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    FORMAO CONTINUADA DE PROFESSORES: UMA

    ANLISE DAS MODALIDADES E DAS PRTICAS EM

    ESTADOS E MUNICPIOS BRASILEIROS

    RELATRIO FINAL

    Estudo realizado pela Fundao Carlos Chagaspor encomenda da Fundao Victor Civita

    JUNHO/2011

    Fundao Carlos Chagas

    Realizao:Parceria:

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    A Fundao Victor Civita, que tem por misso contribuir para a melhoria da qualidade daEducao Bsica no Brasil, produzindo publicaes, sites, material pedaggico, pesquisas eprojetos que auxiliem na capacitao dos professores, gestores e demais responsveis peloprocesso educacional, implantou uma rea de estudos com o objetivo de levantar dados einformaes que auxiliem as discusses sobre prticas, metodologias e polticas pblicas deEducao.

    Para acompanhar outros trabalhos, visite o nosso sitewww.fvc.org.br/estudos.

    EQUIPE DA FUNDAO VICTOR CIVITA

    DIRETORIA EXECUTIVAAngela Cristina Dannemann

    COORDENAO PEDAGGICARegina Scarpa

    REVISTA NOVA ESCOLA E GESTO ESCOLARGabriel Grossi

    Paola Gentile

    ESTUDOS, PESQUISAS E PROJETOSMauro MorellatoAdriana Derbio

    http://www.fvc.org.br/estudoshttp://www.fvc.org.br/estudoshttp://www.fvc.org.br/estudoshttp://www.fvc.org.br/estudos
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    EQUIPE DA FUNDAO CARLOS CHAGAS

    ASSESSORIA GERALBernardete A. Gatti

    COORDENAO

    Claudia Leme Ferreira Davis

    Marina Muniz Rossa Nunes

    Patrcia Cristina Albieri de Almeida

    PESQUISADORES DE CAMPO

    Ana Maria Lima Teixeira

    Ana Maria Gimenes Corra Calil

    Ani Martins da Silva

    Bruna Casiraghi Panardes

    Claudia Leme Ferreira Davis

    Eleny Mitrulis

    Juliana Cedro de Souza

    Luciane Maria Schlindwein

    Maria Eloisa Fam D AntinoMaria Helena da Rocha Besnosik

    Marina Muniz Rossa Nunes

    Mary Julia Martins Dietzsch

    Neusa Banhara Ambrosetti

    Patrcia Cristina Albieri de Almeida

    Patricia Davis Ribeiro da Silva

    ASSISTENTES DE PESQUISAAna Paula Ferreira da Silva

    Juliana Cedro de Souza

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    SUMRIO

    Introduo ...........................................................................................07

    Parte I ..................................................................................................09

    1. Formao Continuada de professores ............................................... 091.1. A preocupao com a Formao Continuada .................................. 121.2. Abordagens de Formao Continuada que se centram na figura do

    professor .................................................................................. 161.2.1. A Formao Continuada como desenvolvimento decaractersticas ticas e polticas essenciais para o exerccioprofissional .............................................................................. 161.2.2. A Formao Continuada como meio de suprir os dficits daformao inicial de professores .................................................. 17

    1.2.3. A Formao Continuada pautada pelo ciclo de vidaprofissional .............................................................................. 19

    1.3. Abordagens de Formao Continuada que se centram nodesenvolvimento das equipes escolares e das escolas....................... 22

    1.3.1 O coordenador pedaggico como principal responsvel pelosprocessos de Formao Continuada nas escolas ........................... 22

    1.3.2 A Formao Continuada como meio de fortalecer e legitimar aescola como lcus de formao contnua e permanente para todosnela presentes ......................................................................... 25

    2. Incurses governamentais relativas Formao Continuada deprofessores no Brasil ............................................................................29

    2.1. O novo papel do Governo Federal ................................................ 312.1.1. Fundo de Manuteno e Desenvolvimento do EnsinoFundamental e de Valorizao do Magistrio (FUNDEF) ................. 31

    2.1.2. Sistemas de avaliao das redes de ensino........................... 33

    2.1.3. Parmetros Curriculares Nacionais (PCNs)........................... 34

    2.1.4. Livros didticos .............................................................. 35

    2.1.5. Classes de acelerao ...................................................... 35

    2.1.6. Qualificaes do professor e planos de carreira ................... 362.1.7. Formao Continuada de docentes .................................... 36

    Parte II ................................................................................................42

    3. Procedimentos metodolgicos ..........................................................423.1. Caracterizao das Secretarias de Educao .................................. 44

    Parte III ...............................................................................................49

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    4. Principais achados ............................................................................494.1. Viso sobre as aes de Formao Continuada .............................. 494.2. Demandas da Formao Continuada ............................................ 57

    4.2.1. A natureza das demandas em Formao Continuada............. 624.2.2. Perfil dos professores interessados em Formao Continuada 64

    4.2.3. Incentivos Formao Continuada ..................................... 654.3. Prticas formativas mais frequentes............................................... 66

    4.3.1. Perspectivas individualizadas............................................. 674.3.2. Perspectivas colaborativas................................................. 74

    4.3.2.1. A perspectiva colaborativa do ponto de vista do centrode formao ........................................................... 79

    4.3.2.2. A perspectiva colaborativa do ponto de vista da escola. 814.4. Equipes de Formao Continuada................................................. 84

    4.4.1. O perfil dos formadores..................................................... 85

    4.4.2. O coordenador pedaggico e a formao continuada ............ 874.5. Formas de avaliao e acompanhamento ...................................... 904.6. Dificuldades enfrentadas nas aes formativas .............................. 95

    Parte IV ..........:.....................................................................................97

    5. Discusso final..................................................................................975.1. Principais concluses .................................................................. 975.2. Principais proposies para polticas pblicas relativas Formao

    Continuada de professores .......................................................... 104

    6. Referncias bibliogrficas ................................................................ 108

    ANEXO I................................................................................................114

    ANEXO II ..............................................................................................120

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    LISTA DE TABELAS E BOXES

    Tabelas

    Tabela 1. Identificao das Secretarias de Educao por regio do pas43

    Tabela 2. Caracterstica das redes estaduais ..................................... 45

    Tabela 3. Caracterstica das redes municipais .................................... 46

    Boxes

    Boxe N. 1 SEE da Regio Centro-Oeste (SECO) ................ 55

    Boxe N. 2 Programa Gesto da Aprendizagem Escolar (Gestar)......... 71

    Boxe N. 3 SEE da Regio Sul (SES)................................... 73

    Boxe N. 4 SEE da Regio Sudeste (SESE)................................ 76

    Boxe N. 5 SEE da Regio Centro-Oeste (SECO) ..................... 78

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    INTRODUO

    Este texto apresenta os resultados de uma pesquisa que teve por objetivo

    identificar como se configuram, atualmente, as aes de formao continuada de

    professores em diferentes estados e municpios brasileiros, as modalidades por

    meio das quais elas so implementadas e os processos de monitoramento e

    avaliao empregados.

    A Educao brasileira tem passado nas ltimas duas dcadas por muitas

    mudanas. Ganham destaque os avanos observados nos diferentes campos de

    conhecimento, as reformas curriculares ocorridas nos anos 1990, a utilizao de

    avaliaes censitrias sistemticas em nvel nacional e estadual, a implementao

    do sistema de ciclos etc. interessante notar que essas medidas importantes por

    buscarem superar os problemas de acesso e assegurar a permanncia bem-

    sucedida em escolas pblicas de boa qualidade acabaram por descortinar a

    fragilidade da formao inicial dos docentes, como bem mostram os estudos de

    Gatti e Nunes (2009) e Gatti e Barreto (2009). De fato, a chamada

    redemocratizao da Educao pblica implicou o desequilbrio entre a ampliao

    da oferta de vagas e a capacidade das instituies escolares de atender os alunos

    em conformidade com o esperado. Na medida em que os sistemas escolares no

    mais conseguiram enfrentar os desafios postos, as condies de trabalho foram

    tambm piorando sensivelmente. De acordo com o Ministrio da Educao (MEC),no final da dcada de 1990, a formao disponibilizada aos professores brasileiros

    no contribuiu para que seus alunos tivessem sucesso nas aprendizagens escolares

    (BRASIL/MEC, 1999).

    nesse contexto de dupla preocupao de um lado, com a qualidade da

    escolarizao oferecida s crianas e aos jovens e, de outro, com o

    desenvolvimento profissional dos docentes que a Formao Continuada de

    professores, em sua articulao com o trabalho docente, alvo de interesse. Diantedas novas polticas educacionais, vrios autores, como Fusari (1998), Nvoa

    (1998), Andr (2000), Mizukami (2002), Oliveira (2003), Souza (2005) e Tardif

    (2005), tm se preocupado com o processo de trabalho nas escolas. , portanto,

    oportuno e necessrio aprofundar a discusso sobre como e mediante quais

    circunstncias a Formao Continuada tem contribudo para o desenvolvimento

    profissional dos docentes e para a qualidade dos processos educativos no pas. Da

    a pretenso deste estudo: verificar como ela tem ocorrido em diferentes estados e

    municpios brasileiros, focando, em especial, as escolhas das secretarias estaduais

    (SEE) e municipais (SEM) de Educao diante das demandas existentes, as

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    modalidades por meio das quais as aes desencadeadas so implementadas, os

    processos de monitoramento e avaliao empregados. Buscou-se, ainda, analisar

    as diversas prticas de formao continuada com vistas a subsidiar o fortalecimento

    de novos paradigmas na rea, mais capazes de propiciar o aprimoramento

    profissional dos docentes e a melhoria da qualidade da Educao oferecida pelasredes pblicas de ensino.

    Trata-se, portanto, de um estudo das aes adotadas pelas secretarias de

    educao estaduais e municipais em relao formao continuada de seus

    professores. A pesquisa foi realizada em quatro etapas distintas, que resultaram no

    texto que se segue. Na primeira etapa, procedeu-se ao levantamento e ao estudo

    bibliogrfico da produo acumulada na rea, de modo que, conhecendo-a, fosse

    possvel definir a viso terica que orientaria a anlise dos dados. Na segunda

    etapa, foram elaborados os instrumentos de pesquisa e realizada a coleta de dados

    junto a gestores das SE1 e/ou seus agentes executores. A terceira fase voltou-se

    para o tratamento e a anlise dos dados, e os resultados obtidos foram objeto de

    discusso com especialistas na rea. Com a contribuio do painel de especialistas2,

    a ltima etapa consistiu na organizao do texto final, cuja meta foi problematizar

    algumas hipteses exploratrias decorrentes dos dados e sinalizar

    encaminhamentos que venham a contribuir para os elaboradores de polticas

    pblicas e para novos estudos no campo da Formao Continuada de professores.

    O texto que aqui se apresenta est organizado em quatro partes. A primeira

    permite ao leitor situar-se em relao temtica tratada (por meio da anlise de

    conceitos bsicos do campo) e compreender os modelos encontrados na literatura

    disponvel. Ainda nessa parte, discorre-se sobre as incurses governamentais

    relativas formao continuada de professores no Brasil. Na segunda parte,

    descreve-se o delineamento metodolgico da pesquisa, especificando os caminhos

    percorridos. Na terceira parte, os resultados obtidos so apresentados e, na quarta

    parte, encontram-se a problematizao dos principais achados da pesquisa e osencaminhamentos dela decorrentes.

    1Neste relatrio, sero usadas as terminologias: Secretaria(s) de Educao, com a sigla SE, Secretarias Estaduais de

    Educao, com a sigla SEE, e Secretaria Municipal de Educao, com a sigla SEM.

    2 Especialistas que participaram do painel desse estudo, com objetivo de debater os resultados encontrados e

    elencar proposies com foco em polticas pblicas, em ordem alfabtica:, Angela Dannemann (Fundao VictorCivita), Regina Scarpa (Fundao Victor Civita), Bernadete Gatti (Fundao Carlos Chagas), Beatriz BontempiGouveia (Instituto Avisa L), Patrcia Mota Guedes (Fundao Ita Social), Mirta Torres (Especialista em didtica daleitura e escrita), Denise Vaillant ( Universidade ORT Uruguai), Elba Siqueira de S Barreto (Fundao Carlos Chagas),Guilherme do Val Toledo Prado (UNICAMP), Helena de Souza Freitas (CAPES), Sofia Lerche Vieira (UniversidadeEstadual do Cear) e Silvana Tamassia (Gestora Nota 10 Prmio Victor Civita 2008).

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    PARTEI

    1. FORMAO CONTINUADA DE PROFESSORES

    A partir da dcada de 1980 e especialmente na de 1990, algumas

    proposies relativas formao inicial e continuada de professores ganharam

    repercusso internacional e influenciaram as polticas de formao em vrios pases

    da Europa e da Amrica. Esse movimento iniciou-se quando vrios segmentos da

    sociedade comearam a manifestar insatisfao e preocupao com a qualidade da

    Educao. Em textos oficiais e acadmicos (DUSSEL, 2006; FANFANI, 2007;

    TEDESCO; FANFANI, 2004), a crise da escola e as novas demandas decorrentes das

    transformaes sociais tm assumido lugar de destaque, evidenciando os reflexosdas mudanas da sociedade globalizada sobre o trabalho dos professores e sua

    profissionalidade3.

    O diagnstico tem apontado o baixo desempenho dos alunos, o qual tem

    sido atribudo, em grande parte, aos professores e a sua formao.

    Contraditoriamente, espera-se dos docentes que atuem como agentes responsveis

    e se incumbam de promover as mudanas esperadas na qualidade do ensino. As

    polticas educacionais nesses pases tm como ponto de partida a necessidade de

    melhorar a formao dos professores e dos formadores de professores, os quais

    so considerados atores fundamentais na estratgia global da construo da

    sociedade do conhecimento em um contexto de mudanas e novas demandas. Dito

    de outro modo, os professores esto no centro das preocupaes e das polticas

    educacionais, que conferem um papel central aos processos de educao e

    formao, bem como uma responsabilidade acrescida a professores e formadores.

    As crticas ao desempenho dos sistemas escolares tambm tm sido

    direcionadas ao modelo de pesquisa utilizado nas faculdades de Educao. Oprofessor foi, inicialmente, compreendido como ser abstrato e pertencente a um

    conglomerado homogneo (GATTI, 1996) e o exerccio profissional concebido como

    atividade essencialmente instrumental. Esse modelo no s afastou a pesquisa

    acadmica da prtica profissional como tambm desvalorizou ou mesmo ignorou

    as necessidades e os conhecimentos dos profissionais da Educao. Assim, os

    novos estudos nesse campo tm apresentado um redirecionamento de seu foco de

    3

    Entende-se por profissionalidade, conforme Altet, Perrenoud e Paquay (2003, p. 235), o conjunto de competnciasque um profissional deveria ter ou, ainda, o conjunto de competncias reconhecidas socialmente como caracterstica deuma profisso.

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    anlise, que passa da viso mais esttica de profisso docente para a

    compreenso da docncia como uma atividade humana complexa, com

    caractersticas prprias, exercida em unidades escolares que so singulares e, por

    isso, requerem e mobilizam novas perspectivas de anlise (TARDIF; LESSARD,

    2005). Os professores, desse modo, comeam a ser vistos como pessoasessencialmente sociais:

    [...] com suas identidades pessoais e profissionais, imersos numavida grupal, na qual partilham de uma cultura, derivando dessasrelaes seus conhecimentos, valores e atitudes, com base nasrepresentaes constitudas nesse processo que , ao mesmotempo, social e intersubjetivo (GATTI, 2003, p. 196).

    Paulatinamente, o conhecimento terico e a prtica da formao continuada

    do professor vo refletindo avanos no modo de pensar a docncia. Nesse contexto

    de transformaes, implementaram-se importantes mudanas no ensino emdiferentes pases (LDKE; MOREIRA; CUNHA, 1999; TARDIF; LESSARD; GAUTHIER,

    2001), as quais foram fortemente influenciadas pelo movimento reformista na

    formao de professores da Educao Bsica iniciado nos Estados Unidos e no

    Canad no final dos anos 1980. No mbito dessas reformas, uma das principais

    discusses diz respeito formao de professores e profissionalizao do ensino

    (GAUTHIER, 1998; POPKEWITZ, 1992).

    As polticas de formao em curso e seus desdobramentos de naturezapoltica, econmica e social tm suscitado, na comunidade acadmica, intenso

    debate e, inclusive, movimentos de resistncia, o que denota a grande preocupao

    com o trabalho simblico de proposio e imposio de tendncias e orientaes,

    que influem nas formas de pensar da sociedade e na atuao poltica mais ampla.

    No entanto, preciso reconhecer que as prticas e polticas de formao tm

    mudado, e conhec-las implica um exerccio de anlise que permita considerar

    tanto restries, limitaes e equvocos quanto suas possibilidades de ao e

    avano.

    A maioria dos estudos sobre a formao continuada, como explica Imbernn

    (2010), passou de uma fase descritiva para uma fase mais experimental em

    decorrncia da difuso dos cursos de formao e do interesse poltico sobre o tema.

    Nas ltimas dcadas, foram realizados inmeros programas de formao

    continuada de professores e muitos deles foram avaliados e tornaram-se objeto de

    pesquisa. Alguns desses estudos apontaram problemas srios, mas tambm

    identificaram propostas inovadoras, que trazem rea novas reflexes. Como bem

    destaca Imbernn, os conhecimentos tericos e prticos acerca da formao

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    continuada de professores, consolidados nos ltimos 30 anos, permitem identificar

    evidncias [...] para todos aqueles que, de uma forma ou de outra, se dedicam

    formao continuada de professores. Conhec-las implica analisar os acertos e os

    erros e ter conscincia de tudo o que nos resta conhecer e avanar (IMBERNN,

    2010, p. 10). No entanto, a despeito de todo o investimento e esforo realizadopara a implementao de programas inovadores de formao de professores, o

    retorno verificado tem estado sempre aqum do esperado, como mostram os

    relatrios do Programa de Promoo da Reforma Educativa na Amrica Latina e

    Caribe (Preal), do Programa Internacional de Avaliao de Alunos (Pisa) e da

    Organizao para Cooperao e Desenvolvimento Econmico OCDE. Neles,

    reiteradamente apontado o baixo impacto dos programas de capacitao,

    transformao e aprimoramento das prticas docentes, de modo que se faz

    necessria uma reviso crtica dos modelos de formao permanente

    predominantes nas polticas de aperfeioamento e, sobretudo, um avano nas

    anlises e na elaborao de novos enfoques para o desenvolvimento profissional

    dos docentes (VAILLANT, 2007; VEZUB, 2005, 2007).

    Em 2007, a Comisso das Comunidades Europeias elaborou um documento

    de base que traa um diagnstico dos principais problemas decorrentes do contexto

    atual em que o professor exerce a docncia, dando destaque s novas

    competncias e aos papis que lhe so exigidos. O documento-base tambm

    descreve como problemtica a presente situao da formao de professores,reconhecendo no s as principais necessidades formativas dos educadores como

    tambm as lacunas das polticas de formao. O quadro retratado no referido

    documento, bem como os objetivos e os princpios que subsidiam as discusses e

    as aes no mbito da formao de professores na Unio Europeia, podem tambm

    ser observados em documentos e relatrios de outros pases, em artigos cientficos,

    livros, dissertaes e teses. recorrente a utilizao dos mesmos conceitos e

    linguagens, das mesmas maneiras de falar e pensar os problemas da profisso

    docente, conforme discorre Nvoa (2007, p. 3) em O regresso dos professores,seu texto de participao na conferncia Desenvolvimento profissional de

    professores para a qualidade e para a equidade da aprendizagem ao longo da vida.

    Para o autor, estamos diante de uma espcie de consenso discursivo (p. 3), o que

    considera uma boa notcia, pois isso significaria a compreenso da necessidade de

    um acordo quanto ao que preciso fazer. No entanto, apesar de termos um

    discurso coerente e em muitos aspectos consensual, a m notcia que

    raramente temos conseguido fazer aquilo que dizemos que preciso fazer (p. 4).

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    Ao empreender um levantamento da bibliografia e dos documentos

    disponveis sobre o tema da formao continuada de docentes, Vezub (2005, 2007)

    elenca uma srie de problemas comuns a diferentes pases. Entre eles, destacam-

    se as aes isoladas, pontuais e de curta durao, que reproduzem as mesmas

    relaes de poder/saber prprias do vnculo escolar. Prevalecem as formaesorientadas ao indivduo, ao docente isolado de seu contexto de trabalho, sendo

    poucas as propostas dirigidas a grupos de profissionais especficos, com base na

    etapa de desenvolvimento profissional em que se encontram, em seus contextos de

    atuao ou, ainda, nos contextos institucionais nos quais esto inseridos. Pesam

    tambm, nas aes de formao implementadas, o monitoramento e as avaliaes

    sistemticas insuficientes, que se somam descontinuidade de polticas e sua

    desarticulao em face das adotadas na formao inicial.

    Tendo em vista as discusses citadas, o objetivo deste texto , justamente,

    apresentar e problematizar a diversidade de abordagens, de estratgias e de

    assuntos que se encontram disponveis para quem se adentra no estudo da

    formao de professores. De fato, como ser visto a seguir, as iniciativas que tm

    sido discutidas e propostas nos Estados Unidos e no Canad, na pennsula Ibrica e

    em alguns pases da Amrica Latina vo ao encontro de alguns dos

    questionamentos mais bsicos do campo. Destacam-se, entre eles, as

    possibilidades de conectar as aprendizagens dos professores s dos alunos, as de

    entender os processos de mudana pessoal e profissional e, ainda, as de comopromover o desenvolvimento profissional tanto de docentes (novatos ou

    experientes) que atuam nas salas de aula como daqueles que se encontram delas

    afastados, situao dos gestores e dos supervisores de ensino. A leitura deste texto

    deve permitir tambm uma melhor compreenso dos conceitos bsicos da rea,

    bem como uma reflexo mais bem fundada acerca dos modelos sugeridos, das

    etapas centrais e dos procedimentos empregados.

    1.1. A PREOCUPAO COM A FORMAO CONTINUADA

    Baldock, Manning e Vickerstaff (2003) apontam que, na atualidade,

    indiscutvel a importncia da Educao: um pas com uma populao

    adequadamente escolarizada em termos de anos de estudo, frequentando uma

    escola de boa qualidade, apresenta ndices de criminalidade mais baixos, melhores

    indicadores relativos sade, menor mortalidade infantil, menores taxas de

    desemprego e, em especial, menor possibilidade de vir a enfrentar situaes de

    instabilidade econmica. Pases desenvolvidos tendem a dispor, portanto, de

    sistemas educacionais bastante democrticos, os quais atendem mais e melhor sua

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    clientela, assegurando-lhe um percurso escolar mais longo e mais bem-sucedido.

    Por outro lado, pases em desenvolvimento precisam ainda investir esforos e

    recursos para alcanar essa situao.

    Dessa forma, nada mais compreensvel que haja, hoje, independentemente

    de que lugar os pases ocupam no continuum naes desenvolvidas/naes em

    desenvolvimento, a preocupao com a formao contnua dos professores para

    que possam atuar melhor no instvel mundo globalizado. De fato, as escolas atuais

    requerem, com urgncia, a Formao Continuada de seus professores, como

    condio sine qua non para conseguirem fazer frente aos desafios que a profisso

    lhes coloca. O panorama tal que no se concebe mais uma oferta educacional

    pautada apenas pela formao inicial e/ou pela prtica acumulada dos docentes. A

    mudana no sentido esperado exige e apoia-se na formao contnua e, portanto,

    na atualizao dos recursos humanos disponveis. Para melhor compreender a

    situao da Formao Continuada no Brasil, foi necessrio levantar e classificar os

    principais modelos e concepes de Formao Continuada disponveis na literatura

    especializada. Esse esforo de organizao foi, inegavelmente, orientado a fim de

    oferecer um panorama amplo desse campo. Por outro lado, ele ser de pouca valia

    se no se considerar que nenhum modelo se encontra em estado puro,

    apresentando, usualmente, caractersticas de vrias propostas ao mesmo tempo.

    Uma ideia bastante arraigada na Formao Continuada a de que ela se faznecessria em razo de a formao inicial apresentar muitas limitaes e

    problemas, chegando, em muitos casos, a ser de extrema precariedade. Nesse

    sentido, a Formao Continuada decorre da necessidade de suprir as inadequaes

    deixadas pela formao inicial, que repercutem fortemente no trabalho docente. Em

    outras palavras, defende-se que a Formao Continuada precisa formar um

    professor carente de conhecimentos gerais e pedaggicos e com poucas habilidades

    didticas. Segundo os defensores desse modelo de dficit, a situao agrava -se

    diante das demandas educacionais de sociedades to complexas, levando necessidade de estabelecer polticas amplas e bem pensadas de formao docente,

    to central ela para a melhoria da qualidade da Educao.

    Por outro lado, h tambm modelos que veem a importncia da Formao

    Continuada como consequncia da constatao de que o campo educacional

    muito dinmico, requerendo que os educadores lidem constantemente com novos

    conhecimentos a respeito do processo de ensino-aprendizagem. Essa situao

    requer, assim, que a base conceitual e as habilidades pedaggicas dos professores

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    sejam constantemente expandidas e aprimoradas, de modo que consigam atender

    s novas demandas que a profisso lhes coloca.

    Guskey e Huberman (1995) salientam que, apesar dessa crescente

    conscincia do papel renovador da formao continuada, a literatura mostra limites

    e problemas, apontando tentativas de encontrar solues aceitveis. Nesse sentido,

    vrias propostas acerca de quais devem ser os objetivos da Formao Continuada

    e de como deve ser conduzida surgem, umas colidindo com outras. Os autores

    indicam, assim, que alguns estudos salientam que:

    - A Formao Continuada deve tentar modificar a situao de ensino-

    aprendizagem nas escolas e, por isso, deve emanar das necessidades

    sentidas pelos prprios professores e focar as situaes cotidianas que

    eles vivem junto aos alunos. Por outro lado, alguns estudos indicam quecentrar tanta ateno na figura do professor pode impedir e/ou levar ao

    fracasso a implementao de propostas mais sistmicas, que focam a

    organizao da escola como um todo, as quais so percebidas como mais

    importantes do que as questes pessoais dos docentes;

    - A Formao Continuada tem de ser uma iniciativa que parta dos prprios

    professores e que seja, igualmente, levada a cabo por eles mesmos e/ou

    por pessoas que atuem no espao escolar. Em contraposio, os autores

    salientam a presena de argumentos vigorosos contra isso, mostrandoque bons projetos de formao continuada no podem ser elaborados

    nem por professores nem por escolas, pois ambos encontram-se to

    imersos no cotidiano escolar que no conseguem ter dele o necessrio

    distanciamento para precisar quais so suas necessidades, hierarquiz-

    las e, sobretudo, delinear propostas de como execut-las. A

    recomendao , assim, delegar o planejamento e a execuo de

    programas de Formao Continuada a pessoas vinculadas Educao

    que, trabalhando com professores atuantes nas redes de ensino,consigam discernir o central do irrelevante na vivncia das salas de aula

    e no interior das escolas;

    - A melhor abordagem para a Formao Continuada aquela que tem em

    vista que a mudana no ocorre de forma rpida e em pouco tempo,

    mas de maneira gradual e paulatina. Assim, a recomendao no

    colocar expectativas muito elevadas para os professores, sob o risco de

    que elas impliquem um efeito paralisante. H tambm aqui quem

    discorde, afirmando a necessidade de adotar, na formao continuada,

    abordagens arrojadas, que exijam mudanas drsticas por parte dos

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    docentes. Sem isso, argumentam os autores, corre-se o risco de que os

    professores no se sintam motivados, deixando de encarar o processo de

    mudana educacional como algo necessrio e de investir nele a energia e

    o empenho devidos.

    A despeito dessa falta de acordo, uma leitura mais atenta da bibliografia

    disponvel mostra que os estudos encontrados podem ser reunidos em dois grandes

    grupos. O primeiro deles centra a ateno no sujeito professor. Vrios tipos de

    suposio embasam essa vertente, entre elas as seguintes: (i) uma maior

    qualificao dos docentes em termos ticos e polticos levar os professores a

    aquilatar melhor sua importncia social, seu papel e as expectativas nele colocadas,

    levando-o, assim, a conferir um novo sentido a sua profisso; (ii) a formao inicial

    dos docentes aligeirada e precria, de modo que central ajud-los a superar os

    entraves e as dificuldades que encontram no exerccio profissional, relativos falta

    de conhecimentos cientficos essenciais, de habilidades para o adequado manejo da

    sala de aula e, ainda, de uma viso objetiva sobre temas que se manifestam

    constantemente no dia a dia escolar, como violncia, uso abusivo de drogas,

    gravidez e/ou paternidade na adolescncia etc.; (iii) os ciclos de vida profissional

    precisam ser considerados em uma viso ampla, holstica, de formao continuada,

    na qual se consideram a experincia no magistrio, as perspectivas que marcam as

    vrias faixas etrias, seus interesses e suas necessidades.

    O segundo grupo de estudos sobre Formao Continuada de docentes,

    diferentemente, no mira o desenvolvimento do professor individualmente

    considerado, e sim aquele das equipes pedaggicas (direo, coordenao, corpo

    docente) das escolas, devendo ocorrer, prioritariamente, no interior de cada uma

    delas, luz dos problemas que enfrentam. Os estudos dessa vertente dividem-se

    em dois subgrupos: (i) aqueles que entendem ser o coordenador pedaggico (CP) o

    principal responsvel pelas aes de formao continuada na escola; e (ii) aqueles

    que buscam fortalecer e legitimar a escola como um lcus de formao contnua epermanente, possibilitando o estabelecimento, nela, de uma comunidade

    colaborativa de aprendizagem. Vejamos, a seguir, como se configuram esses

    distintos pontos de vista, reiterando que eles no so, de maneira nenhuma,

    excludentes.

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    1.2. ABORDAGENS DE FORMAO CONTINUADA QUE SE CENTRAM NA FIGURA DO

    PROFESSOR

    1.2.1.AFORMAO CONTINUADA COMO DESENVOLVIMENTO DE CARACTERSTICAS

    TICAS E POLTICAS ESSENCIAIS PARA O EXERCCIO PROFISSIONAL

    Esses estudos consideram que a Formao Continuada central para o

    desenvolvimento subjetivo e profissional dos professores e faz parte de um projeto

    pessoal, como uma escolha necessria para que se possa dar sentido e valor

    atividade docente. Representa bem essa viso a proposta de Hargreaves (1995),

    para quem tanto a formao individual como a continuada negligenciam o lugar que

    as metas e os objetivos do trabalho docente ocupam para os educadores. O autor

    aponta que, se o conhecimento daquilo que se ensina e de como se ensina so

    centrais para a boa docncia, no se pode deixar de lado a importncia deconseguir dar sentido docncia, identificando os propsitos e as razes pelos

    quais a sociedade precisa de professores e os sentidos que estes atribuem ao ato

    de ensinar.

    Nesse aspecto, Hargreaves (1995) mostra a inutilidade de prescrever formas

    de desenvolvimento profissional para professores sem estabelecer, antes, por que e

    para quem os professores ensinam. Com isso, o autor chama a ateno para outras

    dimenses importantes do magistrio, alm da tcnica: a tica, a poltica e oaspecto emocional. A primeira implica preocupar-se genuinamente com o bem-

    estar e o desenvolvimento dos alunos. A segunda indica que s a reflexo no

    basta para construir um bom professor: ele precisa aprender a refletir de maneira

    crtica sobre si mesmo, sobre a profisso e sobre seus alunos para poder lutar

    melhor, na escola e fora dela, pela construo do futuro almejado. Finalmente, no

    que tange ao envolvimento emocional, Hargreaves indica ser central recuperar a

    alegria de ensinar e aprender, a surpresa diante do novo, a satisfao por

    conseguir enfrentar novos desafios e por superar conflitos, sentimentos que foram,

    aparentemente, excludos da escola, deixando em seu lugar a angstia, a

    ansiedade e a frustrao. Salienta, ainda, que essas dimenses no devem ser

    tratadas isoladamente, mas em conjunto. Todas precisam receber um tratamento

    integrado em programas de formao continuada de docentes, para que

    professores e alunos possam aprender continuamente nas escolas, com

    contentamento e criatividade.

    Efetivamente, tratar do desenvolvimento tico dos docentes considerar

    que esse um aspecto vinculado ao posicionamento poltico, que requer no

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    apenas mais reflexo, e sim mais reflexo crtica sobre: (i) a prpria docncia; (ii)

    as condies sociais em que se atua; (iii) os contextos escolares; (iv) as

    consequncias do ensino que se oferecem aos alunos. Segundo Hargreaves (1995,

    p. 20), cabe Formao Continuada desenvolver essa reflexo crtica para que as

    redes de ensino contem com professores com um maior e melhor conhecimentoacerca de cinco aspectos tidos como fundamentais:

    - As microconfiguraes polticas da escola em que se atua, ganhando

    conscincia das relaes de poder nela presentes;

    - A necessidade de fortalecer pares, auxiliando-os a ganhar um pleno

    compromisso como o ensinar, capaz de motiv-los a se tornarem mais

    competentes para imprimir maior eficcia em sua prtica pedaggica;

    - A importncia de retirar as famlias dos alunos do papel passivo que a

    escola tende a lhes atribuir (o de ser apenas informado sobre as decises

    tomadas) e envolv-las nos assuntos escolares, por meio de parcerias na

    elaborao e implementao de novas aes;

    - A inutilidade de evitar conflitos, aquiescendo ou sendo envolvido em

    consensos superficiais sobre questes de ensino-aprendizagem e de

    assumir uma postura proativa, na qual dilemas e impasses so

    analisados e discutidos;

    - Os efeitos sociais e polticos de longo prazo decorrentes do trabalho

    desenvolvido em sala de aula, assumindo uma postura em quepreconceitos cedem lugar convico de que todas as crianas podem

    aprender se receberem auxlio para tanto.

    Nessa tica, a Formao Continuada deve permitir que se viva, na profisso,

    uma experincia prazerosa, valorizada por permitir tanto desvendar novas formas

    de ser, pensar e sentir como a construo de projetos coletivos ticos para o

    mundo em que se vive.

    1.2.2. A FORMAO CONTINUADA COMO MEIO DE SUPRIR OS DFICITS DA

    FORMAO INICIAL DOS PROFESSORES

    Nesse mesmo modelo, o da educao contnua como meio de

    desenvolvimento pessoal, uma abordagem bastante conhecida a que entende ser

    a Formao Continuada de professores imprescindvel para contornar as mazelas

    deixadas pela formao inicial. Nessa tica, o docente precisa passar por um

    processo de aprimoramento amplo, que atua como remdio para sanar os muitos

    problemas que a pobre, heterognea e superficial formao de base coloca para o

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    ensino e para a educao das futuras geraes. Essa abordagem centra-se,

    sobretudo, nas caractersticas que faltam aos docentes e constitui, justamente por

    isso, o que se pode denominar de abordagem do dficit. Quando se parte do

    princpio de que a formao inicial foi insuficiente, porque se acredita que as

    competncias, as habilidades e os conhecimentos imprescindveis para o trabalhodocente no foram trabalhadas ou no foram adequadamente apropriados , o

    que priva o professor dos recursos necessrios para exercer sua profisso.

    Dessa forma, os contedos disciplinares, as teorias relativas ao processo de

    ensino-aprendizagem e avaliao de rendimento dos alunos, os procedimentos

    envolvidos na gesto da sala de aula e, inclusive, os modos de conduzir a prpria

    prtica pedaggica precisam receber um tratamento mais sistemtico, mais

    aprofundado e mais slido. Tanto professores que acabaram de se formar quanto

    os que j se encontram lecionando precisam passar por essa modalidade de

    formao profissional. Os primeiros em razo de sua formao deficitria e os

    segundos porque precisam de constante atualizao, tendo em vista que a cincia

    pedaggica est sempre avanando. Nessa viso a do dficit , muito embora o

    foco esteja na construo de novos modos de ser e de atuar na sala de aula, os

    docentes no so vistos como sujeitos em busca de aprimoramento pessoal e

    profissional, mas como objetos de aes de capacitao.

    De fato, a proposta do dficit pressupe que os professores nada tm a dizerem termos do que necessrio para aprimorar sua formao e, por esse motivo,

    no h razo para consult-los acerca do que precisam ou no que esperam ser

    capacitados. Consequentemente, tudo que diz respeito formao continuada

    definido em outras instncias e/ou por nveis hierrquicos superiores dos sistemas

    de ensino, que, em geral, contratam institutos ou organizaes externas para

    conceber e executar projetos de formao. Sem considerar as especificidades dos

    professores e de seus locais de trabalho, tais propostas tendem a ser uniformes, no

    formato tamanho nico e unissex, uma vez que a meta atingir o conjunto dosprofessores, independentemente de seu sexo, de sua idade, de seu tempo de

    experincia, da disciplina que ministra e de seus interesses.

    Por outro lado, a abordagem centrada no dficit apoia-se em argumentos

    slidos, razo pela qual no pode ser simplesmente descartada. Quando a formao

    inicial no fornece a base suficiente e adequada para o ensino, os professores

    efetivamente no conseguem levar seus alunos a se apropriarem, na quantidade e

    na qualidade adequada, daquilo que supostamente a escola lhes deve oferecer.

    Assim, se a formao inicial , indubitavelmente, importante para o desempenho

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    adequado dos futuros professores, possvel prever que, enquanto os estudos

    apontarem no haver nela a qualidade desejada, a abordagem do dficit continuar

    sendo adotada. As principais crticas no recaem, assim, sobre a importncia da

    formao inicial, e sim no fato de que ela nem sempre ruim ou incipiente, caso

    em que a Formao Continuada pautada por essa suposio se torna incua. Maisgrave ainda, dizem os crticos dessa abordagem Eraut (1995) e Fullan (1995b), a

    imagem frgil e desamparada que se faz dos professores e que se propaga para o

    grande pblico.

    1.2.3.AFORMAO CONTINUADA PAUTADA PELO CICLO DE VIDA PROFISSIONAL

    Sem focar diretamente as falhas da formao inicial, outras abordagens

    tambm compreendem a formao continuada como um empreendimento de cunho

    pessoal, ligado ao percurso profissional do docente, mais precisamente ao ciclo devida profissional. Nesse sentido, a busca por aprimoramento marcada pela

    aspirao de ganhar novos conhecimentos, de superar desafios, de empreender

    mudanas no conhecido e no familiar. Muitos estudos tm apontado, no entanto,

    que nem sempre a vida profissional algo ascendente. Para Mevarech (1993, 1994,

    1995), que empreendeu muitos estudos contrastando a atividade de professores

    novatos com a de experientes, a carreira docente implica, mais frequentemente, o

    aparecimento de fases de desorientao, marcadas por experincias regressivas e

    negativas, por sentimentos de anomia e de rebaixamento da autoimagem, queprecisam ser entendidos em sua fenomenologia e receber auxlio adequado para

    que sejam devidamente canalizados, ensejando mudanas subjetivas e objetivas.

    Caso isso no ocorra, essas vivncias acabam por converter-se apenas em

    experincias duras e sofridas, que podem paralisar e quase sempre o fazem o

    desenvolvimento pessoal e profissional dos docentes.

    Essa abordagem de formao continuada aposta na ideia de que conhecer os

    estgios que compem a carreira docente permite identificar as necessidades e

    carncias que os professores vivem. Ciente delas, a questo , portanto, delinear

    formas personalizadas de apoio, capazes de auxiliar os docentes a enfrentarem

    melhor as etapas da vida profissional. Fessler (1995), Fuller e Brown (1995) e

    Gregorc (1973) mostraram como os docentes relatam sentir-se ao longo de sua

    carreira. De maneira geral, os resultados convergem, na medida em que apontam

    para momentos crticos, tais como:

    - O estgio de formao inicial, durante o qual as pessoas ainda no se

    definiram plenamente em relao escolha da carreira do magistrio,

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    embora estejam, nesse momento, construindo as ideias bsicas sobre as

    metas educacionais, sobre o papel da escola e do professor e, ainda,

    sobre como situar-se no processo de ensino-aprendizagem;

    - O estgio de entrada no campo profissional, que marcado pela

    preocupao em fazer frente s demandas do trabalho e em ser bem-sucedido na avaliao de seus superiores. Pela primeira vez, constata-se

    a distncia entre o aprendido na formao inicial e a realidade da sala de

    aula e da vida na escola. O foco, desse modo, est em afirmar-se como

    professor, em obter controle da sala de aula, em lidar com perfis

    diferenciados de alunos, em dominar melhor os contedos a serem

    ensinados e buscar novas estratgias de ensino mais eficazes.

    Claramente, esse um tempo em que os professores sentem-se muito

    pressionados, sem encontrar tempo para dedicar-se a outras atividades

    que no as de ensino, nas quais recaem expectativas elevadas, que nem

    sempre conseguem alcanar;

    - O estgio intermedirio da carreira, momento em que o professor

    procura harmonizar as presses da fase anterior com suas prprias

    ideias acerca do magistrio. Observa-se que, nessa etapa, os professores

    se distribuem entre dois polos opostos. No positivo, esto os que se

    sentem confortveis no ofcio, satisfeitos com os resultados que obtm

    junto aos alunos, felizes com seu ambiente de trabalho, que permite e

    incentiva trocas constantes, seja com o grupo-classe, com os colegas ou

    com os gestores. Outros, entretanto, adotam uma posio menos

    favorvel diante da docncia. Os que a se situam no esto certos de

    que optaram corretamente pelo magistrio e esto insatisfeitos com a

    carreira docente, considerada desgastante;

    - Finalmente, h a etapa da maturidade que se estende at a

    aposentadoria, na qual os professores tendem a sentir-se seguros na

    profisso, independentemente de como a veem. Nesse momento,

    como se no tivessem mais desafios a superar, nem nada de muito novo

    a aprender. Conseguem identificar pontos positivos e negativos na

    carreira docente. o momento em que o perfil dos docentes se torna

    mais homogneo, sendo difcil discernir suas especificidades.

    Os estudos mostram que o magistrio uma carreira constituda de vrias

    etapas, desencadeadas por fatores vinculados ao modo de vida dos docentes e,

    portanto, s prprias condies das organizaes de ensino. Desse modo, o

    conhecimento de como se processa a carreira docente e de como se configuramseus ciclos abre um leque de opes para os projetos de formao continuada.

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    Alguns deles centram-se no desenvolvimento pessoal, ou seja, tico, poltico,

    cognitivo e afetivo dos docentes; outros atacam suas condies de trabalho;

    outros, ainda, tentam identificar os melhores suporte e apoio para, com base nas

    prprias escolas, propiciar aos professores oportunidades de desenvolvimento

    profissional. O pressuposto , sempre, o de que ambientes adequados,interessantes e motivadores permitem uma progresso positiva na carreira, da

    mesma forma que espaos sem tais atributos tm impacto negativo na profisso.

    As caractersticas mais importantes de tais ambientes so classificadas em

    dois grandes grupos: as influncias de carter pessoal (presena ou no de

    estruturas familiares de apoio; recursos pessoais para lidar com crises; outros

    interesses que constituem fontes de gratificao etc.) e as relativas s escolas e

    aos sistemas escolares (as regulaes s quais os professores esto submetidos; o

    estilo de gesto; o clima do ambiente de trabalho; as expectativas acerca dos

    resultados da docncia; a pertena a uma associao docente etc.). A tendncia de

    perceber o ciclo da carreira como sendo linear grande, adverte Marcelo (2009).

    simples e fcil conceber as etapas da trajetria docente: preparo para a vida

    profissional, entrada no magistrio e progresso nele medida que se passa por

    suas vrias etapas. Os estgios dessa carreira, mais adequadamente, so

    concebidos como uma forma de auxiliar o entendimento da natureza dinmica da

    docncia e dos problemas nela enfrentados, que vo muito alm dos tcnicos:

    envolvem, tambm, aspectos pessoais e circunstanciais. Os projetos de formaocontinuada precisam contemplar, assim, muitos e diversificados fatores e oferecer

    mltiplas solues, desde a oferta de auxlio para o enfrentamento de problemas e

    crises pessoais at polticas organizacionais que explorem alternativas de melhor

    adaptao carreira.

    Em sntese, todas essas abordagens entendem a Formao Continuada

    como um processo que salienta a tarefa de oferecer aos professores oportunidades

    de desenvolvimento profissional e, em especial, no plano pessoal independentemente de esse desenvolvimento ser definido pelos prprios docentes

    ou por especialistas contratados pelos sistemas educacionais e, ainda, de conferir

    a esse processo um carter mais estruturado ou mais informal. Dessa forma, como

    bem colocam Huberman e Guskey (1995, p. 271), propostas norteadas por tais

    ideias supem que a formao profissional deve ser til aos professores em suas

    vidas profissionais e em suas salas de aula, mas sempre apenas e exclusivamente

    no mbito de suas prprias instituies. Nessa perspectiva, as trocas entre

    docentes no so valorizadas, uma vez que se pretende incidir somente em

    caractersticas pessoais dos professores, sem tentativas de transformar as culturas

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    docentes. De fato, para que isso acontea, preciso ir alm do espao institucional

    para articul-lo com outros semelhantes.

    1.3. ABORDAGENS DE FORMAO CONTINUADA QUE SE CENTRAM NO DESENVOLVIMENTO

    DAS EQUIPES ESCOLARES E DAS ESCOLAS

    1.3.1. O COORDENADOR PEDAGGICO COMO PRINCIPAL RESPONSVEL PELOS

    PROCESSOS DE FORMAO CONTINUADA NAS ESCOLAS

    Uma parte importante dos estudos de Formao Continuada de professores

    (CHRISTOV, 2007; PLACCO; ALMEIDA, 2003) entende que seu foco deve recair no

    coletivo de professores de cada escola e atribui ao coordenador pedaggico um

    papel central: o de articulador das aes formativas na escola, as quais devem

    promover o desenvolvimento da equipe pedaggica (e no de cada professor). Paratanto, faz-se necessrio dispor de uma organizao do tempo escolar capaz de

    garantir a regularidade, a contextualizao e a participao necessrias para que as

    discusses do coletivo constituam momentos efetivos de aprendizagem. Conforme

    afirma Placco e Almeida (2003, p. 57-58):

    Uma funo fundamental do coordenador pedaggico cuidar daformao e do desenvolvimento profissional dos professores. fundamental pensar a formao como superao da fragmentaoentre teoria e prtica, entre escola e prtica docente, de modo que

    as dimenses da sincronicidade possam se revelar e integrar, nacompreenso ampliada de si mesmo, do processo de ensino eaprendizagem e das relaes sociais da e na escola, sntese daformao e da prtica docente como momentos com peculiaridadese especificidades que provocam contnua mudana nos professorese em sua prtica.

    No mbito nacional (CHRISTOV, 2007; PLACCO e ALMEIDA, 2003, 2006), o

    coordenador pedaggico tem como principais funes coordenar o trabalho

    pedaggico na escola e, ainda, intermediar a formao de sua equipe, segundo as

    necessidades e demandas presentes na realidade escolar em que atua. Compete-

    lhe, tambm, mobilizar a equipe escolar para que ela elabore/reelabore o ProjetoPoltico-Pedaggico (PPP) da escola, auxiliando-a para que possa propor e

    implementar as medidas que, na viso do grupo, se fazem necessrias. Dessa

    forma, sua funo muito abrangente, compreendendo desde atividades afeitas s

    disciplinas do currculo, ao processo de ensino-aprendizagem (incluindo-se, a, a

    avaliao), aos materiais didticos e pedaggicos at assuntos de carter disciplinar

    e tico e questes relativas interao da escola com sua comunidade.

    Em outros pases, caso da Gr-Bretanha, nem sempre existe algum quecumpra as funes do coordenador pedaggico. Nos pases de lngua francesa,

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    como a Frana e o Canad, as atribuies do coordenador pedaggico (que recebe

    outras designaes) so muito semelhantes s que esto previstas para essa

    funo no Brasil. No Canad, o conselheiro pedaggico atua nas escolas com o

    objetivo de auxiliar o corpo docente a gerenciar seu tempo e otimizar a organizao

    e o funcionamento dos ciclos de ensino. Faz parte de suas atribuies, assim,acompanhar o desenvolvimento e a implementao de projetos escolares,

    oferecendo apoio e sustentao s equipes de professores na execuo dessas

    atividades.

    Cabe-lhe ainda: (i) propor programas de estudos; (ii) orientar a escolha dos

    mtodos, das tcnicas, dos equipamentos e dos materiais didticos e pedaggicos

    que possam favorecer a qualidade de ensino oferecido; (iii) acompanhar as

    mudanas no campo educacional (tanto em termos de investigaes como de

    inovaes no ensino); (iv) verificar a pertinncia dos objetivos pedaggicos; (v)

    verificar os resultados escolares obtidos pelos alunos; (vi) projetar, organizar e

    ministrar cursos de formao para professores; (vii) colaborar para o

    desenvolvimento de programas de educao continuada oferecidos pelas

    universidades; (viii) organizar e realizar encontros com professores, verificando

    suas necessidades e propondo solues adequadas4.

    O sistema educacional francs, diferentemente, no prev um profissional

    que atue nas escolas, mas elas podem contar com um servio de consultoria e deapoio educativo, cuja meta orientar os professores, as equipes pedaggicas e as

    escolas nas quais o servio de inspeo geral encontrou algum problema. Esse

    servio composto de consultores pedaggicos nomeados pelo governo. Dentre as

    responsabilidades de consultoria s escolas, destacam-se as seguintes:

    - Apoiar as escolas na construo do seu projeto escolar em consonncia

    com os projetos educativos e pedaggicos da comunidade francesa e em

    conformidade com a lei;

    - Colocar, a servio das equipes educativas e pedaggicas das instituies

    de ensino ou de grupos de escolas, tanto seu conhecimento como sua

    experincia pedaggica, buscando superar problemas e aprimorar a

    qualidade da formao oferecida aos estudantes;

    4 Todos esses dados esto disponveis no site http://www.bdeb.qc.ca/futurs-etudiants/programmes/preuniversitaires/sciences-humaines/site-des-carrieres-en-sciences-humaines/psychoeducation. Acesso em: 13 de novembro de2010.

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    - Participar da anlise das necessidades de formao dos professores e

    fazer sugestes para a elaborao do plano de formao coletiva e

    individual das instituies;

    - Ajudar as instituies e as equipes pedaggicas no trabalho de anlise

    dos resultados obtidos pelos alunos nas avaliaes externas

    5

    .

    Fica claro, portanto, que, tanto no Brasil como no exterior, quando a figura

    do coordenador pedaggico existe, entende-se ser sua tarefa assegurar a qualidade

    do processo educativo oferecido pelas escolas populao, fazendo isso,

    sobretudo, por meio do acompanhamento e da formao continuada dos

    professores. No entanto, nas escolas brasileiras, essa concepo de formao

    contnua do docente realizada nas escolas mediante a ao do coordenador

    pedaggico tem sido adotada nas polticas pblicas de formao, observando a

    transferncia, para as escolas, de partes substanciais do desenvolvimento

    profissional do professor. Adicionalmente, nem sempre a ao do coordenador

    pedaggico pautada pelas necessidades e demandas da escola, uma vez que

    projetos e programas do governo assumem carter prioritrio e a prpria cultura

    docente resiste s propostas feitas por ele.

    Dessa maneira, perde-se o carter colaborativo e coletivo do trabalho do

    coordenador uma vez que ele se v obrigado a seguir as determinaes polticas

    assumidas pelos governos federal, estadual ou municipal. Com isso, no s eleperde sua independncia como contribui para a alienao do trabalho docente ao

    assumir, sozinho, a coordenao pedaggica da escola, relegando os professores

    funo de executores de aes que lhes so externamente impostas (S et al.,

    2001). Alm disso, quando o coordenador eleito por voto dos professores, nem

    sempre os descontentes aceitam sua liderana, notadamente quando ele carece de

    formao inicial slida e/ou experincia de ensino. Por ltimo, a postura do

    coordenador muitas vezes no compatvel com o que se espera de uma escola

    democrtica, na qual se apregoa uma liderana que reconhea os professores e seapoie nas aes pedaggicas junto aos alunos e nas formativas junto ao corpo

    docente. Talvez, como bem aponta Domingues (2009, p. 203), os coordenadores

    pedaggicos brasileiros ainda no tenham construdo:

    ...uma identidade formativa que possibilite legitimar, junto sequipes escolares e ao sistema, uma liderana pautada naadequao do tempo s tarefas da coordenao; na compreensodo papel do coordenador pedaggico, no como tcnico, mas como

    5 Esses dados encontram-se disponveis no site http://www.elul.ulaval.ca/sgc/pid/6403. Acesso em: 13 de novembrode 2010.

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    sujeito aprendente do seu fazer numa perspectiva reflexiva ecrtica; e, na formao como intradeterminada pelos docentes,tambm responsveis pela sua elaborao, implementao eavaliao.

    1.3.2. A FORMAO CONTINUADA COMO MEIO DE FORTALECER E LEGITIMAR A

    ESCOLA COMO UM LCUS DE FORMAO CONTNUA E PERMANENTE PARA TODOS NELAPRESENTES

    H processos de formao continuada de professores que consideram outros

    aspectos, como a ateno ao clima de colaborao entre os professores, que

    importante e deve estar associado ao apoio externo nos processos formativos. Dito

    de outro modo, a aceitao das mudanas propostas nos cursos de formao

    continuada requer uma organizao minimamente estvel do contexto em que o

    professor atua (respeito, colaborao e participao) bem como o apoio e a

    presena de recursos necessrios s inovaes. De igual modo, a participao dos

    professores desejvel e central durante todo o processo formativo, desde seu

    planejamento, passando pela execuo e chegando avaliao dos resultados. Isso

    implica considerar as opinies dos professores e, sobretudo, ouvi-los falar dos

    problemas que enfrentam quando se veem diante de prticas inovadoras ou

    maneiras de lecionar desconhecidas, que demandam apoio por parte dos pares ou

    de assessores externos.

    Assim, em oposio s tendncias de formao continuada individualizadas,que se centram na figura do professor, existem os modelos nos quais a formao

    continuada concebida sempre em termos coletivos, envolvendo uma srie de

    atividades em grupo. Essa perspectiva denominada aqui de colaborativa. Nela, os

    professores renem-se para estudar, para fazer anlise curricular e propor

    modificaes nos contedos trabalhados em cada ano e nvel, para elaborar e

    realizar pesquisas e avaliaes internas e assim por diante. Essa modalidade de

    formao continuada assume que h, por parte dos professores, questionamento

    constante acerca de sua prtica pedaggica, de modo que privilegia a interao nosprprios locais de trabalho. a que o corpo docente deve, em conjunto, definir o

    tipo de formao que almeja, especificando sua finalidade e sua forma de

    implementao. Desse modo, a formao continuada deve ocorrer primariamente

    nas instituies de ensino ou nas demais dependncias do sistema educacional.

    A expectativa dessa vertente promover, via colaborao entre pares, uma

    discusso rica acerca dos vrios fatores da profisso docente, que, por aumentar a

    conscincia acerca de seus aspectos crticos, incentiva tambm a experimentao

    didtica, o uso de novas estratgias de ensino e a adoo de uma organizao mais

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    eficiente da prtica docente. Alm disso, espera-se que a reflexo e a discusso

    entre pares sejam capazes de estabelecer um clima de confiana, que permita o

    entrosamento de docentes com diferentes nveis de experincia, lecionando

    matrias distintas em diferentes nveis de ensino. Pode-se dizer, portanto, que o

    foco est em fazer da escola uma comunidade de aprendizagem (FULLAN;GERMAIN, 2006), na qual se observe e se fale acerca do que se faz e,

    especialmente, na qual o que foi observado converta-se em feedback para

    aprimorar o processo de ensino-aprendizagem. Mesmo que a formao profissional

    esteja ligada busca de aprimoramento pessoal, como nos primeiros modelos, essa

    corrente reporta-se, mais de perto, s mudanas que se fazem necessrias ou

    que j se encontram em andamento no plano institucional. Alguns de seus

    resultados so utilizados como argumentos cruciais para endossar essa viso: um

    maior comprometimento dos docentes em inovar e em experimentar mais; uma

    coordenao mais eficiente do trabalho realizado intra e intersries, uma slida

    articulao dos diferentes nveis de ensino em uma mesma organizao escolar;

    maior empenho em suprimir ou alterar drasticamente procedimentos de ensino

    que no contribuem nem para motivar nem para provocar nos alunos as

    aprendizagens pretendidas.

    O desenvolvimento profissional, dizem os que endossam essa viso, no

    pode ficar circunscrito ao domnio pessoal e utilitrio. S faz sentido propor

    programas de Formao Continuada se eles forem capazes de desencadearmudanas pertinentes e necessrias nas escolas, capazes de auxili-las a atender

    mais e melhor sua clientela. Essa no , de maneira alguma, uma tarefa simples.

    As expectativas so pretensiosas por buscarem alterar a prpria mentalidade do

    professorado, incidindo nas polticas de contratao, acompanhamento e avaliao

    de docentes, que devem se pautar pela obteno de determinados resultados,

    definidos mediante acordos estabelecidos entre os sindicatos da categoria, os

    representantes dos sistemas de ensino e, em especial, a comunidade que se

    beneficia das escolas.

    Essas mudanas podem implicar alteraes nas relaes dos professores

    com outros profissionais atuantes no espao escolar, na medida em que as muitas

    e contraditrias demandas a presentes vo se definindo e sendo solucionadas. Ora,

    mudanas no so eventos singulares: elas, em geral, ocorrem em cascata e, por

    essa razo, precisam ser administradas simultaneamente. Desse modo, alm de

    delinear, executar, acompanhar e avaliar as modificaes que o coletivo profissional

    quer imprimir em sua atuao profissional, os professores precisam tambm aferir

    seu impacto na escola como um todo, aprendendo, sobretudo, a negociar conflitos

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    e discordncias, evitando acordos rpidos e simplistas que no constituem, de

    modo nenhum, uma soluo. Quando tais problemas aparecem, necessrio que

    os conflitos sejam explicitados, mesmo que gerem incertezas e rupturas nos grupos

    envolvidos e promovam a sensao de ameaa e de desequilbrio. Se os

    profissionais da escola souberem ser esse um passo necessrio para passar de umestado insatisfatrio para outro, mais gratificante, no qual se alcana uma viso

    compartilhada acerca do que se espera da escola e do que preciso fazer para

    atingir esse fim, conflitos e incertezas sero devidamente apreciados.

    Da a necessidade de no se contentar com um desenvolvimento profissional

    de carter meramente tcnico ou instrumental. preciso promover tambm a

    sensibilidade poltica e tica, condio para que se perceba que o mundo docente

    ultrapassa, em muito, as paredes da escola. Conhecer de perto o macrocontexto

    em que se atua significa perceber que as iniquidades e as disfunes presentes na

    escola fazem parte da sociedade mais ampla e so dela apenas manifestaes.

    Conhecer as vicissitudes da escola e empreender nela as mudanas necessrias

    pode levar os professores a combater tambm os problemas da sociedade, sua

    injusta distribuio de riquezas e de poder.

    Existe, dessa maneira, um imenso rol de tpicos a serem tratados em

    programas de formao profissional de docentes, que vo desde aqueles que se

    referem ao microuniverso da sala de aula at os assuntos mais abrangentes, queenvolvem teorias e sistemas educacionais e, ainda, sua articulao com as

    questes econmicas, polticas e sociais do mundo atual, globalizado. Tudo isso

    mostra que a formao de professores est longe de ser um campo bem delineado.

    Ao contrrio, h nele uma pluralidade de vozes que, frente a distintas ideologias,

    defendem modelos que privilegiam aspectos muito diversos da profisso,

    descortinando cenrios alternativos de formao profissional, passveis de ser

    escolhidos com base em uma anlise cuidadosa dos resultados que alcanam.

    Um dos principais defensores da abordagem colaborativa Fullan (1993),

    para quem a rea de desenvolvimento profissional de professores tem apresentado

    resultados muito aqum dos esperados. Os fatores identificados como responsveis

    por esse desempenho insatisfatrio so a falta de base terica e,

    consequentemente, de foco nas aes voltadas para o aprimoramento docente e,

    ainda, o fato de os programas de desenvolvimento profissional no irem alm da

    frequncia a cursos e seminrios, cujos contedos no se articulam s necessidades

    postas pelo exerccio da profisso. Segundo Fullan (1995a), algumas aes podem

    reverter esse quadro. A primeira delas consiste em entender melhor quais so os

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    propsitos da Educao, que carrega em si quatro imperativos morais, a saber, as

    tarefas de:

    - Formar criticamente as crianas e os jovens, desenvolvendo nelas um

    senso de verdade, de beleza e de justia que sirva de critrio para que

    possam julgar as virtudes e imperfeies de sua sociedade e de si

    mesmos (GOODLAD et al., 1990, p. 48);

    - Oferecer acesso ao conhecimento socialmente construdo, pois cabe s

    escolas levar as geraes mais jovens a se apropriarem dos saberes j

    constitudos acerca do mundo fsico, biolgico, sociocultural e

    psicolgico, impedindo que atitudes, crenas ou prticas preconceituosas

    ou equivocadas impeam o bom exerccio de seu papel social;

    - Assegurar que professores e alunos relacionem-se de maneira saudvel

    e produtiva, de modo que o ensino se paute pelo conhecimento, pela

    compreenso e pela sensibilidade acerca das condies de aprendizagem

    dos alunos;

    - Promover o processo de atualizao institucional, colocando as escolas

    em compasso com as demandas de seu tempo.

    Fullan (1993) conclui ser preciso construir um novo conceito de

    desenvolvimento profissional, no qual o termo passe a significar aprendizagem

    contnua dos docentes, para que eles ofeream a seus alunos um ensino sempremelhor. Assim conceituado, o desenvolvimento profissional busca aprimorar os

    conhecimentos e a atividade dos professores para ampliar os horizontes de alunos

    que vivem sob circunstncias muito complexas que, pode-se dizer, chegam mesmo

    a ser caticas. Fullan (1995a) entende que imperativo tornar a noo de

    aprendizagem contnua intrnseca cultura das escolas. Nesse sentido, Nias et al.

    (1992) afirmam ser fundamental que as escolas partilhem algumas crenas, como

    as seguintes: a) sempre possvel fazer mais e melhor; b) a autocrtica parte do

    processo de melhoria profissional; c) reconhecer uma prtica pedaggica de boaqualidade uma virtude a ser cultivada; e d) sem disposio para aprender, no se

    consegue realizar o que precisa ser feito. Uma anlise mais aprofundada dessas

    crenas revela que elas reconhecem o quo complexo o ofcio de ensinar e

    apontam, justamente por isso, para a necessidade de uma oferta constante de

    apoios e auxlios para bem realiz-lo. Desse modo, esforos devem ser investidos

    na escola como um todo e no apenas na atividade dos professores, pois a tarefa

    maior do que se supe: no se trata de transformar pessoas, mas sua cultura.

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    Nias et al. (1992) tambm apontam o quanto necessrio articular a

    formao inicial e a continuada, coordenando as estratgias utilizadas. Nessa

    direo, Fullan (1995a, p. 256) cita Sarason (1993):

    ...ser pedir muito aos programas de formao docente que

    preparem seus estudantes para um mundo real, o qual elesdevem entender e procurar transformar, se que como pessoas ecomo profissionais pretendem no apenas sobreviver, mas,sobretudo, crescer?

    Fullan (1995a) entende que as habilidades de colaborao e de

    aprendizagem contnua so aspectos centrais a serem desenvolvidos pelos

    professores, mediante parcerias estabelecidas entre universidades, escolas e

    sistemas educacionais. Atuando em conjunto, torna-se possvel, segundo o autor,

    desenvolver culturas escolares que ofeream apoio a professores diferentes, em

    momentos distintos do ciclo profissional. Um exemplo desse tipo de parceria oprojeto Consrcio de Aprendizagem, iniciado em 1993, em Toronto, Canad. A

    meta desse consrcio aprimorar a qualidade da educao para alunos de escolas

    e de universidades capacitando os professores e as duas instituies e, ao

    mesmo tempo, levar os sistemas educacionais e o corpo docente das faculdades de

    educao a oferecer auxlio e suporte constante para as melhorias j

    implementadas e para que se alcancem as que ainda no o foram. Espera-se, desse

    modo, que seja possvel promover o desenvolvimento profissional das escolas

    (DPE), ou seja, que as escolas constituam modelos de excelncia e centros deinvestigao, por meio da colaborao permanente entre sua equipe e o pessoal

    das universidades. Cabe ressaltar, no entanto, que as principais diretrizes e linhas

    mestras dessa abordagem ainda no se encontram plenamente desenvolvidas,

    merecendo maior dotao de recursos nas polticas pblicas e maior ateno por

    parte dos pesquisadores. Talvez, assim seja possvel gerar subsdios que possam

    respaldar a ao dos professores nas unidades escolares, alm daquela de seus

    respectivos gestores, da administrao pblica e, notadamente, a das

    universidades.

    2.INCURSES GOVERNAMENTAIS RELATIVAS FORMAO CONTINUADA DEPROFESSORES NO BRASIL

    O objetivo deste captulo oferecer um panorama geral do cenrio das

    polticas educacionais a partir da dcada de 1990 a fim de contextualizar a leitura

    dos principais achados desta pesquisa. Decidiu-se comear pelos anos 1990 pelo

    fato de eles constiturem um perodo marcado por muitas mudanas educacionais

    tanto no cenrio internacional quanto no nacional. Em relao ao primeiro, cabe

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    destacar dois eventos: a Conferncia Mundial de Educao para Todos, convocada,

    em 1990, pela Organizao das Naes Unidas para a Educao, a Cincia e a

    Cultura (Unesco), pelo Fundo das Naes Unidas para a Infncia (Unicef), pelo

    Programa das Naes Unidas para o Desenvolvimento (Pnud) e pelo Banco Mundial

    e que teve lugar em Jomtien, na Tailndia (Unicef, 1990). Essa reunio foiprecedida por reunies preparatrias em diversos pases, inclusive o Brasil, e em

    diferentes regies do mundo. O segundo evento foi a reunio de Nova Dli

    (Conferncia Mundial de Educao para Todos), em 1993, na qual se reuniram os

    nove pases em desenvolvimento com maior contingente populacional Indonsia,

    China, Bangladesh, Brasil, Egito, Mxico, Nigria, Paquisto e ndia.

    Na Conferncia de Jomtien, os pases presentes, reconhecendo que a

    Educao um dos direitos fundamentais dos homens, estipularam os seguintes

    objetivos para ela: satisfazer as necessidades bsicas de aprendizagem de todos,

    universalizar o acesso Educao e promover a equidade. Para tanto, os pases

    signatrios centrariam seus esforos na aprendizagem, bem como ampliariam os

    meios e o escopo das aes da Educao Bsica, desenvolvendo uma poltica

    contextualizada de apoio, capaz de mobilizar recursos e fortalecer alianas em

    todos os nveis, demandando, inclusive, a solidariedade internacional (Unesco,

    1993). Na reunio de Nova Dli, os representantes de governo assinaram um termo

    no qual se comprometiam com o esforo de atender s necessidades bsicas de

    aprendizagem para todos (crianas, jovens e adultos) e com a universalizao daeducao fundamental.

    O Brasil, que participou desses dois eventos, endossou as recomendaes

    neles feitas. Em consonncia, portanto, com os compromissos assumidos e de

    acordo com as demandas nacionais, foi empreendida uma srie de reformas que,

    privilegiando o ensino fundamental, implicaram uma nova regulao educativa, na

    qual trs aspectos destacavam-se: a gesto local, o financiamento por aluno e a

    avaliao dos resultados escolares. Coube ao MEC coordenar a elaborao do PlanoDecenal de Educao para Todos (1993-2003), no qual se delineavam as diretrizes

    para que se pudesse oferecer, com equidade, um ensino fundamental de boa

    qualidade. Nele, uma nova viso de Educao era apresentada, buscando articular

    aspectos estratgicos distintos, como a formao dos professores, o

    desenvolvimento institucional, a gesto e os incentivos a serem dados ao ensino-

    aprendizagem. Balizavam as propostas algumas experincias em andamento em

    vrios pases da Amrica Latina e tambm medidas tomadas em pases

    desenvolvidos para aprimorar seus indicadores educacionais. As principais reformas

    educacionais repercutiram fortemente nos estados e municpios e chegaram,

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    inclusive, at as escolas, com implicaes para o professorado. Sero descritas

    inicialmente, de forma mais abreviada, as medidas que compuseram as reformas

    da dcada de 1990 no Brasil, para, em seguida, centrar a ateno naquelas

    atinentes Formao Continuada de professores.

    2.1.O NOVO PAPEL DO GOVERNO FEDERAL

    De acordo com a Constituio brasileira, votada em 1988, os municpios

    ficaram responsveis, preferencialmente, pela Educao infantil e pelos anos iniciais

    do ensino fundamental, e os estados, pela oferta dos anos finais do ensino

    fundamental e do ensino mdio. Essa deciso do Congresso brasileiro pretendia dar

    fim a um sistema no qual as responsabilidades de estados e municpios no eram

    claras, com os nveis de governo se sobrepondo uns aos outros. Dessa forma, os

    gastos das diferentes esferas administrativas eram muito desiguais e implicavamdesigualdades na qualidade dos servios educacionais oferecidos. Ao Governo

    Federal caberia o papel de articulao entre os entes federados, de realizar polticas

    integradoras e cuidar das Diretrizes Curriculares Nacionais. A Lei de Diretrizes e

    Bases da Educao Nacional LDBEN , de dezembro de 1996, consolidou o papel

    do Governo Federal na coordenao e na formulao de polticas nacionais de

    Educao para que fosse possvel assegurar a todos os estudantes brasileiros um

    ensino de boa qualidade, em condies de equidade.

    2.1.1.FUNDO DE MANUTENO E DESENVOLVIMENTO DO ENSINO FUNDAMENTAL

    E DE VALORIZAO DO MAGISTRIO (FUNDEF)

    A Constituio Federal de 1988 tem sofrido vrias alteraes desde sua

    promulgao at os dias atuais. Merece destaque, dentre tais mudanas, a Emenda

    Constitucional n 14, de 1996, que entrou em vigor aps regulamentao em lei,

    em 1998. Por meio dela, alterou-se a estrutura de financiamento do ensino

    fundamental no pas, adotando uma nova sistemtica para a redistribuio dos

    recursos destinados a esse nvel de ensino. Se a Constituio estipulava que 25%

    da receita de estados e municpios deveriam ir para a Educao, a Emenda

    Constitucional n 14 determinou, por sua vez, que 60% desses recursos ou 15%

    do total arrecadado por meio de impostos estaduais e municipais ficassem

    reservados exclusivamente ao ensino fundamental. Esse montante, que compe o

    fundo de natureza contbil, redistribudo para ser utilizado entre estados e

    municpios de acordo com o nmero de alunos atendidos em suas respectivas redes

    de ensino.

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    O MEC estipula o valor do gasto aluno/ano para o pas a fim de reduzir as

    disparidades existentes entre estados e no interior de cada um deles, por meio do

    financiamento pblico do ensino fundamental. Se esse limite no puder ser

    alcanado, o Governo Federal complementar os gastos estaduais e municipais.

    Com a proposio da emenda, havia, ainda, a pretenso de que o Fundefimpactasse positivamente o mercado de trabalho para professores, na medida em

    que 60% de seus recursos foram destinados ao pagamento dos salrios dos

    docentes. Essa medida deveria ter, em especial, maior efeito nas regies mais

    pobres do pas (as regies Norte e Nordeste), valorizando a profisso. O Fundef

    levou a uma descentralizao da educao em termos financeiros, administrativos e

    pedaggicos, com a Unio repassando novas incumbncias a estados, municpios e,

    inclusive, escolas, que se viam, agora, encarregados de novos papis. Por um lado,

    essa situao promoveu, nos entes federados e, particularmente, nas escolas, uma

    maior autonomia administrativa, ao requerer uma melhor gesto dos recursos

    financeiros; de outro, exigiu que elas oferecessem uma Educao de boa qualidade,

    a ser aferida por meio do rendimento escolar dos alunos. Criou-se, assim,

    paralelamente, um sistema nacional de avaliao, iniciativa seguida de perto por

    muitos estados, caso, entre outros, de Cear, So Paulo e Minas Gerais e, mais

    recentemente, Acre.

    O Fundef requeria, ainda, que estados e municpios elaborassem um plano

    de carreira para seus respectivos professores, no qual fossem estimuladas aformao e a certificao daqueles que lecionavam sem a devida habilitao, aes

    que poderiam ser financiadas, por um perodo de cinco anos, com os recursos

    desse fundo. Os sistemas de ensino municipais deveriam ser, segundo as

    expectativas, os principais beneficirios do Fundef, na medida em que a

    transferncia de recursos permitiria um aumento significativo nos gastos por aluno

    e um aumento nos salrios dos docentes (BRASIL/MEC, 2000). A implementao do

    Fundef teve efeitos benficos e outros nem tanto. A participao dos municpios na

    oferta de vagas no ensino fundamental, notadamente em suas sries finais, de fatoaumentou. Alm disso, o fato de se ter condicionado o repasse dos recursos s

    matrculas levou estados e municpios a tentarem atrair e/ou reter seus alunos,

    oferecendo-lhes, por exemplo, transporte escolar. Mais tarde, com a ampliao

    desse fundo para toda a Educao Bsica, consolidando o Fundo de Manuteno e

    Desenvolvimento da Educao Bsica e de Valorizao dos Profissionais da

    Educao (Fundeb), o MEC manteve em vigor as formas anteriormente previstas de

    repasse e utilizao dos recursos destinados capacitao e ao aperfeioamento

    profissional em servio. No entanto, as diferenas existentes entre esses entesfederados no foram superadas, dado que ainda persistem grandes disparidades

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    entre eles tanto nas modalidades de contratao como na remunerao dos

    docentes (BRASIL/MEC, 2011; SENNA, 2008).

    2.1.2.SISTEMAS DE AVALIAO DAS REDES DE ENSINO

    Em sintonia com seu novo papel, o Governo Federal entendeu ser

    importante contar com informaes educacionais, capazes de orientar a elaborao

    de suas polticas. Desse modo, o MEC estabeleceu um sistema de informao

    educacional no Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Ansio

    Teixeira (Inep), instituio fundada em 1937, e que foi totalmente reestruturada

    para assumir a funo de realizar levantamentos estatsticos. Em 1990, implantou-

    se o primeiro sistema de avaliao do rendimento escolar de alunos brasileiros: o

    Sistema de Avaliao da Educao Bsica (Saeb), que, desde ento, recolhe

    informaes junto a uma amostra representativa da 4 8 srie do ensinofundamental e do 3 ano do ensino mdio no pas, acompanhando a aprendizagem

    dos alunos e analisando os fatores que nela incidem. Em 1996, o Inep acolheu a

    Secretaria de Avaliao e Informao Educacional do Ministrio da Educao, que

    se ocupava de, em intervalos variados, coletar dados censitrios de escolas,

    professores e instituies de ensino superior. O Inep passou, ainda, a empreender

    estudos relativos aos gastos e ao financiamento da educao, entendendo serem

    eles centrais para a distribuio de recursos e a avaliao de programas.

    Implantou-se em 1998 o Exame Nacional do Ensino Mdio (Enem), de carteropcional, a ser realizado por alunos que estiverem finalizando o ensino mdio. Os

    resultados por instituio, nvel de ensino e disciplinas passaram a constituir

    insumos cada vez mais importantes para que o MEC construa uma poltica em que

    estados, municpios e escolas se responsabilizem pela qualidade da oferta

    educacional.

    Para avaliar a qualidade dos cursos da Educao superior, criou-se o Exame

    Nacional de Cursos, aplicado obrigatoriamente aos alunos em fase de concluso de

    seus estudos como condio para receber o diploma de graduao. Ele possuiu oito

    edies que foram realizadas anualmente pelo Inep entre os anos de 1996 e 2003.

    O objetivo da avaliao era ranquear as instituies de ensino superior exigindo a

    qualificao das mais mal avaliadas por meio de medidas como a contratao de

    mestres e doutores, melhorias em instalaes de laboratrios e bibliotecas, entre

    outras. A reincidncia de um curso nas piores classificaes poderia causar seu

    fechamento pelo MEC. Em 2004, foi criado o Sistema Nacional de Avaliao da

    Educao Superior (Sinaes), formado por trs componentes principais: a avaliao

    das instituies, dos cursos e do desempenho dos estudantes. O Sinaes avalia

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    todos os aspectos que giram em torno desses trs eixos: o ensino, a pesquisa, a

    extenso, a responsabilidade social, o desempenho dos alunos, a gesto da

    instituio, o corpo docente, as instalaes, dentre outros aspectos. Ele possui uma

    srie de instrumentos complementares: autoavaliao, avaliao externa, Exame

    Nacional de Desempenho de Estudantes (Enade), avaliao dos cursos degraduao6 e instrumentos de informao (censo e cadastro). Os resultados das

    avaliaes possibilitam traar um panorama da qualidade dos cursos e das

    instituies de Educao superior no pas.

    Os resultados dos vrios exames nacionais tm ficado muito aqum do

    esperado em comparaes internacionais e avanado muito lentamente ao longo do

    tempo. bem verdade que o acesso s sries iniciais do ensino fundamental foi,

    com a expanso da Educao Bsica, praticamente universalizado. Permanecem, no

    entanto, problemas graves no que concerne aprendizagem de conhecimentos e

    habilidades previstos para cada etapa da escolarizao e, ainda, dficits de

    atendimento nos demais anos da escola bsica. Esse quadro revela que h ainda

    um longo caminho a ser feito para que o sistema educacional brasileiro consiga

    superar as desigualdades educacionais nele presentes, as quais apenas reiteram as

    desigualdades socioculturais e econmicas que marcam a sociedade brasileira

    (BONAMINO; FRANCO, 1999; INEP, 2011).

    2.1.3.PARMETROS CURRICULARES NACIONAIS (PCNS)

    Ao salientar a importncia de oferecer a todos os estudantes uma formao

    bsica comum, a LDBEN reafirmou a responsabilidade de a Unio oferecer diretrizes

    que possam orientar os currculos da Educao Bsica e determinar quais so seus

    contedos mnimos. Indicou, ainda, que a organizao curricular deve ser flexvel

    ao lidar com seus vrios componentes, enfatizando a necessidade de uma base

    nacional comum, que possa ser complementada por outra, de carter diversificado,

    no mbito dos sistemas estaduais e municipais e, tambm, em cada escola. Assim,

    foi proposto que, na escolaridade bsica, os alunos devem estudar Lngua

    Portuguesa, Matemtica, Cincias e a realidade social e poltica, notadamente no

    que tange ao Brasil. Adicionalmente, a Arte, a Educao Fsica e, no mnimo, uma

    6 Para aprimorar a qualidade do ensino superior, o Governo Federal introduziu, em 1997, uma legislao que condicionaa continuidade do funcionamento das instituies de ensino superior (IES) aprovao em um novo credenciamento ereconhecimento a cada cinco anos. O MEC avalia os diversos cursos em termos de qualificao do corpo docente,organizao pedaggica, condies fsicas e acadmicas propcias e condizentes com sua proposta educativa. Visitaslocais de especialistas tambm so realizadas com o intuito de tecer recomendaes sobre cada curso, as quais devemser incorporadas pelas instituies e detalhadas em relatrio. Busca-se, com isso, imprimir um carter avaliativocontnuo ao credenciamento das IES no pas e ao reconhecimento dos cursos.

    http://www.inep.gov.br/superior/condicoesdeensino/default.asphttp://www.inep.gov.br/superior/condicoesdeensino/default.asphttp://www.inep.gov.br/superior/condicoesdeensino/default.asphttp://www.inep.gov.br/superior/condicoesdeensino/default.asphttp://www.inep.gov.br/superior/condicoesdeensino/default.asphttp://www.inep.gov.br/superior/condicoesdeensino/default.asp
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    lngua estrangeira moderna (aps a 5 srie) foram aladas condio de

    componentes curriculares obrigatrios. O MEC, elaborou, ento, os PCNs,

    ressaltando, neles, a importncia de auxiliar os estudantes a: (i) aprender de