RELATÓRIO - trf5.jus.br · atribuições para proteger os direitos e deveres dos trabalhadores,...

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Poder Judiciário Tribunal Regional Federal da 5ª Região Gabinete do Desembargador Federal Rogério Fialho Moreira PIMP 66-PB 0016130-06.2011.4.05.0000 AUTOR : MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL INVESTIGADO : SEM INDICIADO INVDO : JOSÉ SIMÃO DE SOUSA ADV/PROC : FELIPE AUGUSTO FORTE DE NEGREIROS DEODATO E OUTRO ADV/PROC : ROGERIO MAGNUS VARELA GONCALVES ORIGEM: MPF/PB RELATOR: DESEMBARGADOR FEDERAL ROGÉRIO FIALHO MOREIRA RELATÓRIO Trata-se de denúncia oferecida pelo Ministério Público Federal (MPF) contra JOSÉ SIMÃO DE SOUSA, atual Prefeito do Município de Manaíra, Paraíba, imputando-lhe a prática do crime previsto no art. 149 do Código Penal (redução a condição análoga à de escravo). Discorre a denúncia sobre os seguintes fatos: I) consta do Procedimento Administrativo nº 1.05.000.000.839/2011- 77, instruído com o Relatório produzido pelo Grupo Especial de Fiscalização Móvel (GEFM), do Ministério do Trabalho, que foi realizada inspeção, no período compreendido entre 14 a 20/05/2010, na Fazenda Palac, localizada próximo ao Município de Colméia, Tocantins, de propriedade do denunciado, com o objetivo de apurar a prática de crimes contra a organização do trabalho e a existência de trabalhadores submetidos à condição análoga à de escravos, a partir de notícia do trabalhador rural Edson Silva Bandeira; II) na Fazenda Palac, com área de 493,03 hectares, 22 trabalhadores exerciam suas atividades, conforme verificado pelo grupo de fiscalização (fl. 32, do Relatório de Fiscalização), sendo eles identificados como: Alcione Fernandes dos Reis, Arionilton de Sousa Rodrigues, Damaso Ribeiro de Souza, Daniel Sobral da Silva, Edson Silva Bandeira, Elio Silva Bandeira, Gilson Almeida da Conceição, João Batista Borges, José Aparecido Pereira de Souza, José Carlos Brito Pereira, Josias Pereira da Silva, Leonan Vieira Souta, Maurílio Rodrigues da Costa, Ozéas de Oliveira Mota, Raimundo Emivaldo Fernandes dos Reis, Lucivaldo Vieira da Silva, Paulo Hernandes dos Santos, João Ferreira de Sousa, Deusuete Teles Lima, Moizés Dias Soares, Hélio Cardoso dos Santos e Rafael da Costa Melo; III) no Relatório de Fiscalização restou constatado que Luiz Gonzaga Pereira Leite era o intermediador de mão de obra e preposto do denunciado, responsável pela contratação informal de trabalhadores que procuravam serviço FNG p. 1/26

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Gabinete do Desembargador Federal Rogério Fialho Moreira

PIMP 66-PB 0016130-06.2011.4.05.0000

AUTOR : MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERALINVESTIGADO : SEM INDICIADOINVDO : JOSÉ SIMÃO DE SOUSAADV/PROC : FELIPE AUGUSTO FORTE DE NEGREIROS DEODATO E OUTROADV/PROC : ROGERIO MAGNUS VARELA GONCALVESORIGEM: MPF/PBRELATOR: DESEMBARGADOR FEDERAL ROGÉRIO FIALHO MOREIRA

RELATÓRIO

Trata-se de denúncia oferecida pelo Ministério Público Federal (MPF)contra JOSÉ SIMÃO DE SOUSA, atual Prefeito do Município de Manaíra, Paraíba,imputando-lhe a prática do crime previsto no art. 149 do Código Penal (redução acondição análoga à de escravo).

Discorre a denúncia sobre os seguintes fatos:

I) consta do Procedimento Administrativo nº 1.05.000.000.839/2011-77, instruído com o Relatório produzido pelo Grupo Especial de Fiscalização Móvel(GEFM), do Ministério do Trabalho, que foi realizada inspeção, no períodocompreendido entre 14 a 20/05/2010, na Fazenda Palac, localizada próximo aoMunicípio de Colméia, Tocantins, de propriedade do denunciado, com o objetivo deapurar a prática de crimes contra a organização do trabalho e a existência detrabalhadores submetidos à condição análoga à de escravos, a partir de notícia dotrabalhador rural Edson Silva Bandeira;

II) na Fazenda Palac, com área de 493,03 hectares, 22 trabalhadoresexerciam suas atividades, conforme verificado pelo grupo de fiscalização (fl. 32, doRelatório de Fiscalização), sendo eles identificados como: Alcione Fernandes dosReis, Arionilton de Sousa Rodrigues, Damaso Ribeiro de Souza, Daniel Sobral daSilva, Edson Silva Bandeira, Elio Silva Bandeira, Gilson Almeida da Conceição,João Batista Borges, José Aparecido Pereira de Souza, José Carlos Brito Pereira,Josias Pereira da Silva, Leonan Vieira Souta, Maurílio Rodrigues da Costa, Ozéasde Oliveira Mota, Raimundo Emivaldo Fernandes dos Reis, Lucivaldo Vieira daSilva, Paulo Hernandes dos Santos, João Ferreira de Sousa, Deusuete Teles Lima,Moizés Dias Soares, Hélio Cardoso dos Santos e Rafael da Costa Melo;

III) no Relatório de Fiscalização restou constatado que Luiz GonzagaPereira Leite era o intermediador de mão de obra e preposto do denunciado,responsável pela contratação informal de trabalhadores que procuravam serviço

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naquela localidade e pela distribuição das tarefas nas frentes de trabalho,fiscalizando, ainda, o serviço e intermediando o pagamento;

IV) na visita ao local, teria sido constatada a situação de trabalho emcondição degradante a que eram submetidos os empregados, por diversos motivosapontados no Relatório (DVD-ROM), dentre os principais: a) falta de registro deempregados e admissão de trabalhadores sem CTPS; b) manutenção deempregado com idade inferior a 18 anos em atividade em locais insalubres ouperigosos; c) atraso no pagamento dos salários e falta de formalização do recibo depagamento; d) falta de registro da jornada de trabalho e de concessão de descansosemanal remunerado; e) não realização de exame médico admissional; f) ausênciade alojamentos adequados, os quais não possuíam condições mínimas de asseio,conservação e higiene; g) ausência de fornecimento de água potável peloempregador, bem como de local apropriado para o preparo dos alimentos e para asrefeições nas frentes de trabalho; h) não disponibilização de equipamentos deproteção individual, tais como luvas e botas, sendo as ferramentas utilizadas para otrabalho (enxada, foice, facão) custeadas pelos próprios empregados; i) inexistênciade treinamento e de equipamentos de proteção para os empregados quemanejavam agrotóxicos; dentre outras ilicitudes;

V) ainda, conforme declarações dos trabalhadores (Anexo A016 doRelatório, no DVD-ROM), não havia regularidade na remuneração, de modo que ossalários eram pagos ao arbítrio do empregador e anotados em um caderno pelopreposto dele, Luiz Gonzaga Pereira Leite, juntamente com os valores referentes acompras diversas realizadas pelos trabalhadores por intermédio do próprioGonzaga, bem como os adiantamentos efetuados. Tais quantias eramposteriormente descontas quando do eventual pagamento parcial dos salários aosobreiros;

VI) dada à distância entre a fazenda e o centro comercial maispróximo, os trabalhadores se viam impelidos a comprar os produtos vendidos porGonzaga, em preços superiores aos cobrados no comércio geral, como disseram ostrabalhadores Maurílio Rodrigues da Costa e Raimundo Emivaldo Fernandes dosReis (fls. A018 e A020, respectivamente);

À vista disso, discorre que a conduta do denunciado, que alojatrabalhadores em ambiente de péssimas condições de higiene, não efetua opagamento diário de seus trabalhos, tampouco respeita seus direitosprevidenciários, e ainda consente com a venda de produtos diversos em preçossuperiores aos cobrados no mercado, a ser descontados das verbas que ostrabalhadores têm para receber, faz por reduzir as vítimas a condição análoga à deescravo (art. 149 do CP), eis que acarreta a submissão fática dos empregados aoproprietários das terras.

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Desse modo, narra o MPF restarem comprovadas a materialidade e aautoria do delito previsto no art. 149 do CP por meio de documentação, fotografias edepoimentos dos empregados, verificando-se evidente situação de descumprimentodos direitos mais básicos assegurados aos trabalhadores, de forma a atingi-los emsua própria dignidade humana, pois o denunciado tinha plena consciência dascondições degradantes a que eram submetidos os seus empregados.

Pela acusação, foram arroladas 8 (oito) testemunhas.

Notificado nos termos do art. 4º da Lei nº 8.038/1990, o denunciadorebateu os termos da acusação aduzindo, em síntese, que a sua propriedade eraaberta. Logo, os trabalhadores nela entravam e dela saiam sem a interferência desegurança, tanto que o noticiante dos delitos teve condições de sair da fazenda e aela retornar. Sobre as condições de trabalho, alegou não ser piores que aquelasdas propriedades vizinhas, sendo um retrato do mercado e da nossa cultura e oque, lá aconteceu, foram apenas irregularidades administrativas, mas jamais o crimetipificado na denúncia.

Diz, ainda, que os trabalhadores encontrados eram diaristas oucontratados sob o regime de empreitada para roçar o mato, não havendo relaçãotrabalhista. Afirma que não havia o manuseio de agrotóxicos por aquelestrabalhadores, até porque todas as embalagens do produto estavam lacradas.

Ao final, pugnou pela rejeição da denúncia nos termos do art. 395 doCPP e apresentou, ainda, rol de 7 (sete) testemunhas.

Com vista à Procuradoria Regional da República, através da promoçãoàs fls. 60/62, o MPF corroborou os termos da denúncia requerendo o seurecebimento e citação do denunciado para audiência de interrogatório eacompanhamento dos demais atos e termos do processo, na forma do art. 7º eseguintes da Lei nº 8.038/1990.

Às fls. 64/66, o denunciado constituiu novos advogados, sendo a estesdeferido o pedido de vista dos autos.

Não houve nova manifestação da defesa.

Determinei a inclusão do feito na pauta de julgamento pelo Plenáriodesta Corte, não sendo hipótese de remessa dos autos à revisão.

É o que importa relatar.

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AUTOR : MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERALINVESTIGADO : SEM INDICIADOINVDO : JOSÉ SIMÃO DE SOUSAADV/PROC : FELIPE AUGUSTO FORTE DE NEGREIROS DEODATO E OUTROADV/PROC : ROGERIO MAGNUS VARELA GONCALVESORIGEM: MPF/PBERRO! FONTE DE REFERêNCIA NãO ENCONTRADA.RELATOR: DESEMBARGADOR FEDERAL ROGÉRIO FIALHO MOREIRA

VOTO

De início, cumpre-me a análise sobre a competência para oprocessamento e julgamento do feito.

Em sessão recente realizada em 07/12/2011, este Plenário, nos autosdo INQ2282/PE de minha relatoria, ao tratar do assunto à vista do disposto no art.109, V-A e VI, da CF/1988, sedimentou, mais uma vez, o seu entendimento sobre acompetência da Justiça Federal para o julgamento do delito previsto no art. 149 doCP (redução a condição análoga à de escravo), sob o seguinte fundamento:

PENAL E PROCESSUAL PENAL. CRIME PREVISTO NO ART. 149DO CÓDIGO PENAL (PLÁGIO). COMPETÊNCIA DA JUSTIÇAFEDERAL. (...).2. O Superior Tribunal de Justiça, firmando a sua compreensão sobre oart. 109, V-A e VI, da CF/1988, mantém-se firme no entendimento deque compete à Justiça Federal o julgamento do delito previsto no art.149 do CP. Isso se confirma à vista dos autos do Conflito deCompetência nº 113.428/MG, da relatoria da Ministra Maria Thereza deAssis Moura, julgado recentemente pela 3ª Seção em 13/12/2010(publicação no DJE em 01/02/2011).3. Não é a posição topográfica do delito do art. 149 do CP quedetermina a competência para seu julgamento, mas o bem jurídicotutelado pela norma que, ao transcender a liberdade de locomoçãoe qualquer perspectiva individualista – logo, não importa se o casoem concreto cuida de apenas 15 trabalhadores -, atinge adignidade da pessoa humana, os “princípios democráticos (...) aprópria ordem constitucional de proteção ao trabalho, suas instituiçõese órgãos” (STJ – CC nº 65567), de modo a atingir a própriaorganização do trabalho (STJ – HC nº 103568).(...)”. (TRF 5ª Região – Pleno – INQ2282/PE - Rel. Des. FederalRogério Fialho Moreira – Public. DJe 02/01/2012).

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Ressalto, por oportuno, que essa decisão está em sintonia com aposição do Colendo Supremo Tribunal Federal, assentada no julgamento do RE nº398.041/PA, cuja ementa é a seguinte (original sem destaque):

“DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL. ART. 149 DO CÓDIGOPENAL. REDUÇÃO Á CONDIÇÃO ANÁLOGA À DE ESCRAVO.TRABALHO ESCRAVO. DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA.DIREITOS FUNDAMENTAIS. CRIME CONTRA A COLETIVIDADE DOSTRABALHADORES. ART. 109, VI DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL.COMPETÊNCIA. JUSTIÇA FEDERAL. RECURSO EXTRAORDINÁRIOPROVIDO. A Constituição de 1988 traz um robusto conjunto normativoque visa à proteção e efetivação dos direitos fundamentais do serhumano. A existência de trabalhadores a laborar sob escolta, algunsacorrentados, em situação de total violação da liberdade e daautodeterminação de cada um, configura crime contra a organizaçãodo trabalho. Quaisquer condutas que possam ser tidas comovioladoras não somente do sistema de órgãos e instituições comatribuições para proteger os direitos e deveres dos trabalhadores, mastambém dos próprios trabalhadores, atingindo-os em esferas que lhessão mais caras, em que a Constituição lhes confere proteção máxima,são enquadráveis na categoria dos crimes contra a organização dotrabalho, se praticadas no contexto das relações de trabalho. Nessescasos, a prática do crime prevista no art. 149 do Código Penal(Redução à condição análoga a de escravo) se caracteriza como crimecontra a organização do trabalho, de modo a atrair a competência daJustiça federal (art. 109, VI da Constituição) para processá-lo e julgá-lo.Recurso extraordinário conhecido e provido”. (STF – Pleno – RE nº398.041/PA – Rel. Min. Joaquim Barbosa – Public. DJe 19/12/2008).

Dito isso, trago a este Plenário o debate sobre outro pontorelevante.

In casu, está-se a cuidar de delito previsto no art. 149 CP, cujo fatotípico correspondente, segundo a denúncia, ocorreu em imóvel rural (FazendaPalac), encravada no Município de Colméia, no Estado de Tocantins, de autoriaatribuída a JOSÉ SIMÃO DE SOUSA, atual Prefeito do Município de Manaíra,Estado da Paraíba.

O caso reclama, portanto, o exame de duas espécies de competênciaprevistas no Código de Processo Penal: a competência em razão do lugar e acompetência por prerrogativa de função.

Assim está prescrito no art. 69 do CPP (original sem destaque):

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“Art. 69. Determinará a competência jurisdicional:I - o lugar da infração:II - o domicílio ou residência do réu;III - a natureza da infração;IV - a distribuição;V - a conexão ou continência;VI - a prevenção;VII - a prerrogativa de função”.

Por sua vez, dispõem os arts. 70, caput, e 80, desse mesmo diplomalegal:

“Art. 70. A competência será, de regra, determinada pelo lugar em que seconsumar a infração, ou, no caso de tentativa, pelo lugar em que for praticadoo último ato de execução.(...)Art. 84. A competência pela prerrogativa de função é do Supremo TribunalFederal, do Superior Tribunal de Justiça, dos Tribunais Regionais Federais eTribunais de Justiça dos Estados e do Distrito Federal, relativamente àspessoas que devam responder perante eles por crimes comuns e deresponsabilidade”.

Ora, é sabido que é na Constituição Federal que está fixada acompetência dos Tribunais.

No caso dos prefeitos, prevê o art. 29, X, da Carta Magna (originalsem destaque):

“Art. 29. O Município reger-se-á por lei orgânica, votada em dois turnos,com o interstício mínimo de dez dias, e aprovada por dois terços dosmembros da Câmara Municipal, que a promulgará, atendidos osprincípios estabelecidos nesta Constituição, na Constituição dorespectivo Estado e os seguintes preceitos:(...)X - julgamento do Prefeito perante o Tribunal de Justiça;(...)”.

Logo, de acordo com o princípio da simetria (súmula nº 208 do STJ),conclui-se que, em se tratando de crime atribuído à Justiça Federal, é o TribunalRegional Federal competente para o julgamento de prefeito.

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Sobrevém, então, a seguinte indagação: qual o Tribunal competentepara o julgamento de prefeito com mandato em lugar de jurisdição distinta dolocal da infração?

O problema foi recentemente enfrentado também por este Plenário emIncidente de Questão de Ordem nos autos do INQ2382/PB (da relatoria, para oacórdão, do Des. Federal Francisco Cavalcanti) instaurado contra Secretário deInfraestrutura do Estado da Paraíba para apurar a possível prática dos delitosprevistos nos arts. 171, § 3º, e 299, do CP, consumados no Distrito Federal.

Decidiu-se, em sessão realizada no dia 28/03/2012, que acompetência para o julgamento do processo seria do “TRIBUNAL REGIONALFEDERAL COM JURISDIÇÃO SOBRE A UNIDADE DA FEDERAÇÃO ONDE OCARGO COM PRERROGATIVA DE FORO É EXERCIDO”.

Logo, desta Corte Regional.

Vejamos a ementa do acórdão:

“CONSTITUCIONAL E PROCESSUAL PENAL. CRIMES PRATICADOSPOR SECRETÁRIO DE ESTADO CONTRA BENS OU INTERESSESDA UNIÃO. COMPETÊNCIA DO TRIBUNAL REGIONAL FEDERALCOM JURISDIÇÃO SOBRE A UNIDADE DA FEDERAÇÃO ONDE OCARGO COM PRERROGATIVA DE FORO É EXERCIDO.1. Compete ao Tribunal Federal da 5a Região processar Secretário deEstado da Paraíba, por crime praticado no Distrito Federal, emdetrimento de bens ou interesse da União. Precedente HC no86.218/DF.2. Requerimento de instauração de conflito negativo de competênciaindeferido”. (TRF 5ª Região – Pleno – INQ2382/PB – Relator para oacórdão Des. Federal Francisco Cavalcanti – Public. DJe 30/04/2012).

Note-se que a 3ª Seção do Egrégio STJ, dias antes desse julgamento– nos autos do CC nº 120.848/PE, julgado em 14/03/2012 -, ao discorrer sobre acompetência de Tribunal de Justiça para o julgamento de prefeito que pratica crimecomum em Estado da Federação diverso daquele em que localizado o Município domandato, dispôs que ela será fixada em função do “TRIBUNAL DE JUSTIÇA DOESTADO DO MUNICÍPIO GOVERNADO PELO INTERESSADO”, em observânciarestrita à disposição constitucional, haja vista que “está escrito no inciso X do Art. 29da Carta Magna ‘perante o Tribunal de Justiça’, e não ‘perante Tribunal de Justiça’”.Vejamos (original sem destaque):

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“CONFLITO POSITIVO DE COMPETÊNCIA. CONSTITUCIONAL EPROCESSUAL PENAL. ART. 14, DA LEI N.º 10.826/03. CRIMECOMUM, SUPOSTAMENTE PRATICADO POR PREFEITO, EMOUTRO ESTADO. COMPETÊNCIA DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DOESTADO DO MUNICÍPIO GOVERNADO PELO INTERESSADO. ART.29, INCISO X, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. PRERROGATIVADE FORO CRIADA EM FUNÇÃO DA RELEVÂNCIA DO CARGO DEPREFEITO PARA O RESPECTIVO ESTADO. CONFLITO DECOMPETÊNCIA CONHECIDO, PARA RECONHECER ACOMPETÊNCIA DO TRIBUNAL SUSCITADO.1. No caso, o Interessado, prefeito do Município de RafaelFernandes/RN, foi autuado em flagrante-delito em ocasião em queportava um revólver calibre 38 sem autorização ou registro, em rodoviano Município de Salgueiro/PE. O Tribunal de Justiça do Estado do RioGrande do Norte, posteriormente, expediu alvará de soltura. O Tribunalde Justiça do Estado de Pernambuco, então, suscitou o presenteconflito, sob o fundamento de que a Corte potiguar não tinha jurisdiçãosobre crime comum ocorrido em município pernambucano.2. O Poder Constituinte, ao criar a prerrogativa prevista no art. 29,inciso X, da Constituição da República, previu que o julgamento dosPrefeitos, em razão do cometimento de crimes comuns, ocorre peranteo Tribunal de Justiça.3. A razão teleológica dessa regra é a de que, devido ao relevo dafunção de um Prefeito, e o interesse que isso gera ao Estado em quelocalizado o Município, a apreciação da conduta deve se dar peloTribunal de Justiça da respectiva unidade da Federação.4. Ora, a Constituição é clara ao prever como um dos preceitos queregem o Município o ‘julgamento do Prefeito perante o Tribunal deJustiça’. Ressalte-se: está escrito no inciso X do Art. 29 da CartaMagna ‘perante o Tribunal de Justiça’, e não ‘perante Tribunal deJustiça’. O artigo definido que consta na referida redação, conferidapelo Constituinte, determina sentido à norma que não pode serignorado pelo aplicador da Lei, impedindo a interpretação de que seutilizou a Corte Suscitante.5. Outrossim, relembre-se o que já esclareceu o eminente MinistroMARCO AURÉLIO, do Supremo Tribunal Federal: ‘[a] prerrogativa deforo, prevista em norma a encerrar direito estrito, visa a beneficiar nãoa pessoa, mas o cargo ocupado’ (HC 88.536/GO, 1.ª Turma, Rel. Min.MARCO AURÉLIO, DJe de 15/2/2008).6. Desta feita, não há nenhuma lógica em reconhecer a competênciada Corte do local do delito no julgamento do feito, em detrimento dointeresse do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Norte emapreciar causa referente a Prefeito – cujo cargo é ocupado emMunicípio daquela unidade da Federação.7. Nem se diga ainda que, em razão de regra processual existente emlegislação infraconstitucional, poderia prevalecer, no caso, acompetência em razão do local do cometimento do crime. Isso porquea única interpretação que pode ser dada à hipótese é a de que

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qualquer regra de hierarquia inferior sobre processo não podesobrepor-se a determinação da Carta Magna, como por diversas vezesjá esclarecido pelo Supremo Tribunal Federal e por esta Corte.8. Conflito de competência conhecido, para declarar como competenteo Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Norte. (STJ – 3ªSeção – Relatora Ministra Laurita Vaz – Public. DJe 27/03/2012).

Portanto, tem-se que é este Tribunal Regional o competente para ojulgamento do denunciado.

Ultrapassados os pontos acima elencados, faz-se necessário, agora,adentrar no exame da admissibilidade da acusação tendo em vista o que estáprevisto nos arts. 41 e 395 do CPP.

Começo a partir de um breve comentário sobre o tipo penal previsto noart. 149 do CP, cuja prática o MPF imputa ao denunciado.

Inicialmente, vale registrar que a redação originária do crime deredução a condição análoga à de escravo (o “plagium” dos romanos) eraextremamente aberta, a ponto de dificultar a punição do delito.

A Lei nº 10.803, de 11.12.2003, veio a especificar maispormenorizadamente quais as ações que configurariam o tipo.

Assim, o art. 149 do CP passou a dispor:

“Redução a condição análoga à de escravoArt. 149. Reduzir alguém a condição análoga à de escravo, quersubmetendo-o a trabalhos forçados ou a jornada exaustiva, quersujeitando-o a condições degradantes de trabalho, quer restringindo,por qualquer meio, sua locomoção em razão de dívida contraída com oempregador ou preposto:Pena - reclusão, de dois a oito anos, e multa, além da penacorrespondente à violência.§ 1o Nas mesmas penas incorre quem:I - cerceia o uso de qualquer meio de transporte por parte dotrabalhador, com o fim de retê-lo no local de trabalho;II - mantém vigilância ostensiva no local de trabalho ou se apodera dedocumentos ou objetos pessoais do trabalhador, com o fim de retê-lono local de trabalho.§ 2o A pena é aumentada de metade, se o crime é cometido:I - contra criança ou adolescente;II - por motivo de preconceito de raça, cor, etnia, religião ou origem”.

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Para a perfeita compreensão do tipo penal em destaque, devemos, deinício, ter a exata idéia de seu objeto jurídico, quero dizer, do bem jurídico tuteladopela norma penal incriminadora, pois, como bem lembra Ela Wiecko V. de Castilho1,“O bem jurídico, além de cumprir uma função sistemático-classificatória, tem umafunção exegética, porque auxilia na interpretação das normas jurídico-penais”.

Partindo daí, poder-se-ia dizer que o bem da vida protegido pelo tipoprevisto no art. 149 do CP, seria “a liberdade da vítima, que se vê, dada a suaredução a condição análoga à de escravo, impedida do seu direito de ir e vir oumesmo de permanecer onde queira”2 – seria, então, apenas a liberdade delocomoção propriamente dita, considerada a partir do enquadramento do tipo naSeção I (“Dos Crimes Contra a Liberdade Pessoal”) do Capítulo VI (“Dos CrimesContra a Liberdade Individual”) do Título I (“Dos Crimes Contra a Pessoa”) da ParteEspecial do Código Penal.

Essa é a primeira idéia que vem à mente ao se pensar no crime deplágio: somente se reduz alguém a condição semelhante à de escravo se a vítimatem, de alguma forma, tolhida a sua liberdade de ir e vir, não só medianteencarceramento em determinada área, mas também por outros meios indiretoscomo a retenção de salários e documentos ou os sistemas de “barracões”.

As próprias normas internacionais que objetivam o banimento dotrabalho escravo, a exemplo da Convenção 29 da OIT (Organização Internacionaldo Trabalho), sempre levaram em conta, direta ou indiretamente, o fator liberdade,para fins de definição do que seria trabalho escravo ou a ele equiparado.

Contudo, não é esse o entendimento que se vem firmando na doutrinae na jurisprudência. A exemplo, merecem novamente conferência as palavras de ElaCastilho para quem:

“(...) o conteúdo dominante no conceito comum de liberdade pessoal éo de liberdade física. Entretanto, a análise dos outros crimesclassificados como contrários a liberdade pessoal, que são: oconstrangimento ilegal, a ameaça, o seqüestro e cárcere privado, levaà conclusão de que o conceito de liberdade pessoal abrange umaesfera física e psíquica.No art. 146 tem-se o crime de constrangimento ilegal, definido como:‘Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, ou depoisde lhe haver reduzido, por qualquer outro meio, a capacidade deresistência, a não fazer o que a lei permite, ou a fazer o que ela não

1 CASTILHO, Ela Wiecko V. de. Considerações Sobre a Interpretação Jurídico-Penal em Matéria de Escravidão. Disponível em <http://www.scielo.br/pdf/ea/v14n38/v14n38a04.pdf>. Acesso em: 05.dezembro.2011.

2 GRECO, Rogério Greco. Código penal comentado. Niterói: Impetus, 2008, pag. 567.

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manda. Pena – detenção, de três meses a um ano, ou multa’. Aomencionar o meio utilizado – violência e grave ameaça – e o resultado– redução da capacidade de resistência – parece evidente que o bemjurídico tutelado é tanto a liberdade física quanto a liberdade psíquica.No crime de ameaça (art. 147), consistente em ‘ameaçar alguém, porpalavra, escrito ou gesto, ou qualquer outro meio simbólico de causarlhe mal injusto e grave: Pena – detenção, de um a seis meses, oumulta’, o que o sujeito ativo pretende é interferir na autodeterminaçãoda vítima, portanto, o objeto jurídico tutelado é a liberdade psíquica.No seqüestro e cárcere privado, definido no art. 148, como ‘Privaralguém de sua liberdade, mediante seqüestro ou cárcere privado: Pena– reclusão, de um a três anos’, a utilização das palavras seqüestro(arbitrária privação da liberdade espacial) e cárcere privado (arbitráriaprivação da liberdade espacial em recinto fechado) evidencia que oobjeto jurídico é a liberdade física, especialmente a liberdade delocomoção e movimento.Portanto, a ameaça privilegia a ofensa a liberdade psíquica, oseqüestro privilegia a ofensa a liberdade física, e o constrangimentoilegal pode ofender as duas liberdades ou apenas uma delas.(...)A doutrina não restringe o objeto jurídico do crime de redução acondição análoga à de escravo. Ao contrário, é ensinamento antigoque ‘o crime existe, mesmo sem restrição espacial. A sujeiçãoabsoluta de um homem a outro realiza-se ainda que àquele sejaconsentida certa atividade, alguma liberdade de movimento (asupressão total desta não se compreenderia) etc., necessárias, aliás,freqüentemente, para que o ofendido sirva ao seu senhor. Não épreciso também a inflição de maus-tratos ou sofrimentos ao sujeitopassivo’ (10). Por isso, uniformemente todos os doutrinadoresreferem que o objeto jurídico é o status libertatis do ser humano.(...)A conduta de escravizar não se limita à violação da liberdade físicae pode existir mesmo havendo liberdade de locomoção. A vítima élivre do ponto de vista físico para deixar o trabalho, mas não odeixa porque se sente escravo. A escravidão se estabelece deforma sutil e complexa com a participação de vários agentes e atécom o consentimento da vítima”. (original sem destaque).

De igual modo, mas também estabelecendo uma classificação para oart. 149 do CP, a lição de José Cláudio Monteiro de Brito Machado3, para quem “otrabalho em condições análogas à de escravo deve ser considerado gênero, do qualo trabalho forçado e o trabalho em condições degradantes são espécies”, incluída3 MACHADO, José Cláudio Monteiro de. Trabalho com Redução do Homem à Condição Análoga à

de Escravo e Dignidade da Pessoa Humana. Disponível em <http://www.oit.org.br/sites/all/forced_labour/brasil/documentos/dignidadetrabalhoescravo.pdf>. Acesso em: 05.dezembro.2011.

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na segunda delas a jornada exaustiva4. Assim, para o autor, “Não é somente a faltade liberdade de ir e vir, o trabalho forçado, então, que agora caracteriza o trabalhoem condições análogas à de escravo, mas também o trabalho sem as mínimascondições de dignidade”. Na primeira espécie (trabalho forçado), também seincluiriam as formas de redução a condição análoga à de escravo por assimilaçãocontempladas nos incisos I e II do § 1º do art. 149 do CP5.

Assim, o legislador de 2003, ao especificar as ações que configuram ocrime de “plágio”, aparentemente, foi mais além do que dispõem as convençõesinternacionais sobre o tema, acrescentando também o TRABALHO EMCONDIÇÕES DEGRADANTES, ao lado do TRABALHO FORÇADO.

E para a caracterização do delito de plágio, sob a modalidade“trabalho em condições degradantes”, não seria necessária a restrição à liberdadede movimento da vítima, sendo suficiente a privação de outras liberdades,notadamente ligadas aos seus direitos personalíssimos e à sua dignidade.

O elemento “dignidade”, portanto, parece definitivamente ter sidoincorporado na exegese do art. 149 do CP, não somente pela doutrina, mas tambémpela jurisprudência. Nesse sentido, vejamos os seguintes precedentes:

“1. O delito de redução a condição análoga à de escravo está inseridonos crimes contra a liberdade pessoal. Contudo, o ilícito não suprimesomente o bem jurídico numa perspectiva individual. 2. A conduta ilícitaatinge frontalmente o princípio da dignidade da pessoa humana,violando valores basilares ao homem, e ofende todo um sistema deorganização do trabalho, bem como as instituições e órgãos que lheasseguram, que buscam estender o alcance do direito ao labor a todosos trabalhadores, inexistindo, pois, viés de afetação particularizada,mas sim, verdadeiro empreendimento de depauperação humana. (...)”.(STJ – CC nº 113.428/MG – 3ª Seção – Rel. Min. Maria Thereza deAssis Moura – Public. DJE em 01/02/2011).

�4 A classificação do art. 149 do CP também é mencionada por Carlos Henrique Bezerra Leite (A ação Civil Pública e a Tutela dos Interesses Individuais Homogêneos dos Trabalhadores em Condições Análogas à de Escravo. Disponível em < http://aplicacao.tst.jus.br/dspace/bitstream/handle/1939/3761/doutrina9_tst_2-2005.pdf?sequence=1>. Acesso em: 05.dezembro.2011) para quem, no entanto, o trabalho realizado em jornada exaustiva consistiria a terceira espécie do crime.�

5 FELICIANO, Guilherme Guimarães. Do Crime de Redução a Condição Análoga à de escravo, na redação da Lei nº 10.803/2003. Disponível em < http://jus.com.br/revista/texto/6727/do-crime-de-reducao-a-condicao-analoga-a-de-escravo-na-redacao-da-lei-no-10-803-2003>. Acesso em: 05.11.2011.

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“PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. CRIME DE REDUÇÃO ÀCONDIÇÃO ANÁLOGA À DE ESCRAVO. CRIMES CONEXOS.SÚMULA 122 DO STJ. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL.ORDEM DENEGADA.1. Os crimes atribuídos aos pacientes envolvem valores que vão alémda liberdade individual dos trabalhadores reduzidos a condição análogaà de escravos. Tais infrações penais atentam contra o primado dagarantia da dignidade da pessoa humana e da liberdade de trabalho,não havendo, portanto, que se afastar o interesse da União e aatribuição de competência à Justiça Federal, nos moldes do artigo 109,VI da Constituição Federal. Nesse sentido, precedentes do STF: RE398.041/PA, DJ 3/3/2005; do STJ: CC 62.156/MG, DJ 6/8/2007, HC43.384/BA, DJ 5/8/2005 e REsp 909.340/PA, Rel. Min. Laurita Vaz,julgado em 25/9/2007.2.(...).3. Ordem denegada”. (TRF 1ª Região – HC nº 200901000770878/TO– 4ª Turma - Rel. Des. Federal Hilton Queiroz -e-DJF1 DATA:22/02/2010).

“Tendo como parâmetro a dignidade da pessoa humana (art. 1º, caput,III, CF) e os preceitos de que ninguém será submetido a tortura nem atratamento desumano ou degradante e de que a lei punirá qualquerdiscriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais (art.5º, incisos III e XLI, respectivamente), é que deve ser considerado ocrime de redução a condição análoga à de escravo, tipificado no artigo149, do Estatuto Repressivo, dado que, se um ser humano está tendotratamento assemelhado àquele conferido a um escravo (visto comouma propriedade de seu dono, e não como uma pessoa), por certo queseus mínimo direitos e liberdades não estão sendo garantidos, peloque a dignidade da pessoa humana também não está sendorespeitada, a ensejar a punição na seara criminal”. (TRF 3ª Região –ACR nº 16940 – 5ª Turma – Rel. Des. Federal Suzana Camargo –Public. DJU 08/08/2006).

Mas, então, quando seria possível reconhecer o trabalho emcondições de afronta à dignidade da pessoa do trabalhador para configuraçãodo tipo previsto no art. 149 do CP? Isso, de uma forma bastante didática,ocorreria sempre que se retirasse dele o direito de escolha, com a sua plenasubmissão à vontade do empregador que, em razão de seu poderio, dispensaàquele o tratamento que se dá a outros seres ou objetos. É o que a doutrinachama de “coisificação”, ou seja, “reduzir o seu igual à condição de coisa”6, pois,

6 SOUZA, Tércio Roberto Peixoto. O Crime de “Redução à Condição Análoga de Escravo” e o Cumprimento de Direitos Trabalhistas. Disponível em <http://www.uj.com.br/publicacoes/doutrinas/5236/O_Crime_de_Reducao_a_Condicao_Analoga_de_Escravo_e_o_Cumprimento_de_Direitos_Trabalhistas. Capturado em 05.12.2011>. Acesso em: 05.dezembro.2011.�

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segundo a OIT, “O controle abusivo de um ser humano sobre outro é a antítese dotrabalho decente”.

Enfim, não se esquecendo de que, à vista de sua redação, o crime doart. 149 do CP somente pode ocorrer quando presente uma relação de trabalhoentre o agente e a vítima, a sua consumação dá-se no exato momento em queo primeiro suprime, de fato, o status libertatis do segundo, sujeitando-o “aoseu completo e discricionário poder”7, não somente com a privação daliberdade de ir e vir, mas, também, pela supressão do poder de decisãoespontânea sobre a aceitação ou permanência no trabalho e sobre as própriascondições em que o trabalho é prestado.

Passo, agora, ao exame dos fatos imputados ao denunciado.

A denúncia narra que o denunciado, na condição de proprietário daFazenda Palac - com uma área de 493,03 hectares, localizada no Município deColméia/TO e distante de sua sede por aproximadamente 30,5 km - tinha sob a suaresponsabilidade 22 trabalhadores que se dedicavam à atividade de roço de pasto eaplicação de agrotóxicos, conforme identificado pelo grupo de fiscalização (fl. 32, doRelatório de Fiscalização), sendo eles: Alcione Fernandes dos Reis, Arionilton deSousa Rodrigues, Damaso Ribeiro de Souza, Daniel Sobral da Silva, Edson SilvaBandeira, Elio Silva Bandeira, Gilson Almeida da Conceição, João Batista Borges,José Aparecido Pereira de Souza, José Carlos Brito Pereira, Josias Pereira daSilva, Leonan Vieira Souta, Maurílio Rodrigues da Costa, Ozéas de Oliveira Mota,Raimundo Emivaldo Fernandes dos Reis, Lucivaldo Vieira da Silva, PauloHernandes dos Santos, João Ferreira de Sousa, Deusuete Teles Lima, Moizés DiasSoares, Hélio Cardoso dos Santos e Rafael da Costa Melo.

Segundo conta, no Relatório de Fiscalização restou constatado queLuiz Gonzaga Pereira Leite era o intermediador de mão de obra e preposto dodenunciado, que contratava informalmente os trabalhadores que procuravamserviço naquela localidade e distribuía as tarefas nas frentes de trabalho,fiscalizando, ainda, o serviço e intermediando o pagamento, sendo que, ainda naépoca em que o pagamento ocorria, descontava dele, além dos adiantamentos emdinheiro efetuados, os valores relativos às compras realizadas pelos trabalhadoresque, em virtude da distância entre a fazenda e a sede do Município (cerca de 30,5km), viam-se impelidos a comprar os produtos vendidos pelo próprio Gonzaga, empreços superiores ao de mercado.

Desse modo, pode-se concluir em leitura à denúncia – em especialpela procura espontânea do trabalho, como também pela falta de referência à

7 CUNHA, Rogério Sanches. Código penal para concursos. 4 ed. Salvador: JusPodivm, 2011, pág. 277.

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restrição à liberdade individual dos trabalhadores - que não se trata da modalidadeTRABALHO FORÇADO do crime de redução a condição análoga à de escravo.

De acordo com a acusação, que se embasa no Relatório deFiscalização do GEFM, teria sido constatada, em decorrência de visita ao local, asituação de TRABALHO EM CONDIÇÃO DEGRADANTE a que submetidos osempregados da Fazenda Palac pelos diversos motivos nele apontados, sendoestes:

a) falta de registro de empregados e admissão de trabalhadores semCTPS;

b) manutenção de empregado com idade inferior a 18 anos ematividade em locais insalubres ou perigosos;

c) atraso no pagamento dos salários e falta de formalização do recibode pagamento;

d) falta de registro da jornada de trabalho e de concessão dedescanso semanal remunerado;

e) não realização de exame médico admissional;

f) ausência de alojamentos adequados, os quais não possuíamcondições mínimas de asseio, conservação e higiene;

g) ausência de fornecimento de água potável pelo empregador, bemcomo de local apropriado para o preparo dos alimentos e para as refeições nasfrentes de trabalho;

h) não disponibilização de equipamentos de proteção individual, taiscomo luvas e botas, sendo as ferramentas utilizadas para o trabalho (enxada, foice,facão) custeadas pelos próprios empregadores;

i) inexistência de treinamento e de equipamentos de proteção para osempregados que manejavam agrotóxicos.

Ainda conforme declarações dos trabalhadores (Anexo 016 doRelatório, no DVD-ROM):

j) falta de regularidade na remuneração, de modo que os salários erampagos ao arbítrio do empregador e anotados em um caderno pelo preposto dele,Luiz Gonzaga Pereira Leite, que descontava dela, além dos adiantamentosefetuados, os valores relativos às compras realizadas pelos trabalhadores que, emvirtude da distância entre a fazenda e o centro de comércio mais próximo, viam-se

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impelidos a comprar os produtos vendidos pelo próprio Gonzaga, em preçossuperiores ao de mercado, como disseram os trabalhadores Maurílio Rodrigues daCosta e Raimundo Emivaldo Fernandes dos Reis (fls. A018 e A020,respectivamente).

São esses, portanto, os fatos relatados na denúncia.

Ora, à evidência, constata-se que, na exordial acusatória, o MPFatribui responsabilidade penal ao denunciado JOSÉ SIMÃO DE SOUSA pelaprática do crime previsto no art. 149 do CP por ter mantido, sob condiçõesdegradantes de trabalho, 22 trabalhadores.

Para a acusação, as circunstâncias que configurariam a situação“degradante” seriam aquelas elencadas nas alíneas “a” a “j” alhures.

Feito esse relato, pergunta-se: as situações verificadas pelo GrupoEspecial de Fiscalização Móvel (GEFM), integrado por membros do MTE, MPTe Polícia Federal, configurariam, para um juízo positivo de admissibilidade daacusação, o tipo do art. 149 do CP sob a espécie de “trabalho em condiçõesdegradantes”? Penso que não. Explico.

É fato que as condições a que expostos os trabalhadoresfiscalizados nas terras de propriedade do denunciado são por demaisprecárias, mas, na sua integralidade, revelam, infelizmente ainda, a durarealidade da zona rural, especialmente das regiões mais pobres do País(Norte, Nordeste e Centro-Oeste), vivida não somente por empregados rurais,mas, também, por aqueles que, donos de sua própria terra, laboram em regime deeconomia familiar.

É uma realidade bastante comum e próxima daqueles que tiveram oumantém relações com pessoas do campo.

Mas não é necessário frequentar o meio rural para ter conhecimentodas condições arcaicas que ainda vigoram nessas regiões. Não é incomum, aindahoje, verificar-se:

(a) a contratação de trabalhadores “diaristas”, ou para a realização detarefas, sem o registro em CTPS e cumprimento de todos os demais encargostrabalhistas e previdenciários;

(b) a existência de moradias ainda muito precárias: construídas à taipaem pau-a-pique, quero dizer, estruturadas em ripas de madeira cujos vazios sãopreenchidos com barro amassado; sem instalações sanitárias adequadas, em queas necessidades fisiológicas são feitas “no meio do mato”; em que a louça é levadafora da casa apenas com a água colocada em bacias e enxaguadas à água parada.

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(c) o trabalho desempenhado sem qualquer equipamento de proteçãoindividual, mas apenas com o uso de roupas que cobrem o corpo inteiro e de umchapéu para aliviar o sol escaldante;

(d) o trabalho, algumas vezes, distante da moradia - é por isso que oalimento é levado em marmitas como forma de não comprometer o tempo deatividade, especialmente nas épocas próprias para plantio e colheita; a água parabeber é levada em garrafas ou, quando não, obtida em cacimbas ou em poçosnaturais entre as pedras, isso quando a estiagem não compromete a própriacaptação da água em condições mínimas de consumo;

(e) que os trabalhadores rurais raramente recorrem à assistênciamédica, até porque é esporádica no meio rural, situação que se vem modificandocom os programas do governo federal.

Enfim, desafortunadamente, esse ainda é o retrato da zona rural dasregiões mais pobres do Brasil que embora venha modificando-se para melhor comas ações do Ministério do Trabalho e Emprego e de políticas públicas dos governos,ainda não chegou à situação ideal.

E, nesse contexto, digno de elogios a atuação firme do MinistérioPúblico do Trabalho, que vem desenvolvendo atividades no sentido da melhoria dascondições de trabalho do homem do campo.

No entanto, diante dessa realidade social, não se pode compreenderque tais situações, quando verificadas num dado imóvel rural, sem que estejamaliadas à restrição das liberdades (em sentido amplo) configurariam a “condição

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degradante” na forma como exigida pelo art. 149 do CP8

, pois, como visto em linhas anteriores, é imprescindível que essa “situação defato” esteja inserida num cenário em que os trabalhadores rurais efetivamentetenham a sua vontade de trabalhar ou de permanecer no trabalho cerceada, ouseja, que se sintam subjugados ao seu empregador, inclusive quanto àscondições em que prestado o trabalho.

Não é essa a situação narrada na denúncia.

Em parte alguma a peça acusatória discorre sobre qualquercircunstância ou dado que revele o comprometimento da liberdade (poder dedecisão) dos trabalhadores encontrados na Fazenda Palac, pertencente aodenunciado JOSÉ SIMÃO DE SOUSA, pois, mesmo quando afirma que eles eramimpelidos a adquirirem produtos vendidos pelo preposto, Luiz Gonzaga PereiraLeite, a preços além do valor de mercado, deixa de informar sobre a existência dedívidas impagáveis, ou do objetivo de, em se agindo daquela forma, forçar apermanência dos trabalhadores na Fazenda, circunstância esta textualmenteexigida pelo art. 149 do CP, tanto porque aqueles produtos, segundo asdeclarações prestadas pelos trabalhadores (CD-ROM), a exemplo de MaurílioRodrigues da Costa e de João Ferreira de Souza, não compreendiam as refeiçõesdo dia-a-dia que eram fornecidas gratuitamente, referindo-se aqueles apenas apacotes de bolachas, cigarros, doces, pilhas para lanterna, roupas etc., não setendo em conta, ainda, da existência de qualquer ameaça aos trabalhadores.

A denúncia apenas aponta as várias infrações trabalhistasconstatadas no imóvel rural que foram corrigidas administrativamente,inclusive com a assinatura de Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) pelodenunciado, como verificado no Relatório de Fiscalização (CD-ROM).

�8 “PENAL. ART. 149 DO CP. REDUÇÃO DE TRABALHADORES À CONDIÇÃO ANÁLOGA À DE ESCRAVO. CONDIÇÃO DEGRADANTE DE TRABALHO. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO. ABSOLVIÇÃO. MANUTENÇÃO. 1. A ausência de provas de quaisquer das formas de submissão de trabalhadores à condição análoga à de escravo - trabalhos forçados, jornadas extenuantes de trabalho, condições degradantes de trabalho ou restrição à liberdade de locomoção -, na redação dada pela Lei 10.803/03, que conferiu nova definição ao crime tipificado no art. 149 do Código Penal, enseja a absolvição do réu. 2. O preceito penal primário do art. 149 do CP contém cláusulas indeterminadas - como, por exemplo, ‘condições degradantes de trabalho’ - que podem ser utilizadas indevidamente para permitir um alargamento exacerbado do suporte fático normativo, abrangendo todo e qualquer caso em que trabalhadores são submetidos a condições aparentemente indignas de trabalho. Tenha-se em mente, por exemplo, os fatos muito comuns em que as autoridades relatam como sendo caso de ‘trabalho escravo’ a existência de trabalhadores em local sem instalações adequadas, como banheiro, refeitório etc., sem levar em conta que o próprio empregador utiliza-se das mesmas instalações e que estas são, na maioria das vezes, o retrato da própria realidade interiorana do Brasil. Há que se estar atento, portanto, para a possibilidade de abusos na tipificação de fatos tidos como de "trabalho escravo. (Ministro Gilmar Mendes - RE 398.041/PA) 3. Apelação não provida”. (TRF 1ª Região - ACR nº 200843000017480 – 3ª Turma – Rel. Des. Federal Tourinho Neto – Public. DJ 05/11/2010). �

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Não é possível presumir, diante da necessidade de clareza daacusação imposta pelo art. 41 do CPP (exposição do fato criminoso, com todas assuas circunstâncias), que suposto cerceamento de vontade dos trabalhadorestivesse ocorrido em virtude das precárias condições de trabalho verificadas. Naverdade, ainda que admissível entendimento contrário, tal presunção restariadesconstituída em virtude de o Relatório de Fiscalização, em que lastreada adenúncia, apontar que foram os trabalhadores que procuraram o emprego(logo, não houve aliciamento), a remuneração do trabalho era feita emdinheiro, não havia servidão por dívidas (truck-system), a jornada de trabalho,embora cansativa para o homem de condições físicas normais, não ia além doque ordinariamente se verifica no meio rural, além de que, como já foi dito eisso sequer consta também na denúncia, não havia a restrição à liberdadefísica dos trabalhadores, tanto que existia o fornecimento de transporte peloempregador no trajeto Fazenda/Centro uma vez por mês, sendo certo que olocal era ainda atendido pelo serviço de moto-táxi, também utilizado pelostrabalhadores quando necessitam se deslocar à cidade ou retornar dela àFazenda (pág. 31 do Relatório de Fiscalização). Além disso, conformedeclarações prestadas ao Grupo Especial de Fiscalização Móvel (GEFM), ostrabalhadores era naturais da própria região ou nela já residiam antes dacontratação para o trabalho, parte deles, inclusive, na Cidade de Colméia/TO,distante a poucos quilômetros da Fazenda.

Desse modo, conclui-se que, da forma como dispostos os fatos nadenúncia, os trabalhadores do denunciado, em que pequem as precáriascondições de trabalho em que inseridos, não estavam impedidos de dar rumoàs suas próprias vidas, logo, o fato descrito na denúncia não se adéqua ao tipo doart. 149 do CP, faltando, portanto, justa causa para o recebimento da denúncia.

Destaco, por último, face à relevância do registro, que o Colendo STF,em julgamento ao INQ3412/AL ocorrido em 29/03/2012, recebeu, por apertadamaioria (6x4), a denúncia oferecida contra o Deputado Federal João José Pereirade Lyra (PSD-AL) e outro, também pela suposta prática do crime previsto no art.149 do CP.

Ocorre que, à vista do citado julgamento, verifico circunstâncias que,em conteúdo, diferenciam-se do presente caso concreto e que, por si sós, sãosuficientes a justificar o resultado a que chego neste voto. Relaciono as principais:

1. A denúncia, nos autos do INQ3412/AL, discorria que osdenunciados teriam submetido os trabalhadores de empresa agrícola por elesgerida a jornada exaustiva e a condições degradantes de trabalho, cerceando-lhesa locomoção com o objetivo de mantê-los no local onde laboravam. Logo, nelaestá prevista a supressão da autonomia de vontade do trabalhador que se via

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obrigado a permanecer no imóvel. No presente caso, a denúncia não faz referênciaà restrição de liberdade de locomoção dos trabalhadores e o Relatório deFiscalização em que lastreada não traz elementos que, in casu, demonstrassem queeles se viam subjugados psicologicamente à vontade do empregador, tanto quevários deles (Ozéias de Oliveira Mota, Edson Silva Bandeira e Hélio Silva Bandeira)declararam que nunca foram impedidos de deixarem a Fazenda ou mesmo foramameaçados a assim não proceder, acaso quisessem.

2. O delito, nos autos do INQ3412/AL, ocorreu através de um grandeempreendimento econômico, a sociedade empresária Lajinha Agroindustrial S/A,que possuía cerca de 3.300 empregados somente na fazenda localizada em Uniãodos Palmares/AL, onde supostamente ocorrera o delito, chegando a ter, no total,26.000 trabalhadores, considerada a atividade igualmente desenvolvida no Estadode Minas Gerais.

3. Os empregados da Lajinha Agroindustrial S/A submetiam-se a umacarga horária de trabalho extremamente exaustiva, com jornada de 24 horas diárias,sob pena de perderem do emprego.

Sendo assim, o caso retratado nestes autos, inclusive pela formade abordagem na denúncia, não se distingue, em substância, daquele que forajulgado por este Plenário à vista do INQ2282/PE, também de minha relatoria,em que, à unanimidade, fora rejeitada a denúncia pela imputação da prática dodelito previsto no art. 149 do CP contra o prefeito do Município de Escada/PE.

Ante o exposto, REJEITO A DENÚNCA nos termos do art. 395, III, doCódigo de Processo Penal, c/c o art. 6º da Lei nº 8.038/1990 e do art. 172 doRegimento Interno desta Corte.

Após o trânsito em julgado do acórdão e efetuadas as comunicaçõesde praxe, dê-se baixa na Distribuição.

Arquivem-se.

É como voto.

Recife, 12/09/2012.

Des. Federal ROGÉRIO FIALHO MOREIRARelator

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AUTOR : MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERALINVESTIGADO : SEM INDICIADOINVDO : JOSÉ SIMÃO DE SOUSAADV/PROC : FELIPE AUGUSTO FORTE DE NEGREIROS DEODATO E OUTROADV/PROC : ROGERIO MAGNUS VARELA GONCALVESRELATOR: DESEMBARGADOR FEDERAL ROGÉRIO FIALHO MOREIRAORIGEM: MPF/PBERRO! FONTE DE REFERêNCIA NãO ENCONTRADA.

EMENTA

CONSTITUCIONAL, PENAL E PROCESSUAL PENAL. CRIMEDE COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL. PREFEITO.COMPETÊNCIA DO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL COMJURISDIÇÃO SOBRE A UNIDADE DA FEDERAÇÃO ONDE OCARGO COM PRERROGATIVA DE FORO É EXERCIDO. CRIMEPREVISTO NO ART. 149 DO CÓDIGO PENAL. CONDIÇÕESDEGRANTES DE TRABALHO. TRABALHADORES QUE NÃO SEENCONTRAM SUBJUGADOS À VONTADE DO EMPREGADOR.REDUÇÃO A CONDIÇÃO ANÁLOGA À DE ESCRAVO NÃOVERIFICADA. REJEIÇÃO DA DENÚNCIA.

1. Denúncia oferecida pelo Ministério Público Federal contra oatual Prefeito do Município de Manaíra, Estado da Paraíba,imputando-lhe a autoria do crime previsto no art. 149 do CódigoPenal (redução a condição análoga à de escravo), praticado noMunicípio de Colméia, Estado de Tocantins.

2. O Plenário deste Tribunal, no julgamento do INQ2282/PEocorrido em 07/12/2011, ao tratar do assunto à vista do dispostono art. 109, V-A e VI, da CF/1988, sedimentou, mais uma vez, oentendimento sobre a competência da Justiça Federal para ojulgamento do delito previsto no art. 149 do CP (redução acondição análoga à de escravo). No mesmo sentido, precedentesdo STF (RE nº 398.041) e do STJ (CC nº 113.428, CC nº 65567 eHC nº 103568).

3. Também em Sessão Plenária ocorrida em 28/03/2012, estaCorte, em Incidente de Questão de Ordem nos autos doINQ2382/PB, instaurado contra Secretário de Infraestrutura doEstado da Paraíba para apurar a possível prática dos delitosprevistos nos arts. 171, § 3º, e 299, do CP, consumados noDistrito Federal, decidiu que a competência para o julgamento doprocesso é do “TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL COMJURISDIÇÃO SOBRE A UNIDADE DA FEDERAÇÃO ONDE O

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CARGO COM PRERROGATIVA DE FORO É EXERCIDO”.Igualmente nesse sentido, o precedente no STJ firmado nosautos do CC nº 120.848.

4. Para a perfeita compreensão do tipo penal do art. 149 do CP,deve-se, de início, ter a exata idéia de seu objeto jurídico, quer-sedizer, do bem jurídico tutelado pela norma penal incriminadora,pois, como bem lembra Ela Wiecko V. de Castilho(Considerações Sobre a Interpretação Jurídico-Penal em Matériade Escravidão), “O bem jurídico, além de cumprir uma funçãosistemático-classificatória, tem uma função exegética, porqueauxilia na interpretação das normas jurídico-penais”.

5. A redação originária do crime de redução a condição análoga àde escravo (o “plagium” dos romanos) era extremamente aberta,a ponto de dificultar a punição do delito.

6. A Lei nº 10.803, de 11.12.2003, passou a especificar maispormenorizadamente quais as ações que configurariam o tipo.

7. À vista do art. 149 do CP, com a redação dada pela Lei nº10.803, de 11.12.2003, poder-se-ia dizer que o bem da vidaprotegido pelo tipo previsto no art. 149 do CP, seria “a liberdadeda vítima, que se vê, dada a sua redução a condição análoga àde escravo, impedida do seu direito de ir e vir ou mesmo depermanecer onde queira” (GRECO, Rogério Greco. Código penalcomentado. Niterói: Impetus, 2008, pag. 567) – seria, então,apenas a liberdade de locomoção propriamente dita, consideradaa partir do enquadramento do tipo na Seção I (“Dos CrimesContra a Liberdade Pessoal”) do Capítulo VI (“Dos Crimes Contraa Liberdade Individual”) do Título I (“Dos Crimes Contra aPessoa”) da Parte Especial do Código Penal.

8. Essa é a primeira idéia que vem à mente ao se pensar nocrime de plágio: somente se reduz alguém a condição semelhanteà de escravo se a vítima tem de alguma forma tolhida a sualiberdade de ir e vir, não só mediante encarceramento emdeterminada área, mas também por outros meios indiretos, comoa retenção de salários e documentos ou os sistemas de“barracões”.

9. As próprias normas internacionais que objetivam o banimentodo trabalho escravo, a exemplo da Convenção 29 da OIT, semprelevaram em conta, direta ou indiretamente, o fator liberdade para

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fins de definição do que seria trabalho escravo ou a eleequiparado.

10. Contudo, não é esse o entendimento que se vem firmando nadoutrina e na jurisprudência, segundo as quais “o trabalho emcondições análogas à de escravo deve ser considerado gênero,do qual o trabalho forçado e o trabalho em condiçõesdegradantes são espécies” (MACHADO, José Cláudio Monteirode. Trabalho com Redução do Homem à Condição Análoga à deEscravo e Dignidade da Pessoa Humana), incluída na segundadelas a jornada exaustiva. Assim, para o autor, “Não é somente afalta de liberdade de ir e vir, o trabalho forçado, então, que agoracaracteriza o trabalho em condições análogas à de escravo, mastambém o trabalho sem as mínimas condições de dignidade”.Enquadram-se, também, na espécie “trabalho forçado”, as formasde redução a condição análoga à de escravo por assimilaçãocontempladas nos incisos I e II do § 1º do art. 149 do CP.

11. Assim, o legislador de 2003, ao especificar as ações queconfiguram o tipo de plágio, aparentemente, foi mais além do quedispõem as convenções internacionais sobre o tema,acrescentando também o TRABALHO EM CONDIÇÕESDEGRADANTES, ao lado do TRABALHO FORÇADO.

12. E para a caracterização do delito de plágio, sob a modalidade“trabalho em condições degradantes”, não seria necessária arestrição à liberdade de movimento da vítima, sendo suficiente aprivação de outras liberdades, notadamente ligadas aos seusdireitos personalíssimos e à sua dignidade.

13. O elemento “dignidade”, portanto, parece definitivamente tersido incorporado na exegese do art. 149 do CP, não somentepela doutrina, mas também pela jurisprudência (STJ – CC nº113.428/MG; TRF 1ª Região – HC nº 200901000770878; TRF 3ªRegião – ACR nº 16940).

14. O problema reside em saber quando ocorreria o trabalho emcondições de afronta à dignidade da pessoa do trabalhador, aponto de caracterizar o crime de plágio. A solução é encontradana situação em que se retirasse dele o direito de escolha,com a sua plena submissão à vontade do empregador que,em razão de seu poderio, dispensasse àquele o tratamentoque se dá a outros seres ou objetos. É o que a doutrina chamade “coisificação”, ou seja, “reduzir o seu igual à condição decoisa” (SOUZA, Tércio Roberto Peixoto. O Crime de “Redução àFNG p. 23/26

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Condição Análoga de Escravo” e o Cumprimento de DireitosTrabalhistas), pois, segundo a Organização Internacional doTrabalho (OIT), “O controle abusivo de um ser humano sobreoutro é a antítese do trabalho decente”.

15. O crime do art. 149 do CP somente pode ocorrer quandopresente uma relação de trabalho entre o agente e a vítima, ea sua consumação dá-se no exato momento em que oprimeiro suprime, de fato, o status libertatis do segundo,sujeitando-o “ao seu completo e discricionário poder”(CUNHA, Rogério Sanches. Código penal para concursos. 4 ed.Salvador: JusPodivm, 2011, pág. 277), não somente com aprivação da liberdade de ir e vir, mas, também, pelasupressão do poder de decisão espontânea sobre aaceitação ou permanência no trabalho e sobre as própriascondições em que o trabalho é prestado.

16. O denunciado é o proprietário da Fazenda Palac e entãoresponsável por 22 trabalhadores que se dedicavam à atividadede roço de pasto e aplicação de agrotóxicos.

17. É fato que as condições a que expostos os trabalhadoresencontrados no imóvel de propriedade do denunciado, verificadaspelo Grupo Especial de Fiscalização Móvel (GEFM) do Ministériodo Trabalho e Emprego, são por demais precárias, mas, na suaintegralidade, revelam, infelizmente ainda, a dura realidade dazona rural, especialmente das regiões mais pobres do País(Norte, Nordeste e Centro-Oeste), vivida não somente porempregados rurais, mas, também, por aqueles que, donos de suaprópria terra, laboram em regime de economia familiar.

18. Diante dessa realidade social, não se pode compreender quetais condições, quando verificadas num dado imóvel rural, semque estejam aliadas à restrição das “liberdades” (em sentidoamplo) do trabalhador, configurariam a “condição degradante” naforma como exigida pelo art. 149 do CP, pois é imprescindívelque essa “situação de fato” esteja inserida num cenário em queos trabalhadores rurais efetivamente tenham a sua vontade detrabalhar ou de permanecer no trabalho cerceada, ou seja, que sesintam subjugados ao seu empregador, inclusive quanto àscondições em que prestado o trabalho.

19. Não é essa a situação narrada na denúncia. Em partealguma a peça acusatória discorre sobre qualquercircunstância ou dado que revele o comprometimento daFNG p. 24/26

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liberdade (poder de decisão) dos trabalhadores encontradosna Fazenda Palac, pertencente ao denunciado, pois, mesmoquando afirma que eles eram impelidos a adquirirem produtosvendidos pelo preposto do denunciado, a preços além do valor demercado, deixa de informar sobre a existência de dívidasimpagáveis, ou do objetivo de, em se agindo daquela forma,forçar a permanência dos trabalhadores na Fazenda,circunstância esta textualmente exigida pelo art. 149 do CP, tantoporque aqueles produtos, segundo as declarações prestadas poralguns trabalhadores (CD-ROM), não compreendiam as refeiçõesdo dia-a-dia que eram fornecidas gratuitamente, referindo-seaqueles apenas a pacotes de bolachas, cigarros, doces, pilhaspara lanterna, roupas etc., não se tendo em conta, ainda, daexistência de qualquer ameaça aos trabalhadores.

20. A denúncia apenas aponta as várias infraçõestrabalhistas constatadas no imóvel rural que foram corrigidasadministrativamente, inclusive com a assinatura de Termo deAjustamento de Conduta (TAC) pelo denunciado, como verificadono Relatório de Fiscalização (CD-ROM).

21. Não é possível presumir, diante da necessidade de clareza daacusação imposta pelo art. 41 do CPP (exposição do fatocriminoso, com todas as suas circunstâncias), que supostocerceamento da vontade dos trabalhadores tivesse ocorrido emvirtude das precárias condições de trabalho verificadas. Naverdade, ainda que admissível entendimento contrário, talpresunção restaria desconstituída em virtude de o Relatório deFiscalização, em que lastreada a denúncia, apontar que foram ostrabalhadores que procuraram o emprego (logo, não houvealiciamento), a remuneração do trabalho era feita em dinheiro,não havia servidão por dívidas (truck-system), a jornada detrabalho, embora cansativa para o homem de condições físicasnormais, não ia além do que ordinariamente se verifica no meiorural, além de que, como já foi dito e isso sequer consta tambémna denúncia, não havia a restrição à liberdade física dostrabalhadores, tanto que existia o fornecimento de transporte peloempregador no trajeto Fazenda/Centro uma vez por mês, sendocerto que o local era ainda atendido pelo serviço de moto-táxi,também utilizado pelos trabalhadores quando necessitam sedeslocar à cidade ou retornar dela à Fazenda (pág. 31 doRelatório de Fiscalização). Além disso, conforme declaraçõesprestadas ao Grupo Especial de Fiscalização Móvel (GEFM), ostrabalhadores era naturais da própria região ou nela já residiamantes da contratação para o trabalho, parte deles, inclusive, na

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Cidade de Colméia/TO, distante a poucos quilômetros daFazenda.

22. Desse modo, conclui-se que, da forma como dispostos osfatos na denúncia, os trabalhadores do denunciado, em quepequem as precárias condições de trabalho em queinseridos, não estavam impedidos de dar rumo às suaspróprias vidas. Logo, o fato descrito na denúncia não se adéquaao tipo do art. 149 do CP, faltando, portanto, justa causa para orecebimento da denúncia.

23. Denúncia rejeitada nos termos do art. 395, III, do Código deProcesso Penal, c/c o art. 6º da Lei nº 8.038/1990 e do art. 172do Regimento Interno desta Corte.

ACÓRDÃO

Vistos, etc.

Decide o Plenário do Tribunal Regional Federal da 5ª Região, àunanimidade, REJEITAR A DENÚNCIA, nos termos do voto do relator, na forma dorelatório e notas taquigráficas constantes dos autos, que ficam fazendo parteintegrante do presente julgado.

Recife, 12/09/2012.

Des. Federal ROGÉRIO FIALHO MOREIRARelator

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