Relatorio Dos Impactos Socioambientais Do Complexo Portuario Do Acu AGB 14092011

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  • ASSOCIAO DOS GEOGRFOS BRASILEIROS - AGB SEO LOCAL RIO-NITERI

    GRUPO DE TRABALHO EM ASSUNTOS AGRRIOS

    RELATRIO DOS IMPACTOS SOCIOAMBIENTAIS DO COMPLEXO INDUSTRIAL-PORTURIO DO AUi

    Rio de Janeiro Setembro/2011

  • SUMRIO

    Item Pg

    1. Apresentao 03

    2. Introduo 04

    3. O Complexo Industrial Porturio do Au - CIPA 04

    4. Os municpios de Campos e So Joo da Barra 08

    5. Os empreendimentos do CIPA segundo os Relatrios de Impacto Ambiental

    5.1 O Distrito Industrial de So Joo da Barra (DISJB)

    5.2 A Linha de Transmisso 345 kV UTE Porto do Au

    5.3 A Usina Termeltrica Gs Natural do Porto do Au (UTE II)

    5.4 A Unidade de Tratamento de Petrleo

    5.5 A Usina Termeltrica carvo mineral (UTE I)

    5.6 A Unidade de Construo Naval (UCN)

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    6. Sobre o licenciamento ambiental do CIPA 21

    7. O processo de desapropriao e reassentamento das famlias 44

    8. Consideraes finais 50

    9. Referncias Bibliogrficas 56

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    1. Apresentao

    O presente relatrio tem por objetivo apresentar a avaliao crtica do Grupo de Trabalho em Assuntos Agrrios (GT-Agrria) da Associao dos Gegrafos Brasileiros (AGB), Sees Locais Rio de Janeiro e Niteri, sobre o processo de implantao do Complexo Industrial Porturio do Au (CIPA) localizado no municpio de So Joo da Barra, regio norte do estado do Rio de Janeiro. O referido documento se prope a identificar as principais fragilidades, inconsistncias e violaes dos direitos fundirios, ambientais e socioeconmicos das populaes atingidas pelo empreendimento e analisar os principais impactos socioambientais decorrentes da implantao das obras industriais, de infraestrutura e logstica. A avaliao aqui referida foi realizada pela AGB com base na anlise do conjunto de documentos disponveis pelos rgos pblicos estaduais, entre os quais se destacam os diversos Relatrios de Impactos Ambientais (RIMA) referentes aos projetos industriais e de infraestrutura previstos no CIPA, as informaes concedidas pela Companhia de Desenvolvimento Industrial do Estado do Rio de Janeiro (CODIN) e o parecer tcnico do Grupo de Apoio Tcnico Especializado (GATE Ambiental) do Ministrio Pblico Estadual do Estado do Rio de Janeiro (MPE-RJ). As informaes tambm foram coletadas a partir de trs trabalhos de campo realizados nos meses de maio e julho de 2011, nos quais se obteve uma srie de informaes junto aos moradores e agricultores do 5 Distrito de So Joo da Barra, junto Associao dos Produtores e Imveis de So Joo da Barra (ASPRIM) e ao Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). Pretende-se, assim apresentar uma crtica independente, com fundamentao prpria, que possa contribuir com a anlise dos processos de transformao do espao agrrio fluminense, tomando como foco os impactos socioambientais da agenda dos grandes projetos no estado.

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    2. Introduo

    O estado do Rio de Janeiro est diante de um novo cenrio, marcado pela crescente presena de grandes empresas nacionais e transnacionais, com forte apoio institucional e financeiro estatal, articulado nas diferentes esferas de governo e com as principais organizaes empresariais atuantes no estado, com destaque para a Firjan. Este cenrio permite a realizao de grandes blocos de investimento mediante a criao de novos plos de desenvolvimento articulados entre si, envolvendo empreendimentos industriais, agroindustriais e obras de infraestrutura e logstica.

    A lgica de desenvolvimento que se espalha por todo o Brasil, em projetos como o Complexo Industrial-Porturio do Au, o Complexo Logstico Barra do Furado, o Complexo Petroqumico (COMPERJ) em Itabora, a TKCSA em Santa Cruz, o Arco Metropolitano do Rio de Janeiro e Hidreltricas Simplcio/Anta, todos estes s no estado do Rio de Janeiro, traz junto o discurso do crescimento urbano e do desenvolvimento econmico e social. O que est em andamento, porm o aprofundamento de um modelo de desenvolvimento intensivo em capital e energia que gera poucos empregos e promove forte degradao ambiental.

    Dentre os empreendimentos citados, se destaca o Complexo Industrial-Porturio do Au como o que mais causar impactos ao espao agrrio fluminense, por se localizar na regio norte-

    fluminense, nos municpios de Campos e So Joo da Barra, que se caracterizam como importantes reas agrcolas do estado.

    3. O Complexo Industrial Porturio do Au - CIPA

    O Completo Industrial Porturio do Au, projeto do Grupo EBX, a maior obra industrial porturia das Amricas. Prev a construo de um terminal porturio privativo de uso misto com capacidade para receber navios de grande porte (220 mil toneladas) e estrutura offshore para atracao de produtos como minrio de ferro, granis slidos e lquidos, cargas em geral e produtos siderrgicos. Contar com um condomnio industrial com plantas de pelotizao, indstrias cimenteiras, um plo metal-mecnico, unidades petroqumicas, siderrgicas, montadora de automveis, ptios de armazenagem inclusive para gs natural, cluster para processamento de rochas ornamentais e usinas termoeltricas. Inclui tambm a construo de um mineroduto de mais de 500 km de extenso que levar o minrio de ferro produzido pela MMX/Anglo Ferrous

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    Minerao em Conceio de Mato Dentro/MG ao porto, permitindo seu processamento e exportao.

    Mapa do Complexo Industrial Porturio do Au MG-RJ Traado do Mineroduto

    O projeto est includo no Plano de Acelerao do Crescimento (PAC) do Governo Federal, e o total de investimentos em todo o Complexo pode chegar a US$ 40 bilhes, com capital pblico e privado, nacional e estrangeiro.

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    Imagem institucional, detalhamento da planta do complexo industrial e porturio do Au

    O porto ir se integrar a projetos que se viabilizam mutuamente, como a construo de uma usina termoeltrica no condomnio industrial a ser construdo na rea de retaguarda do porto, que deve atrair desde usinas siderrgicas chinesas a montadoras estrangeiras, atradas pela facilidade da sada direta para a exportao, e pela facilidade em termos de gerao de energia eltrica. As indstrias, especialmente a siderrgica, podero se beneficiar da existncia do mineroduto que ir levar minrio de ferro do interior de Minas Gerais ao norte fluminense a baixo custo, beneficiando-o no prprio porto, nas siderrgicas ou unidades de pelotizao, assim agregando valor ao produto e permitindo maiores ganhos atravs da exportao de ligas de metal de baixo custo ao invs de exportar o material bruto.

    O porto o empreendimento principal desse conjunto, pois ir atrair as principais empresas a se instalarem em So Joo da Barra, alm de viabilizar a exportao do minrio extrado pela MMX Minas-Rio Minerao, em parceria com a Anglo Ferrous Minas-Rio Minerao S.A, em Conceio do Mato Dentro/MG. tambm o projeto mais adiantado. Suas obras comearam em outubro de 2007, com a construo de um per que ligar o terminal de cargas ao continente, e que j vem impactando a pesca, uma das principais atividades econmicas da populao local.

    O Grupo EBX vem negociando a instalao de diversas companhias no condomnio industrial a ser construdo na rea de retaguarda do porto, de mais de 7.200 hectares. Entre as negociaes j anunciadas est a instalao de uma usina siderrgica do grupo talo-argentino Techint, a um custo de trs bilhes de dlares. No CIPA se instalaria a Tenaris (subsidiaria da Techint), para produo de tubos de ao voltados para a indstria petrolfera da Bacia de Campos,

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    utilizando minrio de ferro trazido das jazidas de Minas Gerais pelo mineroduto Minas-Rio. Alm do grupo argentino, a indiana Tata Steel, tambm estaria conversando com o grupo EBX para a instalao de uma usina siderrgica. A Votorantim Cimentos anunciou, em 2009, que estava analisando uma parceria com o Grupo EBX para instalar uma indstria no local. J a Anglo Ferrous Brazil anunciou um projeto de ampliar a capacidade do sistema Minas-Rio para uma produo anual de 80 milhes de toneladas de minrio de ferro at 2015.

    De todas essas negociaes iniciais, a nica que h certeza de j haver se concretizado a parceria com o grupo chins Wuhan Iron and Steel Co (WISCO). Alm de construir uma siderrgica no valor de R$ 4 bilhes com previso de produo de cinco toneladas de ao por ano, a WISCO tambm se tornaria scia das operaes da MMX no Brasil e fornecedora de ao para a BEX, ambas subsidirias do Grupo EBX.

    Mapa do Complexo Industrial Porturio do Au no municpio de So Joo da Barra-RJ.

    A instalao do CIPA provocar impactos diretos em 32 municpios de Minas Gerais e Rio de Janeiro, por serem cortados pelo mineroduto. Porm, seguramente, os mais impactados sero

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    Campos dos Goytacazes e So Joo da Barra, que tambm abrigaram as operaes industriais e porturias, bem como outras obras de infraestrutura diretamente ligadas ao Complexo.

    Mapa dos impactos socioambientais do CIPA

    4. Os municpios de Campos e So Joo da Barra

    O municpio de So Joo da Barra possui, segundo o Censo Demogrfico do IBGE de 2010, 32.747 habitantes, dos quais 7.057 residindo em reas rurais, sendo que o principal distrito rural de SJB o 5 Distrito, justamente aquele onde est sendo construdo o CIPA. Registre-se que a queda da populao rural de SJB foi vertiginosa e contnua de 45.894 habitantes em 1970 para 7.054 em 2010.

    De acordo com o Censo Agropecurio de 2006 h em SJB 1.627 trabalhadores ocupados em Estabelecimentos Agropecurios. Os dados sobre utilizao das terras mostram a preponderncia da pecuria, com 6.450 ha de pastagens naturais e 3.060 ha de pastagens plantadas. As lavouras temporrias somam 2.250ha e as lavouras permanentes apenas 329 ha. A maioria dos produtores so proprietrios, 682, mas h ainda 9 arrendatrios, 3 parceiros e 13 ocupantes. SJB

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    2 maior produtor de abacaxi do estado do Rio, com 200ha plantados e uma produo anual de 4.600.000 frutos, segundo a Pesquisa Agrcola Municipal do IBGE de 2009. A importncia de So Joo da Barra para a produo agrcola estadual era muito maior antes da emancipao de So Francisco do Itabapoana, que ficou com a maior parte da rea agrcola do antigo municpio de So Joo da Barra e hoje destaca-se na produo de cana, abacaxi, mandioca entre outros produtos. O municpio de Campos dos Goytacazes, o maior do Norte Fluminense, possui, de acordo com o Censo Demogrfico do IBGE de 2010, 463.731 habitantes, sendo 45.006 rurais. A populao rural de Campos caiu de 142.724 habitantes em 1970 para 45.006 habitantes em 2010, entretanto, entre 2000 e 2010 houve um leve crescimento que, muito provavelmente, est associado conquista dos assentamentos pela luta travada pelos movimentos sociais pela terra na regio.

    De acordo com o Censo Agropecurio de 2006 h 28.355 pessoas ocupadas em estabelecimentos agropecurios. curioso observar que apenas 279 produtores se autodenominam assentados sem titulao definitiva, quando h 1.182 famlias assentadas em Campos segundo o Incra. A maior parte das terras destinada pecuria, com 92.960 ha de pastagens plantadas e 40.590 ha de pastagens naturais. As lavouras temporrias somam 79.101 ha, com destaque para a cana-de-acar, enquanto que as lavouras permanentes somam 4.245 ha. Destaque-se ainda que h 766 ha classificados como sistemas agroflorestais e 6.734 considerados inaproveitveis para a agricultura. Campos o maior produtor estadual de cana, com 43,9% da rea plantada em todo o estado e 56,3% da produo, em que pese a reduo da rea plantada e da produo nas ltimas dcadas, segundo a Pesquisa Agrcola Municipal do IBGE de 2009. Campos destaca-se ainda como 3 maior produtor de mandioca, 4 de abacaxi e 6 de milho no estado. Possui tambm os maiores rebanhos de bovinos e ovinos, o 2 maior de sunos e o 7 de caprinos. ainda onde mais se extrai lenha e madeira no estado do Rio de Janeiro. Campos o municpio do estado do Rio com maior nmero de assentamentos rurais (11), famlias assentadas (1.182) e rea destinada reforma agrria no estado do Rio de Janeiro (17.740,43 ha). Destes 11 assentamentos, 2 seriam diretamente atingidos pelo complexo logstico do Au, o Zumbi dos Palmares, o maior assentamento do estado com 507 famlias e 8.005,29 ha e o Oziel Alves, com 35 famlias e 410,73 ha. Tambm verifica-se a presena no municpio de seis comunidades quilombolas (Aleluia/Batatal/Cambuc, Conceio do Imb, Conselheiro Josino, Lagoa Feia, Morro do Coco e Sossego) que lutam pelo reconhecimento do direito coletivo terra, sendo que duas fazem parte de um assentamento rural Novo Horizonte, criado nos anos 1980 (Conceio do Imb e Aleluia/Batatal/Cambuc).

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    Os impactos da instalao do CIPA, especialmente nestes dois municpios ainda no esto totalmente delineados, at porque o processo de licenciamento ambiental tem sido realizado de forma fragmentada, a fim de agilizar o processo e viabilizar as obras, o que, alis, tem se tornado um artifcio comum, mas nefasto, como analisaremos mais adiante. Antes disso, faremos uma breve apresentao de cada empreendimento a partir dos RIMAs dos mesmos.

    5. Os empreendimentos do CIPA segundo os Relatrios de Impacto Ambiental

    5.1 - O Distrito Industrial de So Joo da Barra (DISJB)

    Este empreendimento prev o investimento de 3 bilhes de reais e a gerao de 10.000 empregos diretos na infraestrutura do Distrito, que ser implementado por uma parceria pblico privada entre a Companhia de Desenvolvimento Industrial do Estado do Rio de Janeiro (CODIN) e a LLX Au Operaes Porturias S/A, subsidiria da LLX Logstica S/A, grupo EBX. O distrito ter uma rea de 7.036ha prximo a costa, com obras de abastecimento de gua, esgoto, drenagem, alm de vias de acesso aos lotes do porto. Esto previstas para o DISJB: unidade de construo naval; fbrica de automveis; fbricas de cimento; fbricas de peas pr-moldadas de concreto; indstrias mecnicas; fbricas de mquinas e equipamentos; fbricas de autopeas e eletrodomsticos; unidades siderrgicas; outras fbricas e servios associados s atividades industriais e porturias.

    O loteamento planejado pela CODIN contemplar quadras e lotes de 80 a 1300 hectares, agrupados em 8 reas. No presente licenciamento prev-se o aterro, terraplenagem e arruamento interno das reas 1 e 5, situadas no lado norte do DISJB. Estas reas comportam as adutoras do Rio Paraba do Sul e ampliao da BR 356, com os acessos ao Porto do Au. Ainda comportar 132km de vias, 9.400.000m de aterro, 44 intersees e 8 viadutos numa rea de restinga. Inclui ainda a construo de ferrovias, para acesso a cimenteiras e siderrgicas, alm dos terminais de cargas dos caminhes. (p. 25)

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    Mapa do Distrito Industrial de So Joo da Barra

    A rede de drenagem ser composta de canais e tubulaes, interligando os canais de Quitingute e Campos-Au e o canal da unidade de construo naval (UCN). Esta rede de canais compe a macrodrenagem da Baixada Campista. A captao de gua ser realizada no rio Paraba do Sul, nas proximidades da BR-356 e a adutora com aproximadamente 23 km se localizar s margens da RJ-240, com a instalao de trs reservatrios para as indstrias e uma estao de tratamento de gua (ETA). J os efluentes industriais sero tratados nas prprias indstrias e sero dispostos em rede coletora do DISJB especfica para este fim, sendo conduzidos ao mar pelo emissrio submarino, juntamente com os esgotos sanitrios tratados. Para tanto sero implantadas redes coletoras, destinadas s coletas, separadamente, dos efluentes industriais e dos esgotos sanitrios (p.12). O ponto de lanamento do emissrio submarino situa-se a uma distncia 4,6 km da costa e o mesmo ter ainda 5,85 km em terra. Por fim, a rede eltrica ter uma extenso de 92,5km, prevendo 114,5km de iluminao pblica nas reas de circulao do DISJB.

    O municpio de So Joo da Barra foi escolhido para implantao do DISJB entre diversos fatores,

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    Na escala regional, a localizao do novo distrito respondeu perspectiva expressa na Constituio Estadual de que se promova a desconcentrao espacial da indstria e o melhor aproveitamento das potencialidades locais e regionais do territrio estadual. (p. 16)

    Quanto viabilidade ambiental analisou-se no estudo das alternativas, principalmente, a disponibilidade de grandes reas de retroporto para implantao das indstrias, com disponibilidade de recursos hdricos e suprimento de energia e capacidade de suporte ambiental, especialmente de bacia area. (p. 16)

    Fatalmente, o recurso natural de guas foi determinante para escolha de So Joo da Barra, atrelado a reas disponveis de 5.000 hectares, referente a Fazenda Caruara, e o Canal Quitingute, interligado ao Canal Campos-Au. As guas do Paraba do Sul ser utilizadas em no mximo 10m/s, esta tal 35 vezes menor que a disponibilidade no Rio. (p. 18)

    Os impactos previstos na implantao do distrito industrial envolvem emisses atmosfricas (poeira e gases) resultantes da instalao e operao do DISJB, que abrangem uma rea de 45km2 ao redor do DISJB. H previso tambm de impactos sobre o modo de vida e economia local como o rompimento de relaes de vizinhana e comunitria existentes; desestruturao de relaes simblicas da populao com o lugar; desestabilizao da estrutura agrria local pela mudana dos padres de apropriao da terra; interrupo de prticas locais de produo e de subsistncia.

    Nas reas martimas os impactos incluiro: a retirada de material do fundo marinho para a realizao de aterros; despejo de efluentes por meio do emissrio submarino. Como mitigao dos efeitos do empreendimento so inclusos regras do bom funcionamento e controle dos seus impactos ambientais. So previstas aes de comunicao social, integradas a um programa de comunicao social e divulgao paralelamente ao processo de negociao com os proprietrios, a construo de infraestrutura regional e gerao de emprego e renda; apoio ao desenvolvimento da agricultura local por meio de assistncia tcnica da EMATER, Secretaria de Agricultura e Sebrae, visando reverter o progressivo desinteresse dos jovens pela agricultura (p. 82). Alm disso, o Programa de Acompanhamento de Comunidades Vizinhas objetiva conter os efeitos perversos da implantao do projeto, como a favelizao e especulao imobiliria, bem como prostituio, o consumo e o trfico de drogas, intensificando situaes de violncia e criminalidade.(p 79). No que se refere s reas martimas so previstas aes de educao ambiental e sinalizao da rea afetada. Em nenhum momento so mencionadas perdas irreversveis na dinmica costeira diante do emissrio e bota fora.

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    5.2 - A Linha de Transmisso 345 kV UTE Porto do Au

    A Linha de Transmisso 345 kV UTE Porto do Au - Campos ser uma linha de transmisso de circuito duplo, e est associada s instalaes da Usina Termeltrica Porto do Au I, cuja potncia de 2.100 MW visa atender ao futuro Complexo Industrial do Porto do Au e regio, integrando-se ao Sistema Interligado Nacional Sudeste. Foram previstos investimentos de cerca de R$ 1.126.119,00 por quilmetro para a sua implantao, e investimento de aproximadamente R$ 18 milhes para a adequao da Subestao de Campos.

    Para a definio do traado final da Linha de Transmisso 345 kV UTE Porto do Au- Campos foram estudadas cinco alternativas de traado com extenses totais variando de 50 a 55 quilmetros. A definio final do traado considerou, ainda, seu ajuste ao Corredor Logstico. Dentre as dezenas de impactos listados, ressaltamos os seguintes:

    - Ao longo de todo o traado da LT esto presentes diversas reas de extrao de areia ou argila, matria prima para a indstria cermica, entre empresas legalizadas ou no, que sero inviabilizadas;

    - cinco comunidades encontram-se dentro dos limites da AID (rea de Influncia Direta), alm da rodoviria de Campos: dois condomnios de luxo (Athenas Park e Nashville), localidade de So Sebastio de Campos, Nova Chatuba, Parque Esplanada e uma comunidade localizada atrs da rodoviria, com cerca de 100 moradias, inclusive um novo conjunto de habitao popular. A principal medida mitigadora deste impacto a indenizao dos proprietrios.

    - a chegada da LT Subestao de Campos se dar atravs de sua passagem pela Escola Tcnica Estadual Agrcola Antonio Sarlo. Segundo o prprio relatrio, esta escola, ligada FAETEC, vem tendo seu espao dedicado ao aprendizado agrcola prejudicado pelas inmeras linhas de transmisso que cruzam o terreno.

    - Chama a ateno no documento que os impactos causados rea so minimizados pela j existncia de um acentuado processo de descaracterizao, que seria resultado de um conjunto de empreendimentos ligados ao Complexo Porturio do Au. Da mesma forma que os demais RIMA analisados, o relatrio indica que deve ser considerada a interao da instalao do presente empreendimento e de outros j licenciados ou em fase de licenciamento (p.55), o que contraditrio com o fato dos RIMAs serem feitos de forma fragmentada para cada empreendimento.

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    5.3 A Usina Termeltrica Gs Natural do Porto do Au (UTE II)

    A UTE Porto do Au II (empreendimento da empresa MPX-Energia) uma usina termoeltrica movida a gs natural liquefeito (GNL), com origem na Bacia de Campos, com capacidade de gerao de 3.300 MW, e com o custo total da obra avaliado em cerca de 2,3 bilhes de dlares.

    A usina ocupar 112 ha da Fazenda Saco Dantas, local destacado no RIMA do empreendimento como sem cobertura vegetal natural, e de predomnio de rea degradada, devido agricultura e pecuria. Apesar dessa caracterizao da rea diretamente afetada, apresentado no documento um grfico que quantifica os tipos de uso e ocupao do solo na rea de influncia direta (que engloba as bacias hidrogrficas do Au, Iquipari, Grussa e Coutinho, e diversos bairros rurais de So Joo da Barra e Campos) indicando 43,85% como rea de restinga e 23,42% de cultivos. Dentre as dezenas de impactos listados, ressaltamos os seguintes:

    - durante a fase de implantao, segundo o documento, a retirada da vegetao ser feita de forma cuidadosa,(...) com o objetivo de preservar a fauna e a flora, causando o menor impacto no meio ambiente. (p.11), fato que no se confirmou a partir de pesquisas de campo em que foram registradas imagens em que um trator removia sem cuidado algum a mata de restinga dentro da rea da antiga Fazenda Saco Dantas;

    Foto de mquina desmatando a restinga

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    Foto de restinga destruda

    - durante a fase de operao, a gua necessria para os processos industriais e demais usos da UTE ser captada do Rio Paraba do Sul, os efluentes sero enviados a rede Coletora da LLX, que ser responsvel pelo seu tratamento e descarte no mar. Em nenhum momento apresentado o volume de gua a ser captado e que impactos essa captao causar;

    - contraditoriamente, o relatrio atribui grande valor ecolgico a restinga, mas ressalta que as formaes deste bioma da regio so escassas, porm o diagnstico aponta a presena de restinga em 43,85% da rea de influncia direta.

    - como compensao so indicadas como reas prioritrias para a preservao Farol de So Tom, Lagoa Feia, corredor dos Trs Picos e Desengano, PE do Desengano e Rio Paraba do Sul.

    5.4 A Unidade de Tratamento de Petrleo (UTP)

    A Unidade de Tratamento de Petrleo (UTP) prev obras e instalaes especficas para estocagem e processamento de petrleo, alm da instalao de tubulao para transferncia do petrleo entre essa Unidade e os terminais martimos Terminal de Granis Lquidos (TELIQ) e Terminal de Cargas Mltiplas (TMULT). O TMULT, dever ser alterado diversificando o uso do

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    seu ltimo bero1, para que possa operar tanto com a movimentao de cargas gerais, como para importao e exportao do petrleo.

    No relatrio so citados projetos de energia, que podem trazer benefcios e se relacionar s atividades previstas no empreendimento, ampliando a gama de impactos, como: a Usina Termoeltrica do Au; o Parque Elico de Garga, e duas Pequenas Centrais Hidreltricas (PCH Pirapetinga e PCH Pedra do Garrafo), ambas no municpio de So Francisco de Itabapoana. Dentre as dezenas de impactos listados no relatrio, ressaltamos os seguintes:

    - interferncia na dinmica tradicional dos pescadores, com o aumento do trfego de navios e de rebocadores, a partir da operao da UTP. Nesta regio se encontram pesqueiros muito importantes, como o Banco de So Tom, o Buraco dos Morros, o Buraco de Fora, Malacacheta, dentre outros. Estes pesqueiros, locais de grande produtividade biolgica, encontram-se sob possveis rotas de aproximao dos navios;

    - o canal de entrada do porto se inicia justamente na cabeceira de um dos mais importantes pesqueiros da regio, o Buraco dos Morros. Neste pesqueiro atuam embarcaes que utilizam apetrechos de espera e, portanto, que necessitam ficar paradas, correndo grandes riscos de se chocarem contra os grandes navios;

    - com relao pesca de deriva, que utiliza redes com grande extenso, conhecidas por redes fantasmas, pois uma vez no mar so bastante discretas (assim como os espinhis de superfcie), o relatrio ressalta que a m sinalizao dos apetrechos associada ao aumento do fluxo de navios aumenta o risco de abalroamento e perda de material de pesca para os pescadores, fato que pode ser muito prejudicial ao pescador.

    - na fase de operao a qualidade do ar poder sofrer interferncia pela gerao de partculas em suspenso atravs de emisses fugitivas, queima de combustvel e movimentao e estoque de hidrocarbonetos. Segundo o relatrio, no haver violao dos padres de qualidade do ar fixados pela legislao2;

    - para a instalao das tubulaes no trecho martimo ser necessria a realizao de escavao para a abertura de vala, que acarretar em turvamento da gua devido ao processo de retirada e deposio de material pelo equipamento, e eliminao da fauna martima. O impacto fsico provocado pela disperso de partculas slidas reduz a incidncia de luz no ambiente, podendo gerar alteraes nos ciclos de vida dos organismos do plncton e acarretar uma

    1 Bero um depsito temporrio de cargas variadas.

    2 Cabe ressaltar que em se considerando apenas este empreendimento os limites legais de emisso no sero

    superados, mas a soma de todas as emisses atmosfricas do CIPA no foi contabilizada em nenhum momento.

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    diminuio nas atividades fotossintticas, afetando as espcies de interesse econmico para a pesca;

    - risco de acidentes como choque entre navios no canal de acesso, levando ruptura acidental do casco e vazamento de leo cru, podendo comprometer a qualidade da gua.

    5.5 A Usina Termeltrica a carvo mineral (UTE I)

    A usina termeltrica Porto do Au Energia S/A ocupar 239 ha da antiga Fazenda Caruara, que hoje de propriedade da LLX. De acordo com o plano diretor de So Joo da Barra (lei municipal 50/06), a rea onde ser construda a UTE est inserida numa Zona de Expanso Industrial, isolada de ocupaes urbanas e rurais significativas (p. 5). A previso de que a indstria produza, a partir de 3 geradores, 2100MW de energia que serviro aos empreendimentos do CIPA e rede pblica. A previso de vida til da UTE de 30 anos e fase de desativao a probabilidade de que haja grandes impactos no que diz respeito ao acmulo de resduos slidos e material inerte. Na planta do empreendimento tambm est prevista a instalao de uma estao de tratamento de gua e efluentes, sistema de desmineralizao de gua, armazenamento de resduos slidos, armazenamento de matrias-primas e insumos ptio de estocagem de carvo e cinzas com a respectiva bacia para conteno de guas potencialmente contaminadas.

    A Fazenda Caruara possui um total de 4234ha, que incluem rea da marinha e outros setores legalmente protegidos, mas o RIMA identifica a rea onde ser instalada a UTE como: desprovida de cobertura vegetal em regenerao, sendo constitudas por reas antropizadas, podendo acolher o empreendimento sem maiores intervenes ao ecossistema (p.14). No que se refere ao conjunto da Fazenda Caruara o RIMA aponta um histrico de uso do solo rural e no apresenta em seu entorno ocupaes residenciais significativas, ocorrendo aglomeraes rurais pouco concentradas e pequenos distritos distantes mais de 5 km da rea prevista para implantao da UTE (p.04). O uso prioritrio das reas hoje de pastagens, reas agricolas prioritariamente voltadas para a subsistncia e pequenos ncleos de povoamento. Entretanto, a maior parte da rea ocupada por restingas preservadas em termos ecolgicos. Como forma de legitimar o empreendimento, o RIMA sustenta que a manuteno do uso e ocupao atual provocar a degradao do ambiente de restinga da Fazenda Caruara.

    Os fatores apresentados pelo estudo como justificativa para a localizao da UTE Porto do Au so: baixo dinamismo econmico regional e possibilidade dos empreendimentos como indutores; proximidade relativa ao quadriltero ferrfero de MG; Disponibilidade de terreno

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    litorneo de grandes dimenses, com baixo potencial de uso e produtividade rural (devido s suas caractersticas naturais) (p.13); condies batimtricas que contribuem instalao do porto (embora esteja sendo necessrio dragar areia); condies naturais que contribuem disperso de poluentes; mo de obra carente de oportunidades (p.13); distncia significativa dos centros urbanos SJB e Campos, pelo menos 20 Km.

    So Joo da Barra teria apresentado as menores restries para a instalao do complexo industrial e porturio o que, por consequncia, condicionou a localizao da UTE, embora indiquem, em seguida, as dificuldades da escolha por serem reas urbanizadas e/ou de restinga e sistemas lagunares e, portanto, protegidas. Nesse setor do litoral sudeste, dominado pelo Bioma Costeiro e de Mata Atlntica, no h muita disponibilidade de terras em tamanho suficiente para receber um empreendimento de porte como o previsto para o Complexo do Porto do Au, devido ao mosaico gerado pelos diferentes usos urbanos, as reservas da Mata Atlntica e Costeiras e as vias e cidades tursticas. (p.12)

    O RIMA indica que prximo fase de desativao dever ser avaliado o reaproveitamento dos resduos e/ou a implantao de aterros/bota-foras. No caso da remoo das estruturas para o uso futuro da rea, no haver possibilidade de voltar ao sistema natural do terreno, embora seja possvel revitalizar para uso residencial caso no haja interesse de manter como rea industrial.

    A UTE identificada como uma propulsora ao dinamismo da economia regional, que se encontraria em condies de estagnao e que passaria a gerar empregos e atrair novos investimentos. Apesar disso, o prprio RIMA indica o pequeno nmero de empregos que sero gerados, especialmente na fase e operao, que a mais duradoura. A previso de tempo para a fase de implantao da UTE de 52 meses, com gerao de at 2500 empregos e uma mdia de 1500 empregos diretos por ms, sendo 60 de nvel superior; 200 de nvel tcnico; 400 profissionais especializados; 640 ajudantes de profissionais especializados e 200 operadores de equipamentos e motoristas. J na fase de operao, a previso de que sejam gerados apenas 170 empregos diretos, dos quais sero 20 de nvel superior; 15 de nvel tcnico; 30 profissionais especializados; 55 ajudantes de profissionais especializados e 50 administrativos.

    A justificativa da instalao do empreendimento se baseia no aumento da demanda a nvel nacional e na estabilidade dos preos e segurana no atendimento s demandas do carvo mineral, pois o estado do Rio de Janeiro seria importador de energia eltrica. Com a implantao da UTE Porto do Au a potncia de produo do estado aumentar 28%. Porm o RIMA no aponta o aumento de consumo de energia gerado com a instalao do CIPA.

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    Segundo o estudo, as condies socioambientais atuais apresentadas pelo diagnstico so todas de nveis satisfatrios, sendo possvel apenas o controle e mitigao dos impactos que sero gerados. O RIMA identifica que todas as formas de produo de energia emitem gases poluentes e que a UTE prev um controle adequado da emisso de poluentes atravs da estao automtica de controle atmosfrico instalada pela EBX em 2007. Alm disso, identifica que as condies fsicas da regio so favorveis disperso de poluentes e possui suporte para os poluentes, tornando o empreendimento ambientalmente vivel. Segundo o RIMA a queima de carvo em termeltricas pode causar impactos significativos, face emisso de material particulado e de gases poluentes (p.10), principalmente o xidos de carbono (COx), o xidos de enxofre (SOx), e os xidos de nitrognio (NOx). Em seguida afirma que vrias medidas de controle podem ser tomadas para minimizar esses impactos, por meio da instalao de equipamentos especficos de controle e pelo controle de qualidade do carvo.

    Um impacto indicado na hidrografia a interceptao do sistema natural das drenagens e contaminao desses corpos hdricos superficiais ou subterrneos, incluindo o ambiente marinho. So identificadas como reas de influncia direta as bacias hidrogrficas de iquipari, grussa, au e coutinho, incluindo formaes de restingas, manguezais, brejos e complexos lagunares.

    Para evitar esses riscos, o estudo indica que dever estar ativo o sistema de controle e monitoramento previstos. Alm disso, na tentativa de minimizar as aes sobre as lagoas de Grussa e Iquipari, que so reas de APP e se encontram preservadas, buscou-se alternativas locacionais para aes que ocorreriam sobre as lagoas, sem que o RIMA precise quais sero estas aes. Sequer menciona os impactos relacionados a construo da ponte sobre a lagoa de Iquipari, prevista para ligar a UTE ao Porto. O documento reconhece que haver supresso da vegetao, no entanto afirma ser esta basicamente antropizada (p.67), como forma de minimizar as criticas que poderiam advir dos impactos sobre as restingas.

    5.6 A Unidade de Construo Naval (UCN)

    A Unidade de Construo Naval (UCN) ser o primeiro grande empreendimento a ser construdo no CIPA. O investimento previsto para a implantao da obra da ordem de R$ 3,5 bilhes, distribudos num plano de execuo que envolve basicamente a unidade industrial, a formao de um amplo canteiro de obras, a central de concreto e os canais de acesso, internos e marinhos. Em sua concepo, esto previstos essencialmente a implantao de dois grandes mdulos operativos na UCN.

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    O primeiro deles a formao de uma unidade industrial numa rea de aproximadamente 940 hectares, sendo 46% ocupados por vegetao de restinga. Est prevista para esta rea uma oficina de caldeiraria pesada, plataformas de soldagem e montagem de blocos, estruturas de montagem de acessrios de ao, tubulaes, equipamentos navais, itens de eletricidade, tratamento de superfcie e pintura. A unidade ter como foco a construo, reparo e manuteno de quaisquer tipos de embarcao, necessrias ao desenvolvimento da cadeia produtiva do petrleo e gs em rea martima, da qual a OGX j controla 22 blocos de explorao offshore e 4,8 bilhes de reais em recursos riscados lquidos.

    O segundo mdulo operativo consiste na construo de canais internos e marinhos ao longo do continente e com entrada mar adentro, necessrios circulao das embarcaes construdas e reparadas na UCN. O canal chamado de acesso e navegao ser o maior deles, com aproximadamente 13 km de extenso, projetado para rebaixar a bacia de evoluo do ambiente costeiro, escavando o fundo marinho por meio de dragagem pesada.

    Devido s caractersticas geoecolgicas da costa, com ampla distribuio de restingas, dunas, lagoas costeiras, charcos e pequenos audes, pescadores e agricultores a implantao da UCN, chamada de Etapa 1 do CIPA causar inmeros e significativos impactos socioambientais. Na fase de implantao do projeto prev-se a alterao do relevo, com mega escavaes no continente e oceano e destruio de ambientes costeiros de dunas e cordes arenosos, risco de aumento da eroso costeira e alterao da sedimentao na praia, supresso de vegetao de restinga, alterao do fluxo subterrneo com impactos nos ambientes lacustres e hdricos superficiais, alterao na qualidade da gua, alterao da qualidade do ar (pela emisso de gases txicos e metais pesados ligadas operao da calderaria), risco de extino de espcies, forte incremento populacional, com aumento da presso sobre o ambiente, deslocamentos de famlias e desestabilizao da economia agrcola familiar, restrio s atividades de pesca, risco de interferncia nos stios arqueolgicos, risco social relacionados s incertezas e expectativas, o que est relacionado transformao do modo de vida e trabalho das vrias famlias impactadas por este empreendimento.

    Os pescadores tambm sero impactados, seja pela forte limitao de acesso ao mar, onde 58% do permetro costeiro do municpio ser controlado pelo grupo X, seja pela alterao na rota e na distribuio das reas de pesca, com medidas de ajustamento e disciplinamento da pesca artesanal, seja pelo aumento de fluxo e trafego das mega embarcaes, jaquetas e plataformas de petrleo construdas, seja pelo deslocamento dos cardumes e pescados, seja pelo aumento da pesca industrial, derramamentos de leos e guas de lastro. Ademais, a destruio da restinga e remoo

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    da vegetao litornea ser impactante para a fauna local, com risco de extino e impossibilidade de reproduo e deslocamento. A magnitude do impacto ser tamanha e irreversvel, se considerarmos que o litoral norte fluminense o ltimo e maior espao contnuo de restinga do pas, com cerca de 300 km2.

    6. Sobre o licenciamento ambiental do CIPA

    As obras referentes implantao do Complexo Industrial-Porturio do Au (CIPA) tm sido executadas na contramo dos estatutos normativos e legais previstos na legislao ambiental brasileira e das convenes internacionais de defesa e proteo da natureza. A localizao do empreendimento, no litoral norte fluminense parece colapsar todas as recomendaes, princpios e fundamentos norteadores da avaliao de impactos ambientais (AIA), alm de fragilizar, em particular a participao das populaes locais nas decises e negociaes sobre o empreendimento.

    O instvel limite entre as competncias legais e institucionais dos rgos ambientais e a separao indevida dos empreendimentos no processo de licenciamento ambiental desde seu inicio no estado de Minas Gerais parece iniciar o rol de inconsistncias neste processo. As licenas ambientais3 foram emitidas por instituies pblicas diferentes, em nveis de competncia distintos, alm de no caracterizar as relaes de sinergia e cumulatividade dos impactos socioambientais. Adotou-se a substituio da anlise de totalidade e abrangncia do projeto pela avaliao frgil de suas vrias reparties, estruturando, assim, uma notria arbitrariedade e incoerncia no licenciamento. Esta opo se caracterizou, a principio como a base de legitimidade de todo o processo e motivou as vrias aes do Ministrio Pblico Federal (MPF) contra a implantao do empreendimento. O MPF, em compilao anterior referente a vrios outros processos de licenciamento ambiental tem percebido o no cumprimento das anlises de cumulatividade e sinergia dos impactos, justificados pelo processo fragmentrio e isolado que o licenciamento vem tomando diante da complexidade dos empreendimentos e dos efeitos sinrgicos sobre as populaes atingidas e ambiente natural.

    3 At 2010, a situao processual das licenas ambientais dos empreendimentos do CIPA assim se caracterizava: i)

    Porto do Au licenciado e em fase final de obras; ii) Usina de Pelotizao em fase de obras; iii) Mineroduto possui Licena Prvia (LP) e Licena de Instalao (LI), aguardando o incio das obras; iv) Usina Termoeltrica Carvo Mineral (UTE) possui LP e LI, aguardando o incio das obras; v) Ptio Logstico e Unidade de Tratamento de Petrleo (UTP) o ptio possui LP e LI, e a UTP possui LI emitida pelo INEA; vi) Usina Termoeltrica a Gs (UTE Gs) possui EIA protocolado; e vii) Usina Siderrgica I possui EIA protocolado; viii) Mineroduto licenciado pelo IBAMA. (RIMA, 2010, p.112).

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    Em atendimento s determinaes da Resoluo Conama n. 001/86, todo EIA deveria avaliar as propriedades cumulativas e sinrgicas dos impactos, assunto que tem sido abordado por diversos autores ligados temtica ambiental. (...) Uma avaliao de efeitos ambientais deve considerar a cumulatividade e a sinergia dos impactos, uma vez que a associao de vrias intervenes pode agravar ou mesmo gerar problemas sociais que, de outro modo, no ocorreriam. A conjuno de projetos de desenvolvimento que alteram, um aps outro, ou ao mesmo tempo, modos de vida locais, pode intensificar sofrimentos e perdas, inviabilizar esforos de adaptao e recuperao familiares, coletivos, gerar ou acirrar conflitos diversos (MPF, 2004, p.27-28).

    Como os impactos extrapolam as fronteiras do estado do Rio de Janeiro e Minas Gerais, desde a construo do mineroduto4 e inicio da atividade mineira em Conceio do Mato Dentro, at o processamento metalrgico e demais operaes industriais no municpio de So Joo da Barra, no estado do Rio de Janeiro, seria injustificvel delegar ao rgo estadual e seus setores correlatos a atribuio em avaliar o conjunto dos impactos, quanto menos em licenciar a concepo locacional, tecnolgica, ambiental e socioeconmica dos vrios empreendimentos associados. Esta premissa se justifica, exatamente, por ser o Complexo do Au um empreendimento integrado com outras unidades de transformao e logstica, extrapolando os limites geogrficos dos municpios mineiros e fluminenses e, sobretudo implantado sobre reas consideradas bens da Unio, como o mar territorial e a plataforma costeira.

    Portanto, exceto por meio de convnio especfico, caberia ao IBAMA executar toda a anlise do licenciamento ambiental, conforme o artigo 4 da Resoluo CONAMA 237/1997 e aos dispositivos legais da Lei 6.938/1981, que institui a Poltica Nacional do Meio Ambiente. Contudo, mesmo com a previso de termo de convnio entre os rgos estaduais e federais previsto na Resoluo CONAMA 237 e na observncia da hierarquia jurdica dos diplomas normativos, o disposto na Lei ora em tela, artigo 10, delega ao IBAMA em todos os casos um carter supletivo na avaliao dos empreendimentos cujos impactos sejam significativos, de mbito regional ou nacional. Isso vai ao encontro com a real necessidade de incorporar a esfera federal como nvel de competncia responsvel pelo licenciamento, sobretudo pela magnitude, abrangncia e porte do Complexo do Au.

    Artigo 4 Compete ao Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renovveis IBAMA, rgo executor do SISNAMA, o licenciamento ambiental a que se refere o artigo 10 da Lei 6938, de 31 de agosto de 1981, de empreendimentos e atividades com significativo impacto ambiental de mbito nacional ou regional, a saber:

    4 Com 525 km de extenso e cortando 32 municpios entre Conceio do Mato Dentro/MG e So Joo da Barra/RJ, o

    mineroduto ter, inicialmente, capacidade para transportar 26,6 milhes de toneladas de pellet feed por ano, que iro abastecer as siderrgicas instaladas no condomnio industrial e tambm podero ser beneficiadas por unidades de pelotizao instaladas no prprio porto.

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    I localizadas ou desenvolvidas conjuntamente no Brasil e em pas limtrofe; no mar territorial; na plataforma continental; na zona econmica exclusiva; em terras indgenas ou em unidades de conservao do domnio da Unio.

    II localizadas ou desenvolvidas em dois ou mais Estados;

    III cujos impactos ambientais diretos ultrapassem os limites territoriais do Pas ou de um ou mais Estados;

    IV destinados a pesquisar, lavrar, produzir, beneficiar, transportar, armazenar e dispor material radioativo, em qualquer estgio, ou que utilizem energia nuclear em qualquer de suas formas e aplicaes, mediante parecer da Comisso Nacional de Energia Nuclear CNEM;

    V bases ou empreendimentos militares, quando couber, observada a legislao especfica (CONAMA N 237, 1997).

    Alm de no conduzir o processo por inteiro, o que qualifica a possibilidade de nulidade do licenciamento, o IBAMA ao licenciar em 2008 a instalao e abertura do canteiro de obras, do ptio de armazenamento de tubos e o acesso estao de bombas 01 do mineroduto do Sistema MMX Minas-Rio e encerrar sua participao na avaliao de impactos ambientais, se exime da responsabilidade de avaliar o conjunto do empreendimento e a relao e sinergia dos impactos correlatos, notadamente expressos em sua integrao com os demais impactos previstos nas obras complementares (CIPA) no estado do Rio de Janeiro. A nfase sustentabilidade do sistema empreendedor foi dirimida apenas pela anlise de suas partes, ou mesmo de seu incio (Mina e Mineroduto), na fragmentada concepo de que as medidas mitigadoras e compensatrias previstas sero, assim, medidas de conjunto.

    As licenas do mineroduto foram concedidas de forma aodada, inclusive com lacunas no EIA/Rima, o qual foi analisado por equipe tcnica multidisciplinar sem a formao exigida. Alm dessas irregularidades, o MPF verificou que o projeto foi licenciado sem que se conhecesse sequer o traado do mineroduto, e que ele atingiria vrios stios histricos e arqueolgicos ao longo do caminho, com impactos sobre comunidades tradicionais, as quais no foram sequer consideradas relevantes no EIA/Rima.

    A opo pelo INEA tambm no caracteriza diretriz legal neste processo de licenciamento, com exame crtico de suas atribuies, haja vista (1) seu foco apenas no trecho fluminense do empreendimento Mina-Mineroduto-CIPA, se eximindo assim de avaliar a cumulatividade dos impactos desde Minas Gerais, os efeitos de sinergia sobre as populaes atingidas e a sobreposio de projetos ou aes distintas num mesmo recorte regional e (2) pela inobservncia dos dispositivos legais da legislao ambiental, que atribui ao IBAMA a competncia de licenciar

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    atividades e obras, com significativo impacto ambiental, nacional ou regional (Lei 6.938, art. 10 4).

    A fragmentao de todo o processo de licenciamento, tendo o IBAMA frente da avaliao do mineroduto e operaes iniciais do Sistema MMX Minas-Rio e o INEA conduzindo toda a analise de viabilidade das demais obras e unidades industriais no estado do Rio de Janeiro, contrria ao disposto no artigo 7 da Resoluo CONAMA 237/19975, que define que quaisquer empreendimentos e atividades sero licenciados em um nico nvel de competncia, respeitando as condies atribudas a cada rgo licenciador. Nesta medida, o empreendimento CIPA deveria, de modo inseparvel ser avaliado considerando o Sistema Mina-Mineroduto-Indstria-Porto como um nico empreendimento e, portanto, conduzido por uma nica esfera licenciadora.

    Recentemente, pelas evidncias de ilegalidade o MPF por meio da Procuradoria Federal da Unio no Rio de Janeiro instaurou em setembro de 2011 Inqurito Civil Pblico (ICP) para investigar se as obras do distrito industrial de So Joo da Barra e do corredor logstico do Norte Fluminense, projetos de apoio ao Porto do Au, possuem o devido licenciamento ambiental e respeitam a legislao de proteo ao meio ambiente. Segundo a Procuradoria o ICP foi aberto para avaliar se o licenciamento destes projetos esto atentos aos impactos ambientais em sua mxima extenso, solicitando ao INEA e ao governo do estado esclarecimentos sobre os estudos tcnicos das obras e seu o processo de implantao.

    A escolha por fracionar o grande complexo porturio, em uma extensa lista de obras complementares, adjuntas e interligadas em seus objetivos caracteriza a primeira fragilidade do processo de licenciamento. O tratamento diferenciado de cada parcela do empreendimento, com seu prprio processo de licenciamento porto, unidades siderrgicas, termoeltricas, modais industriais, infraestrutura, mineroduto e mina reduz a dimenso de conjunto dos impactos, bem como dificulta a identificao do conjunto das reas e populaes atingidas. No fundo, o que caracteriza esta fragilidade no processo de implantao do CIPA foi a fragmentao do objeto do licenciamento ambiental. A definio do empreendimento foi arbitraria, feita de forma partilhada; como se o CIPA fosse algo isolado do conjunto de projetos que compe este sistema. Desta forma, a prpria concepo do prognstico e do conjunto de medidas mitigadoras e compensatrias passam a no contemplar todo o empreendimento, mas apenas uma frao do objeto licenciado.

    5 A Resoluo CONAMA n 237 de 19 de dezembro de 1997 dispe sobre licenciamento ambiental; competncia da

    Unio, Estados e Municpios; listagem de atividades sujeitas ao licenciamento; Estudos Ambientais, Estudo de Impacto Ambiental e Relatrio de Impacto Ambiental.

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    Ao contrrio do exposto pela Secretaria de Estado do Ambiente do Rio de Janeiro, em nota pblica divulgada em 23 de junho de 2011, a Avaliao Ambiental Estratgica (AAE) que em tese avaliaria a cumulatividade dos impactos conforme um planejamento estratgico no foi realizada considerando a totalidade do projeto desde Minas Gerais (Sistema Mina-Mineroduto-CIPA), mas sim apenas o recorte espacial do Complexo do Au em So Joo da Barra, associando o ncleo base industrial definido pelo empreendedor (LLX) com o cinturo industrial complementar, com mdulos da indstria de servios (Ncleo Potencial).

    Mesmo nesta perspectiva, tendo a AAE dimensionado a capacidade de suporte do meio apenas para o trecho fluminense do Complexo do Au, o estudo no foi suficiente para adequar a realidade dos EIA/RIMA das vrias unidades industriais e obras de infraestrutura ao planejamento estratgico apresentado, haja vista que o INEA continuou a licenciar de forma fragmentada as vrias unidades e projetos previstos, inclusive com a emisso de Licenas de Instalao. Segundo o GATE Ambiental,

    (...) o INEA j recebeu diversos EIA sobre distintas unidades do Complexo Industrial do Au, tendo, inclusive, alguns desses empreendimentos j recebido Licenas Prvias e ou de Instalao, sem que haja perfeita adequao entre as caractersticas daquelas unidades com os cenrios avaliados pela AAE. Este fato torna a AAE desatualizada em relao realidade do planejamento e licenciamento do Complexo, o que (a) cria o risco de que impactos cumulativos e sinrgicos no estejam sendo integralmente avaliados pelos diversos EIA, e em especial, pelo do DISJB e (b) pode resultar em ultrpassagem da capacidade de suporte do meio, como j se rerifica para algumas espcies de impactos ambientais (Parecer Tcnico GATE Ambiental, 2011, p.07).

    Alm disso, a formulao da AAE parece ter colocado como condio prioritria a competitividade empresarial, visto que foram consultados no processo de definio do objeto de anlise 15 instituies, sendo 14 ligadas diretamente aos setores empresariais envolvidos, 1 vinculado a UFRJ/COPPE/LIMA (Laboratrio Interdisciplinar de Meio Ambiente) e nenhuma representativa das populaes locais atingidas.

    Caracteriza-se, assim, pela fragilidade na avaliao dos impactos em seu conjunto; invisibilidade social de grupos afetados; licenciamento por trecho construdo; omisso da relao entre as etapas e obras previstas, de cada empreendimento em separado com o conjunto de obras ao qual se filia, permitindo a concluso de sua independncia; impossibilidade do direito ao no, conforme Conveno 169 da OIT do qual o Brasil signatrio; separao indevida entre o meio ambiente de suas dimenses sociais, espaciais e histricas, perdas incalculveis para a biodiversidade costeira e marinha; alm da sustentao indevida e privilegiada do aspecto

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    econmico, fundado na relao custo/beneficio do empreendimento em detrimento das dimenses sociais e ambientais.

    Enfim, o fracionamento do licenciamento ambiental parece estar na base de legitimidade dos vrios empreendimentos que compe o CIPA, como tambm necessrio ao argumento da viabilidade das obras. No fundo, ao se lanar a diviso das competncias administrativas entre os rgos ambientais, afasta-se nitidamente as anlises de totalidade dos impactos. Isso foi inclusive motivo para que o Ministrio Pblico Federal (MPF), em agosto de 2008 ajuizasse ao civil pblica perante a Justia Federal em Belo Horizonte para impedir a continuidade das obras de instalao do Mineroduto Minas-Rio. Nessa ao so rus o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (IBAMA), o estado de Minas Gerais, a MMX Minas-Rio Minerao e Logstica Ltda, a Anglo Ferrous Minas-Rio Minerao, a LLX Au Operaes Porturias S/A, a LLX Minas-Rio Logstica

    Comercial Exportadora S/A e o Instituto Estadual do Ambiente (INEA), do Rio de Janeiro. O MPF sustenta que a fragmentao do licenciamento ambiental do empreendimento foi totalmente ilegal.

    A procuradoria do MPF no Rio de Janeiro tambm chegou a ajuizar ao similar pedindo liminar para que fossem paralisadas as obras do Porto do Au. Dessa vez os motivos seriam o fato de o empreendimento no haver sido licitado, a cesso da rea para o porto ter sido indevida e a licena ambiental dada ao empreendimento ter ocorrido sem a aprovao do estudo de impacto ambiental. O interesse poltico e econmico teria suplantado o rigor tcnico necessrio.

    A sustentao das inconsistncias apontadas pelo MPF no licenciamento do mineroduto, sobretudo a composio da equipe tcnica elaboradora dos EIA/RIMA tambm pode ser estendida para o caso do CIPA. A avaliao do empreendimento foi feita de forma tendenciosa, contrria ao disposto no art. 7 da Resoluo CONAMA 001/1986, priorizando excessivamente o meio fsico e os aspectos botnicos e faunsticos, e em boa medida ocultando os aspectos sociolgicos, antropolgicos, culturais e histricos.

    As medidas de pedido de nulidade e cassao das licenas ambientais defendidas pelo MPF, mesmo que de outra natureza, se sustentam tambm pela prpria viabilizao dos aspectos locacionais da obras, que se exime, diante dos prprios RIMAs elaborados, em considerar de extrema singularidade a regio litoral norte do Rio de Janeiro, em especial o municpio de So Joo da Barra.

    Trata-se de uma regio nica e socioambientalmente diferenciada. A rea do Distrito Industrial de So Joo da Barra (DISJB) e de todo o complexo porturio do Au se localiza na zona deltaica do rio Paraba do Sul, formada por plancies costeiras fluvio-marinhas e domnios litorneos de dunas, cordes arenosos e restingas, totalizando 156.995 hectares (ZEE-RJ, 2008).

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    Compe este domnio um complexo mosaico de lagunas, charcos, pequenos crregos, lagoas em ambientes estuarinos, brejos costeiros, vegetao arbustiva fixadora de dunas, formaes geolgicas sedimentares, formaes herbceas e graminides associadas a faixas de praia, alm de um mosaico de comunidades rurais, pescadores artesanais, agricultores familiares, posseiros e pequenos comerciantes.

    So comunidades ecolgicas marcadas pela singularidade botnica e faunstica, reconhecidamente classificadas como de extremo interesse biolgico para a conservao da biodiversidade (RIMA, 2010). Os prprios diagnsticos apresentados nos EIA/RIMA das unidades industriais confirmam esta complexa estrutura paisagstica, com testemunhos de espcies ameaadas de extino e de distribuio biogeogrfica restrita. Segundo o Ministrio do Meio Ambiente, o litoral norte fluminense uma rea prioritria para a conservao da biodiversidade de quelnios marinhos, por representar o extremo sul das reas de desova de tartarugas marinhas do litoral brasileiro e por abrigar pelo menos 4 espcies em extino, classificadas como em perigo6.

    Este mosaico se destaca num continuum litorneo (verde claro no mapa) que se estende desde a poro centro-sul do municpio de So Francisco do Itabapoana, atravessando todo o litoral de So Joo da Barra, intercalado por faixas de mangues e reas midas na poro costeira do municpio de Campos dos Goytacazes, seguindo por toda a extenso da linha de costa que acompanha os municpios de Quissam e Carapebus, e por fim atingindo a poro extremo litoral norte do municpio de Maca.

    6 Conforme estudo do GATE Ambiental.

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    Mapa da cobertura vegetal e uso do solo no litoral norte fluminense

    A extenso deste ambiente costeiro, ecologicamente diferenciado, se configura como a mais extensa rea de restinga do pas, com cerca de 300 km2, instituindo aspectos singulares e de grande relevncia no campo das estratgias de conservao ambiental. Segundo os estudos ambientais que subsidiaram o ZEE do estado do Rio de Janeiro esta regio o ltimo espao natural de conectividade de ecossistemas costeiros no estado incluindo as restingas, mangues e dunas litorneas responsveis pela manuteno da estabilidade geolgica e biolgica do litoral norte fluminense. A restinga de So Joo da Barra uma das ltimas existentes fora de unidades de conservao.

    Em geral, os usos e padres de ocupao ignoram as singularidades destes ecossistemas, tratando-os como ambientes residuais e como vazios demogrficos, justificando as polticas de ocupao e urbanizao. A urgncia em manter minimamente testemunhos destes ambientes, considerando sua potencial riqueza e abundncia biolgica motivou nos ltimos anos a criao de unidades de conservao no estado do Rio de Janeiro, especificamente para a conservao dos

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    ambientes vegetacionais costeiros e suas peculiaridades geolgicas, mas tambm para paralisar o avano de empreendimentos ligados ao turismo de mercado, unidades industriais e a especulao imobiliria.

    Na Baa de Sepetiba, por exemplo, a Reserva Biolgica e Arqueolgica de Guaratiba, os Parques Naturais Municipais de Grumari, Chico Mendes e Marapendi no municpio do Rio de Janeiro, o Parque Estadual da Serra da Tiririca e outras unidades de conservao localizadas no sul do estado foram motivadas a conservar resqucios destes ambientes de costa, sobretudo restingas e manguezais.

    J no norte do estado, as restingas esto bem mais vulnerveis s atividades da cadeia produtiva do petrleo, da forte especulao imobiliria na regio de Maca e Quissam e pela atividade canavieira. Por esses e outros motivos foi criado em 1998 a primeira unidade de conservao especificamente para a proteo do ecossistema de restinga, o Parque Nacional da Restinga de Jurubatiba, que abrange aproximadamente 15.000 hectares ao longo da costa de Maca, Carapebus e Quissam.

    No caso especifico de So Joo da Barra, segundo levantamentos do CPRM (Servio Geolgico do Brasil) e dos estudos que subsidiaram o Plano Diretor municipal o domnio de restingas e cordes litorneos se distribuem em praticamente 75% do municpio, incluindo toda a rea do DISJB e as reas da zona industrial e porturia do Au. Como no h nenhuma unidade de conservao em SJB, registra-se que a permanncia e extenso das reas de restinga no municpio esto vinculadas diretamente ao padro histrico de uso e ocupao das terras. Tal ocupao, diferentemente do CIPA foi impulsionada por atividades pouco impactantes, como as atividades ligadas agricultura camponesa e a pesca comunitria e artesanal.

    Certamente no h dvidas para questionar a prpria idia de sustentabilidade que supostamente caracteriza o empreendimento, inclusive a legal-jurdica. Em particular, o fato do Complexo do Au se localizar na mais extensa rea de restinga do pas, com espcies ameaadas de extino j seria motivo suficiente para questionar sua viabilidade.

    Ao mesmo tempo, questiona-se o fato de se licenciar permanentemente um projeto de tamanha envergadura sobre reas de preservao permanente (APP), conforme a Resoluo CONAMA N 303/20027 e a Lei Federal 4.771/1965, que institui o Cdigo Florestal. Segundo estas normativas, as reas de preservao permanente so reas protegidas (...) cobertas ou no por vegetao, com a funo ambiental de preservar os recursos hdricos, a paisagem, a estabilidade geolgica, a biodiversidade, o fluxo gnico de fauna e flora, proteger o solo e

    7 A Resoluo CONAMA N 303 de 20 de maro de 2002 dispe sobre parmetros, definies e limites de reas de

    Preservao Permanente.

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    assegurar o bem-estar das populaes humanas. Enfim, reas sensveis que s justificam usos e intervenes pouco impactantes.

    Art. 3 Constitui rea de Preservao Permanente a rea situada: (...) IX - nas restingas: a) em faixa mnima de trezentos metros, medidos a partir da linha de preamar mxima; b) em qualquer localizao ou extenso, quando recoberta por vegetao com funo fixadora de dunas ou estabilizadora de mangues; X - em manguezal, em toda a sua extenso; XI - em duna; XII - em altitude superior a mil e oitocentos metros, ou, em Estados que no tenham tais elevaes, critrio do rgo ambiental competente; XIII - nos locais de refgio ou reproduo de aves migratrias; XIV - nos locais de refgio ou reproduo de exemplares da fauna ameaadas de extino que constem de lista elaborada pelo Poder Pblico Federal, Estadual ou Municipal; XV - nas praias, em locais de nidificao e reproduo da fauna silvestre (CONAMA 303, 2002).

    Ao observar a localizao de todo o Complexo Industrial do Au, suas reas de servido, de retaguarda, ptios de estocagem, frentes de obras, unidades de construo industrial e mdulos de infraestrutura, nota-se a total incoerncia com as exigncias e recomendaes da legislao ambiental, ao passo da prpria alternativa locacional, ela mesma, ser definida exatamente sobre reas de preservao permanente, sequer, contudo apontando um estudo de alternativas, j que a opo decidida foi a nica proposta apresentada, qual seja a do empreendedor.

    No caso do Complexo do Au curioso o fato do INEA ser to permissivo nos critrios de supresso e corte da vegetao de restinga, que, diga-se de passagem, um dos ecossistemas mais ameaados do Bioma Mata Atlntica. Alm disso, h uma ntida arbitrariedade na classificao fitofisionmica dos habitats de restinga nos estudos analisados, onde se caracterizou a vegetao herbcea-graminide como pastagens antropizadas (Parecer Tcnico do GATE Ambiental, 2011). Segundo o referido parecer, o critrio da utilidade pblica por meio do Decreto Estadual n 42.834 de 03 de fevereiro de 2011 foi novamente utilizado para respaldar o empreendimento e a supresso da vegetao, ainda que insuficiente para justificar o empreendiimento.

    O GATE Ambiental sinaliza que os estudos ambientais no abordam o disposto na Constituio Estadual, art. 268, que define, entre outras, as lagoas, lagos, restinga e reas endmicas com espcies ameaadas de extino como reas de preservao permanente. O EIA/RIMA do Distrito Industrial justifica a interveno nas reas de APP apenas pela previso do regime de utilidade pblica do Distrito prevista no Decreto Estadual, como elemento suficiente para atender as excees regra de proibio de intervenes nestas reas do Cdigo Florestal, art. 4.

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    Ainda, o GATE ressalta que a vegetao objeto da supresso, qual seja a de restinga, configura vegetao de Mata Atlntica e, portanto, submetida aos critrios e dispositivos de autorizao da Lei 11.428/2006 (Lei da Mata Atlntica), um diploma legal que no foi devidamente considerado na avaliao. O EIA/RIMA do DISJB, por exemplo, no especifica os estgios de regenerao da vegetao a sofrer intervenes conforme a Lei supracitada, nem mesmo justifica como o DISJB se enquadra nos critrios de utilidade pblica conforme art. 3, inciso VII.

    A negligncia com as particularidades ambientais da rea e, assim, com a prpria legislao ambiental tamanha que as justificativas para a implantao da Unidade de Construo Naval (UCN) no litoral de So Joo da Barra apenas atender as necessidades de suprir as demandas da indstria petrolfera (p.12), a necessidade real brasileira para garantir o acesso a equipamentos de produo de petrleo e atender s demandas do setor (p.11) e ainda pelo fato da OGX, empresa do Grupo EBX, tornar-se a maior companhia privada brasileira do setor de petrleo e gs natural em rea martima de explorao, com 22 blocos e 4,8 bilhes de recursos potenciais riscados lquidos (RIMA, 2010, p.12).

    A fragilidade no reconhecimento destas reas e na postura permissiva adotada pelo INEA confirma nitidamente a supervalorizao dos aspectos econmicos do empreendimento, dirimindo-se apenas pelo momento favorvel cadeia produtiva do petrleo e as possibilidades da OGX em ser a maior empresa privada do setor. Os aspectos ambientais, biolgicos e botnicos, at mesmo os legais ficaram posicionados apenas a ttulo de caracterizao e no como critrio de escolha e definio na viabilizao das obras.

    No foram identificados nos RIMAs, o mapeamento dos stios de reproduo das espcies (criadouros) e de alimentao de animais, apenas sua caracterizao. Cita-se que no caso dos quelnios (tartarugas) e cetceos, animais extremamente sensveis s alteraes nos ambientes costeiros, os impactos sero administrados apenas pelo monitoramento das espcies e por programas de educao ambiental. Chama a ateno tambm, sobretudo nos documentos disponibilizados ao pblico a ausncia de dados quantitativos sobre a vegetao, muito menos a real rea de restinga a ser desmatada para a implantao do complexo. H apenas a meno de que medidas de minimizao de impactos sero tomadas. Expresses como supresso da vegetao limpeza do terreno, gesto ambiental ou mesmo interferncias na fauna no qualifica o impacto, generaliza as aes de mitigao, desvia a magnitude e a abrangncia do impacto e no permite apreender toda a extenso de modificaes esperadas com as obras.

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    injustificvel viabilizar um complexo industrial de tamanha envergadura, sobre a mais extensa rea de restinga remanescente do litoral brasileiro e sob condies socioeconmicas particularmente diferenciadas. A emisso das licenas ambientais pelo INEA, portanto est na contramo das recomendaes e exigncias legais e da correta publicizao de informaes a fim de capilarizar o controle social do empreendimento. As fragilidades ora em tela se encerram (1) por no enfatizar as vulnerabilidades e particularidades do ambiente afetado, (2) pela completa descaracterizao do licenciamento ambiental como instrumento de avaliao de impactos e controle social sobre o meio ambiente e no apenas como um processo a ser superado e (3) por nitidamente deslocar o papel do rgo ambiental do desafio em conservar, proteger e recuperar o meio ambiente no estado do Rio de Janeiro, passando a exercer uma funo estratgica de viabilizao da agenda de desenvolvimento dos grandes projetos no estado.

    A continuidade e viabilizao das obras do CIPA, e por seqncia sua implantao est atrelada a dois processos combinados. De um lado, como havamos relatado se observa um forte engajamento do estado em acelerar o processo de emisso de licenas ambientais, fragmentando o empreendimento em diversos processos de licenciamento, um para cada unidade industrial. Por outro lado, a viabilidade ambiental do empreendimento se condicionou apenas ao regime de previso e cumprimento das condicionantes no processo de execuo das aes de mitigao e compensao de impactos previstos nos EIA/RIMA elaborados. Ao que parece, a viabilidade tcnica do CIPA se subordinou ao prognstico elaborado pelos documentos, e, portanto ao posicionamento tcnico dirimido pelas empresas de consultoria contratadas e ao lobby empresarial que sela relaes decisrias com o estado.

    O pacto de interesses tomou tamanha proporo que nem a autuao do MPF intimidou o governo estadual no Rio de Janeiro, que continuou emitindo as licenas necessrias viabilizao das obras. Em janeiro de 2009, o Governador Srgio Cabral assinou um decreto sem a devida consulta pblica declarando reas de interesse pblicos imveis e benfeitorias situadas nas faixas de terra necessrias construo e passagem do Mineroduto Minas-Rio. A primeira audincia pblica para discutir o projeto em So Joo da Barra foi realizada apenas em agosto de 2009, quando o projeto j estava em vias de licenciamento, sendo apresentado como dado, sem se possibilitar que a populao se posicionasse diante da proposta. Os benefcios foram destacados, enquanto os riscos foram minimizados. A prpria prefeita do municpio de SJB defendeu o projeto na audincia, extrapolando suas responsabilidades e demonstrando o carter patrimonialista do Estado brasileiro, em que os interesses privados so defendidos por agentes do Estado que utilizam o trfico de influncia para beneficiar certas famlias e grupos polticos.

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    As decises que legitimaram a viabilidade do empreendimento tambm se esqueceram de apresentar uma avaliao mais correta sobre o impacto do distrito industrial sobre os recursos hdricos da regio. Alm da alterao do fluxo subterrneo, com possibilidade de salinizao de guas costeiras, impacto sobre reas midas, com drenagem e abertura de macrodrenos para esgotar a umidade da rea do Distrito, seco de ambientes lacustres, como o corte sobre a Lagoa do Veiga, formao de aterro sobre alagados e plancies, a exemplo da UCN, gerao de milhes de litros de efluentes industriais e domsticos lanados por meio de emissrio submarino em reas de pesca, chama-se a ateno para o abusivo e insustentvel uso dos recursos hdricos necessrios para atender a viabilidade produtiva do complexo.

    No RIMA do Distrito Industrial de So Joo da Barra menciona-se de forma bem genrica a ordem de 10 m3/s como vazo de projeto necessria ao abastecimento das unidades e modais industriais previstas. Ser uma tomada dgua do Rio Paraba do Sul, a cerca de 20 km da foz, com estao elevatria e um conjunto de adutoras paralelas a rodovia RJ-240 at o sistema de reservao do DISJB. Com esta previso, o CIPA se tornar o maior usurio de gua de toda a bacia.

    Na previso da demanda, o empreendedor sinaliza que a vazo de projeto 35 vezes menor que a vazo disponvel no rio, o que o assegura de argumentar sobre a segurana operacional e de funcionamento do projeto. A Agncia de Bacia do Vale do Rio Paraba do Sul (AGEVAP), na ocasio de definio do Plano de Recursos Hdricos, calcula que para o perodo de 2007 a 2020, a disponibilidade hdrica da bacia (oferta) para todos os usos consultivos ser de 311,85 m3/s. Isso significa que a vazo de projeto do CIPA de 31 vezes menor do que a oferta disponvel, e no 35 conforme o RIMA do DISJB. Por mais sutil que parea, h de se considerar que esta diferena representa nada mais, nada menos do que 39 m3/s, quase quatro vezes a prpria vazo total de projeto prevista para o CIPA, ou mesmo prximo de 5 vezes superior a vazo total consumida pela Companhia Siderrgica Nacional (CSN), maior usurio industrial da bacia (AGEVAP, 2007).

    Outra questo a considerar a previso futura de captao de gua em toda a bacia do Paraba do Sul. A AGEVAP afirma que para o ano de 2020, considerando todos os usos consultivos (saneamento + indstria + agropecuria) a vazo estimada de captao ser de 105,69 m3/s, sendo 52,55 m3/s a estimativa da vazo consumida e de 53,14 m3/s a vazo de retorno estimada. Neste cenrio, somente a captao de gua para atender o CIPA representar cerca de 10% da vazo de captao futura para o ano de 2020 para toda a bacia e cerca de 20% de toda a vazo consumida.

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    Para se ter uma idia da magnitude deste projeto, segundo o Plano de Recursos Hdricos, em 2005 a demanda industrial de todos os municpios do estado do Rio de Janeiro situados na bacia era de 11,14 m3/s, na equivalncia de consumo de 1.206 empresas industriais. Se traarmos um paralelo, somente o DISJB consumir o equivalente a 1.082 unidades industriais (de pequeno, mdio e grande porte), ou seja, um percentual prximo a 89% da demanda industrial total existente na bacia no trecho fluminense.

    A AGEVAP tambm afirma que para o ano 2005, a demanda estimada para atender todas as sedes municipais pertencentes bacia do Rio Paraba do Sul8 (foi) da ordem de 17,7 m3/s, sendo 7,3 m3/s para a frao fluminense, 6,3 m3/s para a paulista e 4,1 m3/s para a parcela mineira (AGEVAP, 2007). Isso significa que para uma vazo de projeto estimada em 10m3/s, o consumo de gua de todos os empreendimentos previstos no CIPA equivalem ao consumo de uma populao de 2.816.000 habitantes, ou mesmo 85 vezes a populao do municpio de So Joo da Barra. Ao considerarmos somente as sedes municipais do trecho fluminense da bacia (52 sedes), tem-se que a demanda hdrica do CIPA chega a ser 36% superior ao consumo de toda a populao urbana destas cidades, ou seja, o equivalente a 2.053.000 habitantes.

    H de se considerar tambm que no foi mencionado nos RIMAs analisados nenhuma consulta ao Comit de Bacia Hidrogrfica do Rio Paraba do Sul para dirimir quaisquer aspectos sobre os impactos das obras sobre os recursos hdricos, muito menos meno sobre o processo de outorga de gua, antes mesmo do parecer tcnico do rgo ambiental.

    Outra questo pontuada pelo GATE Ambiental que o reuso de efluentes industriais, cujo tratamento ser de alta eficincia segundo os estudos analisados, no foi uma diretriz obrigatria na gesto dos recursos hdricos, mas apenas uma medida pontual. Ademais, no foi tambm mencionada uma proposta de usos combinados da gua, provindas de fontes diversas, tanto subterrneas, quanto superficiais, o que poderia equacionar a gesto da gua em premissas mais equilibradas.

    Tambm no foram mencionadas quaisquer anlises sobre o impacto da captao de gua sobre o ambiente deltaico do rio, que j sofre com a reduo de vazo e o assoreamento. Registra-se neste caso que a reduo da vazo do Paraba do Sul j est diretamente ligada aos recentes eventos de eroso costeira que tem impactado as praias de Atafona, em So Joo da Barra, e promovido um avano da cunha salina e da mar sobre o continente.

    Acompanhando estas e outras questes, os formuladores da proposta de viabilidade ambiental do complexo apresentaram tambm um conjunto de medidas de mitigao e

    8 Computa-se em toda a bacia do Paraba do Sul, nos trechos paulista, mineiro e fluminense 177 sedes municipais.

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    compensao de impactos, em especial aqueles diretamente associados ao meio fsico. A secretaria de estado do ambiente do Rio de Janeiro relata, inclusive que as compensaes ambientais previstas para o complexo do Au foram as maiores j exigidas em todo o pas.

    Como estratgia principal dos vrios empreendimentos, a indicao das medidas de mitigao e compensao dos impactos parece se focar, prioritariamente na criao de unidades de conservao ambiental (UC). Apesar de serem exigidas como atendimento obrigatrio e legal previsto no Artigo 36, da Lei Federal 9.985 de 2000, que institui o Sistema Nacional de Unidades de Conservao SNUC em processos de licenciamento ambiental, a proposio de UCs aparecem nos estudos ambientais como se fossem uma vantagem oferecida pelo empreendedor e um diferencial do empreendimento.

    Art. 36. Nos casos de licenciamento ambiental de empreendimentos de significativo impacto ambiental, assim considerado pelo rgo ambiental competente, com fundamento em estudo de impacto ambiental e respectivo relatrio - EIA/RIMA, o empreendedor obrigado a apoiar a implantao e manuteno de unidade de conservao do Grupo de Proteo Integral, de acordo com o disposto neste artigo e no regulamento desta Lei.

    1o O montante de recursos a ser destinado pelo empreendedor para esta finalidade no pode ser inferior a meio por cento dos custos totais previstos para a implantao do empreendimento, sendo o percentual fixado pelo rgo ambiental licenciador, de acordo com o grau de impacto ambiental causado pelo empreendimento. 2o Ao rgo ambiental licenciador compete definir as unidades de conservao a serem beneficiadas, considerando as propostas apresentadas no EIA/RIMA e ouvido o empreendedor, podendo inclusive ser contemplada a criao de novas unidades de conservao (Lei 9.985, 2000).

    Nos aspectos legais, a lei em questo define em seu artigo 22, pargrafo 2 que a criao de uma unidade de conservao deve ser precedida de estudos tcnicos e de consulta pblica9 que permitam identificar a localizao, a dimenso e os limites mais adequados para a unidade, conforme se dispuser em regulamento (Lei 9.985, 2000). Neste dispositivo, torna-se obrigatrio a condio participativa do processo decisrio de criao das UCs, incorporando neste pleito o envolvimento das populaes locais, seus costumes e necessidades materiais, sociais e culturais.

    No caso do CIPA, a participao social e o reconhecimento das populaes atingidas na definio das UCs parece no ter sido considerado na escolha locacional das unidades. A definio e avaliao tcnica das alternativas locacionais das UCs se pautou unicamente pela avaliao da equipe tcnica contratada, sem considerar dimenses socioculturais e histricas da regio, sobretudo a presena de assentamentos de reforma agrria e agricultores familiares.

    9 3o No processo de consulta de que trata o 2o, o Poder Pblico obrigado a fornecer informaes adequadas e

    inteligveis populao local e a outras partes interessadas.

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    A proposio apresentada pelos formuladores prev a criao de trs unidades de conservao ambiental, sendo duas delas unidades de uso sustentvel rea de Proteo Ambiental de Grussa e a Reserva Particular do Patrimnio Natural (RPPN) da Fazenda Caruara e uma unidade de proteo integral, o Parque Estadual do Au. Juntas, essas trs unidades somam mais de 17.000 hectares destinados compensao ambiental e devero impactar, no total cerca de 33 comunidades rurais e pequenos ncleos urbanos, sobretudo os pequenos agricultores. A criao destas unidades trar novas regras para o uso do solo na regio, critrios mais restritivos de acesso aos recursos naturais, aumento da vigilncia e fiscalizao ambiental, coibio de prticas tradicionais, como a pesca e a agricultura familiar entre outras.

    No houve qualquer dilogo com as famlias e comunidades rurais impactadas, especialmente no que se refere aos novos critrios de ocupao do solo e s condies de permanncia no local. No RIMA do DISJB no h qualquer referncia de consulta pblica s populaes, mencionando apenas a responsabilidade do INEA em reconhecer as referidas unidades.

    No caso da APA de Grussa, so pelo menos 8 comunidades diretamente afetadas, sendo duas delas os assentamentos rurais Ilha Grande e Che Guevara, com 58 e 74 famlias respectivamente. Segundo o mapeamento e proposio locacional da APA parte das terras dos dois assentamentos passaro a ficar regidas pelas normas e critrios da unidade de conservao, restringindo ainda mais as atividades agrcolas familiares. Nenhum dos assentamentos foi convidado a participar da proposta de construo destas unidades. Em relao ao Parque Estadual do Au, com 5.915 hectares novamente os assentamentos rurais Ilha Grande e Che Guevara devero sofrer fortes restries no uso do solo, por estar no entorno da rea. Certamente as famlias tero suas atividades restringidas pelos critrios do Plano de Manejo e pelas regras da zona de amortecimento da unidade.

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    Mapa das compensaes ambientais Unidades de Conservao

    Com a forte restrio de uso do solo para vrias comunidades, as medidas compensatrias parecem muito mais impactar suas condies e modos de vida, do que potencializar e otimizar suas prticas e conhecimentos. H inclusive a previso de deslocamento de populaes nas comunidades de Mata Escuro, gua Preta e Quixab pela implantao das unidades de conservao, o que configura um retrocesso se considerarmos a importncia do ambiente fsico na relao destes grupos com os recursos naturais. Registra-se tambm que no RIMA do DISJB no h qualquer proposta de reassentamento destas famlias.

    O que se observa neste sentido uma profunda desconsiderao destas populaes, que por anos mantiveram suas prticas associadas aos ecossistemas costeiros sem causar impactos ambientais significativos. No por menos, que mesmo sem nenhuma unidade de conservao, So Joo da Barra manteve ainda 75% de suas terras em domnio de restinga.

    Porm, o que mais chama a ateno neste aspecto a proposio incoerente e ilegal de compensao da RPPN da fazenda Caruara, de posse da LLX. No RIMA do Distrito Industrial, no

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    item que justifica a escolha do municpio, a Fazenda Caruara foi considerada de extrema importncia ecolgica, por abrigar uma ampla e contnua rea remanescente de restinga.

    A primeira alternativa considerada para assentamento industrial em torno do Porto foi a rea localizada entre este e o bairro de Grussa. Nesta rea havia a disponibilidade da Fazenda Caruara, vizinha ao Porto, com cerca de 5 mil hectares. Esta, tinha como principal atrativo a vizinhana imediata do Porto, e a grande dimenso em uma nica propriedade. Contudo, os estudos preliminares realizados mostraram se tratar de rea com grande sensibilidade ambiental por abrigar os mais expressivos remanescentes de vegetao de restinga da regio. Em vista disto, esta rea foi descartada para fins de implantao de indstrias, tornando-se destinada a implantao de uma Unidade de Conservao da Natureza. Com isto, a escolha recaiu basicamente sobre reas situadas atrs dos terrenos do Porto e da Fazenda Caruara, entre estes e o canal Quitingute (RIMA, 2011, p.14).

    Com estas caractersticas, na proposio apresentada ao rgo ambiental, a fazenda Caruara foi destinada ao regime de compensao por meio da criao de uma RPPN. Esta categoria est prevista no SNUC (Lei Federal 9.985/2000), art. 14 e 21 como unidade de conservao de uso sustentvel, definida a partir de critrios e condies de uso especficos.

    Art. 14. Constituem o Grupo das Unidades de Uso Sustentvel as seguintes categorias de unidade de conservao:

    I - rea de Proteo Ambiental; II - rea de Relevante Interesse Ecolgico; III - Floresta Nacional; IV - Reserva Extrativista; V - Reserva de Fauna; VI Reserva de Desenvolvimento Sustentvel; e VII - Reserva Particular do Patrimnio Natural.

    (...) Art. 21. A Reserva Particular do Patrimnio Natural uma rea privada, gravada com perpetuidade, com o objetivo de conservar a diversidade biolgica.

    1o O gravame de que trata este artigo constar de termo de compromisso assinado perante o rgo ambiental, que verificar a existncia de interesse pblico, e ser averbado margem da inscrio no Registro Pblico de Imveis.

    2o S poder ser permitida, na Reserva Particular do Patrimnio Natural, conforme se dispuser em regulamento: I - a pesquisa cientfica; II - a visitao com objetivos tursticos, recreativos e educacionais;

    3o Os rgos integrantes do SNUC, sempre que possvel e oportuno, prestaro orientao tcnica e cientfica ao proprietrio de Reserva Particular do Patrimnio Natural para a elaborao de um Plano de Manejo ou de Proteo e de Gesto da unidade (Lei Federal 9.985, 2000).

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    Ao mesmo tempo em que a rea da fazenda Caruara aparece destinada criao de uma RPPN, no RIMA da Unidade Termoeltrica a carvo mineral esta mesma rea indicada como prioritria para a implantao da UTE.

    Uma vez definida a macro-localizao, ficou evidente a nica rea que teria capacidade, em termos de dimenso, para receber o complexo do Porto do Au: as Fazendas Saca DAntas e Caruara, esta ltima definida para a instalao da UTE. Em termos ambientais, a regio da Fazenda Caruara apresenta algumas caractersticas que atendem as necessidades do empreendimento e no inviabiliza sua implantao, sendo respectivamente:

    Situa-se em zona de expanso industrial, de acordo com a legislao municipal (Plano Diretor, Lei n. 50/06), com espao e diretrizes para a instalao de novas plantas industrias

    A rea prevista ra a UTE encontra-se desprovida de cobertura vegetal em regenerao, sendo constituda por reas antropizadas, podendo acolher o empreendimento sem maiores intervenes ao ecossistema

    Quanto escolha da locao da ponte sobre a lagoa de Iquipari, ligao entre as facilidades do Porto do Au, na fazenda Saco DAntas e a futura UTE na Fazenda Caruara, com cerca de 30 metros de largura e 800 metros de extenso, priorizou-se intervenes no ponto de menor largura da referida lagoa e com menor extenso de vegetao de restinga;

    Quanto escolha do traado do sistema de aduo da gua do mar, com cerca de 3 km desde a UTE at a linha de costa, priorizou-se a adoo de traado que no exigisse supresso de formaes de restinga e intervenes nas APPs da lagoa Iquipari (RIMA, 2008, p.14)

    Ora, em dois estudos diferentes, formulados em tese para o mesmo sistema empreendedor, a fazenda Caruara recebe tratamento diferenciado e usos completamente antagnicos, por um lado no destaque de sua posio privilegiada no regime de compensaes, com rea ambientalmente diferenciada a ttulo de justificar sua definio como unidade de conservao. Por outro lado, na contramo desta anlise, definida como prioritria para a expanso industrial, notadamente para a instalao da UTE, j que rene condies satisfatrias para sua viabilidade no funcionamento do Porto do Au.

    Trata-se de uma completa incoerncia, sobretudo no destaque para as restries que uma RPPN apresenta, legalmente impossibilitada de abrigar uma unidade de gerao de energia movida a carvo mineral10, uma das fontes energticas mais poluentes do mundo. Esta contradio

    10 importante salientar que todas as unidades industriais previstas no CIPA so altamente intensivas em carbono,

    utilizando matrias primas fossilizadas, com elevado teor de cinzas e gases sulfurosos. Destaca-se ainda a real projeo de mudana nos padres da qualidade do ar, com emisses de gases SOx e NOx, responsveis pela formao de gases txicos e chuvas cidas. Esta opo vem de encontro com as recomendaes e tratados internacionais do qual o Brasil signatrio, como o Protocolo de Quioto e as Convenes do Clima, alm de todo o apelo da comunidade cientfica internacional e dos movimentos socioambientais na luta pela implementao de outra matriz energtica.

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    evidencia as fragilidades de um processo de avaliao ambiental pautado na fragmentao, revelando a inconsistncia da avaliao do empreendimento.

    Em relao aos aspectos socioeconmicos e culturais na anlise da viabilidade, mais uma vez os estudos ambientais apresentaram recomendaes e anlises inconsistentes. Os modos de vida das coletividades, suas particularidades sociais, formas de organizao, prticas de manejo e redes coletivas parecem no estar devidamente identificados. Os RIMAs analisados se eximem em considerar um continnum scio-histrico de uso do territrio, referenciados aos modos de uso e significao prprios aos distintos grupos sociais que vivem na regio. So agricultores familiares, posseiros, pescadores artesanais, trabalhadores assalariados, pequenos comerciantes e outros mais que se reproduzem de maneira associada ao ambiente fsico, numa relao de uso pouco impactante. Tradicionalmente, vivem nas brechas e interstcios dos ambientes costeiros, com prticas e costumes tipicamente da agricultura familiar, com pequenos roados de quiabo, maxixe, banana, aipim, cana, abacaxi, olercolas diversas, frutferas, audes e pequenas criaes de cabra, bovinos, sunos e aves.

    Nos RIMAs analisados no foi considerado, apenas a ttulo de caracterizar suas fragilidades e incipincia variveis como a produo de alimentos, economia agrcola familiar e segurana alimentar da populao. As prticas agrcolas familiares no municpio se mostram de significativa importncia para reproduo social dos agricultores e pescadores artesanais. Em 2009, foram 4.600 mil frutos de abacaxi, 200 toneladas de batata-doce, 179.200 toneladas de cana, 600 toneladas de mandioca, 100 toneladas de melo, 100 toneladas de tomate, 35 toneladas de banana, 1.600 mil frutos de coco da baa, 2.100 toneladas de goiaba, 54 toneladas de laranja, alm de ser o maior produtor de maxixe e quiabo do estado do Rio de Janeiro.

    Alm disso, segundo o Censo Agropecurio 2006, registrou-se 279 hectares de horticultura/floricultura e 9.641 hectares disponveis para criaes diversas (muares, bovinos, eqinos, caprinos) nos estabelecimentos rurais. Nos aspectos conservacionistas, as prticas de uso pouco impactaram o municpio, registrando-se em 2006 apenas 109 hectares de pastagens degradadas e nenhum registro para terras erodidas, desertificadas e/ou salinizadas (Censo IBGE, 2006). Ademais, o municpio tambm o terceiro maior produtor de pescado do estado e o maior produtor de maxixe e quiabo do Rio de Janeiro.

    A fragilidade das produes agrcolas, incluindo a cana-de-acar de baixa produtividade e os pequenos produtores desprovidos de polticas pblicas que incentivam e organizam sua produo, somado ao alto grau de sazonalidade apresentado pela atividade do turismo, tornam a rea muito frgil em sua dinmica econmica (trecho do RIMA da Unidade de Construo Naval, 2010, p.65).

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    No se concebe, por exemplo, em nenhum dos relatrios analisados a agricultura familiar como prtica de baixo impacto ambiental e como modo de vida de centenas de famlias, muito menos se retratou um prognstico da situao alimentar e nutricional das famlias aps a implantao do complexo, haja vista sua relao direta com a terra.

    A forte relao e dependncia destes grupos com os recursos naturais disponveis no ambiente, sem os quais no h condies de permanncia e de vida em comunidade, sinaliza evidncias concretas de pertencimento e apropriao, sobretudo para os agricultores, que mantm toda uma histria de relaes com o lugar, a memria vivida e sentimentos afetivos e morais com suas terras. Os RIMAs analisados, apenas apontam sua existncia a ttulo de caracterizar suas posses, sua materialidade, ocultando dimenses incomensurveis da existncia humana, normalmente reduzidas a um valor numrico que contabiliza apenas o tamanho da terra, omitindo-se quanto responsabilidade pela total desestruturao dos modos de viver e produzir a ser desencadeada pelos empreendimentos previstos.

    H inclusive uma anlise a-temporal e equivocada no RIMA do DISJB (p.14-15) que supe a existncia de vazios demogrficos na rea de influncia direta do empreendimento, considerando a presena humana apenas nas reas de povoamento e nucleao urbana. Isso c