito interétnico que compõem este trabalho

impõem como partida o exame da compreensão antropológica sobre contato e,

consequentemente, a uma revisão teórica acerca de conflito interétnico, pretendendo compor

um quadro anterior, como é possível quando se estuda sobre o passado da ocupação das terras

do que vem a ser hoje o Estado de Roraima. Uma compreensão que rompe o circuito

epistemológico – do “senso comum” para o conhecimento científico – e que parte para uma

sintonia teórica apropriada às especificidades desta pesquisa: não um conflito exclusivo entre

índios e não-índios.

Não sendo o conflito admitido pela sociedade local e envolvente, ele é tomado para

início deste trabalho em busca de uma construção teórica, percorrendo desde o sentido

atribuído nas línguas faladas às produções acadêmicas das Ciências Sociais, cujo

estabelecimento de aproximações e distanciamentos das concepções, pretendem admitir ou

não, afinidades às características identificadas na Maloca do Barro.

No Dicionário Aurélio da língua portuguesa (1993), há uma noção geral do sentido da

palavra conflito na sociedade envolvente, a qual não deve ser confundida como um olhar

evolucionista ou como uma atitude não-científica. É apenas uma preocupação sobre para que e

para quem escrevo, visto que este trabalho servirá, também, para a formação de professores

indígenas e não indígenas. Daí, não posso simplesmente selecionar um autor e seu

pensamento, pelo fato de melhor adequar-se com o problema e a abordagem. Assim, encontrar

uma via pela qual seja possível a escolha de um percurso parece-me ser mais apropriado para

quem escreve com o intuito de aprender e de mediar esse aprender com o ensinar. Escrevo

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menos para mim e mais para aqueles que esperam por este texto: professores que necessitam

compreender melhor o que se passa entre os Makuxi e os Wapixana na Terra Indígena

Raposa-Serra do Sol.

Há um distanciamento maior em relação ao que indicava a pesquisa bibliográfica e as

evidências da investigação em campo. Havendo indícios favoráveis à afirmação de que

existam relações sociais conflituosas entre essas etnias, por que não o admitem? Por que não

dispõem de palavras que o identifiquem? Mas, como quebrar esse impasse? Afinal, no

Dicionário da língua portuguesa, conflito27 tem o mesmo significado de guerra. Segundo as

línguas correntes Makuxi e Wapixana, não há uma palavra específica para conflito. Na língua

Wapixana há palavras correlatas: batalha - Mizeata´Akan; guerra - Baiakary; luta - substitui

por briga – Mireatakari, segundo C. Wapixana (professor) . Na língua Makuxi igualmente; e

sim, palavras de sentido próximo: guerra – epîto (Dicionário da Língua Makuxi, 1996, p.

180); conflito – não há; substituem luta por briga – ekoremanto (idem, p. 162) e siu’pîtî (idem,

p. 173) para discussão. Entre todas as palavras dispostas nas duas etnias, nenhuma delas

admite um sentido para conflito na perspectiva política, e sim, um embate que implica e

pressupõe atitudes entre indivíduos, um corpo-a-corpo.

Havendo uma lacuna nas línguas locais, como reconhecer e identificar características

para um conflito interétnico que permeia situações individuais e coletivas, mas que não tem

uma concepção semântica?

Da Sociologia, uma definição para ambas pode ser encontrada no livro de Pérsio

Santos de Oliveira (2001) como “processo social que decorre da luta pelo status social.

Quando indivíduos ou grupos procuram derrotar ou destruir um rival; de forma consciente e

pessoal, surge um conflito” (SANTOS DE OLIVEIRA, 2001, p. 236). Com sua forma simples

de fazer compreender, sugere, portanto, vir por ocasião da luta entre classes sociais, no tom

marxista e weberiano28.

Para Marx e Weber, só há conflito na sociedade por causas sociais, políticas e

econômicas e somente quando por oposição entre proprietários dos meios de produção – a

burguesia, e os que dispõem apenas da força de produção, isto é, o proletariado –, o que

culminaria na luta de classe, idéia originária da Revolução Francesa (1789) e atualizada por

27 Conflito é definido como “Luta, combate. Guerra. Desavença, discórdia” (Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa, 1993, p. 138). Mas, conflito e guerra são uma mesma coisa? A mesma fonte define guerra como “luta armada entre nações ou partidos; conflito. Expedição militar; campanha. A arte militar. Oposição” (idem, p. 281). Portanto, há aqui apenas um só objeto semântico. 28 Pela envergadura do tema, isso só já daria uma dissertação. Portanto, aqui, marco apenas como um tópico de passagem onde intento estabelecer um roteiro sobre as principais investidas nas Ciências Sociais para uma explicação acerca do conflito em sociedades.

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Karl Marx e seu colaborador Friedrich Engels no trabalho “Manifesto Comunista” (1848) para

os quais “a história de todas as sociedades até hoje é a história da luta de classes” (MARX;

ENGELS, 1998, p. 4). Um conflito entre capital e trabalho.

Mas, como identificar classe social em sociedades indígenas, partindo do critério de

donos dos meios de produção e aqueles, outros, proprietários da força de trabalho? Um

esforço de atualização do entendimento de Marx e Engels pôde ser apresentado por alguns

autores e autoras fazendo uma releitura do marxismo ortodoxo.

A abordagem dos fatores políticos tem centralidade e a política passou a ser enfocada

do ponto de vista de uma cultura política, resultante das inovações democráticas, relacionadas

com as experiências dos movimentos sociais, e tendo um papel tão relevante quanto o

econômico, no desenvolvimento dos processos sociais históricos. Duas grandes referências

fundamentaram esta releitura. A teoria da alienação desenvolvida por Lukács (1960) e pela

escola de Frankfurt, e a teoria de Gramsci. A primeira aborda a alienação “em termos de

dominação dos sujeitos por forças alheias que impedem o pleno desenvolvimento de suas

capacidades humanas e a emancipação como a libertação das garras destas forças alheias,

sejam elas ‘forças da natureza’ ou advindas da organização da sociedade” (ASSIES, 1990, p.

24) e a segunda, sobre a hegemonia.

Podemos situar conflito interétnico dentro do arcabouço dos movimentos sociais, ou

seja, das dinâmicas sociais? Nessa direção, uma aproximação entre conflito interétnico e a

idéia de que um movimento social por parte de organizações existentes interage socialmente,

favorece a uma mobilidade por problemas advindos de seus interesses cotidianos, como

cidadãos, consumidores, ou como cidadãos usuários de bens e serviços públicos. Nessa

perspectiva, conflitos interétnicos tornam-se movimentos sociais porque só existem pelas

ações práticas dos homens e mulheres na história. Organização e consciência ganham topo na

hierarquia para elucidar o seu entendimento.

Qual seria a base de sustentação para esse enquadramento, considerando o processo de

desenvolvimento histórico dos conflitos sociais? Os textos consultados e apresentados a

seguir, apontam para a observação de um consenso dentro do approach marxista, denotando

que a realidade necessita de ferramentas da racionalidade científica desde a concepção até a

prática, mas que nem sempre pode ser visualidade na relação hipotético-dedutiva se...então,

causa...efeito. Ela requer outras explicações que, imediatamente, não são reveladas pelas

etnias Makuxi e Wapixana. Através da objetividade se pode ter, ou não, acesso à forma e aos

modos, como os fatos, fenômenos e acontecimentos da realidade, em geral, realmente ocorrem

e porque eles são dessa forma e se apresentam de outra. O eixo dessa discussão vem girar em

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torno da validade ou não dessa perspectiva, da hierarquia ou não dos setores que compõem as

relações sociais dos homens entre si e com a natureza.

2.1 Revolvendo concepções

Viabilizar um alinhamento do conflito interétnico estabelecido entre índio e índio

requer cautela para se evitar a tentadora vontade de radicalizar à luz do Manifesto Comunista.

Pois como diz Assies:

Elementos como socialização, processo educativo, interação social, autoconsciência, não-consciência, identidade coletiva e individual baseadas em fatores de gênero, preferências sexuais, etnicidade etc. permaneceram fora das principais correntes marxistas de análise e reflexão. O processo político e seus níveis de autonomia também não foi um ponto central naquelas análises. Por isso, os temas que serão destacados pela maioria dos estudiosos marxistas dos movimentos sociais têm um ponto de partida nas questões estruturais, de forma a ter uma base para o entendimento dos conflitos sociais (ASSIES, 1990, p. 25).

Mas, há espaço na Sociologia para vincular conflito com guerra como sugerem

dicionários? Não. Sobre guerra, Santos de Oliveira apenas diz que “pessoas ou grupos podem

canalizar sua tensão para a guerra ou a criminalidade” (idem, p. 40). Uma concepção ampliada

de conflito no sentido político é mais bem caracterizada pelos cientistas políticos Bobbio,

Matteucci e Pasquino (1992) que, ao estabelecerem uma concepção para conflito, afirmam:

“[...] é uma forma de interação entre indivíduos, grupos, organizações e coletividades que

implica choque para o acesso e a distribuição de recursos escassos” (BOBBIO, MATTEUCCI

e PASQUINO, 1992, p. 225). E indicam características para que possa ser reconhecido como

tal:

Dimensões, intensidade e objetivos. Quanto à dimensão, o indicador utilizado será constituído pelo número dos participantes, quer absoluto quer relativo à representação dos participantes potenciais [...]. A intensidade poderá ser avaliada com base no grau de envolvimento dos participantes, na sua disponibilidade a resistir até o fim (perseguindo os chamados fins não negociáveis) ou a entrar em tratativas (sic) apenas negociáveis [...] e objetivos [...], de mudanças no sistema” (BOBBIO, MATTEUCCI e PASQUINO, 1992, p. 226).

Esses últimos autores advertem que a violência não deve ser tomada como índice de

reconhecimento. Consiste apenas de um componente de sua existência, de uma quebra de

normas pactuadas (idem, ibidem).

Conforme o que Bobbio, Matteucci e Pasquino (1992) apontam, dois grupos de

pensamento podem ser formados: 1) aqueles que reconhecem um continuum [grifo desses

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autores]. Estes vêem harmonia e equilíbrio seja no grupo, seja na sociedade, seja na

organização. Integram esse grupo Comte, Spencer, Pareto, Durkheim e Talcott Parsons.

Portanto, nessa linha ideológica qualquer conflito é uma perturbação, uma quebra de um

estado normal causada por fatores extra-sociais que devem ser reprimidos porque é uma

patologia social. E 2) grupo em cuja composição encontram-se Marx, Sorel, John Stuart Mill,

Simmel, Dahrendorf e Touraine. Para estes,

qualquer grupo ou sistema social [é] marcado por conflitos porque em nenhuma sociedade a harmonia ou o equilíbrio foram normais. Antes, são exatamente a desarmonia e o desequilíbrio que constituem a norma e isto é um bem para a sociedade. Através dos conflitos surgem as mudanças e se realizam os melhoramentos. Conflito é vitalidade (idem, p. 226).

Já a guerra29, apesar de haver registros sobre tantas nas mais diversas sociedades, só a

partir de Maquiavel é que passou a ser tratada como algo passível de um estudo mais

sistemático. Para ele, guerra é um fenômeno controlável e previsível. Assim, um estado de

guerra só pode ser entendido concomitantemente ao estado de paz, cujo debate ocorre na base

das ciências jurídicas. Explica mas não a decompõe, sistematiza. Na Ciência Política, guerra

implica e pressupõe uma força armada, excluindo, portanto, qualquer raiz personalítica, mas

como o filósofo e cientista político Hobbes a definia no seu Leviatã: “the nature of war

consisteth not in actual fighting, but in the known disposition ” (1974).

Para o psicólogo gestaltista alemão Kurt Lewin (1975), o conflito está no indivíduo

como

a convergência de forças de sentidos opostos e igual intensidade, que surge quando existe atração por duas valências positivas, mas opostas (desejo de assistir a uma peça e a um filme exibidos no mesmo horário e em locais diferentes); ou duas valências negativas (enfrentar uma operação ou ter o estado de saúde agravado); ou uma positiva e outra negativa, ambas na mesma direção (desejo de pedir aumento e medo de ser despedido por isso) (LEWIN, 1975, p. 3).

Nesta mesma ciência, para Salvatore Maddi conflito é:

um antagonismo psicológico que perturba a ação ou a tomada de decisão por parte da pessoa. Trata-se de um fenômeno subjetivo, muitas vezes inconsciente ou de difícil percepção. De modo geral, o indivíduo tem consciência apenas do sofrimento ou da perturbação de comportamento, originados do conflito reprimido” (MADDI, apud Silmara Leithold, UFPR, 1985).

29 Ir ao encontro do que chamo de “categoria-satélite” do conflito, no caso a guerra, é no intuito de eliminar essa hipótese e deixar bem claro que neste estudo o leitor não está diante de uma situação onde isso ocorra.

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A Psicologia parece sugerir que a guerra é uma intenção desta, ou seja, uma finalidade

dada a um objetivo. Para o psicólogo Oliver Zancul Prado (2008), a Psicologia ainda não

encontrou um consenso para os estudos sobre a guerra, mas arrisca a denominá-la de uma

“psicologia aversiva”.

Afinal, o que está deflagrado entre os Makuxi e Wapixana na Terra Indígena Raposa-

Serra do Sol: um conflito ou uma guerra? Aquele, ou esta, “é culpa” de um indivíduo ou de

um grupo, uma coletividade? Sabemos de invasões, liderança exercida, enfrentamentos

judiciais, territórios questionados, grupos armados [porém bem “intencionados”] e muitas

ações, que vão desde o “terrorismo psicológico” até provas materiais, como grupos, milícias

de mascarados, tropas fardadas e carros sem placas.

Não percebo uma relação conflituosa entre as etnias Makuxi e Wapixana em nenhum

dos padrões acima mencionados. Não há uma rivalidade entre pessoas. Isto exclui a variante

psicológica, tanto no sentido de Kurt Lewis quanto em Salvatore Maddi e Oliver Zancul

Prado. Mesmo tendo presenciado uma cena em que uma senhora Wapixana cuspiu nas

pegadas de uma índia moça Makuxi que passava, enquanto eu observava a um jogo de futebol

sentado no banco externo da quadra de esportes.

Aquilo não me convenceu de que havia uma motivação psicológica para o conflito,

embora um sentido de contradição seja encontrado, por exemplo, quando por ocasião de uma

índia enfermeira que visitou a minha residência em Boa Vista. Ela me disse que na Casa do

Índio, ambiente hospitalar existente em Boa Vista – RR, “jamais se interna um índio Makuxi

com um Wapixana na mesma enfermaria, a fim de evitar o risco de briga no interior da Casa,

pois, um sempre desconfia do outro” (“Cláudia” – nome fictício, 40 anos de idade –

enfermeira da Casa do Índio).

Uma aproximação desse depoimento com as condições políticas prescritas por Bobbio,

Matteucci e Pasquino não contempla a totalidade destas. Se efetuarmos uma relação com

aqueles que põem conflito na direção de que todo ele tende a se estabilizar em prol de uma

harmonização, eu diria que não procede, visto que tenho percebido uma forte presença de

dominação na forma de ocupação de papéis sociais bem definidos: todos os professores

entrevistados nas duas escolas da Maloca do Barro são da etnia Makuxi. Isto sugere uma

busca pela ocupação de cargos influentes no centro da etnia, como entendo ser lá uma das

funções do professor.

Uma informação importante que reforça essa conclusão pode ser assim percebida na

página seguinte:

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O Núcleo Insikiran, com o objetivo de fazer um diagnóstico de estudantes indígenas na instituição, por meio do Sistema de Informações [o trecho do jornal apresenta um tópico frasal incompleto]. A primeira etapa do levantamento está em fase de finalização, com base nas matrículas realizadas no semestre 2008.1. O diagnóstico inicial deste semestre revela dados interessantes. Foram identificados, por exemplo, que a etnia com maior número de matriculados na UFRR é a macuxi (sic), com 184 pessoas, seguida da wapichana (sic), com 88. Na licenciatura intercultural estão matriculados 237 índios de diversas etnias. Destaque para o aumento da presença dos yekuana (sic), também conhecidos como mayongong, que vivem a noroeste de Roraima, divisa com a Venezuela dentro da área Yanomami. O grupo conta com uma população de 500 índios, dos quais sete estão matriculados na UFRR. Também freqüentam as aulas da universidade os ingaricó, taurepang e wai wai (sic) (Jornal Folha de Boa Vista, Especial: 22 abr. 2008).

O segundo grupo30, do qual excluo Simmel, composto pelos três cientistas políticos

anteriormente mencionados, não o incluiria no critério sugerido por eles como procedente

porque, como a história das duas etnias em foco diz, há fases em que ambas se alinham em

defesa de algo coletivo, e/ou se rivalizam quando pela defesa da ocupação das

representatividades superiores, isto é, quando estabelecem disputa eletiva, por exemplo, para a

Presidência do Conselho Indígena de Roraima - CIR. Antes da homologação, havia somente o

Conselho Indígena de Roraima; com ela, foi criada a Sociedade dos Índios Unidos de

Roraima, esta congregando aqueles contrários ao modelo demarcatório defendido pelo CIR.

Dois filósofos contemporâneos também ajudam a entender o conflito interétnico entre

Makuxi e Wapixana, George Simmel (1858-1918), filósofo e historiador alemão, professor na

Universidade de Berlim, e Michel Foucault (1926-1984), filósofo francês, professor da Escola

Normal Superior da França.

Antes de Foucault, Simmel, em seu título “Grundfragen der Soziologie”, cuja tradução

foi por mim consultada na versão de 1999 para o português brasileiro (2006), aponta o que

para ele constituem “questões fundamentais da Sociologia”: 1) que fundamentos devem

compor a base de uma ciência da sociedade, de tal modo que permitam responder aos seus

próprios problemas e aos de seu “objeto” de estudo? 2) Ao aprofundar a atividade de

conhecimento de seu objeto, deve a Sociologia concentrar-se nas relações individuas ou

grupais? O que e como cabe a indivíduos e grupos, que os façam distintos? Como estes

(indivíduos e grupos) interagem com a massa? 3) É possível captar conteúdos e formas da

vida social? Que conteúdos são esses? 4) O que estimula o conflito entre indivíduo e

sociedade?

Para Simmel (2006), a Sociologia é a ciência mais bem preparada para o estudo dos

conflitos. Para ele,

30 Marx, Sorel, John Stuart Mill, Simmel, Dahrendorf e Touraine.

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tudo o que os seres humanos são e fazem, [...] ocorre dentro da sociedade, é por ela determinada e constitui parte de sua vida. [...] Seria preciso introduzir uma ciência da sociedade que, em sua unidade, trouxesse à tona a convergência de todos os interesses, conteúdos e processos humanos, por meio da sociação (sic )em unidades concretas (SIMMEL, 2006, p. 9).

Portanto, poderíamos intuir que o conflito está na raiz da vida em sociedade. Isto

impõe um “preço” à Sociologia: a necessidade de provar seu “direito de existência”. Por isto,

Simmel coloca uma condição: que somente por intermédio de estudos sobre “indivíduos”

[grifo do autor], haveria condições para se conhecer a existência do real (SIMMEL, 2006, pp.

9-10). Para ele, o indivíduo não é dirigido por vontade própria e sim, por seus líderes, os

quais, por sua vez, tentarão reunir o máximo de forças dentro do grupo: “ambos os elementos

constroem a unidade indivisível da vida pessoal” (idem, p. 11), apesar de ele reconhecer que

“o que cientificamente conhecemos no ser humano são traços individuais e singulares, que

talvez se apresentem uma única vez, talvez mesmo em situação de influência recíproca, e em

cada caso exige uma percepção e dedução relativamente independentes” (idem, p. 12).

Esta atividade de conhecimento-reconhecimento implica numa forma, que, para

Simmel, é

sempre uma articulação estabelecida por um sujeito articulador-, torna-se patente que a realidade a ser conhecida se nos escapa rumo à total incompreensão. A linha divisória que culmina no ‘individuo’ também é um corte totalmente arbitrário, uma vez que o indivíduo, para análise ininterrupta, apresenta-se necessariamente como uma composição de qualidades, destinos, forças e desdobramentos históricos específicos que, em relação a ele, são realidades elementares tanto quanto os indivíduos são elementares em relação à sociedade (idem, p. 13).

A realidade da Maloca do Barro é conflituosa porque, muitas vezes, os indivíduos

resolvem agir movidos por interesses que se revelam contrários aos interesses do grupo. Ou,

como Simmel coloca “A interação psíquica entre os indivíduos” [aspas do Autor], e que “se

realiza num fluxo incessante [...] que os indivíduos estão ligados uns aos outros pela

influência mútua que exercem entre si e pela determinação recíproca que exercem uns sobre

os outros” [aspas do Autor] (idem, p. 17).

Ou seja, para Simmel, sociedade é apenas uma nomenclatura designada para exprimir

“um círculo de indivíduos que estão, de uma maneira ou de outra, ligados uns aos outros por

efeito de relações mútuas, e que por isto podem ser caracterizados como uma unidade um

sistema de massas corporais que, em seu comportamento, se determinam plenamente por meio

de suas influências recíprocas (SIMMEL, 2006, p. 18).

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Isto me parece importante em face de algumas peculiaridades que o conflito interétnico

entre Makuxi e Wapixana foi adquirindo no decorrer de sua história, como constataremos nos

estudos bibliográficos e de campo, conforme atestam trabalhos feitos por antropólogos

brasileiros ou não, por mim recuperados e posteriormente, apresentados. Antes de

estabelecerem uma relação mais consistente e constante com as demais etnias do Brasil e

compartilharem dos mesmos problemas sociais e ambientais, Makuxi e Wapixana atuavam

mais numa concepção de coletividade do que individualmente, enquanto com a percepção e

vivências de dentro da nova terra conquistada, estes entraram para uma atuação individual em

prol da coletividade.

Reconhecendo a habilidade de articulação Makuxi e a flexibilidade Wapixana, tanto no

sentido de indivíduos quanto de grupos, concordo com Simmel quando provoca a

correspondência entre poder do grupo e poder do indivíduo:

As condições para o poder dos indivíduos são imediatamente claras: inteligência, energia, combinação apropriada entre pertinácia e flexibilidade etc.; mas é preciso que existam certas coisas obscuras que sustentem devidamente o poderio historico de fenômenos como Jesus, de um lado, e Napoleão, de outro, fenômenos que de modo algum seriam explicados por meio de designações como “persuasão”, “prestígio” etc. Quando os grupos exercem seu poder, seja sobre os indivíduos, seja sobre outros grupos, eles operam com outros fatores. Alguns deles são: a capacidade de intensa concentração, assim como dissolução em atividades individuais específicas; a crença consciente em espírito de liderança, assim como em nebulosos impulsos expansionistas; o paralelismo entre o egoísmo dos indivíduos e a devoção sacrificial diante de todos; o dogmatismo fanático e uma liberdade espiritual evidente a cada instante (SIMMEL, 2006, p. 31-32).

Vejamos dois dos casos de exercício de liderança individual ocorridos em prol da

Terra Indígena Raposa-Serra do Sol:

TIROTEIO NA INVASÃO – Famílias de índios feridos querem indenização do produtor Quartiero.

As famílias dos nove índios feridos à bala durante confronto com funcionários do rizicultor e prefeito de Pacaraima, Paulo César Quartiero, na segunda-feira, vão pedir indenização ao empresário pelos danos sofridos por seus familiares. A informação foi repassada ontem pelo tuxaua Martinho Macuxi de Sousa, 37 anos. Martinho Macuxi é o responsável pelo acampamento montado por indígenas ligados ao Conselho Indígena de Roraima (CIR), a sete quilômetros de Surumu. A concentração dos índios não pára de crescer no local. Ontem já havia mais de 25 barracos de lona, com cerca de 300 pessoas entre homens, mulheres e crianças. Segundo Macuxi, chegam indígenas a todo o momento. O líder indígena informou que vai a Boa Vista hoje para acompanhar a situação dos indígenas que foram feridos. Além de exigir indenização, ele anunciou que o grupo vai retomar a ocupação, mas não informou a data. Anteontem o grupo deixou a fazenda Depósito, cuja ocupação provocou o confronto com funcionários do rizicultor e deixou nove índios feridos à bala. Agora, eles estão acampados do outro lado da estrada. (Jornal Folha de Boa Vista, 8 de mai. de 2008).

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Aqui, o líder Martinho, de origem Makuxi, poderia ser classificado como um líder

atuando plenamente como articulador nos três tempos: antes, durante e depois. Destaco que

ele apresenta-se como articulador, em princípio, de indivíduos, passando, a seguir, como

estimulador do grupo.

Segundo caso:

Depois de passar pela Espanha e Inglaterra, as lideranças indígenas de Roraima Jacir José de Souza e Pierlângela Nascimento da Cunha chegaram nesta quinta (26) a Bruxelas, capital belga, onde lançam a campanha \'Anna Pata, Anna Yan\' (do macuxi (sic), \'Nossa Terra, Nossa Mãe\'). Nesta quarta-feira, a comitiva indígena esteve em Londres. Na capital inglesa, tiveram audiência com o embaixador brasileiro na cidade, além de encontros com representantes da Survival Internacional (ONG em Defesa dos Direitos dos Povos Indígenas no mundo) e Anistia Internacional. As entidades manifestaram apoio à causa indígena em Roraima e aguardam julgamento do Supremo Tribunal Federal (STF). No primeiro dia de divulgação da campanha em Londres, as lideranças indígenas concentram-se em atender aos meios de comunicação ingleses. Mas, o destaque foi a entrevista concedida ao grupo Pulse Films, produtor de um documentário sobre os movimentos resistentes ao processo de exclusão em todo o mundo. A filmagem, que promete passar por todos os continentes recolhendo histórias e lutas, contará com a participação especial do jovem ator mexicano Gael García Bernal, do filme Diário de uma Motocicleta (Jornal Folha de Boa Vista, 26 de jun. 2008)

Figura 5: Duas etnias - separadas no passado e unidas no presente

Jacir José de Souza Macuxi e Pierlangela Nascimento da Cunha Wapichana em visita à Embaixada Brasileira em Londres, em divulgação da campanha Anna Pata, Anna Yan – junho de 2008 (Foto: CIR)31

Ante a iminente aprovação pelo Supremo Tribunal Federal do Brasil, da revisão da

demarcação da Terra Indígena Raposa-Serra do Sol, a Profa. Pierlângela Wapixana,

Coordenadora da Organização dos Professores Indígenas de Roraima, e o líder Makuxi Jacir

José de Souza, estes recorreram a órgãos de influência internacional com o propósito se

fazerem influenciar na jurisdição nacional.

Foi uma decisão coletiva ou individual? Pelas informações que me foram dadas por um

informante com o qual sempre mantenho contato à distância, o professor da Licenciatura

Intercultural do INSIKIRAN Jonildo Santos, ambos tiveram a idéia de buscar meios de

31 Disponível em: http://www.cir.org.br/noticias.php?id=536. Acessado em: 9 de julho de 2008.

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persuasão fora do país. No entanto, agiram como representantes de suas comunidades e das

organizações indígenas locais: Organização dos Professores Indígenas de Roraima – OPIRR;

Organização das Mulheres Indígenas de Roraima – OMIRR e do Conselho Indígena de

Roraima – CIR.

A esse respeito, Simmel considera que:

O indivíduo é pressionado, de todos os lados, por sentimentos, impulsos e pensamentos contraditórios e de modo algum ele saberia decidir com segurança interna entre suas diversas possibilidades de comportamento – que dirá com certeza objetiva. Os grupos sociais, em contrapartida, mesmo que mudassem com freqüência suas orientações de ação, estariam convencidos, a cada instante e sem hesitações, de uma determinada orientação, progredindo assim continuamente; sobretudo saberiam sempre quem deveriam tomar por inimigo e quem deveriam considerar amigo (SIMMEL, 2006, p. 40).

E mais adiante, em sua argumentação sobre o indivíduo e seu pertencimento grupal,

Simmel ainda afirma:

Os elementos espirituais que se objetivaram em palavras e conhecimentos, em inclinações afetivas e normas de vontade e juízo, e que penetram o indivíduo como tradições conscientes e inconscientes, fazem isto de maneira tanto mais segura e universal quanto mais consolidada e evidente elas tenham crescido dentro do espírito de uma sociedade que se desenvolveu ao longo do tempo – isto é, quanto mais antigas forem as tradições (idem., p. 43).

Em que posso me apoiar para defender a unidade entre lideranças e “liderados”

[destaque meu para considerar que a condição de liderados, no que percebi em campo, não

acontece de modo massivo, pelo fato de pertencer ao grupo]?. Uma situação pode ser assim

considerada no informe a seguir:

Cerca de 500 professores ligados à Organização dos Professores Indígenas (OPIR) bloquearam ontem pela manhã a BR-174, próximo à entrada da comunidade indígena Entroncamento, sentido Pacaraima. A interdição da rodovia com pedras e galhos ocorreu por volta das 9h e encerrou às 11h30 (sic). A informação foi confirmada pela Força Nacional de Segurança. Desde domingo, cerca de 300 índios do CIR realizam um festejo cultural para marcar a criação oficial da comunidade 10 Irmãos e em manifesto contra o tiroteio que deixou 10 índios feridos, após a invasão da propriedade do rizicultor e prefeito de Pacaraima, Paulo César Quartiero (DEM), no início de maio. A OPIRR também realizou ontem um evento nas comunidades indígenas Boca da Mata, no Município de Pacaraima, e em Boa Vista, na comunidade Campo Alegre. O manifesto, determinado como o Dia de Apoio aos Povos Indígenas da Terra Indígena Raposa Serra do Sol, teve como tema: “O direito de ter a nossa terra é o direito de ter a nossa vida e a nossa educação escolar diferenciada” (Jornal Folha de Boa Vista, 16 de junho de 2008).

Os três fatos anteriores – o bloqueio da BR-174, o festejo cultural e o manifesto Dia de

Apoio aos Povos Indígenas – demonstram esse “espírito de sociedade” como bem categorizou

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Simmel. Este “espírito” não fora sempre assim, pois, baseando-me na literatura conferida e

nos relatos obtidos nas entrevistas, essa unidade intra e interetnias veio ocorrer com o

agravamento por ocasião do desfecho da “desintrusão” dos não-índios que começou como

uma expressão “institucional” desde a campanha para retirada dos garimpeiros na década de

90. Encontrado o eixo dessa unidade entre indivíduos e sociedades indígenas na Raposa-Serra

do Sol, os desafios do presente, como e que características são assumidas? De que conteúdos

líderes e liderados estariam imbuídos, considerando conteúdo no sentido dado por Simmel

como

tudo o que existe nos indivíduos e nos lugares concretos de toda uma realidade histórica como impulso, interesse, finalidade, tendência, condicionamento psíquico e movimento nos indivíduos – todo o que está presente nele de modo a engendrar ou mediatizar os efeitos sobre os outros, ou a receber esses efeitos dos outros” (SIMMEL, 2006, p. 60).

Não foi possível um detalhamento desses conteúdos por necessitarem de

aprofundamento acerca de elementos que implicam e demandam permanência prolongada no

campo de pesquisa. Mas, é indiscutível a existência de um poder, tanto no plano individual

quanto coletivo, na sucessão do conflito interétnico em estudo. Com o objetivo de ancorar

alguns elementos que definam o que e como esse poder pode ser objetivado e subjetivado, me

associo ao que propõe Foucault (2000).

Comecemos por uma pauta localizada no trabalho de Foucault “Em Defesa da

Sociedade”, uma compilação de aulas expositivas ministradas durante o curso no Collège de

France, nos anos de 1975-1976, em que ele se posiciona acerca do controle social sobre o

indivíduo por exemplo, em relação ao direito ou não de realizar um aborto. Nele, dois

conceitos estruturam o texto: biopoder e poder soberano. Para ele, esses conceitos são

atemporais, e podem modelar um Estado (Nazismo ou Socialismo). Os dois conceitos foram

utilizados para legitimar uma determinada posição frente a um individuo ou a uma população,

confluente da bifurcação “vida e morte”. Segundo Foucault, o racismo consiste no

componente aglutinador desses dois conceitos. Não se trata do racismo tradicional, que pode

ser resumido como ódio pelo outro, e sim, uma espécie de justificativa científica para

possibilitar o domínio de alguns sobre outros e a utilização dessas formas de poder sobre os

mais fracos. É exatamente neste insight – a utilização do poder para dominar – que me associo

à tese de Foucault, reconhecendo, ratifico que originalmente, não me propusesse a isto.

Logo de início, sua colocação de que “o direito, a paz, as leis nasceram no sangue e na

lama das batalhas” (FOUCAULT, 2000, p. 58) me fez entender que numa sociedade, ou

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melhor, numa relação inter-societária, todo o empreendimento encontrar-se-á focalizado em

instrumentos de regência de conduta (o direito e leis) frutos de experiências concretas (campos

de batalha).

Como foi visto no primeiro capítulo deste trabalho, a aliança corrida inter etnias da

Terra Indígena Raposa Serra do Sol não está escrita em papel, produto de uma convenção ou

contrato. É no dia-a-dia, entre aproximações e afastamentos, que Makuxi e Wapixana vêm

firmando e se afirmando como etnias que compactuam para a defesa da terra, mas que se

afastam quando se trata de ocuparem posições-chave de liderança, principalmente políticas [o

Conselho Indígena de Roraima - CIR] e educacionais [Organização dos Professores Indígenas

de Roraima – OPIR). Portanto, não há uma guerra no sentido de enfrentamento bélico e sim,

como na compreensão de Foucault: “a guerra como traço permanente das relações sociais,

como trama e segredo das instituições e dos sistemas de poder” (idem, p. 132).

A idéia do poder da palavra que substitui o poder bélico foi igualmente defendida por

Zaluar (1996). Para ela,

a violência não surge na história dos homens com a exploração, a dominação ou a miséria que conhecemos nas sociedades modernas. A violência não surge na história. Sempre esteve dentro dos homens. Em todas as sociedades, em todas as épocas, em todos os recantos do mundo, existem manifestações da agressividade potencial dos homens contra seus semelhantes. Os homens desde tempos imemoriais, têm a capacidade de destruir-se mutuamente por meio da violência. Entretanto, as sociedades tribais, também chamadas primitivas, pré-letradas ou pré-estatais, não podem ser confundidas com o império da natureza, da animalidade do homem e da violência. Todos os homens, que pertencem à mesma espécie – Homo sapiens sapiens -, sempre tiveram também os meios de se comunicar e se entender pela linguagem. Nesta, símbolos e signos substituem as coisas, e é possível empregar palavras no lugar de dentes, punhos, clavas, facas, pistolas, metralhadoras. Mas a idéia romântica do bom selvagem, solidário, comunitário e igualitário é igualmente equivocada. O mal que resulta da violência sempre existiu e sempre foi, portanto, em todas as épocas, em todos os lugares, contido e entendido em maior ou menor grau e de diferentes maneiras simbólicas (ZALUAR, 1996, p. 9).

Foucault fala de “emburguesamento” do discurso, que consiste no deslocamento do

papel da guerra no meio social: de constitutivo da história para protetor e conservador da

sociedade, de “condição de existência da sociedade e das relações políticas” para a “condição

de sua sobrevivência em suas relações políticas” (FOUCAULT, 2000, p. 258). Tirando a idéia

de “emburguesamento”, valeriam, nesse caso, seus predicados: a guerra como ferramenta de

construção da história e de existência social e política. Seja nas narrativas por mim obtidas ou

naquelas dos autores consultados, embora uma e outra tenham alcançado a região da Raposa e

ali definidas as fronteiras do Brasil, pode-se dizer que ambas têm um processo histórico em

comum: um só movimento migratório: a fuga do invasor pela ação do componente não-

indígena. De um lado, os espanhóis repelindo os Makuxi das cercanias caribenhas; de outro,

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funcionários portugueses e mandatários, expulsando Wapixana do interior do Amazonas. Daí,

haver condições para a sentença de Foucault de que a guerra surgiu como uma guerra de

“raça” [grifo meu para indicar a categoria empregada pelo autor]: “Eu gostaria agora de lhes

mostrar como o tema da raça vai, não desaparecer, mas ser retomado em algo muito diferente

que é o racismo de Estado” (FOUCAULT, 2000, p. 285). Ou ainda:

No contínuo biológico da espécie humana, o aparecimento das raças, a distinção das raças, a hierarquia das raças, a qualificação de certas raças como boas e de outras, ao contrário, como inferiores, tudo isso vai ser uma maneira de fragmentar esse campo do biológico de que o poder se incumbiu; uma maneira de defasar, no interior da população, uns grupos em relação aos outros (idem, p. 304).

Foi exatamente por um avanço geopolítico de Estado que as referidas etnias foram

compelidas ao (des)encontro. E, conforme o tempo disposto por Foucault, justificaria o que

aconteceu depois, no século XIX, que se configurou em uma “tomada de poder sobre o

homem enquanto ser vivo (…) uma certa inclinação que conduz ao que se poderia chamar de

estatização do biológico” (idem, p. 286), visto que à época, índios ainda eram tidos como

entes naturais, portanto, elementos mais biológicos que sociais.

Em conseqüência das alianças feitas entre Makuxi e Wapixana, ambas passam a primar

pela garantia de preservação do direito à vida, o que os leva a se encontrarem ante o desafio de

poder soberano. O que seria o poder soberano? Segundo Foucault, seria o direito de vida e de

morte, significa que o soberano pode fazer morrer e deixar viver, ou seja: “a vida e a morte

dos súditos só se tornam direitos pelo efeito da vontade soberana.” (idem, p. 286) O direito

soberano seria justificado pelo direito de morte. É por poder matar que o soberano domina

seus súditos, e exerce direitos sobre a vida dos mesmos. Com as transformações do direito

político no século XIX, ocorre uma inversão desse direito, que se torna o poder de fazer viver

e de deixar morrer. Foucault diz que essa inversão não é um atributo do século XIX e que,

desde o contrato social, os súditos delegavam poderes ao soberano porque queriam que esse

lhes protegesse a vida, e foi assim que suas vidas se tornaram um direito do soberano.

Por derivação, a biopolítica se trata justamente da “população como problema político,

como problema a um só tempo científico e político, como problema biológico e como

problema de poder” (idem, p.293), enquanto que, como dilema, segundo Foucault, o biopoder,

diferentemente do poder soberano, faz viver e deixar morrer, é uma espécie de poder

regulamentador que intervém para fazer viver, controlando os possíveis acidentes, para

aumentar o tempo de vida, deixando a morte de lado; nesse caso, a morte passa cada vez mais

a ser domínio do privado, do particular, como as formas de decisão tomadas politicamente

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dentro das aldeias, em se saber quem será atacado pelo Kanaimé e de que forma o será: “(…)

tudo sucede como se o poder, que tinha como modalidade, como esquema organizador, a

soberania, tivesse ficado inoperante para reger o corpo econômico e político de uma sociedade

em vias, a um só tempo, de explosão demográfica e de industrialização” (FOUCAULT, 2002,

pp. 297-298), por fim, uma relação positiva, quando diz respeito a manter-se vivo:

Se você quer viver, é preciso que você faça morrer, é preciso que você possa matar [...] A morte do outro não é simplesmente a minha vida, na medida em que seria minha segurança pessoal; a morte do outro, a morte da raça ruim, da raça inferior (ou do degenerado, ou do anormal), é que vai deixar a vida em geral mais sadia; mais sadia e mais pura (idem, p. 305).

Como então ocorre a transição desse pensar-ser entre as etnias em estudo? Que

caminhos são percorridos e como percorrem em direção a um devir? Em que reside a

particularidade que se torna própria desta reação interétnica? Respostas para os problemas que

se encontram na relação entre os sujeitos e os seus desafios do presente vêm intrigando e

provocando a Antropologia Social, desde suas primeiras abordagens.

2.2 O conflito interétnico no pensamento antropológico

Como a idéia de conflito é abordada pela Antropologia Social? Durante a formação da

Antropologia, na fase inicial, todo o foco da literatura dos viajantes ou “literatura proto-

antropológica”, como prefere o professor antropólogo e filósofo francês François Laplantine

(1991), cuja fonte tem um tratamento didático valioso, permite recuperar amostras das

literaturas do Século XVI feitas sobre a Pérsia, a Turquia, América, Ásia e África. Ela expõe

uma essência homogênea onde o conflito só pode ser percebido entre o observador e o

observado [grifos meus], no que ficou classificado como a “vertente do mau selvagem e do

bom civilizado” (LAPLANTINE, 1991, p. 37).

A esse “seleto” grupo pertenciam, segundo o autor, aqueles que portassem: “a

aparência física: eles estão nus ou ‘vestidos de peles de animais’; os comportamentos

alimentares: eles ‘comem carne crua’ e é todo o imaginário do canibalismo que irá se elaborar;

a inteligência tal como pode ser apreendida a partir da linguagem: eles falam ‘uma língua

ininteligível’” (LAPLANTINE, 1991, p. 41). Ou, na segunda classificação do bom selvagem e

do mau civilizado, onde recai sobre os últimos a responsabilidade pelo conflito. Essa fase,

iniciada no século XVIII com o rousseauísmo e, em seguida, o romantismo, na qual a

existência das criações civilizadas, como a escrita e todas as instituições sociais,

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corporificariam o conflito (o mal), como as narrativas de Américo Vespúcio sobre a América

e de Cristóvão Colombo, sobre o Caribe.

Tomemos para comprovação de um estereótipo bipolar (bom selvagem/mau civilizado

e mau selvagem/bom civilizado) cujo ápice alcançou no século XVIII, o depoimento de La

Honton: “Ah! Viva os Hurons que sem lei, sem prisões e sem torturas passam a vida na

doçura, na tranqüilidade, e gozam de uma felicidade desconhecida dos franceses” (HONTON,

apud Laplantine, 1991, p. 48)32, ou ainda do seu espetáculo O Alerquim Selvagem [destaque

do autor] onde o personagem de um Huron que foi conduzido para Paris proclama em cena:

“Vocês são loucos, pois procuram com muito empenho uma infinidade de coisas inúteis;

vocês são pobres, pois limitam seus bens ao dinheiro, em vez de simplesmente gozarem da

criação, como nós, que não queremos nada, a fim de desfrutar mais livremente de tudo” (idem,

p. 49).

Haveria uma idéia consubstanciada de conflito interétnico (conflito + etnia) na

Antropologia do século XIX? Há pistas que podem levar a essa conclusão. É claro que o

contato entre os grupos e suas culturas sempre provocou discordâncias como estratégia de

inclusão, absorção e adaptação. O que Laplantine permite recuperar?

A idéia de uma mudança social tornou-se evidente com a revolução industrial inglesa e

a revolução política francesa. Muda o quê? Modos de vida, relações sociais, tecnologias, tudo

o que Laplantine nomeia de “progressos da civilização” (idem, p. 64). Assim, há conflito não

apenas no campo ideológico e no cultural, mas também no social, somente admitido pela

academia no final do século XIX e início do XX, pois:

No início do século XIX, o contexto geopolítico é totalmente novo: é o período da conquista colonial [grifo do autor], que desembocará em especial na assinatura, em 1885, do Tratado de Berlim, que rege a partilha da África entre potências européias e põe um fim às soberanias africanas. É no movimento dessa conquista que se constitui a antropologia moderna, o antropólogo acompanhando de perto, como veremos, os passos dos colonos. Nessa época, a África, a Índia, a Austrália, a Nova Zelândia passam a ser povoadas de um número considerável de emigrantes europeus; não se trata mais de alguns missionários apenas, e sim de administradores. Uma rede de informações de instala33 (LAPLANTINE, idem, ibidem).

32 Faço consultas e me utilizo de textos já referenciados a partir de fontes secundárias somente quando indisponíveis as primárias, sabendo da hierarquia que estas exercem sobre aquelas. 33 Laplantine elenca as seguintes obras, como produtos de trabalhos feitos por pesquisadores enviados, em particular pela Grã-Bretanha, publicados entre 1861 e 1890: Maine (1861) Ancient Law e Bachofen Das Mutterrecht; Fustel de Coulanges (1865), La Cité Antique; MacLennan (1865), O Casamento Primitivo; Tylor (1871), A Cultura Primitiva; Morgan (1877), A Sociedade Antiga; Frazer (1890 - 1915), os primeiros volumes de O Ramo de Ouro. Esforços empreendidos para a elaboração de um corpus [grifo do autor] etnográfico da humanidade (idem, p. 65).

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Todo o esforço para explicar o “atraso” [LAPLANTINE, 1991, p. 65] de outras

sociedades e as mudanças das revoluções do século XIX, provocou a mudança da concepção

do índio de selvagem, no século XVIII, para a de primitivo, preconizando-o como um

“ancestral do civilizado” [expressão e grifo do autor], projeto de uma Antropologia voltada

para a origem das formas simples de organização social e de mentalidade, capazes de

evoluírem às formas mais complexas, segundo o autor.

Por que se reportar a esse pilar de uma Antropologia evolucionista? Para afirmar que

foi na vereda da busca das “raízes da civilização” [expressão e grifo meus], que foi forjada à

categoria de conflito e sua primazia para os estudos etnológicos das relações de contato e,

nestes, as primeiras preocupações e posicionamentos acerca do trabalho do antropólogo. Cabe

aqui um input no período de formação da Antropologia Americana (1883-1911),

particularmente quanto a uma repercussão da postura do físico e antropólogo alemão Franz

Boas. Sua experiência e vasto conhecimento elaborado entre os esquimós no Ártico e entre os

Kwakiutl e outros povos da Colúmbia Britânica, o fez romper com o padrão predominante da

época, o evolucionismo sobrepondo a idéia de pluralidade biológica e diversidade cultural.

Por que Franz Boas? Porque em 1919 em sua carta ao editor da revista The Nation,

intitulada “Os Cientistas como Espiões”, escrita a 16 de outubro em Nova York, punha em

questão, através de um “vigoroso protesto” (BOAS, [1919] 2004, p. 400), o uso de credencias

acadêmicas para a prática de espionagem. Que relação tem isso com o estudo de conflitos

interétnicos? Porque “em conseqüência de seus atos, toda nação olhará com desconfiança para

o pesquisador estrangeiro visitante que deseje realizar um trabalho honesto, suspeitando de

desígnios inconfessáveis. Tal ação ergueu uma nova barreira contra o desenvolvimento da

cooperação amistosa internacional” (BOAS, 2004, p. 401).

Em outro trabalho de campo agora feito para a Associação Britânica no período de

1888-1897 entre habitantes do Sul do Alasca, Boas, referindo-se a uma tipologia física da

“tribo” [termo empregado pelo autor] Bilqula do grupo lingüístico salish na Colúmbia

Britânica, apontava:

A classificação da humanidade segundo características físicas só leva em conta os efeitos da hereditariedade e do ambiente sobre o tipo físico do homem. Os resultados, neste caso, refletirão as misturas de raças, o isolamento e o efeito do ambiente. Mas há casos em que ocorre uma lenta infiltração de sangue estrangeiro, enquanto a língua e os costumes permanecem inalterados ou sofrem mudanças de pequeno alcance. Os bilqula se separaram dos salish da costa em tempos antigos, mas conservam a língua salish; ao mesmo tempo, uma infiltração de sangue Kwakiult e athapaskan alterou completamente as características físicas da tribo. Com essa mescla de sangue vieram palavras estrangeiras e elementos culturais estrangeiros, mas eles não foram suficientemente poderosos para mudar a fala original do povo (BOAS [1899], 2004, p. 121).

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Excluindo o problema de pretender enquadrar traços físicos e culturais a esquemas

originais em seus textos, Boas oferece vestígios interessantes à identificação de uma

preocupação antropológica sobre o contato interétnico e seus desdobramentos, como o que

pode ser sentido no recorte acima. Ele percebe que o isolamento [destaque meu] impunha

restrições à diversificação física e cultural e que o contato, nas palavras dele está representado

pela infiltração, tem uma relativa força para agir mais sobre os aspectos físicos do que

culturais. Guardada a diferença geográfica, social e cultural, elejo o insight boasiano como

ponto de partida para situar34 esta pesquisa na história da Antropologia.

Pode-se assim acrescentar à apresentação do conflito interétnico entre Makuxi e

Wapixana a premissa boasiana acima citada. Noutras palavras, o encontro interétnico Makuxi

e Wapixana propiciaria algo além de uma sutil incorporação de traços fisionômicos. Não

houve e não há, portanto, nenhuma condição de isolamento físico, social e cultural para fazer

de uma e de outra etnia, um grupo hermeticamente protegido contra a ação incorporadora e

transformadora do contato, até porque, nos âmbitos sociológico e biológico, acarretaria

problemas para a sobrevivência de ambas.

Instigado pela cronologia da época de Franz Boas, executei busca bibliográfica junto a

outros pensadores das Ciências Sociais. Na mesma época, outros clássicos da Antropologia

dispunham de ligações teóricas ao contato/conflito, como a do graduado em Direito e mais

tarde reconhecido como antropólogo, o americano Lewis Morgan. Em 1877 ele publicou A

Sociedade Antiga, obra citada por K. Marx e F. Engels, trabalho no qual atribuía a direção da

história humana a uma “Inteligência Suprema” por onde propunha seus três estágios de

evolução social: o selvagem, o bárbaro e o civilizado, premissa que repercutiria numa espécie

de doutrina antropológica oficial soviética (MORGAN, apud Castro, 2005 p. 11-15).

Em 1844 já em Rochester, após abrir um escritório de advocacia, pôde visitar Albany,

cidade onde se deu, segundo o apresentador da fonte em exame – o Dr. Celso Castro,

antropólogo do Museu Nacional pela Universidade Federal do Rio de Janeiro – um contato

significativo que o desviaria do direito e o conduziria à etnologia: em visita a uma livraria,

conheceu um índio, filho de um chefe iroquês de origem seneca de nome cristão Ely Parker,

que o convidou para naquela noite encontrar com chefes de sua tribo, hóspedes em um hotel

da cidade. Auxiliado pelo E. Parker, Morgan pôde, por duas noites, conversar e ouvir

depoimentos sobre a organização da confederação Iroquesa, sua estrutura social de tribos, clãs

34 O entendimento aqui é no sentido de engendrar o aporte teórico em construção ao esteio da etnologia e não que este trabalho venha guardar um lugar na Antropologia do Norte brasileiro.

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e língua. Desta primeira e marcante experiência de contato, vieram outras que, certamente,

despertou neles um senso de confiança até que em 1846 lhe foi concedid o título de guerreiro

seneca do clã Falcão, título que mais tarde seria por ele evocado no intuito de dar crédito às

informações relatadas.

Celso Castro segue com a apresentação da biografia de Morgan. No entanto, o foco

que esse trabalho requer é o aprimoramento dos estudos do contato em conflito que se torna

possível também na obra de Morgan. Por exemplo: identificando, classificando e comparando

o sistema de parentesco iroquês com o de outras tribos americanas, Morgan chegou à

conclusão de que haveria um tronco comum entre elas e, quem sabe até, outras tribos

orientais. Sua confiança na tese de uma origem comum era tanta que expediu questionários a

missões religiosas e organismos governamentais e científicos. Ele assim reconhece e enfatiza

a necessidade de que sua ciência deveria concentrar esforços e tempo na percepção dos

contatos intertribais, sobretudo no Kansas e Nebraska em 1862, quanto às conseqüências

culturais, o que o pôs além de Franz Boas que preferia ater-se aos resultados materiais do

contato intertribal. Notemos que os resultados dos contatos intertribais estão em maior

evidência em Morgan do que em Boas, conferindo ao primeiro o reconhecimento [meu] de

abrir a discussão e não apenas a planificação, as relações de contato intertribal,

particularmente, para evidências de conflitos.

Qual a contribuição de Tylor para a discussão sobre contato e conflito interétnico?

Britânico de família londrina, aos 23 anos já viajara por Cuba (1855), Estados Unidos (1855) e

México (1856). Ele atentava-se à produção material. Sem ter uma formação acadêmica, seu

estilo, segundo Castro, era mais de literatura de viagem. Talvez por isto, a divergência entre a

cultura que ele estudava e a própria, tivesse gerado algumas tipificações.

Em 1871, quando escreveu A Ciência da Cultura, Edward Burnett Tylor baseava-se

em relatos de missionários. Por que referir-se a ele? Porque em viagens aos Estados Unidos,

Cuba (1855) e México, concluiria que, particularmente o México, era um “desventurado país

[...] incapaz de liberdade [...] incapaz de se governar a si próprio” (TYLOR, 1861, p. 263 e

329). Esta idéia de incapacidade constatada sugere a mim uma forma negativa de percepção

do contato, bem como uma justificativa para atos de colonização. Daí, dele vem a idéia de

cultura como civilização:

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Cultura ou civilização, tomada em seu mais amplo sentido etnográfico, é aquele todo complexo que inclui conhecimento, crença, arte, moral, lei, costume e quaisquer outras capacidades e hábitos adquiridos pelo homem na condição de membro da sociedade. A situação da cultura entre as várias sociedades da humanidade, na medida em que possa ser investigada segundo princípios gerais, é um tema adequado para o estudo de leis do pensamento e da ação humana. De um lado, a uniformidade que tão amplamente permeia a civilização pode ser atribuída, em grande medida, à ação uniforme de causas uniformes; de outro, seus vários graus podem ser vistos como estágios de desenvolvimento ou evolução, cada um resultando da história prévia e pronto para desempenhar seu próprio papel na modelagem da história do futuro (TYLOR, 1861, p. 69).

Ao tomar sempre o todo por perspectiva, Tylor vinculava cultura à civilização. Isto não

é apenas um jogo de sinônimos. São categorias que consistem em divisórias para o que está e

não está contido na sociedade; tanto é verdade que ele faz uso distinto desta [sociedade] com a

humanidade. Portanto, se há humanidade, nem todos teriam cultura, visto considerar possível

os “sem-cultura” [destaque meu], quando os pensamentos destes povos não fossem

reconhecidos na ação. E para tal constatação, o observador que “certificasse” um povo como

civilizado, tomaria por referência seus próprios padrões culturais. Daí, o equívoco de Tylor:

procurar a ação uniforme e as causas uniformes, agravadas pela pretensa possibilidade de

encontrar e classificar estágios de desenvolvimento, restringindo assim a história, àquelas

sociedades que tivessem cultura. Este pensamento de Tylor, portanto, pode ter um valor a ser

reconhecido para estudos do contato e do conflito interétnico, por ter aberto um vácuo para o

estabelecimento de críticas à teoria do colonizador.

Examinando a produção bibliográfica dos contemporâneos: Alfred Reginald Radcliffe-

Brawn (1881-1955) desde 1909 [The Religion of the Andaman Islanders] a 1973 [Estrutura e

Função na Sociedade Primitiva]; Marcel Mauss (1872-1950) no período de 1902 [Ofício de

Etnógrafo, Método Sociológico] a 1934 [Fenômenos Gerais da Vida Intra-social]; Bronislaw

Kasper Malinowski (1884-1942) na sua produção desde 1915 [The Trobriand Islands] a 1961

[The Dynamics of Culture Change]; e por fim, a obra de Claude Lévi-Strauss (1908-), começo

de 1945 [artigo A Análise Estrutural em Linguística e Antropologia] até 1971 [O Homem Nu],

alguns insights sobre conflito interétnico podem ser percebidos, os quais apresento,

sinteticamente, a seguir.

Alfred Reginald Radcliffe-Brawn ao analisar povos australianos, americanos e de

outras partes do mundo, posiciona conflito implícito não no objeto, a ação em si, mas no modo

em como este poderia ser observado: “O estudo comparativo revela-nos, portanto, que as

idéias australianas sobre o gavião-real e o corvo são apenas um caso particular de um

fenômeno muito mais abrangente” (RADCLIFFE-BROWN, 1980, p. 202). Não se trata de um

enfrentamento corpo a corpo, mas uma expressão de conflito nas relações sócio-políticas.

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Como representações, Gavião real e corvo simbolizam a divisão social interna, servindo para

distinguir cada uma delas.

Radcliffe-Brown concluiu que em todas as lendas contadas pelos australianos, o

gavião real e o corvo são apresentados como oponentes em algum conflito, assim como em

regiões da América, a divisão social aparece como aves semelhantes e de cores diversas ou

outros pares contrários. Essas oposições conflituosas não constituem um conflito real entre as

partes representadas, já que o autor conseguiu identificar focos de conflito real tanto entre elas

quanto internamente a elas, sem relação direta com a divisão simbólica.

Não identifiquei enfrentamento corpo a corpo entre as etnias Makuxi e Wapixana, nem

em pesquisa teórica, nem na pesquisa de campo. O que há são embates políticos que podem

ser sentidos nos espaços em que se põe em evidência: posse pela liderança política e cultural,

como já mencionei, exemplificando, a disputa pelas lideranças da Organização dos

Professores Indígenas de Roraima (OPIR) e pelas indicações dos Tuxauas para diretores e

professores das escolas indígenas, e ao que também considero o ensino da língua materna

Makuxi a alunos de origem étnica Wapixana, bem como pela Presidência do Conselho

Indígena de Roraima (CIR).

Para Marcel Mauss, em seu trabalho “Ensaio sobre a Dádiva” (1974), a condição de

conflito é previsível, e suas conseqüências, imprevisíveis:

Em todas as sociedades que nos precederam e que ainda nos rodeiam, e mesmo em numerosos costumes de nossa moralidade popular, não existe meio termo: confia-se ou desconfia-se inteiramente; depor as armas e renunciar à sua magia, ou dar tudo; desde a hospitalidade fugaz até às filhas e bens. Foi em estados deste gênero que os homens renunciaram a seu ensinamento e aprenderam a empenhar-se em dar e retribuir. É que eles não tinham escolha. Dois grupos de homens que se encontram podem fazer apenas duas coisas: ou afastar-se - e, caso suspeitem um do outro ou se desafiem, lutar - ou tratar-se bem. Até direitos bem próximos de nós, economias não muito distanciadas da nossa, são sempre estrangeiros com os quais se 'trata', mesmo quando são aliados. (...) É opondo a razão aos sentimentos, opondo a vontade de paz contra bruscas loucuras desse gênero, que os povos conseguem substituir pela aliança, pela dádiva e pelo comércio a guerra, o isolamento e a estagnação (MAUSS, 1974, p. 182-83).

Temos assim uma previsibilidade do conflito dentro das relações sociais. Essa

previsibilidade tanto está na condição intra (interior-interior) quanto inter (interior-exterior) de

uma mesma sociedade. Outro aspecto que carece ser assinalado é a atribuição de critério

valorativo para o contato e daí, para o estabelecimento de uma relação interétnica permanente:

a confiança, a renúncia de traços culturais, aquisição de modos sociais e até de membros.

Contudo, esse processo nem sempre se dá por consentimento como afirma Mauss, por

renúncia, aprendizagem e retribuição. Confirmo sim, um processo que presume enfrentamento

nem sempre dialógico e que pode tomar a forma de discussão, a tal ponto que pode gerar no

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opositor, um sentimento de impotência, capaz de levar à quebra de um pacto, como o que

ocorreu recentemente, por ocasião da ocupação da fazenda de um dos rizicultores “intrusos” à

Terra Indígena Raposa-Serra do Sol:

A pressa na solução da questão é motivada pelo fato de a tensão na reserva ter aumentado depois que dez índios das etnias macuxi e ingarikó (sic) [grifo meu] foram feridos a balas na segunda-feira (5/5), após tentativa de ocupação da fazenda Depósito, do arrozeiro Paulo César Quartiero, prefeito de Pacaraima, que logo depois foi preso pela PF (Jornal Folha de Boa Vista, Especiais, 14 de maio de 2008)35.

Sob a compreensão delineada no grupo e espaço pesquisados, e apesar do esforço

empreendido, não foi possível identificar características psicológicas na relação conflituosa

estabelecida entre as etnias Makuxi e Wapixana, pois, pelo menos ainda não tenho como

comprovar uma igual pulsão, radicada na questão sexual, que a tenha criado e mantido, isto é,

um motivo de antipatia, contrariedade individual. Como identificado na história das etnias em

foco, o que está em empate é a “ponta” [grifo meu] da liderança política e cultural na área.

O que levaria então, a etnia Makuxi a buscar o estabelecimento de relações sociais e

vínculos de parentesco por casamento intertribal? Um pensamento de exploração e dominação

sobre os Wapixana? Apesar de Durkheim (1995) pensar conflito paralelamente enquanto

pensa a cooperação da sociedade capitalista, ele exclui a possibilidade do enraizamento e

conclui:

Se o interesse aproxima os homens, nunca o faz mais que por alguns instantes e só pode criar entre eles um vínculo exterior [...]. As consciências são postas apenas superficialmente em contato: nem se penetram, nem aderem fortemente umas às outras. Se olharmos as coisas a fundo, veremos que toda harmonia de interesses encerra um conflito latente ou simplesmente adiado. Porque, onde o interesse reina sozinho, como nada vem refrear os egoísmos em presença, cada eu se encontra face ao outro em pé de guerra e uma trégua nesse eterno antagonismo não poderia ser de longa duração. De fato, o interesse é o que há de menos constante no mundo (DURKHEIM, 1995, p. 189).

Não havendo exploração36, apesar de eu reconhecer uma dominação, a presença da

cooperação não ocorre no modelo durkheimiano. Sobre cooperação, ele diz que: “Para que

cooperem harmoniosamente [...] é necessário [...] que as condições dessa cooperação sejam

estabelecidas para toda a duração de suas relações” (DURKHEIM, 1995, p. 200). Uma etnia

35 Disponível em: http://www.folhabv.com.br/noticia.php?editoria=especiais&Id=40106. Acessado em: 15 de maio de 2008. 36 Considero que há uma atividade capitalista na Maloca do Barro, partindo do princípio de haver relação econômica de compra e venda de produtos industrializados (sal, açúcar, higiene pessoal e doméstica, refrigerantes, etc.); as escolas possuem hierarquia funcional segundo esquemas da Secretarias Estadual e Municipal de Educação. Mas, não há elementos estruturados de acumulação de bens nem de valores. Ademais, os meios de produção são de posse e usufruto coletivo, quais sejam: ferramentas para lavrar a terra, estábulos, roças, incluindo um trator recém doado pelo ainda Governador do Estado de Roraima, Otomar de Sousa Pinto.

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não é convidada para cooperar em tudo. Pelo que percebi, somente no que requer uma maior

abrangência, seja espacial, temporal ou política. Exemplo: para preparar um estábulo

(argumento que captei por ocasião da reunião comunitária); foi assim quando por ocasião do

ataque incendiário à Missão em 2005 e em 2008, para fincar barracas na fazenda Depósito, a

sete quilômetros do Rio Surumu, ocupada pelo rizicultor Quartiero, quando não há registro de

que algum índio Wapixana tenha participado; somente a Mukuxi e a Ingaricó37.

Considerando que o embate na fazenda Depósito ocorrido no dia seis de maio de 2008,

tenha havido posse e uso de armas por parte dos defensores da fazenda, conforme diz o recorte

a seguir:

“Eles já chegaram atirando, sem dar chance de defesa às vítimas”, afirmou Júlio Macuxi, coordenador de programas do Conselho Indígena de Roraima (CIR). Ele disse que a ocupação se deu pela necessidade de ampliação da terra plantada. Como os tiros foram disparados de espingardas calibre 16, a PF abriu inquérito para investigar o caso e prestou o primeiro atendimento aos feridos. Sete foram levados para o hospital de Pacaraima. Os demais, Glênio Barbosa, 22 anos, João Ribeiro, 30, e Antônio Kleber da Silva, 25, foram removidos em avião da Fundação Nacional de Saúde (Funasa) para Boa Vista. unidade Renascer, próxima à cerca da fazenda, que estaria "sufocada" (Jornal O Estadão, 06/05/2008).

Teriam então fundamento, nesse contexto, as premissas de Malinowski quanto aos

critérios para que algo seja reconhecido como conflito? Para Bronislaw Kasper Malinowski

(1941), só há conflito quando existe o caráter bélico. Assim, ele o dividiu em seis tipos,

segundo uma escala dos menos violentos aos mais violentos: 1) as lutas entre membros do

mesmo grupo, 2) as lutas como mecanismos jurídicos de regulação de diferenças entre

indivíduos, 3) raias militares com caráter recreativo, 4) as guerras enquanto expressão política

de um protonacionalismo, 5) expedições militares com fins de pilhagem organizada, 6)

guerras como instrumento de política nacional. Nesta tipologia, só os últimos dois tipos de

violência, ou de guerras, assumem um caráter verdadeiramente letal. Não há dúvidas de que

entre os defensores da fazenda Depósito havia índios da área. Teríamos configurada uma

situação de conflito na condição apresentada por Malinowski entre as etnias Makuxi e

Wapixana? Não!

A minha negação decorre da análise das seguintes prerrogativas. Antes, foi novidade

encontrar em “Uma Análise Antropológica da Guerra”, uma classificação tão específica para

situação de conflito por Malinowski somada ao que defende em “A Vida Sexual dos

Selvagens” (1983) e “Uma Teoria Científica da Cultura” (1997). Percebi uma forte oposição à

37 Confronto com arrozeiros deixa 10 índios feridos a bala em Roraima. Jornal Estado de São Paulo. Disponível em: http://www.estadao.com.br/estadaodehoje/20080506/not_imp167928,0.php. Acessado em: 06 de maio de 2008.

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idéia de conflito como uma ação da “consciência coletiva” [grifo do autor], de Durkheim.

Enquanto Durkheim se preocupava com as conseqüências sociais dos fatos, sem juízos de

valor, para Malinowski, os fenômenos sociais existiam para satisfazer o organismo biológico

e/ou necessidades psicológicas. Para ele:

O sexo não é [...] uma simples questão fisiológica; ele [...] torna-se o núcleo de instituições tão veneráveis como o casamento e a família ... As instituições dos trobriandeses são feitas para permitir que a paixão brutal se purifique e se torne um amor que dure para toda a vida ... que ele se fortaleça graças aos múltiplos laços e vínculos criados pela presença dos filhos ... pelos objetivos e interesses de que se compõe a vida da família (MALINOWSKI 1983, p. 21 e 22).

Não há como ligar o modelo malinowskiano às características de um conflito na

TIRSS, mesmo sabendo de uma discordância entre o modelo de demarcação da Terra

Indígena Raposa-Serra do Sol. Índios das duas etnias defendem tanto o modelo demarcatório

de área em forma contínua, como o de área descontínua (ou em ilhas, como é chamado no

lugar); mesmo sabendo que em um ato de instalação de barracas em terras de “propriedade”

do prefeito do Município de Pacaraima, Quartiero, onde 10 índios foram alvejados por outros

índios e não índios, isto não se trata, pois, de uma relação conflituosa interétnica e sim, de

indivíduos índios e não índios, orientados por terceiros. Atitudes individuais.

Sem poder negar a existência de relações comerciais entre todas as etnias existentes na

Maloca do Barro, inclusive entre a Makuxi e Wapixana, teria validade, então o pressuposto

levistraussiano? Claude Lévi-Strauss quando afirmou que a guerra e o comércio não poderiam

ser estudados separadamente, por constituírem dois aspectos de um mesmo processo social,

indicava que nas trocas comerciais, guerras potenciais eram pacificamente resolvidas,

enquanto a guerra seria a conseqüência de transações infelizes. O mesmo argumento, que

havia sido apresentado pela primeira vez num pequeno artigo de 1942, é reproduzido

literalmente ao final do capítulo cinco de As Estruturas Elementares do Parentesco (1982), no

qual desenvolve, partindo das considerações de Mauss, sua conhecida reflexão sobre o

princípio da reciprocidade. A referência ao comércio é agora omitida, de modo que a mesma

frase passa a aludir às trocas em sentido geral. Ao final dessa passagem, Lévi-Strauss conclui:

“Existe uma transição contínua da guerra às trocas e das trocas aos intercasamentos. E a troca

das noivas é apenas o termo de um processo ininterrupto de dons recíprocos, que realiza a

passagem da hostilidade à aliança, da angústia à confiança, do medo à amizade” (LÉVI-

STRAUSS, 1982 [1949], p. 107).

O traço de previsibilidade detectado por Lévi-Strauss se apresenta como alternativa

para a guerra, e pode começar pela prática do comércio. Isto leva ao entendimento de que o

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esperado dentro das relações sociais é a troca bem sucedida e não a guerra, conseqüência de

uma troca cujo objetivo não foi atingido por um dos envolvidos. Se tomarmos o segmento

levistraussiano: guerra, troca, intercasamentos, perceberemos a troca como mediadora de um

ciclo que me parece ininterrupto, dinâmico. Então fica claro que na prorrogação ou extensão

do contato interétnico, pode ser esperado o casamento intertribal, segundo passo para a

garantia de relação duradoura, mas não sem conflitos, visto que regido pelo valor da aliança e

da confiança, haverá sempre a preservação das estruturas familiares, de tal modo que o marido

de uma filha ou a esposa de um filho temerá se opor a quem é reconhecido por sogro ou sogra.

No contexto por mim pesquisado, as trocas vão desde pequenos a grandes objetos aos

quais ainda acrescentaria bens simbólicos. São utensílios de cozinha, peças do vestuário,

instrumentos de caça e pesca e não foram poucos os casais formados entre Makuxi e

Wapixana, Makuxi e Ingarikó. Nas duas escolas que fiz observação, encontrei alunos tornando

seus saberes recíprocos uns aos outros: histórias contadas, como plantar e colher ervas

medicinais38.

Algo semelhante é encontrado em Evans-Pritchard quando estudou os povos Nuer –

povo sudanês que também tinha relações conflituosas com os Jaang ou Dinka (EVANS-

PRITCHARD, 2005, p. 233). Neste estudo, diverge de Radcliffe-Brown no que se refere à

presença do conflito na sociedade. Enquanto o último vê o conflito como um estruturante do

pensamento, o primeiro percebe o conflito como algo que existe efetivamente na sociedade.

Ele discorre em seu texto, por exemplo, sobre as chamadas “vendetas", que são as situações

em que um grupo busca ressarcimento por um homicídio cometido por uma pessoa contra um

de seus membros. As vendetas são claramente situações conflituosas e vendetas intertribais

podem causar guerras. Segundo o autor, no entanto, a vendeta é uma instituição social cujo

propósito é punir atos que se reconheçam como infração a uma lei. Fica claro que ele percebe

a vendeta como uma forma de manter a coesão social, já que, como ele mesmo diz, o “temor

de provocar uma vendeta é, com efeito, a mais importante sanção legal dentro de uma tribo e a

principal garantia da vida e da propriedade de um indivíduo” (EVANS-PRITCHARD, 2005,

p. 162); ou ainda que lutas “entre comunidades e as vendetas que delas resultam, são partes

das relações políticas que existem entre segmentos de uma organização tribal comum” (idem,

p. 163).

38 Esses saberes que são socializados na escola não acarretaram conflito com aqueles de domínio dos pajés, pois estes lidam com os saberes os quais nos referimos espirituais, argumento dado por todos os alunos com quem conversei. As ervas encontram-se plantadas nos fundos do que era antes do incêndio criminoso, o hospital da missão.

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Não há registro de “vendetas” na área pesquisada, seja na literatura escrita, seja nos

relatos ouvidos. Dialogo com a menção de E. E. Pritchard para esclarecer que relações sociais

na Maloca do Barro são essencialmente políticas, visto que a população local está constituída

por diferentes indivíduos e etnias, com opiniões, explicações, decisões que extrapolam o senso

coletivo. A exemplo disso, cito a existência de três linhas de pensamento sobre a demarcação

em terras contínuas na Terra Indígena Raposa Serra do Sol, que percebi nas entrevistas feitas

fora do espaço escolar: 1) A favor: esta “posição” se fez predominante entre índios Makuxi e

Wapixana e com agregados não indígenas casados com estes, com algumas exceções; 2)

Contra: Aqueles e aquelas que se expressaram favoráveis à demarcação em “ilhas” [grifo meu

para assinalar conotação no sentido de deixar livres os espaços ocupados por não índios], pude

encontrar tanto entre uns quanto outros, inclusive agregados; e 3) Nem contra nem a favor:

Uma “posição” omissa que me deixou surpreso. Mas houve quem assim me falasse entre

aqueles e aquelas de origem étnica Makuxi quanto Wapixana e agregados. Ou seja, há

posições fracionadas quanto ao modelo demarcatório.

A propósito, como um Makuxi vê um Wapixana e vice-versa? Identifiquei a mesma

ocorrência: 1) teve quem, fosse de uma ou de outra etnia, me respondesse apenas com um leve

e enigmático sorriso (e nada mais!); 2) quem dissesse não haver nenhum problema de

convivência e, por fim, 3) quem mudasse de assunto; isso mesmo, desconversasse como fizera

um nativo [termo utilizado pelo autor referido], quando Evans-Pritchard ao dialogar com

Cuol, membro Nuer no Sudão, interpelou: “... Coul: Por que você quer saber o nome de minha

linhagem? Eu: Eu não quero saber. Coul: Então por que está me perguntando? Dê-me um

pouco de tabaco” (EVANS-PRITCHARD, 2005, p. 18-19) [grifo meu para enfatizar a

desconversa]. Diria que o embate estaria presente no sorriso e no silêncio e que estes

consistiriam uma ação substituta e de valor inferior à vendeta, visto que para ela, há o mito do

Canaimé que, segundo a tradição local, é um ser espiritual perverso, através do corpo de um

índio, pratica maldades. Há aqueles ainda que pensem ser apenas um espírito que ataca e mata

como castigo ou insatisfação com alguma coisa que se tenha feito.

Considerando existir uma relação interétnica que ao mesmo tempo agrupa e divide,

pois é do conhecimento de todos que há sempre um Makuxi e um Wapixana na presidência do

Conselho Indígena de Roraima, principalmente grande participação da advogada do CIR a

Dra. Wênia da etnia Wapixana, há uma raiz estrutural na organização política das instituições

representativas? Para o aluno de Malinowski, o britânico Sir Edmund Leach [1910-1989]

(1996), talvez seja o que mais divergiu das idéias durkheimianas quando se trata de conflito e

estrutura social; critica em seu texto Sistemas Políticos da Alta Birmânia, os autores que

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seguem os conceitos durkheimianos de estabilidade e anomia, principalmente porque percebe

que esses autores analisam as sociedades em um tempo específico dando a entender que

aquele momento histórico é a situação “normal" da sociedade, que permanece existindo com o

passar do tempo e que mudanças radicais são doenças sociais.

Quando o antropólogo tenta descrever um sistema social, ele descreve necessariamente apenas um modelo da realidade social. (...) As diferentes partes do sistema de modelo formam, portanto, necessariamente, um todo coerente. É um sistema em equilíbrio. Isso porém não implica que a realidade social forme um todo coerente; ao contrário, a situação real é na maioria dos casos cheia de incongruências; e são precisamente essas incongruências que nos podem propiciar uma compreensão dos processos de mudança social (LEACH, 1996, p.71)

Ele cita como exemplo na conclusão de seu trabalho sobre os sistemas políticos da alta

Birmânia, algumas regiões Kachins em que, devido a uma relativa aridez e uma densidade

relativamente alta da população, tem economia essencialmente desigual. Segundo ele, nessas

zonas a única unidade contínua de estrutura política é a aldeia, já que as federações formadas

em escala maior estão em mudança constante. Há, na essência dessas mudanças, segundo

Leach, uma relação da língua falada pelas diversas aldeias e a unidade interna existente nessas

unidades políticas, mas essa característica deixa de ser importante como bandeira quando o

conflito entre as facções assume formas diferentes, como o conflito entre grupos gumsa e

gumlao, que são dois dos tipos de organização política adotados por esses povos.

Como já foi dito, há o ensino da língua materna Makuxi para alunos Wapixana. Neste

aspecto, Leach tem razão conforme o parágrafo anterior: a língua como instrumento chave

para a preservação do contato interétnico. Mas não é algo acima de tudo. A instância que

considero indispensável é a divisão na ocupação dos “cargos” [grifo meu para assinalar o uso

de uma categoria não indígena para designar a presença de uns e outros na presidência e vice-

presidência] de instituições indígenas representativas.

Coloquemos o objeto desta pesquisa sob um outro modelo de análise: do norueguês

Fredrik Barth (1976), que fez estudos no Oriente Médio, África, Nova Guiné, Golfo Pérsico,

Bali, Butão e Noruega. Começando, busquemos reconhecer ambas as etnias como tais. Para

tanto, carece-nos reconhecê-las como:

grupos étnicos [que] são categorias adscritivas e de identificação, (...) utilizadas pelos próprios atores e têm, portanto, a característica de organizar a interação entre os indivíduos. [...] Em outras palavras, as distinções étnicas não dependem de uma ausência de interação e reconhecimento social; pelo contrário, geralmente estas são o próprio fundamento sobre o qual estão construídos os sistemas sociais que tais distinções contêm (BARTH, 1976, p. 10).

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Para Barth, o conflito está já na semântica da palavra etnia. Isso acontece porque

requer uma capacidade organizativa das interações individuais internas e por estarem no

fundamento que distingue uma etnia de outra. Neste critério, concordo com Barth

considerando que ao atentar para o modo em que cada um com quem conversei, deixava

bastante enfatizada através de uma voz firme, sua origem étnica, sobretudo quando

pertencente à etnia Makuxi. Um Makuxi imposta a voz com firmeza. Fala em som e em

expressão no olhar. Tive até de ver isto associado a um terceiro elemento: um punho fechado.

Devido a essas características, um Makuxi se distingue de um Wapixana, pois este sempre se

dirigiu a mim com um sorriso sutil e voz baixa, quase sempre evitando me olhar nos olhos.

Isso só me leva a deduzir um leve sentimento de inferioridade, arriscaria dizer. Portanto,

formas distintas e opostas de comunicarem sua origem étnica. Diria: modos opostos de

reconhecimento.

2.3 O conflito interétnico e a Antropologia no Brasil

O que levou a Antropologia no Brasil a elaborar uma discussão em torno do contato e,

deste, ao fator de conflito interétnico? Quem dá atenção ao problema e como faz para

concebe-lo? Um levantamento bibliográfico indica que somente a partir de Darcy Ribeiro

(1950 – 1960) é que podemos começar a ter uma percepção deste objeto.

No entanto, ainda não havia uma teorização como bem fez o sociólogo e antropólogo

Roberto Cardoso de Oliveira [Universidade Federal do Rio de Janeiro e Universidade de

Brasília] (1928-2006) quanto a práticas, conflitos e junções – negativos e positivos, na obra O

índio e o mundo dos brancos (1964). Este assim o fez para pensar formalmente a sociedade

nacional, seu processo expansionista e seu desenvolvimento. Não poderíamos deixar de

mencionar a antropóloga Tereza Caldeira (1989), pelo seu trabalho de revisão da Antropologia

americana.

Há também a concepção de Eduardo Galvão (1979) sobre indigenismo como conjunto

de idéias relativas à inserção de povos indígenas no Estado nacional. Em seu volumoso livro

que se encontra dividido em duas expedições, o antropólogo Darcy Ribeiro (1922-1997)

comunica os diários de campo elaborados no período de 1949 a 1951 nas aldeias Urubus-

Kaapor, que, segundo diz no prefácio que escreveu, foi feito do que via e ouvia, ou seja, uma

etnografia do aparente. Outra referência imprescindível é João Pacheco de Oliveira (1988) por

apontar e incluir muito bem, conflito interétnco com colonização e territorialização. E por

fim, numa profunda e competente análise das relações entre índios e não índios, o Dr. Paulo

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José Brando Santilli [Universidade Estadual Paulista] e colaborador dos povos indígenas de

Roraima. Isto foi suficiente para a pesquisa teórica e prática desenvolvida por mim, porque

como eu disse antes, havia no plano de pesquisa, aspectos de um conflito não reconhecido

socialmente.

Quanto ao trabalho de Darcy Ribeiro “Diários Índios” (1996) a minha intenção é de

esclarecer que, mesmo identificando situações de conflito, como veremos adiante, Ribeiro

elege por base elementos visíveis. Mas conflitos só podem ser reconhecidos se captados pela

visão?

Quanto à estética anunciada por Darcy Ribeiro, assinalo algo interessante: no texto

inteiro podem ser identificadas três pessoas verbais: eu (primeira pessoa do singular); você

que no contexto, não consiste em pronome de tratamento, mas uma espécie de pronome

pessoal, que me leva a interpretar por seu uso, um diálogo que pretende estabelecer com o

leitor, um igual. E por fim, o ele ou ela (também usados no plural), querendo dirigir-se ao

outro, mas não na indeterminação do sujeito, pois, cada um e cada uma com quem manteve

diálogo, teve seu nome anotado e características físicas predominantemente detalhadas.

Mantive na elaboração do meu diário de campo, conforme apresentação à parte, o

seguimento, data a data, adotado por Ribeiro. Fiz isso visando a permitir uma leitura didática

do texto e não na intenção de fazer o leitor viajar [grifo meu] comigo, como fez Ribeiro no

Prefácio: “Agora, convido você a me dar a mão e vir comigo para percorrer, de novo, suas

aldeias. Boa viagem” (RIBEIRO, 1996, p. 13), por que considero isto impossível e

inadequado, para não dizer, inútil. No entanto, há uma abordagem em Ribeiro que muito me

inspirou na tomada da realidade do campo na Maloca do Barro: suas ênfases ao cenário

ambiental, seja à terra ou ao espaço, seres vivos e inanimados. Foi-me bastante útil [e como],

dada à peculiaridade da relação social em conflito estabelecida pelas etnias em estudo.

Fui procurar logo pelas fontes que pudessem tornar perceptíveis contatos e conflitos

interétnicos. Apenas poucas delas indicavam situação de contato a que eu chamaria de contato

de retorno onde o seu colaborador Max Boudin [lingüista] “retorna à civilização” (RIBEIRO,

1996, p. 406), enquanto as demais fotos se restringem à exibição de pessoas sozinhas ou em

grupo, objetos, espaços habitados ou não.

Reporto-me agora a alguns casos de contato e de conflito interétnico citados por

Ribeiro. Em seguida, analiso esses casos.

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a) Caso dos Tembé:

Em 1934 na ilha Marajupema, morava um madeireiro de nome Luiz Carvalho, natural de Grajaú, já falecido. Viviam e trabalhavam com ele alguns índios timbés (sic) e uma índia, Dominga Chaves, sua amásia. Mas Luiz desejou a mulher de um índio, Sabino, que vivia na ilha e começou a persegui-la de todos os modos. Primeiro espancou sua própria mulher, ameaçou matá-la, exigindo que trouxesse Ana, a mulher de Sabino para sua rede (...). Luiz não se conformava. Um dia muito embriagado, mandou domingas procurar Ana e trazê-la a qualquer custo. A mulher fez o que pode, mas voltou sem Ana. Aí Luiz saiu armado com rifle e terçado para a casa de Sabino. Vendo que ele se aproximava com seus capangas, Ana saiu em disparada pela mata, com o filhinho nos braços, perseguida por Luiz e seus homens. Conseguiram pegar Sabino depois de persegui-lo por muito tempo, mas Ana desaparecera na mata que margeia o rio. Luiz mandou amarrar Sabino no fundo da canoa, passar manilhas em suas munhecas e desceu o rio espancando-o para que chamasse a mulher, que ele imaginava estar escondida na barranca, ou dizer onde ela se metera. O índio Sabino estava amarrado no fundo da canoa junto com Domingas, que estava toda pisada de pancadas. Luiz tirou a faca e foi furando o couro do pescoço de Sabino, espetava o couro e levantava, o homem já estava todo coberto de sangue e as varejeiras começaram a dar... (idem, p. 25).

b) Caso da criação do Posto Pedro Dantas:

Construído o rancho da ilha, defronte à margem maranhense, os trabalhadores abriram uma picada de quinze quilômetros mata adentro, ao fim do qual colocaram o primeiro tapirizinho de brindes (“cena”), na banda direita do Gurupi. A primeira “cena” foi encontrada pelos poucos índios depois de preparada. Os índios quebraram o jirau e todos os brindes, exceto alguns medalhões de metal com a efígie de José Bonifácio que levaram consigo – aproximadamente novembro de 1927. [...] A segunda “cena” foi colocada na mesma picada, porém mais próxima da margem: uns doze quilômetros. Os índios levaram todos os brindes, não deixando flechas ou qualquer outro objeto deles em retribuição. [...] Ao tempo da quarta “cena”, os índios fizeram alguma zoada na mata, mais perto de casa, e atiraram umas dez flechas, mas nitidamente em sentido amistoso, pois atiraram para cima e não diretamente. Caíram no telhado e no terreiro (idem, p. 26).

c) Caso da festa da Coroação do Imperador:

A festa é muito interessante. Não imaginava que se tratasse de uma forma local das Festas de Coroação do Imperador ou da Imperatriz. Mas é essencialmente isso. É incrível como esses negros, mais que ninguém, cultuam (sic) nosso Império escravista, que caiu com a Abolição. [...] Dançaram três velhas tocando três tambores que levavam a tiracolo, acompanhadas de três mocinhas, cada uma delas fazendo par com uma tocadeira nos movimentos da dança. As moças conduziam bandeiras. Além dessas, tinha ainda uma moça que conduzia um estandarte vermelho com uma aplicação, em recorte, de fazenda branca, em forma de pomba do divino [...]. A figura principal, representando a imperatriz, era uma menina de doze ou treze anos, branca, de tipo delicado, contrastando com os demais figurantes. Vestia uma toalha bordada de crivo e tinha às costas, um manto de seda. Levava uma bandeja muito bem trabalhada, com uma enorme coroa e um cetro, todos decorados com recortes e entalhes de Pombas do Divino. Tudo em metal amarelo. Na hora da coroação, depois de rufos de caixa, cantos e danças, uma velha negra, enorme, vestida de vermelho (a pajé) toma a coroa e a sustenta pouco acima da cabeça real. Tudo isto é tão inocente que a seriedade com que representam não faz graça, antes provoca ternura (RIBEIRO, 1996, p. 59).

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d) Caso da Pacificação:

Os moradores de uma aldeia que ficava num braço do Maracaçumé estavam em festa, bebendo cauim, quando chegaram os brancos. Ninguém viu. Somente uma mulher que foi ao córrego voltou contando que um homem de chapéu, um karaíwa [grifo do autor], estava do outro lado. Tinha feito sinais para ela, convidando-a a ter relações com ele, mas ninguém levou a sério. [...] Quando os índios foram percebidos, um dos homens saiu com terçados e panos na mão gritando: “Temos terçado. Temos panos. Temos miçangas, tudo para você”. [...] Os brancos, lá dentro [do curral], gritavam que tinham presentes para eles e que parassem de flechar, senão os matariam a balas. A certa hora, começaram a atirar contra os índios e feriram um que subira numa árvore para atingi-los com flecha por cima do cercado. Este morreu. Era aquele Na-irã, que foi o primeiro a aproximar-se e a atirar nos brancos. À noite, os brancos fugiram, deixando a casa cheia de coisas que os índios carregaram: terçados, facas, tesouras, miçangas, panos, tudo vermelho de sangue. Anos depois, no Felipe Camarão, um dos índios da aldeia vizinha reconheceu em Miguel Silva o matador de Nã-irã, mas o velho disse que foi um Timbira que atirou, ele estava lá, mas não deu tiros (idem, p. 252).

e) Outros casos de conflitos na aldeia:

Nunca ouvia falar de um companheiro que tivesse assassinado outro, somente se lembra daquele caso do índio que foi atacado por um branco a bala, tomou a arma e o matou. Chegando à aldeia, foi contar a façanha. Então, manobrou a arma como havia visto o Karaíwa [grifo do autor] fazer. Nisso, um outro chegou os olhos bem na boca do cano para ver o que havia lá e a arma disparou, prostando-o (sic). Contam que muitas vezes, um fica com raiva do outro, podem brigar até, mas nunca se matam. Quando um espanca o outro, ninguém toma conhecimento disso, é um assunto particular que os interessados resolverão. O capitão não pode intervir nestes casos, senão para apaziguar. Não castiga ninguém. Um homem pode ficar iarõn (raivoso) por infidelidade da mulher, morte de parentes ou outra razão. Dirá que está neste estado – ihen-ia-rõn-té. Todos se afastam dele, evitando qualquer contato, ainda que o raivoso tome um terçado para cortar os esteios, derrubando casas e para cortar os punhos das redes. Todos ficam distantes, esperando que se acalme. A única válvula legítima que a cultura lhes proporciona é ir a um grupo estranho, inimigo, antigamente os brancos e negros, hoje os Guajá, e entrar em luta com eles (idem, pp. 282-3).

f) Um dos casos de aculturação:

Em Pindaré, vive um rapaz guajajara, de dezoito anos, com a família de brancos que o criou. Fala fluentemente a língua, embora tenha saído da aldeia aos cinco ou seis anos. Considera-se índio, vem ao posto às vezes, ficando hospedado com os índios, e, provavelmente, se casará aqui, mudando-se então para cá. [...] Que fatores interferiram em sua educação tão fortemente que não lhe permitiram adquirir as aptidões e as atitudes de um civilizado? Fatores psicológicos – personalidade básica, já definida nos anos da vida tribal – ou fatores sociais – o preconceito, a atitude dos criadores para com ele, o índio, fazendo-o sentir cada dia, em cada gesto, seja quando castigado, seja quando o aprovavam, sua qualidade de índio (RIBEIRO, 1996, p. 310).

g) Um caso de terrorismo Tembé:

Ontem, à noite, tivemos uma longa conversa, começamos falando das mentiras que os Tembé vêm contando aos índios daqui e de suas conseqüências trágicas. Já lhe disse que aterrorizam os que moravam com Domingos, remanescentes da aldeia de Maíra, marido da velha – com uma história de bombardeio aéreo -, para obrigá-los a ir morar com Bem, no Jararaca, e servi-lo como dependentes. Agora, tenho novos pormenores da trama. [...] Começaram dizendo que estavam

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juntando resinas porque o sol ia apagar-se (sic) , depois veio a história do bombardeio aéreo e o estouro do sol. Seria um cataclismo do qual não escaparia ninguém – a menos é óbvio, que estivessem juntos de bons pajés como Domingos e Leandro. O desespero a que os índios chegaram foi tal que Sereno, o mais calmo deles, queimou sua casa e todas as suas coisas, mas disse que ficaria ali mesmo, para morrer na roça que fizera para alimentar seus filhos. Passarinho destruiu seu patuá cheio de adornos preciosos e seguiu Domingos. Um outro índio (capitão Urubu, genro do capitão velho), desesperado, veio para cá. Cada vez que via um avião dos que passam frequentemente por aqui ficava louco, acabando por se matar com uma faca que enfiou no pescoço (idem, p. 454).

Recuperei esses sete casos mencionados por Darcy Ribeiro (1996) por duas razões:

primeiro, para ilustrar bem que havia um contato interétnico, ora índio com não índio, ora

índio com índio, que poderia gerar na organização social Kaapor, uma situação promotora de

uma inquietação cultural local, como no caso em que se encontravam envolvidos Sabino e sua

mulher - (a); este, movido por um interesse exógeno à etnia; Já no caso do Posto do Serviço de

Proteção ao Índio - (b); temos um caso que classificaria como conflito positivo, entre índios e

não índios. Em se tratando do que eu classificaria de um caso de conflito cultural, a adição de

uma representação não-indígena a uma indígena – festejos - culminante com a Festa do

Imperador - (c); que pode ser considerada como uma demonstração de conflito positivo (e não

um atrito positivo) já que a “incorporação” [destaque meu] dar-se-ia eventualmente, uma clara

habilidade de convivência com o diferente; Não o caso Pacificação (d) que, ao contrário dos

dois últimos (b e c), configuraria numa das possíveis expressões de atrito dada a durabilidade

atingida, visto que inscrita na memória coletiva, embora tivesse ocorrido a negação da

participação de Miguel Silva, o matador. Quanto à situação em que o próprio Ribeiro

reconhece como conflito (e), destaco uma situação em que recomendo relativização.

O próprio Ribeiro foi capaz de, refletindo sobre a ação, compreender e agir

relativizando, pois o que, segundo seus padrões culturais, consistia um conflito manifesto no

aspecto psicológico, estava ali diante de uma situação socialmente conflituosa: alguém que,

por razões diversas, encontrava-se na condição reguladora de limites políticos e morais, o que

reconheceria na proibição de aproximações ao sofredor. O seguinte (f), nomeado pelo próprio

Ribeiro como aculturação, pode ser reconhecido, obviamente, como uma condição do contato

interétnico. Mas, como encontrar uma conexão desta com o sentido de conflito? Ele estaria

presente a uma ação externa em resposta a uma condição interna: o preconceito, resultado do

não reconhecimento identitário da aldeia às novas atitudes do “intruso” [o etnógrafo]. E,

finalmente, a situação de terrorismo que, quase automaticamente, é reconhecido e classificado

como a mais extrema expressão de conflito. Chamo atenção para o último dos casos (g) e sua

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inclusão entre as práticas de conflito socialmente criadas como fim e como meio, quanto à

questão de se obter a adesão de opositores pela manipulação dos saberes ali geridos.

O que importa no trabalho de Ribeiro (1996) é sua capacidade de identificar variantes

de manifestação de conflitos interétnicos. Isto pode ser considerado um avanço para a

compreensão sociológica e antropológica no Brasil, visto que a produção nacional até então,

no máximo, reconhecia o problema entre índios e não índios. Com Ribeiro, fica mais do que

provado o controle social através do conflito interétnico, inclusive entre uma e outra etnia. No

entanto, não pode ser percebida nenhuma teoria sobre conflito interétncio em Ribeiro. Isto só

virá com o trabalho de Roberto Cardoso de Oliveira.

Para o filósofo, sociólogo e antropólogo Roberto Cardoso de Oliveira39, as situações

de relações intertribais e, consequentemente, de conflito interétnico, dadas à duração e

características, seriam sim entendidas na categoria de fricção interétnica. Para ele, é:

Um modelo de investigação que denominamos fricção interétnica, como uma maneira de descrever a situação de contato entre grupos étnicos irreversivelmente vinculados uns aos outros, a despeito das contradições – expressas através de conflitos (manifestos) ou tensões (latentes) – entre si existentes (CARDOSO DE OLIVEIRA, Nota 14, 1976, p. 120).

Carece uma correspondência entre essa concepção de fricção interétnica com a de

contato interétnico, igualmente de Roberto Cardoso de Oliveira. Para ele, contatos interétnicos

são: “as relações que têm lugar entre indivíduos e grupos de diferentes procedências

“nacionais”, “raciais” ou “culturais”” [destaque do autor] (RIBEIRO, 1996, p. 117). Se há

contato interétnico, é porque há grupos étnicos, pois, para este Autor, todo contato é,

sobretudo grupal.

Portanto, partindo de Fredik Barth (1969) que concebe contato como “organizational

type”, toma por referência uma definição consensual, conforme pode ser deduzida da

literatura antropológica. Segundo essa definição, um grupo étnico designa uma população que:

“a) se perpetua principalmente por meios biológicos”; b) “compartilha de valores culturais fundamentais, postos em prática em formas culturais num todo explícito”; c) “compõe um campo de comunicação e interação”; d) “tem um grupo de membros que se identifica e é identificado por outros como constituinte de uma categoria distinguível de outras categorias da mesma ordem” [destaques do Autor] (BARTH, 1969, pp. 10-11).

39 Trabalho de sua primeira experiência de campo entre os Terena, grupo indígena localizado no estado do Mato Grosso do Sul. Sua pesquisa focava a assimilação dos Terena na sociedade nacional brasileira e, em 1960, ele publicou seu primeiro livro com os resultados desta: “O processo de assimilação dos Terena”.

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Tomando por princípio analítico a compreensão precedente, ou seja, de contato

interétnico, Cardoso de Oliveira identifica uma condição que se faz interessante para teorizar

as noções anteriores. Para ele,

a peculiaridade da situação que engendra a identidade étnica é a situação de contato interétnico, sobretudo – mas não exclusivamente – quando esta tem lugar como fricção [grifo meu]. A conscientização dessa situação pelos indivíduos inseridos na conjunção interétnica é que seria o alvo preliminar do analista. Um estudo do “modelo consciente”, na acepção de Lévi-Strauss, dos indivíduos atuantes no cenário interétnico. Uma tal consciência, etnocêntrica em larga escala, estaria pautada por valores e se assumiria como ideologia (CARDOSO DE OLIVEIRA, 1976, p. 120).

Se assentássemos a essência dos acontecimentos citados nas literaturas e relatos orais

por mim pesquisados, ficaríamos muito próximo de classificá-los como um caso de fricção

interétnica entre Makuxi e Wapixana, à guisa, da concepção de Roberto Cardoso de Oliveira.

Porque as informações de fontes históricas dão conta de relações interétnicas conturbadas

entre as referidas etnias. Mas, por que, com a pesquisa de campo que fiz, não devo associar-

me à premissa de Roberto Cardoso de Oliveira? Porque, apesar de duradouro – uma das

condições da fricção interétnica – este conflito não produz uma relação de repulsa ou

rivalidade. Há uma relativa convivência entre Makuxi e Wapixana, principalmente em eventos

públicos40, embora as situações de conflito estejam mais manifestas em pequenos espaços.

Então, não havendo como descobrir uma total correspondência com as características da

fricção interétnica de Roberto Cardoso de Oliveira, a quem firmar vínculos?

Em 1978, prefaciado pelo Darcy Ribeiro, veio a público a reedição de boletins escritos

pelo Prof. Eduardo Enéas Gustavo Galvão (1921-1976) - [UFRJ/UNB/Museu Emílio Goeldi]

–– bacharel em História e Geografia, em formato de livro, obra considerada não apenas

relevante para a Antropologia do Brasil, mas principalmente para a Antropologia da

Amazônia. Ao todo, está composto de treze capítulos em que o Autor percorre desde

“apontamentos sobre os índios Kamaiurá” à apresentação e análise sobre “o artesanato

indígena na Amazônia brasileira”. Para o estabelecimento de um aporte dialogal pertinente a

este trabalho dissertativo, tomarei os quatro capítulos intermediários: “Mudança cultural na

região do rio Negro”41 e “Estudos sobre aculturação dos grupos indígenas do Brasil”; No

primeiro deles, se pode obter um contexto social similar ao que se assenta esta pesquisa.

40 Quando entrevistava lideranças indígenas e até de órgãos indigenistas, sempre tinha qualquer problema de relacionamento negado. Nas entrevistas feitas com alunos das duas escolas a José de Anchieta e do Centro de Formação e Cultura Indígena Raposa-Serra do Sol, a grande maioria dizia que sim. E somadas às minhas observações já relatadas anteriormente, seja da observação da dinâmica das pessoas nas ruas e trilhas da Maloca do Barro ou ainda no silêncio de algumas pessoas com quem conversava, isto ficava bem evidente. 41 Em nota, os editores informam que o referido artigo fora anteriormente publicado no Simpósio Sócio-etno-sociológico (sic) sobre comunidades humanas no Brasil ocorrido em São Paulo em 1954.

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Trata-se, segundo Galvão, de uma superfície de 300.000 km², com cerca de 25.000 habitantes

à época, composta de rios e estradas que põem em contato a sociedade urbana de Manaus e as

sociedades tribais ribeirinhas ao Içana, Uaupés e afluentes, constituídas de caboclos, mestiços

de índios e brancos (GALVÃO, 1978, p. 120). Sociedades em pleno contato, formadas de

grupos que, exceto a dependência a um centro urbano maior, no caso, a cidade de Manaus,

bastante se assemelha à problemática vivida entre as etnias Makuxi, não índios e Wapixana,

em Roraima.

Neste tempo (início do século XVII), a etnia Wapixana já se encontrava fixada na área

da Terra Indígena Raposa-Serra do Sol, mas que aquelas etnias que não fugiram às reduções

portuguesas com o auxílio de missionários católicos eram, pois, “domesticadas” [grifo do

Autor], “destribalizadas” e reajustadas aos “padrões impostos pelo colonizador luso”, muitos

deles “maloqueiros” que cediam à dependência dos produtos dos civilizados, quase sempre

levados à força e que se tornavam endividados durante o uso de sua força de trabalho,

tornando-se sempre devedores dos extratores das “drogas do sertão” (GALVÃO, 1978, p.

121).

Enquanto que na Terra Indígena Raposa Serra do Sol havia notícias de missionários

beneditinos a formarem as primeiras reduções em Roraima, na área do Rio Negro atuavam os

salesianos que, sob a égide e ao mesmo tempo, regência da educação escolar, aceleravam a

destribalização pela disciplina e motivação religiosa.

No caso do Rio Negro, as relações intertribais e, por conseguinte, os conflitos inter e

intra etnias se deveram à junção dos índios “descidos” e reunidos em pequenos povoados,

ilhas ou sítios próximos, para realizarem atividades na agricultura, seringal e castanheira.

Observa Galvão que até as segunda e terceira gerações têm a identidade firmada na

ascendência tribal, preservando em certa medida, a língua tukana e a tradição que, pouco-a-

pouco, tinham o “aportuguesamento” a parir da língua geral o tupi-guarano do vocabulário

que, estariam já classificados entre “indivíduos em fase de assimilação na sociedade regional”

(GALVÃO, 1978, p. 122), que fosse na indústria extrativa e pequenas roças de mandioca e

sobretudo, pelo trabalho nos seringais que funcionava como um fator impedidor à

sociabilidade multiétnica.

Enquanto nas terras do extremo norte brasileiro o nome atribuído pelos missionários

beneditinos às áreas em que reuniam os grupos para catequese, era chamado de missão como

no caso da Missão Surumu, na área do Rio Negro os povoados eram chamados de sítios,

geralmente ocupados por uma família e agregados, este quase sempre situado em ilhas em que

se encontravam seringais, mas que, diferente das terras ocupadas por Makuxi e Wapixana de

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então, não tinham fluxo migratório regido pela estação das cheias ocorridas no inverno e,

consequentemente, das águas baixas no verão (idem, p. 124).

Como se pode perceber, na metade do século XX, a Antropologia no Brasil estava

focava em estudos etnológicos, cujo intuito não era o de fortalecer a tese da necessidade de se

manter a integração nacional pela interferência das agências de contato como a FUNAI e o

SPI. Todo o esforço como o empreendido por Eduardo Galvão seria mais o de captar possíveis

impactos do encontro interétnico, sobretudo nas populações amazônicas, considerada na

época, a última fronteira do processo civilizatório. Encontra-se, pois, indiscutivelmente, uma

fase mais ampla para os estudos das relações interétnicas no Brasil. Para Galvão,

O índio deixou de ser o foco exclusivo de interesse e o que se procura, é o conhecimento histórico e funcional da transmissão de traços culturais do indígena aos demais contingentes de nossa população – em outros termos, a resultante do fenômeno de ‘aculturação’ [grifo do autor] que resultou do contacto entre índios, europeus e africanos (GALVÃO, 1978, p. 126).

E mencionando um vasto elenco de etnólogos como Baldus [Tapirapé], Nimuendaju

[sobre os Timbira] entre outros, Galvão cita no capítulo Estudos sobre a aculturação dos

grupos indígenas do Brasil42, particularmente os Kayapó, os Nambiquara e os xinguanos, os

contatos diretos com o “habitante rural” davam-se de modo hostil e esporádico. Para tanto,

atuavam “pioneiros isolados” (o seringueiro, o garimpeiro e os agentes do SPI), incapazes de

uma atuação direta e contínua (GLAVÃO, 1978, p. 127). Mas algo pode ser passível de

reconhecimento: ele percebe que ao primeiro olhar antropológico sobre as etnias amazônicas,

essas “mudanças totais” se tornaram visíveis. Assim, surgiu uma série de outras possibilidades

de acontecimentos oriundos do estudo do contato interétnico, como:

A retratação dos territórios de agricultura (sic) de caça e coleta, a diminuição da população em conseqüência do contágio de doenças, a modificação de status [grifo do autor] e prestígio social advinha da posse de artigos importados, a desorganização das instituições sociais, são fenômenos que em relação a esses grupos citados não poderiam ser estudados sob a epígrafe [grifo do autor] da aculturação, em sua definição rígida, que exige como condição essencial o contacto direto e contínuo entre grupos portadores de culturas diversas” (idem, p. 128)

Da recordação feita quanto à concepção de aculturação originária de Redfield, Linton e

Herskovits, Galvão esclarece que ela era usada para “definir as resultantes culturais do

contacto entre dois povos [...] mesmo quando o contacto desses povos não fosse direto ou

42 Em outra nota, a informação de que esse artigo fora publicado pela primeira vez na 1ª Reunião Brasileira de Antropologia, realizada no Rio de Janeiro em 1953.

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permanente, condições pelas quais se veio distinguir aculturação por difusão” (idem, p. 128-

9).

Mais adiante, Galvão enfoca um problema a que se deveria atentar: o empréstimo

cultural – chave para a teoria da difusão cultural, que alteraria as relações objetivas e

subjetivas em seus habitantes. Pois, para Galvão, “o objetivo da antropologia [...] não é apenas

descrever as culturas como se encontram no momento, mas o de tentar alcançar a dinâmica e o

funcionamento de transmissão e de mudança cultural” (GALVÃO, 1978, p. 131). Isto requer a

observância de pelo menos cinco critérios qualificativos:

a) intensificação dos estudos monográficos voltados para o presente, porém com referências a parte da história de uma etnia; b) a busca por uma possível caracterização de áreas culturais a partir de elementos (traços e padrões) relacionados ao meio ambiente; c) pesquisa com comunidades regionais e tribos indígenas devem trilhar no busca de “diretrizes culturais” delas, fatores condicionantes da “aculturação” [grifo do autor] ou mudança cultural do índio; d) caracterização de áreas regionais para se obter faixas de aculturação [destaque do autor]; e) o reconhecimento das diretrizes sócio-culturais. [...] Não se trata de dirigir [grifo do autor] pesquisas etnológicas de modo praticista, mas de coordenar esforços e recursos para análise de problemas de interesse teórico generalizado (idem, p. 133-4).

Para Galvão, o esforço monográfico oferece um lastro de benefícios que vai desde a

correspondência entre as histórias dos falantes; a migração do todo para a parte no enfoque

teórico e prático; o estabelecimento de nexos entre conflito interétnico e meio ambiente a fim

de se conseguir faixas de aculturação. Afinal, conflito – para ele – é algo muito rápido e

extremamente simbólico.

Fui para o campo convicto de uma concepção etnográfica em que não se põe uma etnia

em estudo pela imediata descrição de suas estruturas e organizações internas, como se alguém

estivesse a moldurar cada etnia. Afinal, Lemos (1998), Cirino (2000) e Burgardt (2006)

fizeram a descrição social, econômica e antropológica dessas sociedades. Apresentarei isso em

seção posterior, mas dialogo com a indispensável leitura e análise feita por Paulo Santilli

(2001), embora anterior à de Burgardt (2006).

No itinerário da Antropologia do Brasil, há igualmente, uma oportuna e notável

colaboração que ajuda-nos na compreensão da confluência entre conflito interétnico e o

problema da terra. Em 1987, a professora antropóloga Berta G. Ribeiro (Universidade de São

Paulo), em sua abordagem etnocientífica “O Índio na Cultura Brasileira”, onde a autora

explora características objetivas e subjetivas dos saberes indígenas, desde produtos a práticas

de uso do solo e em seu esforço de classificação (crioula, sertaneja, cabocla, caipira, caiçara e

gaúcha). Além de já incluir a magia e a arte no conjunto desses saberes, também punha a seu

tempo, a imbricada relação entre ambas as categorias em análise.

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O tempo a que ela se refere, é o Brasil moderno. Seu objetivo no capítulo é “delinear, a

largos traços, a imagem do índio na consciência nacional” (RIBEIRO, 1987, p. 162). Partindo

de uma definição de índio dada por Darcy Ribeiro, em que índio é todo aquele que se encontra

com:

problema de inadaptação à sociedade brasileira, em suas diversas variantes, motivados pela conservação de costumes, hábitos ou meras lealdades que a vinculam a uma tradição pré-colombiana. Ou ainda mais amplamente: índio é todo aquele reconhecido como membro por uma comunidade de origem pré-colombiana que se identifica como etnicamente diversa da nacional e é considerada indígena pela população brasileira com quem está em contato (RIBEIRO (a), apudRibeiro (b), 1970 [p. 254], p. 163),

Berta Ribeiro considera a terra como um dos problemas concorrentes de inadaptação,

precisamente o do terceiro item: “3) Possui um território, geralmente isolado ou semi-isolado,

cuja posse e exploração autônoma é condição sine qua non [grifo da autora] para sua

sobrevivência como grupo étnico” (idem, p. 163). E mencionando o professor João Pacheco

de Oliveira Filho (1983) também assinala que, para estes, a terra é o básico de produção e o

sustentáculo da identidade étnica [grifos meus para designar categorias criadas pelo referido

Professor]. Berta Ribeiro acrescenta a essa idéia de território tribal a abrangência de áreas

destinadas à pesca, caça, coleta e atividades agrícolas, bem como locais das antigas aldeias,

seus cemitérios, lugares sagrados ou míticos e em algumas vezes com inscrições rupestres ou

acidentes geográficos, sinais de origens de seus ancestrais (idem, p. 163).

Com os argumentos anteriores, a mesma autora justifica o “apego do índio às suas

terras” bem como “a causa dos conflitos de terras com a fronteira móvel da sociedade

nacional”. Sustentada por um levantamento realizado pelo professor João Pacheco de Oliveira

– Terra de Índio (1984) – informa que, à época, havia 50 litígios de terra envolvendo 45

grupos étnicos. Em 23 destes, fazendeiros estavam envolvidos; em 11, posseiros; 9, com

mineradoras; 6, hidrelétricas e 5, a construção de estradas (idem, p. 164).

Comentando o quadro acima, Berta Ribeiro destaca a contradição entre o direito à

posse e o não reconhecimento da propriedade coletiva das terras indígenas e da concepção

estatal de índio como alguém que ocupa um estágio anterior à integração, carecendo assim de

uma tutela, assistência e proteção, ancoradas na penúltima Constituição Brasileira (1967) e no

artigo 1º da Lei 6.001/1973 (Estatuto do Índio).

Lembra ainda que, segundo Oliveira Filho, apesar da criação do Serviço de Proteção

aos Índios (SPI), em 1910, até 1983 somente 32% das terras indígenas estava identificada e

apenas 14,8% homologada. Por fim, questionava sobre a cidadania do índio brasileiro e sobre

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a posição de alguns antropólogos e sociólogos brasileiros da época que, inspirados na idéia de

“mentalidade pré-lógica” [grifo da autora] de Lucien Lévy-Brühl, deram margem para teorias

racistas como o trabalho de Manuel Bomfim – “O Brasil nação” (1931), argumento pivô para

o que veio chamar de causa indígena em que opunha o não reconhecimento da “contribuição

positiva do índio à cultura brasileira”, isto em meio à idéia de índio como obstáculo à

implantação de um projeto nacional, um obstáculo ao progresso que, ao fim e ao cabo, tratava-

se mesmo da militarização dessas áreas como no caso do Projeto Calha Norte, bem como o

controle sobre a propriedade e a mão-de-obra (RIBEIRO, 1987, p. 167-169).

Diria que Berta Ribeiro em “O Índio na Cultura Brasileira” promove um avanço na

Antropologia do Brasil ao elevar, no final da década de oitenta, um estado de consciência

indígena nas discussões etnológicas, isto é, o reconhecimento de uma expressão política de

sociedades indígenas no Brasil, capazes de provocar inquietude na academia e na política. É

ela que insere no debate antropológico de sua época, a tese de que entre sociedades cujas

relações estejam em conflito, pode estar ao seu centro, um problema que envolva questões

territoriais, quer seja entre sociedades indígenas, quer não. Antecipava assim, com magnitude,

a “chave” para o problema da demarcação e “desintrusão” de não-índios na Terra Indígena

Raposa-Serra do Sol.

Quando o cientista social João Pacheco de Oliveira Filho [Universidade Federal do Rio

de Janeiro], competentemente se declara a favor de uma etnologia dos povos indígenas do

Nordeste do Brasil (1998), além de gerar uma economia da produção etnográfica regional,

reconhece que essas sociedades indígenas “costumam tomar o território como um fator

regulador das relações entre os seus membros” (OLIVEIRA FILHO, 1998, p. 54). E adiante,

propõe no mesmo texto, que há um ato político que o chama por territorialização que, para ele,

é:

[...] justamente, o movimento pelo qual um objeto político-administrativo — nas colônias francesas seria a “etnia”, na América espanhola as “reducciones” e “resguardos”, no Brasil as “comunidades indígenas” — vem a se transformar em uma coletividade organizada, formulando uma identidade própria, instituindo mecanismos de tomada de decisão e de representação, e reestruturando as suas formas culturais (inclusive as que o relacionam com o meio ambiente e com o universo religioso (idem, p. 56).

Examinando a categoria proposta por João Pacheco de OLIVEIRA FILHO –

territorialização – podemos entender que o sentimento de identificação de uma etnia com o

espaço geográfico em que habita, ocupa uma posição importante na regulação das relações

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sociais internas e externas. Para se ter uma boa noção do quanto isso é relevante, numa nota o

autor esclarece que:

Se na Amazônia a proporção entre terra/homem é de mais de mil ha por índio, no Nordeste, onde a população indígena é numerosa (porque já atravessou em gerações passadas os desequilíbrios demográficos vividos nas primeiras fases do contato), essa relação corresponde a 7,2 ha para cada índio (OLIVEIRA FILHO, 1998, Nota 9, p. 71).

Mas e o estudo do contato? Ele tem se mostrado sem nenhuma implicação? Oliveira

Filho reconhece que no Brasil, a Antropologia abre margem para debater o conflito interétnico

pondo em implicação a relação sociedade – natureza. Esta última para além da restrição

espacial, pois, tanto na Amazônia quanto no Nordeste, percebe que há distribuição eqüitativa

para ocupação homem e ambiente.

O Professor João Pacheco faz uma substanciosa análise acerca dos obstáculos ao

estudo do contato. Para a pesquisa efetuada por mim, o referido texto foi uma referência

valiosa. Consiste na trilha ideal para entender os meandros, as voltas estabelecidas entre as

etnias estudadas, apesar de que ele tenha dirigido a atenção para a relação entre tutores e os

Ticuna, índios estudados pelo antropólogo alemão Curt Nimuendaju que habitavam as

margens do Rio Solimões, entre a ilha Parauté e o baixo curso dos rios abaixo da margem

oposta da linha divisória do Rio Putumá ou Içá, que evitavam as margens dos rios Amazonas-

Solimões, por temerem os índios Omágua e Cambeba, seus tradicionais inimigos e

dominadores.

Não posso negar que foram vários os obstáculos encontrados para a realização da

pesquisa empreendida por mim. E esses obstáculos em certa medida, se tornam também, um

aspecto teórico a ser discutido, considerando contextos regionais que só encontrei no trabalho

do Professor João Pacheco. Integram o conjunto desses obstáculos as seguintes seções: 1) de

problematização e 2) de teorização e metodologia43.

Para começar, nenhuma das fontes escritas e audiovisuais encontradas por mim

menciona problemas de contato interétnico entre Makuxi e Wapixana. Há fartamente sim,

sobre problemas surgidos quando do contato entre índios e não índios, sobretudo com o

acirramento manifesto a partir da demarcação da Terra Indígena Raposa Serra do Sol, área em

que as referidas etnias habitam. Uma diversificada produção de textos escritos e falados,

ilustrados ou não, transcorreram durante a pesquisa de campo e a elaboração desta dissertação,

43 Essas duas seções foram debatidas durante as aulas da disciplina optativa Etnologia Indígena, componente curricular do Mestrado no Programa de Pós-graduação em Antropologia Social da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, da qual fui aluno, ministrada pelo Professor Dr. Edmundo Pereira.

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um material tão vasto que tomaria uma margem estimável de espaço se eu fosse aqui abordar

uma a uma. Mas sem nenhuma menção a problemas entre Makuxi e Wapixana. Como

problematizar algo que não está sendo percebido na atualidade?

O Autor com quem estabeleço a presente discussão provoca na primeira seção,

indagações como: Como foi constituído o olhar do pesquisador? Quais as teorias e conceitos

que o levaram a selecionar certos feitos como relevantes, fazendo silêncio sobre outros? Quais

os pressupostos implícitos nas explicações que pretende fornecer? Tais interrogantes são por

ele sustentadas a partir da premissa de Bachelard: “É preciso formar a razão da mesma

maneira que é preciso formar a experiência” (BACHELARD, apud Oliveira Filho,1968, p.

147). Em outro trabalho, Oliveira Filho quer, com elas, dar um roteiro que ajude na elucidação

do que ele denomina de “obstáculo epistemológico” (OLIVEIRA FILHO, 1988, p. 24),

enquanto anuncia o objetivo do trabalho escrito por ele que seria o de aprender a racionalidade

de construção de algumas tentativas de resposta e como aí se cristalizam certas resistências ao

progresso posterior da pesquisa. Para Oliveira Filho, o grande objetivo do texto etnológico

seria:

Passar por um crivo crítico tais interpretações, pelas quais teorias científicas e tradições culturais pretendiam dar conta dos fenômenos aí incluídos. [...] Conceitos e categorias necessitam ser tratados não como ‘erros’ ou ‘aproximações’ inexatas e sim, pô-las em um ‘sistema integrado de conceitos, que permita refletir sobre certos aspectos da realidade, ao preço de dificultar a apreensão de outros’ [...] uma ‘catarse intelectual e afetiva’ (idem, p 25).

Notadamente a contundência entre a linha teórica de Paulo Santilli e aquela instaurada

por João Pacheco, não deixaria de mencioná-los, pois se o primeiro tem uma íntima relação

com as etnias em estudo, o segundo fez também sistematização da etnologia brasileira.

Contudo, asseguro não por opção mas por coerência, são as provocações de Oliveira Filho me

suscitaram uma compreensão em que meu olhar não é, pois, meu. É reflexo da

consubstanciação entre o passado e o presente nos quais estive e das opções que fui fazendo

regido por uma escala de valores sociais. Sim, porque havia escolhido ser professor e como

qualquer outro exercício profissional, isso requer o respeito a normas de conduta que são

elaboradas socialmente. Por sua vez, as teorias adotadas por mim neste trabalho não vieram de

uma escolha pessoal, mas de uma seleção requerida pelas características constituídas da

relação entre as etnias em foco, isto é, do caráter histórico do contato entre elas, da questão da

ferramenta de dominação pelo ensino da língua Makuxi aos Wapixana, do casamento

intertribal e mesmo do problema ofuscado pelo brilho de um conflito de dimensões maiores,

no caso, entre índios e não índios. Tudo foi eleito por mim como corolário para encontrar as

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melhores vias para que eu venha a contribuir positivamente para a formação de professores

indígenas, público alvo do meu exercício profissional.

O campo teórico, segunda e mais extensa seção elaborada por Oliveira Filho, dá conta

de uma revisão que não pode ser deixada de lado. Lembra-o que a comparação sistemática de

Tylor (s. d.) não responderia às demandas que a discussão do contato requerem hoje, para ele,

o que interessava era a classificação, no caso, a posição de uma determinada tribo numa escala

evolutiva em relação ao passado. Refere-se também a Gusdorf (1974) assinalando o que

propunha quanto aos “pontos de parada” na escala evolutiva e, junto a ele, o Barth (1969)

elegendo as tribos como “entidades discretas”, ambos concebendo essas sociedades como

agrupamentos recortados e estáticos de si em si. Neste ínterim, cita Bachelard (1970) acerca

do esforço de alguns etnólogos em desvendar os interiores como se fosse fácil o acesso ao

pensamento inconsciente, visto serem do “reino dos sonhos” (BACHELARD, apud Oliveira

Filho, 1988, Nota 7 – Bachelard, p. 27).

Oliveira Filho reconhece que esforços foram feitos para se encontrar uma adequação

teórica que comportasse novas abordagens para problemáticas já conhecidas, como sobre a

interação e modernidade (Herskovits e Ralph Linton), assimilação (Znaniecki, Park e Pierson)

sobre o encontro entre caboclos na Amazônia; trocas culturais e mudança cultural (Wachtel),

perda cultural (Ribeiro) e sobre um índio genérico e uma antropologia da integração (Da

Matta), geralmente discussões polarizadas entre a homogeneidade e heterogeneidade.

Essa preocupação ocupou o “norte” de minha conduta quando do planejamento teórico

e metodológico. Busquei criar nexos entre teorias de estudo do contato e conflito interétnico

com a etnociência pela etno-história, não por uma opção individual, mas porque nas raízes do

problema – relações de contato entre Makuxi e Wapixana – identificava implicações quanto à

forma como essas etnias elegem o ambiente não como um cenário, mas como um dos

elementos pertinentes à identidade coletiva. Daí a luta pela permanência exclusiva destas

etnias na Terra Indígena Raposa Serra do Sol. Encontrei a primeira evidência dessa relação

sociedade – natureza, no mito de origem Makuxi, relembrado anteriormente e representado na

raposa e nos irmãos filhos de Makunai’ma e na sua inclusão no currículo pedagógico do

Centro de Formação e Cultura da Raposa Serra do Sol, especificamente nos projetos Pomar,

Gado e Herbário.

Quando apresenta o que para ele consiste em três realidades culturais, Pacheco refere-

se a Malinowski (1938) para considerar que o relativismo cultural ou funcionalismo dissociou

diferentes ordens de racionalidade, opondo-se a Andrey Richards (1938) quanto à existência

de um “ponto zero de mudança social” que seria um instante de equilíbrio na vida tribal

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anterior ao contato. Para Malinowski, não havia condições de esse ponto zero ser identificado,

visto não ter por onde se observar algo inscrito no passado. Daí, o que restaria era captar as

mudanças sociais e culturais sobreviventes que não estariam presentes, como afirmara Mônica

Hunter (1936; 1938) numa “cultura genitora” e igualmente a Fortes e Schapera que concebiam

o contato como um fenômeno integrado cujo estudo da cultura das sociedades envolvidas,

propiciaria alcançar um “estado de relativo equilíbrio”. Para Malinowski, já havia condições

de se fazer uma “antropologia do nativo em mudança”. Tal postulado requeria uma concepção

de sociedade como “um conjunto de instituições que cumprem funções sociais satisfazendo a

um todo coerente e relativamente equilibrado” (MALINOWSKI, apud Pacheco de Oliveira,

1975, p. 34), e de função compartilhada por Radcliffe-Brown, Fortes, Schapera e E. E.

Pritchard.

Havia na concepção de Malinowski, segundo o Professor João Pacheco (1988), uma

assimetria para o processo de mudança que implicaria na necessidade de se conhecer o nativo,

por ser o primeiro a ser afetado pela mudança cultural. E, na tese de Schapera, um pressuposto

que impunha a necessidade de captar conteúdos concretamente atualizados pelas instituições

coloniais nas situações de contato. Quanto para Fortes, caberia às agências de contato

aprenderem sobre a dinâmica da atuação da administração local e das missões. Para

Malinowski, “agências de contato são corpos organizados de seres humanos trabalhando para

uma finalidade definida, manipulando um aparato apropriado de cultura material e sujeitos a

uma carta de leis, regras e princípios” (MALINOWSKI, apud Oliveira Filho, 1988 [1945], p.

65).

Não tinha como encontrar um “marco zero”, como afirmara Andrey Richards. Afinal,

antes da chegada dos primeiros grupos Makuxi à região, há indicações de que os habitantes

Wapixana já mantinham relações sociais de conflito com seus vizinhos Taurepangue e

Ingaricó. Há informações dadas por habitantes da Maloca do Barro a mim, que quando lá

chegaram, eram monogâmicos, o que interpreto como um modo de garantir a receptividade

com os “nativos”

Buscando os avanços feitos na Antropologia em torno das teorias de contato, o

professor João Pacheco transita por idéias de Max Gluckman (1939; 1947). Deste, vê uma

concepção de contato que, indiscutivelmente, vai à frente daquela proferida por Fortes e

Schapera. Para Max Gluckman, “o contato não é um fator desintegrador [...]. A existência de

uma única comunidade africana branca em Zululand [é] uma unidade de vida e não de

costume – uma aldeia, cidade, acampamento, econômico e na vida social” (GLUCKMAN,

apud Oliveira Filho, 1988, p. 39). Perspicazmente, o Professor João Pacheco também detecta

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nas idéias de Gluckman, uma boa noção de campo social, porque nele habita o sentido de

campo de interdependência [grifo meu]. Para isso, o Professor reconhece um avanço ainda

maior, pois com Gluckman se defende um conhecimento histórico [destaque meu] superando

generalizações comparativas que colidem exatamente com as compreensões psicológicas anti-

históricas, eliminando definitivamente uma causa inconsciente para o estabelecimento de um

conflito interétnico. Pacheco de Oliveira concorda com Swart ao reconhecer campo como

“composto de atores diretamente envolvidos nos processos estudados”, entendendo que os

participantes do campo de pesquisa trazem e praticam valores, sentidos, recursos e estratégias

de relacionamento, “cuja extensão e características mudam com a adição de novos atores [por

onde] um alto grau de consistência lógica e de relevância em face do objeto teórico de

pesquisa, se torna uma questão-chave” (SWART, apud Pacheco de Oliveira, 1988, p. 41).

Conclui o professor João Pacheco que, ante o exposto fica inviável uma concepção

natural de sociedade e, consequentemente, de conflito. Apoiado em George Balandier (1971),

aponta que processos sociais em sociedades indígenas têm o mesmo sentido no todo e no

particular, ou seja, bem centrado no reconhecimento da ação na história e que se alinha bem

com a idéia de fenômeno social total, premissa de Marcel Mauss. Assim conjugados, Pacheco

de Oliveira suplanta o determinismo da idéia de instituição malinowskiana. Refuta, portanto, a

crença de que o contato e a mudança cultural ocorreriam somente entre instituições homólogas

(OLIVEIRA FILHO, 1988, p. 44).

No Brasil, esse mesmo autor recupera a categoria criada por Roberto Cardoso de

Oliveira, a de “fricção Interétnica” bastante discutida entre as décadas de 1960 e 1980.

Explicando como aplicar a abordagem de Cardoso de Oliveira, João Pacheco (1988) indica os

passos: primeiro, ter em mente o objetivo de captar e datar os desdobramentos do contato

através do tempo na perspectiva de autocondução; a seguir, registrar ao máximo a situação de

contato sob os aspectos competitivos e conflituosos da conduta tribal e não tribal, para então

se obter a aplicação da concepção de fricção interétnica como uma “situação de contato entre

duas populações ‘dialeticamente unificadas’ através de interesses diametralmente opostos,

ainda que interdependentes” (CARDOSO DE OLIVEIRA, apud Oliveira Filho [1962: 127]

1988, p. 45). Para este autor, não haveria um termo mais apropriado senão atrito [grifo meu]

porque reúne conflito e interação continuada (idem, p. 127), abolindo outras concepções como

transmissão, adoção, assimilação ou incorporação, bem como por suplantar a concepção

prévia de que de contato como “algo acidental e instantâneo... [que] pressupunha a condição

de índio como passageira, levando os pesquisadores a não projetar nos fatos observados idéias

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quanto à ‘extinção’ (brusca) ou ao ‘desaparecimento’ (gradual) desses povos” (OLIVEIRA

FILHO, 1988, p. 46).

Tem-se, portanto, a partir de Cardoso de Oliveira (1962), uma categoria que eu

qualificaria de mais resistente, reconhecida pela expressão de sistema interétnico [grifo meu],

composto de dois subsistemas: o tribal e o nacional em posições opostas. Isso afasta “uma

visão negativa de conflito” que é substituída pela idéia de “desajuste temporário”. Cardoso de

Oliveira sugere a idéia de integração social [grifo meu] designando “o processo responsável

pela constituição desse sistema interétnico” (CARDOSO DE OLIVEIRA, apud Oliveira

Filho, 1988, p. 46) que se traduz em três níveis: o econômico, o social e o político. Esses, por

sua vez, adquirem um potencial de integração [grifo meu], categoria acessória à de fricção

interétnica, definida por Cardoso de Oliveira como “o grau de dependência que um grupo tem

de recursos controlados por outro, o que indicaria a sua capacidade de integração no sistema

interétnico” (idem, p. 47). Conclui Oliveira Filho que Cardoso de Oliveira havia estabelecido

uma analogia entre fricção interétnica e luta de classes.

Continuando seu corpo teórico, na mesma obra Oliveira Filho refere-se a Bailey

(1960), trazendo à avaliação teórica as idéias de contato e conflito interétnico, particularmente

uma concepção de aldeia [destaque meu]. Para ele, “aldeia não é um todo em si mesmo. [Mas]

Uma unidade dentro de uma estrutura maior, onde existem lados individuais e

relacionamentos indo muito mais além dos limites da aldeia” (BAILEY, apud Oliveira Filho,

[1960: 267-9] 1988, p. 50). Outra categoria, elemento do ideário de BAILEY é o de arena

[grifo meu]. Esta é concebida como sinônimo de campo ora para indicar setores dentro desse

campo, ora indicando a existência de uma estrutura única de regras que delimitam, segundo

Oliveira Filho, um tipo de competição política (BAILEY, apud Oliveira Filho [1960: 135],

1988, p. 50-1). Dentro dessa arena, para Bailey, ocorreriam o conflito e a contradição. O

primeiro designando aquelas disputas para as quais a estrutura dispõe de mecanismos

corretivos e reguladores e, o segundo, aquelas outras onde não atuam tais mecanismos.

Para Oliveira Filho (1988) três grandes dificuldades podem ser encontradas por quem

adote o quadro conceitual de Cardoso de Oliveira e Bailey, no momento da discussão

etnográfica: 1) O papel fortemente passivo assumido pelas comunidades locais; 2) A

despreocupação com fatores culturais e 3) Encontrar conceitos reais e não ideais. A primeira,

pela condução forçada a que é levado o pesquisador a tomar a população local como meros

atores, ou seja, a interpretarem papéis e não serem reconhecidos como agentes de domínio

próprio; a segunda, a indiferença aos fatos secundários, o sensitivo, as abstrações a que

constituem os fatores culturais; e, terceira, embora levado a procurar o visível, deixe o

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pesquisador de fazer representar fatores reais em conceitos reais, caindo no plano ideológico.

Para Oliveira Filho (1988) o pesquisador em Antropologia deve buscar um,

processo concreto de pesquisa [que se dá] na sobreposição de três elementos: a) um conjunto limitado de atores sociais (indivíduos e grupos); b) ações e comportamentos sociais destes atores; c) um evento ou conjunto de eventos, que referencia a situação social a um dado momento do tempo (GLUCKMAN, apud Oliveira Filho, 1988, p. 55).

Trata-se do que Oliveira Filho chama de démarche construtivista que se pode, segundo

ele, aprender das “relações abstratas e valores grupais a partir da observação de valores

grupais conforme a conduta manifesta” (OLIVEIRA FILHO, 1988, p. 55).

Já para a antropóloga Tereza Caldeira (1989), nos estudos contemporâneos, a

Antropologia vence seus três principais paradigmas: o funcional-estruturalismo britânico, o

culturalismo americano e o estruturalismo francês, com o reconhecimento da força política

que sociedades e culturas desenvolvem e exercem em suas estruturas e sistemas políticos,

sobretudo através da coesão e da autoridade constituída, mais que em seu tempo, apontada

para as formas de dominação e resistência quase sempre manifestas por lutas e conflitos

oriundos da desigualdade entre poderes, ou seja, na “dinâmica das práticas culturais” em

formas e contextos (CALDEIRA, 1989, p. 5), visíveis nos encontros e desencontros entre: as

culturas colonial e nativa [nomes empregados pela autora]; entre sociedades distantes e

estranhas, para aquelas que constituem a própria sociedade e seus desdobramentos (relações

interpessoais e de gênero, e práticas profissionais); entre uma perspectiva sincrônica de poder

com uma compreensão histórica; entre uma Antropologia descritiva e colonial com uma

crítica de sua própria prática.

Confrontando a direção que a Antropologia no Brasil vem tomando desde a segunda

metade do século XX e a primeira década do XXI, com os fundamentos da Antropologia no

sentido mais geral do termo, concluiremos que não ocorre apenas um reconhecimento da força

política presente no interior das sociedades, sobretudo no Brasil. Ocorre sim um

aprofundamento, um exame mais cuidadoso e meticuloso do contato que, por sua vez, vem

conduzindo para uma concentração sobre o conflito interétnico que, segundo meu julgamento,

pode consistir na grande contribuição atual da Antropologia brasileira para a Antropologia

mundial.

Se tomarmos por referência a Antropologia na Região Norte brasileira, não seria

diferente. Desde o tempo dos viajantes que ingressavam via o Pará até as fronteiras norte,

nordeste e noroeste, chegando à Venezuela e à Guiana Inglesa, como foi o caso do

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antropólogo alemão Theodor Koch-Grünberg. Lemos, entre outros, classificaria a obra desses

viajantes como uma Antropologia que se desloca da literatura descritiva para uma

Antropologia na perspectiva despontada por Caldeiras, uma Antropologia da crise

contemporânea.

Quando posicionei o exame e diálogo com o texto de Paulo Santilli intitulado

Pemóngon Patá: território Macuxi, rotas de conflito (2001) posterior aos dois últimos

trabalhos percorridos, isto é, o de Oliveira Filho e Caldeira, foi por uma justificativa que

considero reconhecida: ele percorre, historiograficamente, o período de 1970 e 1990, período

como o próprio nomeia, “o reordenamento jurídico e institucional do país” [SANTILLI, 2001,

p. 9) anteposto pelas décadas de 70 e 80.

Na primeira década [1970], a FUNAI encontrava-se dirigida por oficiais remanejados

dos comandos de tropas do Exército e tinha a incumbência de regular as administrações das

terras indígenas, tendo como princípio régio a segurança nacional, enquanto que na década

seguinte, apesar do reconhecimento do direito à terra aos índios e da criação dos Grupos

Interministeriais de Trabalho, a decisão final ficava para o Ministério Especial de Assuntos

Fundiários, seguida da Secretaria Geral do Conselho de Segurança Nacional e depois pela

Secretaria Geral da Defesa Nacional. Com o primeiro governo civil, na década de 90, a

eleição do Fernando Collor de Mello e as performances praticadas por ele, é gerada uma “boa

Imagem” exterior do País, que somada às pressões internacionais “pró-criação do Parque

Yanomami” e a “demarcação das terras habitadas pelos Kaiapó”, no Brasil, vêem-se pequenos

avanços em torno de uma nascente política de atenção aos povos indígenas, embora ainda

indefinida, conforme apresentação feita por Paulo Santilli.

Neste ínterim, o contexto das relações interétnicas entre os povos da Terra Indígena

Raposa-Serra do Sol já não se concentra em problemas de contato. Pela percepção das

lideranças indígenas locais em face da nova configuração da política nacional, é criado o

Conselho Indígena de Roraima. E decorrente da atuação desta representação e do

enfrentamento conseqüente com a sociedade não indígena, local e nacional, como

competentemente capta e analisa Santilli, não apenas relata sobre essa nova configuração,

como também a analisa, razão pela qual o elejo imprescindível para a percepção e

compreensão do contexto ambiental e social referido.

Os Makuxi [ou Macuxi como grafa Santilli, 2001] habitam um grande espaço

geográfico em que estão situados os povos Pemón e Kapon na circunvizinhança do Monte

Roraima, área entrecortada pelos rios Amazonas, Ezequibo e Orinoco. Makuxi – Pemón –

distinguem-se dos Kapon, seus “vizinhos”, onde juntos, como reconhece Santilli (2001), falam

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mais de cinqüenta línguas. Um Kapón se reconhece Tomba ou Domba que se traduz como

parentes, enquanto que os Pemón, entre estes os Makuxi, se designam Yomba, parente,

semelhante. Ambas se reconhecem descendentes de Macunaíma e Enxikirán, filhos do sol –

Wei – isso no tempo piai datai, cujo “nascimento” ou origem étnica deriva da seguinte

narrativa, recuperada por Santilli:

Macunaíma percebeu entre os dentes de uma cotia, adormecida de boca aberta, grãos de milho e vestígios de frutas, que apenas ela conhecia; saiu, então, a seguir o pequeno animal e deparou com a árvore Wazacá – a árvore da vida – em cujos galhos cresciam todos os tipos de plantas cultivadas e silvestres de que os índios se alimentavam. Macunaíma resolveu então cortar o tronco – piai – da árvore Wazacá, que pendeu para a direção nordeste; nesta direção, portanto, teriam caído todas as plantas comestíveis que se encontram até hoje, significativamente, nas áreas recobertas de mata. Do tronco da árvore Wazacá jorrou uma torrente de água, que causou grande inundação naquele tempo primordial. Segundo o mito, esse toco permanece: é o Monte Roraima, de onde fluem os cursos d’água que banham o território tradicional desses povos. O mito fala assim, da origem do cultivo, que marca a humanidade, bem como de sua diferenciação étnica, expressa também na localização geográfica (SANTILLI, 2001, p. 16 e 17).

Interpreto o referido mito como o encontro mais intenso e tenso entre elementos da

cosmologia Pemón. Primeiro todos os personagens [Makunaíma, cotia, wazacá, índios,

plantas, água, tronco (Monte Roraima) e território] têm papel ativo nos acontecimentos.

Portanto, não constituem apenas componentes de um cenário. E sim, sujeitos em ação.

Vejamos: a) Macunaíma (reino animal e “espiritual”) percebe grãos e vestígios de frutas; b)

cotia (reino animal), conhece a fauna local e foge de Macunaíma; c) wazacá porta a vida

(reino vegetal) e tomba numa direção “certa” [grifo meu]; d) Uma de suas partes – o tronco –

o abastecimento de água (reino mineral), mas que é capaz de provocar inundação e que

também consiste em marco divisor.

Segunda condição – identifico uma ocorrência incomum ao pensamento e classificação

lógico-formal que constato um tanto quanto conflituosa. Por quê? Porque traz atribuições

“ambíguas” – para o modelo de pensamento não indígena local. Assim: a) Um ser humano e

espiritual – Macunaíma entra em relação com os seres da “terra” (a cotia, a árvore, índios...);

b) Da árvore wazacá, que, segundo o conhecimento não-indígena, só se espera de seus galhos

as folhas e os frutos, deles vêm ou derivam plantas cultiváveis e silvestres; c) Macunaíma

reconhece, no item anterior (b), a importância da árvore (reino vegetal) para a sustentação dos

outros reinos (a cotia, os índios, a água); no entanto, a corta. Esse cortar não está designando

assim um ato criminoso (como classificaríamos), mas, sim, a própria desinência de uma

intencionalidade da cotia e da raposa na existência e explicação do mito; d) O tronco, que

antes sustentava e mantinha a vida, cortado, atenta a ela própria por inundação, mas

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inundação esta que gera três rios. Posso indicar, portanto, que o conflito presente nas relações

entre Makuxi e Wapixana bem como entre outras etnias locais, encontra-se em constante

renovação desde a multiplicação de mitos como esse de origem. Some-se a este, aquele já

mencionado anteriormente, e que é ensinado na educação escolar às crianças e jovens, o da

caça à raposa.

Terceira e última condição – troca da relevância subjetiva. No início o “protagonista” é

Macunaíma. Numa fase intermediária, a árvore wazacá; No final, uma parte da árvore – o

tronco – o Monte Roraima.

Se a versão acima analisada confere à mitologia Pemón – estes se dizem sucessores

dos irmãos Macunaima e Enxikiráng [mais tarde traduzido como Insikirán – nome do curso de

formação de professores índios desenvolvido pala Universidade Federal de Roraima], os

Kapón, segundo Santilli (2001), se dizem descender da mulher que Macunaima fez de um

tronco de árvore enquanto os Pemón, que não contestam a origem de uma mulher, divergem

apenas da substância – a rocha argêntea; ou em outra versão Macuxi, mulher feita de barro ou

entre os Taurepangue, de terra (SANTILLI, 2001, pp. 16-7). Quanto às seções de

autodesignação étnica a Nordeste de Roraima, Santilli reconhece uma subclasse que não

traduz o sentido de classe inferior e sim, como se diz matematicamente, um subconjunto.

Santilli registra que não percebeu nenhuma preocupação com o que venha significar a

palavra Macuxi. Falam simplesmente Macuxi quando querem se diferenciar de outros Pemón

e Kapón ou mesmo de seus vizinhos, os Wapixana (idem, p. 19). E nesse momento, ratifica a

afirmação de Eduardo Viveiro de Castro quando diz que as autodesignações “indicam a

posição do sujeito” (VIVEIRO DE CASTRO, apud Santilli, 1996, p. 122). Tal termo –

Macuxi – encontra-se nas fontes historiográficas a partir da metade do século XVIII quando

vem na literatura sobre a ocupação holandesa – pela Guiana. É dessas mesmas fontes, como

prossegue Santilli, que sobrevieram “as hostilidades entre os Macuxi e os Wapixana44 no alto

Rupununi como fator limitante à expansão dos negócios da Companhia das Índias Ocidentais

ao sul do Essequibo” (idem, p. 20). Essa dominância Macuxi encontra-se reconhecida desde

1786 pelo naturalista Rodrigues Ferreira, informação recuperada por Santilli, que também

constata uma reformulação espacial daquelas terras a partir da absorção promovida pelos

Macuxi junto aos Sapará, Wayumará e Purukoto entre outros, e que até se divertem ao imitar

o falar de habitantes das aldeias Olho D’água e Contão (SANTILLI, 2001, pp. 23-4).

44 Sobre essas relações de conflito, e não um estado permanente de conflito, consultar o vídeo etnográfico Em Nome da Terra, produzido pelo Professor Maurício Zoein da Universidade Federal de Roraima. (2000, 15’), VHS [Cópia do trabalho original somente com o professor, que me autorizou um cópia digitalizada para estudo].

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Este ainda relata que no final da década de 80, a distribuição espacial na aldeia

Caracanã, terra habitada por Macuxi, dava-se pela sucessão consangüínea, em casas

espalhadas à margem do platô ao longo dos igarapés Camãe e Caracanã. Conforme descreve,

o próprio Santilli comprovará que, com a intensificação das tensões entre estas parentelas,

parte da população Caracanã desloca-se para “a ponta” [grifo do autor] e assim vê um “clima

de desolação dominante da aldeia” (SANTILLI, 2001, pp. 30-1), cujas razões atribuídas à

fome e doenças, também estaria associada à carência de mão de obra masculina para as tarefas

de produção de alimentos, ocasionando o que o autor chama de “carestia alimentar”, e

posteriormente, uma “crise de fertilidade”. Talvez por isto, eu tenha ouvido de um professor

Makuxi ainda por ocasião da minha primeira incursão em campo, incluindo aí a cidade de Boa

Vista – capital - lugar de onde chegava e partia, uma expressão que classificaria como fora da

etiqueta local, porque eu esperava outras palavras vindas de um professor que me disse: “Não

sei como os Wapixana nos vêem; mas sei que transamos mais do que eles”. Como na segunda

aldeia fundada por Clementino – um índio que deixara a Aldeia Caracanã por problemas de

não saber conviver com opositores, para a “ponta”, teve de lidar com situações intra-aldeias.

Creio que isso ocorreu pela falta de vínculos familiares.

Com a introdução do “Projeto do Gado” – atividade desenvolvida pela intervenção da

Diocese de Roraima, em 1980, e implantado com a aplicação de fundos de origem da Ordem

italiana de Turim, Makuxi e Wapixana voltaram à intensificação das relações interétnicas

conflitantes. Santilli diz que:

a experiência de tais projetos, bem como a sua falência, provocou uma série de conflitos, disputas e acusações de favorecimento indevido entre as diversas lideranças indígenas locais, dando ensejo ao surgimento de um novo tipo de organização indígena, concebida também em seu início pelos missionários, que consistia na formação de “conselhos regionais” [grifo do autor], isto é, instâncias supra-aldeãs, que aglutinariam entre outras etnias, os Makuxi e Wapixana (idem, p. 40).

Pelo exposto e corroborando com a idéia de conflito interétnico no recorte feito – a

aldeia Caracanã – por Santilli (2001), ainda o assentaria nas diretrizes do autor ao indicar um

campo e abordagem de conflito interétnico nos quais “conflitos constituem situação

privilegiada para análise, uma vez que nela afloram e se revelam, com nitidez, os atores

sociais, suas inter-relações políticas e institucionais e interesses divergentes” (SANTILLI,

2001, p. 49). Isso é necessário para se estudar com maior propriedade e profundidade a

Maloca do Barro porque, como foi dito, apesar de as duas escolas terem sido erguidas uma

distante da outra, ambas dialogam e atuam alinhadas. E seus professores se encontram,

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planejam e se articulam a partir do ambiente interno da escola, extrapolando o muro físico e

psicológico, espaços nos quais empreendo uma pesquisa etnográfica a seguir.

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CAPÍTULO 3

A pesquisa de campo

Sob a interpretação de campo de Bourdieu (1982) e de Adams (1975) sobre ambiente,

inicei a pesquisa de campo. Pela premissa do primeiro, me cabia atingir esse universo de

relações objetivas em que a soma das partes (sub-grupos) a que reconheço em indivíduos e

grupos étnicos arrolados, se unem por interdependência, do mesmo modo como Adams

encontrou conexão entre meio ambiente e comportamento dos habitantes das florestas. Foi

nesta simbiose que defini a população alvo da pesquisa a ser iniciada, conforme apresentei no

tópico Ambiência (2.2), aliás uma prerrogativa que Soriano (2004) chamou atenção para uma

abordagem a partir de problemas globais, suas dinâmicas e vínculos internos e externos. Tudo

isto, conforme compreensão de James Clifford (2002), como situações passíveis de

observação, o que para ele implica e pressupõe um contato direto e conversação freqüente

entre pesquisador e pesquisados, podendo incorrer em frustrações recíprocas, segundo a

advertência anteriormente feita por Langness (1969) acerca do desencontro entre

personalidades no ato da pesquisa.

Advirto em tempo sobre as dificuldades encontradas para a realização da pesquisa de

campo. a) Pois não foi uma ou duas vezes quando estive na Maloca do Barro, que em minha

frente, índios falaram em língua Makuxi ou Wapixana, provavelmente pensando que eu não

entendesse; b) Pretendia consultar a fundo as fontes primárias com prioridade. Porém,

restrições financeiras me impediam de abarcar toda a área da TIRSS e seus 16.684 indígenas

da região quase que inviabilizando os objetivos; c) A minha breve permanência na Maloca do

Barro, por ocasião da primeira viagem (maio de 2007), vez que me encontrava em terras

indígenas sem autorização da Fundação Nacional do Índio – FUNAI, o que poderia acarretar

sérios problemas para mim, visto que o requerimento entregue em mãos do administrador

substituto, deveria ser entregue também ao Conselho Indígena de Roraima – CIR, a fim de que

fosse enviado a Brasília para avaliação e permissão. Então, eu teria que esperar esse retorno

[de Brasília] para ingressar no campo; d) A coincidência entre o período da primeira viagem a

campo e o inverno em Roraima, que me impôs restrição ao uso do tempo, fosse na capital ou

na Maloca do Barro; e) O temor e o silêncio tanto de pessoas que atuam com as etnias (da

FUNAI e da Missão Consolata) quanto de índios e índias habitantes da Maloca; f) A sensação

de que estar na Maloca do Barro é sempre um momento que pode ser o único. A qualquer

momento, quem aqui permanece sem ser índio, pode não ficar. Justifico esta certeza pela

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premissa de estar vivendo in loco um conflito numa área indígena que envolve índios contra

índios, índios contra não índios e até não índios contra não índios. Tenho a sensação de estar

em constante perigo.

Os apontamentos feitos em campo vieram de observação direta do espaço e do

cotidiano na Maloca, “captados” geralmente em período diurno enquanto que os registros

foram feitos em espaço reservado sem a presença de outros, nos intervalos das refeições e

antes de dormir. Ao me referir às informações contidas no diário de campo, procuro manter a

textualidade original, como forma de valorizar o “momento”, mantendo a seqüência lógica em

que os fatos foram ocorrendo. Isto levará a disposição dos contatos à medida que

aconteceram, mesmo que possa gerar uma impressão de quebra de raciocínio.

3.1 O percurso até a Maloca do Barro

O percurso aqui descrito refere-se ao trajeto feito por ocasião da primeira viagem de

campo e pretende despertar o leitor para a dinâmica imposta pelo ambiente ao pesquisador,

bem como mostrar as etapas de preparação para a pesquisa de campo, pontuada nos dias e os

acontecimentos que a precederam.

Durante a noite de 13 de maio de 2007, aproveitei para fazer meus primeiros

telefonemas de Boa Vista. Foi assim que falei com o Jonildo, ex-aluno meu do curso de

Ciências Sociais da Universidade Federal de Roraima, que se comprometeu a passar no dia

seguinte na casa em que me encontrava hospedado para fazermos os contatos pessoalmente

com o Conselho Indígena de Roraima – CIR e com a Fundação Nacional do Índio – FUNAI.

Encerrei o dia na residência do casal de amigos professores Éverton e Roseli (geógrafa e

mestre em Ciências da Educação), ela, de grande valor para minha pesquisa, pelo seu

conhecimento da geografia de Roraima e por ser um elo entre meu contigente de pesquisa e

eu, já que é pesquisadora na mesma área indígena.

Somente na tarde do segundo dia (14.05.2007) consegui avançar na empreitada.

Aluguei um carro Gol para ingressar rumo à Reserva Raposa Serra do Sol, adentrando pelo

Norte do Estado, pela BR – 174. Durante todo o dia fez tempo chuvoso, anunciador da

chegada do inverno. Aproveitei a manhã para encaminhar uns detalhes estratégicos da minha

ída à Maloca do Barro e a tarde para realizar uma sondagem acerca da repercursão do tema na

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zona urbana, pelo menos nos ambientes coletivos como pontos de ônibus e as praças do centro

da capital, cujo texto procura manter a fidelidade ao diário de campo.

As chuvas em Roraima são intensas desde o início do inverno45. Enquanto chovia,

fiquei à espreita, aguardando ouvir pelo menos um cochichar sobre o conflito nos lugares

públicos da capital Boa Vista, como praças e estações de ônibus urbano. Mas, nada de

ocorrência sobre o assunto. O que me chamou a atenção foi a presença de caminhões

carregados de cana-de-açúcar rodeando o Palácio do Governo na circunferência do Centro

Cívico. Uma placa anunciava a geração de mais de trinta mil empregos. E me fez pensar como

isto poderia ocorrer e em que lugares. Concluí: não passa mesmo de mais um chamariz para

furtar a atenção da população do que tanto se desdobra, como já ocorrera com a pavimentação

da BR - 174 na década de 80 e a “vocação para o turismo” na década de 90. E em 2007, o

platio em larga escala da cana-de-açúcar e em 2008, a criação de uma Zona de Processamento

de Exportação bem como uma Área de Livre Comércio. Constatava assim que os poderes

públicos sempre encontram um chamariz para desviar a atenção do clima de tensão entre

índios e índios, e índios com não índios. No dia seguinte, os caminhões que traziam as

primeiras mudas de cana-de-açúcar não estavam mais estacionados ao redor do Palácio do

Governo “Senador Hélio Campos”.

No dia 15 de maio choveu a manhã inteira. Fiquei sem poder avançar. Em Boa Vista

quando chove, as ruas ficam alagadas porque, sendo uma cidade predominantemente erguida

sobre uma planície, quase não há para onde as águas correrem. Então, deduzi que a estrada de

barro que liga a BR-174, estrada asfáltica que conduz à Maloca do Surumu e que atravessa a

Reserva Indígena de São Marcos, poderia estar comprometida por alagamento. Assim, não

viajei conforme o determinado. Fiquei esperando a previsão do tempo no jornal local

transmitido pelo canal da Rede Globo. Para meu espanto, no dia 16 teríamos chuva. Apesar da

previsão, comecei a me preparar para a viagem na manhã seguinte.

Em 16 de maio o dia amanheceu com um tempo semi-fechado. A caminho, tive o

cuidado de averiguar as indicações das placas de informação dispostas em toda a extensão da

estrada, sempre fotografando aquelas que julgávamos importante.

Durante o trajeto, podia-se ver a infra-estrutura montada para dar suporte ao

beneficiamento de arroz produzido na área em estudo:

45 Peço desculpas para registrar esse aspecto do início do inverno em Roraima com a intenção de esclarecer que pelas características do solo em que se encontra a Maloca do Barro, qualquer atividade deve considerar o tempo no sentido amplo e restrito em seu planejamento.

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FIGURA 6: Silos de armazenamento e estrutura de beneficiamento de grãos de arroz – lado direito da BR – 174 no trecho Boa Vista – RR – Brasil e Santa Helena, na Venezuela.

Então, às nove horas chegamos à entrada da Maloca do Barro (antiga Vila ou Missão

Surumu). Adentrando a localidade, atravessamos a ponte sobre o Rio Surumu. Tínhamos

alcançado o acesso principal de lá e a placa identificava a localidade.

FIGURA 7: Entroncamento entre a BR – 174 e a entrada para a Vila do Barro, no município de Pacaraima – RR.

Alcançamos a Maloca do Barro já por volta das 10h da manhã. E na entrada,

podíamos ver a Escola Estadual Padre José de Anchieta, bem ao centro da comunidade com

sua quadra de esporte coberta, em que alunos jogavam futebol. Havia também a sede da

empresa de comunicação local. Várias crianças, umas com fardamento escolar e outras não,

sozinhas ou conduzidas por adultos ou por outras crianças que deduzi serem irmãos e irmãs

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mais “velhos”, transitando pela via de acesso “urbano”, sempre sorrindo. Passamos em frente

à sede da companhia de energia elétrica e o Centro de Atendimento ao Consumidor, conforme

letras bem pintadas de azul escuro em sua parede azul claro.

Dobramos à direita e seguimos em frente, até alcançarmos uma bifurcação que nos

levaria por uma de suas vias, ao que foi antes, a sede da missão católica. Foi quando me

aproximei de lá que constatei a infra-estrutura antiga e a nova. Os prédios antigos, parte

depredada pelo tempo e parte destruída pela ação humana. Não imaginava que viessem a ser

as evidências vistas apenas nas fotos dispostas no Jornal Folha de Boa Vista.

Chamou-me a atenção o fato de que, apesar da demarcação ser algo irrevogável,

havia até o momento, uma placa indicando a fazenda do Arroz Acostumado, bem como as

distâncias deste ponto aos demais: a Maloca de Marapá; a Maloca do Contão; a sede do

Município de Uiramutã e a maloca de Livramento.

FIGURA 8: Placa identificadora da entrada para a Vila do Barro onde destaco a inscrição da logomarca do Arroz Acostumado.

Ao nos aproximarmos do alojamento, fui informado por minha acompanhante a

Professora Roseli Bernardo dos Santos, sobre quem estava lá. Era a professora Anilza Leoni,

minha ex-aluna do Projeto Caimbé, de formação de professores.

3.2 A Maloca do Barro

A Maloca do Barro, hoje, apresenta a seguinte formação espacial:

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FIGURA 9: Vista aérea ampliada da Maloca do Barro46. Foto Divulgação (FOLHA DE BOA VISTA, 17.04.2008).

Sua organização espacial encontra-se duplamente dividida: a primeira, que se inicia

logo após a ponte sobre o Rio Surumu, reconhecida nos mapas políticos e geográficos, sob o

nome de Vila Surumu, alcunha atribuída pelos Missionários Beneditinos, cujo desenho é

semelhante à noção geral que se faz de uma vila: casas de alvenaria predominantemente

coberta de telhas de barro agrupadas em lotes; áreas reservadas para uso público onde podem

ser encontrados: a escola Pe. José de Anchieta, uma quadra de esportes (vide Anexo ) coberta

com telhas de zinco, o Centro Comunitário que fica ao lado da casa do Coordenador Geral da

Maloca, o Posto de Saúde, a Subprefeitura, o templo da Igreja Evangélica Assembléia de

Deus, o escritório da Companhia de Águas e Esgotos do Estado de Roraima, um posto

telefônico fechado (desativado), um centro de atendimento ao consumidor, além de dois bares

que também vendem cereais.

A segunda parte que está incluída dentro da área da Maloca do Barro é aquela onde

ficava a sede da Missão Consolata, onde atualmente é o Centro de Formação e Cultura

Indígena Raposa-Serra do Sol. O acesso à sede da Missão se dá por uma pequena estrada de

quase dois quilômetros que, em sua prorrogação, conduz à Fazenda Depósito, “propriedade”

onde se cultiva arroz e que seria mais tarde palco para o maior dos enfrentamentos entre os

46 Disponível em: http://www.folhabv.com.br/noticia.php?editoria=politica&Id=38660. Acessado em: 18 de abril de 2008. A mesma imagem está contida no segundo capítulo deste trabalho à página 72 em miniatura.

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grupos de índios e não índios, favoráveis e desfavoráveis à desintrusão47. É nessa mesma

estrada, antes de alcançar a sede da Missão, que podem ser encontradas: a sede da Companhia

de Energia Elétrica de Roraima, a antiga torre de retransmissão de TV (desativada), bem como

algumas casas de alvenaria.

Pode-se entrar à sede da Missão passando primeiro por uma pequena “cancela”. Ao

Passar por ela, se chega às pequenas malocas de contorno circular sem paredes nem divisórias,

apenas cobertas por palha de Buriti, uma palmeira abundante na região. Seguindo, se alcança a

referida sede que tem duas entradas principais com portões de ferro. A primeira entrada dá

acesso ao posto de saúde da FUNAI e ao antigo hospital da Missão e o dormitório feminino do

Centro de Formação e Cultura Indígena da Raposa-Serra do Sol. A segunda, que leva à sede

administrativa da Missão onde fica um dormitório para os visitantes, que também abriga a

família do Tuxaua Anselmo que ficou sem ter onde morar por ocasião da ação incendiária e a

construção da Igreja Católica (completamente destruída). Interpreto o ataque ao templo como

um ato simbólico, como dizem os opositores do modelo demarcatório contínuo, “a igreja

católica é o ‘útero’ da discórdia, da segregação e divisão entre os índios”. É neste mesmo

espaço da antiga Missão que fica o dormitório masculino do Centro de Formação e suas

dependências (ambientes dos projetos, campo de futebol, salas de aula, biblioteca, oficinas,

refeitório e cozinha), acessíveis pelo segundo portão. Por trás de toda a área do Centro de

Formação encontra-se o Rio Sururu.

Sobre a origem do nome Maloca do Barro, ouvi uma explicação feita por um senhor

por ocasião da primeira viagem à Maloca. Ele estava em uma “venda” próxima à saída para a

rodovia estadual à beira do Rio Surumu, próxima a ponte, um senhor, a meu ver índio, cujo

nome mantenho em reserva, que se encontrava no balcão. Apresentamo-nos. Conversei com

ele sobre a Maloca. Ele não se referiu ao nome maloca e sim à comunidade cujo nome passou

a substituir o antigo, Vila Surumu. Ele logo foi justificando que a troca ocorreu porque antes

da chagada dos não índios, lá era chamado de Maloca do Barro e que agora [acho que queria

se referir à demarcação da Terra Indígena] voltaria a ser chamado de Maloca do Barro.

A “arena” principal, a Maloca do Barro, apresenta as seguintes características quanto

aos aspectos: organização espacial e social, atividade econômica, cotidiano, habitação e

alimentação.

47 Nome dado ao processo de retirada das pessoas consideradas não índias da Terra Indígena Raposa Serra do Sol.

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A comunidade está disposta em três vias principais paralelas e seis transversais,

distribuídas em quadras, como se pode ver na página 72 deste trabalho. Dispõe de rede elétrica

e hidráulica mantidas por um grupo gerador diesel da Companhia de Energia de Roraima –

CER, apesar de passar por perto, à altura do entroncamento entre a estrada federal BR-174 e a

estadual RR-202, o Linhão de Guri, rede elétrica que abastece a capital Boa Vista e os

municipios de Cantá, Mucajaí e Alto Alegre. Há iluminação nos postes, quase sempre

lâmpadas apagadas. Sempre ocorrem quedas de energia, o que me foi justicado pelo

responsável do grupo gerador, por “causas inexplicáveis” e em determinados horários, a rede é

desligada em racionalização do diesel, o que explica a falta de energia nos dois postos de

saúde. A rede hidráulica chega à maioria das residências por tubulação interna que as abastece

em determinados dias e horas, de água retirada de poço artesiano, o que a cerca de 10 anos

atrás, segundo me informou o responsável pelo acionamento do motor, ainda vinha do próprio

Rio Surumu.

As residências já diferem bastante da descrição apresentada por Coudreau, em 1987,

citado por Cirino (2000), de serem em formato de cunha, oval e raramente retangular bem

como por Santilli (2001) de “pequenas casas que abrigam famílias nucleares” (SANTILLI,

2001, p. 29) acompanhando o curso dos rios. A grande maioria que presenciei é retangular,

com uma porta e janela na varanda. No geral, as casas estão cobertas por telhas de barro ou

por telhas industrializadas (amianto). As varandas – termo empregado no lugar – quando não

são em igual cobertura do mesmo tipo de telha da casa, são cobertas de palha de Buriti,

palmeira abundante às margens dos rios e igarapés de todo o Estado, com inclinação para

frente.

As casas e demais prédios “públicos” (vice-prefeitura, central de energia, central de

águas, central de telefone, postos de saúde e escolas) são pintadas e as calçadas, enquanto vias

de acesso48, feitas de “barro batido”, das quais a poeira se solta com facilidade no verão e

poças de água se formam no inverno. Há cercas de varas e arames que separam umas das

outras, embora haja alguns casos em que isto não ocorra, nem mesmo para formar o quintal.

Adentrando essas construções de alvenaria ou de madeira, pode-se encontrar na grande

maioria, uma distribuição de cômodos em: uma sala com uma mesa, cadeiras de madeira ou

de ferro, uma televisão49 ou rádio; um quarto com cama ou pontos de armadores de rede que

48 Não são chamadas de ruas porque não têm nomes, embora mantenham as mesmas características daquelas. 49 Nas residências que dispõem de televisão, pode-se notar a presença de antenas parabólicas o que explico pela ausência de sinal público, apesar de haver uma torre que há cerca de 10 anos atrás, transmitia o sinal da TV RORAIMA, retransmissora da Rede Globo de Televisão.

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também foram vistos na sala e em muitos outros casos, na varanda, com um móvel para

guardar utensílios de uso pessoal. Espelhos foram notados em paredes. Na cozinha, uma

geladeira (em poucas casas) e um fogão (quando não a lenha, a gás). No entanto, a grande

maioria das famílias cozinha fora de casa, no espaço posterior da casa, o quintal. No quintal

também registrei algumas plantações de tomate, pimentão e fartamente, a pimenta (didia em

Wapixana), bastante utilizada na preparação da “damurida”, uma comida à base de caça e

pimenta, que se come com farinha grossa. As residências possuem teto baixo, o que favorece

ao aumento da sensação de calor no verão e do frio nas madrugas de inverno. Ao indagar um

dos moradores como ficava a iluminação das casas quando faltava energia à noite, as pessoas

com quem conversei, por exemplo, na sala de espera do Posto de Saúde, ao lado da sede da

distribuidora de águas, me informaram que acendiam velas e espalhavam pelos vãos. Não

percebi a existência de nenhum outro objeto como quadros de fotos, pinturas... nas paredes.

Em todos os cômodos, quase sempre separados por paredes a meia altura em relação as que

sustentam o telhado, notei pontos de luz elétrica. À frente das residências, muitos

caimbezeiros e cajueiros. Há apenas um aparelho de telefone público (orelhão) que fica ao

lado esquerdo de quem entra para a “vila”, à frente da casa onde ocorrem as assembléias e

reuniões da comunidade. Há um fraco sinal de telefone celular da empresa VIVO, mas que só

pode ser captado quando o usuário vai até o final da primeira fileira de casas e sobe em um

pequeno monte, porque a antena encontra-se localizada no Município de Pacaraima.

Há comércios na Maloca. São três instalados em pequenos espaços, geralmente anexos

às residências de seus proprietários. Vendem desde suprimentos alimentícios (feijão, arroz,

açúcar, macarrão, temperos...), bombons, refrigerantes, sabonetes, sabões, produtos para

limpeza doméstica, cremes dentais, escovas dentais e de cabelo, cigarros, cartões telefônicos,

pilhas e artigos para o campo como cordas, venenos para formiga e botijas de gás de cozinha.

Não há pontos de venda fracionada de combustível, pois a sede do município de Pacaraima no

Brasil, fica a menos de uma hora de automóvel e, quem os possui, sempre tem algum depósito

suplementar em casa. Até o fim da permanência em campo (novembro de 2007) apenas um

vendia bebida alcoólica, pertencente a um proprietário não indígena. O espaço, também

utilizado como ponto de ônibus, permanecia fechado até que alguém interessado em consumir

cerveja pedisse à vizinha para abrir o bar. Deduzi que a manutenção e provisão do “quiosque”

[termo empregado por um usuário que assim se referiu ao bar enquanto eu esperava pelo

ônibus que me levaria para Boa Vista no fim da segunda estada em campo], eram feitos pela

moradora do lado, uma vez que ela só abria o comércio quando alguém a chamava pela janela

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da casa dela, provavelmente, por temer alguma represália pelo descumprimento da ordem da

comunidade.

O transporte de passageiros é diário. Há Vãs que pela manhã vêm de Boa Vista

retornando à tarde e uma empresa de ônibus que mantém um veículo que em um dia sai da

capital às 7 horas da manhã pela BR-174 entrando na RR-202, cruzando dentro da Maloca do

Barro por volta por volta das 12hs, e alcançando o destino – o município de Uiramutã às 19hs.

Essa viagem é intercala: um dia o ônibus “sobe” e no outro dia, ele “desce” [expressões

empregadas pelo motorista para explicar a periodicidade]. Tomei o ônibus para retornar à

capital. Um transporte “caindo aos pedaços” ou “uma lata velha”, nas palavras de dois

usuários que me informaram ser utilizado por garimpeiros ilegais e contrabandistas de artigos

diversos adquiridos na Guiana Inglesa. Muitos possuem motos e biciplitas.

Como todas as etnias se atualizam aos contextos sociais, políticos, econômicos e

culturais, a Makuxi e Wapixana habitantes da Maloca do Barro, elaboram uma organização

social que responderá aos desafios surgidos no passado e no presente. Apoio-me para este

olhar na compreensão e enfoque de organização social elaborados por Firth (1998) que, em

1936 publicou seu estudo “Nós, os Tikopia”, da sua viagem à Polinésia, precisamente às ilhas

Salomão. Para estudar o parentesco Tikopia, ele considerou a interseção do contato entre estes

e o “mundo dos brancos”, realidade distinta a que ele encontrou primeiramente em 1952 ao

que ele chamou de povos seminus e que em 1966 deparou-se com o que Marcos Lana – aquele

que prefaciou o livro – denominou de realidade transformacional considerando a presença

marcante de membros da Igreja Anglicana nas Ilhas Salomão. Concluiu que, apesar de todo o

estabelecimento de um sistema de parentesco novo, “não obstante, ainda continuam a ser

assertivamente Tikopia” (FIRTH, 1998, p. 740), o que compreendo como um caso similar

deste com a relação interétnica entre Makuxi e Wapixana sob o contexto de demarcação e

homologação da TIRSS. Para tal empreendimento, Firth inaugura um outro caminho de

apresentação dos Tikopia diferindo de Os Argonautas do Pacífico Ocidental de Malinowski.

Neste ínterim, explicita primeiro como foi a sua inserção no cenário e não uma doutrinação

para o leitor de como fazer uma observação participante, como se empenhou Malinowski em

Os Argonautas.

Assim, Firth na referida obra, prossegue sua monografia adentrando numa fase que ele

considera indispensável: a contextualização histórica e geográfica associada a uma descrição

da vida na aldeia o que faz nos capítulos 2 e 3, para só então intensificar o estudo do

parentesco Tikopia nos capítulos 4 a 9 e culminar na organização social nos capítulos 10 a 12.

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A grande consideração que ele faz para os estudos do parentesco polinésio é a percepção do

fator “casa” (paito), espaço em que vários núcleos familiares se encontram a partir de um

ancestral masculino que ditará o acesso à terra considerada um bem e espaço físico para os

clãs, organismos a desenvolverem cooperação econômica e sócia, política e religiosa. Baseado

nesse princípio que associo à atitude de Wapixana e Makuxi em requerem não apenas o direito

à permanência na TIRSS, mas também o de reconhecimento de pertencer a esta ou aquela

etnia, junto a instância legal.

A sociedade local tem sua forma de organização e está composta de índios [maioria] e

não índios (brancos e negros) [minoria]. Vestem-se como pessoas da sociedade envolvente:

camisas de malha, calças ou bermudas em tecido de algodão ou sintético, lisas ou com

estampas. Algumas delas têm aparelhos de telefone celular que recebem sinal da operadora

VIVO que chega à localidade apenas nos pontos mais altos, impondo aos seus poucos usuários

a necessidade de deslocamento, a fim de executar uma chamada. Esses aparelhos são afixados

às bermudas e calças, podendo ser guardados também nas bolsas das mulheres (feitas em

couro ou tecido industrializado, comprados no comércio de Pacaraima, no Brasil, ou em Santa

Helena do Uairém, na Venezuela). As mulheres possuem cabelos lisos, bem penteados e

brilhantes, sem presença de maquiagem facial. Estas, em participação nas reuniões

comunitárias, ficam em lugares separados dos homens como representei no croqui n° 3

(página 140). Durante os momentos em que permaneci no centro da Maloca, percebi muitas

mulheres, provavelmente mães ou irmãs mais velhas, observando as brincadeiras das crianças,

talvez para saber se estavam bem. Associo isto à preocupação com os acontecimentos

anteriores e às expectativas de haver alguma visita inesperada de “pessoas nocivas à

comunidade”, como o dizer pintado na placa fincada na entrada da Maloca, informando a

proibição delas.

O uso dessas tecnologias em nada descaracteriza a cultura. A prática de rituais festivos

e religiosos ainda é visível por ocasiões especiais: recepção de pessoas queridas e esperadas

pela comunidade quando dançam a Parichara; missas e cultos com cantos em língua Makuxi e

Wapixana; pais e filhos mantêm o respeito no relacionamento intrafamiliar. A tecnologia na

comunicação tornou-se um grande benefício social. Apesar de haver o uso do rádio-

transmissor nos postos de saúde, muitas vezes o celular é usado para contactar com órgãos de

locomoção ou com parentes que se encontrem internados ou ainda em casos de emergência

quando, por exemplo, na ocasião em que houve ataque de pessoas mascaradas a índios que

ocupavam a fazenda.

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São os homens que realizam as reuniões comunitárias e são eles, quando em algumas

exceções, que recebem as pessoas quando estas chegam às suas casas. Mulheres participam

dando seus depoimentos, mas não presenciei alguma fazendo comentários, mesmo de uma

com outra como percebi entre os homens. Quando saem para executar alguma tarefa de

interesse individual (falar com alguém, ir à escola do filho a convite de um professor ou

professora ou ainda para buscá-lo) ou coletivo (plantar um roçado de mandioca ou de milho

ou colher algum alimento que implique força física como a mandioca, por exemplo, ou o

milho), os homens estão mais ausentes das vias do que em relação às mulheres, cujas

descrições assemelham-se àquelas mencionadas por Coudreau, Gillen (1963), Brett (1868),

Farabee (1918), Koch-Grünberg e D. Bonaventure Barbier (1911).

Analisando relações familiares e comunitárias, percebo uma possível hierarquia

política que, penso, pode ser representada no diagrama abaixo:

Essa hierarquia, no meu entendimento, extrapola o padrão: algo que vem “de cima para

baixo”. O que captei na observação foi uma estrutura de poder que parte do meio para os lados

e somente destes para fora da comunidade onde, aí sim, engaja-se nas estruturas

verticalizadas. O maior fórum de decisão é a Reunião da Comunidade que não tem tempo

certo para acontecer. Pode ser sempre que se ache necessário. Ela pode ser convocada por

qualquer um dos representantes, mas aguarda o consentimento do Tuxaua que marca dia e

horário. Esses representantes são escolhidos por disponibilidade de nome a quem for do

interesse, se propõe e espera a aprovação do respectivo grupo, que por seu turno, terá o

Reunião da

Comunidade

Tuxaua

Coordenador de

Área

Grande Assembléia

dos Tuxauas

Coordenador de

Projetos

Conselho Indígena de

Roraima

Representação dos Professores

Representação das Mulheres

Sociedadeenvolvente

Comunidade

Figura 10: Fluxogra-ma da dinâmica política na Maloca do Barro

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reconhecimento da Grande Assembléia, geralmente para um período de dois anos que pode

ser prorrogado ou antecipado, de acordo com o “parecer” da Grande Assembléia. A pauta é

livre e aberta a qualquer pessoa da comunidade, e em alguns casos, convidados de fora. Está

representada aqui em quadro maior querendo expressar a dimensão dos poderes atribuídos a

ela. Seguindo pelo mesmo critério, considera-se o Tuxaua que tem a representatividade da

Comunidade na Grande Assembléia dos Tuxauas e por extensão, a atribuição de

responsabilidades ao Conselho Indígena de Roraima, composto por uma Presidência, uma

Vice-presidência, uma Secretaria, uma Tesouraria e um coordenador para cada distrito, cuja

Presidência adquire a representatividade de falar e se posicionar em nome dos seus “irmãos” e

“parentes”. O Tuxaua também pode atribuir funções específicas temporárias a qualquer um

dos Coordenadores a fim de providenciar uma solução para um determinado problema.

Duas Coordenações são reconhecidas em valor pela defesa de interesses coletivos: a

das mulheres e dos professores. Na esfera exterior da Maloca do Barro, essas duas

coordenações existem na forma de Organização: a Organização dos Professores Indígenas de

Roraima – OPIR e Organização das Mulheres Indígenas de Roraima – OMIR. Estudando de

onde teria se originado o modelo, fiquei sabendo que primeiramente surgiu nas malocas e só

depois foi criada uma representação eleita entre os coordenadores das malocas. Esses

Coordenadores com assento na Reunião da Comunidade não são apenas uma voz a representar

suas coletividades. São pessoas que igualmente têm uma participação ativa no cotidiano da

comunidade, sendo responsáveis por suas tarefas e incumbências.

Para dar uma amostra dessa dinâmica, apresento abaixo uma transcrição feita do diário

de campo em que se pode notar, também, a pauta da Reunião em que estive presente.

“Então, segui a pé até a sede da Maloca [sempre quando me refiro ao ‘centro da

Maloca’ entendo que não se trata apenas de um ponto geográfico de referência. Ali, naquele

pequeno tipiri, sob duas árvores e um pequeno alpendre, pulsa a vida e a energia da Terra

Indígena Raposa/Serra do Sol], conforme a seguinte representação rabiscada no diário de

campo”.

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“Entrei com o Tuxaua que fez minha recepção. Sentei no último banco e fiquei a

observar e ouvir. Nada mais. O Coordenador Geral ia chamando aqueles que pediam para

falar e, assim, davam o que o próprio chamava de depoimento. Em vestimenta e oralidade,

todos tinham simplicidade [numa nomenclatura de valor, chamaria também de humildade]. Vi

bem ali, o que é tomar decisões e ter vez e voz como é dito no discurso popular”.

“Não anotei textualmente as falas ali expostas. Queria minimizar as interferências

causadas pela minha presença, ao contrário do que eu fiz à vista dos alunos, quando me

posicionei atrás, efetuando minhas anotações no fundo da sala. Fui ouvindo as falas dos

presentes, aonde o primeiro foi o Prof. S. – que depois saberia ser o Diretor da Escola

Estadual Pe. José de Anchieta, espaço que em abril de 2008 seria sede para a Operação

Upatacon, Nossa Terra, em língua Makuxi [comentário feito pós-pesquisa enquanto digitava

este Diário]”.

Para visualização do espaço onde ocorria a reunião da comunidade, apresento o

rascunho na página seguinte:

Croqui 2: Centro Comunitário. Legenda: T – Tuxaua, C.G – Coordenador Geral, S – Secretária (Diário de Campo, 27/11/2007, v. p., 8). Sob o círculo vermelho, a

representação de minha pessoa.

Croqui 1: Perspectiva da posição do Centro Comunitário aqui destacado sob o círculo em vermelho quanto ao trajeto que eu percorria em contraponto ao Centro de Formação (Diário de Campo, 27/11/2007, p. 8).

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O que pude sintetizar do conteúdo das falas, assim disponho:

Pouca participação e empenho do Tuxaua Anselmo;

Pouca participação da comunidade em apoiar o Tuxaua Anselmo;

Carência de recursos para ‘tocar’ [termo emprego pela pessoa que

falava] os projetos da comunidade;

A reabertura do garimpo pelos próprios indígenas;

A abertura de uma cantina de venda de produtos para a comunidade;

Alcoolismo juvenil e a expulsão de proprietários de bares;

A expulsão de quem consumir bebidas alcoólicas;

O empenho do Centro de Formação;

A participação dos alunos da Maloca Barro nas turmas do Centro de

Formação;

A sucessão dos Tuxauas” (Diário de Campo, 27/11/2007, v. p. 8 e p. 9).

“Comentei com o Professor L. sobre minha percepção da distinção espacial entre

‘autoridades’ [grifo meu] e alunos: ‘entendo que não é apenas uma questão de facilitar a

recepção ou o serviço aos visitantes, mas uma forma de fortalecimento e confirmação de uma

hierarquia que o Centro de Formação reproduz a partir de uma estrutura social’. L.,

caminhando ao meu lado em direção à cozinha, em voz e gesto, confirmou minha opinião.

Assim, concluíra que ali se aplicava uma hierarquia social. O mesmo ainda acrescentou que ‘é

apenas uma tradição local e que igualmente ocorre nos encontros festivos e assembléias

indígenas, onde os visitantes ficam de um lado e os integrantes indígenas, de outro’ [palavras

de professor]”.

De fato, me chamou a atenção essa questão da hierarquia que me era forçada

sutilmente, apesar de minha resistência interior. Como em campo não havia forma de buscar

elementos para uma análise comparada, só assim busquei ao retornar a academia, uma vez que

por ocasião da apresentação das conclusões preliminares que fiz no auditório da Universidade

Estadual de Roraima, isto também tinha despertado interesse de aprofundamento por parte dos

colegas professores (Diário de Campo, 27/11/2007, v. p. 9).

Os apontamentos acima foram copiados a partir das anotações feitas em quadro de giz

que se encontrava posicionado por trás da mesa onde a diretoria do conselho comunitário

sentava. Como se pode perceber, logo no início da reunião foi discutida a “qualidade” da

atuação do Tuxaua. Em seguida, alguém o advoga, justificando que “na hora de cobrar, todo

mundo cobra, mas na hora de cooperar, quase ninguém aparece”. Durante toda a discussão, o

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Tuxaua permaneceu calado, deixando para os presentes o seu “destino” [destaque meu]. Os

demais tópicos da reunião, como se vê, tratam de problemas que esperam por solução ou

encaminhamento.

“No meio da apresentação do Tuxaua, ele convidou para que me apresentasse à

comunidade. As informações sobre minha pessoa e a finalidade de minha presença na Maloca

foram ditas pelo Tuxaua A. e restou uma menor porção de aspectos para eu falar. Assim,

passando a palavra para mim, repeti meu nome, disse de meus propósitos e informei que

pretendia passar pelo menos duas semanas no Barro, no Centro de Formação. Agradeci pelo

espaço cedido ali e voltei ao meu lugar, permanecendo calado até o final da reunião.

Identifiquei que dentro da estrutura política da comunidade, havia uma hierarquia de

gênero e etária50. Claro que eu tinha percebido naquela ocasião, que homens e mulheres

encontravam-se sentados em lugares distintos: à esquerda, os homens. No banco da frente, os

mais velhos; nos de trás, os mais jovens. À direita, as mulheres, igualmente dispostas aos

homens. Também percebi que só Makuxi falava. E dentro de mim indagava: ‘e as demais

etnias inclusas na comunidade? Por que não se expressam?’ Muitos que estavam calados,

saíram calados, exceto pelos risos que a maioria dava quando um ou outro falava.

A produção a que tive acesso de saber consiste no cultivo de feijão, pequenas

plantações de arroz feitas por técnica mecanizada, principalmente com a chegada de um trator

com carroça doado pelo então Governa do Estado de Roraima e a aquisição de motores

hidráulicos para irrigação. Ao feijão e arroz também são incluídos o jerimum, carnes de peixe,

caças e de galinhas criadas soltas e ovos. Há um caminhão de porte médio que serve para

escoar o excedente de farinha, feijão e arroz para serem vendidos em Pacaraima e Boa Vista,

também empregado no transporte de pessoas. São esses alimentos que compõem a dieta das

famílias na Maloca do Barro. A pesca e a caça são atributos dos homens, enquanto as

mulheres ficam para o trabalho com artesanato. Segundo Cirino (2000), há casos de jovens

que trabalham em Boa Vista como fonte de renda. São homens também os encarregados da

confecção, compra e posse de armas como arco e flecha, para uso próprio ou para serem

exportadas e assim garantir a aquisição de produtos não cultiváveis pela compra por dinheiro.

O uso do dinheiro é predominante na aquisição de produtos na cantina. Mas sabe-se que entre

pessoas de um mesmo grupo comunitário pode haver troca de uma mercadoria por outra.

50 Não aprofundo o aspecto por demandar grande discussão teórica, mas recomendo a realização de uma pesquisa sofre este foco.

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Quando visitei duas roças (mandioca e feijão) e um pomar na comunidade, na

companhia de um dos alunos do Quarto Ano do Centro de Formação, fui informado de que

cada “cultura” [termo empregado pelo aluno] é plantada em terrenos separados, em fileiras

com uma distância média de um passo de uma “cova” para outra. Quando perguntei se ele

sabia como era feito no passado, se era de seu conhecimento sobre a época antes do encontro

com “os brancos”, ele me disse que não tinha certeza, mas que ouviu falar de que o plantio era

“misturado” [palavra do aluno]. E com o crescimento das comunidades, foi necessário dividir

as culturas. O pomar, segundo o aluno, é uma idéia nova que chegou com a presença da

Missão. Observando o pomar e ouvindo atentamente as explicações do aluno, concluí que a

inclusão de banana, laranja, caju, limão, melancia (em pequenas quantidades) foi uma forma

encontrada para fortalecer a dieta, principalmente das mulheres e crianças, a fim de evitar

quadros de desnutrição. O pomar, amplo e extenso, também é irrigado com água do Rio

Surumu.

O cotidiano é diferente para homens, mulheres, crianças, jovens e adultos. Percebi que

todos acordam e dormem cedo e que, mesmo em festas, são contidos na bebida. Há um

esforço das lideranças locais em retirar todos aqueles, índios e não índios, que vendam

bebidas dentro da Maloca. Homens (casados) ficam responsáveis pela comercialização do

excedente da farinha e da pimenta, e quando há, também o milho. A venda do excedente é

feita diretamente a armazéns na capital e muitas vezes, como foi anteriormente confirmada

por Lemos (1998) para outros comerciantes de Manaus - AM. A renda, segundo informações

captadas na reunião comunitária que assisti, é dividida entre aqueles e aquelas que estiveram

responsáveis por aquela safra. Se a preparação das roças e a semeadura são feitas pelos

homens (casados e solteiros, estes últimos acompanhantes de seus pais), as mulheres ficam

responsáveis pelo cuidado com a plantação até o tempo da colheita, quando ambos se unem

para a retirada dos víveres. Antes da remoção do excedente, é feita uma distribuição eqüitativa

dos gêneros lá cultivados, de acordo com o “número de bocas”, isto é, pela quantidade de

pessoas constituintes das famílias.

Há muita celebração na comunidade, marco da sociabilidade na Maloca do Barro.

Tudo pode ser um motivo para festas: a chegada de alguém que se espera (visitante ou

autoridade), um aniversário, uma data específica como o Dia do Índio. Há uma em especial

que começa desde o planejamento. Esta eu acompanhei por ocasião de minha segunda viagem

de campo, em novembro de 2007. Foi uma das pautas da reunião comunitária: a 37ª

Assembléia Geral dos Tuxauas. Estava em definição se a próxima ocorreria ou não na Maloca

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do Barro. Após opiniões contra e a favor, ficou certo de que seria na Maloca do Barro de 6 a

10 de março de 2008, na Maloca do Barro sob o tema “Organizados, Unidos e Fortalecidos”.

A expectativa era reunir uma média aproximada de 1.100 indígenas da Raposa Serra do Sol

para discutir o processo de desintrusão. Na oportunidade, já foi acertado que contribuição cada

comunidade traria, respeitando a produtividade local, bem como a primeira versão da

programação e quem teria o direito de participar.

A referida programação começaria com a recepção dos participantes na tarde do dia 6

de março. A acolhida feita pelos homens consistiria na recepção e distribuição desses nos

pontos de acomodação: a escola Pe. José de Anchieta e o Centro de Formação. Na ocasião, a

dança Parixara seria realizada. Segundo a Mestra em Antropologia pela Universidade Estadual

de Campinas – SP, Giovana Acácia Tempesta, é uma dança “cujos movimentos imitam

pássaros e outros animais, sendo acompanhados de cantos em Makuxi” (TEMPESTA, 2004,

p. 23). Então, segundo a programação, seriam iniciadas as falas dos líderes Tuxauas,

Coordenadores locais e Presidentes das Organizações Indígenas para debaterem a desintrusão

(por que, como e quando acontecer). Ao final do último dia, a participação de convidados

seria permitida e feita a redação de um documento em forma de carta, contendo os

encaminhamentos.

Considerando que celebrar datas comemorativas é uma prática comum nas

comunidades da Terra Indígena Raposa-Serra do Sol, como afirma Tempesta (2004), um

detalhe me chama atenção: a dança como um presente de boas vindas. Em campo não tinha

como aprofundar nesta compreensão. Chegando a Natal, em meados de dezembro de 2007,

busquei elementos teóricos acerca da hierarquia nas sociedades indígenas. Foi quando então

encontrei duas referências: Vilas Boas (1992) e Navarro (1998). Não era uma preocupação

minha encontrar boas acomodações na Maloca do Barro. Ainda mais porque sabia que a

comunidade passava por um momento crítico, a desintrusão. Mas a literatura me mostrava que

a preocupação com o bem estar do visitante é mais de quem o recebe em “tribos indígenas”

[categoria empregada pelos Autores].

Vilas Boas e Navarro se referem à época das primeiras ações sertanistas, momento em

que foram feitas classificações de “tribos arredias e tribos pacíficas”, estabelecidas pela forma

de resposta dessas ao ato do contado “branco”. Algumas dessas sociedades indígenas

passaram a responder com receptividade seus visitantes como recursos para evitar a guerra

com os colonizadores e assim, terem sua organização social reconhecida, e a cultura

valorizada. A forma mais utilizada por essas tribos, segundo Vilas Boas, era a oferta de uma

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estrutura necessária mínima de sobrevivência. Daí passou a ser comum visitante ser agraciado

com roupas, boa comida, convite para participar de cerimônias e rituais, bem como ser

convidado para ouvir as contações de história (VILAS BOAS, 1972). Poderia ocorrer até o

desprendimento de objetos de uso pessoal indígena que tivessem certo valor, como um adorno

festivo ou cerimonial e, como no meu caso, um alimento, a fim de provocar uma sensação de

boas vindas ao visitante. Outra forma lembrada por Navarro foi uma distinta das mencionadas

por Vilas Boas. Trata-se daquelas realizadas por outras tribos em festas de boas vindas, ou

ainda rituais como o da Lacrimosidade – uma festa de boas vindas executada pelas mulheres

da tribo que se dividiam entre o choro e o riso em meio às histórias que aconteceram na tribo

antes de sua chegada (NAVARRO, 1998).

Na cosmologia dos habitantes da Maloca do Barro, pulsa com intensidade o Mito da

Raposa, matéria ensinada nas escolas de lá. Se o problema em investigação firma-se numa

questão-fundo – de territorialidade – opta-se aqui pela valorosa contribuição conceitual e

contextual elaborada por Paul Little (2002). O primeiro nível de argumentação é o de

associação entre problemas de territorialidade à diversidade cultural no Brasil.

Considerando a rica colaboração de Paul Little, sobressai-se a sua tese de que,

coletivamente, o homem em sua relação com o meio ambiente estabelece uma conduta. Uma

conduta territorial. Para ele, esta é uma parte integrada de todos os grupos humanos, “um

esforço coletivo de um grupo social para ocupar, usar, controlar e se identificar com uma

parcela específica de seu ambiente biofísico, convertendo-a assim em seu ‘território’ ou

homeland” (SACK, apud Little, 1986, p. 19).

Qual seria então a conduta territorial que cria vínculos entre aqueles a quem

pesquisava e seus ambientes? Elementos mostram que estes consistem tanto no conhecimento

que têm da flora e da fauna locais, como no entendimento de que a terra está para a vida como

esta está para seus mitos. Isto pode ser observado no próprio mito de origem, conforme a

apresentação a seguir.

Percorrendo cópias de documentos feitos tanto na Maloca do Barro quanto no Museu

Integrado do Estado em Boa Vista, a partir de uma fonte primária, localizei os seguintes

desenhos e um material elaborado por professores índios da Maloca do Barro, com ilustrações

de Bartô Makuxi, datadas de 1988. O texto e as ilustrações são, até o momento desta pesquisa

de campo, utilizados para o ensino da língua materna Makuxi. Mas não apenas para este uso.

Quando conversei com os professores da Escola Pe. José de Anchieta sobre o material,

também me foi justificado que o mesmo servia para o ensino da cultura local através do mito

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de origem. A seguir, o reproduzo a fim de analisar a relação entre as partes, sob os modelos de

análise aplicados por Bourdieu (1982) e Adams (1975).

A interpretação a seguir é pessoal e pretende sugerir uma explicação para o mito de

origem da Raposa-Serra do Sol no sentido global como previsto por Soriano (2004). Nesta

primeira versão, dois personagens míticos, de forma humana [que me desculpem a

redundância] – Aniké e Insikiran, partem em busca de um objetivo: caçar uma raposa.

Interpretaria este primeiro momento como uma confluência entre seres diferentes enquanto

(1) Aniké e seu irmão Insikiran, caçam uma “raposa” a pedido de sua avó que tinha saído da serra Marari e alcançado a Pedra Pintada; (2) Irmãos espreitam o jacaré para cortar-lhe a língua, fato anterior à mudança para a beira do Cotingo onde Makunaima fizera um malocão para a sua “raposa”. Esta logo fugiu por ter enjoado o lugar, gerando-lhe tristeza por três dias. No caminho, caiu uma de suas pernas e ela morreu (3) e sendo esta enterrada pelos dois irmãos, denominaram o lugar de Boqueirão da Raposa. (Trecho adaptado do original Macunaíma (sic) em busca da raposa, p. 1-20).

Desenho 1 Desenho 2

Desenho 3

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forma, porém, semelhantes quanto ao conteúdo, ou melhor, à importância desses na

explicação do contexto. Pois, os dois irmãos recebem incumbência de um outro ser –

Makunaima, avô deles. O outro ser – animal – a quem a raposa faz par no enredo é o jacaré.

No caso do primeiro animal, a raposa, consegue fugir por ter enjoado do lugar, o que acarretou

a sua morte, provocando a queda de uma das patas. Neste caso, a queda da pata e não a pata

em si, conota para mim, o marco da referência territorial e o tempo em que ocorreu o episódio:

tempo de chuvas intensas.

Vale observar que há uma lógica conflitante neste mito: a) A relação de oposição entre

os “irmãos” (Homem) e a raposa (Natureza); b) Paradoxalmente à primeira relação (a), é esta

encontrada naquele que solicita a “prenda” – Makunaima – um ser que estaria entre a

condição humana e espiritual, que seria a (c); embora sem uma correlação direta no texto, a

presença de dois animais – o jacaré e a raposa – juntos. É essa junção entre dois animais onde

o primeiro é predador do segundo mas que neste mito não manifestam a condição de predador

e presa, a (d). Interpreto ao fim que, particularmente no comportamento da raposa fugitiva,

pesa sobre ela a penalidade da morte por ter perdido a luta entre Homem e Natureza. Mas, da

morte dela nasce a Terra de Makunaima, a Terra Indígena da Raposa, que considero a última

da condição lógica conflitante (e). Assim, afirmaria que até no mito de origem da terra

Makuxi, é pulsante uma relação de conflito. Um conflito que não faz cisões mas que prepara

uma cosmologia integrativa que desemboca na capacidade de convivência entre etnias

diferentes.

Será que a rivalidade histórica entre Wapixanas e Makuxis, nos idos de quando

perderam suas terras para aqueles, ainda ecoam nas memórias das novas gerações, por

exemplo, desses jovens que estudam aqui na Maloca do Barro? Como isto teria sido

formulado? Será que quando crianças ouviram histórias a respeito? Quem as contou? Como

foram contadas? Instalava-se na minha cabeça, uma confluência conflitante: a inspiração da

paisagem que eu deixara para trás e idealização das possíveis tramas que poderiam consistir

nas relações de sociabilidade entre as etnias.

3.3 Percepção exterior e interior de um conflito

Como é vista a relação interétnica em conflito entre Makuxi e Wapixana por aqueles

que trabalham com elas e como que cada etnia percebe a outra?

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No propósito de identificar se há percepção de uma relação conflitante entre ambas,

busquei identificar nas línguas dessas etnias, palavras e expressões usuais às formações

gramaticais. A quem perguntei em campo, ninguém tinha uma palavra que fosse a tradução

para conflito. Apenas correlatas. Acerca dos Makuxi, pela fonte Língua Makuxi – Makusi

Maimu (AMÓDIO; PIRA, 1996) e Wapixana (SANTOS, 2006). Isto facilitou na percepção e

“checagem” de algumas informações. Reconheço este saber da população local não apenas

sob o aspecto lingüístico, também político, como uma alta expressão elaborada e articulada

em sua defesa.

Uma primeira compreensão de como a relação social entre Makuxi e Wapixana é vista,

pode ser identificada no trecho da primeira entrevista feita por mim, a um representante da

FUNAI, não índio, na cidade de Boa Vista:

- Eu: “Estou diante de ti para ouvir algumas histórias que você tenha conhecimento que

tragam algum fato sobre problemas de relacionamento entre as etnias Makuxi e Wapixana.

Responsabilizo-me em guardar o anonimato e não usar suas palavras em situação que lhe

possam comprometer”.

- Ele: “Olha só, primeiro é um prazer estar colaborando. Agente que é um profissional, um

estudioso, além da parte prática, faz parte da atuação. Não deixa também de ter, de vez em

quando, de se deparar com histórias interessantes”.

- Eu: “Fique à vontade para ‘revirar’ suas memórias. Você presenciou alguma conversa entre

Makuxi e Wapixana que tenha demonstrado uma relação conflituosa entre as duas etnias?”

- Ele: “Tenho visto inúmeras sobre a disputa de poder de domínio de um sobre o outro. Hoje

quando se tem dois grupos numa aldeia, aumentam as tensões entre Makuxi e Wapixana

[passados 20 minutos, ele ainda não tinha relatado oralmente, visto o entra-e-saí de pessoas].

Quem tradicionalmente iniciou com artesanato, foi a etnia Wapixana. Mas Makuxi diz que

‘fomos nós’ [eles] que começamos. Um Makuxi diz que foram eles que começaram a dança

Parixara. Os Wapixana dizem: ‘fomos nós’ [eles]. Outra coisa, na Boca da Mata, maloca na T.

I. Raposa Serra do Sol, lá tem mais Makuxi que Taurepang, que disputam o poder na aldeia.

Também disputam por mulheres. O povo Wapixana é o menos em quantidade. Quando se tem

uma festinha dentro ou fora da escola, índios Makuxi ficam gritando com Wapixana que

preferem ficar lá fora: “ô Wapixana” e ficam como que gozando da cara deles”.

- Eu: “Quando leio sobre a história do CIR, sempre encontro na presidência, índios Makuxi

...”.

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- Ele: “Exceto o vice-presidente que é Wapixana, todos os demais são Macuxi. Mesmo que

para isto, burlem resultados [algum processo]. Todas as vezes, índios Makuxi encontram uma

forma de enganar os Wai-wai. A Organização das Mulheres Indígenas de Roraima - OMIR é

presidida por uma Wapixana; a Associação dos Professores Indígenas de Roraima - APIR e o

Conselho Indígena de Roraima - CIR, são presididas pela etnia Makuxi; a Sociedade de

Defesa dos Indígenas Unidos do Norte de Roraima - SODIUR é Wapixana. Sempre a

comissão eleitoral é composta de Makuxi e todas as vezes encontram uma maneira de anular

os votos dos outros. Sempre quiseram ter o domínio entre os outros povos, como no CIR”.

- Eu: “Eu já tenho o que quero das suas palavras. Muito obrigado”.

- Ele: “Eu agradeço a você por me incluir em sua pesquisa”.51

O segundo argumento no entendimento externo foi registrado em áudio no dia 18 de

maio à tarde, após uma manhã inteira “ilhado” em casa, devido às chuvas, quando voltei

sozinho ao CIR e dei entrada nos documentos solicitados por Terêncio: Requerimento e

Projeto de Pesquisa. Nesta mesma tarde fui também à FUNAI para o mesmo fim, quando

dialogando com o Administrador adjunto, lhe indaguei sobre a convivência entre as duas

etnias. Ele então me respondeu: “Olha, minha avó era Wapixana. E vi muitas vezes ela agir à

presença de índios e índias Makuxi, assim: cuspia no chão e corria para fechar a porta”.

Ele também me disse que minha solicitação para permanência prolongada na Maloca

do Barro deveria ser feita diretamente à FUNAI em Brasília e ratificou a necessidade de tratar

com a Presidente da Fundação, e com o Conselho Indígena de Roraima, o que eu já sabia e

tinha feito.

Chegava o fim da minha primeira semana de pesquisa. Pode até parecer errado, mas eu

não poderia permanecer em terras indígenas sem as licenças, sob pena de ser expulso dela

como é feito com todos aqueles não-indígena, e não mais lá retornar, apesar de eu ter sido

professor formador da maioria dos professores de lá, já que na Raposa-Serra do Sol

professores exercem certa influência política na vida social e uma liderança para assuntos

exteriores como, por exemplo, participação em meios de comunicação, denúncias e registro de

ocorrências em delegacias.

Um terceiro entendimento externo para a relação interétnica conflitante é encontrado

nos argumentos do Professor Jonildo na segunda viagem de campo.

51 Entrevista concedida em sua sala na tarde do dia 22 de novembro de 2007 com duração de trinta e três minutos gravada em equipamento digital. Transcrevi somente as partes em que ele fez referência ao objeto empírico.

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Na companhia de Jonildo, fui ouvi suas experiências de campo enquanto pesquisador

de manifestações de preconceito atribuído a alunos indígenas na cidade de Boa Vista, pesquisa

que faz pelo Mestrado em Educação na Universidade Federal do Amazonas. Na manhã

seguinte, realizei uma entrevista com ele, feita no campus central da Universidade Federal de

Roraima, a qual apresento a seguir.

- Eu: “Estou entrevistando Jonildo Viana dos Santos. Você se considera índio hoje?”.

- Ele: “Bom, inclusive eu trabalho em minha dissertação uma categoria antropológica bem

interessante que é a de índio descendente. O que é necessário para ser considerado de índio? É

necessário ter o modus vivendi e o modus operandi daquela sociedade em que você ta (sic)

inserido: ritos de passagem, religioso, cosmovisão, arte, língua, e outras expressões da cultura.

Existe um debate interessante muito grande: que é – ser ou parecer? Eu tenho raízes sim.

Raízes dessa mistura étnica. Mas se me pergunta, eu respondo: não. Justamente por isto. Por

não ter esses elementos que me configuraria enquanto índio. Por que ser índio é você está na

relação de pertencimento: como você é visto e você se ver. Nesse caso só tem uma via. Como

sou visto. Então, eu tenho traços, isto é muito claro. Mas não me considero índio e sim um

índio descendente – um debate muito próximo ao do negro descendente - por não ter esses

traços: a língua, a cultura, o modus operandi. Paralelo a esse debate eu me considero um índio

descendente”.

- Eu: “Eu queria pedir desculpas por não ter feito a introdução necessária. Mas, nessa

entrevista aberta você tem o direito de até não responder as minhas perguntas e da mesma

forma, tem o direito de perguntar a mim, certo? E o que mais... de..., se você puder pronunciar

pra mim o consentimento ou não de que eu possa utilizar seu nome ou não, utilizando suas

palavras no meu trabalho de dissertação em que escrevo sobre o conflito interétnico entre

Makuxi e Wapixana na Terra Indígena Raposa-Serra do Sol. Eu queria que você pronunciasse

de viva voz, para poder documentar seu consentimento para a realização desta entrevista”.

- Ele: “Bom, como pesquisador é... eu não vejo necessidade de anonimato. Porque fazer

ciências sociais é justamente causar o conflito. O conflito de debate, de idéias, de concepção.

E é extremamente necessário ter essa abertura. E também penso que fazer ciências é não ser

neutro. Não existe ciência neutra. Portanto, eu, Jonildo Viana dos Santos professor da

Universidade Federal de Roraima autorizo usar essa entrevista inclusive citar nomes, fatos,

datas, para a construção desse trabalho teórico”.

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- Eu: “Obrigado. Você é uma pessoa muito presente. Não vou falar no cotidiano indígena, mas

neste universo indígena deste Estado. Gostaria que você falasse de algum conhecimento seu,

fatos, histórias que você conheça ou que você ouviu falar que envolvesse a relação entre

Makuxi e Wapixana e vice-versa. Você tem conhecimento de alguma história ou fato que

posso conotar ou denotar um estado de tensão entre essas duas etnias?”

- Ele: “Bem, podemos começar tentando visualizar o aspecto geográfico. Recentemente entre

os dias 14 e 20 de outubro [2007] eu estive assessorando a Organização dos Professores

Indígenas de Roraima, no diagnóstico da educação escolar indígena, juntamente com o

Departamento de Educação Indígena da Secretaria de Educação do Estado e da FUNAI. E nós

percorremos toda a região Baixa do Cotingo que margeia o Rio Cotingo. E essa região está

dentro da Terra Indígena Raposa Serra do Sol. E das 28 escolas que pesquisamos, num total

de 900 Km que percorremos, todas as escolas pertencem ao grupo étnico Makuxi. E isto é

interessante porque...” [Interrompi ele].- Eu: “Como assim, pertencem a Makuxi? Em que

critério você se assegura?”

- Ele: “Bom, a escola está inserida em comunidades Makuxi. Portanto, o professor é Makuxi,

quando tem diretores é Makuxi, os apoiadores também são Makuxi. A idéia que conotou foi

quando você pega o mapa, desse lado do Cotingo na TIRSS, se vê a predominância Makuxi;

já quando você pega e analisa a partir da BR-174 o lado esquerdo para quem vai para a

Venezuela, na Terra Indígena São Marcos, você vê uma predominância é Wapixana. Então

percebe que há essa divisão, pegando o rio Cotingo e a BR-174. Outro aspecto interessante foi

na penúltima escola – localizada na comunidade indígena do Igarapé Uarizinho, tava

acontecendo um conflito que me chamou bastante atenção. A comunidade Makuxi, o diretor

Makuxi, o Tuxaua Makuxi, mas o professor é Wapixana. E esse professor não estava se

adaptando naquela comunidade. Ele já vinha há alguns meses vendo esse conflito na

comunidade. Estava lá há um ano e pouco. Ele disse que vai sair da comunidade. Eu perguntei

os motivos. Ele me disse que um dos motivos era o ensino da língua. Porque hoje as escolas

indígenas estão resgatando, não, mas reconfigurando o ensino da língua Makuxi nas escolas. E

esse professor não dominava a língua Makuxi.

- Eu: “Um Wapixana sendo orientado a ensinar a língua Makuxi?”.

- Ele: “Exatamente. Então isto me chamou bastante atenção porque ele estava se sentindo

excluído. Então ele ia para uma comunidade que o aceitasse como Wapixana ou que ele

ensinasse Wapixana. Que aí ele poderia atuar como professor Wapixana. Esse conflito meio

que invisível, que aos olhos da Antropologia não é tão invisível assim, me chamou bastante

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atenção. E aqui na nossa licenciatura [Intercultural da UFRR], da qual nós atendemos 5 povos

indígenas: Makuxi, Wapixana, Taurepangue, Wai-Wai, Ingaricó. Então a gente tem os

espaços das salas que são três [Ciências da Natureza, Ciências Sociais e Comunicação e Artes]

notamos que na sala de aula eles se misturam por conta dessa interação que é necessária ao

estudo e é dirigido pelos professores das turmas. Mas nos outros espaços livres como a praça

do bloco I onde funcionam as aulas a gente vê os grupos isoladamente. No refeitório

universitário também.”

- Eu: “Essa distância não é apenas física? É também relacional?”.

- Ele: “Sim. A gente nota... eu pelo menos notei de modo bem claro: lá existe uma divisão nos

grupos étnicos. Cabe investigar os motivos que levam a isto. Os motivos parecem vir lá de

longe. Não de agora”.

- Eu: “Já me considero satisfeito. Eu gostaria de deixar um espaço para você, caso queira

acrescentar ou não a essa nossa fala que está acontecendo aqui nos fundos do bloco I da

Universidade Federal de Roraima”.

- Ele: “Lembro de outro fato dito por uma aluna lá na comunidade de Araçá da Serra da

Raposa-Serra do Sol, que existia um conflito, ela não datou, onde acharam uma urna funerária

de barro onde foram achados alguns corpos e ela falou que esses corpos eram resultado desse

conflito entre Makuxi e Wapixana onde os Makuxi inseridos naquela região, expulsaram os

Wapixana. Estão na área de São Marcos, no outro lado do Rio Cotingo e o Surumu. Mas,

bom, são indícios, ela afirmou – ela que é Makuxi e conhece essa história como professora e

militante do movimento, isso também me chamou atenção nessa viagem. E creio que não

tenha sido só essa comunidade desse conflito entre Makuxi e Wapixana. Há outras

comunidades. Poucas em que haja grupos de diferentes etnias residindo em uma só. Há sim na

grande maioria, comunidades em que reside uma só etnia como a Araçá da Serra e Paku. Mas

só de um grupo étnico. Quero deixar claro que essas são apenas observações sem o tratamento

teórico-metodológico, mas de informações trazidas e formuladas no cotidiano da profissão e

na experiência enquanto pesquisador. Sei que é possível construir um entendimento a partir

desses indícios e quero dizer que estamos abertos para outras informações” (Entrevista

realizada no dia 23 de novembro, às 11h15min).

O depoimento acima comprova a presença de uma questão essencial que entendo como

balizante em uma análise sobre conflito interétnico: o pertencimento citado por ele no início

da entrevista. Simmel (2006), chamado no capítulo anterior deste trabalho, enfatiza uma

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condição de força nem sempre consciente e voluntária, que transpassa a entrevista e alcança

seu final na referência feita por ele a uma professora Wapixana que se sente inapta a ensinar

na comunidade Makuxi. Provavelmente, ela sente a contradição da impossibilidade de

materializar seu sentimento de ensinar não o que lhe é orientado, mas sim o que ela

compreende como útil aos Wapixana como ela: o ensino e a aprendizagem de sua língua

materna Wapixana.

Isto sempre me soava provocante e instigador. Pois, não foi a primeira pessoa a negar

um conflito que me parece evidente. No mesmo instante lembrei-me dos tempos em que fui

professor no Magistério Parcelado Indígena, projeto do Governo do Estado de Roraima em

parceria com o Ministério da Educação, no final da década de 90. Como me custava formar

um grupo de estudo ou de atividade didática entre estas etnias! E recordei do que me dissera a

diretora da escola que sediava o Projeto, a Escola Estadual de Formação de Professores de

Boa Vista, hoje extinta. A professora Goreth dizia-me: “Temos de providenciar alojamentos

em lados distintos para eles!”. E eu não levava isto em consideração naquele tempo. A foto

seguinte apresenta um desses grupos, quando por ocasião da exposição de uma das atividades

didáticas do Curso Magistério Parcelado Indígena na referida escola, em 2000. Na foto, a

seguir, uma apresentação didática sobre “classes sociais”.

Quanto à percepção interna da existência ou não de uma relação conflitante entre as

duas etnias, a primeira encontrada por mim em campo pode ser identificada nas palavras de

um dos entrevistados, cujo diálogo recupero a seguir.

- Eu: “Como o senhor vê a convivência entre índios Wapixana e Makuxi?”.

FIGURA 11: Alunos Makuxi quando apresentavam trabalho na Escola de Formação de Professores em Boa Vista – RR – 2003 [Ao fundo um cartaz com uma versão do mito da Raposa]. Ocultei as faces pelo desejo de evitar o reconhecimento dos ex-alunos(as).

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- Ele: [Após um momento em silêncio]: “olha, aqui nesta comunidade hoje nós convivemos

bem. Mas antigamente não era assim”. Indaguei novamente: “E como que era antigamente?”.

E acrescentou: “Bom, havia muitas brigas. Primeiro por mulheres. Depois, pelo problema da

bebida [penso que se referia ao comércio de bebidas alcoólicas]”.

Nisto fui tomando a água que gentilmente ele me ofereceu. Conversamos ainda sobre o

início do inverno e ele acrescentou “este ano o inverno deve ser mais pesado” – em ares de

sorriso. Eu então falei para ele que retornaria ainda em 2007. E expliquei que era professor do

Estado de Roraima; que já tinha sido professor de alguns dos professores da Escola Pe. José

de Anchieta e que estava ali para estudar sobre as formas de “convivência” [termo que

empreguei julgando ser uma melhor tradução para relações interétnicas].

- Ele: “Ah ta! Então o senhor vai voltar. Se lembre de passar por aqui para conversarmos um

pouco”.

- Eu: “Aqui por perto mora alguém de mais idade com quem eu possa conversar?

- Ele: [me apontou para uma casa, disse] ali, bem frente do “orelhão”.

E concluiu:

- Ele: “Sou índio Makuxi viu!”52. (Encontro ocorrido na segunda viagem a campo – novembro

de 2007).

Um terceiro depoimento, este de caráter histórico interno, foi obtido após um dos

jantares no Centro de Formação por ocasião da segunda viagem. Para minha surpresa, C.

[inicial do nome], um aluno do Quarto Ano do curso (20 anos de idade) e que se identificou

para mim como índio Makuxi, prontificou-se para contar-me uma história de sua etnia.

Marcamos como local, por sugestão dele, a escadaria de acesso ao dormitório dos professores,

lugar de onde se tinha uma bela vista do céu estrelado em noite de calor. Como eu conduzia

no bolso da camisa um aparelho gravador digital em MP3, liguei-o e, pegando uma cadeira,

sentamos e demos início ao depoimento [13 minutos e 59 segundos]”:

- Eu: “Pronto! Deixe eu enxergar a data... [enquanto eu olhava o visor do gravador digital].

Hoje é dia 27 – 18 horas e 15 minutos. Estou aqui com o estudante C”.

- “Sou C., estudante do Quarto Ano. Sou finalista deste ano. Sou do povo Makuxi e estou

voltando para a comunidade após esta formação”.

- Eu: “C, pela manhã você me falava que tinha uma história para me contar sobre a

convivência entre seus antepassados, os mais antigos de sua etnia. Fique à vontade para falar.

Pode falar viu (sic). E quando quiser parar, pode parar (sic), não tem problema”.

52 Já este relato foi recuperado da memória, visto que minha chegada à “venda” não fora planejada. Portanto, não havia como perder a oportunidade de captar aquelas importantes palavras até que preparasse um dos gravadores.

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.- C: “A história diz e eu considero uma história bem radical, que aconteceu na década de 30 e

40 na região das Serras, na região K-nô, por causa do rio que banha essa região. [Som

emitindo preparação da voz para falar] Então, existia nessa região K-nô, uma tribo chamado

(sic) Scariã [do tronco Karib, antigos habitantes da fronteira venezuelana com o Brasil]. Eram

tribos canibais e eles dominavam toda a região das Serras, pegando de Pacaraima, Uiramutã,

até a cordilheira das Guianas. Da Serra do Marari. O povo Makuxi estava concentrado aqui no

lavrado, na região da Raposa, Maloca do Napoleão, pra cá na serra do Maruai, aqui na

centeira, onde é Pacaraima. E todos se afastavam por que eram povos canibais. Caçavam o

povo Makuxi e levavam para suas cerimônia. Aqui na Venezuela havia um povo mais

guerreiro que os Makuxi: os Arikuna. Eles estão aqui na centeira na Venezuela. E quando

esses povos Arikunas saíram aqui no Brasil com os povos Makuxi, onde estão concentrados,

para fazerem uma caçada, eles foram atacados pelos canibais, que levaram uma vovozinha e

uma netinha. Então o Tuxaua dos Arikuna falou com o Tuxaua dos Makuxi. Eles combinaram.

Então os Makuxi tiveram medo. Se vocês quiserem atacar, vocês que moram mais distante na

Venezuela, fica melhor. Então, ficou sob a ordem dos Arikuna, acabar com esses canibais.

Entraram pelo Monte Roraima com um número de oitenta homens. Atravessaram o Rio

Cotingo e o Rio Mau e chegaram pela fronteira da Guiana onde hoje está a comunidade de

Maturuca. Eles vieram seguindo. Então o maior grupo deste povo canibal estava centralizado

em dois locais: Pedra Preta e aqui no Campo Alegre. Campo Alegre fica logo na nascente do

rio K-nô. Atacaram logo aqui na Pedra Preta. Acabaram com tudo, mataram crianças, jovens e

tudo. Além de fazer tudo isto, queimavam os corpos. Os que não eram queimados

armazenavam nas malocas de pedra [penso que queria dizer grutas]. E até hoje tem essa

injustiça em Maturuca. Só que isto é uma coisa sagrada. O povo respeita muito. Não vai lá nas

malocas de pedra”.

- Perguntei: “Como você ficou sabendo disto?”.

- Ele respondeu: “Foram os mais antigos, um senhor de Maturuca e outro da Pedra Preta. Eles

me contaram”.

- Concluí: “Eu agradeço a colaboração. Foi muito importante. Você me autoriza a publicação

de seu nome?”.

- Ele: “Rapaz [pensou]. Sim. Mas você deve enviar este estudo para nosso Centro”.

- Ele continuou: “A gente ficou na metade da... por que...”.

- Eu disse: “então prossiga que ainda está ligado”.

Ele prossegue com o depoimento:

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- Ele: “Então, eles atacaram esse grupo em Pedra Preta e depois foram pro Campo Alegre. Os

Arikuna tinham muita facilidade para atacar porque suas malocas [dos Canibais] eram todas

cercada de Pau a Pique, madeira e dentro desse cercado estavam distribuídas as outras

maloquinhas. Eram cerca de trezentas pessoas lá dentro. Então eles chegaram, tocaram fogo

no malocão. Só tinha um portão e quem ia saindo no portão, eles iam matando. Só escapou um

curumim de doze anos mais ou menos. Ele se escondeu debaixo de um balaio. Os Arikuna

vasculharam tudo, mas não encontraram. Quando os Arikuna foram embora. Então só desse

povo juntaram umas trezentas espingardas, escopetas e facões desse povo canimbal, além de

flechas e levaram com eles. Levaram essas armas e esconderam no pé da Serra de Paracaima.

Esconderam lá. E pronto. Eles acabaram com esse povo. Esse menino fugiu para cá pro

lavrado, a região dos Makuxi. Casou com uma Makuxi pra região do Maturuca e um dia ele

passou e contou toda a história. Ele contou tudo direitinho, como que foi e como aconteceu.

Só que hoje ele não é mais canibal. Ele é... então desse povo Arikuna ainda existem

descendentes. São povo guerreiro. Inclusive eles estão sempre se comprometendo com os

Makuxi. Olha, qualquer coisa, conflito com os homens brancos, se vocês estão sendo

massacrados com o exército, pode contar com a gente. Lá eles são mais ou menos, uma

população de novecentos. Então eles fizeram essa aliança grande com os povos Makuxi. Eles

vivem de intercâmbio, troca de produtos [termos do entrevistado]. Então foi isto, quando foi

agora em 2004, essa história chegou aos órgãos públicos de Boa Vista, aí a Polícia Federal

soube dessas armas e vieram atrás mas não encontraram. Mas segundo o senhor que me

contou, ele sabe aonde ta. Então, foi basicamente isto que aconteceu. E aí depois que acabou

com esse povo canibal, nessa região, os Makuxi começaram a subir, a povoar toda essa região

onde morava esse povo aí, e hoje onde foi a matança desse povo aí, ainda se encontram ossos,

panelas, machados, marcas de malocões, e dá para acreditar que realmente existiu esse povo.

Tem uma mata aí que caberia cerca de 10 homens, uma panela grande, de barro. Só que ela

não tá mais completa. Quebrou. Só encontra pedaços dela hoje. Daí dá para acreditar que eram

povos canibais. Então era isso que gostaria de contar. Agente considera que houve uma

evolução que aconteceu”.

Nas palavras do aluno identifico pontos interessantes: Há uma confirmação desta

história com a narrada pelo Prof. Jonildo. Isto é importante na condição de que os dois não se

conhecem; a crença numa figura canibal de índio, a fim de justificar a morte de índios

opositores pelos Makuxi; a estratégia Arikuna em erguer cercas de proteção contra inimigos e

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também serem excelentes guerreiros na avaliação Makuxi, condicionaria uma aliança entre

ambas, uma vez que os Arikuna eram hábeis artesãos de armas apropriadas.

Um quarto depoimento foi colhido na casa de um senhor no centro da Maloca. Era

uma casa que, aparentemente, assemelhava-se às demais da circunvizinhança. Dei boa tarde.

Perguntei se podia entrar. Uma menina de dez anos correu “casa a dentro” e resolvi

permanecer à porta. Vem-me um senhor de sessenta anos, aparentemente. Não perguntei a

idade, não me senti seguro para esse aspecto por julgar fora da etiqueta local, do mesmo modo

como é em outras sociedades tradicionais com quem convivi no estado do Rio Grande do

Norte. Pelo “tilintar” que ouvi, deduzi ter interrompido o almoço daquela família. - Eu:

[Sorrindo um pouco, disse:] “Logo agora, heim!”.

Mas prontamente solicitou que eu entrasse. Justifiquei-me que a hora já estava

avançada e que precisaria retornar naquela mesma tarde para Boa Vista. Apresentei-me

informando meu nome, profissão e a finalidade da minha presença ali tão passageira naquela

tarde. Perguntei para ele:

- Eu: “Há quanto tempo o senhor vive na Maloca do Barro?”.

- Ele: “Vi a escola Pe. Anchieta ser construída” [indicando que desde a adolescência estava

lá].

Como a escola tem 50 anos, estava confirmada a afirmativa. Desta vez eu pedi um

pouco d’água. Eu ainda estava em pé até que, ao retornar, perguntou se eu queria sentar.

Confirmei com a cabeça, enquanto tomava a água. Puxou uma cadeira. Agradeci. Esperei que

ele me fizesse alguma pergunta. Como não houve, dirigi a última solicitação:

Claro que nesta simples frase, podemos decifrar aspectos importantes como a

presença de um sentimento de superioridade étnica e de gênero [masculino] que coloca a

mulher apenas da linha de reprodutora; outro aspecto a considerar estaria na potencialização

da reprodução como fator preponderante na relação social dentro de um grupo, radicalizada

em manifestação de um espírito de superioridade, sugerindo mais uma nuance deste conflito

interétnico.

Um quinto e breve depoimento foi aquele vindo do Vice-presidente do CIR. Lá, não

encontrei com o presidente do CIR – Dionito Makuxi, porque estava em Brasília. Fui

anunciado ao Vice-presidente, o Sr. Terêncio Wapixana. Após expor sobre o meu trabalho na

Maloca do Barro numa conversa informal e enquanto esperava algum esclarecimento dele

sobre os procedimentos para meu acesso àquela, lhe fiz a pergunta: “a luta pela demarcação da

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Terra Indígena Raposa Serra do Sol alterou a relação entre Wapixana e Makuxi?” Respondeu-

me: “não. Sempre tivemos uma ótima relação”.

Selecionei este para encerrar as exposições das percepções exteriores quanto ao

conflito interétnico, mesmo reconhecidas como “de fora” por uma simples razão: o

entrevistado também é “de dentro”, um índio Wapixana. Com suas palavras, faço a transição

entre os de fora e os de dentro, uma vez que nega o problema dentro da Maloca enquanto

reconhece o impacto de convivência interétnica como uma ótima relação. Assim, todos se

referem a um conflito interétnico que ficou no passado, mas que, infelizmente, não

conseguiram caracterizar no presente.

3.4 No Centro de Formação e Cultura Indígena da Raposa-Serra do Sol e na Escola

Estadual Pe. José de Anchieta

O que quero defender neste momento é a correlação entre dois fatores de promoção da

política comunitária que tem dado certo: a atuação dos professores da Escola Pe. José de

Anchieta em prol da unidade na diversidade dentro da Maloca do Barro e aquela feita pelos

professores junto aos alunos do Centro de Formação e, destes, em benefício da unidade na

diversidade entre todas as malocas da TIRSS e, porque não dizer, dos povos indígenas de

Roriama.

Essa conjugação de ações independentes foi percebida logo por mim na primeira

oportunidade em que estive na Maloca do Barro, quando fiz uma visita ao Centro de

Formação. Chegando lá, encontrei uma ex-aluna - Anilza, que agora estava professora no

Centro de Formação, que por ela mesma, não é índia. À medida que conversava, ela foi me

trazendo algumas informações importantes: que não falava línguas nativas; que recebia salário

pelo Conselho Indígena de Roraima e que teria de deixar a Escola provavelmente no mês de

junho ou julho pelo motivo de “não ser índia”.

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FIGURA 12: Da esquerda para a direita: eu, a Profª. Roseli e a Profª. Anilza no alojamento do Centro de Formação.

3.4.1 Primeira viagem ao campo de pesquisa:

A reunião com a Profa. Anilza, foi realizada em maio de 2007. Fomos conhecer a área

da sede da Maloca do Barro, a qual é composta por residências de índios nativos e de pessoas

não índias que foram agregadas por casamentos exogâmicos.

Há duas igrejas construídas, sendo uma de denominação católica e outra da

Assembléia de Deus, intocada por qualquer sinal de ataque ou depredação, conforme figuras

13 e 14 seguintes.

FIGURA 13:Templo da Igreja Evangélica

Assembléia de Deus.

[detalhe: sem vestígio de ter sido atacada].

FIGURA 14: Interior do templo católico local incendiado em 17 de setembro de 2005.

[Detalhe: completamente destruído].

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Mas a católica, destruída por ocasião de um incêndio criminoso apontado por alguns

moradores, como que de origem não indígena (Figura 14). Conforme estimativa obtida por

ocasião da minha primeira conversa com as missionárias da Irmandade Consolata, fiquei

sabendo que a grande maioria da população local é constituída de católicos, mas que antes da

demarcação e o problema quanto ao modelo demarcatório, a percentagem era maior. Ela não

soube quantificar com exatidão, não dispunha de nenhuma referência estatística. Não havendo

informações precisas quanto à proporção populacional de católicos e evangélicos da Maloca

do Barro, tanto no Centro de Formação, quanto na Diocese de Roraima para o ano de 2007,

efetuei consulta virtual ao Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE do qual

obtive fragmento estatístico, cujos resultados expressam o comentário da missionária que

acompanha o comportamento estatístico nacional.

O estudo mostrou uma expressiva redução de católicos apostólicos romanos de 95% para 73,6% da população no período 1940/2000. Enquanto isso, os evangélicos cresceram de 2,6% para 15,4%. O estudo demonstra que, em 1940, 98,9% dos moradores do Nordeste eram católicos e no Censo de 2000, a região também manteve-se (sic)com a maior proporção de católicos (79,9%). Em relação aos evangélicos, o Sul apresentava o maior percentual regional (8,9%), enquanto em 2000 esta liderança foi ocupada pela região Norte (19,8%). Entre os estados, Rondônia apresentou um aumento extraordinário entre os evangélicos, no período 1940/2000, chegando a 27,2% da população total. A perda de integrantes católicos no estado também impressiona: -39,8%. Piauí manteve-se como o estado com o maior percentual de católicos entre a década de 40 (99,6%) e o ano 2000 (89,8%) (IBGE – 27 de maio de 2007).

Quanto à autoria dos atos incendiários – de janeiro de 2004 (vide fotos na página 14)

e das dependências do templo católico (vide fotos página 133) pus-me a refletir: como que se

pode ter a certeza que o ato incendiário tenha sido realizado pelos próprios índios como foi

divulgado na mídia televisiva local, se a própria constituição dos núcleos familiares da Maloca

do Barro é tão mista? Será que foi mesmo praticado por índios? Se a autoria é ou não é

indígena, não tenho condições de afirmar. Porém, segundo o Tuxaua local, teve autoria não

indígena, mas pode ter sido praticada “por parentes corrompidos pelos arrozeiros” (anônimo),

em conversa mantida comigo durante a segunda viagem à Maloca do Barro.

Quando ia me levantando para verificar a área da Missão, vez que nos chegou um de

seus alunos, um rapaz de seus 17 anos, índio Wapixana. Fomos apresentados a ele pela

professora, o qual nos foi bastante solícito. Com ele, pouco ou quase nada ouvimos, porque

permaneceu o tempo todo calado. Logo saiu, justificando-se que voltaria para a aula da

professora “J”.

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Aproveitei a justificativa e iniciei a visita à área adentrando a escola. Não há um

prédio na “escola” do Ensino Médio, como o da escola Padre Anchieta, com salas de aula,

cantina, direção, sala de professores. O que vi no Centro de Formação e Cultura da Terra

Indígena Raposa Serra do Sol foram espaços isolados, desvinculados uns dos outros: salas de

aula sem portas e janelas; biblioteca, com duas estantes e poucos livros; estas construções

antigas; dormitório, cozinha e outra sala de aula recentemente construída, com paredes em que

se pode ver aplicação texturizada e com pintura em verde cana. Pela diferença, perguntei a

professora sobre o porquê dos prédios novos.

Entrei em duas salas de aula, isto por volta das 11h. Na primeira, a professora J,

agrônoma, dava aula de Física. A ela fui apresentado pela professora Anilza e, sendo

convidado para entrar, me apresentei e expliquei sobre a minha pesquisa-visita à comunidade.

Percebendo que havia certa distribuição de grupos na sala de aula, tive a idéia de perguntar

acerca das etnias ali presentes. Foi quando se identificaram 9 alunos Makuxi; 6 Wapixana, 4

Taurepang e, para minha surpresa, 4 Wai-wai, considerando que estes últimos são do sul do

Estado de Roraima. Então perguntei: “como vieram parar aqui?”. Foi a professora Anilza que

me respondeu: “é que eles fazem parte de um intercâmbio”. Ora, isto me é muito “estranho”

porque nunca tinha visto isto acontecer junto a outros modelos curriculares de nível Médio.

Quanto à distribuição de tais etnias em pontos distintos da sala de aula, creio ser explicável

pela condição de que os semelhantes tendem a juntarem-se com seus semelhantes. Isto não

que dizer que evitem uns aos outros. Mas, pelo que perguntei à parte, à professora Anilza, ela

me respondeu que mesmo nos intervalos de aula, ou mesmo quando estão em horário sem ser

de aula, procuram estar sempre juntos aos de suas etnias.

Saindo da sala de aula da professora J, fui conduzido pela professora Anilza a uma

segunda sala de aula. Chegando lá, encontrei com o jovem que foi ao nosso encontro no

Dormitório, ensinando Física a outro. Avaliei isto como incomum, quando vasculhava em

minha memória, se cena semelhante havia visto em escolas não-indígenas.

Despedimo-nos e continuamos em nossas andanças de reconhecimento. A professora

Anilza me levou às áreas de criação de porcos, coelhos, peixes53 e mudas de plantas, conforme

fotografias a seguir.

53 Não foi possível o acesso aos tanques de criação de peixes por estarem mais distantes em relação ao ponto em que nos encontrávamos.

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FIGURA 16: Criatório de porcos pertencente ao Centro de Formação.

FIGURA 15: Interior do criatório de coelhos [denominação dada pelos alunos de “coelhopolis” (sic)].

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FIGURA 17: Viveiro de plantas medicinais do Centro de Formação.

O conjunto dos projetos desenvolvidos na área do Centro de Formação e Cultura

Indígena Raposa-Serra do Sol não se encerra nas dependências da escola. Cada aluno

responsável também constitui um multiplicador em suas comunidades. O que ouvi da

professora que me acompanhava foi que esses projetos tiveram impacto positivo considerável,

isto porque têm proporcionado melhoria na alimentação de cada localidade, bem como, ao

nível do Centro de Formação, a integração entre alunos, o que de algum modo ainda não

estudado, se estende à vida das comunidades, fortalecendo essa integração lá também. Mais

tarde, quando por ocasião da segunda viagem à Maloca do Barro em novembro de dezembro

de 2007, confirmaria com os próprios alunos bem como com a equipe de coordenação. Afinal,

quem já vira isto em uma escola não indígena? Eu não. Eis mais uma aprendizagem para a

docência intercultural.

3.4.2 Segunda viagem ao campo de pesquisa:

Por volta das seis horas, ainda em Boa Vista, fui ao Conselho Indígena de Roraima

buscar a autorização para minha entrada e permanência na Maloca do Barro. Enquanto

esperava, fui observando a convivência e relações entre índios que se encontravam

hospedados nas dependências do CIR. Neste tempo, percebi a chegada de um carro Pick-up.

Dela desceram alguns índios e, entre eles, uma mulher a quem minutos depois viria a se

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apresentar. Adentrando o prédio, ela passou por mim e assim a saudei com boa tarde. Ela

respondeu da mesma forma e entrou. Pouco tempo depois, ela retornou ao pátio e voltou a

conversar com aqueles que se encontravam por lá. Decidi me apresentar a ela. Informei meu

nome e procedência. Ela logo me perguntou o que eu estava fazendo lá. Expliquei que era

professor efetivo do Estado de Roraima, mas que me encontrava fazendo mestrado em

Antropologia Social pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Imediatamente ela

me interpelou: ‘Ah! Temos muitas dificuldades com vocês!’ Em réplica eu falei: ‘Irmã, isto

não é uma regra geral! Depende também da formação pessoal que o antropólogo tenha’. Ela

só balançou a cabeça sugerindo uma negação, pediu licença e saiu. Foi quando a Secretária do

CIR me chamou e, de posse do tão esperado documento, parti. Parti reflexivo com as palavras

da irmã.

Chegamos ao local próximo do meio dia e trinta minutos. Parei junto a primeira casa, à

curva da direita para saber onde se encontrava o Tuxaua. Um senhor deitado numa rede me

disse que o Tuxaua a quem procurava tinha acabado de sair da igreja Assembléia de Deus e

que certamente estaria em casa. Dirigi-me para lá” (Diário de Campo, 26/11/2008 – v. p. 3).

“O senhor Alberto ainda não se encontrava lá. Foi no retorno à estrada da Missão que

com ele encontrei. Apresentei-me e mostrei o Encaminhamento junto com meu Curriculum

Vitae para assim tirar meus pertences do automóvel. Mas, Alberto me falou que não era com

ele e sim, com o Tuxaua Anselmo Makuxi, líder da região. Novamente entrei no carro e nos

dirigimos à sede da missão.

Ainda estacionávamos o Pick-up que fui de Boa Vista, visto ter perdido o horário do

ônibus quando um rapaz veio em minha direção. Ele saiu de um prédio de cor verde [o que

mais tarde seria informado que se tratava do refeitório], bem próximo ao local onde tinha

estacionado. Expliquei para ele que já havia falado com o Dionito Makuxi em Boa Vista que,

após meu requerimento escrito, despachou favoravelmente, concedendo-me a Licença. Falei

que estive com Alberto e que este me encaminhara a “A”. Assim apresentei minhas

credenciais e ele leu com bastante atenção. Foi me dizendo que nestes casos a Coordenação

seria informada com pelo menos uma semana de antecedência para que desse tempo de

preparar a festa de recepção. Expliquei que eu não tinha sido informado destes prazos e que,

se soubesse, certamente teria procedido como tal.

Mesmo assim, ele – A. – ajudou a tirar meus pertences do carro e me ajudou também a

levá-los até o quarto onde deveria ficar. Conduzíamos então: eu – uma mala contendo roupas

e minha bolsa de objetos pessoais enquanto que ele – o Tuxaua Anselmo, um isopor contendo

mantimentos básicos” (Diário de Campo, 26/11/2008, p. 4).

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Guardei as bolsas no quarto enquanto o Tuxaua providenciava uma vassoura para

limpa-lo, o que fiz logo que ele me trouxe. Disse onde eu poderia tomar banho, no banheiro

ou no próprio Rio Surumu. Agradeci e perguntei sobre o melhor lugar para guardar os

mantimentos. Foi quando levamos tudo para os armários da cozinha. Assim retornei ao quarto

e pus tudo em ordem. Tomei um banho e fui ao alpendre do dormitório conversar um pouco

com alunos que assistiam à televisão.

Em instantes, o Tuxaua providenciou duas cadeiras e me convidou para conversarmos

um pouco sobre meu trabalho e meus propósitos. Ele tomava sempre o cuidado para anotar

tudo em um bloco de anotações. Explicou-me sobre a história e a organização do Centro de

Formação e Cultura Indígena Raposa Serra do Sol, sua filosofia e metodologia [Sim. Estas

foram as palavras empregadas pelo Tuxaua]. Neste ínterim, fui apresentado aos

Coordenadores Alielson e Sérgio, bem como a Valter, os três Makuxi. A seguir, Alielsom me

levou para conhecer a estrutura da “escola” (palavra dele) e seu histórico. A caminho, me

explicou o Projeto Pedagógico do Centro de Formação e Cultura Indígena da Raposa-Serra do

Sol. Me apresentou aos funcionários do Posto de Saúde e de lá fomos conhecer os dormitórios

dos alunos e das alunas, enquanto me contava com tristeza os acontecimentos de 2004 e 2005

– as campanhas incendiárias. Já eram cinco e meia da tarde e aguardava o sino avisando a

hora da janta. Afinal, eu não tinha sequer almoçado. Depois eu soube que os alunos tinham

preparado a janta. E no refeitório, lugar com oito mesas grandes distribuídas acompanhadas de

bancos de madeira, uma das mesas estava separada para as “autoridades” (palavra do Tuxaua).

Assim, serviram aos “professores” (classificação feita pelos alunos que me serviram). Jantei

em companhia do Professor L – um professor de 35 anos de idade que veio de Boa Vista.

Tomamos uma sopa saborosa (Diário de Campo, 26/11/2007, v. p. 4).

Na segunda-feira, 26 de novembro de 2007, o dia começou para mim com o toque do

sino. Como eu tinha dormido um pouco tarde, devido a minhas anotações tive que ser ágil ao

levantar, pois, o café me esperava: cuscuz, leite e café. Perguntei se o leite era do rebanho da

comunidade e os alunos que fizeram me disseram que não. Aqui todos têm que levar seus

utensílios ao refeitório como colher, copo e prato. Para minha surpresa, não havia lembrado de

trazer um prato de Boa Vista. Portanto, tinha que esperar que alguém terminasse para então eu

ter onde me servir. No final da noite anterior – domingo – o Professor L. tinha chegado de

Boa Vista na companhia do Tuxaua [32 anos], que foi buscá-lo no “entroncamento” da BR

174 com a estrada de acesso à Maloca (RR 202). Nos apresentamos. Ele me falou que viera de

Boa Vista para trabalhar uma disciplina Jurisdição Indígena com os alunos do Centro.

Dialogamos sobre minha pesquisa e prontamente me coloquei à disposição dele. Desta forma,

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em sua primeira aula, às sete horas, ele me chamou e pediu para eu explicar meu trabalho aos

alunos. Assim o fiz.

Ao retornar sua atividade, o Professor L. contextualizou a “realidade” (classificação

empregada por ele) partindo do seguinte esquema temático anotado por ele no quadro de giz:

1) crise da civilização; 2)Programa de Aceleração do Crescimento; 3) Amazônia; 4) Roraima.

Há tempos que eu não presenciava em contexto de Ensino Médio, uma condução tão bem feita

do ponto de vista teórico e metodológico” (Diário de Campo, 26/11/2007, p. 5).

Fiquei muito feliz em saber que o Centro de Formação não é apenas uma escola de

nível médio e técnico, mas uma escola preparatória de líderes com saberes dos mais amplos,

largos, específicos e restritos possíveis: fauna, flora, relações sociais, políticas.

Próximo ao almoço, me preparei para encontrar todos no refeitório. Era meu primeiro

almoço com eles. À mesa encontrava-se servida a comida: arroz e uma excelente feijoada. Eu

e L. sentamos e nos servimos. Procurei estar na companhia dos alunos em outras mesas.

Quanto mais eu “puxava” uma conversa, mais eu tinha o silêncio como resposta ou, no

máximo, palavras monossilábicas em meio a muito sorriso. Voltei à mesa de origem. Isto me

fez refletir se agiram em atitude de defesa ou se por timidez, já que ainda era um estranho ao

meio. Como no jantar da noite anterior, observei o que se passava ao meu redor. De lá, fui

repousar um pouco no quarto do alojamento que rascunhei no Diário:

Após o almoço, armei minha rede no quarto e dormi até as quinze horas. Tinha

combinado durante o almoço com o Prof. L., que ele me cederia um tempo ao final de sua aula

para que eu realizasse minha primeira entrevista coletiva não diretiva. Portanto, às dezesseis

horas fui ao salão dos encontros, e tendo ele me solicitado, fui à frente da sala e enquanto os

O

S

L

N

Croqui 3: Esboço do quarto onde dormia (Diário de Campo, 25/11/2007, v. p. 5).

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participantes se encontravam em semicírculo, expliquei o objetivo da atividade e como

poderiam participar. Não deixei de pedir o consentimento e autorização oral gravados em fita

magnética.

O primeiro momento da entrevista consistiu da apresentação individual quanto ao

nome, idade, localização onde morava e etnia de origem. Considerando o que fui ouvindo,

apesar de falarem sempre com voz bem baixa, o que mais me chamou a atenção foi o detalhe

que eu percebi entre os Makuxi sempre impostavam a voz com firmeza vocal quando

pronunciavam – “sou Makuxi”, coisa que a letra deste diário não traduz. Ao final, agradeci a

todos. Porém, ia esquecendo de registrar aqui, do segundo tópico da entrevista: que eles

relatassem, oralmente, alguma história sobre a convivência entre as etnias da Raposa/Serra do

Sol. Apenas um dos alunos do Centro, relatou um fato: uma índia Wapixana que casou com

um não Wapixana [ele não identificou a origem étnica do outro] e que não se acostumou à

tradição local e foi tirado do convívio pela liderança da comunidade. Apesar de meus apelos,

não consegui convencer os demais a relatarem suas histórias. Ouvi entre os presentes a “aula”

– espaço cedido pelo Prof. L. – que também tinham histórias para contar. Mas que não

poderiam contar ali, segundo as curtas falas que eu conseguia ouvir com dificuldade, quando

me aproxima de pequenos grupos. Propus que fizéssemos encontros em horários fora da sala

de aula, nos momentos “não-oficiais” [grifo meu]. Foi assim que marcamos para a terça-feira

pela manhã e tarde” (Diário de Campo, 26/11/2007, p. 6).

Eis a transcrição da entrevista realizada na tarde do dia 26 de novembro de 2007 no

salão de encontros do Centro de Formação e Cultura Indígena Raposa-Serra do Sol, gravada

em fita magnética com duração de 30 minutos:

- Eu: “Boa tarde. Estou aqui de volta para conversar com vocês assim, de modo informal,

sobre o que conversamos hoje pela manhã, para entender melhor como acontece a relação

entre vocês que são de etnias diferentes. Gostaria de saber de todos como se dá a convivência

entre Makuxi e Wapixana em suas comunidades, mas principalmente aqui na Maloca do

Barro. Por que pesquiso isto? Todos podem se perguntar. Porque tenho dificuldades de

conceber e realizar cursos de formação de professores numa perspectiva intercultural. Parece

curioso, não é? Não tem sido fácil formar professores indígenas quando em meio a uma

diversidade cultural aqui em Roraima, ainda temos de conciliar o contexto em que as

comunidades estão inseridas, um momento tumultuado, tenso. Ainda mais uma luta que

envolve tantas pessoas das mais variadas características sociais: índios, intrusos e poderes

públicos. Daí, este conflito precisa ser estudado através de vocês, alunos do Centro de

Formação e Cultura Indígena Raposa-Serra do Sol, como uma amostra desse grupo,

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considerando que aqui nesta turma de formação encontram-se alunos de diferentes etnias

habitantes e não habitantes da TIRSS, em companhia de outras pessoas da Maloca do Barro”.

- Eu: “Todos entenderam? Todos querem e podem ajudar na realização desta pesquisa de

campo?”

- Todos: “Sim”.

- Eu – “De todo modo, tenho que gravar a voz de vocês dizendo isto. Ta (sic) certo?”

Todos: “Sim”.

- Eu: “Por que de todo modo se vocês disserem “Não”, nós não queremos participar, então eu

desligo os aparelhos [Mp3 e gravador magnético], junto minhas coisas e volto para Natal no

Rio Grande do Norte. Porque ninguém é obrigado a dizer nada quando não julga correto dizer.

É muito importante eu dizer isto. Nem todo pesquisador vem aqui para fortalecer o

movimento de vocês. Eu estava ouvindo há pouco tempo uma história narrada por um colega

de vocês que após coletar informações, de repente publica em um jornal uma matéria contra a

homologação. E aí? Foi importante a pesquisa? Foi importante para ele! Para a Maloca do

Barro, não! Procure saber a conduta desses pesquisadores. Porque é para somar ou para

dividir. Aqui não há o que os jornais chamam de imparcialidade ou neutralidade. Então eu vim

aqui dialogar com vocês. Esta atividade aqui se chama entrevista coletiva não diretiva.

Pergunto a vocês e vocês podem me perguntar também. Eu não tomarei mais do que 15

minutos do tempo de vocês, a não ser que vocês queiram de estender”.

Como se encontravam sentados em círculo, iniciei pela identificação individual: nome,

etnia, comunidade, e outros elementos que o entrevistado quisesse expressar, para na segunda

rodada, se referir ao conhecimento de alguma história que versasse acerca de algum problema

de convivência [essa foi a expressão que encontrei de fácil entendimento para todos dali].

Foram tomadas 20 entrevistas com alunos do Centro de Formação com faixa etária

compreendida entre 20 e 25 anos, que apresento a seguir. Esclareci que cada um deveria

responder, primeiro, a pergunta: Quem é você? Os nomes entre aspas são fictícios, para

guardar a identidade. Cito a seguir cada um desses diálogos, com o propósito de dar

evidências às saídas transversais tomadas pelos atores. Na primeira roda, perguntei: “quem é

você?”. Na segunda: “o que você sabe acerca de problemas de convivência entre Makuxi e

Wapixana?”.

- Eu: “Boa tarde. Podemos começar?”.

1) “Sim” – Disse Marciel.

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- Eu: “Quem é você?”.

- Ele: “Sou Marciel, da região de São Marcos [Terra Indígena que está antes da Terra Indígena

Raposa-Serra do Sol]. Sou da etnia Makuxi e estudo nesta escola”.

2) “Sou Edvaldo. Tenho 21 anos e sou da comunidade de Pedra Preta da região do baixo

Cotingo, Terra Indígena Raposa-Serra do Sol. Nosso pai é Makuxi e a minha mãe também”.

- Eu: “E você, a que etnia pertence?”.

- Edvaldo: “Sou Makuxi!”

3) - “Meu nome é Tércio. Tenho 21 anos, sou da região da Raposa no Município de

Normandia, na comunidade linha seca. Tem este nome, porque está no limite da Terra

Indígena Raposa Serra do Sol. Meu pai é Makuxi, minha mãe é Makuxi e eu sou Makuxi

também.

4) - “Sou Alex, da comunidade de Pedra Preta, região das Serras. Sou Makuxi também,

porque meus pais são Makuxi. Tenho vinte e três anos. Só isto”.

5) - “Sou Ângela, da região do Baixo Cotingo, comunidade Pastorzinho. Meu pai, minha mãe

e eu, somos Makuxi”.

6) (“Selma”). “Sou do Surumu, da Terra Indígena Raposa Serra do Sol, sou Makuxi”.

7) - “Sou Pedro Estevão, da região das Serras, meus pais são Makuxi, eu também sou

Makuxi”.

8) - “Sou Ester, da comunidade de São Miguel, no Surumu, meus pais são Makuxi,

descendentes de Taurepangue. Eu nasci aqui, na Terra Indígena Raposa Serra do Sol. Sou

Makuxi”.

9) - “Meu nome é Miguel. Sou da Terra Anauá da etnia Wai-Wai. Vim pra cá estudar, porque

tenho preocupação com a minha comunidade, porque está passando muita dificuldade”.

10) - “Sou José Sabino, da comunidade Arraial, em Caracaraí. Meus pais são Makuxi e eu sou

Makuxi também”.

11) - “Já eu sou Arlindo da comunidade de Pedra Preta, região das serras na Terra Indígena

Raposa-Serra do Sol”. Meus pais e eu somos Makuxi”.

12) - “Sou Elielson. Moro em Uiramutã [Município] na Terra indígena Raposa-Serra do Sol.

Meu pai é Makuxi. Minha mãe é Arikuna misturada com Taurepang. Mas me identifico como

Makuxi”.

13) – “Meu nome é Daniel. Sou da comunidade de Araçá no município de Amajari. Meu pai é

Wapixana. Minha mãe é descendente de negro com índio. Sou Wapixana.”.

14) – “Meu nome é Alisson. Sou Makuxi da Comunidade de Taiano”.

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15) – (“José”). Sou Makuxi da comunidade de Maturuca, região das serras. Meu pai e minha

mãe são Makuxi e eu também”.

16) – “Meu nome é Otomar. Sou Makuxi e aproveito para dizer que esse trabalho tem que ter

retorno para a escola. Não esperar a gente ir à Universidade. A nossa biblioteca precisa”.

17) – “Meu nome é Batista. Sou da comunidade Carapurí, região das Serras” [Não identificou-

se quanto à etnia].

18) – “Sou Augusto. Meus pais são Makuxi e eu também”.

19) – “Sou Edílson. Sou Makuxi como os meus pais, da região das Serras”.

20) – “(Maria) Sou Makuxi de pais Ingarikó. Nasci na Terra Indígena Raposa-Serra do Sol”.

Tendo encerrado o primeiro ciclo da entrevista, encaminhei o segundo tópico: a

audiência de narrativas sobre fatos do conhecimento dos alunos sobre problemas de

convivência interétnica54, particularmente entre Makuxi e Wapixana. Dessa segunda

abordagem, apresento a seguir as minhas tentativas.

- Eu: “Bom, como concluímos com a identificação de todos e todas desta sala, queria agora

ouvir de vocês algumas histórias em que vocês relatassem algumas das histórias de suas

etnias, conforme combinamos pela manhã”.

Passados 15 minutos, eu ainda esperava que alguém, voluntariamente, me chamasse.

Nada. Sentindo que algo intencional estava acontecendo, ratifiquei o pedido:

- Eu: “Ninguém quer falar? Nem sobre algum problema, luta, guerra que vocês ficaram

sabendo de seus pais ou avós?”

Ninguém dizia nada. O silêncio imperava. Após uns 5 minutos a mais, alguém disse:

“Professor!”.

- Eu: “Sim, pois não”.

- Ele: “Tenho uma história para contar”.

- Eu: “Então conta” [Me aproximei].

- “Na comunidade, há muito tempo atrás, aconteceu o seguinte: Um homem de outra etnia

chegou e começou a trabalhar. Em alguns meses, ele estava vivendo com uma índia da

comunidade. Mas tinha algo errado. Ele não fazia coisas que agradassem a sua esposa. Ele

começou a não se adaptar. Muita reclamação. Então a liderança da comunidade – o Tuxaua –

chamou ele e conversou com ele. Ele preferiu voltar para sua etnia. O homem só não era da

nossa etnia. Não sabemos de qual era. Não era branco. Era índio”.

54 Lembrei que não havia palavras correspondentes a conflito nas línguas Makuxi e Wapixana. Daí, empreguei a expressão “problemas de convivência”.

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Novamente, provoquei outras iniciativas como aquela que todos tinham acabado de

ouvir, pois o aluno – Makuxi – contou para o grande círculo. Porém, todos continuavam em

silêncio.

Então falei:

- Eu: “Olha, podemos fazer o seguinte acordo: amanhã bem cedo poderíamos nos reunir em

separado. Makuxi com Makuxi; Wapixana com Wapixana; Wai-Wai; Taurepangue”. Aí

ouvem de modo bem expressivo uma resposta:

- Todos: “Assim tá”.

A resistência, à priori, associo à possibilidade de não se sentirem à vontade de falar em

público. Analisando a primeira resposta dada individualmente pelos alunos e alunas do Centro

de Formação e Cultura Indígena da Raposa-Serra do Sol, podemos chegar às seguintes

considerações: São 16 rapazes e 04 moças – Nesta condição, o quadro sugere uma sutil

inserção feminina como dirigentes políticas e técnicas de suas comunidades, o que não é uma

perspectiva exclusivamente Makuxi, pois, há uma Taurepang e outra Ingaricó e empregam

como desinência étnica o fato de ter nascido na Terra Indígena Raposa Serra do Sol, sem

necessariamente pela descendência patrilinear como é comum nos outros casos. O anonimato

de duas delas me sugere não um medo em se identificar a mim nem de ter suas palavras

utilizadas contra si mesmas ou às suas comunidades. E sim, uma extensão da liderança

política exercida pelo homem nessas sociedades em Roraima como no Conselho Indígena de

Roraima – CIR e da Sociedade de Defesa dos Indígenas Unidos do Norte de Roraima –

SODIUR55 (organização indígena que faz oposição ao CIR que é dirigida por dissidentes

Makuxi e Wapixana) de modo que, diria, proporcionalmente, as quatro alunas escolhidas por

suas Malocas relacionam-se à representação de uma classe multi sexual como a de

professores, que está representada no Estado por uma Índia Wapixana, Pierlângela. Pode ser

que a boa atuação das poucas mulheres em organizações indígenas no Estado, esteja

influenciando ou até incentivando às comunidades a enviarem mulheres jovens para o Centro

de Formação e Cultura Indígena Raposa-Serra do Sol.

A SODIUR tem sede em Boa Vista também presta serviços de recepção e abrigamento

de índios que vêm à capital para buscarem solução de algum problema. Essa organização

mantém uma forte cooperação com o Governo do Estado de Roraima.

Os demais alunos, em um total de 16, aludem a outras conclusões. Desses, 13 são

rapazes da etnia Makuxi; 1 Wai-Wai; 1 Wapixana e 1 Ingarikó. Em suas respectivas frações,

55 Associação indígena que representa cerca de 5.231 habitantes da Raposa Serra do Sol, que defende a criação de “ilhas indígenas”, ou seja, uma demarcação não-contínua da Terra Indígena.

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interpreto que, sendo a maioria composta por Makuxi, indica que estes provavelmente estarão

no froint das lutas territoriais. Essas lutas já não se tratam de uma defesa ou um ataque à

territórios indígenas e sim, à proteção da Terra Indígena Raposa-Serra do Sol. Por outro lado,

a participação das minorias étnicas Wai-Wai, Wapixana e Ingarikó, mostram os primeiros

passos na co-participação política pela unidade na diversidade indígena de Roraima, sem

perder de vista o senso de responsabilidade pelo lugar, seja a comunidade de onde vem ou ao

próprio Centro de Formação. Se novo é o cuidado de se ter uma formação técnica e política

entre os alunos do Centro de Formação, ainda vigorará a tradição da patrilinearidade na

desinência étnica, como o é na grande maioria das sociedades indígenas.

Quando eu esperava ouvir os relatos de histórias, nada saiu. Nessa ocasião, era tudo o

que eu mais esperava: os depoimentos. Mas aprendi com o silêncio que, por se tratar de um

tema do conhecimento de todos, não era comum tratar dele abertamente. Ainda mais em um

espaço onde etnias que certamente seriam citadas, encontravam-se presentes. Foi quando tive

a idéia de sugerir que essas histórias fossem contadas para mim reunindo etnias em separado.

Foi quando todos concordaram. Era fim de tarde da segunda-feira.

“Na noite da segunda-feira (vinte e seis), jantamos. Antes, à tarde, estive com o

Coordenador do curso, Eliomar (23 anos) na varanda do dormitório. Identificou-se como índio

Makuxi e disse-me que nascera no Município de Alto Alegre. Naquela conversa informal ele

expressou sua satisfação de ter sido um dos primeiros alunos do Centro e honrado por ser há

três anos, o Coordenador. Mas que também estava triste pelo fato de que sua mãe havia

“perdido sua identidade” [palavras dele] de índia. Conversamos ainda um pouco sobre meu

trabalho, mostrando-lhe inclusive o termo de livre consentimento do informando.

Conversamos ainda sobre música, descobrindo que tínhamos gostos em comum, as nossas

preferências.

Havia programada a exibição de um vídeo épico, a partir de um dvd levado pelo

professor L. Em síntese, o filho de uma “tribo” polonesa que tivera seus pais biológicos

assassinados. Mas, em meio ao ataque, um jovem guerreiro de outra “tribo”, raptara o menino

recém nascido e o entregara a um outro chefe tribal para ser criado. Este, mais tarde, viria a

ser aquele que retomaria as terras que pertencera à sua etnia. Ficou nítida a escolha proposital

do professor como um recurso didático para o desenvolvimento de sua disciplina.

O que me chamou a atenção durante a exibição do filme, exibido em aparelho de

televisão colorido na varanda do dormitório das “autoridades”, pois lá só podiam ficar: a

família do Tuxaua, o Coordenador do curso, os professores visitantes em que vinham

ministrar as disciplinas e eu, o “professor” [grifo meu – assim fui denominado durante todos

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os dias que lá estive], foram duas coisas principais: 1) a formação de grupos de “audiência” –

novamente por etnias e, 2) o aspecto de concentração de praticamente todos (35 alunos e

alunas), quebrada apenas pelas saídas para tomar água ou café. O que isto diz de tão

importante à compreensão deste trabalho? Arriscaria afirmar que há uma relação entre a

formação dos grupos, a concentração e o filme. Em essência, o filme retratava o problema da

“vida real”. Esta expressão quase que fica inaudível. Mas ouvi em um cochicho entre dois dos

alunos que lembro bem, de origem Makuxi.

As religiosas missionárias que chegaram à noite, conversavam entre eles [As religiosas

A e B as quais identifico pelas duas primeiras letras do nosso alfabeto para resguardá-las de

qualquer mau uso das suas falas, estavam fora da varanda, combinando os locais de

acomodação, vez que eu havia ocupado exatamente o quarto em que elas costumavam ficar.

Na terça-feira, 27 de novembro de 2007, às oito horas da manhã, o sino tocou,

anunciando o início das atividades do curso desenvolvido pelo professor L. Mas, antes de

seguir com o texto, lembro que na segunda-feira (vinte e seis) a noite, às vinte horas, o mesmo

professor exibiu o filme ‘A Encantadora de Baleias’. E foi exatamente este o tema de

retomada do curso na manhã da terça-feira. Permaneci presente à turma até o término da

análise feita em diálogo com os alunos. Fiquei muito feliz ao ver o excelente nível de

interpretação e contextualização que aqueles jovens conseguiram estabelecer.

Por volta das nove horas fui a pé até o centro da Maloca telefonar do único ‘orelhão’,

situado em frente ao lugar onde acontecem as assembléias indígenas. Aguardei na fila. Nisto,

fui encontrado pelo Coordenador dos Professores – S. – que falou comigo em saudação.

Imediatamente, percebi que ali estava acontecendo um encontro com todos aqueles que

tinham algum problema a ser solucionado na Maloca [pelo menos foi o que deduzi a partir do

que eu ouvia]. Os problemas que eu ouvi a partir de minha chegada àquele local foram: a

venda de bebidas alcoólicas dentro da Maloca, projetos locais como o da garimpagem de

pedras preciosas dentro da Terra Indígena, etc. Isto me chamou a atenção. Novamente,

percebo a aproximação de um dos professores da Escola Pe. Anchieta, o Prof. S. Ao meu lado,

me convida para participar do encontro da ‘comunidade’ [categoria empregada por ele].

Aceitei e me comprometi a participar pela tarde, já que na manhã tinha compromisso com o

Prof. L. que me convidara para assistir uma de suas aulas.

Retornei ao Centro de Formação. Pelo que pouco a pouco fui sendo informado, serve

sempre como ponto principal dentro da Maloca. Não apenas para a realização de todos os

eventos da comunidade mais também em toda a extensão da Terra Indígena. Na chegada,

reencontrei a Irmã “A”, a mesma que encontrei no Conselho Indígena de Roraima. Em sua

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companhia, como se apresentou a mim, estava a Irmã “B”, religiosas da Missão Consolata. A

primeira foi logo repetindo as mesmas palavras que me dissera lá – que sempre tinha

problemas com antropólogos [estas me pediram para guardar anonimato em outras

informações]. Também em minha presença e na dos professores L. e J. Posso estar errado.

Mas senti que havia ali uma preocupação sobre quais seriam minhas verdadeiras intenções na

Maloca. Preferi ficar em silêncio, guardando para o almoço alguma oportunidade para

esclarecimentos sobre minha presença na comunidade. E no refeitório respondi com as

mesmas palavras que disse lá em Boa Vista, sede do CIR : “estou aqui apenas para buscar

entendimento sobre a relação entre as etnias presentes aqui na Maloca Barro. Penso que as

convenci, pois, não tocaram mais no assunto” (Diário de Campo, 27/11/2007. v. p. 7).

Como havia combinado com os alunos, na terça-feira pela manhã nos reuniríamos por

etnia para obter as histórias sobre os problemas de convivência que os alunos e alunas

tivessem conhecimento. Passei a aula inteira do professor L. esperando. No intervalo da

manhã, às 10h30min, logo que eu tinha chegado da “sede”, abordei um grupo que saía.

- Eu: “Bom dia. E aí, estão gostando das aulas do professor L.?”

- Eles: “Sim, estamos”.

- Eu: “Posso perguntar uma coisa?”.

- Eles: “Sim”.

- Eu: “Vocês poderiam me dispor uns cinco minutos para conversarmos um pouco a respeito

das histórias que combinamos?”.

- Eles: “Tá professor. Só um momento”.

Saíram. E não retornaram a mim. Eu estava quase concluindo que não conseguiria

obter narrativas pelo diálogo, mesmo reunindo em pequenos grupos segundo as etnias.

Procurei um segundo grupo de alunos que estava sentado fora da sala de aula, conversando.

- Eu: “Bom dia pessoal”.

- Eles: “Bom dia, professor”.

- Eu: “Estou incomodando?”.

- Eles: “Tá não professor”.

- Eu: “Então, quem quer me falar por um instante sobre alguma história que tenha ouvido falar

ou mesmo presenciado em sua comunidade, onde alguém tivesse brigado com outra pessoa de

outra etnia?”.

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Fiquei esperando por uns 2 minutos. O que vi apenas foram olhares inter cruzados.

Compreendi a resposta. Não haveria de atingir o foco da entrevista, nem mesmo pela

abordagem em subgrupos, apesar de tê-la modificado. Agradeci mesmo assim e saí da

presença deles. Permaneci pelo resto da aula junto à sala com o professor L. Lá, refletindo

sobre as duas frustradas abordagens, pensei e registrei no Diário: “Talvez isto tenha

acontecido por alguns motivos: a) Não se trata de um assunto que se deva falar para um

professor. Ele pode falar isto ou escrever sobre isto e citar a ‘nossa etnia’; b) O assunto seja

algo que nem seus semelhantes étnicos devam saber quem contou, por uma questão de

preservar algum reconhecimento ou valor junto à comunidade de origem; c) Ou eu ainda não

tivesse inspirado o real sentimento de confiança entre eles e elas. Decidi estimular os

depoimentos individualizados, o que fiz no final da manhã da terça-feira com a licença do

professor L., no final da aula. E fortaleci a convicção de intensificar a observação nos mais

diversos locais como em partidas de futebol; caminhadas que eu fizesse na companhia de

alguém; se eu fosse convidado para ir ao estábulo da comunidade ou a um roçado de

mandioca, ou mesmo no refeitório das escolas. Com certeza, as “peças” desse “quebra-

cabeça” estavam dispersas pelos mais variados lugares da comunidade.

Naquela tarde, não permaneceria lá, mas na reunião da comunidade. Uma distância de

trinta minutos de caminhada me separava entre o Centro de Formação e o meu destino. Não

poderia deixar de comparecer, pois, presumi ter sido objeto [grifo meu] de informação no

encerramento da manhã. E tendo eu notado uma preocupação dos professores e demais

autoridades locais com a forma de apresentação nos espaços coletivos, tomei a mesma

etiqueta. Imaginavam, talvez, como assim foi com o Tuxaua Anselmo, que eu fosse essa tal

autoridade.

Enquanto eu saía, encontrei-me com a Irmã “A” que conversava com Coordenador do

curso. O pouco que pude captar dessa conversa, seria uma instrução para procedimentos de

encerramento do curso ministrado pelo Prof. L., coisas do tipo o que fazer, como fazer, etc.

Aguardei um pouco à distância e esperei por ela, pois fizera um gesto com a mão para que eu

parasse e por ela esperasse. Ela me acompanhou até a porteira do Centro de Formação. E

numa que acreditava ser a última investida dela, me fez a mesma pergunta. Então lhe respondi

em forma de indagação: ‘o que acha da relação entre professores indígenas da Raposa/Serra

do Sol com todo o processo demarcatório e as atitudes de afirmação e segurança atuais?’ Ela

então me respondeu: ‘estou feliz com seu trabalho agora. Considero sim como pessoas

indispensáveis ao estágio que os povos indígenas da região alcançaram’. Foi então nesta

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pequena e breve conversa com a Irmã “A” que encontrei um dos meus principais achados

[grifo meu]. Ela acrescentou: ‘Olha, esses professores são tão importantes que, por ocasião da

última grande assembléia, os Tuxauas mais antigos disseram que a partir dali, 1996, os mais

jovens deveriam assumir a luta. E esses mais jovens foram na grande maioria, professores,

quando não ex-alunos do Centro de Formação’. E me encaminhando à reunião que já devia ter

começado, encerrou o diálogo pedindo o meu compromisso em apresentar os resultados de

minha pesquisa, o que jurei em assim proceder por ocasião de meu retorno à Roraima após a

defesa da dissertação” (Diário de Campo, 27/11/2007, p. 8).

Meu retorno ao Centro de Formação deveria ocorrer antes do encontro terminar,

pois, eu dependia da luz do dia para retornar pelo caminho, lugar onde o Tuxaua passou a

residir após ter sofrido um roubo em sua residência da sede da Maloca, seguido de incêndio,

segundo ele, cometido em oposição à demarcação da Terra Indígena em área contínua. Saí

com o esforço de não interromper a reunião e de modo que na minha ausência, pudesse, quem

sabe, até comentarem sobre minha presença ali, eu, um não indígena.

A entrevista acima foi a primeira individual que ocorreu após a entrevista semi-

estruturada feita com todos (entrevista coletiva) os alunos do Centro de Formação quando o

Professor da disciplina me apresentou e então fiz uma breve explanação sobre meu trabalho na

Maloca do Barro e pedi que, a partir dali, quem quisesse colaborar que me procurasse. E foi

ao final do primeiro dia que ele me procurou e disse que gostaria de falar comigo.

Considerando que isto ocorre no domingo à tarde, apenas na terça-feira à noite “colhia” a

primeira entrevista e, digo, um “fruto” considerável para este trabalho. Por quê? Pelas

seguintes razões.

Trata-se de narrativa épica de sua etnia, a Makuxi. Pela riqueza de detalhes, bem

descritas pelo aluno jovem, aponta para uma situação de enfrentamento interétnico provocado,

segundo a narrativa, pela invasão de um povo estranho – Scariã – “canibais”. Uma ameaça

aos habitantes do lavrado. Fato importante a garantir a presença de componentes das

paisagens naturais como rios e serras, mas também destes serem os caminhos tomados para a

abordagem pelos Arikuna que, apesar de estarem “fixados” na Venezuela, certamente tinham

conhecimento do ambiente das serras, visto que um deslocamento para fins de guerra,

ocorreria com atenção redobrada dos guerreiros, para vencerem os aclives e declives que o

espaço impõe56.

56 Em 2002 tive a oportunidade de percorrer uma ínfima parte desse percurso quando estava trabalhando com professores índios e não índios do Município de Uiramutã, na sede. Realmente, uma paisagem cercada de precipícios e de um calor intenso.

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Ressalto ainda a aliança entre Makuxis e Arikunas. Este fato consiste no mais

significativo, visto que é a evidência maior de que os primeiros a utilizavam não apenas como

recurso de abordagem, criação e manutenção de vínculos sociais a outras etnias, mas que a

tomavam como uma estratégia de defesa e só depois, de ataque. Isto, portanto, confirma a

premissa de Janice Theodoro57 (1998), quando reconhece que “as populações meso-

americanas ou mesmo andinas, resolviam o conflito interétnico, evitando criar uma cultura

basicamente beligerante. [...] As relações de reciprocidade na América constituem-se em parte

substantiva da resposta. Entenda-se bem, havia culturas que tinham sido vencidas por meio da

guerra, como ocorrera no Brasil e em outras partes da América”. O mesmo para a aplicação

aqui, do conceito de campo. Para Oliveira Filho (1988), campo social, como apresentado no

capítulo da revisão teórica (p. 54 deste trabalho), é um campo de interdependência, local onde

atores, inclusive quando da presença do pesquisador, compartilham de valores coletivos.

A convite do Tuxaua A. e do Prof. L. permaneci o restante do turno na Assembléia

dos Alunos, aguardando que alguém viesse conversar comigo. A Assembléia dos Alunos é um

momento definido no Projeto Pedagógico do Curso onde eles planejam e discutem as ações

dos projetos do Centro: da oficina, da criação de porcos e coelhos, das plantas medicinais e do

pomar. A Assembléia dos alunos era obrigatória apenas para os alunos do quarto ano.

Quando saí de lá, retornei ao dormitório. Mas, percebi que três crianças estavam

assistindo televisão na varanda. Cheguei junto a elas e perguntei quem gostaria de contar

histórias. Os dois menores olharam na direção do mais velho. Mentalmente, interpretei que tal

atitude sugeria que desde criança ali se nutre um respeito à hierarquia etária.

Eu e o Professor L. saímos juntos e fomos tomar café na companhia do Tuxaua A.

Sempre procurei manter a hierarquia política interna, colocando-me na posição de espera às

autoridades locais, a partir do Tuxaua, a seguir dos que estavam na Maloca antes de mim,

mesmo entre meus colegas professores. Foi servido no café da manhã, leite, café, e cuscuz”

(Diário de Campo, 27/11/2007, v. p. 6).

Na quarta-feira, 28 de novembro de 2007, com a saída do pessoal, fui convidado por

Ideilson Makuxi – aluno do quarto ano, para sentar com ele à escadaria de acesso ao

dormitório. Conversamos juntos por cerca de 40 minutos sobre assuntos diversos.

“Seguimos pela parte externa da Maloca, trilhando por algumas veredas por volta

das quinze horas e trinta minutos. Quando alcançamos a referida área, ele foi me informando o

57 Professora Janice Theodoro é Doutora em História pela Universidade de São Paulo em 1997. Seu texto está disponível em http://www.fflch.usp.br/dh/ceveh/public_html/cultura/conferencias/ja-p-co-assis7.htm. Acessado em: 28 de março de 2008.

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nome de cada um dos exemplares ali plantados, especificando o tido de preparo feito no solo,

as características de cada planta (tipo de solo adequado, necessidade de água, etc.), e a data

em que os gêneros foram ali plantados. Comentou que estava regando com um balde, trazendo

água do Rio Surumu que passa a 200 metros por trás da área, porque a bomba d’água estava

quebrada” (Diário de Campo, 28/11/2008, v. p. 10).

“Na volta, Ideilson, que me acompanhou até o ‘pomar’ [termo por ele empregado],

me convidou para assistirmos a uma partida de futebol de campo entre colegas que ocorria ali

perto. Já passava das dezessete horas quando chegamos ao campo. Observei atentamente todo

o desenrolar da partida. Perguntei ao meu informante como ocorria a composição de cada

time. Ele me respondeu que o time era ‘misto’ [termo empregado por ele]. Mas, como saber se

os dois times foram formados ao acaso? Tive que esperar o término da partida. Havia um time

fora, aguardando que o tempo decorresse. Com a saída do time perdedor, fui ao encontro deles

e pouco a pouco fui perguntando, um a um, sobre a etnia a que pertencia. De um grupo de sete

jogadores, tinha ali dois Makuxi, dois Taurepangue e três Wapixana. Quando eu perguntei se

havia o que na divisão dos times é chamado de capitão, todos disseram: um dos alunos

Makuxi.

E como voltei para o fundo da varanda, sentei-me ao lado do aluno índio Yanommami

Dionito. De início, permaneceu em silêncio. Mas logo foi me perguntando em português com

muita dificuldade: ‘o senhor tem mulher’? Respondi: ‘tenho sim e com dois filhos que ficaram

em casa, numa cidade chamada Natal, a muito tempo de viagem daqui’. E foi somente isto

que falou comigo. Este seria aquele que, na manhã seguinte, pescaria uma enguia [peixe

elétrico como me explicara com muita dificuldade]. Falei para ele pausadamente um pouco

sobre mim. Ele terminou o diálogo, colocando todo o trajeto que faria no fim de semana até

chegar ao lugar de origem, percorrendo trechos de avião até Manaus e, de lá, até seu lugar de

origem, faria de barco. Durante a fala de Dionito chegava Geraldo, seu irmão. Sentou-se e

nos observou por algum tempo, até que começou o Jornal da Globo. Então, quando os demais

saíram, os dois também os seguiram. Entrei para o quarto e fiz essas anotações. Daquela noite

em diante, tive a certeza de que teria mais um informante, pois, acabara de me aceitar. Como

suspeitava que meu retorno estaria próximo, fui estudar o Projeto Político-pedagógico do

curso oferecido no Centro de Formação e Cultura” (Diário de Campo, 28/11/2007, p. 11).

Examinando o Projeto Político e Pedagógico constatei que teve sua elaboração

concluída em novembro de 2006. Como pude registrar no Diário de Campo, além de conter

dados de identificação da instituição, consta a assinatura do Tuxaua e então Coordenador

Anselmo Dionísio Filho. Está estruturado em cinco capítulos e três sessões de encerramento.

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Como não havia um meio para copiar o documento, na noite do dia 28 de novembro me pus a

examiná-lo. A parte de sua estrutura que mais me chamou a atenção foi a primeira:

Fundamentos do Projeto – Nosso Chão, onde há uma “leitura da Realidade”, que é iniciada

pela apresentação das seguintes etnias: Macuxi [aqui a etnonímia está grafada com “c”,

divergindo da versão que me foi informada oralmente], Wapixana, Ingaricó, Patamona,

Sapará, Ianomâmi, Yekuana, Wai-Wai e Waimiri-atroari, etnias a quem o Centro de Formação

e Cultura atende para habilitar alunos no Ensino Médio Profissionalizante em Agropecuária e

Manejo Ambiental (Projeto Político e Pedagógico, 2006, p. 4).

O calendário letivo é bastante diferenciado dos demais do que é chamada de Educação

Escolar não indígena e está de acordo com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional,

segundo o diretor da escola Pe. José de Anchieta que também é o responsável pelo estábulo do

Projeto do Gado. Lá, os períodos de aula são intercalados, coincidindo os retornos às malocas

de origem, por ocasião dos tempos de plantio e colheita. De dois em dois meses há aulas

teórico-práticas presenciais. E nos dois meses posteriores, os referidos alunos retornam às suas

comunidades para lá vivenciarem as aprendizagens. O que tem de sui-generis nesta escola é o

sistema de avaliação. Parte da aferição das “notas” é dada pela Maloca onde o aluno reside

pelas mudanças que ele ou ela, pôde demonstrar. Quem avalia são pessoas com quem o aluno

e a aluna ficam diretamente ligado na Maloca.

Na quinta-feira, 29 de novembro de 2007, não sabia que seria meu último dia na

Maloca. Foi quando ao toque do sino, enquanto eu saía para tomar o café da manhã, que o

Tuxaua Anselmo em minha companhia, falou: ‘bem, hoje à tarde os outros alunos irão para

suas Malocas. Podemos aproveitar a manhã para você filmar um pouco sobre a Maloca

Barro’. Claro que era um privilégio ter o Tuxaua narrando as cenas captadas pela minha

câmera. Nos servimos como de costume. Faltava água para lavarmos nossos utensílios. Mais

tarde viria saber que era devido à falta de óleo diesel no gerador da Maloca que, por sua vez,

deixava de mover a bomba que abastecia toda a Maloca.

Quando voltei do quarto em que fui buscar os equipamentos, já não encontrei mais o

Tuxaua. Fui informado por Heliomar [só agora que ele me disse que o nome dele era escrito

com ‘H’] que o Tuxaua havia saído, mas não sabia para onde. Foi o momento de nossa

despedida. Enfim, dali em diante, era apenas eu e mais uns dois ou três alunos que

aguardaríamos a oportunidade para saírmos de lá. Sim, deduzi que acabava de receber a

licença de retorno à capital. Agradeci ao Coordenador Heliomar por tudo que o Centro de

Formação havia me proporcionado, colocando-me à disposição das lideranças para prestar

qualquer assessoria, por ocasião do meu retorno a Roraima, provavelmente até o começo do

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segundo semestre de dois mil e oito. Apertei fortemente a mão dele e, como estava com a

câmera na mão, fiz as últimas ‘tomadas’ do espaço. E claro que a única voz a narrar seria

mesmo a minha.

Dirigi-me a pé para a Escola Estadual Pe. José de Anchieta. Assim que cheguei lá, o

Diretor pediu para que eu aguardasse, pois, ele estava concluindo uma pequena reunião com

os professores. Enquanto eu esperava, fiquei observando o espaço físico da escola. Ela é

posicionada bem ao centro da Maloca do Barro. Parte do prédio encontrava-se desmontado,

como se estivesse passando por uma reforma. A escola segue os padrões geralmente presentes

nas demais escolas não-indígenas: salas quadradas com portas e janelas; cadeiras enfileiradas

direcionadas ao quadro de giz, com uma mesa e cadeira para o professor, voltada para as

carteiras; Sala de Professores com uma mesa ao centro e suas respectivas cadeiras,

circundadas de estantes abertas e fechadas contendo livros e materiais diversos; uma geladeira

no cantos em funcionamento. Uma sala “arranjada”, porque a escola passava por reformas

ainda não concluídas.

Por trás da ala administrativa, encontrava-se a quadra de esportes. E, ouvindo gritos

de crianças a brincar, me dirigi para a parte anterior da referida ala. Deparei-me com três

espaços isolados e difusos nos moldes de uma sala de aula: uma mesa para o professor,

carteiras escolares voltadas a frente, um tablado para o quadro de giz. Encontravam-se ali três

turmas, sendo uma multi-seriada, esperando o toque para a conclusão antecipada das aulas,

mediante o evento da reunião.

Nisto, conversei com algumas merendeiras e copeiras. E vendo aquelas crianças que

permaneciam lá, propus-me às suas respectivas professoras, para ficar contando histórias

infantis para a garotada, o que foi prontamente aceito. Passei então para o centro da quadra de

esportes, um ambiente ventilado e coberto. No intervalo de uma história para outra, sempre

perguntava quem gostaria de contar alguma história, isto ávido para colher algum detalhe que

me acrescentasse algo sobre a relação interétnica dentro da escola. Mas, nada. Nenhuma

criança se dispôs. E pensei: “como aqueles do Centro de Formação e Cultura (p. 65), estas

também não querem falar”. Daí fiquei no monólogo, entrecortado por “saraivadas” de risos

vindos das crianças que se encontravam a me ouvir, sentadas na arquibancada.

Quando fui interrompido por um dos professores para ir à Sala deles a fim de realizar

as entrevistas, as crianças ficaram pedindo que eu contasse mais histórias. E com muita

dificuldade, consegui sair de lá na promessa de um dia repetir a contação de histórias por

ocasião do meu retorno à comunidade.

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Ouvir os professores era um momento importantíssimo para este trabalho, pois, além

deles e delas terem moradia na Maloca, todos serem índios, embora nem todos natos da

Maloca do Barro, aqueles e aquelas teriam – em seu tempo – uma participação nos momentos

de decisão da comunidade bem como no seu cotidiano. Além do mais, percebia uma

valorização deste profissional pelos alunos, bem ao contrário da grande maioria nas escolas

urbanas não-indígenas. Chegando à Sala dos Professores, eles e elas encontravam-se sentados

rodeando a mesa; no meio lateral no qual, posicionavam-se o diretor e também professor. O

momento formal começava. Dei bom dia a todos, o que me foi prontamente retribuído.

Passava das dez horas quando fui convidado para sentar à frente do Diretor. Ele,

como no dia anterior em que fiz a primeira visita de apresentação e contato, pediu para eu me

apresentar e explicar a finalidade de meu trabalho. Assim o fiz. Falei lentamente e assinalei

que ninguém ali deveria se sentir forçado a colaborar e que se isto estivesse ocorrendo ali, eu

não ficaria triste pela não participação. Contudo, todos se prontificaram a ajudar com suas

narrativas. Perguntei se gostariam que fosse um momento com todos de uma vez, juntos. Em

uma voz, responderam-me: “não! Professor” [ali tive a conclusão de que eu fui reconhecido

como um “semelhante”, do ponto de vista profissional. E isto era o que eu esperava, visto que,

em condição de igualdade profissional, as chances de obtenção de detalhes numa narrativa,

são bem maiores]. E prosseguiram: “queremos falar individualmente”. Acatei, acrescentando

que cada um poderia sugerir o melhor lugar para a gravação. Quando falei em gravação por

câmera de vídeo, uma das professoras deu “um pulo”: “ah, professor, mas eu fico nervosa

diante de uma câmera”. Esclareci que se alguém se sentisse constrangido ou por algum outro

motivo, não quisesse participar, que me dissesse porque assim eu apenas faria algumas

anotações. Então ouvi um “ah, tá”. E assim, fiquei ali mesmo na sala dos professores, a

convite do primeiro entrevistado, que não manifestou oposição alguma à gravação em câmera

de vídeo.

A seguir, disponho as falas de professores e alunos entrevistados, na forma integral

da versão obtida58.

1) Professor Luciano: É o mais antigo da Escola Pe. José de Anchieta. É professor de

Matemática e deu a maior ênfase à sua origem étnica. Dele veio a informação de que 4

Tuxauas tinham sido alunos seus e que foi “um vaqueiro sem gado (risos)” antes de ser

58 Tomei a liberdade de não aplicar o procedimento de recuo textual esperando em casos de uso textual alheio determinado para trabalhos científicos pelas Normas Brasileiras de Registro, a fim de dar o devido reconhecimento, por mim, à expressão do conhecimento dos entrevistados.

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professor. Fizera por três vezes o Segundo Grau (atual Ensino Médio) só para não ficar

parado, pois, não tinha a oportunidade de fazer uma faculdade antes da chegada da

Universidade Estadual de Roraima [tem uma turma de Pedagogia instalada na sede da Escola]

e que só teve uma formação para o magistério pela primeira vez, quando já atuava havia 31

anos como professor: “foi uma experiência muito bacana, porque eu acredito que, na medida

em que você vai gostando daquilo que você faz, você se sente realizado. Mas, depois, eu acho,

tá sendo por vocação [neste momento, ele demonstrou toda a felicidade]. Eu acredito que esse

pensamento de aprender mais do que é ensinar, é o que me faz continuar vivo em meu

espírito. Ainda mais agora que estou cursando o curso de Pedagogia. Tá abrindo mais um

espaço para mim. Vou fazer também a Matemática, né? E era um desejo antigo [...] O que

vejo hoje é que a educação precisa de professores realmente com vocação e não de professores

por opção”. Ao ser indagado sobre o desafio maior da comunidade, ele respondeu: “O desafio

maior é ver a população indígena crescendo e precisando de maior assistência no campo

educacional. Isto não nega. Isto está presente. Então, o desafio maior é aprofundar mais,

convidar mais colegas para abraçar essa causa, esse compromisso que nós chamamos de

educação. Tá? E foram muitos anos de desafio, né? Ainda não estamos no final. Ainda

estamos na batalha [senti que ele se referia não a um desafio, a uma batalha no micro espaço

escolar. E sim, na questão do direito à propriedade da TIRSS, ele na condição de índio

Makuxi]. Sempre nós procuramos superar da melhor maneira possível”. Quando perguntei: “O

senhor considera essa escola importante para a comunidade?” Ele me respondeu: “Com

certeza. Porque aqui por esta escola já passaram a maioria de quem estudou na região”. Eu:

“Tuxauas já estudaram nesta escola?”. Ele: “Olha, no momento... [pausou enquanto

lembrava], o Tuxaua Jesuíno, Anselmo e Valter. O desafio permanece. A semente precisa

semear” [Me chamou a atenção de imediato essa frase, o que voltarei a analisar após todas as

transcrições]. Agradeci ao colega professor e pedi licença para seguir com as entrevistas.

O Professor Luciano é alguém a quem por analogia, diria que é um dos “anciãos” da

comunidade escolar. Tem pleno conhecimento histórico e pedagógico não apenas da Escola

Pe. José de Anchieta, mas de toda a TIRSS. Intui que seu campo de batalha é a escola. Atento

ao que se passa na comunidade, o que o preocupa é o enfrentamento, o desafio que se ergue

entre o crescimento da escola e o que ela pode fazer em prol disto, do crescimento da

comunidade e de seus desafios. Assim, ele tem construído, embora não verbalizado na

entrevista, o problema do conflito interétnico que está fora, mas que permeia para dentro da

escola, quando conclui que “a semente precisa semear”.

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2) Profª. Jenilce: Entrevistada na quadra de esportes a pedido dela que também aceitou o

registro videográfico. Após ratificar a importância da sua participação para o meu trabalho,

perguntei: “Como você começou a ser professora?”. Ela me respondeu um tanto nervosa:

“Comecei a trabalhar há três anos e meio por processo seletivo [que significa contrato

temporário]. No início, foi difícil. Não sabia falar Makuxi. Então, no início, foi sempre muito

difícil pra mim, porque eu não sei falar minha língua Makuxi. Então tinha um colega que

estudava. Era professor. Ele me ajudou bastante. Consegui um texto para mim. Então estudei e

passei. Então, logo no início, para eu trabalhar, foi muito difícil. Fui para a região de

Normandia [Município a nordeste do Estado, distante mais ou menos 5 horas de carro em

relação à Maloca do Barro]”. Perguntei: “Você tem alunos de quais etnias?”. Respondeu-me:

“Apenas Makuxi”. “Você ensina qual série?” – indaguei. Disse-me: “a 1ª série do

Fundamental” [nível de escolaridade]. E ela deu prosseguimento sem que eu provocasse:

“Então, eu fui para as serras. Foi uma louca cena, porque eu não conheço pra lá. Cheguei. Não

tinha vaga pra mim. Peguei, voltei de novo. Fui pra lá chorando. Nunca tinha saído de casa.

Era a primeira vez que tinha saído. Chegando à localidade, eram apenas três casinhas. Para

mim era difícil, porque tinha minha família. Eu cheguei lá e a única coisa que eu fazia era

chorar. Chorar e chorar. Assim, era um lugar muito isolado para mim. Aí eu passei lá só dois

meses. Peguei, voltei na educação de novo. Me lotaram numa escola não indígena em

Pacaraima. Fiquei lá até o final do ano. Peguei, fiquei grávida. Entrei de licença”. Perguntei:

“Você tem o magistério?”. Disse: “Não. Fiz apenas o segundo grau, aqui mesmo nessa escola”

[uma professora que foi aluna de onde agora ensinava – pensei]. Prosseguiu: “Aí, peguei fui

para a Boca da Mata [uma unidade menor]. Lá tive outro seletivo e passei. Trabalhei lá e de lá

vim pra cá”. Provoquei: “Você sempre está na escola, parece-me...”. Ele respondeu: “sim,

sempre”. E como não tinha conseguido informações pertinentes à pesquisa, provoquei-a

novamente: “Você costuma observar os alunos, as brincadeiras deles? Você consegue

distinguir quem é quem entre os alunos aqui na escola?” Resposta: “É. Conseguir eu consigo”.

“E a convivência entre eles?” – perguntei. Ela: “Para falar a verdade, eu ainda não sei quem é

Makuxi. Eu comecei este ano e ainda não sei quem é quem”. Prossegui: “Após esses

transtornos todos, quais foram os momentos mais felizes de sua profissão?”. Falou: “O

momento mais feliz que tive foi... [uma pausa para lembrar]. O que estou tendo agora. Assim,

ficar em sala de aula com as crianças, colaborando com eles. Estou muito feliz. Já estava

acabando o ano letivo e também meu contrato. Aí eu já fico triste por isto”. Eu: “Isto lhe deixa

tensa, não é? Correspondeu: “É”. Indaguei-lhe: “Qual o desafio que sua escola tem em

frente?” Resposta: O maior desafio prá cá, pra nós, que somos iniciantes, que venha

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capacitação. Quando eu cheguei aqui eu não sabia de nada mesmo”. Para concluir: “A escola é

importante para a comunidade?” Resposta: [pausa em silêncio] Porque eu acredito que as

crianças estão vindo aqui para aprender. Então a escola é a segunda casa da gente”. Eu e ela

nos despedimos.

A Profª. Jenilce me deixou ciente do problema de não falar a língua materna – Makuxi.

Elevo como importante visto que ante a sua necessidade, pôs-se a procura de ajuda. Logo ela

que foi aluna da escola onde agora trabalhava, encontrava-se vítima do próprio modelo errado

de “educação escolar indígena” ali praticado enquanto era aluna daquela escola. No entanto,

aguarda capacitação. Isto ela pode acreditar ser a solução para os problemas. E se reconhece

que a escola é a segunda casa, consequentemente deduz-se que em uma e noutra, se aprende.

3) Profª. Ilda Costa Severo [Ela fez questão de dizer o nome completo e informar que é

Makuxi]: Então ei-lhe: “Há quanto tempo como Professora?” Ela me disse: “ há seis meses”.

“É do processo seletivo?” – indaguei. Ela respondeu: “Sim. Não tenho magistério”. “Nesses

seis meses, o que lhe deixou mais feliz” – provoquei novamente. Ela falou: “Foi quando eu fui

convidada para trabalhar aqui na escola. Para puder ajudar a comunidade. A comunidade

também precisa, por exemplo, eu ensino língua Makuxi. Os alunos daqui têm uns que não

conheciam”. E prossegui: “E a senhora o que observa nos alunos?” Ela disse: “Criança é

criança. Mas entre os Makuxi, os que não são indígenas... [pausou para pensar], Os que são

Makuxi são discriminados”. Pedi explicações. Ela esclareceu: “quando falam: aprendeu língua

materna porque é Makuxi. Por onde eu passei a me ligar mais”. A senhora pretende continuar

como professora?”– perguntei. A resposta dela: “Pretendo. E pretendo fazer magistério.

Apesar de ter feito dois vestibulares e não ter passado”. Nos agradecemos e pedi licença para

eu sair e prosseguir com as entrevistas.

4) Professor e Diretor [dito nesta ordem por ele] Evaldo Silva Alves: Professor

Makuxi, em depoimento, disse: “Sou professor Evaldo. Atualmente, estou fazendo parte da

direção da escola Pe. José de Anchieta. Atualmente, trabalho com três disciplinas: Física,

Química e Biologia, Fui aluno desta escola”. Após fazer todo o histórico da escola, informou

ser técnico em Agropecuária e que em 1992 foi convidado como professor leigo para dar aula

na escola. “Atendi o chamado. Tudo que faço em prol da comunidade é de bom gosto e de boa

vontade. Meu ramo não era... minha vocação não era ser professor, era ser agricultor, mas o

destino fez com que eu trilhasse na linha da educação. Mas eu não me arrependo. Da mesma

forma porque estou contribuindo, meu povo é minha nação. Me sinto feliz. Depois, surgiu a

oferta do ensino superior por convênio entre o Governo do Estado e da Universidade Federal

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de Roraima, cursei seis anos de Biologia. Do ano [1996] pra cá, nós sabemos, a luta dos povos

indígenas e daqueles necessitados é árdua. Então, do ano passado pra cá eu praticamente

abracei a causa indígena, trabalhando em prol do povo. O povo indígena precisa de apoio ao

reconhecimento de seus direitos, direitos existentes que estão escritos mas que não são

concedidos ao nosso povo”. Interferi e provoquei: “Neste caso, então, a escola tem alguma

importância na vida política da comunidade...” Ele prosseguiu: “A escola tem uma

importância básica na vida da comunidade. É uma instituição que trabalha com meios que

ficam registrados e que são discutidos todo o trabalho feito aos direitos dos povos indígenas”.

Esclareceu que os professores são selecionados pela comunidade entre alunos que terminam o

Ensino Médio considerando o interesse de cada um pelas atividades práticas da comunidade,

aí em Assembléia, são indicados para a Secretaria Estadual de Educação e que, com o tempo,

se qualificam e prestam concurso, ele esclareceu ainda que na escola estudam alunos Makuxi

e Wapixana [nesta ordem]. O momento mais feliz foi sua aprovação para o curso de Biologia.

Para ele, o maior desafio para ele como professor “É tocar no coração dos nossos alunos, para

que ele tenha o gosto, pra que ele tenha a responsabilidade, para que dêem valor ao que temos

de bom que é o nosso ambiente. Que tudo que temos de bom e que lhe é natural. E que a

conseqüência disto aí na qualificação destes alunos, é que eles contribuam para a comunidade,

digamos, de uma forma consciente, daquilo, daquele trabalho que ele esteja desempenhando”.

Agradeci o apoio e a participação.

Líder na comunidade e diretor na escola, o Prof. Evaldo evoca que o grande problema

na comunidade e, por extensão, na escola, consiste em romper com a tendência presente entre

os mais jovens, acerca do baixo envolvimento destes na vida da comunidade. Exceto aqueles

que estudam no Centro de Formação, segundo o professor, estão preferindo se agrupar para

assim, algumas vezes, tomarem bebidas alcoólicas. De uma compreensão larga, estabelece

correspondência entre a luta no lugar e na região a fim de facilitar o domínio das legislações

indígenas junto à boa maioria das populações índias. Portanto, no sentir dele, o problema do

conflito interétnico não se trata de um epicentro de onde surgem forças contrárias. E sim, o

insuficiente envolvimento das novas gerações com as causas das gerações anteriores, o que

pode acarretar, inclusive, dispersão étnica futura.

E constatando a saída de uma professora que faltava ser entrevistada, me despedi da

equipe docente da escola e saí caminhando com a câmera ligada, na direção do Centro de

Formação, local onde estava minha bagagem. Concluí a filmagem já quase meio dia.

Rapidamente fui ao Rio Surumu tomar um banho e retornei para o quarto. Peguei alguns

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pertences e deixei para o Tuxaua como uma forma de agradecimento: dois transceptores

portáteis e uma máquina de triturar alimentos - Mix, objetos que eu trouxera para uso pessoal.

3.5 Da formação em campo à formação acadêmica

Agradeci à esposa do Tuxaua e pedi que transmitisse meus sinceros agradecimentos

por tudo e que falasse para ele que logo quando possível, retornaria à Maloca para apresentar

as filmagens, já que não tinha como fazer isto naquela ocasião. Então, conduzindo uma mala e

uma bolsa de mão, percorri toda a distância entre o Centro de Formação e Cultura até o local

de espera, próximo à ponte que dá acesso à Maloca, onde esperaria qualquer meio de

transporte que me levasse ou até Boa Vista ou até a BR 174. Foi lá que encerrei a filmagem,

captando para última cena uma frase pintada que dizia: ‘Proibida a entrada de pessoas nocivas

à comunidade’ [então recordei que numa das conversas mantidas com alunos do Centro, um

deles de quem não recordo o nome, me avisou que eu veria uma placa na saída, pintada por

ele].

“Foram duas horas de espera, precisamente junto a uma “cigarreira” onde também

eram oferecidos à venda, biscoitos, refrigerantes, bombons e bebidas alcóolicas. E para minha

‘sorte’ aquele dia era o dia em que o ônibus retornaria de Uiramutã. Permaneci lá por um bom

tempo. Nisto, apareceu-me um índio que, indagado por mim sobre sua etnia, ele – sóbrio – se

disse de origem Makuxi. Foi ele que me informou acerca de um ônibus que ainda passaria

antes das quinze horas. Então, ficamos conversando enquanto ele bebia aguardente. Pensei: É

mesmo! A venda de bebidas alcoólicas aqui quanto em toda parte do Brasil, é um problema

sério. Pois, até enquanto se espera um transporte, é motivo para ‘pedir mais uma’. O ônibus se

aproximou e acenei solicitando parada. Foi parando e abrindo a porta de entrada à frente. Subi

e o rapaz que bebia lá permaneceu bebendo. Nem sei como o ônibus ainda conduzia pessoas,

de tão depredado que estava. Que falta de respeito com aqueles usuários! Saí às catorze horas

e cheguei as dezoito em Boa Vista. De táxi, fui da Rodoviária até a casa onde estava

‘hospedado’.

Entendi a partir do que observei e ouvi dentro e fora do Centro de Formação e Cultura

Indígena, bem como da Escola Pe. José de Anchieta e demais espaços, que os índios Makuxi

sempre estão à frente, à liderança de qualquer atividade. Nas aulas observadas in loco durante

a última semana de aula, oportunidade em que transcorria a última disciplina Jurisdição

Indígena, desenvolvida pelo Professor L., graduado em Antropologia na Espanha, igualmente

transcritas no referido capítulo, dos 8 grupos de estudo e de apresentação de trabalhos, em sete

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deles havia alunos Makuxi. Pude comprovar a origem étnica de modo oral, quando nos

intervalos de aula, os entrevistei. Estes se expressavam oralmente com mais desenvoltura oral

que os demais de origem Wapixana, Taurepangue, Ianomâmi e Waimiri-Atroari. Fora da aula,

indaguei ao Professor sobre como ele via essa presença constante de alunos índios Makuxi à

frente dos grupos de estudo. Ele me respondeu: “na ocasião da composição dos grupos,

observava duas coisas: a primeira – uma sutil resistência de agrupar Makuxi com Wapixana e,

segundo, de na hora das apresentações, o relator era sempre um Makuxi”. Quando perguntei

sobre que justificativa ele dava para isto, ele me respondeu: “ainda não sei explicar”.

Outro detalhe que julguei importante foi quanto à liderança do Centro de Formação.

Na oportunidade, o Centro estava sob a direção de três índios Makuxi: o Tuxaua A. e os

Coordenadores S., E. e V. Destaco que durante a entrevista realizada no alpendre do

alojamento do Centro de Formação, à porta da Secretaria do Centro, no dia 26 de novembro,

disse-me o Tuxaua: Sou o Makuxi E.. Tenho 23 anos de idade. Nasci no município de Alto

Alegre (RR). Fui um dos primeiros alunos do Centro. Sinto-me honrado por ser um dos

Coordenadores, isto há três anos atrás. Estou muito triste pelo fato de que minha mãe perdeu a

identidade de índia.

Mesmo sem ter identificado a idade de S. e V., percebi que eram jovens,

provavelmente, na faixa etária de 30 a 35 anos. Esse é outro aspecto importante. Com o

propósito de compreender a forte presença juvenil em posições estratégicas na organização

social da Maloca Barro, fiz igual indagação as duas irmãs da Missão Consolata que visitavam

o Centro dois dias depois de minha chegada e como pediram guarda dos nomes, elas

afirmaram que desde a demarcação da Terra Indígena Raposa Serra do Sol os Tuxauas de

mais idade tinham recomendado que os novos Tuxauas escolhidos da Grande Assembléia de

2005 fossem jovens. E, segundo elas, isso é de grande valia, pois, eles tinham mais garra e

coragem para não desanimarem diante de problemas.

Foi durante minha visita nem sempre formal – para mim – às instituições da Maloca

Barro, que senti a abrangência do critério juventude na composição das lideranças. Na Escola

Estadual José de Anchieta, o diretor, os professores e funcionários, na maioria, estão na faixa

de 25 a 35 anos e são de origem étnica Makuxi.

Na sede do Posto de Saúde, todas as enfermeiras são índias jovens na mesma faixa

etária dos professores, constatação que fiz quando todo o dia lá visitava, porque fui informado

na minha primeira visita, que havia uma escala e que, portanto, eu poderia ir lá todos os dias

para visitar.

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Na Subprefeitura, situada ao lado da quadra de esportes local, também percebi a

presença de funcionários índios jovens. O mesmo na Creche mantida pela Prefeitura de

Pacaraima.

Indiscutivelmente, diria, a articulação política na Maloca do Barro está sob a

responsabilidade juvenil, embora as lideranças anteriores não tenham sido excluídas do “ciclo

consultivo” [expressão que emprego para designar aqueles com os quais essa liderança juvenil

realiza escuta e pede orientação].

Se a premissa de orientalismo ressaltada pelo Dr. Frank existe, ali não testemunhei

nenhuma evidência, a não ser que estes encontros dêem-se longe da presença de qualquer

estranho à comunidade.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

O conflito interétnico entre Makuxi e Wapixana já não constitui uma ameaça à

integridade física de uns e de outros como fora no passado. As evidências sugerem que este é

mais do que “fricção” entre duas etnias, porque se mostra amplo e intenso, desenvolvendo

nuanças enquanto acompanha e ao mesmo tempo participa da dinâmica sócio-cultural interna

em comunicação com as sociedades envolventes. Não sendo, pois, marcado nem por luta nem

por guerra física, e sim, por micro e macro disputas políticas.

Não se trata de uma fricção no sentido restrito do termo. Estabelecendo uma

aproximação conceptual tanto ao ângulo entendido pelas etnias na Maloca do Barro, quanto

pela envolvente, encontrei: na língua corrente Wapixana: guerra - Baiakary; conflito – não há

- substituído por batalha - Mizeata´Akan; luta substitui por briga – Mireatakari, segundo C.

Wapixana (professor) . Na Makuxi: guerra – epîto (Dicionário da Língua Makuxi, 1996, p.

180); conflito – não há; substituem luta por briga – ekoremanto (1996, p. 162) e siu’pîtî (op.

cit., p. 173) para discussão. Não há equivalência para batalha.

Como se percebe, nem uma nem outra etnia possuem um vocábulo para denominar

conflito, havendo um sinônimo – batalha – entre os Wapixana. Igualmente, para luta. Isto não

os fazem perder o sentido de unidade concreta, como estabelece Simmel (1972). Assim, não

encontrei evidência para classificar no sentido amplo do termo fricção proposto por Roberto

Cardoso de Oliveira que seja entre índios e não índios, marcado por competição e uma

“totalidade sincrética” (CARDOSO DE OLIVEIRA, 1972, p. 30), isto porque não detectei –

hoje – evidências de competição econômica ou territorial; e sim, apenas política.

Por extensão, a prerrogativa de Marx e Weber quanto às condições para deflagração de

um conflito, causas sociais e econômicas, exceto as políticas, mostraram-se de insustentável

confirmação, seja pela ausência de bens e valores concorridos ou pela presença de classes

sociais; ou de Karl Marx e Engels acerca de que conflito venha em conseqüência da relação

entre capital e trabalho; nem um problema de alienação, segundo Lucákcs; ou por afirmação

de uma hegemonia na via gramsciana. Pois, o que há nas evidências levantadas na Maloca do

Barro é um reconhecimento de autoridade política respaldado pelo respeito relativo ao

Tuxaua, Pajé, Coordenadores, Professores e, acrescentaria ainda, entre indivíduos. Por

respeito relativo entendo ser uma atitude de tolerância manifesta pela aceitação ponderada de

uma opinião ou ação opostas ao próprio interesse, embora não acatando o objeto em litígio;

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relativo também porque uma e outra etnia conseguem se respeitar na diversidade e na

adversidade.

É neste continente de Tuxaua, Pajé, Coordenadores, Professores e indivíduos que se

configuram os conflitos de micro e macro abrangências. De micro, quando se trata de relações

individuais, isto é, quando o conflito se dá entre indivíduos, geralmente exteriorizados por

gestos como cuspir na pegada deixada no chão por alguém desagradável a quem viu passar;

uma piada desferida para ou sobre alguém; alguém ou um grupo em que se nega conjugar

durante uma atividade na escola ou uma internação hospitalar, especificamente quando

pertence a uma outra etnia da qual “desconfia”; e outros “pequenos gestos”. De macro, a

medida quando assume proporções coletivas, envolvendo mais pessoas e que versem sobre

problemas étnicos e não individuais, na forma de defesa de interesses coletivos, qual seja a

defesa de objetos de interesse e uso comum na Maloca e/ou na Terra Indígena como um todo,

o que pode ser identificado, por exemplo, quando é oferecido o ensino da língua Makuxi a

alunos de outras etnias; quando por ocasiões festivas, grupos não apenas evitam estar com

mas preferem ficar sem, dirigindo-se com desdém aos de fora; quando tomam medidas de

desintrusão entre seus próprios parentes pelo fato de terem gerado filhos com não índios;

quando se utilizam de meios ilícitos para galgarem esta ou aquela liderança, obter este ou

aquele benefício. Por fim, quando seguem pelos mesmos caminhos e se servem dos mesmos

expedientes da sociedade envolvente, dos não-índios.

Esforcei-me por identificar, caracterizar e analisar as situações de conflito como

“unidades concretas” conforme atribuiu Simmel, o que me levou a concentrar atenção em

ações e modos de entendimento individuais, mesmo que para eles e elas, aparentem

desconexas. Como então, mirando no aspecto político de situações observadas, falas,

documentos e imagens, deixar de fazer uma abordagem da ciência política e construir um

suporte antropológico? Porque segundo a avaliação preliminar de Bóbbio, Matteucci e

Pasquino (1992) um conflito social só poderia ser reconhecido se proveniente de choque para

o acesso e a distribuição de recursos escassos. E outra vez eu percebi insustentabilidade na

abordagem para imersão pelas ciências políticas, visto que entre Makuxi e Wapixana não

observei nenhum fator que tornasse evidente problema correspondente à pré-condição. O

mesmo para a proposta psicologista de Kurt Lewin (1975) e Salvatore Maddi (1985) onde

ambos radicam o conflito exclusivamente no ente indivíduo de modo subjetivo e inconsciente,

para o qual contra-argumento exatamente o contrário.

Quando da participação individual ou em grupo em situações de conflito, estes a fazem

sem nehuma alienação e sabem o que estão fazendo, principalmente, como já afirmava

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Simmel, indivíduos encontram-se interligados mutuamente à sua sociedade por uma

“interação psíquica”, o que é visível na ação da Profa. Pierlângela Makuxi, do líder Jacir

Wapixana pela busca de apoio dentro e fora da sociedade local; na inserção dos alunos do

Centro de Formação e Cultura da TIRSS em suas comunidades e dos professores da Escola

Pe. José de Anchieta na participação ativa daqueles que vão às frentes de confronto nas

situações de embate corporal os grupos intrusivos. Nada menos do que uma expressão plena

da concretude do biopoder e do poder soberano de Foucault (2000) se reporta, quando

conferem a si o direito de reger as próprias vidas e quando necessário, as próprias mortes.

Neste ínterim, o arcabouço antropológico mostrou-se competente, válido e necessário

para ser o suporte à esta pesquisa e estudo. Na altura da mensão às literaturas de viagem

quando do século XVI e XVII forjaram a matéria-prima para a deflagração do conceito de

alteridade que desnaturalizou o conflito social do tronco biológico como concluiu Michel de

Montaigne (Século XVI):

não há nessa nação nada de bárbaro e de selvagem, pelo que me contaram, a não ser porque cada qual chama de barbárie aquilo que não é de costume; como verdadeiramente parece que não temos outro ponto de vista sobre a verdade e a razão a não ser o exemplo e o modelo das opiniões e os usos do país em que estamos (2000, p. 307).

Predomina nos espaços local e nacional atualmente, a idéia de que há pessoas,

principalmente antropólogos que “estão querendo isolar os índios de Roraima” [destaque

meu]. Foi numa passagem pela história da Antropologia que localizei uma análise boasiana

sobre isolamento em que já dizia, em 1899, que as mudanças também advinham não apenas

do contato quanto também pelo ambiente. E mesmo em alguns casos, traços culturais

permaneceriam inalterados, tese que nem Tylor (1861) conseguiu anular com sua proposição

de que só através de um contato com a civilização, etnias sul-americanas progrediriam de um

estado primitivo a um avançado de cultura.

Portanto, em se havendo desde muito tempo, uma relação interétnica dentro da TIRSS,

não haverá isolamento porque nunca houve. Nunca foi nem nunca será parte da cultura

Makuxi e Wapixana, o desejo de ficar isolado. E estão certos, porque se encontram [e sabem

disto] sob uma rede de pensamento própria em que se consideram interligados não apenas às

etnias circunvizinhas mas igualmente à natureza, o que me leva a supor de haver entre Makuxi

e Wapixana o que Morán (1990), presumiu: há uma consciência nas sociedades tradicionais e

não tradicionais que habitam, sobretudo quanto a territórios banhados exclusivamente por rios.

Uma espécie de ideologia ecológica como “um programa de como se relacionar com o mundo

externo” (MORÁN, 1990, p. 38).

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Quem não admite a existência da relação interétnica em conflito como traço cultural

das etnias em estudo, é porque resiste a ter seu modo de olhar, de observar, modificado, como

já alertava Radcliffe-Brown (1980). Mas não devemos ir em direções antagônicas como

propunha Mauss (1974): ir ou ficar, conflito ou paz, aliados ou inimigos. Minha proposta é

considerar o conflito nas relações sociais entre Makuxi e Wapixana como um stand by

possível, promotor de ações cooperativas como as que eu soube das roças e estábulos

comunitários ou nos projetos do Centro de Formação. Porém, com restrições ao sentido de

cooperação durkheimiana, pois, ficou bem evidente para mim que as relações vinculantes não

estão escritas em nenhum contrato. É nessa perspectiva que proponho a afirmativa de que

através de um contato conflitante, sem caráter bélico e sem uma consciência coletiva deste

conflito como preconizava Malinowski (1941) ou a de uma aliança feita pela troca comercial

de larga escala e intercasamentos, conforme Lévi-Strauss (1982). Em seu turno, Evans-

Pritchard (1978) na associação entre vendetas e conflito – o que não ocorre no sentido nato

entre Makuxi e Wapixana, que essas etnias desconhecem tempo ou condição para cessá-lo,

que os mantém sendo o que são, garantindo a diversidade, a pluralidade na singularidade,

mesmo que não formem um todo coerente conforme Leach (1996). Este conflito como é aqui

anunciado, só pode assentar-se quando as relações sociais entre as etnias passam a ser

investigadas pela capacidade organizativa das interações individuais internas, premissa

apontada por Barth (1976).

Vale enfatizar que graças à sensibilidade etnológica de Darcy Ribeiro (1996) é que a

Antropologia no Brasil dá a devida atenção às relações de conflito interétnico nos Urubus-

Kaapor, numa etnografia brasileira. Elegi como importante a menção dele a sete “casos” de

conflito interétnico em seu campo, por ser – ele - provavelmente o primeiro a captar essas

matizes, “ateliê” [destaque meu] para a importantíssima contribuição de Cardoso de Oliveira

(1960;1976) quanto à irreversibilidade do contato interétnico ao estudar os Terêna, dos quais

elaborou o conceito de fricção interétnica, mas que pela condição rivalidade, o que não se

chega a materializar-se entre Makuxi e Wapixana, torna-se inviável a confirmação desta

fricção em sua totalidade.

Tal esforço ficaria confirmado por Galvão (1978) quanto à atual necessidade de se

estudar a dinâmica de sociedades indígenas brasileiras associadas a seus espaços ambientais,

contexto teórico que mais tarde propiciaria a realização dos primeiros trabalhos de validação

do conhecimento indígena no Brasil, como se fez no trabalho de Berta Ribeira (1987)

vinculando, com a grande colaboração de Oliveira Filho (1983), a terra onde habitem ou

habitaram aos elementos da composição identitária indígena, cujo trabalho de Oliveira filho,

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vem aplacar definitivamente, uma tradição de inclinação evolucionista que ainda mostrava-se

racista, dando-me segurança para confirmar o alto nível de sentimento de pertencimento de

Makuxi e Wapixana com a Terra Indígena Raposa-Serra do Sol e a abordagem igualmente

constatada por Santilli (2001) de que o estudo sobre conflito interétnico é a ímpar

oportunidade de se conhecer a consciência de seus envolvidos mesmo que em relações e

interesses divergentes.

A atividade de pesquisa em qualquer área deve ser bastante planejada, de preferência,

prevendo e provendo possibilidades. Foi assim que a ansiedade por reencontrar com ex-alunos

e agora colegas professores, tomava minha concentração. Só não foi difícil porque “de longe”

a releitura do diário de campo me oportunizou links de lembranças para poder fazer algumas

reflexões aqui apontadas.

Lembro bem quando eu cheguei em um automóvel Pick-up, preto, com vidro fumê

preto, quatro portas, em pleno tempo e espaço de conflito. Fui recebido no mínimo como um

filho ou representante de rizicultor. Desde a sede do Conselho Indígena de Roraima na cidade

de Boa Vista, que recebi a distinção de ser “um problema”, como fui classificado por alguém,

e tendo chegado à Maloca Barro, por ocasião da minha primeira visita à escola Pe. José de

Anchieta recebi as boas-vindas de todos os professores e funcionários. Mas, na segunda visita

à escola, senti uma forte resistência por parte de uns. Foi desencorajador para mim.

Fazendo uma leitura da percepção dos professores índios pesquisados, diria: quando

estão juntos, assumem compromissos coletivamente. Mas, quando estão para executar uma

determinada ação de exposição individual detalhada, o quadro sugere ser de resistência. É

nesta direção que hoje, professores índios ou não, querem conhecer a prática profissional de

cada um: entrar no espaço do silêncio. Assim, as posturas, da maneira como aconteceu

comigo, diria que em consciência ao que está sendo observado, houve nos grupos de pesquisa,

mudança de receptividade, variando entre aceitação ou recusa. Isto me instigou ainda mais a

pesquisas com permanências maiores.

Só para recordar, ao descer no Centro de Formação e Cultura Indígena Raposa-Serra

do Sol já fui recebido pelo Tuxaua. Com ele, combinamos sobre minha estadia e trabalho;

dialogamos sobre o que, como e para que pesquisava. Com todos os professores das duas

escolas, detectei a participação coletiva em trabalhos diários: capinar, ajudar ao vizinho,

participar das reuniões no centro da Missão; fazer cerca; pegar uma rês (gado) foragida. Não.

A profissão de professor não é omissa da vida comunitária.

Professores e alunos, crianças, jovens e adultos, conhecem cada canto da Maloca do

Barro, mesmo quando no escuro. Da mesma forma, as crianças que deitam e rolam nas águas

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do Surumu faziam acrobacias mergulhando de cabeça. Portanto, professores sempre com o

domínio da prática docente e da vida comunitária, extensivo à vida política, a quem credito a

“vigilância” à Terra demarcada.

Durante as entrevistas eu também era entrevistado e sempre fui tratado com diferença:

chamavam-me como professor e não pelo meu nome; sentia-me observado pelos professores,

alunos e idosos.

Todos reconhecem o “grande problema” da Maloca: o conflito entre índios e não-

índios. Mas não se dão conta de que há um conflito dentro do conflito, que é aquele que se dá

nas “arenas” das escolas e das representações políticas, dos caminhos de passeio que vi, uns

fechando entradas das malocas para que outros índios não entrassem e até sentarem-se

próximos a outros, mesmo que da mesma etnia, mas de posição contrária à retirada de não

índios de terras da Maloca e do modelo demarcatório em terras contínuas.

Ouvi mais de uma vez a reclamação de que a maioria dos antropólogos nunca que

retornaram para, pelo menos, agradecerem. Pessoalmente, me comprometi que, por ocasião do

término de minha pesquisa, voltaria ao meu grupo de pesquisa – professores índios – para

editar com eles, as imagens, exibi-las e discutir o que for necessário à promoção das etnias nos

campos em que atuo, como na educação escolar e assessoramento comunitário. Fiz isto diante

do Tuxaua e do Diretor da Escola Pe. José de Anchieta.

A Escola Estadual Pe. José de Anchieta e o Centro de Formação são duas partes

separadas, mas juntas, que constituem o centro da vida social e política das etnias Makuxi e

Wapixana. Seus professores e alunos são mais do que aprendizes de uma educação escolar.

São protagonistas de um empreendimento que fogo algum destruiu nem destruirá, onde

qualquer tentativa de eliminá-los, cada vez mais fortalece o “espírito de Makunaima”, a

unidade na diversidade e a defesa das terras mais setentrionais do Brasil.

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Anexos

1. Termo de Livre Consentimento

2. Cópia de Autorização do Conselho Indígena de Roraima;

3. Decreto de Homologação da Terra Indígena Raposa-Serra do Sol;

4. Licença para Capacitação do Servidor;

5. Quadro de Acompanhamento no Jornal Folha de Boa Vista e Conselho Indígena de

Roraima;

6. Outras figuras

6.1 Quadra de Esportes

6.2 Encontro entre Tuxaua e Polícia Federal

6.3 Caminhada

6.4 Local das Reuniões Comunitárias

6.5 Cartaz de divulgação do lançamento dos discos Macuxi Serenkato e Parichara

Wapichana.

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006.

Page 183: Relações Interétnicas em Conflito entre Makuxi e Wapixana ... · CAPÍTULO 1: História de um percurso ... 2.3 Mapa 3: Mapa de localização dos municípios no Estado de Roraima.....

clxx

xiii

24.

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2006

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clxx

xiv

47.

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2006

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6.

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2006

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5.

Page 185: Relações Interétnicas em Conflito entre Makuxi e Wapixana ... · CAPÍTULO 1: História de um percurso ... 2.3 Mapa 3: Mapa de localização dos municípios no Estado de Roraima.....

clxx

xv

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51.

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2007

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52.

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mar

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9 de

mai

o de

200

7.

62.

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2336

6.A

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em: 1

0 de

mai

o de

200

7.

Page 186: Relações Interétnicas em Conflito entre Makuxi e Wapixana ... · CAPÍTULO 1: História de um percurso ... 2.3 Mapa 3: Mapa de localização dos municípios no Estado de Roraima.....

clxx

xvi

63.

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2356

6.A

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5 de

mai

o de

200

7.

64.

RA

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RA

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07

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o em

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de 2

007.

66.

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07

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2408

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5 de

mai

o de

200

7.

67.

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07

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2408

4.A

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5 de

mai

o de

200

7.

68.

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200

7.

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6 de

junh

o de

200

7.

72.

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07

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: 06

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2007

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07

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4.A

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0 de

junh

o de

200

7.

75.

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-06-

2007

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w.fo

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2522

0.

Page 187: Relações Interétnicas em Conflito entre Makuxi e Wapixana ... · CAPÍTULO 1: História de um percurso ... 2.3 Mapa 3: Mapa de localização dos municípios no Estado de Roraima.....

clxx

xvii

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: 20

de ju

nho

de 2

007.

76.

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-06-

2007

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de ju

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77.

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de 2

007.

78.

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6.A

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7 de

mai

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200

7.

79.

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81.

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24.

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: 11

de ju

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de 2

007.

82.

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2007

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de ju

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007.

83.

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o de

200

7.

84.

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7-20

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4 de

julh

o de

200

7.

85.

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6389

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7 de

julh

o de

200

7.

86.

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07

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de 2

007.

87.

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7-20

07

Polít

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de 2

007.

88.

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7-20

07

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w.fo

lhab

v.co

m.b

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Page 188: Relações Interétnicas em Conflito entre Makuxi e Wapixana ... · CAPÍTULO 1: História de um percurso ... 2.3 Mapa 3: Mapa de localização dos municípios no Estado de Roraima.....

clxx

xviii

do S

ol.

ria=p

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: 25

de ju

lho

de 2

007.

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28-0

7-20

07

Polít

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otic

ia.p

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cess

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em: 2

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julh

o de

200

7.

90.

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02

-08-

2007

C

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es

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200

7.

91.

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9-20

07

Polít

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200

7.

92.

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07

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0 de

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200

7.

93.

RA

POSA

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9-20

07

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de 2

007.

94.

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ncia

so

bre

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. 27

-09-

2007

Po

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2972

2.A

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em: 2

7 de

sete

mbr

o de

200

7.

95.

Com

issã

o di

z qu

e si

tuaç

ão n

a re

serv

a in

díge

na é

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sola

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.

27-0

9-20

07

Polít

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.A

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em: 2

7 de

sete

mbr

o de

200

7.

96.

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ora

(I e

II) e

Dem

issã

o (I

e II

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02-1

0-20

07

Para

bólic

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.A

cess

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2 de

out

ubro

de

2007

.

97.

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cito

pod

e re

tirar

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ros d

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03-1

0-20

07

Últi

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s ht

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2999

4.A

cess

ado

em: 0

4 de

out

ubro

de

2007

.

98.

Com

issã

o vi

sita

ass

enta

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três

com

unid

ades

indí

gena

s. 09

-10-

2007

Po

lític

a ht

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07.

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ílias

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10-1

0-20

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ro d

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07.

100.

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10-1

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ca&

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0297

.A

cess

ado

em: 1

1 de

out

ubro

de

2007

.

Page 189: Relações Interétnicas em Conflito entre Makuxi e Wapixana ... · CAPÍTULO 1: História de um percurso ... 2.3 Mapa 3: Mapa de localização dos municípios no Estado de Roraima.....

clxx

xix

101.

RA

POSA

SER

RA

DO

SO

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pro

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11-1

0-20

07

Polít

ica

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com

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ia.p

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dito

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oliti

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0342

.A

cess

ado

em: 1

1 de

out

ubro

de

2007

.

102.

Po

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dici

onai

s. 13

-10-

2007

N

otíc

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(C

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org.

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dici

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ado

em: 1

3 de

out

ubro

de

2007

.

103.

Pr

ocur

ador

afir

ma

que

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oas n

ão d

evem

sair

de

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raim

a 17

-10-

2007

Po

lític

a ht

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toria

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=305

60.

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ssad

o em

17

de o

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ro d

e 20

07.

104.

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ar a

áre

a an

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lgam

ento

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est

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gia

17-1

0-20

07

Polít

ica

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ww

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abv.

com

.br/n

otic

ia.p

hp?e

dito

ria=p

oliti

ca&

Id=3

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cess

ado

em: 1

7 de

out

ubro

de

2007

.

105.

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terá

o 1

º ter

ritór

io ru

ral i

ndíg

ena

23-1

0-20

07

Cid

ades

D

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níve

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ww

w.fo

lhab

v.co

m.b

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toria

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ades

&Id

=308

21.

Ace

ssad

o em

: 23

de o

utub

ro d

e 20

07.

106.

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a do

CIR

afir

ma

que

indí

gena

s est

ão c

ansa

dos d

e ‘b

lá-b

lá-b

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r

23-1

0-20

07

Polít

ica

Dis

poní

vel e

m: h

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ww

w.fo

lhab

v.co

m.b

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icia

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3082

2.A

cess

ado

em: 2

3 de

out

ubro

de

2007

.

107.

R

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SA S

ERR

A D

O S

OL

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pres

ário

s não

ace

itam

sa

ir se

m p

révi

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alia

ção

judi

cial

24

-10-

2007

Po

lític

a D

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l em

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abv.

com

.br/n

otic

ia.p

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880.

Ace

ssad

o em

: 24

de o

utub

ro d

e 20

07.

108.

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icos

crit

icam

inst

alaç

ão d

e te

rritó

rio in

díge

na e

m

Ror

aim

a

03-1

1-20

07

Polít

ica

Dis

poní

vel e

m:

http

://w

ww

.folh

abv.

com

.br/n

otic

ia.p

hp?e

dito

ria=p

oliti

ca&

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1356

. Ace

ssad

o em

: 03

de n

ovem

bro

de 2

007.

109.

Polít

icos

acr

edita

m n

o in

ício

do

proc

esso

de

inte

rnac

iona

lizaç

ão

03-1

1-20

07

Polít

ica

Dis

poní

vel e

m:

http

://w

ww

.folh

abv.

com

.br/n

otic

ia.p

hp?e

dito

ria=p

oliti

ca&

Id=3

1355

. Ace

ssad

o em

: 03

de n

ovem

bro

de 2

007.

110.

RA

POSA

SER

RA

DO

SO

L - P

F pr

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a re

tirad

a do

s ar

roze

iros

05-1

1-20

07

Cid

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D

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w.fo

lhab

v.co

m.b

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icia

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3138

5.A

cess

ado

em: 0

5 de

nov

embr

o de

200

7.

111.

Líde

r arr

ozei

ro d

iz q

ue g

rupo

não

dei

xa R

apos

a Se

rra

do

Sol

30-0

1-20

08

Últi

mas

Not

ícia

s D

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lhab

v.co

m.b

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?Id=

3490

2 .

Page 190: Relações Interétnicas em Conflito entre Makuxi e Wapixana ... · CAPÍTULO 1: História de um percurso ... 2.3 Mapa 3: Mapa de localização dos municípios no Estado de Roraima.....

cxc

Ace

ssad

o em

: ht

tp://

ww

w.fo

lhab

v.co

m.b

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icia

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?Id=

3490

2.

112.

Rap

osa

Serr

a do

Sol

: que

m e

stá

com

a ra

zão?

19-0

2-20

08

Opi

nião

D

ispo

níve

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lhab

v.co

m.b

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toria

=opi

niao

&Id

=356

89. A

cess

ado

em: 1

9 de

feve

reiro

de

2008

.

113.

Gen

te-g

ado

26-0

2-20

08

Opi

nião

D

ispo

níve

l em

: ht

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ww

w.fo

lhab

v.co

m.b

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toria

=opi

niao

&Id

=360

69. A

cess

ada

em: 2

6 de

feve

reiro

de

2008

.

114.

RA

POSA

SER

RA

DO

SO

L - P

F nã

o es

cond

e m

ais

oper

ação

retir

ada

26-0

2-20

08

Cid

ades

D

ispo

níve

l em

: ht

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w.fo

lhab

v.co

m.b

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toria

=cid

ades

&Id

=360

55.

Ace

ssad

o em

: 26

de fe

vere

iro d

e 20

08.

115.

RA

POSA

SER

RA

DO

SO

L - F

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iona

l é c

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cada

para

ope

raçã

o

01-0

3-20

08

Cid

ades

D

ispo

níve

l em

: ht

tp://

ww

w.fo

lhab

v.co

m.b

r/not

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?edi

toria

=cid

ades

&Id

=363

17.

Ace

ssad

o em

01

de m

arço

de

2008

.

116.

Ret

irada

das

igre

jas e

vang

élic

as d

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apos

a ge

ra p

rote

stos

04

-03-

2008

Ú

ltim

as N

otíc

ias

Dis

poní

vel e

m: h

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ww

w.fo

lhab

v.co

m.b

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icia

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3645

8.A

cess

ado

em: 0

5 de

mar

ço d

e 20

08.

117.

Ass

embl

éia

dos t

uxau

as re

úne

mai

s de

mil

indí

gena

s 07

-03-

2008

Ú

ltim

as N

otíc

ias

Dis

poní

vel e

m: h

ttp://

ww

w.fo

lhab

v.co

m.b

r/not

icia

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?Id=

3664

2.A

cess

ado

em: 0

8 de

mar

ço d

e 20

08.

118.

Rap

osa:

Índi

os to

cam

fogo

em

pon

te e

arr

ozei

ros o

cupa

m

base

da

PF

31-0

3-20

08

Últi

mas

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ícia

s D

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níve

l em

: http

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abv.

com

.br/n

otic

ia.p

hp?I

d=37

811.

Ace

ssad

o em

: 31

de m

arço

de

2008

.

119.

Políc

ia F

eder

al p

rend

e Pa

ulo

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uarti

ero

no S

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u

31-0

3-20

08

Últi

mas

Not

ícia

s D

ispo

níve

l em

: http

://w

ww

.folh

abv.

com

.br/n

otic

ia.p

hp?I

d=37

816.

Ace

ssad

o em

: 31

de m

arço

de

2008

.

120.

UPA

TAK

ON

3 -

PF p

rend

e ho

mem

susp

eito

de

colo

car

preg

o em

pon

tes e

est

rada

s no

Suru

mu

31-0

3-20

08

Cid

ades

D

ispo

níve

l em

: http

://w

ww

.folh

abv.

com

.br/n

otic

ia.p

hp?I

d=37

795.

Ace

ssad

o em

: 31

de m

arço

de

2008

.

Page 191: Relações Interétnicas em Conflito entre Makuxi e Wapixana ... · CAPÍTULO 1: História de um percurso ... 2.3 Mapa 3: Mapa de localização dos municípios no Estado de Roraima.....

cxci

121.

Ope

raçã

o é

pací

fica,

diz

del

egad

o da

Pol

ícia

Fed

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31

-03-

2008

Ú

ltim

as N

otíc

ias

Dis

poní

vel e

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w.fo

lhab

v.co

m.b

r/not

icia

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3782

7.A

cess

ado

em: 3

1 de

mar

ço d

e 20

08.

122.

Adv

ogad

o ne

ga a

cusa

ções

con

tra P

aulo

Qua

rtier

o

31-0

3-20

08

Últi

mas

N

ortíc

ias

Dis

poní

vel e

m: h

ttp://

ww

w.fo

lhab

v.co

m.b

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icia

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?Id=

3782

6.A

cess

ado

em: 3

1 de

mar

ço d

e 20

08.

123.

Políc

ia F

eder

al li

bera

Qua

rtier

o 31

-03-

2008

Ú

ltim

as N

otíc

ias

Dis

poní

vel e

m: h

ttp://

ww

w.fo

lhab

v.co

m.b

r/not

icia

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?Id=

3782

8.A

cess

ado

em: 3

1 de

mar

ço d

e 20

08.

124.

Educ

ação

susp

ende

ent

rega

de

mer

enda

nas

esc

olas

indí

gena

s

31-0

3-20

08

Últi

mas

Not

ícia

s D

ispo

níve

l em

: http

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ww

.folh

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com

.br/n

otic

ia.p

hp?I

d=37

825 .

Ace

ssad

o em

: 31

de m

arço

de

2008

.

125.

Ferid

o a

bom

ba, f

ilho

de Q

uarti

ero

é in

tern

ado

em B

oa

Vis

ta

31-0

3-20

08

Últi

mas

Not

ícia

s D

ispo

níve

l em

: http

://w

ww

.folh

abv.

com

.br/n

otic

ia.p

hp?I

d=37

819.

Ace

ssad

o em

: 31

de m

arço

de

2008

.

126.

CIR

ped

e se

gura

nça

aos i

ndíg

enas

da

Rap

osa

Serr

a do

Sol

31

-03-

2008

Ú

ltim

as N

otíc

ias

Dis

poní

vel e

m: h

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w.fo

lhab

v.co

m.b

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icia

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?Id=

3782

4.A

cess

ado

em: 3

1 de

mar

ço d

e 20

08.

127.

RA

POSA

SER

RA

DO

SO

L - F

eder

al c

onfir

ma

Ope

raçã

o

Upa

tako

n 3

29-0

3-20

08

Cid

ades

D

ispo

níve

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: ht

tp://

ww

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lhab

v.co

m.b

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toria

=cid

ades

&Id

=377

46.

Ace

ssad

o em

: 31

de m

arço

de

2008

.

128.

Pró-

Ror

aim

a se

reún

e ho

je p

ara

deba

ter s

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ão d

a

Rap

osa

01-0

4-20

08

Últi

mas

Not

ícai

s D

ispo

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: http

://w

ww

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com

.br/n

otic

ia.p

hp?I

d=37

864.

Ace

ssad

o em

: 01

de d

e 20

08.

129.

Qua

rtier

o é

pres

o pe

la P

F em

Sur

umu

01-0

4-20

08

Políc

ia

Dis

poní

vel e

m:

http

://w

ww

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com

.br/n

otic

ia.p

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dito

ria=p

olic

ia&

Id=3

7863

.A

cess

ado

em: 0

1 de

abr

il de

200

8.

130.

Man

ifest

ante

s blo

quei

am a

cess

o à

Rap

osa

pela

BR

-174

01

-04-

2008

Ú

ltim

as N

otíc

ais

Dis

poní

vel e

m: h

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w.fo

lhab

v.co

m.b

r/not

icia

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3787

7.A

cess

ado

em: 0

2 de

abr

il de

200

8.

131.

Gov

erno

vai

ao

Supr

emo

tent

ar e

vita

r con

flito

arm

ado

na

Rap

osa

01-0

4-20

08

Últi

mas

Not

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s D

ispo

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otic

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hp?I

d=37

881.

Ace

ssad

o em

: 02

de a

bril

de 2

008.

132.

...E

o vo

sso

rein

o na

da

02-0

4-20

08

Opi

nião

D

ispo

níve

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lhab

v.co

m.b

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toria

=opi

niao

&Id

=378

96.

Page 192: Relações Interétnicas em Conflito entre Makuxi e Wapixana ... · CAPÍTULO 1: História de um percurso ... 2.3 Mapa 3: Mapa de localização dos municípios no Estado de Roraima.....

cxci

i

Ace

ssad

o em

: 02

de a

bril

de 0

08.

133.

RA

POSA

SER

RA

DO

SO

L - S

odiu

r am

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reaç

ão

cont

ra o

CIR

01-0

4-20

08

Polít

ica

Dis

poní

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m:

http

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ww

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com

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dito

ria=p

oliti

ca&

Id=3

7846

.A

cess

ado

em 0

1 de

abr

il de

200

8.

134.

Qua

rtier

o de

fend

e at

uaçã

o do

Exé

rcito

par

a m

edia

r

conf

lito

02-0

4-20

08

Polít

ica

Dis

poní

vel e

m:

http

://w

ww

.folh

abv.

com

.br/n

otic

ia.p

hp?e

dito

ria=p

oliti

ca&

Id=3

7898

.A

cess

ado

em: 0

2 de

abr

il de

200

8.

135.

Bom

dia

02-0

4-20

08

Para

bólic

a D

ispo

níve

l em

: ht

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ww

w.fo

lhab

v.co

m.b

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toria

=par

abol

ica&

Id=3

7889

. Ace

ssad

o em

: 02

de a

bril

de 2

008.

136.

OPE

RA

ÇÃ

O U

PATA

KO

N 3

- PF

est

á fa

zend

o

leva

ntam

ento

de

faze

ndas

02-0

4-20

08

Cid

ades

D

ispo

níve

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ww

w.fo

lhab

v.co

m.b

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icia

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toria

=cid

ades

&Id

=379

12.

Ace

ssad

o em

: 02

de a

bril

de 2

008.

137.

RA

POSA

SER

RA

DO

SO

L - V

ítim

a de

exp

losã

o

cont

inua

inte

rnad

a

02-0

4-20

08

Cid

ades

D

ispo

níve

l em

: ht

tp://

ww

w.fo

lhab

v.co

m.b

r/not

icia

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?edi

toria

=cid

ades

&Id

=379

11.

Ace

ssad

o em

: 02

de a

bril

de 2

008.

138.

Políc

ia F

eder

al n

ega

que

tenh

a jo

gado

bom

ba q

ue a

certo

u

filho

de

Qua

rtier

o

01-0

4-20

08

Políc

ia

Dis

poní

vel e

m:

http

://w

ww

.folh

abv.

com

.br/n

otic

ia.p

hp?e

dito

ria=p

olic

ia&

Id=3

7862

.A

cess

ado

em: 0

2 de

abr

il de

200

8.

139.

PF fa

z re

forç

o e

índi

os a

mpl

iam

blo

quei

o

04-0

4200

8 C

idad

es

Dis

poní

vel e

m:

http

://w

ww

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abv.

com

.br/n

otic

ia.p

hp?e

dito

ria=c

idad

es&

Id=3

8015

.A

cess

ado

em: 0

4 de

abr

il de

200

8.

140.

RA

POSA

SER

RA

DO

SO

L - D

ois h

omen

s são

feito

s

refé

ns e

m S

urum

u

03-0

4-20

08

Cid

ades

D

ispo

níve

l em

: ht

tp://

ww

w.fo

lhab

v.co

m.b

r/not

icia

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toria

=cid

ades

&Id

=379

60.

Ace

ssad

o em

: 04

de a

bril

de 2

008.

141.

OPE

RA

ÇÃ

O U

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163.

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FIGURA 18: QUADRA DE ESPORTES ABERTA ANEXA À ESCOLA ESTADUAL PE. JOSÉ DE ANCHIETA

Grande Assembléia em preparação às Comemoração ao dia do índio em 2008

(Foto: Divulgação)

Disponível em: http://www.folhabv.com.br/noticia.php?editoria=cidades&Id=38797.Acessado em: 19 de abril de 2008.

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FIGURA 19 - ENCONTRO ENTRE O TUXAUA MIRACÉLIO PEIXOTO COM POLICIAL FEDERAL

O tuxaua Miracélio Peixoto reclama da demora para liberar a banda contratada para tocar na festa

(Foto: Andrezza Trajano)

“Durante todo dia, os índios do CIR realizaram as suas atividades na quadra municipal da região e nos arredores da vila. Eles participaram de campeonatos para saber quem bebe mais caxiri (bebida típica, feita com a fermentação da mandioca), dança do parixara, corrida de saco de farinha, entre outras ações culturais. O CIR proibiu os indígenas de concederem entrevista à Rede TV e à Folha.

O uso da quadra de esportes por pouco não provocou confusão entre os indígenas. Os índios da Sodiur [opositores ao CIR] alegavam ter reservado o espaço dias antes na administração da prefeitura, mas só puderam usar o local à noite, quando os índios do CIR saíram do local. Eles foram orientados pelos policiais a utilizar outro espaço, evitando assim qualquer conflito.

Conforme o tuxaua Miracélio Peixoto, as comemorações do Dia do Índio da Sodiur só começaram às 22h do sábado, nas dependências da escola Padre José de Anchieta, tendo em vista que a banda musical que iria animar a festa ficou retida pelos policiais desde as 16h, na barreira do Entroncamento, sendo liberada apenas neste horário.

Conforme moradores da Vila Surumu, as comemorações alusivas ao Dia do Índio se

estenderam até o domingo, sem registro de violência”.

Disponível em: http://www.folhabv.com.br/noticia.php?editoria=cidades&Id=38854.

Acessado em: 21 de abril de 2008.

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FIGURA 20 – CAMINHADA NA VIA QUE INTERLIGA O CENTRO DE FORMAÇÃO E CULTURA INDÍGENA À

SEDE DA MALOCA DO BARRO, DURANTE AS COMEMORAÇÕES DO DIA DO ÍNDIO EM 2008

“Índios ligados ao Conselho Indígena caminham em uma das ruas da Vila Surumu” (Foto: Divulgação)

Observação: A via em tela encontra-se registrada em gravação videográfica feita por mim,

trecho que interliga o Centro de Formação ao Centro da Maloca.

Disponível em: http://www.folhabv.com.br/noticia.php?editoria=cidades&Id=38798.

Acessado em: 19 de abril de 2008.

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FIGURA 21: CARTAZ DE DIVULGAÇÃO DO LANÇAMENTO

DOS DISCOS MACUXI SERENKATO E PARICHARA WAPICHANA

Etnias também unidas pela música

24 de agosto de 2007 - espaço Multicultural do SESC - Centro, Boa Vista - 20h. (FONTE: CIR)

Disponível em: http://www.cir.org.br/noticias.php?id=450. Acessado em: 11 de agosto de

2007.