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UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE LETRAS RELATÓRIO DE ESTÁGIO: ANÁLISE DE UMA BASE TERMINOLÓGICA DA ÁREA JURÍDICA E QUESTÕES DE TRADUÇÃO ANA CAROLINA FERREIRA SANTOS Relatório de estágio orientado pelo Prof. Doutor Telmo Móia, especialmente elaborado para a obtenção do grau de Mestre em TRADUÇÃO 2019

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UNIVERSIDADE DE LISBOA

FACULDADE DE LETRAS

RELATÓRIO DE ESTÁGIO: ANÁLISE DE

UMA BASE TERMINOLÓGICA DA ÁREA

JURÍDICA E QUESTÕES DE TRADUÇÃO

ANA CAROLINA FERREIRA SANTOS

Relatório de estágio orientado pelo Prof. Doutor Telmo Móia,

especialmente elaborado para a obtenção do grau de Mestre em

TRADUÇÃO

2019

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Os limites da minha linguagem denotam os limites do meu mundo.

— Ludwig Wittgenstein, Tractatus Logico-Philosophicus, 5.6

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AGRADECIMENTOS

Tenho a agradecer,

à minha família, em especial aos meus pais e à minha avó, por serem os meus eternos

conselheiros e fãs número um;

ao Professor Doutor Telmo Móia, por todo o apoio prestado na elaboração deste relatório;

à Doutora Sofia Favila-Vieira, por todo o apoio prestado, pela confiança depositada e por me

incentivar a atingir sempre o meu melhor;

ao Doutor João Moniz, pela sua boa-disposição, disponibilidade e companheirismo ao longo do

estágio;

à Doutora Dora Martins, pela sua amabilidade e simpatia, por todo o acompanhamento e apoio

ao longo do estágio;

a toda a equipa do Departamento de Assuntos Jurídicos do Ministério dos Negócios

Estrangeiros, assistentes técnicos e juristas, pela boa-disposição, simpatia e profissionalismo

com que fui acolhida;

à Professora Doutora Sara Mendes e à Professora Doutora Claudia Fischer, pelas palavras de

incentivo;

aos meus amigos, pela evasão, e em especial à Maria, pelo esclarecimento de dúvidas

existenciais e jurídicas;

à Tatiana, por todo o apoio e paciência;

ao pessoal do trabalho, pela simpatia e, acima de tudo, pela boa-disposição.

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NOTA PRÉVIA

A redação do presente relatório é resultado do estágio profissionalizante inserido na

componente não letiva do curso de Mestrado em Tradução da Faculdade de Letras da

Universidade de Lisboa. O estágio teve lugar na Área de Tradução do Serviço de Direito

Internacional Público do Departamento de Assuntos Jurídicos do Ministério dos Negócios

Estrangeiros, sediado no Palácio das Necessidades, com a duração total de 400 horas. O estágio

decorreu entre 8 de outubro de 2018 e 28 de março de 2019, num regime fixo, 4 dias por

semana, o que permitiu um acompanhamento contínuo do trabalho realizado.

Este relatório incide sobre a análise do processo de tradução, tendo em vista a

construção de uma ferramenta linguística da temática jurídica. Contudo, sendo a minha

formação académica exclusivamente da área de Tradução, seria ambicioso realizar uma análise

exaustiva de comparação interlinguística entre sistemas jurídicos diferentes, não sendo esse o

foco desta reflexão. Também não pretendo analisar questões relacionadas com a construção de

ferramentas linguísticas de forma exaustiva ou pormenorizada. Não obstante, é impossível não

abordar estas duas esferas, fortemente influentes na realização deste trabalho.

No que ao objeto de estudo diz respeito, é de mencionar que a reflexão que dou a

conhecer neste relatório incide apenas sobre o segmento de entradas traduzidas por mim durante

o estágio, fazendo este parte de um trabalho mais vasto que tem vindo a ser desenvolvido ao

longo de vários anos, com o contributo e envolvimento de várias instituições e colaboradores,

da área da Tradução, Revisão, Direito e Informática, entre os quais a Dra. Sofia Favila-Vieira, a

Dra. Constança da Camara Bobone e, mais recentemente, o Dr. João Bacelar Moniz. A

utilização de traduções realizadas por outros tradutores serve para efeitos de explicitação e é

devidamente assinalada. Convém destacar, ainda, a distinção entre o Trad-Iure, o “tradutor

jurídico” disponível ao público no sítio da Internet do Diário da República Eletrónico (DRE), e

o glossário ms-excel, o “proto-documento” no qual baseio a reflexão da segunda e da terceira

parte do presente relatório.

Devido a questões de sigilo profissional e à extensão de alguns dados, não é possível

apresentar em anexo a totalidade dos documentos e trabalhos realizados, mas considero que os

exemplos apresentados são suficientes para avaliar as questões de tradução discutidas.

Salvo a ortografia utilizada em alguns exemplos, que importa preservar, e transcrições,

a redação deste trabalho segue a grafia do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990.

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RESUMO

O presente trabalho consiste no relatório de estágio realizado no âmbito do Mestrado em

Tradução da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. A primeira parte tem uma função

descritiva, e nela pretendo dar a conhecer o trabalho desenvolvido na instituição de

acolhimento, através da apresentação da organização interna, funcionamento e metodologia de

trabalho corrente, e da identificação dos textos traduzidos e revistos. Nesta parte também

introduzirei as características contextuais que levaram à delimitação do objeto de estudo e as

instruções de tradução recebidas. Mencionarei ainda algumas das circunstâncias práticas

envolvidas neste tipo de projeto de tradução, bem como os principais agentes envolvidos no

processo. A segunda parte está dividida segundo as três dimensões que confluíram no produto

final de tradução. Na primeira secção, identificarei brevemente as principais características do

texto jurídico e da terminologia jurídica. Na segunda secção, serão abordados aspetos relevantes

para as ferramentas linguísticas, entre os quais a distinção entre conhecimento linguístico e

conhecimento enciclopédico, a direção linguística e a organização estrutural (micro-estrutura).

No final desta secção, irei ainda refletir sobre os problemas de atualização dos termos. Na

terceira secção, focar-me-ei em questões práticas de receção por parte do utilizador, como a

usabilidade do sistema, a conceção de um “utilizador ideal”, o nível de literacia e as principais

funções das obras de referência para questões linguísticas. A terceira parte (com exceção do

último subcapítulo) é uma reflexão linguística tendo em conta os fatores acima mencionados, na

qual enfatizarei as dificuldades de tradução encontradas na passagem dos termos de partida para

os equivalentes em português e farei pequenas sugestões de melhoria do sistema utilizado na

instituição de acolhimento.

PALAVRAS-CHAVE: tradução jurídica; terminologia multilinguística; bases de dados

terminológicas; dicionários; lexicografia.

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ABSTRACT

The present work is an internship report made as part of the Master’s degree in

Translation offered by the School of Arts and Humanities of the University of Lisbon. The first

part of this work has a descriptive function, and in it I aim to present the work developed in the

host institution, by presenting its internal organization and work methodology, and by

identifiying the textual genres that were translated and revised. In this part, I will also introduce

the contextual characteristics involved in the delimitation of the object of study and the

translation brief received. I will mention some of the practical circumstances involved in this

particular type of translation project, as well as the main agents involved in the process. The

second part is divided according to the three dimensions that led to the final translation product.

In the first section, I will briefly identify the main features of the legal text(s) and of the legal

terminology. The second section will cover aspects related to language tools, including the

distinction between linguistic and encyclopedic knowledge, linguistic direction and structural

organization (microstructure). At the end of this section, I will also reflect on the possible

obsolescence of terms. In the third section, I will focus on practical reception issues related to

the receiver and the usability of the system, in particular the translator’s model of an “ideal

user”, the level of literacy and the main functions of reference works for language issues. The

third part is (with the exception of the last subchapter) a linguistic reflection taking into account

the factors mentioned above, in which I emphasize the difficulties encountered in translating the

source terms into Portuguese equivalents. Simultaneously, I will suggest some minor actions to

improve the system used at the host institution.

KEYWORDS: legal translation; multilingual terminology; terminological databases;

dictionaries; lexicography.

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LISTA DE ABREVIATURAS

AO – Acordo Ortográfico

AT – Área de Tradução (do Departamento de Assuntos Jurídicos do Ministério dos Negócios

Estrangeiros)

DAJ – Departamento de Assuntos Jurídicos do Ministério dos Negócios Estrangeiros

CPC – Código de Processo Civil

CPP – Código de Processo Penal

DRE – Diário da República Eletrónico

DIN – Serviço de Direito Interno

DIP – Serviço de Direito Internacional Público

INCM – Imprensa Nacional - Casa da Moeda

ISO – Organização Internacional de Normalização (International Organization for

Standardization)

MNE – Ministério dos Negócios Estrangeiros

SL – Source language

TL – Target language

TT – Target text

TPI – Tribunal Penal Internacional

ONU – Organização das Nações Unidas

OTAN – Organização do Tratado do Atlântico Norte

UE – União Europeia

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ÍNDICE

AGRADECIMENTOS .................................................................................................................3

NOTA PRÉVIA ...........................................................................................................................4

RESUMO .....................................................................................................................................5

ABSTRACT .................................................................................................................................6

LISTA DE ABREVIATURAS.....................................................................................................7

ÍNDICE ........................................................................................................................................8

INTRODUÇÃO ......................................................................................................................... 10

1. CARACTERIZAÇÃO DO ESTÁGIO ................................................................................... 12

1.1 A Área de Tradução enquadrada no Departamento de Assuntos Jurídicos do Ministério

dos Negócios Estrangeiros ..................................................................................................... 12

1.2 Descrição das atividades realizadas .................................................................................. 12

1.3 Lista de textos traduzidos e lista de textos revistos ........................................................... 13

1.4 Subtipos de textos jurídicos traduzidos ............................................................................ 15

1.5 As ferramentas jurídicas Jurislingue e Trad-Iure ............................................................. 16

1.6 Translation brief ............................................................................................................... 18

1.7 Circunstâncias e agentes envolvidos na produção de documentação multilinguística ...... 19

2. ALGUMAS QUESTÕES TEÓRICAS ................................................................................... 22

2.1 O texto jurídico ................................................................................................................ 23

2.1.1 Terminologia (jurídica).............................................................................................. 25

2.2 Questões relacionadas com as obras de referência para questões linguísticas (incluindo

bases de dados terminológicas, do tipo do Trad-Iure) ............................................................ 27

2.2.1 Principais características das obras de referência para questões linguísticas ............. 27

2.2.2 Conhecimento linguístico versus conhecimento enciclopédico nas obras de referência

........................................................................................................................................... 29

2.2.3 Direção linguística em dicionários e em bases de dados multilingues ....................... 30

2.2.4 Informação geográfica sobre as línguas em bases de dados terminológicas .............. 32

2.2.5 Organização estrutural em bases de dados terminológicas ........................................ 34

2.2.6 Fontes consultadas na criação de bases de dados terminológicas (breve nota) .......... 37

2.2.7 Parâmetros temporais e de atualização dos termos em bases de dados terminológicas

........................................................................................................................................... 38

2.2.8 Parâmetros linguísticos em bases de dados terminológicas ....................................... 39

2.2.9 Parâmetros temáticos (classificação de subdomínios) em bases de dados

terminológicas .................................................................................................................... 41

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2.3 Questões relacionadas com a receção em bases de dados terminológicas: utilizador e

usabilidade ............................................................................................................................. 42

2.3.1 As funções das bases de dados terminológicas (enquanto dicionários especalizados)

adaptadas ao perfil do utilizador ......................................................................................... 42

2.3.2 Maximização da usabilidade...................................................................................... 46

3. QUESTÕES PRÁTICAS DE TRADUÇÃO (INTEGRANDO SUGESTÕES DE

MELHORIA NA BASE DE DADOS) ....................................................................................... 49

3.1 Palavras da linguagem geral e termos provenientes de domínios especializados do

conhecimento ......................................................................................................................... 49

3.1.1 Termos provenientes da linguagem geral .................................................................. 50

3.1.2 Terminologia médica (ou relacionada com questões de saúde) na linguagem jurídica

........................................................................................................................................... 52

3.2 Sinonímia, homonímia e univocidade terminológica ........................................................ 58

3.3 Siglas, acrónimos e outras abreviaturas ............................................................................ 62

3.4 Estrangeirismos ................................................................................................................ 78

3.5 Entidades, cargos e institutos jurídicos sem equivalência exata ....................................... 85

3.6 Antropónimos ................................................................................................................... 93

3.7 Expressões eufemísticas e o politicamente correto na linguagem jurídica ....................... 96

3.8 Fraseologia e colocações ................................................................................................ 102

3.9 Exemplos de alguns dos erros de codificação mais frequentes ....................................... 106

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................... 112

5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ................................................................................. 114

5.1 Obras citadas e bibliografia consultada .......................................................................... 114

5.2 Páginas eletrónicas (consultadas) ................................................................................... 118

A. Fontes de Legislação ................................................................................................... 118

B. Dicionários online, aplicações de tradução e bases de dados terminológicas ............... 118

C. Dicionários generalistas ............................................................................................... 119

D. Corpora não-jurídicos ................................................................................................. 119

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INTRODUÇÃO

O presente trabalho consiste no relatório de estágio realizado na Área de Tradução do

Departamento de Assuntos Jurídicos do Ministério dos Negócios Estrangeiros, no âmbito do

Mestrado em Tradução da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Este trabalho, que

representa o culminar de um ciclo de estudos, tem como ponto de partida a reflexão advinda da

realização de uma atividade concreta do estágio e pretende buscar respostas para as questões e

dificuldades levantadas pela tradução de terminologia jurídica e por outros aspetos que

confluem na criação e construção de ferramentas linguísticas.

A tradução especializada do domínio jurídico é uma prática cada vez mais importante

no mercado de Tradução. Por um lado, o fenómeno da globalização tem originado uma maior

comunicação e cooperação internacionais entre diferentes órgãos, sejam eles entidades judiciais,

administrativas, ou outras; estas implicam, por sua vez, uma frequente troca e partilha de

informação entre entidades e, consequentemente, a necessidade de traduzir enormes volumes de

texto jurídico e de outro tipo de documentos relacionados. Escusado será dizer que a maioria

desta documentação tem caráter de urgência, necessitando de ser processada rápida e

eficazmente. Por outro lado, as tecnologias de informação, que agilizam em muito quer o

processo de tradução quer a comunicação interinstitucional e entre entidades e cidadãos – aliada

ao crescente interesse da sociedade em adquirir conhecimento jurídico – têm vindo a ser

utilizadas de forma a encurtar a distância entre os cidadãos e os órgãos de soberania e a

promover o acesso à Justiça. Paralelamente, tem-se sentido uma necessidade crescente de

material de apoio, fomentando a construção de ferramentas de léxico especializado da área do

Direito.

A primeira parte deste relatório remete para questões contextuais, nomeadamente para a

caracterização da instituição de acolhimento e das atividades aí realizadas. Nesta parte também

irei dar a conhecer o objeto de estudo, bem como as circunstâncias práticas envolvidas neste

tipo de projeto de tradução e os principais agentes envolvidos no processo.

A segunda parte deste relatório incide sobre as questões teóricas que considerei

relevantes para a parte prática de tradução e de codificação de informação, sendo envolvidas

três dimensões distintas: o texto, o meio e o recetor. Na primeira secção irei abordar questões

relacionadas com o texto e com a terminologia jurídica. Numa segunda secção, irei abordar

questões relacionadas com os auxiliares linguísticos e numa terceira secção irei abordar, por um

lado, algumas das necessidades do utilizador e, por outro, questões relacionadas com a

usabilidade do sistema.

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A terceira parte deste relatório constitui o núcleo do trabalho. Nela abordarei, sob uma

perspetiva de análise linguística, as questões e as dificuldades concretas de tradução levantadas

durante o trabalho realizado, e analisarei questões de codificação linguística que confluem no

produto final de tradução e que estão intimamente relacionadas com as questões teóricas

abordadas na segunda parte. Para tal, irei selecionar entradas da base de dados terminológica e

comparar aspetos da significação quer de diferentes termos de partida, quando se encontram

discrepâncias entre a versão francesa e a versão inglesa, quer entre termo de partida e termo

equivalente, discutindo a solução de tradução encontrada no contexto jurídico de chegada. Os

problemas de tradução abordados estão agrupados do seguinte modo:

Palavras da linguagem geral e termos provenientes de outros domínios de

conhecimento;

Sinonímia, homonímia e univocidade terminológica;

Siglas, acrónimos e outras abreviaturas;

Estrangeirismos;

Entidades, cargos e institutos jurídicos sem equivalência exata;

Antropónimos;

Expressões eufemísticas e o “politicamente correto”;

Fraseologias e colocações;

Erros mais frequentes na codificação de informação.

Paralelamente às questões de tradução, na versão final dos exemplos analisados são

introduzidas sugestões de melhoria ao nível da codificação da informação, tendo também em

conta os aspetos teóricos abordados na segunda parte.

A última parte deste relatório apresenta e discute as principais conclusões a retirar deste

trabalho, e integra uma avaliação da globalidade do trabalho realizado. Sumariamente, este

relatório pretende servir de modesta contribuição para outros alunos de cursos de Tradução e

tradutores em exercício que se deparem com situações semelhantes aos desafios que enfrentei

durante a realização das atividades do estágio, avaliando criticamente as decisões por mim

tomadas.

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1. CARACTERIZAÇÃO DO ESTÁGIO

1.1 A Área de Tradução enquadrada no Departamento de Assuntos

Jurídicos do Ministério dos Negócios Estrangeiros

O Ministério dos Negócios Estrangeiros (MNE) é responsável por coordenar e executar

a política externa de Portugal e é o órgão governamental através do qual o Estado Português

assegura a sua representação no estrangeiro, mediante missões diplomáticas junto de

organizações internacionais, embaixadas e postos consulares. Da Secretaria-Geral do MNE

fazem parte organismos como o Protocolo de Estado, o Departamento Geral de Administração,

o Instituto Diplomático e o Departamento de Assuntos Jurídicos (DAJ). Os serviços internos do

MNE contam ainda com secções como a Direção-Geral de Política Externa e a Comissão

Nacional da UNESCO.

O DAJ, sob alçada da Dra. Susana Vaz Patto, dispõe de duas direções de serviço

distintas: o Serviço de Direito Interno (DIN), dirigido pela Dra. Sílvia Galvão Teles, e o Serviço

de Direito Internacional Público (DIP), dirigido pelo Dr. Mateus Kowalski. Ao DIN compete a

elaboração de pareceres e estudos sobre matérias de natureza jurídica interna. Este serviço

assegura também a preparação e redação de diplomas e apoia outras autoridades competentes na

preparação e acompanhamento de processos em que estejam envolvidos outros órgãos ou

serviços do MNE. Ao DIP compete a elaboração de estudos de natureza jurídica internacional e

a participação portuguesa na negociação de acordos e tratados internacionais, exercendo ainda

as funções de depositário dos tratados e acordos internacionais de que faça parte o Estado

Português. Através da Área de Tradução (AT), chefiada pela Dra. Sofia Favila-Vieira, o DIP

assegura a tradução e revisão de todos os documentos necessários para o departamento,

nomeadamente tratados e acordos internacionais.

1.2 Descrição das atividades realizadas

Ao definir genericamente as atividades realizadas ao longo do estágio distinguem-se

duas grandes áreas: a primeira, relativa à tradução, retroversão e/ou revisão de documentos

necessários ao normal funcionamento do DIP; a segunda, relativa à colaboração nos projetos

Jurislingue e Trad-Iure, através da tradução de entradas dos mesmos. De seguida, irei

apresentar uma lista dos documentos traduzidos e revistos durante o estágio e na secção seguinte

irei identificar brevemente as principais características dos textos traduzidos, segundo tipologias

textuais específicas, já que, como afirma Vaz (2018: 23), o texto jurídico «constitui uma

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subclasse dos textos de linguagem especializada, a qual, por sua vez, também possui as suas

próprias subclasses de texto, devido ao facto de o género não ser homogéneo, agrupando textos

de naturezas diferentes, com características e estruturas diferentes». Assim sendo, o tradutor

deve estar preparado para as características dos diferentes subtipos de textos jurídicos,

adaptando as decisões de tradução às necessidades da situação comunicativa: «It is widely

accepted today that a court judgement needs different ways of interpretation than an Act of

Parliament. Less well disseminated is knowledge about the need to assess different styles in

writing and the need to adapt one’s hermeneutics to style» (Brand, 2009: 21).

A lista de textos traduzidos foi concebida de forma cronológica, do primeiro ao último

documento traduzido durante o estágio. O mesmo acontece com a lista de documentos revistos.

Excetuando o último documento revisto, cuja revisão e cujas alterações foram debatidas em

conjunto com a outra estagiária da FLUL da AT, Joana Guimarães, todos os textos trabalhados

foram traduzidos ou revistos individualmente por mim.

1.3 Lista de textos traduzidos e lista de textos revistos

1. Aviso da Convenção de Haia: Convenção Relativa à Supressão da Exigência da

Legalização dos Atos Públicos Estrangeiros n.º 17/2018 (1 página, 105 palavras).

2. Aviso da Convenção de Haia: Convenção Relativa à Supressão da Exigência da

Legalização dos Atos Públicos Estrangeiros n.º 18/2018 (2 páginas, 446 palavras).

3. Aviso da Convenção de Haia: Convenção Sobre os Aspetos Civis do Rapto

Internacional de Crianças n.º 23/2018 (2 páginas, 446 palavras).

4. Aviso da Convenção de Haia: Convenção Sobre a Obtenção de Provas no

Estrangeiro em Matéria Civil ou Comercial n.º 22/2018 (2 páginas, 449 palavras).

5. Aviso da Convenção de Haia: Convenção Relativa ao Processo Civil n.º 6/2018 (2

páginas, 432 palavras).

6. Notificação da ONU: Emendas ao Estatuto de Roma do Tribunal Penal

Internacional Relativas ao Crime de Agressão n.º 462/2018 (2 páginas, 470

palavras).

7. Aviso da Convenção de Haia: Convenção Relativa à Supressão da Exigência da

Legalização dos Atos Públicos Estrangeiros n.º 1/2019 (1 página, 98 palavras).

8. Aviso da Convenção de Haia: Convenção Relativa à Citação e Notificação no

Estrangeiro dos Atos Judiciais e Extrajudiciais em Matéria Civil e Comercial n.º

1/2019 (1 página, 164 palavras).

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9. Aviso da Convenção de Haia: Convenção Sobre os Aspetos Civis do Rapto

Internacional de Crianças n.º 5/2019 (1 página, 99 palavras).

10. Aviso da Convenção de Haia: Convenção Sobre Cobrança Internacional de

Alimentos em Benefício dos Filhos e de Outros Membros da Família n.º 1/2019 (9

páginas, 3.657 palavras).

11. Mensagem de correio eletrónico entre o MNE e o Consulado de Portugal em

Londres (1 página, 144 palavras).

12. Aviso da Convenção de Haia: Convenção Sobre os Aspetos Civis do Rapto

Internacional de Crianças n.º7/2019 (1 página, 119 palavras).

13. Aviso da Convenção de Haia: Convenção Relativa à Supressão da Exigência da

Legalização dos Atos Públicos Estrangeiros n.º3/2019 (1 página, 142 palavras).

14. Aviso da Convenção de Haia: Convenção Relativa à Competência, à Lei Aplicável,

ao Reconhecimento, à Execução e à Cooperação em Matéria de Responsabilidade

Parental e Medidas de Proteção das Crianças n.º 2/2019 (1 página, 151 palavras).

15. Notificação da ONU: ESTATUTO DE ROMA DO TRIBUNAL PENAL

INTERNACIONAL n.º 69/2019 (1 página, 148 palavras).

Lista 1: documentos traduzidos durante o estágio.

Total de páginas e palavras traduzidas durante o estágio: 26 páginas e 6.638 palavras.

1. Artigo para publicação: Acerca da Ativação da Jurisdição do TPI sobre o Crime de

Agressão de Claus Kreß (18 páginas, 11.586 palavras).

2. Acordo: Acordo entre a República Portuguesa e a Organização Europeia de

Direito Público para o Estabelecimento de um Escritório Regional da Organização

em Portugal (13 páginas, 2.836 palavras).

3. Acordo: Acordo sobre Serviços Aéreos entre a República Portuguesa e a República

da Coreia – Elementos para o processo de aprovação interna (24 páginas da versão

inglesa, 25 páginas da versão portuguesa, 32 páginas da versão coreana, 17.680

palavras).

4. Protocolo: Protocolo Adicional à Convenção relativa ao Contrato de Transporte

Internacional de Mercadorias por Estrada (CMR) (7 páginas da versão inglesa, 8

páginas da versão portuguesa, 4.517 palavras).

5. Acordo: Acordo entre a República Portuguesa e o Reino Unido da Grã-Bretanha e

Irlanda do Norte sobre a capacidade eleitoral ativa e passiva dos nacionais de

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cada um dos Estados que residam no território do outro nas eleições locais (5

páginas, 1.032 palavras).

Lista 2: documentos revistos durante o estágio.

Total de páginas e palavras revistas durante o estágio: 132 páginas e 37.654 palavras.

1.4 Subtipos de textos jurídicos traduzidos

Ilustrando a pluralidade de subtipos textuais existentes dentro do domínio jurídico, de

seguida passarei a identificar alguns exemplos de textos da área do Direito Internacional

traduzidos durante o estágio e as suas principais características.

Avisos

Os avisos são um tipo de documento escrito, transversal a diversas comunidades,

distinguíveis pelas suas particularidades linguístico-discursivas (e.g. empresas, instituições

públicas, organizações internacionais), mediante o qual se pretende transmitir informações com

eficácia. Apesar de serem um texto do tipo expositivo, os avisos têm predominantemente uma

função injuntiva, ou normativa, uma vez que as partes implicadas são – por força deles –

obrigadas a cumprir o que foi estipulado com a entidade emissora. Quanto à estrutura formal, o

registo (grau de formalidade) e a presença ou ausência de algumas características poderão variar

consoante o tipo de aviso e a entidade emissora.

Acordos (Tratados)

Na área do Direito Internacional, o termo «acordo» é utilizado, de uma maneira geral,

para definir textos em que é expressa uma concordância de vontades entre duas ou mais

entidades do Direito Internacional Público. Assim, consoante o que for determinado pelas

partes, «acordos» da mesma natureza podem ter várias designações mais específicas, como, por

exemplo, «tratado», «convenção», «convénio», «concordata», «pacto», «protocolo», etc. A

Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados,1 assinada a 23 de maio de 1969 (e cuja

vigência em Portugal se iniciou a 7 de março de 2004), contém a seguinte definição de tratado:

«acordo internacional concluído por escrito entre Estados e regido pelo direito internacional,

quer esteja consignado num instrumento único, quer em dois ou mais instrumentos conexos, e

qualquer que seja a sua denominação particular». Em suma, o termo «tratado» designa um

1 In www.dre.pt/web/guest/pesquisa/-/search/645765/details/normal?q=+Direito+dos+Tratados.

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acordo, sob a forma de documento escrito, entre entidades do Direito Internacional, com efeitos

jurídicos a nível internacional.

Protocolos

Em Direito Internacional, os protocolos são adendas a tratados, i.e., acréscimos,

complementos e modificações que não invalidam o conteúdo do documento para o qual

remetem. Um caso bastante famoso é o Protocolo de Quioto, que faz parte da Convenção-

Quadro das Nações Unidas para as Alterações Climáticas. Outro exemplo é o apresentado de

seguida, sob «Convenções».

Convenções

Apesar de não ter traduzido ou revisto nenhuma convenção durante o estágio, um dos

documentos por mim revistos, o Protocolo Adicional à Convenção relativa ao Contrato de

Transporte Internacional de Mercadorias por Estrada (CMR), remete, como o próprio nome

indica, para um documento original, do tipo «convenção», cuja definição passo a apresentar. O

termo «convenção» é utilizado no âmbito do Direito Internacional para definir um acordo

adotado entre organizações internacionais e que os Estados-membros dessas mesmas

organizações podem ratificar. No caso referido, a República Portuguesa é Parte na Convenção

relativa ao Contrato de Transporte Internacional de Mercadorias por Estrada (CMR), adotada

em Genebra em 1956. Esta convenção visa, entre outras coisas, regular as condições do contrato

de transporte internacional de mercadorias por estrada. O Protocolo adicional à Convenção,

adotado em 2008, tem como finalidade favorecer o estabelecimento da versão eletrónica da

declaração de expedição que acompanha as mercadorias no transporte internacional rodoviário,

de modo a assegurar com maior facilidade o cumprimento da legislação aplicável e a criação de

condições de concorrência equitativas para os operadores de transportes.

1.5 As ferramentas jurídicas Jurislingue e Trad-Iure

Para além das atividades de tradução e de revisão de documentos, necessárias ao normal

funcionamento do DAJ, a AT está envolvida noutras iniciativas, entre as quais no projeto

Jurislingue e no projeto Trad-Iure, que reúnem conhecimentos do domínio jurídico e do

domínio linguístico.2

O Jurislingue é um projeto que está sob alçada da Procuradoria-Geral da República,

resultando da iniciativa conjunta de vários organismos do Estado, entre os quais os ministérios

2 Jurislingue, www.gddc.ministeriopublico.pt/jurislingue. Trad-Iure, www.dre.pt/tradutor-juridico.

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da Administração Interna, Justiça e Negócios Estrangeiros, e conta com o apoio de diversas

entidades, entre as quais a Fundação para a Ciência e Tecnologia, a Universidade de Lisboa, a

Universidade Nova de Lisboa e a Universidade Católica Portuguesa. Intitula-se como um

dicionário jurídico e está disponível na página da Internet do Gabinete de Documentação e

Direito Comparado da Procuradoria-Geral da República. O acervo é agrupado segundo cinco

áreas distintas: Terminologia Jurídica; Organismos (nacionais e internacionais); Instrumentos

(bilaterais e multilaterais); Expressões Jurídicas; e Abreviaturas. As entradas são redigidas em

português por juristas envolvidos no projeto e cada entrada conta com informação relativa à

definição do termo, à abreviatura (quando existente), aos termos relacionados, às fonte de

referência e à área do Direito correspondente.

Foi-nos pedido (à minha colega de estágio e a mim) que retrovertêssemos o conteúdo

das entradas do Jurislingue de português para inglês. O documento ms-word que nos foi

fornecido contava já com uma lista de entradas em inglês e francês previamente retrovertidas do

português pelos anteriores colaboradores do projeto, organizada sob a forma de tabela. Na

primeira coluna é identificado o termo na língua de partida (em português) e o termo

equivalente na língua de chegada (e.g. francês), separados por uma barra. Na segunda coluna é

codificada a restante informação (definição, abreviatura, termos relacionados, fonte de

referência e área do Direito) na mesma língua de chegada. Na linha imediatamente a seguir, a

informação relativa ao mesmo termo era retraduzida de português para a outra língua de

chegada (inglês).

A criação do projeto Trad-Iure, objeto de estudo deste trabalho, teve como ponto de

partida o projeto Jurislingue, apresentando-se como

um glossário jurídico que compreende um léxico específico e especializado no domínio do

Direito, tendo sido concebido para auxiliar todo aquele que, num dado momento, contacta

com o Direito aplicável em Portugal e necessita de material de apoio qualificado que

contribua para a compreensão correta e, por conseguinte, para o tratamento adequado da

informação jurídica que lhe é transmitida ou que ele quer transmitir.3

Enquanto ferramenta de acesso público através do portal do DRE, o Trad-Iure foi um

projeto iniciado pelo XVII Governo Constitucional, no âmbito do programa SIMPLEX e, mais

especificamente, do programa SIMPLESGIS, financiado pela INCM.4 Este programa de

simplificação legislativa pretende: a) simplificar a legislação, garantindo mais acesso à

3 In www.dre.pt/sobre-tradutor 4 SIMPLEX, www.simplex.gov.pt/. SIMPLESGIS, www.dgpj.mj.pt/sections/politica-legislativa/anexos/avaliacao-

do-impacto/anexos9170/programa-simplegis/.

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legislação por parte das pessoas e empresas; b) melhorar a aplicação das leis, para que estas

possam atingir mais eficazmente os objetivos que levaram à sua aprovação.

Tendo sido a atividade de tradução à qual dediquei mais tempo durante o estágio, foi

por mim traduzido um total de 1440 unidades terminológicas para a língua portuguesa, tendo,

na maioria das vezes, a versão inglesa (e por vezes também a francesa) como termo de partida.

Relativamente à estrutra interna do documento ms-excel que nos foi fornecido, existiam 37

colunas, que passo a identificar. A primeira coluna remete para a data em que a entrada é

adicionada ao documento, ao passo que a segunda coluna remete para a data em que a entrada é

revista. Da terceira à sétima coluna são identificadas as datas em que a tradução é realizada para

cada língua de chegada, na seguinte ordem: português (PT), inglês (EN), francês (FR), alemão

(DE) e espanhol (ES). A oitava coluna identifica se o termo é um termo principal (P) ou um

termo relacionado (R). As colunas seguintes, intituladas de «Termo Pai» e de «Termo Pai Nova

Ortografia» dizem respeito à cabeça da entrada nas versões do Acordo Ortográfico (AO) de

1945 e de 1990, respetivamente. A 11.ª coluna identifica a data de revisão do termo em

português e a coluna seguinte identifica o grau de fiabilidade do termo em português. Esta

organização repete-se de língua para língua, na ordem acima mencionada, sendo identificado o

termo, a data de revisão, o tipo (variação geográfica) e o grau de fiabilidade. Na 29.ª coluna é

identificada a área do Direito. Na 30.ª coluna é identificada a fonte e na coluna seguinte é

identificado se o termo já foi inserido no Trad-Iure, isto é, no sistema de front office. Da 32.ª à

35.ª coluna, são identificadas as fontes (links) em inglês, francês, alemão e espanhol. A coluna

seguinte intitula-se de «Inserido no Trad-Iure (comentário)», e a última coluna remete para a

identificação da fonte em português.

Nas próximas secções, irei mencionar as instruções de tradução recebidas e vários

aspetos intrinsecamente relacionados com a produção de documentação multilinguística,

nomeadamente os fatores e agentes envolvidos na conceção da aplicação jurídica Trad-Iure.

1.6 Translation brief

Para que qualquer tradução seja bem-sucedida, é fundamental que sejam fornecidas

“instruções” de tradução precisas, já que «[s]omeone who translates undertakes to do so as a

matter of deliberate choice […] or because he is required to do so […]; in both cases, that is,

one acts in accordance with a “commission” […] without giving away freely to every particular

impulse» (Vermeer, 1989: 234-236). Traduz-se com um propósito determinado, o que não

implica que o critério do tradutor seja necessariamente o critério decisivo com que o produto

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final de tradução é levado a cabo. Não obstante, a existência de instruções de tradução

pressupõe que, ao longo do processo, o tradutor irá tomar as decisões que considerar necessárias

de modo a alcançar o objetivo com que a tradução é encomendada. As instruções de tradução

são uma identificação mais ou menos explícita da situação comunicativa da cultura de chegada e

atuam sobre o tradutor como linhas-mestras, influenciando-o mesmo antes de ter acesso ao texto

de partida: «his reception will inevitably be influenced by this knowledge, even though he may

do his best to approach the text in an unbiased way as possible» (Nord, 1991: 11). Assim sendo,

logo desde a leitura inicial, um bom profissional deverá fazer um levantamento dos problemas

de tradução que terá de enfrentar, tendo em conta as instruções (e limitações) impostas; daí ser

imperativo a existência destas instruções. Infelizmente, continua a verificar-se que, na

generalidade dos casos, este elemento é desvalorizado pelo cliente: «Unfortunately, practices

regarding translation briefs or instructions for producing the translation are far from consistent

and frequently problematic» (Byrne, 2006: 14). Nestes casos, o tradutor terá de tomar as

diligências necessárias para obter instruções precisas e “sensibilizar” o cliente para o futuro, já

que este elemento pode fazer a diferença entre o sucesso e o insucesso de uma tradução. No

nosso caso, foram-nos fornecidas instruções de tradução específicas (ainda que referentes a

questões estruturais), cujos principais requisitos passo a mencionar, já que influenciaram

consideravelmente as decisões de tradução discutidas mais à frente:

1. Identificação da quantidade de termos que cada estagiária deveria traduzir;

2. Traduzir de inglês (e, quando disponível, francês e inglês) para português;

3. Cada célula deve ter apenas um termo equivalente em cada língua;

4. Se forem encontradas novas soluções de tradução para a entrada, deve-se introduzir o

termo de partida (isto é, toda a linha correspondente à célula) e o novo termo

equivalente encontrado na nova folha criada, em vez de se adicionar uma nova linha à

folha inicial;

5. Dar primazia à qualidade e não à quantidade de termos traduzidos, optando idealmente

por termos consagrados;

6. Dar atenção à formatação, tendo em atenção erros e gralhas.

1.7 Circunstâncias e agentes envolvidos na produção de documentação

multilinguística

Nesta secção irei caracterizar as circunstâncias práticas e os agentes envolvidos na

produção de documentação multilinguística. Para isso irei adaptar a proposta defendida por

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Byrne (2006) ao projeto Trad-Iure. Apesar de o autor defender que é incorreto conceber a

tradução especializada como um sinónimo de tradução técnica, considera várias entidades

envolvidas na produção de documentação multilinguística (no contexto da tradução técnica) que

podem ser mencionadas para análise do objeto de estudo. Segundo ele, a produção de tradução

técnica (e especializada) não implica apenas o autor, o tradutor e o leitor, existindo um conjunto

de entidades que influenciam o produto final. Neste processo, que é a tradução, o tradutor inicia

a sua tarefa in media res, ou seja, o processo de tradução é já o culminar de todo um conjunto de

fases que se realizam previamente e que são levadas a cabo por diversos agentes, a começar

pelo iniciador do projeto, no original «Document Initiator» (Byrne, 2006: 12).

O iniciador do projeto, «the entity responsible for the production of the original source

language document» (ibid.), engloba um conjunto de instituições estatais que disponibilizam

glossários e outras ferramentas de terminologia jurídica nas suas páginas da Internet, de forma

gratuita e universal. Verifica-se cada vez mais a crescente importância que os Estados

democráticos têm dado à transparência e facilidade de acesso à legislação e à justiça —

fenómeno que se manifesta, por exemplo, através da disponibilização de informação com

recurso a linguagem mais simples e, portanto, de compreensão mais fácil e eficaz por parte do

cidadão—, ou não fosse o séc. XXI o século da sociedade da informação e da cidadania digital.

O Ministério da Justiça do Reino Unido e o Ministério dos Negócios Estrangeiros do Reino da

Bélgica, cujas ações se exercem maioritariamente a nível intralinguístico, são exemplo de

instituições com este tipo de preocupação. Outras instituições, como o Governo do Canadá e a

própria União Europeia, desenvolvem projetos interlinguísticos com vista à promoção e defesa

da pluralidade linguística e étnica das sociedades que representam.

O autor menciona um segundo interveniente, o produtor textual, que é instruído pelo

iniciador do projeto para produzir o documento. Ao contrário do que acontece na produção de

texto literário, jornalístico ou filosófico, no caso da produção de texto técnico e especializado, é

muito raro que o produtor textual ou o tradutor sejam identificados pela autoria do seu trabalho,

tendo sim como “cabeça-de-cartaz” a entidade iniciadora do projeto ou a entidade iniciadora da

tradução, que promove a criação do documento. É também bastante raro que neste tipo de

tradução o tradutor tenha acesso ao autor (produtor textual), como mais facilmente acontece na

tradução de “textos humanísticos”, uma vez que «[t]he completed document is returned to the

Document Initiator and distributed to customers» (ibid.).

O iniciador da tradução, «the person or entity responsible for starting the translation

process» é outro dos agentes envolvidos no processo de tradução multilinguística (ibid.). Se, por

um lado, é necessário a existência prévia de corpora que permitam construir um acervo deste

tipo, em contrapartida, o impulsionamento do projeto de tradução depende, efetivamente, do

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iniciador da tradução. No caso da base de dados com que trabalhei, podem-se identificar duas

entidades principais como iniciadoras da tradução: o DAJ e a INCM. Esta última é uma

sociedade anónima de capitais públicos, que, tal como o nome (acima apresentado como sigla)

indica, resultou da fusão entre a Imprensa Nacional (IN) e a Casa da Moeda (CM) em 1972.

Esta fusão traduz-se nas várias vertentes da instituição, que aposta em duas grandes áreas: a

cunhagem de moedas e a autenticação de artefactos de metais preciosos, por um lado; e a edição

de certas publicações oficiais, entre os quais o DRE, por outro lado. Assim, em última instância,

a INCM tem a seu cargo a tarefa de transmitir o património bibliográfico da língua portuguesa

entre gerações.

O DRE é o diário oficial do Estado Português, no qual são publicados os atos normativos

e jurisdicionais, sendo também o canal pelo qual o projeto Trad-Iure é disponibilizado ao público.

O novo portal do DRE, que conjuga toda a informação contida nas plataformas do DRE e do

DIGESTO (Sistema Integrado para o Tratamento da Informação Jurídica) numa nova plataforma

com mais capacidade e potencialidades surgiu em setembro de 2018. Segundo dados do Governo,

a média de visitas mensais ao dre.pt passou de 692.000 (em 2016) para 1.025.000 (em 2017) e

1.342.000 (em 2018).5 Este aumento de visitas pode estar também relacionado com o lançamento

de um dicionário de conceitos jurídicos (Lexionário),6 que conta já com 280 entradas, e com a

disponibilização do tradutor de termos jurídicos Trad-Iure. Esta nova plataforma «procura

responder às necessidades da nova geração de utentes, que utiliza regularmente as tecnologias da

informação e comunicação e está disponível para se relacionar com o ordenamento jurídico de

formas menos convencionais, em qualquer lado e a qualquer hora». Mais do que desenvolver o

lado quantitativo do acervo vocabular, ambos os projetos visam ser fontes de informação de

grande fiabilidade, de acesso universal e gratuito, facilitando o acesso à Justiça, para que “o todo

possa ser de todos”.

Por último, menciono o tradutor, «responsible for producing a foreign language version

of the original document» (Byrne, 2006:12). O DAJ e a INCM dispõem de tradutores in-house.

Uma das grandes vantagens da tradução in-house, relativamente à tradução freelance, é que

normalmente o tradutor in-house tem acesso mais facilitado a materiais internos à instituição,

como por exemplo a traduções previamente feitas e aprovadas pela instituição e a outros

documentos pertinentes, bem como a especialistas da própria instituição, neste caso, juristas do

DIP e do DIN. No meu caso, devo admitir que a consulta de especialistas da área do Direito foi

fundamental para esclarecer dúvidas de tradução relacionadas com as implicações legais de

determinados termos jurídicos.

5 In www.portugal.gov.pt/download-ficheiros/ficheiro.aspx?v=69600fb9-2055-450d-8f4a-469ed3360715 (consultado

a 04-06-2019). 6 Lexionário do Diário da República, www.dre.pt/web/guest/lexionario.

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2. ALGUMAS QUESTÕES TEÓRICAS

Neste capítulo, irei abordar algumas questões pertinentes para enquadrar os problemas

específicos de tradução – e bem assim de codificação da informação – sentidos ao longo da

colaboração no projeto da base de dados terminológica do DAJ. As decisões de tradução, mas

especialmente de codificação da informação, sugeridas ao longo do terceiro capítulo, que têm

em conta as questões aqui discutidas, incidem sobretudo em alterações ao nível da

reestruturação do documento ms-excel e, quando aplicadas, terão consequências práticas na

disponibilização da informação na ferramenta jurídica de acesso ao público, no sentido de a

tornar mais user friendly. Estas sugestões são perspetivadas com um sentido crítico, mas

construtivo.

De modo a enquadrar o leitor relativamente à linha de pensamento seguida nesta

reflexão, há que abordar uma série de questões e fatores apresentados segundo uma lógica

própria. Em Human Rights in Translation (1999), Garre considera que o processo de tradução é

influenciado por fatores distintos e que a abordagem selecionada pelo tradutor implica a seleção

de determinados filtros aplicados ao processo de tradução: «These filters are not to be

considered random or optional, but rather fundamental and decisive for the translation process

and product and for the sucessful application of the translation as a text and a legal document

within a legal system» (1999: 1). Desta forma, o trabalho realizado é considerado segundo três

áreas, ou dimensões, distintas, mas interligadas por zonas de contacto, o que significa que as

questões tratadas são perspetivadas dentro de apenas uma área, mas influenciam e são

influenciadas por questões de outras áreas, não obedecendo a limites rígidos. A ilustração 1

representa as áreas abordadas que confluem no produto final de tradução:

Ilustração 1: Fatores que influenciam as escolhas do tradutor no processo de tradução e codificação da

informação, adaptado de Garre (1999).

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2.1 O texto jurídico

As normas de conduta que constituem o Direito são formuladas por cada Estado de

acordo com fatores históricos, ideológicos, sociais e culturais, consoante as circunstâncias que

as tornam necessárias e de acordo com a mentalidade e a sensibilidade dos indivíduos que

constituem a sociedade. O Direito pode originar-se através da obediência natural a regras não

escritas, mas tidas como costume num dado grupo social, ou pode materializar-se na Lei, isto é,

em texto escrito, e é imprescindível para o normal funcionamento do sistema social como o

conhecemos, enquanto sistema de regulação da ação e do comportamento, em suma, da vida em

sociedade.

Segundo Borja Albi (2000), «legal texts are primarily texts, i.e. linguistic entities

following the normal rules of language, and only at a second level may be different from texts

from other areas of discourse due to the special situational factors affecting the formulation and

application of the texts» (apud Engberg, 2013: 10). O texto do domínio jurídico engloba vários

subgéneros distintos entre si, mas destaca-se dos outros tipos de texto pelas dificuldades e

complexidade das questões que coloca ao nível da interpretação, da real aplicação no

ordenamento jurídico e da tradução para outra língua. De seguida, passarei a enunciar algumas

das características gerais que diferenciam o texto do domínio jurídico de outro tipo de textos,

segundo Harvey (2002 apud Engberg, 2013: 9):

1. Legal discourse gives rise to legal effects.

Os textos do domínio jurídico apresentam características formais, seguindo regras e

convenções específicas. Apesar de fazerem parte de um género textual heterogéneo,

prototipicamente, os textos do domínio jurídico apresentam uma função imperativa e

informativa, produzindo efeitos jurídicos e desempenhando funções específicas na jurisdição em

que se inserem. Ao serem traduzidos e transpostos para uma língua e cultura de chegada com

jurisdição diferente da de partida, os textos podem adquirir um valor meramente documental,

não produzindo efeitos jurídicos diretos. No entanto, estes documentos podem servir de base

para o debate e para a produção de legislação futura, influenciando indiretamente o contexto

jurídico de chegada.

2. Law is a system-bound discipline.

Como foi referido anteriomente, o Direito pode ser definido como um sistema de

normas de conduta que regulam a sociedade, sendo uma disciplina vinculada a ordenamentos

jurídicos concretos. Os sistemas jurídicos são conjuntos de normas interrelacionadas, sendo

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diferenciados pelos seus princípios básicos. Quase todos os países do mundo inserem-se no

espetro dos cinco sistemas jurídicos principais: romano-germânico (civil law), anglo-saxão

(common law), consuetudinário (customary law), religioso (religious law) e híbridos (mixed or

pluralistic law). Existe ainda o direito internacional público (international law), que é um

sistema que regula a interação entre os sujeitos de direito internacional, ou seja, os Estados e as

organizações internacionais.7 Espera-se que o tradutor jurídico – elemento mediador entre o

texto de partida, redigido segundo as normas de um sistema jurídico concreto, e o público de

chegada, inserido numa jurisdição por vezes completamente distinta – tenha conhecimentos

alargados do Direito praticado no contexto de partida e de chegada, já que, para encontrar uma

solução de tradução adequada, o tradutor tem inevitavelmente de comparar os diferentes

sistemas jurídicos em causa. Brand (2009: 20) afirma que, «to make his comparison meaningful,

the comparist needs to describe foreign law in ‘its particular coordinate system, […] according

to the original sources, with its own instruments, spirit, and perspective’». Deste modo, o

processo de tradução implica primeiramente a imersão no contexto do sistema jurídico de

partida, analisando o termo no seu “habitat natural”, o que permite ponderar pontos de contacto

e discrepâncias relativamente ao contexto jurídico de chegada, na procura da tão almejada

solução de tradução.

3. Requirements on fidelity are higher than in other areas.

Em Estudos de Tradução, conceitos como a «fidelidade» (fidelity) e a «precisão»

(accuracy) são utilizados enquanto pilares da disciplina, apesar da aura de vagueza que envolve

o seu significado concreto. Em todas as áreas em que traduz, o tradutor deve ser fiel ao texto de

partida, transpondo com precisão o conteúdo do texto para a língua de chegada. Ora, estas

directrizes são de maior importância na tradução de texto jurídico do que, por exemplo, na

tradução de texto literário, uma vez que este tipo de texto produz efeitos jurídicos concretos na

jurisdição em que assenta. Sabendo o tradutor que o texto jurídico é alvo de intenso escrutíneo e

interpretação por parte dos profissionais da área do Direito, mas também por parte do público

em geral, este deve apresentar um texto que seja fiel ao texto de partida em todas as suas

vertentes.

4. Legal texts are characterized by ambiguity and interpretation.

Apesar do cuidado com que são redigidos, os textos do domínio jurídico são uma fonte

de constante debate e controvérsia devido à vagueza e ambiguidade que os envolvem. Apesar de

7 Disponível em www.cia.gov/library/publications/the-world-factbook/fields/308.html (consultado a 06-06-2019).

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este tipo de texto apresentar estruturas linguísticas bastante estáveis, que se repetem de forma

mais ou menos invariável de documento para documento (do mesmo tipo), estas repetições não

se tornam muito úteis para a interpretação, já que a formulação complexa do discurso, com

recurso a frases longas e frequentemente sujeitas à alteração da ordem básica dos constituintes

frásicos, «obscure[s] meaning, confuse[s] readers and generally make[s] the text less

accessible» (Byrne, 2006: 86). A frequente alteração da ordem frásica, associada ao elevado

grau de formalidade e ao recurso a latinismos e a arcaísmos, ilustra as marcas retóricas e

prosódicas ainda presentes na linguagem jurídica. Seria de esperar que, dadas as implicações

legais da aplicação do texto jurídico na vida dos cidadãos, este tipo de texto utilizasse

linguagem simples e concisa. O que acontece é precisamente o contrário, sendo bastante comum

o cidadão leigo sentir dificuldade em decifrar a linguagem jurídica pelas questões acima

mencionadas. Aliás, no mundo anglófono, esta questão até originou a criação do termo

Legalese, para designar a linguagem formal e técnica com que este tipo de texto é redigido, e o

nascimento de um movimento opositor às suas complexidades, o Plain English.

2.1.1 Terminologia (jurídica)

Há tipos de linguagem que claramente não são associados às situações quotidianas e a

linguagem jurídica é um deles. A linguagem jurídica, tal como outras linguagens de

especialidade, opera num contexto específico e integra centralmente palavras (ou conjuntos de

palavras) técnicas, que em Terminologia são denominadas de «termos» e que designam

conceitos próprios de um determinado domínio de conhecimento: «The information in scientific

and technical texts is encoded in terms or specialized knowledge units, which are access points

to more complex knowledge structures» (Faber & Rodriguez, 2012: 9). Segundo o Manual of

Specialised Lexicography (Bergenholtz & Tarp, 1995), a maioria dos linguistas faz a distinção

entre LGP (Language for General Purposes) e LSP (Language for Special Purposes), ou seja,

entre a linguagem geral, não especializada e usada no dia-a-dia, e a linguagem que é utilizada

em domínios específicos. Embora, do ponto de vista da situação comunicativa, toda a produção

de discurso utilize LGP, este manual propõe: «to dismiss altogehter the existence of LGP as a

phenomenon in its own right, assuming instead that each usage is specific to a certain situation»

(1995: 18). Assim sendo, cada situação comunicativa é única e requer configurações linguísticas

específicas, selecionando em maior ou menor grau léxico especializado e léxico não-

especializado.

Em linguagem especializada (LSP), um termo ou unidade terminológica distingue-se de

um vocábulo da linguagem geral (LGP) pela «relación unívoca com el concepto especializado

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que designa (fenómeno denominado de monosemia)» (Pavel & Nolet, 2002: 20). Ainda segundo

as autoras (2002: 18), cabe ao terminólogo o trabalho de

identificar los términos que designan los conceptos próprios de un campo temático,

confirmar su uso mediante documentos de referencia precisos, describirlos com

concisión distinguiendo el buen uso del uso incorrecto, y recomendar o desaconsejar

ciertos usos a fin de facilitar una comunición exenta de ambiguidades.

A dificuldade, segundo Brand, é que, ao contrário de outros domínios do conhecimento

em que os conceitos são os mesmos, variando apenas na maneira como são expressos nas

diferentes línguas, na tradução de texto jurídico algumas unidades lexicais são “resistentes” à

tradução, quer porque mudam de sentido consoante o contexto, e portanto admitem várias

hipóteses de tradução, quer porque representam conceitos jurídicos únicos (2009: 23). Ao

contrário das leis da Natureza, as leis do Direito, enquanto fruto das relações sociais, são uma

conceção altamente cultural, circunscrita num espaço e tempo específicos:

Não se pode [...] esquecer que as leis jurídicas podem não ser aplicadas, ou não ser

observadas em casos individuais ou até por toda a sociedade (desuso) e que o que numa

época é considerado matéria jurídica, ou seja, conteúdo do Direito vigente, não o será

necessariamente ou não o foi noutra época. O Direito positivo varia na mesma sociedade

e no mesmo território através do tempo. Pode até ser diferente de região para região, na

mesma época, do território considerado. Não há um conteúdo universal e intemporal do

Direito: o que cabe na forma do jurídico tem de ser historicamente considerado

consoante o tempo e o lugar (Caetano, 1981: 14).

Assim sendo, a terminologia utilizada em Direito (e noutras áreas relacionadas, como a

Economia, as Finanças, a Política, etc.) advém de conhecimento ancorado no contexto histórico-

social (Bergenholtz & Tarp, 1995: 60), daí que não seja suficiente perspetivar os problemas de

tradução tendo em conta apenas o eixo da proximidade/distância linguística e o eixo da

proximidade/distância cultural:

In culture-dependent knowledge, the subject-matter is culture-dependent, since

historically and culturally it has developed its own specific features within delimited

geographical areas. For this reason the subject-matter usually differs from country to

country, from language community to language community.

Se, durante o processo de tradução, o tradutor tiver em conta apenas estes dois eixos,

estará a ignorar um dos principais problemas da tradução jurídica, nomeadamente que as

discrepâncias advindas da transferência de conhecimentos especializados entre a língua de

partida e a língua de chegada podem levar à falta de designações adequadas para denominar um

termo na língua de chegada: «in many cases, there is no one-to-one relation at word level

between words in two legal languages from different legal systems» (Engberg, 2013: 12). Na

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tradução jurídica, consoante a motivação da encomenda de tradução, a terminologia pode ser

agrupada segundo parâmetros distintos, e.g. por sistema jurídico, por país, por língua, etc.

Para além do conhecimento linguístico da língua estrangeira, obviamente necessário ao

tradutor de qualquer área, o tradutor do domínio jurídico tem de possuir conhecimentos

jurídicos sólidos «que moldem a sua aptidão e competência linguísticas à linguagem jurídica e

lhe permitam descodificar esta última, para depois poder transpô-la, não só para outra língua,

mas também, e principalmente, para a realidade de outro sistema jurídico» (Favila-Veira, 2012:

80). O tradutor deve conhecer bem as estruturas morfológicas, sintáticas e lexicais de forma a

garantir o uso correto e uniforme dos termos documentados, e ainda, «what legal effects it is

supposed to have, and how to achieve that legal effect in the other language» (Schroth, 1986:

56-56 apud Šarčević, 2000: 5).

2.2 Questões relacionadas com as obras de referência para questões

linguísticas (incluindo bases de dados terminológicas, do tipo do Trad-

Iure)

Nesta secção, que denominei inicialmente com o título genérico de «Questões

relacionadas com o meio», agruparei uma série de questões – de tipos bastante diversos –,

relacionadas com as obras de referência para questões linguísticas, nomeadamente dicionários e

enciclopédias, por um lado, e glossários ou bases de dados terminológicas (com especial

destaque para o Trad-Iure, com análises por vezes detalhadas desta ferramenta), por outro.

Tentarei distinguir nos títulos das secções o âmbito de aplicação de cada questão para o trabalho

em causa, que, como se verá, é muito variável (para qualquer obra de referência do plano

linguístico, nuns casos; só para glossários/bases de dados, noutros casos).

2.2.1 Principais características das obras de referência para questões

linguísticas

As obras de referência para questões linguísticas (e.g. dicionários, enciclopédias e

glossários ou bases de dados) são documentos em papel ou em formato eletrónico que contêm

listas de itens de informação compiladas segundo um assunto específico. Muitas apresentam

informação de carácter essencialmente informativo e utilitário, razão pela qual se podem

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encontrar paralelismos entre elas e o texto técnico. Normalmente, como acontece no caso de

manuais de instruções de um produto (o exemplo cliché no que ao texto técnico diz respeito), o

leitor não pega num dicionário para o ler de fio a pavio. Irá, sim, selecionar e ler a(s) entrada(s)

necessária(s) para obter a informação que deseja: «Here, the crucial factor is the fact that users

are using the product to perform another task. The use of the product is secondary to a user’s

true intention» (Byrne, 2006: 98).

Enquanto obras de referência, as ferramentas linguísticas acima mencionadas querem-se

como recursos de extrema fiabilidade e afirmam-se como figuras normativas e de autoridade no

plano linguístico. No caso dos dicionários, a própria palavra «suggests authority, scholarship,

and precision» (Landau, 1989: 5). Desta forma, é expectável que as obras de referência sigam

regras de estilo, que se traduzem quer em regras de formatação rígidas quer na atenção prestada

à linguagem utilizada. Na tentativa de representar uma visão universal da informação contida

nas obras de referência, pressupõe-se a utilização de linguagem denotativa e ausente de marcas

de subjetividade. Claro que, enquanto produtos editoriais que funcionam num mercado livre,

pode haver variações na qualidade técnica dos dicionários e enciclopédias, devendo o tradutor

ter informação sobre aqueles aos quais é reconhecido – por exemplo, no meio académico –

maior mérito e fiabilidade.

Na área terminológica, o recurso à informática permite melhorar significativamente a

produtividade, qualidade e acessibilidade dos conteúdos: «Esta realidad se aplica especialmente

al caso de los terminólogos que […] deben crear, actualizar y explotar grandes ficheros

terminológicos informatizados concebidos para un gran número de usuários» (Pavel & Nolet,

2002: 20). As bases de dados terminológicas, também conhecidas como glossários de termos,

são acervos digitais que contêm termos e as respetivas traduções e são específicos de uma área

ou de uma empresa/cliente. Tal como os dicionários em papel, as bases de dados terminológicas

podem ser mono ou multidireccionais. A diferença reside no facto de, normalmente, as bases

terminológicas disponibilizarem apenas o termo de partida e os termos equivalentes nas outras

línguas, ao passo que um verbete de dicionário abrange um espetro de informação mais

alargado.

Normalmente concebidos em formato digital, os glossários terminológicos são, na sua

maioria, projetos multilinguísticos, sendo ferramentas altamente versáteis e plurivalentes, já que

podem ser personalizadas consoante as necessidades de quem as cria, através da adição de

secções, também denominadas neste trabalho de «parâmetros» ou «campos», para codificar

informação sobre domínio e subdomínio do conhecimento, descrição do conceito, fontes,

termos relacionados, ficheiros multimédia e hiperligações, etc. Enquanto ferramentas que

auxiliam e complementam o processo de tradução, as bases de dados terminológicas permitem

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agilizar o processo de tradução e atingir resultados consistentes. Podem ser criadas de raiz,

como no caso sob análise, ou ser fruto de traduções realizadas em programas de tradução

assistida por computador em conjunto com programas de extração de terminologia. No caso do

glossário jurídico, foi utilizada uma folha de cálculo em formato ms-excel, devido à capacidade

do software na gestão dos dados e pesquisa de padrões. Este tipo de software permite a

colaboração de vários profissionais, não só tradutores, bem como informáticos, que irão

introduzir e codificar os dados no sistema front office, de acesso ao público.

2.2.2 Conhecimento linguístico versus conhecimento enciclopédico nas obras

de referência

Nesta secção, abordo as características das obras de referência tendo em conta o tipo de

conhecimento que englobam. Tal como afirma Landau (1998), por norma o conhecimento

incluído nos dicionários está relacionado com conhecimento linguístico, ao passo que o

conhecimento presente nas enciclopédias remete para conhecimento extralinguístico.

A dictionary is a book that lists words in alphabetical order and describes their meaning.

Modern dictionaries often include information about spelling, syllabication, pronunciation,

etymology (word derivation), usage, synonyms, and grammar, and some illustrations as

well. An encyclopedia is a collection of articles about every branch of knowledge. Although

the articles are usually arranged alphabetically, and thought they often include definitions,

their descriptions go far beyond the information given in a dictionary. (Landau, 1998: 5)

Ou seja, segundo Haiman (1979), os dicionários relacionam as palavras com outras palavras, ao

passo que as enciclopédias relacionam as palavras com factos extralinguísticos.

(...) knowledge of language is distinct from knowledge of the world. Consequently,

dictionaries of the ideal theoretical type must remain mute on the subject of cats, horses,

and elephants beyond specifying their purely linguistic properties (ortography,

pronunciation, etymology). (Haiman, 1979: 331)

Contudo, é difícil definir as linhas que separam o tipo de conhecimento a incluir em dicionários

e em enciclopédias, já que «most lexicographers seem to be of the opinion that the difference is

subtle and the boundaries fluid, and that it is often hard to pinpoint what should be regarded as

linguistic or encyclopedic» (Svensén 2009: 289). Assim sendo, apesar de ser comum, para

alguns autores é erróneo distinguir fundamentalmente dicionários de enciclopédias quanto ao

tipo de conhecimento presente em cada tipo de obra, já que são raros os dicionários que lidam

única e exclusivamente com conhecimento linguístico.

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Svensén (2009: 290) propõe uma esquematização relativamente ao grau de

conhecimento enciclopédico existente nas obras de referência:

Ilustração 2: Grau de conhecimento enciclopédico (Svensén, 2009: 290).

Relativamente ao trabalho realizado, houve várias alturas em que senti a necessidade de

complementar a entrada não só com conhecimento linguístico, mas também com conhecimento

extralinguístico. Berman (1985/2004: 281) afirma que «clarification is inherent in translation, to

the extent that every translation comprises some degree of explicitation». Apesar de este autor

conceber a clarificação como uma estratégia de tradução deformante e a evitar, é extremamente

difícil para o tradutor, e, penso eu, infrutífero para as necessidades do utilizador, a criação de

uma ferramenta jurídica do tipo do Trad-Iure sem a introdução de elementos enciclopédicos que

orientem o utilizador para os pontos de contacto e discrepâncias entre o termo de partida e o

termo equivalente. Como afirmam Bergenholtz & Tarp (1995: 64), «for a bilingual law

dictionary to fulfil its purpose it should provide a minimum of encyclopedic information to

enable the user to compare the legal systems of the countries in question and to choose the

correct equivalent». Desta forma, sugere-se a criação de um novo campo/parâmetro (coluna) na

base de dados que permita a codificação de informação relativa a observações que o tradutor

considere pertinentes, entre as quais a definição ou outro tipo de elementos enciclopédicos.

2.2.3 Direção linguística em dicionários e em bases de dados multilingues

Os dicionários podem ser classificados segundo o número de línguas neles

consideradas. A consulta de dicionários monolingues é realizada por norma para solucionar

questões de receção textual, relacionadas principalmente com a dificuldade de compreensão do

texto, sendo neles apresentado um largo espectro de informação relativa a cada entrada,

destinada a «provide their users with an introduction to the subject field covered by the

dictionary and to solve the possible encyclopedic problems that may arise» (Bergenholtz &

Tarp, 1995: 64). Já o conteúdo dos dicionários com duas ou mais línguas de trabalho (bilingues

e multilingues) é bastante variável, sendo frequente integrarem menor quantidade de informação

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enciclopédica que os dicionários monolingues: «Some do not provide any encyclopedic

information at all, listing only the lemmata along with their foreign-language equivalents»

(ibid.). Os dicionários multilingues têm a vantagem de condensar num único dicionário vários

dicionários bilingues, «not only making it possible for the user to compare different languages,

but also to save space» (1995: 54). As suas principais desvantagens prendem-se com as grandes

proporções que o dicionário pode atingir e com a complexidade da microestrutura, que pode

dificultar o acesso à informação. Bergenholtz & Tarp (1995) propõem três modelos de

dicionários multilingues com conteúdo especializado, tendo em conta a direção linguística:

Ilustração 3: Principais tipos de dicionários multilinguísticos, segundo Bergenholtz & Tarp (1995: 55).

O utilizador deve ter em atenção que o modelo 1 apresenta uma direção linguística

única, ou seja, no que ao conhecimento condicionado pela cultura diz respeito, a retradução do

termo equivalente para a língua de partida não é válida para efeitos de tradução:

It stands to reason that in view of all the various linguistic and cultural discrepancies

there is no possibility of constructing a set of truly equivalential rules which would

correlate directly the utterances in any two languages. This means that in principle there

is no such an utterance xA in the language A which could be translated into the language

B exactly and solely as xB. This implies that the translational correspondence is an

asymmetrical relation: If xA is translated as xB, this does not mean that when proceeding

in the reverse direction, xB must necessarily be translated as xA. (Krupa, 1969: 51).

Tendo em conta o front office da aplicação jurídica Trad-Iure, esta ferramenta é baseada

no modelo 1. Ou seja, o utilizador escolhe uma das cinco línguas de trabalho disponíveis como

língua de partida e uma das restantes quatro línguas de trabalho como língua de chegada. Já os

modelos de dicionários 2 e 3, apesar de terem vantagens acrescidas em termos de usabilidade da

informação e, acima de tudo, de serem excelentes ferramentas de comparação interlinguística,

apresentam problemas extremamente complexos no que toca a conhecimento condicionado pela

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cultura (culture-dependent knowledge), razão pela qual não são utilizados para compilar

conhecimento do domínio jurídico.

Contudo, o sistema de back office, descrito na secção 1.5, não coincide com o modelo

de front office, já que todo o trabalho realizado até outubro de 2018 está inserido e organizado

na mesma folha de cálculo, Isto significa que não é explícita qual a direção linguística do

trabalho realizado, nomeadamente qual é o termo de partida e quais são os termos equivalentes.

Neste sentido, propõe-se a reestruturação do documento de back office, através da redistribuição

do trabalho realizado por várias folhas de cálculo, distintas entre si pela língua de partida. Desta

forma, cada folha de cálculo contaria com apenas uma língua de partida e as restantes línguas de

chegada, preservando uma única direção linguística de tradução, como demonstra a ilustração 4:

folha de cálculo 1 folha de cálculo 2 folha de cálculo 3 folha de cálculo 4 folha de cálculo 5

Ilustração 4: Sugestão de redistribuição do termos em folhas de cálculo distintas, segundo uma língua de

partida e direção linguística de tradução única.

2.2.4 Informação geográfica sobre as línguas em bases de dados

terminológicas

Para que o utilizador possa avaliar a utilidade do termo pesquisado, é de extrema

importância – principalmente em bases de dados terminológicas multilingues (como o Trad-

Iure) – a adição de informação relativa ao contexto “geográfico” do termo, e não apenas a

identificação do idioma em vigor. Isto porque, como já foi referido anteriormente, o Direito é

uma disciplina vinculada a um sistema jurídico concreto. Assim sendo, mesmo que dois grupos

sociais partilhem a mesma língua, não quer dizer que partilhem o mesmo sistema jurídico.

Estando a terminologia ancorada num contexto jurídico específico, podem dar-se casos em que

um dado vocábulo tenha a mesma forma escrita, mas a sua significação (valor) varie dentro do

mesmo idioma, originando termos distintos. Na base de dados em que trabalhei no estágio, esta

informação é codificada no campo (coluna) denominada de «Tipo». Este campo, que se repete

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para cada língua, delimita o escopo geográfico de ação do termo. Inicialmente não concebi o

preenchimento deste campo como sendo de carácter obrigatório, considerando o seu

preenchimento pertinente apenas quando se encontram discrepâncias entre idioma e sistemas

jurídicos como as acima mencionadas. Contudo, reponderei este aspeto, considerando antes que,

sempre que necessário, o escopo geográfico deverá ser codificado segundo a denominação

geográfica mais específica possível. Esta situação é ilustrada mais à frente, na secção 3.5, em

que os termos do discurso jurídico escocês são classificados com o escopo geográfico do Reino

Unido (RU).

Por questões de coerência, sugere-se que o código utilizado para identificar o idioma (e

escopo geográfico) sofra algumas alterações relativamente ao glossário original, já que as

formas de denominação dos idiomas por extenso não correspondem às formas abreviadas. Esta

incoerência verificou-se principalmente na identificação da língua alemã, que na forma

abreviada foi identificada ora por «DE» ora por «AL».

A nomenclatura sugerida para denominar os idiomas da base de dados segue a norma

ISO 639-1, ao passo que a variante (geográfica) é referida a partir da lista de códigos de países

usados pela OTAN, já que a ISO não considera, por exemplo, os países que constituem o Reino

Unido. De seguida, passo a exemplificar a nomenclatura sugerida (não apresentando, por

motivos de economia de espaço, todas as variantes contempladas):

Português – PT

Variantes: PRT (Portugal), BRA (Brasil), etc.

Inglês – EN

Variantes: GBR (Reino Unido), SCO (Escócia), USA (Estados Unidos da América),

CAN (Canadá), AUS (Austrália), etc.

Espanhol – ES

Variantes: ESP (Espanha), etc.

Francês – FR

Variantes: FRA (França), BDI (Burundi), CAN (Canadá), etc.

Alemão – DE

Variantes: Alemanha (DEU), Áustria (AUT), Suíça (CHE), etc.

Este tipo de divisão em idioma e variante geográfica permite a formação de múltiplas

combinatórias. Por exemplo, teoricamente, o idioma espanhol pode ter como variante geográfica

os E.U.A, quer devido ao facto de, tecnicamente, os E.U.A não possuírem uma língua oficial

quer devido ao facto de 13% da população ter como língua materna o espanhol. No entanto,

admito que esta combinatória (ES + USA) terá expressão nula na base de dados, uma vez que

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grande parte do discurso jurídico estado-unidense é produzida em inglês. Num outro tipo de

caso, o bilingualismo oficial do Canadá originará a criação de legislação tanto em inglês como

em francês, sendo que o contexto canadiano utilizará terminologia jurídica diferente da utilizada

em Inglaterra e em França. As combinações EN + CAN e FR + CAN permitem facilmente

identificar as variantes relevantes, na base de dados.

2.2.5 Organização estrutural em bases de dados terminológicas

As bases de dados terminológicas, comummente conhecidas como glossários de termos,

obedecem, tal como as restantes obras de referência e auxiliares linguísticos, a princípios de

organização estrutural. De seguida irei identificar alguns dos conceitos básicos necessários à

construção deste tipo de acervo:

Lema: «Le lemme est le titre qu'on donne au paradigm d’un mot, don’t la flexion

présente plusieurs forms, c’est-à-dire, le titre d’un mot pris comme unite à la fois

graphique et sémantique».8 | «The lemma directs the user to the required dictionary

article, headed by the lemma» (Bergenholtz & Tarp, 1995: 15).

A lematização dos termos é uma questão de enorme importância, já que representará o

culminar das decisões tomadas pelo tradutor:

the establishment of lemmas assumes previous lemmatization, but it also includes

deciding how lexical items having identical base forms are to be presented in the

dictionary, and to what extent word elements and multi-word lexical items are to be

accorded lemma status (Svensén 2009: 94).

Equivalente: «designates the translation of the lemma or other source-language

expression into the target language. Equivalents are thus only provided in bilingual and

multilingual dictionaries» (Bergenholtz & Tarp, 1995: 15).

O termo equivalente designa o termo na língua de chegada. Na maioria das entradas que

traduzi para a base de dados, a língua de chegada será a portuguesa, se bem que há ocasiões

(devidamente assinaladas) em que também é apresentado um termo equivalente em francês.

Megaestrutura: «The MEGASTRUCTURE of a dictionary is the relationships and order

between its main components» (Svensén 2009: 379).

8 In Revue - Organisation Internationale pour l’étude des langues anciennes par ordinateur, nº 2, 1969, p.41 apud

Ferreira, 1987: 7).

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Macroestrutura: «refers to the arrangement of the stock of lemmata in the word list»

(Bergenholtz & Tarp, 1995: 15).

Microestrutura: «refers to the arrangement of the information provided in the

individual dictionary articles» (ibid.)

Independentemente do propósito para a qual é construída, uma base de dados

terminológica deverá conter termos-chave do domínio de especialidade na língua de partida e

equivalentes de tradução aprovados para a língua de chegada, e, quando necessário, uma

definição clara e contexto de uso apropriado.

No trabalho em questão, isto é, na base de dados Trad-Iure, as entradas podem ser

constituídas por:

termos simples

e.g.: «Hearing», «Trespass», «Parenting».

termos compostos

e.g.: «Preliminary hearing», «Minor trespass», «Parenting plan».

sintagmas ou conectores (e.g. preposicionais) complexos

e.g.: «Notice of hearing», «On the face of», «Driving under the influence of intoxicants».

formas abreviadas (acrónimos e siglas)

e.g.: «F&U (Forgery and Uttering)», «MIWA (First Degree Murder While Armed)», «GL

(Grand Larceny)».

Embora não seja uma questão estritamente de organização estrutural, aproveitarei esta

secção para fazer algumas considerações sobre a classificação da fiabilidade dos termos nas

bases de dados terminológicas (que é um aspeto de microestrutura).

No contexto terminológico, é comum a existência de um campo reservado para a

classificação do grau de fiabilidade de um termo (de partida ou equivalente). Por exemplo, a

base terminológica da UE, IATE, fala em «assessment of reliability», ao passo que o

TERMIMUM Plus®, base terminológica do Governo do Canadá, põe esta questão em termos de

«acceptability rating». Esta classificação é autoavaliativa, ou seja, é o tradutor que classifica o

grau de fiabilidade de um termo com base na conjunção de vários fatores, que podem ser

resumidos em questões de quantidade de ocorrências em corpora paralelos, e de qualidade

desses mesmos corpora. Em última análise, esta classificação autoavaliativa expõe os princípios

éticos do tradutor, já que «one should look at translation not merely as a linguistic exercise, but

as an action grounded in ethical principles and framed in a certain ideological and political

sphere» (Cruz, 2017: 98).

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Na base de dados em que trabalhei, os termos de partida e as respetivas traduções são

classificados segundo três níveis de fiabilidade:

Termo consagrado: são os termos mais fiáveis, quer a nível de atualização

temporal quer a nível de consagração na língua, sendo reconhecidos como

corretos pelos especialistas da área de conhecimento relevante. Para que um

termo seja classificado como termo consagrado, é necessário que seja um

termo estável e cristalizado na língua e que esteja contido em corpora

institucionais, devendo ser acompanhado por fontes oficiais.

Termo comum: são termos correntemente utilizados no contexto em causa,

mas que diferem dos termos consagrados por poderem ser termos da

linguagem comum ou, sendo termos especializados, por não estarem

documentados em corpora institucionais nem estarem aprovados oficialmente.

Sugestão: são os termos com nível de fiabilidade mais reduzido, propostos

pelo tradutor. Este tipo de classificação deve-se à ausência de resultados em

pesquisas relevantes ou à própria incapacidade do tradutor em avaliar a

fiabilidade do termo. É de evitar e as soluções de tradução assim classificadas

requerem maior atenção na fase de revisão, devendo-se confirmar se a criação

da entrada no sistema é compatível com o nível de rigor ambicionado.

Note-se, marginalmente, que a classificação do grau de fiabilidade também pode estar

relacionada com fatores sociolinguísticos e diafásicos, já que, consoante a maior ou menor

formalidade da situação comunicativa, os registos linguísticos por parte dos falantes podem

variar. Também a linguagem utilizada no domínio jurídico é “povoada” por diferentes tipos de

registo, sendo o contacto entre a linguagem jurídica e a linguagem não jurídica um processo

natural e constante. A propósito da variação em causa, Newmark (1987: 52) propõe três

variedades de linguagem técnica, segundo o seu nível de registo ou formalidade, e que podem

ser adaptados à organização da terminologia jurídica:

1. Academic. This includes transferred Latin and Greek words associated with

academic papers.

2. Professional. Formal terms used by experts.

3. Popular. Layman vocabulary, which may include familiar alternative terms.

Curiosamente, podem ser referidos paradigmas extremos no que toca à origem da

terminologia jurídica (no caso dos E.U.A): o que provém da cultura popular (e.g. Matrix

defense) e o que tem raízes latinas (e.g. Volenti defense). Por outro lado, também é comum a

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introdução e difusão de palavras ou expressões relacionadas com a aplicação prática da justiça

por parte dos meios de comunicação social. A este respeito, deve-se ter em conta que, apesar de

utilizarem muitas vezes termos oficiais e consagrados na Lei, os órgãos de comunicação

também difundem termos de uso comum para explicar a linguagem técnica jurídica.

2.2.6 Fontes consultadas na criação de bases de dados terminológicas (breve

nota)

A criação de ferramentas linguísticas (como as bases de dados terminológicas) obedece

a regras específicas e envolve um grande trabalho de pesquisa e precisão terminológica. Assim

sendo, mesmo que os colaboradores sejam especialistas da área de conhecimento tratada,

dificilmente conseguirão “dar conta do recado” tendo por base apenas conhecimento próprio.

Para estes, e para todos os outros tradutores sem formação na área do Direito, a pesquisa

realizada na Internet – que poderá colmatar lacunas de conhecimento – deve ser, acima de tudo,

crítica e seletiva; como afirma Byrne, «[t]hankfully, the Internet provides a gateway to all

information you need but the problem is how to find it and, when you have, how to decide

which information is the most reliable» (2012: 185 apud Cadete, 2016: 12). Em contraponto

com a facilidade de acesso a informação através da Internet, temos que qualquer indivíduo pode

escrever na Internet o que quiser e fazer passar essa informação como fidedigna. Desta forma,

aconselha-se a pesquisa em páginas eletrónicas que pertençam a organizações internacionais e

estatais, que apresentam o cunho de qualidade da instituição que a publica, em detrimento de

fontes não aprovadas oficialmente.

Na base de dados terminológica Trad-Iure, quer os termos de partida quer os termos

equivalentes contêm um campo dedicado à identificação da fonte consultada, que pode ser

referida através de citação ou de hiperligação. É de ressaltar que, apesar de a inserção de uma

hiperligação permitir mais rapidamente o acesso direto à fonte consultada, a referência com via

a endereços da Internet apresenta frequentemente erros de ligação e outros fenómenos de

desatualização que, no fundo, inviabilizam este tipo de identificação para consulta por parte dos

utilizadores. Adicionalmente, a inserção de hiperligações ativas ao longo do documento ms-

excel torna o sistema mais lento e consequentemente dificulta e retarda o acesso por parte dos

colaboradores.

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2.2.7 Parâmetros temporais e de atualização dos termos em bases de dados

terminológicas

São várias as entidades responsáveis por cunhar termos da linguagem jurídica, entre as

quais autoridades governamentais, órgãos judiciais e grupos de pressão (Brand, 2009: 27). Dado

o elevado número de agentes criadores de legislação e de agentes que interpretam a lei, como,

por exemplo, os juízes, os magistrados, etc., é fácil compreender as dificuldades criadas, em

termos de manutenção da coerência, ao nível da terminologia utilizada, quer no Direito Interno

português quer no Direito Europeu e no Direito Internacional, sendo «frequente o divórcio

entre, designadamente, a terminologia jurídica europeia e a terminologia jurídica internacional»

(Favila-Vieira, 2012: 84).

Language is […] a temporal phenomenon and thus subject to the conditions of time […].

A natural consequence of this fact is, firstly, the necessity of re-translating one and the

same SL text, if the TL has changed to such an extent, that the TL version reflecting

previous language conditions does not guarantee functional equivalence any more.

(Reiss, 1971/2004: 170)

É inevitável que, mais cedo ou mais tarde, a atualização de algumas entradas do Trad-

Iure fique comprometida, tal como acontece com quaisquer outras obras de referência que lidam

com domínios do conhecimento em constante expansão. Com efeito, apesar de o Direito ser um

domínio enraizado ao longo de séculos nas sociedades humanas, tem-se assistido, nas últimas

décadas, à expansão e criação de novas áreas de aplicação, o que implica também a criação e

importação de terminologia jurídica para suprimir as lacunas recém-geradas na língua de

chegada: «If the field we are treating has become well established, the terminology will be

stable, but if the field is new and still expanding, the terminology will be rather unstable, and

problems arise when it comes to deciding which expressions should be taken as standard terms»

(Nagao, 1994: 403). Certos termos caem em desuso e são classificados como obsoletos, sendo

substituídos por outros mais atuais, considerados mais adequados no contexto vigente.

Enquanto membro de várias organizações intergovernamentais, a legislação portuguesa

está sujeita às diretrizes propostas por estas instituições supranacionais. A notícia de que o

Governo Português iria adotar um novo regime jurídico do «maior acompanhado» a partir de

fevereiro de 2019 é um exemplo do fenómeno acima mencionado, indo ao encontro da posição

tomada previamente por organizações como a ONU e a UE: «It is recommended that States

parties create statuary language protecting the right to legal capacity on an equal basis for all».9

A criação deste novo regime jurídico vem substituir os institutos da «interdição» e da

9 In A Study of Equal Recognition before the law: Contributions towards the Council of Europe Strategy on the

Rights of Persons with Disabilities (2017: 15). PDF. Disponível em https://bit.ly/2xAefCI (consultado a 05-07-2019).

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«inabilitação» do ordenamento jurídico português. No entanto, esta alteração não deve ser

entendida como uma mera atualização legislativa, mas como um esforço no sentido de eliminar

a carga negativa ainda associado a estes institutos e, acima de tudo, de valorizar e dignificar as

pessoas portadoras de deficiência perante a lei.

A alteração e atualização de termos da área jurídica implica alterações a nível

legislativo e processual, mas também requer uma adaptação por parte de toda comunidade

jurídica a novas práticas e princípios. Infelizmente, a falta de recursos humanos na AT não

permite a constituição de uma equipa dedicada unicamente à atualização e revisão regular dos

instrumentos traduzidos e publicados em Diário da República. Por esta razão, todos os

profissionais envolvidos na publicação destes conteúdos, quer sejam juristas ou linguistas, têm

um papel fundamental no processo de harmonização e uniformização da terminologia jurídica

corrente.

Assim sendo, propõe-se a criação de um novo campo (coluna) na base de dados

terminológica Trad-Iure que permita a classificação temporal dos termos, distinguindo

essencialmente termos de uso não contemporâneo:

Arcaísmo: classificação dada aos termos que caíram em desuso e não são

utilizados na linguagem moderna, exceto para a criação de efeitos estilísticos. A

maioria dos termos latinos pode ser considerada de uso arcaizante.

Obsoleto: classificação dada aos termos utilizados no passado recente, mas que

deixaram de ser utilizados nos dias de hoje devido à substituição por novas

designações.

Pressupõe-se que classificação temporal dos termos não seja de caráter obrigatório, já

que, por defeito, prevê-se que estes estejam atualizados, devendo ser sinalizados apenas os casos

em que isso não acontece.

2.2.8 Parâmetros linguísticos em bases de dados terminológicas

Sugere-se a introdução de parâmetros linguísticos na base de dados Trad-Iure que

considerei relevantes e que se prendem essencialmente com três aspetos distintos, descritos a

seguir como (i), (ii), (iii). Naturalmente, para outras bases de dados, poderiam ser considerados

relevantes outros parâmetros.

(i) identificação de neologismos e estrangeirismos;

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A criação de novas áreas de aplicação do Direito e a permeabilidade da linguagem

jurídica à influência mútua entre sistemas jurídicos tem como consequência a frequente

importação e a exportação de jurisprudência e de abordagens teóricas, e a criação de

neologismos que se integram nos sistemas jurídicos e linguísticos de chegada: «Most legal

cultures have grown from absorbing foreign ideas and borrowing from foreign experiences»

(Brand, 2009: 24). A criação de neologismos e o recurso a estrangeirsmos são resposta a lacunas

linguísticas específicas na língua de chegada e ilustram a “vivacidade” das línguas naturais.

Contudo, Newmark (1987) alerta que «[s]ince they usually arise first in a response to a

particular need, a majority of them have a single meaning and can therefore be translated out of

context, but many of them soon acquire new (and sometimes lose the old) meanings in the TL»

(op. cit.: 140). Assim sendo, no caso de existirem várias formulações concorrentes na língua de

chegada, cabe ao terminólogo a tarefa de uniformização terminológica, evitando a generalização

de variantes paralelas e contraditórias, visto que «the purpose of any new standardisation is

always to establish a single one-to-one relationship between a referent and its name» (Newmark,

1987: 152). Os principais estrangeirismos referenciados na base terminológica Trad-Iure são

latinismos, anglicismos e galicismos, ainda que este fenómeno não se limite aos três idiomas em

causa.

(ii) referência a outros termos pertinentes e a termos relacionados;

A introdução de um campo relativo à referenciação, na base Trad-Iure, pretende indicar

ao utilizador a existência de informação complementar que poderá ser pertinente para a pesquisa

a realizar. É o tradutor que decide e seleciona qual a informação adicional a ser integrada na

entrada, normalmente tendo por base quer conhecimento pessoal prévio quer conhecimento

apreendido na fase de pesquisa que integra o processo de tradução. Como afirmam Bergenholtz

& Tarp (1995: 215), «circularity must be avoided, meaning that the user should never be

referred from A to B, and then from B back to A», visto que este tipo de referenciação é

geralmente inútil para o utilizador. Contudo, podem verificar-se situações de circularidade

aquando da ilustração de fenómenos de sinonímia e de variações de grafia. Neste caso, a decisão

é justificada e não implica um sentimento de “beco sem saída” (ou genuína “circularidade”) por

parte do utilizador.

(iii) identificação da categoria gramatical dos lemas e dos equivalentes.

A identificação da categoria gramatical dos lemas e dos equivalentes é de especial

importância, já que um vocábulo – entendido como «unidade abstracta sob a qual se reagrupam

formas diferentes mas pertencentes à mesma lexia» (Ferreira, 1987: 7) – de categoria

morfológica diferente poderá levar à constituição de lemas distintos. Assim sendo, a

identificação da categoria gramatical dos termos de partida e dos seus equivalentes, por um

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lado, permite diferenciar termos homógrafos mas gramaticalmente distintos e, por outro lado, é

pertinente para analisar possíveis alterações da categoria gramatical do equivalente face ao

termo original e, consequentemente, perceber melhor os contextos de uso para as tarefas de

produção textual, de receção textual e de tradução. Propõe-se que a classificação usada no Trad-

Iure para a identificação da categoria gramatical dos lemas e dos equivalentes seja:

ADJ (adjetivo ou locução adjetival);

SADJ (sintagma adjetival);

ADV (advérbio ou locução adverbial);

SADV (sintagma adverbial);

N (nome);

SN (sintagma nominal);

V (verbo);

SV (sintagma verbal).

Como abordarei mais à frente (no terceiro capítulo), além destes três parâmetros

linguísticos, em alguns casos também é pertinente a codificação de informação relativa ao

género e ao número, nomeadamente ao nível da formação do plural e do feminino.

2.2.9 Parâmetros temáticos (classificação de subdomínios) em bases de

dados terminológicas

Apesar de o conteúdo dos dados trabalhados remeter para um único campo temático (o

do Direito), a multiplicidade de escopos de aplicação da área jurídica justifica a sua divisão em

subdomínios específicos. Para além de servir de filtro de pesquisa, a identificação do

subdomínio do Direito para a qual o termo remete permite não só criar um ponto de referência

(contextualização) para o utilizador que desconhece totalmente a significação do termo, mas

também resolver ambiguidades e distinguir entradas representadas no idioma com o mesmo

signo linguístico, isto é, termos homónimos:

Las disciplinas conexas y las tecnologias convergentes pueden compartir algunos

conceptos y los términos que los designan. En ocasiones, un mismo concepto pude

recibir distintas designaciones en función del campo temático en que se utilice o el

mismo término puede designar conceptos diferentes en otras especialidades. En qualquer

estos casos, la indicación del campo temático resuelve cualquier ambigüidad (Pavel &

Nolet, 2002: 20).

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Os domínios identificados na base de dados terminológica Trad-Iure são: (Direito)

Penal, (Direito) Civil, Economia/Financeiro, Terminologia Geral, Organização

Judiciária/Processual, (Direito) Internacional/Comunitário, (Direito) Comercial, Direito

Internacional Privado, Direito dos Estrangeiros (Fronteiras, Asilo, Imigração e Tráfico de Seres

Humanos), (Direito) Administrativo/Fiscal, (Direito do) Trabalho e Segurança Social, (Direito)

Constitucional/ Princípios Jurídicos. Adicionei ainda os seguintes domínios: Perícias médico-

legais e forenses, Medicina Legal, Arbitragem Internacional, Profissões Jurídicas.

2.3 Questões relacionadas com a receção em bases de dados

terminológicas: utilizador e usabilidade

Nas secções que se seguem, irei abordar questões relacionadas com o utilizador, no

sentido de tentar satisfazer as necessidades daqueles que usufruem do sistema de front office do

Trad-Iure.

2.3.1 As funções das bases de dados terminológicas (enquanto dicionários

especalizados) adaptadas ao perfil do utilizador

A partir da segunda metade do século XX, o paradigma da tradução, que ao longo de

vários séculos se concentrou no texto e na dicotomia entre tradução literal (word-for-word

translation) e tradução do sentido (sense-for-sense translation), transfere o seu foco do contexto

de partida para o contexto de chegada, sendo o produto final de tradução fortemente

influenciado pela função comunicativa que o texto terá na cultura de chegada:

For a long time the main factor determining translation strategy was text type […]. In

1971 Katherina Reiss made a significant contribution to general translation theory by

proposing a text typology that takes into account not only the subject matter but also the

function of the particular text type (1971: 32). […] German scholars […] now view

translation as a “cross-cultural event” (Snell-Hornby, 1988: 43) embedded in an act of

communication. Released from his/her commitment to reproduce the source text, the

translator is a text producer who creates a new text on the basis of the communicative

factors of reception in each situation. At first it was believed that translation strategy is

determined primarily by the type of audience to whom the target text is directed, thus

leading to the “discovery” that the same text can be translated in different ways for

different receivers. Thereafter, the main emphasis was shifted to the communicative

function or purpose of a translation. As in Hans Vermeer´s skopos theory, the functional

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approach requires translators to produce a new text that satisfies the cultural expectations

of the target receivers for texts with the intended skopos (Šarčević, 2000: 1, ênfase meu).

Na secção 1.7 abordei os agentes e os fatores envolvidos no processo de tradução

multilinguística sem, contudo, ter mencionado o último elo da “cadeia tradutiva”: o recetor/

utilizador. Qual o efeito de uma tradução, enquanto ato comunicativo, se durante o processo da

sua realização o tradutor não tiver em conta as “especificidades” do público de chegada?

Chesteman (1997: 183-4) afirma que «the initial goal of communication is understanding, […]

the goal of the translation action is to produce understanding: of producing a change of state

from non-understanding to understanding». Já Brand (2009: 29), numa vertente distinta, mas

relacionada, alerta para o aumento crescente da iliteracia funcional como uma problemática com

a qual o tradutor deve contar durante o processo de tradução: «all western societies are suffering

from a growing number of people that cannot grasp the meaning of normative texts». O

dicionário Priberam define «literacia» como a «capacidade de usar a leitura e a escrita como

forma de adquirir conhecimentos, desenvolver as próprias potencialidades e participar

ativamente na sociedade» (ênfase meu).10

Assim, num sentido muito amplo, o tradutor jurídico

deve questionar-se sobre a eficácia real do texto que traduz, e, eventualmente, sobre a força

normativa da Lei codificada em texto traduzido, se os cidadãos visados não entenderem o

conteúdo dos textos. No âmbito do trabalho que realizei, a questão mais importante foi pensar

nas eventuais especificidades do utilizador e antever as principais dificuldades, de modo a

encontrar soluções adequadas, em linha com a recomendação de Bergenholtz & Tarp (1995:

77): «uncovering the needs of potential users in relation to the information categories to be

incorporated in the dictionary as well as the representations of this information».

Reiss & Vermeer (1984: 101 apud Byrne, 2006: 14) afirmam que para traduzir com

eficácia, o tradutor precisa de entender e conhecer plenamente o público para o qual está a

traduzir. Apesar de a ferramenta Trad-Iure ter características que permitem estreitar o espetro de

potenciais utilizadores (visto que é, na prática, um dicionário especializado do domínio do

Direito), a conceção de um “utilizador ideal” sob linhas rígidas é virtualmente impossível, já

que o tradutor não conhece efetivamente os “utilizadores reais” da ferramenta: «there may be a

vast number of different people, all with different backgrounds, knowledge, abilities, skills and

patterns of use who will all be using the product» (Byrne, 2006: 98).

Uma das especificidades dos utilizadores a ter em conta prende-se com os diferentes

graus de literacia que possuem. De acordo com Nida (1953: 155), a capacidade de

descodificação de um texto, i.e. a habilidade para o compreender, é dividida em quatro níveis:

10 Disponível em www.dicionario.priberam.org/literacia (consultado a 08-06-2019).

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1. the capacity of children, whose vocabular and cultural experience are limited;

2. the double-standard capacity of new literates, who can decode oral messages with

facility but whose ability to decode written messages is limited;

3. the capacity of the average literate adult, who can handle both oral and written

messages with relative ease; and

4. the unusually high capacity of specialists (doctors, theologians, philosophers,

scientists, etc.), when they are decoding messages within their own are of

specialization.

Os níveis 1 e 2 foram inicialmente excluídos da minha representação mental de

utilizadores ideais, já que parece improvável que uma criança faça uso desta aplicação, e que os

indivíduos no início do processo de alfabetização da língua materna recorrerão mais facilmente

a um dicionário monolingue do que a este tipo de ferramenta lexicográfica. Porém, durante o

período de estágio, observei uma situação recorrente: a grande afluência de pessoas à Direção-

Geral dos Assuntos Consulares e das Comunidades Portuguesas, o que me leva a ponderar um

novo tipo de utilizador potencial do Trad-Iure. Genericamente, poderíamos pensar num novo

nível de capacidade de interpretação, não contemplado por Nida:

5. a capacidade dos falantes não-nativos na fase inicial (e em fases posteriores) de

aprendizagem de uma língua estrangeira, que não tenham nenhuma das línguas de

trabalho como língua materna.

Assim sendo, e em linha com o que assumem explicitamente diversos autores, penso

que não se deve considerar apenas a capacidade de descodificação de textos na língua materna

(i.e. a competência intralinguística), tendo em conta o maior ou menor grau de conhecimento

enciclopédico dos utilizadores, e.g. especialista (juristas, estudantes, tradutores e outros

profissionais que contactam com a área do Direito e que estejam familiarizados com o tipo de

linguagem utilizada) versus generalista (indivíduo leigo que poderá necessitar de explicações

mais aprofundadas sobre o tópico ou aspetos culturais), mas também o nível de conhecimento

da língua estrangeira (foreign-language competence)11

enquanto fator determinante para a

seleção de informação a ser incorporada e representada no dicionário/base de dados:

Further considerations include the native language of the intended user group, i.e.

whether the dictionary is designed for native speakers or for non-native speakers (too).

Where the latter is the case, more and more detailed, grammatical information on

individual lemmata is often required. Besides, to facilitate comprehension, the

explication language also must often be adapted to the user type in mind. (Bergenholtz &

Tarp, 1995: 48)

11 Cf. Bergenholtz & Tarp (1995: 21).

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Apesar de o tradutor orientar o seu trabalho para “utilizadores imaginados” ou “ideais”,

com objetivos também eles necessariamente presumíveis, «it should be ascertained in which

situations the user is intended to benefit from the dictionary and consequently which types of

information should be provided to fulfil the requirements arising in these situations»

(Bergenholtz & Tarp, 1995: 20). As tabelas seguintes (adaptadas de Bergenholtz & Tarp, 1995)

identificam as principais necessidades de codificação de informação para os utilizadores,

segundo funções específicas dos dicionários, atendendo ao parâmetro língua nativa vs. não

nativa:

Production

a) orthography, gender, pronunciation,

irregularity, collocations, usage information

b) standard, field label or brief

explanation

a) orthography, gender, pronunciation,

irregularity, collocations, usage information

b) standard, field label or brief explanation

Reception

c) word class, gender, pronunciation,

irregularity

d) encyclopedic note

c) word class, gender, pronunciation,

irregularity

e) translation equivalent

d) encyclopedic note

Native language Foreign language

Tabela 1: parâmetros de informação necessários à produção e receção textual (adaptado de Bergenholtz

& Tarp, 1995: 24).

on the native

language

c) word class, gender, pronunciation,

irregularity

a) orthography, gender, pronunciation,

irregularity, collocations, usage

information

on the foreign

language

a) orthography, gender, pronunciation,

irregularity, collocations, usage

information

c) word class, gender, pronunciation,

collocations, irregularity

[other information]

e) translation equivalent

f) degree of equivalence

b) standard, field label or brief

explanation

e) translation equivalent

f) degree of equivalence

b) standard, field label or brief

explanation

Translation into the foreign

language

Translation from the foreign

language

Tabela 2: parâmetros de informação necessários à tradução para a língua estrangeira e a partir dela

(adaptado de Bergenholtz & Tarp, 1995: 24).

No caso de ser consultada enquanto ferramenta linguística para encontrar soluções de

tradução, a base de dados terminológica deve oferecer um largo espetro de informação, tendo

em conta que «terminology prepared for translators must contain contexts that provide

information on how to use the term, and, ideally, provide information about the concept in order

to ensure translators use the precise term to refer to a specific content» (Cabré, 1998: 48).

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2.3.2 Maximização da usabilidade

A usabilidade é uma dimensão secundária, mas crucial para que a interação entre

qualquer plataforma, ferramenta ou produto e o utilizador seja bem-sucedida. Segundo a norma

ISO 9241-11, a usabilidade é definida como «extent to which a system, product or service can

be used by specified users to achieve specified goals with effectiveness, efficiency, and

satisfaction in a specified context of use» (ênfase meu).12

. Assim sendo, a utilização de

qualquer produto, mas neste caso, da ferramenta terminológica, surge de uma necessidade

anterior, de um estado de desconhecimento, para atingir um objetivo posterior, um (novo)

estado de conhecimento: «usability means that the people who use the product can do so quickly

and easily to accomplish their own tasks» (Dumas & Redish’s, 1999: 4 apud Byrne, 2006: 98).

No entanto, como afirma Byrne (2006), a usabilidade é um conceito relacionado com a forma

como os utilizadores fazem uso da informação, não devendo ser confundido com a utilidade

dada à informação apresentada, que é de inteira responsabilidade do utilizador: «Usefulness

refers to the potential use users can find for something whereas usability refers to how users can

use it» (Byrne, 2006: 97).

Detenhamos-nos agora na questão que podemos referir como “os cinco E’s da

usabilidade” propostos por Quesenbery (2001 apud Byrne, 2006: 155).

Eficácia (Effectiveness)

It addresses whether the software is useful and helps users achieve their goals accurately.

If users cannot actually do the thing they set out to do (or do something unnecessary), it

probably doesn’t matter whether the experience is short or long, easy or hard. In the end,

they have failed to complete their tasks or meet their goals. If we want to be able to

measure effectiveness, we have to understand how people define success or usefulness

[…]. (Quesenbery, 2004: 5).

O grau de eficácia da aplicação está intrinsecamente relacionada com o grau de

satisfação do utilizador e, apesar de o tradutor não poder ser totalmente responsabilizado pelo

conteúdo disponibilizado, já que existem questões técnicas que ultrapassam em larga escala o

âmbito tradutológico e terminológico, este é eticamente responsável pela veiculação de

informação correta sobre o termo de partida e pela relação fidedigna com o equivalente

disponibilizado.

12 In www.iso.org/obp/ui/#iso:std:iso:9241:-11:ed-2:v1:en (consultado a 26-09-2019).

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A falta de satisfação do utilizador relativamente ao front office da ferramenta pode

dever-se: a) ao não reconhecimento do termo pelo sistema devido a erro tipográfico, ao facto de

o termo pesquisado não corresponder a um lema, ou à sua total ausência na base de dados; b) a

resultados de pesquisa pouco “convincentes” para o utilizador, com vista às suas necessidades

específicas.

Eficiência (Efficiency)

«Efficiency is the speed (with accuracy) with which work can be done. Efficiency may be

something that is carefully defined […]. Or it may be a subjective judgment of when a task is

taking “too long” or requires “too many clicks”» (Quesenbery, 2004: 5). Neste caso, a questão

da eficiência é mais notória ao nível do documento ms-excel, do que propriamente da

ferramenta jurídica. Sabe-se que quantos mais campos de informação existirem no documento,

mais completa será a informação disponibilizada ao utilizador. No entanto, a crescente

complexidade do documento também retarda o processo de tradução, revisão e lançamento de

entradas no sistema.

Atratividade (Engaging)

An interface or system is engaging if it is pleasant and satisfying to use. An engaging

system will hold a user’s attention and make using it a rewarding experience. This

characteristic can be affected by such things as the visual design of the interface where

the readability of the text as well as the type of interaction can change a user’s

relationship with the interface and system. The way in which information is chunked also

plays a role in how engaging an interface is […]. (Byrne, 2006: 155).

A atratividade do front office da ferramenta é uma questão que, neste projeto, ultrapassa

em larga escala o âmbito do trabalho do tradutor, remetendo para o âmbito da Informática.

Antevisão do erro (Error tolerance)

In an ideal world, every system and interface would be free form errors and the people

who use them would not make any errors. However, it would be naïve to expect users

not make at least some mistakes. Consequently, a usable system should pre-empt the

types of errors a user is likely to make and either make it very difficult to make these

errors or at least provide ways of identifying and rectifying errors when they occur. In

this case […] clear and precise information and instructions are essential. Similarly,

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warnings and precautions should be given in good time to prevent users “jumping the

gun” or performing invalid actions (Byrne, 2006: 155-156).

Quanto à questão da antevisão do erro, e consequentes medidas corretivas, mencionada

por Byrne (2006), a ferramenta sugere um conjunto de termos lexicalmente semelhantes ao

termo pesquisado, quando a pesquisa é infrutífera. Noutras situações, o sistema apresenta os

termos com maior frequência de procura, na esperança de que essa lista ofereça o termo

desejado.

Facilidade de aprendizagem (Ease of learning)

«Ease of learning concerns how well the product supports both initial orientation and deeper

learning. A product may be used just once, once in a while, or on a daily basis. It may support a

task that is easy or complex, and the user may be an expert or a novice in this task»

(Quesenbery, 2004: 5). A ferramenta Trad-Iure não apresenta um nível de complexidade

elevado, sendo fornecida informação sobre a sua utilização de modo bem visível. Contudo, para

o colaborador da base terminológica, a introdução de informação nas células específicas pode

não ser totalmente intuitiva ou coerente com o resto do documento, uma vez que o processo de

tradução é realizado maioritariamente de forma autónoma e só depois revisto e confrontado com

outras soluções ou corrigido. Assim sendo, sugere-se a redação de uma “cábula interna” que dite

e exemplifique o tipo de informação que os colaboradores devem introduzir, no sentido de

facilitar a produção de dados coerentes e fidedignos, que (idealmente) implicará um menor

esforço de revisão na fase de pós-tradução.

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3. QUESTÕES PRÁTICAS DE TRADUÇÃO (INTEGRANDO SUGESTÕES

DE MELHORIA NA BASE DE DADOS)

Ao longo deste capítulo, irei apresentar alguns exemplos de entradas da base de dados

traduzidas durante o estágio (quase uma centena) e farei uma análise linguística das soluções de

tradução presentes no resultado final. Paralelamente, irei propondo as sugestões de melhoria

previamente abordadas, consoante a pertinência para cada questão.

3.1 Palavras da linguagem geral e termos provenientes de domínios

especializados do conhecimento

Teoricamente, os dicionários especializados são uma mais-valia para o utilizador, já

que, ao circunscreverem o domínio de conhecimento abordado, conseguem cobri-lo de forma

mais exaustiva e aprofundada, ao contrário dos dicionários gerais da língua, que fazem um

levantamento e compilação do léxico geral. A maioria dos vocábulos e expressões do léxico

geral não ganha um novo significado no discurso jurídico, daí que nestes casos o utilizador

consulte dicionários gerais da língua em vez de dicionários de domínios especializados do

conhecimento. No entanto, existem casos em que conceitos não necessariamente relacionados

com o domínio jurídico adquirem novas denominações quando representados neste contexto.

Assim sendo, uma das grandes dificuldades para o tradutor passa pela delimitação de critérios,

ou filtros, que lhe permitam identificar e selecionar os elementos da linguagem geral pertinentes

para serem incorporados em acervos de domínio especializado e, neste caso, a serem incluídos

na lista de entradas da ferramenta: «The problem of distinguishing between LSP terms and

common words as well as deciding wether common words should be lemmatised at all»

(Bergenholtz & Tarp, 1995: 102).

O tradutor pode optar entre duas abordagens distintas. A primeira abordagem, mais

radical, passa por eliminar da base de dados todos os termos não-jurídicos, optando apenas por

compilar os termos estritamente desta área. A segunda abordagem, que foi a adotada por mim,

tem em mente a interdisciplinaridade do Direito com outras áreas e passa pela seleção de léxico

da linguagem geral comummente utilizado no contexto jurídico e considerado relevante (e uma

mais-valia) para o utilizador ao nível da receção textual, da produção textual e da tradução.

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3.1.1 Termos provenientes da linguagem geral

Os exemplos discutidos nesta secção remetem para um conjunto de léxico que, à

primeira vista, não faz parte da esfera da terminologia jurídica.

No primeiro exemplo, abaixo, o segmento gaming house é polissémico, isto é, apresenta

diferentes aceções. Segundo Contente (2008: 38), a «polissemia na linguagem de especialidade

ocorre em diferentes domínios, ou seja, apesar de os termos serem polissémicos eles têm um

significado unívoco no âmbito de cada domínio de conhecimento» (apud Cadete, 2016: 5).

Neste caso, o primeiro significado, pelo qual o termo do exemplo é mais popular nos dias de

hoje, remete para o domínio dos videojogos. Pode também referir salões de jogos, isto é,

estabelecimentos com máquinas arcade. Mas esta aceção está a cair em desuso nos dias de hoje

(assim como os próprios estabelecimentos estão a desaparecer). Enquanto termo do domínio

jurídico, gaming house é sinónimo de gambling house. O hipónimo casino não é um equivalente

satisfatório em português, já que o Serviço de Regulação e Inspeção de Jogos (SRIJ) e a

legislação disponível fazem uma distinção entre, por exemplo, casinos e salas de bingo. Assim

sendo, optou-se pelo termo casa de apostas. Neste caso, observa-se uma mudança ao nível

semântico aquando a tradução, através da alteração da ênfase, mas também do grau de abstração

relativamente aos termos de partida, estratégias definidas por Chesterman (1997: 104), na qual é

utilizado um termo conceptualmente mais específico, sendo frisado o ato de apostar.

No exemplo 2, launder e blanchir são exemplos de verbos cujo sentido primário

(linguagem geral) é «to wash (something, such as clothing) in water»,13

e «rendre blanc quelque

chose»,14

respetivamente.

13 Definição em: www.merriam-webster.com/dictionary/launder (consultado a 22-08-2019). 14 Definição em: www.larousse.fr/dictionnaires/francais/blanchir/9742 (consultado a 22-08-2019).

Exemplo 1 (versão final)

TP (ING) Gaming house termo consagrado

(FR) Maison de jeux termo consagrado

TT (PT)

Casa de apostas termo comum

Termos relacionados Jogos de fortuna ou de azar

Fonte Regime Jurídico dos Jogos e Apostas Online ( Decreto-

Lei n.º 66/2015)

Área do Direito Direito Civil

Terminologia Geral

Grau de fiabilidade da tradução ☆☆☆

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No contexto jurídico, estes verbos adquirem um sentido completamente diferente,

remetendo para o conceito de branqueamento de capitais, como é cunhado em português, que

se define como o «processo pelo qual os autores de atividades criminosas encobrem a

proveniência dos bens e rendimentos (vantagens) obtidos ilicitamente, transformando a liquidez

decorrente dessas atividades em capitais reutilizáveis legalmente, por dissimulação da origem

ou do verdadeiro proprietário dos fundos».15

Uma vez que este acervo tem como âmbito a

compilação de terminologia e léxico jurídico, optei por alterar a lematização dos termos de

partida, através da estratégia de paráfrase, já que, como afirma Vermeer (1989/2004: 237):

The skopos can also help to determine whether the source text needs to be “translated”,

“pharaphrased” or completely “re-edited”. Such strategies lead to terminologically

different varieties of translational action, each based on a defined skopos which is itself

based on a specified commission.

Ou seja, em vez de criar uma entrada com os verbos simples, optei por criar uma entrada em que

termos nominais derivados deles (laundering e blanchiment) ocorrem numa expressão nominal

complexa (money laundering e blanchiment d’argent), que é, aliás, a mais usada em quaisquer

das línguas em consideração. O termo equivalente consagrado em português é uma tradução

quase literal da versão francesa. Contudo, recorre-se a uma mudança semântica ao nível do grau

de abstração: «[a] different selection of abstraction level may either move from abstract to more

concrete or from concrete to more abstract» (Chesterman, 1997: 103), sendo argent (dinheiro)

traduzido por capital, com um sentido mais abstrato. Um sinónimo também utilizado no

contexto jurídico português é lavagem de dinheiro (tradução literal do termo inglês). A

diferença entre os dois termos reside no grau de formalidade e nos contextos de uso, já que,

numa entrada própria, este sinónimo será classificado como termo comum.

15 Definição em: www.portalbcft.pt/pt-pt/content/branqueamento-de-capitais (consultado a 22-08-2019).

Exemplo 2 (versão preliminar)

TP (ING) Launder termo consagrado

(FR) Blanchir termo consagrado

Page 52: RELATÓRIO DE ESTÁGIO: ANÁLISE DE UMA BASE … · A primeira parte tem uma função descritiva, e nela pretendo dar a conhecer o trabalho desenvolvido na instituição de acolhimento,

52

3.1.2 Terminologia médica (ou relacionada com questões de saúde) na

linguagem jurídica

Como já foi referido anteriormente, os termos são “palavras específicas” que compõem

a linguagem dos domínios de conhecimento especializados, tal como o Direito. Contudo, a

seleção única e exclusivamente de termos jurídicos é por vezes difícil (e infrutífera), devido à

interdisciplinaridade do Direito com outras áreas. Os termos médicos utilizados na linguagem

jurídica podem estar associados aos direitos dos pacientes e à responsabilidade civil e penal dos

profissionais de saúde ou associados às ciências forenses, nomeadamente a questões legais

relacionadas com a determinação de relações genéticas, com a recolha de provas de crimes com

recurso à violência física, mas também com procedimentos médicos e com a descrição de

estados psicológicos em depoimentos de testemunhas. Neste caso, não se trata apenas de

traduzir o conceito tendo em conta a aceção médica, mas tendo em conta a sua formulação no

domínio jurídico. Os exemplos 3 e 4 são substantivos (no primeiro caso, apenas numa das

aceções da palavra) que remetem para a descrição de pessoas com determinados

comportamentos e de estados psicológicos, respetivamente:

Neste caso, os dois termos estão conceptualmente relacionados. 3 remete para a

caracterização de um indivíduo, «quem consome bebidas alcoólicas de forma abusiva e

Exemplo 2 (versão final)

TP

(ING) Money laundering SN termo consagrado

Obs. Variante linguística: To launder money

(FR) Blanchiment d’argent SN termo consagrado

Obs. Variante linguística: Blanchir l’argent

TT (PT) Branqueamento de capitais SN termo consagrado

Termos relacionados Lavagem de dinheiro

Área do Direito Direito Penal

Financeiro / Economia

Grau de fiabilidade da tradução ☆☆☆

Exemplo 3 (versão preliminar)

TP (ING) Alcoholic termo consagrado

(FR) Alcoolique termo consagrado

Exemplo 4 (versão preliminar)

TP (ING) Drunkenness termo consagrado

(FR) Ivresse termo consagrado

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53

sistemática»,16

ao passo que 4 remete para o estado psicológico, que é consequência do

consumo excessivo de álcool. Em 3 é possível recorrer a uma tradução literal (para alcoólico),

já que existe uma correspondência total entre a língua de partida e a língua de chegada tanto ao

nível sintático como semântico: «the SL and TL meaning correspond, or correspond more

closely than any alternative; that means that the referent and the pragmatic effect are equivalent,

i.e. that the words not only refer to the same ‘thing’ but have similar associations» (Newmark,

1998/2003: 70). Em 4, tanto drunkenness como ivresse podem ser traduzidos por embriaguez

(termo comum). Mas neste caso, optou-se por uma estratégia de mudança do grau de

distribuição através adição da expressão estado de: «This is a change in the distribution of the

“same” semantic components over more items (expansion)» (Chesterman, 1997: 104). Esta

expansão torna o termo do léxico comum num termo especializado, já que é a forma consagrada

na jurisdição portuguesa.

Apesar de já ter referido que o exemplo acima é um substantivo, o mesmo vocábulo

pode remeter para um adjetivo. Assim sendo, 3b ilustra o desdobramento ideal do vocábulo

noutra entrada distinta pela categoria morfológica.

Como proposta de enriquecimento da entrada em 4 adicionei a definição consagrada do

termo, presente em corpus legislativo, com a respetiva fonte.

16 Definição em: www.dicionario.priberam.org/alco%C3%B3lico (consultado a 20-08-2019).

Exemplo 3a (versão final)

TP (ING) Alcoholic N termo consagrado

(FR) Alcoolique N termo consagrado

TT (PT)

Alcoólico N termo comum

Obs. Pessoa com tendência para abusar de bedidas

alcoólicas

Fonte Decreto-Lei n.º 48/95, art. 86.º

Área do Direito Direito Penal

Terminologia Geral

Grau de fiabilidade da tradução ☆☆☆

Exemplo 3b (versão final)

TP (ING) Alcoholic ADJ termo consagrado

(FR) Alcoolique ADJ termo consagrado

TT (PT)

Alcoólico ADJ termo consagrado

Termos

relacionados

Bebida alcoólica

Teor alcoólico

Fonte Código da Publicidade, Decreto-Lei n.º 330/90.

Área do Direito Direito Penal

Terminologia Geral

Grau de fiabilidade da tradução ☆☆☆

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54

Os exemplos 5, 6 e 7 também remetem para a descrição de estados psicológicos.

Apresentarei os três exemplos, mas comentarei apenas o primeiro.

Em 5, choque psicológico (que não consta da entrada) ou estado de choque são

expressões do léxico comum utilizadas para referir uma condição médica, a reação aguda de

stress, que é desencadeada por um «acontecimento negativo e contraditório com o

funcionamento habitual da pessoa, que afeta os seus mecanismos de confronto e adaptação

normais, levando à perda do equilíbrio psicológico e alteração do funcionamento habitual»

(Everly & Mitchell, 1997 apud INEM, 2012: 93). Apesar de reação aguda de stress ser o termo

técnico utilizado pelos profissionais de saúde em Portugal, a migração do conceito médico para

o contexto jurídico fez-se pela via vernacular, sendo estado de choque o termo usado.

Exemplo 4 (versão final)

TP (ING) Drunkenness termo consagrado

(FR) Ivresse termo consagrado

TT (PT)

Estado de embriaguez termo consagrado

Obs. Estado de inimputabilidade derivado da ingestão ou

consumo de bebida alcoólica

Fonte Lei n.º 59/2007, art. 295.º

Área do Direito Terminologia Geral

Direito Penal

Grau de fiabilidade da tradução ☆☆☆

Exemplo 5 (versão final)

TP (ING)

Mental shock termo consagrado

Variante linguística USA

Obs. Sinónimo: Nervous shock

Variante linguística: GBR

(FR) Choc psychologique termo consagrado

TT (PT)

Estado de choque termo consagrado

Obs. Variante: Reação aguda de stress

Fonte INEM. Manual TAS/TAT Abordagem à vítima.

Área do Direito

Medicina Legal

Terminologia Geral

Direito Penal

Grau de fiabilidade da tradução ☆☆☆

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55

Exemplos de procedimentos médicos:

Em 8, a versão final da entrada integra uma expressão complexa com os elementos

adjetivais forensic, médico-légale e médico-legal combinados com o termo nominal simples

(autopsy, autopsie e autópsia, respetivamente). A adição destes elementos adjetivais permite

distinguir o propósito com o qual a autópsia é realizada, sendo de sublinhar as diferenças entre

autópsias clínicas e autópsias médico-legais: as autópsias clinícas visam «um melhor

conhecimento do estado patológico do doente falecido, [...] precisar novas causas que

contribuiram para a morte, ajudando ao aperfeiçoamento, à pesquisa e ao controlo do

Exemplo 6 (versão final)

TP (ING) Emotional neglect termo consagrado

(FR) Abandon affectif termo consagrado

TT (PT) Negligência emocional termo comum

Área do Direito

Medicina Legal

Terminologia Geral

Direito Penal

Grau de fiabilidade da tradução ☆☆☆

Exemplo 7 (versão final)

TP (ING)

Emotional distress termo consagrado

Termos

relacionados

Intentional infliction of emotional distress

Negligent infliction of emotional distress

(FR) Trouble émotif termo consagrado

TT (PT)

Sofrimento psicológico termo consagrado

Fonte

ACSTJ de 29-10-2008. Pedido de indemnização

civil Acidente de viação Ofensa à integridade física

por negligência Danos não patrimoniais

Indemnização Direito à vida.

Área do Direito

Medicina Legal

Terminologia Geral

Direito Penal

Grau de fiabilidade da tradução ☆☆

Exemplo 8 (versão final)

TP (ING) Forensic autopsy termo consagrado

(FR) Autopsie médico-légale termo consagrado

TT (PT) Autópsia médico-legal termo consagrado

Termos relacionados Autópsia clínica

Área do Direito

Perícias Médico-legais e Forenses

Medicina Legal

Direito Penal

Terminologia Geral

Grau de fiabilidade da tradução ☆☆☆

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56

diagnóstico clínico», ao passo que as autópsias médico-legais, previstas na lei, fazem parte das

perícias médico-legais e forenses, sendo «um meio de prova processual. Têm procedimentos

técnicos específicos sendo que a realização de autópsia médico-legal só se compreende no

âmbito e para realização dos fins de um processo – penal ou de jurisdição laboral».17

Para terminar esta secção, passo a apresentar três outros exemplos de termos da área da

Medicina e, mais especificamente, da área da Genética (embora o último possa também ser

considerado de léxico comum), com apresentação de versões preliminares das entradas,

primeiro, e suas versões finais, depois.

Os exemplos 9 a 11 são usados no domínio médico. Em 9, a noção de consanguinidade

identifica uma relação de afinidade genética entre indivíduos que procedem de um ascendente

comum. Em Direito, este conceito está intrinsecamente relacionado com questões como a recusa

a depor em julgamento, matrimónio, sucessão, entre outros. Quanto ao equivalente em

português, é naturalmente traduzido pelo termo que, como os anteriores, deriva do latim

consanguinitāte.

17In www.pgdlisboa.pt/textos/tex_mostra_doc.php?nid=11&doc=files/tex_0011.html (consultado a 26-09-2019).

Exemplo 9 (versão preliminar)

TP (ING) Consanguinity termo consagrado

(FR) Consanguinité termo consagrado

TT (PT) Consanguinidade termo comum

Exemplo 10 (versão preliminar)

TP (ING) DNA termo consagrado

(FR) ADN termo consagrado

TT (PT) ADN termo comum

Exemplo 11 (versão preliminar)

TP (ING) Blood termo consagrado

(FR) Sang termo consagrado

TT (PT) Sangue termo comum

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Quanto ao exemplo 10, a sigla ADN representa a sequência ácido desoxirribonucleico,

um termo da área da Genética importado para o contexto jurídico. Neste caso, optei por manter

a lematização sob a forma de sigla, já que a forma por extenso é, normalmente, desconhecida do

público leigo (e dos próprios juristas).

Inicialmente, não considerei sangue um termo da linguagem especializada, já que a

principal aceção da palavra (de «líquido vermelho, bombeado pelo coração e essencial à vida»)

é do conhecimento geral e, se fosse utilizado em corpora paralelos, por exemplo, na descrição

de um crime, não seria considerado um termo de especialidade. Não obstante, o domínio

jurídico também adotou esta palavra no sentido figurado, para denominar uma relação de

parentesco, tal como na expressão «afinidade por laços de sangue». Assim sendo, optei pelo

desdobramento do lema em duas entradas distintas: a primeira, 11a, para o termo simples

(sangue) e a aceção primária, e a segunda, 11b, para o termo composto vínculo de parentesco

(relacionado com a referida aceção figurada de sangue, que existe na expressão laços de

sangue) e que tem expressões com blood (inglês) e sang (francês).

Exemplo 9 (versão final)

TP

(ING)

Consanguinity termo consagrado

Termos relacionado

Collateral consanguinity

Degree of consanguinity

Lineal consanguinity

(FR) Consanguinité termo consagrado

Termos relacionados Degré de parenté

TT (PT)

Consanguinidade termo consagrado

Termos relacionados Filiação

Grau de parentesco

Área do Direito Direito Civil

Grau de fiabilidade da tradução ☆☆☆

Exemplo 10 (versão final)

TP

(ING)

DNA termo consagrado

Obs. Deoxyribonucleic acid

Termos

relacionados

DNA test

DNA theft

(FR) ADN termo consagrado

Termos relacionados Test ADN

TT (PT)

ADN termo consagrado

Obs. Ácido desoxirribonucleico

Termos relacionados Teste de ADN

Impressão digital genética

Área do Direito Perícias Médico-legais e Forenses

Medicina Legal

Grau de fiabilidade da tradução ☆☆☆

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3.2 Sinonímia, homonímia e univocidade terminológica

Segundo Mateus & Xavier (1992: 351), sinonímia é a «relação de sentido entre duas ou

mais unidades lexicais cujo significado é idêntico ou que podem ser utilizadas individualmente

num mesmo contexto sem que com isso se verifique uma alteração no significado da frase». Ou

seja, diz-se que duas palavras são sinónimas quando o seu significado num dado contexto

comunicativo é igual ou muito próximo. Enquanto estratégia de tradução, Newmark (1987: 84)

define sinonímia interlinguística «in the sense of a near TL equivalent to an SL word in a

context, where a precise equivalent may or may not exist. This procedure is used for a SL word

where there is no clear one-to-one equivalent». No processo de tradução, a escolha de um

sinónimo em vez do equivalente óbvio é justificada pelo facto de não ser possível recorrer a

métodos de tradução diretos.

Vejamos quatro exemplos, com breve discussão das decisões de tradução tomadas.

Exemplo 11a (versão final)

TP

(ING) Blood termo comum

Termos relacionados Blood money

(FR)

Sang termo comum

Termos relacionados Bilan sanguin

Crime de sang

TT (PT) Sangue termo comum

Termos relacionados Exame de sangue

Área do Direito Perícias Médico-legais e Forenses

Medicina legal

Grau de fiabilidade da tradução ☆☆☆

Exemplo 11b (versão final)

TP

(ING)

Blood relationship termo consagrado

Obs. Sinónimo: Ancestry

Termos relacionados

Blood heir

Bloodline

Blood relative

Full blood

Half blood

Mixed blood

(FR) Lien du sang termo consagrado

Termos relacionados Héritier du sang

TT (PT) Vínculo de parentesco termo consagrado

Termos relacionados Laços de sangue

Área do Direito Direito Civil

Grau de fiabilidade da tradução ☆☆☆

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59

O termo inglês breathalyzer remete para um objeto utilizado normalmente pelas forças

de segurança para calcular o nível de álcool etílico no sangue dos condutores, situação

coloquialmente conhecida como “teste do balão” e cujo resultado serve de elemento de prova,

por exemplo, em crimes rodoviários. Ao considerar o termo inglês breathalyzer e o termo

francês alcoométrie como termo de partida com igual valor para a tradução (como na versão

preliminar de 12), haverá uma incongruência, visto que os dois termos não são conceptualmente

equivalentes, apesar de estarem conceptualmente relacionados. Com efeito, breathalyzer

identifica o objeto, ao passo que alcoométrie é um termo normalmente utilizado em áreas como

a Física e a Química para designar a técnica de medição do teor de álcool (dos líquidos), não

correspondendo ao aparelho usado na medição da taxa de álcool através da análise do conteúdo

do ar soprado. Para designar o aparelho, a língua francesa utiliza, tanto quanto pude apurar, o

termo alcoomètre e éthylomètre (tendo eu optado pelo segundo na versão final do exemplo 12).

Uma opção possível para o termo consagrado em português seria etilómetro, muito próximo do

francês éthylomètre. No entanto, acabei por optar pelo sinónimo alcoolímetro por ser o termo

mais frequente no contexto jurídico português.

Ao comparar a versão portuguesa e a francesa, vê-se que se recorreu a uma estratégia de

generalização, já que o radical francês éthyl- (etilo-) remete para um discurso de especialidade

da área da Química e da Física, ao passo que o radical português álcool- é muito mais conhecido

e utilizado na linguagem comum. Os termos sinónimos identificados são linguisticamente

interessantes, já que bafómetro consiste na junção de dois elementos, a palavra bafo e o sufixo -

metro, preservando, em português, parte da informação contida no termo em inglês, também ele

um neologismo composto pela amálgama dos elementos breath e analyzer (literalmente

Exemplo 12 (versão preliminar)

TP (ING) Breathalyzer termo consagrado

(FR) Alcoométrie termo consagrado

Exemplo 12 (versão final)

TP (ING) Breathalyzer termo consagrado

(FR) Éthylomètre termo consagrado

TT (PT)

Alcoolímetro termo consagrado

Obs.

Sinónimo:

Etilómetro

Bafómetro

Balão

termo comum

termo comum

termo comum

Área do Direito Terminologia Geral

Grau de fiabilidade da tradução ☆☆☆

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60

analisador de bafo ou analisador de respiração): «Some new prefixes are formed, just as some

prefixes are, by a process of blending. Thus, breath and analyzer were blended in a tradename

“Breathalyzer”, and the ending -(a)lyzer was extended as a suffix».18

Quanto ao segundo termo

sinónimo, balão, por fazer parte do léxico comum de uso informal, considerei pertinente o seu

registo, ainda que seja uma palavra altamente polissémica, sendo o significado aqui relevante

provavelmente desconhecido do utilizador não-nativo.

Genericamente, podemos afirmar que a linguagem é um sistema de substituição: é

possível usar palavras diferentes para dizer a mesma coisa e dizer coisas diferentes com as

mesmas palavras. A homónimia remete para a relação entre as palavras que são gráfica e

foneticamente iguais, mas que são diferentes no que toca à etimologia e ao significado. Não

obstante o facto de serem fenómenos espontâneos nas línguas naturais, as relações de sinonímia

e de homonímia, presentes na linguagem geral, parecem colocar entraves à noção de

univocidade terminológica no discurso técnico e especializado, isto é, parecem desvirtuar o

princípio de que cada vocábulo ou conjunto de vocábulos de uma dada linguagem de

especialidade representa uma correspondência unívoca com o seu sentido. O próximo exemplo

permite ilustrar estas questões gerais.

Em 13, o termo expiry é sinónimo de expiration. A diferença reside no contexto

linguístico em que são usados: expiry é o termo preferido no contexto jurídico britânico e

expiration é preferido no contexto estado-unidense.19

Num sentido bastante lato, os dois termos

são sinónimos de termination, «especially the termination of a time or period fixed by law,

contract or agreement».20

Em português, foi difícil identificar apenas uma solução de tradução e,

ao realizar uma busca no documento ms-excel, encontrei vários termos compostos com o

elemento expiry, sendo que este foi traduzido por termo, prazo, vencimento, expiração,

caducidade ou terminação. A adição deste tipo de informação é uma mais-valia principalmente

para os colaboradores da base de dados e para os utilizadores que recolham informação para

tomar uma decisão de tradução. Primeiramente, traduzi expiry por vencimento. Contudo

vencimento é normalmente associado ao salário ganho, daí ter traduzido por termo do prazo,

que me pareceu ser a solução de tradução com sentido mais abrangente.

18 In Fifty Years among the New Words: A Dictionary of Neologisms 1941-1991 (1991: 6). 19 In www.canada.justice.gc.ca/eng/rp-pr/csj-sjc/legis-redact/legistics/p1p7.html (consultado a 28-08-2019). 20 In www.merriam-webster.com/dictionary/expiry (consultado a 28-08-2019).

Exemplo 13 (versão preliminar)

TP (ING) Expiry termo consagrado

(FR) Echéance termo consagrado

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61

No exemplo 14 deparei-me com dois termos sinónimos e parónimos em inglês (endorse

e indorse), isto é, para além da equivalência semântica entre as duas unidades lexicais, que

remetem para o mesmo conceito jurídico, existe também uma relação de grande semelhança

fonética entre elas, já que sofrem apenas uma pequena variação fonética (e gráfica) na sílaba

inicial. Neste caso, Ferreira (1987: 8) afirma que

[q]uando uma unidade oferece duas grafias ou duas formas […], aquela que se aproxima

mais da grafia ou da forma moderna constitui o lema, se as ocorrências forem

equivalentes; caso contrário, é mencionada em primeiro lugar a mais frequente. […] No

entanto, se há duas formas ou mais de frequência muito aproximada, mas cuja grafia é

diferente, adoptamos a forma mais moderna.

O mesmo autor afirma que, noutros casos, apesar de se adotar a grafia mais moderna

para tornar a consulta mais fácil (e intuitiva), a forma preterida não é completamente eliminada

da lista de lemas, remetendo simplesmente para a primeira. Desta forma, e já que a pesquisa

realizada confirmou a grafia inglesa endorse como a mais utilizada, optei por remeter o termo

indorse exclusivamente para o campo adicional desta entrada, deixando de fazer parte da lista

de lemas enquanto termo isolado. Neste tipo de casos, em que a variação ortográfica é bastante

reduzida, não estando o termo listado enquanto termo de partida, a consequência para os

utilizadores seria que se pesquisassem o termo indorse, não iriam obter um resultado direto, mas

sim a um conjunto de termos lexicalmente semelhantes ao termo pesquisado sugerido pela

ferramenta. É de notar que tanto a versão francesa como o equivalente em português não

apresentam qualquer variação.

Exemplo 13 (versão final)

TP (ING)

Expiry termo consagrado

Variante geográfica GBR

Obs.

Sinónimo:

Expiration

Termination

Variante geográfica USA

Termos

relacionados

At expiry

Expiry date

Expiry of contract

Expiry of interim measures

Expiry of the law

Expiry of the period of validity

Expiry of proceeding

Expiry of the will

(FR) Echéance termo consagrado

TT (PT) Termo do prazo termo consagrado

Área do Direito Terminologia Geral

Grau de fiabilidade da tradução ☆☆

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Finalmente, o exemplo 15 remete para um conceito sem equivalência exata no

ordenamento jurídico português. Depois de pesquisar sobre o conceito de unavoidable accident

defense, aferi que o termo inevitable accident defence é utilizado como sinónimo. É de notar

que ambos os termos exprimem o mesmo conceito jurídico, apesar de no ordenamento jurídico

estado-unidense ser preferido o primeiro termo, ao passo que, por exemplo, no Canadá, é

utilizada a segunda forma. Uma vez que não foi encontrado nenhum termo em português que

correspondesse a este conceito, houve a necessidade de recorrer a uma paráfrase na versão

portuguesa: «an amplification or explanation of the meaning of a segment of the text»

(Newmark, 1987: 90). Nesta estratégia «[s]emantic components at the lexeme level tend to be

disregarded, in favour of the pragmatic sense of some higher unit such as a whole clause»

(Chesterman, 1997: 104), sendo que o elemento defense/defence foi parafraseado em português

pela expressão argumento de defesa baseado em.

3.3 Siglas, acrónimos e outras abreviaturas

O recurso a siglas, acrónimos e outro tipo de abreviaturas é um fenómeno bastante

frequente na linguagem de especialidade, já que estes elementos permitem abreviar – de forma

muito económica – expressões fixas de elevada frequência no discurso, relacionando-se com «a

economia do sistema linguístico e do próprio uso» (Contente, 2008: 263). As siglas são

formadas através da redução do conjunto de palavras que compõe o termo às suas iniciais, que

Exemplo 14 (versão final)

TP (ING)

Endorse termo consagrado

Obs. Variante gráfica: Indorse

(FR) Endosser termo consagrado

TT (PT) Endossar termo consagrado

Área do Direito Financeiro / Economia

Grau de fiabilidade da tradução ☆☆☆

Exemplo 15 (versão final)

TP (ING)

Unavoidable accident defense termo consagrado

Variante geográfica USA

Obs. Sinónimo: Inevitable accident defence

Variante geográfica: CAN

(FR) Défense de l’accident inévitable termo consagrado

TT (PT) Argumento de defesa baseado na

inevitabilidade do acidente sugestão

Grau de fiabilidade da tradução ☆☆

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são pronunciadas de acordo com a designação de cada letra. Já a classificação de uma

abreviatura enquanto acrónimo depende da possibilidade de silabização, que, por usa vez,

depende da combinação de vogais e consoantes que compõem a abreviatura.

No caso da tradução do domínio técnico, por exemplo, Newmark (1987: 148) afirma

que as abreviaturas com que o tradutor se depara designam frequentemente produtos, aparelhos

e processos. No contexto jurídico, este mecanismo de condensação lexical é utilizado, por

exemplo, para referir designações de organizações internacionais e algumas designações

jurídicas cristalizadas, estando ainda associado à gíria das forças de segurança. Na linguagem

geral, a introdução de abreviaturas é uma prática corrente, veiculada destacadamente através dos

meios de comunicação social. Favila-Vieira (2012: 83) afirma, em relação ao mecanismo em

causa, que «o importante, na utilização de abreviaturas, sejam elas siglas ou acrónimos, é não

esquecer que elas constituem um “código especial dentro do código geral da escrita” e que não

se pode partir do princípio que esse código especial é comummente conhecido e, portanto, que

qualquer pessoa o interpreta e descodifica correctamente».

Os exemplos 15, 16 e 17 remetem para abreviaturas de designações de entidades.

Exemplo 15

TP (ING) ACAS termo consagrado

Exemplo 16

TP (ING) CEDR termo consagrado

Nenhuma das abreviaturas deste conjunto de exemplos me era familiar, sendo-me

totalmente desconhecida quer a instituição para a qual remetem quer o significado de cada letra

inicial. No exemplo 15, depois da pesquisa realizada, fiquei a saber que a mesma forma exprime

dois termos com valores distintos. O primeiro sentido (valor) da sigla, grafado em maiúsculas,

remete para Airborne Collision Avoidance System, em português europeu Sistema Anticolisão

de Bordo. Não é de todo descabido que um termo relativo ao domínio da aviação civil esteja

presente num dicionário jurídico deste tipo, já que, obviamente, as normas técnicas aplicáveis ao

transporte aéreo comercial são regulamentadas pela Lei. No segundo resultado de pesquisa, a

sigla não é ortografada da forma convencional, mas apenas com maiúscula inicial, remetendo

para Advisory, Conciliation and Arbitration Service, um órgão do governo britânico, cujo

Exemplo 17

TP (ING) CAFCASS termo consagrado

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propósito é: «to improve organisations and working life through better employment relations,

working with employers and employees to solve problems and improve performance».21

Quando uma organização estrangeira é expectavelmente desconhecida para o público da

língua de chegada, como é o caso dos exemplos 15 a 17, a tradução da designação oficial

através de métodos de tradução diretos (como os que são referidos por Vinay & Darbelnet

(1958/1995/2004: 129)) é desaconselhada: «A translator normally is not entitled to create TL

acronyms» (Newmark, 1981: 152). Em vez disso «it is more important to state its function than

to decode the initials» (Newmark, 1988: 148). Já no caso das instituições conhecidas pelo

público de chegada, «da versão portuguesa consta apenas a respetiva sigla ou acrónimo, em

língua portuguesa, conforme a lógica seguida no original» (Favila-Vieira, 2012: 82).

Assim sendo, a solução de tradução encontrada para a polissemia da abreviatura inglesa

em 15 foi a criação de duas entradas distintas, integrando as designações por extenso.

Exemplo 15a (versão final)

TP (ING)

Airborne Collision Avoidance

System termo consagrado

Obs. Abr.: ACAS

Não confundir com a sigla inglesa Acas.

TT (PT)

Sistema Anticolisão de Bordo termo consagrado

Obs. Abr.: ACAS

Sigla inglesa.

Área do Direito Aviação Civil Grau de fiabilidade da tradução ☆☆☆

Em 15a, traduzi o termo na sua aceção aeronáutica. Para isso, consultei a base de dados

terminológica IATE e a informação contida no website da Autoridade Nacional de Aviação

Civil, nomeadamente o Regulamento (CE) n.º 859/2008 (Aviões), de 20 de Agosto e o Decreto-

Lei n.º 289/2003, de 14 de Novembro. Foi adicionado um campo relativo às observações com

vista a alertar o utilizador para a distinção entre termos e um campo relativo à área do Direito,

que permite a desambiguação total de sentido relativamente ao exemplo 15b.

21 In www.gov.uk/government/organisations/acas (consultado a 01-07-2019).

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Exemplo 15b (versão final)

TP (ING)

Advisory, Conciliation and

Arbitration Service termo consagrado

Variante geográfica GBR

Obs. Abr.: Acas

Não confundir com a sigla inglesa ACAS.

TT

(PT)

ACAS termo consagrado

Obs. Sigla inglesa

Órgão público britânico de litígio laboral

Fonte www.portaldascomunidades.mne.pt/images/EMI/pdfs/Tra

balhar_no_estrangeiro/Desdobravel_ReinoUnido.pdf

Área do Direito Arbitragem Internacional

Grau de fiabilidade da tradução ☆

Em 15b foi adicionada uma nova entrada à folha «a partir de 08-10-2019», já que,

segundo as instruções de tradução (secção 1.6), não é conveniente adicionar novas entradas à

folha de cálculo principal, o que iria aumentar ainda mais a complexidade da estrutura interna

do sistema. Por se tratar de um órgão limitado ao contexto britânico, são poucas as ocorrências

desta entidade em corpora paralelos em língua portuguesa. O único resultado de pesquisa

favorável foi encontrado no website E-Justice e a sigla é transposta do original para a língua

portuguesa. Esta foi a opção de tradução adotada, por se tratar de uma fonte institucional.

Passemos ao próximo exemplo, 16, cuja abreviatura sofre também um problema de falta

de univocidade terminológica, tendo sido encontrados dois sentidos possivelmente relevantes

para a base de dados. Depois de realizada pesquisa online, apercebi-me que CEDR pode remeter

para Conference of European Directors of Roads ou para Centre for Efective Dispute

Resolution. Mais uma vez, ambos os conceitos são compatíveis com o conteúdo deste glossário

terminológico, não podendo o tradutor afirmar que certa aceção é mais pertinente para o acervo,

em detrimento da outra. Vejamos o resultado final:

Exemplo 16a (versão final)

TP (ING)

Conference of European Directors of

Roads termo consagrado

Obs. Abr.: CEDR

TT

(PT)

Conferência de Diretores-Gerais de

Estradas da Europa termo consagrado

Obs. Abr.:CEDR

Sigla inglesa

(FR)

Conférence Européene des

Directeurs des Routes termo consagrado

Obs. Abr.: CEDR

Área do Direito Transporte terrestre

Grau de fiabilidade da tradução ☆☆☆

Em 16a, a sigla CEDR remete para uma organização europeia relacionada com o

transporte terreste cujo objetivo é a cooperação e promoção de melhorias do sistema rodoviário

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e das suas infraestruturas como uma parte integral de um sistema de transportes sustentável na

Europa.22

Os Estados-Membros desta organização são representados através das respetivas

autoridades rodoviárias (não confundir com a Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária)

que, em Portugal, é representado pelo Instituto da Mobilidade e Transporte (IMT I.P). As

soluções de tradução em 16a advêm da pesquisa em corpora paralelos online do IMT e da

própria CEDR. Contudo, observa-se que a relação semântica que se estabelecia entre os

elementos constituintes foi modificada na tradução de inglês para português. Sendo possível a

tradução literal por diretores europeus de estradas, optou-se, no entanto, por alterar o foco do

elemento gentílico, ao traduzir o adjetivo European, que carateriza diretamente o nome comum

directors, pelo sintagma preposicional da Europa, que passa a caraterizar o nome estradas. Em

todos os outros resultados de pesquisa, observou-se a sigla inglesa (CEDR). Assim sendo,

apesar de a fonte encontrada (para a designação portuguesa por extenso) ser segura, presume-se

que o termo não se encontra consagrado no contexto português por ter um reduzido número de

ocorrências. Assim, optei por classificar a fiabilidade da tradução deste equivalente apenas com

duas estrelas, reservando a classificação máxima para equivalentes com um maior grau de

cristalização na língua.

Exemplo 16b (versão final)

TP (ING)

Centre for Effective Dispute

Resolution termo consagrado

Abr. CEDR

TT (PT)

Centro para a Resolução Eficaz de

Disputas termo comum

Obs.

Abr.:CEDR

Sigla inglesa

O Centro de Artitragem Comercial da Câmara de

Comércio e Indústria Português é a instituição

equivalente em Portugal.

Área do Direito Arbitragem Internacional

Grau de fiabilidade da tradução ☆☆

Em 16b, CEDR remete para um centro de mediação de litígios com sede em Londres e

com jurisdição a nível europeu e internacional. Uma vez que é uma instituição sem grande

relevância/intervenção em Portugal, e existindo instituições equivalentes em português, não é de

estranhar a baixa frequência de resultados de tradução da designação desta entidade, que

constituem casos isolados: Centro para a Resolução de Disputas Eficaz23 e Centro para a

Resolução Eficaz de Disputas.24

No campo relativo ao equivalente português, optou-se por uma

tradução orientada pela equivalência formal: «formal equivalence […] translation is basically

22 In www.cedr.eu/about/(consultado a 22-08-2019). 23 In www.international-arbitration-attorney.com/pt/arbitral-institutions-and-arbitration-courts/ (consultado a 22-08-

2019). 24 In www.afitac.com/category/resolucao-de-disputas/(consultado a 22-08-2019).

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source-oriented; that is, it is designed to reveal as much as possible of the form and content of

the original» (Nida, 1964/2004: 161). Esta opção tem em conta a tradução da forma do termo de

partida, apesar de não corresponder de forma rigorosa a nenhuma instituição do contexto de

chegada. Contudo, senti a necessidade de criar um campo adicional de modo a completar a

informação fornecida ao leitor ao nível do conteúdo: «The additional information a translator

may have to add to his version is normally cultural (accounting for difference between SL and

TL culture) […], and is dependent on the requirements of his, as opposed to the original,

readership» (Newmark, 1897: 91). Assim sendo, o novo campo de observações, após a tradução

portuguesa, informa o utilizador relativamente à instituição com funções equivalentes no

contexto português, tendo em conta uma abordagem de equivalência dinâmica (Nida,

1964/2004: 162).

Já no exemplo 17, foi encontrado um equivalente consagrado em português, cunhado

pela própria instituição de origem, na versão portuguesa do “Programa de informação para pais

separados”.25

Desta forma, optei por classificar o equivalente português como consagrado e com o

grau máximo de fiabilidade, reforçando a ideia de que o equivalente na língua de chegada é uma

tradução consagrada do termo de partida e não meramente uma entidade com funções idênticas

na cultura de chegada.

A linguagem jurídica estado-unidense é fértil na utilização de abreviaturas para designar

sanções penais. Vejamos um excerto de uma decisão de um tribunal dos E.U.A., exemplo em

que prolifera o uso de abreviaturas para referir sanções penais: «On December 13, 2013, the

25 In www.cafcass.gov.uk/wp-content/uploads/2017/12/Parenting_handbook-March-2012-Portuguese.pdf (consultado

a 28-08-2019).

Exemplo 17 (versão final)

TP (ING)

Children and Family Court Advisory

and Support Service termo consagrado

Variante geográfica GBR

Obs. Abr.: CAFCASS

TT (PT)

Serviço de apoio e aconselhamento ao

tribunal de família e de menores termo consagrado

Obs. Abr. CAFCASS

Sigla inglesa

Área do Direito Direito Civil

Grau de fiabilidade da tradução ☆☆☆

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jury found appellants Bryant and Bush guilty of MIWA; AWIKWA; AAWA; CP; and five

counts of PFCV» (ênfase meu).26

Ora, parece evidente que o tradutor deve dar a conhecer a

forma por extenso e o valor equivalente em português. Os próximos exemplos, 18 a 35, são

termos que remetem para designações de tipos de crime com recurso à violência, para decisões

judiciais e para outros termos relacionados com atos puníveis por lei que, na versão inglesa, são

normalmente designados pela forma abreviada, ao passo que no ordenamento jurídico português

(tradução), não se recorre a nenhuma abreviatura, sendo denominados por extenso.

No exemplo 18, os adjetivos dangerous e deadly, que caracterizam o objeto do crime

com base numa avaliação subjetiva, não são transferidos para a solução de tradução. Em

português verifica-se, com efeito, que os elementos adjetivais utilizados em corpus legislativo

(arma proibida, arma não registada, arma não manifestada) não apresentam normalmente

referências subjetivas, simplesmente elementos factuais. O exemplo 19 inclui uma exceção, em

que surge efetivamente a expressão (arma) perigosa.

Em 20, há uma alteração da distribuição da unidade lexical assault, cujo sentido é

vertido para dois elementos semânticos distintos (e, por isso, “diluído” num certo sentido):

resistência e coação (estratégia apresentada por Chesterman, 1997: 104). Neste caso, resistência

26 In www.caselaw.findlaw.com/dc-court-of-appeals/1753039.html (consultado a 29-08-2019).

Exemplo 18 (versão final)

TP (ING)

Assault with a Dangerous Weapon SN termo consagrado

Obs. Abr.: ADW

Sinónimo: Assault with a Deadly Weapon

(FR) Voie de fait à l'aide d'une arme dangereuse termo consagrado

TT (PT) Crime cometido com arma termo consagrado

Fonte Regime jurídico das armas e suas munições

Área do Direito Direito Penal

Grau de fiabilidade da tradução ☆☆

Exemplo 19 (versão final)

TP (ING)

Carrying a Dangerous Weapon SN termo consagrado

Obs. Abr.: CDW

(FR) Port d'une arme dangereuse termo consagrado

TT (PT) Porte de arma perigosa termo consagrado

Fonte Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro

Área do Direito Direito Penal

Grau de fiabilidade da tradução ☆☆☆

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não refere apenas uma noção de oposição, mas também de desobediência à intimação da

autoridade, ao passo que coação refere a caraterística violenta do delito. É de mencionar ainda a

generalização na denominação no termo equivalente, já que police officer (agente da polícia) foi

traduzido pelo hiperónimo funcionário, englobando não só as forças de segurança como as

forças militarizadas e outras. Note-se, marginalmente, que embora resistência e coação sobre

seja uma sequência consagrada e usada em textos legais portugueses, ela é de gramaticalidade

discutível, já que respeita apenas a regência preposicional do segundo elemento da coordenação

(*resistência sobre os funcionários vs. coação sobre os funcionários) – cf. Peres e Móia (1995).

Os exemplos 21 e 22 apresentaram algumas dificuldades de interpretação jurídica, o que

se tornou problemático para encontrar a solução de tradução mais adequada. A primeira questão

passou por definir a noção de assault, já que algumas jurisdições a consideram como o ato ou a

ameaça de infligir dano com recurso à violência física, ao passo que outras contemplam apenas

a ameaça ou tentativa de cometer tal ação, remetendo a primeira noção para o termo battery.

Outras jurisdições combinam as duas noções em assault and battery. A pesquisa realizada

demonstrou que no ordenamento jurídico português estes são dois conceitos distintos, sendo que

um agente pode ser condenado separadamente por cada um deles: «A Polícia Judiciária […]

localizou, identificou e procedeu à detenção de um homem […] por sobre ele recaírem fortes

indícios da prática dos crimes de ameaça, ofensas à integridade física, sequestro e violação

agravada, este último na forma tentada».27

27 In www.policiajudiciaria.pt/policia-judiciaria-efetua-detencao-por-tentativa-de-violacao-sequestro-ofensas-a-

integridade-fisica-e-ameaca/"(consultado a 20-09-2019).

Exemplo 20 (versão final)

TP

(ING) Assault on a Police Officer SN termo consagrado

Obs. Abr.: APO

(FR) Voie de fait sur un agent des forces

de l'ordre termo consagrado

TT (PT)

Resistência e coação sobre

funcionário termo consagrado

Fonte Decreto-Lei n.º 48/95 art. 347.º

Área do Direito Direito Penal

Grau de fiabilidade da tradução ☆☆☆

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70

Outra questão foi a distinção entre a formulação with intent to e attempt, entendendo-se

que a diferença entre os dois tipos de crime é que assault with intent to kill/murder/rape refere o

ataque físico em si (que visa o objetivo descrito), ao passo que attempt to kill/murder/rape

refere a tentativa por si só, não se revelando as diferenças em causa de especial importância para

as decisões de tradução. As soluções apresentadas nestes dois exemplos não equivalem

exatamente ao termo de partida em inglês, já que a versão portuguesa se foca na forma tentada

do crime em questão, podendo ou não existir ataque ou intimidação prévia. É de notar que nas

duas variantes portuguesas apresentadas, há diferenças de construção sintática: com forma

nominal (tentativa de) vs. com forma adjetival participial (na forma tentada).

A abreviatura ASBO, do exemplo 23, tem origem no contexto britânico e remete para

mais um conceito sem correspondência no ordenamento jurídico português. Descreve situações

em que um indivíduo é punido por se envolver em comportamentos considerados antissociais,

como o comportamento violento ou o vandalismo. Inicialmente, ponderei fazer a tradução por

decalque do termo de partida: ordem por comportamento antissocial. Não obstante, neste

contexto order e ordem são na realidade “falsos amigos”, sendo mais adequada a tradução por

um termo estritamente da área jurídica: despacho do tribunal. A discussão desta questão com

juristas fez-me saber que não se costuma especificar o motivo pelo qual o despacho é proferido

(sendo, além disso, mais correto o termo comportamento ilícito do que comportamento

antissocial), razão pela qual abandonei a tradução inicialmente ponderada.

Exemplo 21 (versão final)

TP (ING)

Assault With Intent to Kill SN termo consagrado

Obs. Abr.: AWIK

Sinónimo: Assault With Intent to Murder

(FR) Voie de fait avec l'intention de tuer termo consagrado

TT (PT) Tentativa de homicídio termo consagrado

Obs. Variante: Crime de homicídio na forma tentada

Área do Direito Direito Penal

Grau de fiabilidade da tradução ☆

Exemplo 22 (versão final)

TP

(ING) Assault With Intent to Rape SN termo consagrado

Obs. Abr.: AWIR

(FR) Voie de fait avec l'intention de

violer termo consagrado

TT (PT) Tentativa de violação termo consagrado

Obs. Variante: Crime de violação na forma tentada

Área do Direito Direito Penal

Grau de fiabilidade da tradução ☆

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71

O exemplo seguinte, 24, também dá origem uma sigla jurídica com origem no contexto

britânico, sem correspondência exata em português, que passo a definir:

Drug Treatment and Testing Orders (DTTO) are imposed by courts where someone's

offending is clearly linked to drug misuse. It is different to other community-based

sentences such as probation and Community Service as the focus of a DTTO is to

address drug use to reduce the risk of further offending and harm.28

Para além de contemplar a obrigatoriedade de tratar a toxicodependência, o conceito de DTTO

implica a apresentação periódica do indivíduo para a realização de exames toxicológicos. No

entanto, no contexto jurídico português, somente o tráfico e cultivo continuam a pertencer ao

foro judicial, sendo as penas aplicadas pelos Tribunais. Os comportamentos de consumo

propriamente ditos são considerados ilícitos de mera ordenação social e são tratados fora dos

tribunais por entidades denominadas Comissões para a Dissuasão da Toxicodependência.

Quanto à versão final, a solução de tradução envolve alterações ao nível sintático e semântico.

O substantivo drug (droga) foi traduzido por toxicodependência, havendo uma alteração da

ênfase, da substância ilícita, na versão inglesa, para o estado de dependência, na versão

portuguesa. Relativamente ao segundo elemento (treatment and testing), na versão portuguesa

optou-se por omitir o verbo testing, que remete para a realização de exames toxicológicos,

28 In www.eastrenfrewshire.gov.uk/article/1964/Drug-Treatment-and-Testing-Orders-DTTO (consultado a 29-08-

2019).

Exemplo 23 (versão final)

TP (ING)

Anti-Social Behaviour Order termo consagrado

Obs. Abr.: ASBO

Variante geográfica GBR

Grau de atualização do termo obsoleto

TT (PT) Despacho do tribunal por comportamento

ilícito sugestão

Grau de fiabilidade da tradução ☆

Exemplo 24 (versão final)

TP (ING)

Drug Treatment and Testing Order termo consagrado

Obs. Abr.: DTTO

Variante geográfica GBR

TT (PT)

Tratamento da toxicodependência por

decisão judicial sugestão

Obs. Não aplicável ao contexto jurídico português.

Área do Direito Terminologia Geral

Grau de fiabilidade da tradução ☆

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72

sendo apresentada apenas a aceção de tratamento, admitindo, no entanto, que esta omissão leva

à perda de informação relevante (pelo que a opção de tradução é discutível). Já o último

elemento, order, também foi traduzido por decisão judicial em português, de forma semelhante

à do exemplo anterior (em que se usou a variante decisão do tribunal). Contudo, ao contrário do

exemplo anterior, neste caso optou-se por colocar primeiro a informação relativa ao tratamento

da toxicodependência, expressando-se uma relação causal através da preposição por, isto é,

explicitando que a ação (tratamento da toxicodependência) é motivada por uma decisão judicial

(causa). O campo de observações pretende alertar o utilizador para o facto de o termo não ser

aplicável ao contexto jurídico português, já que, como foi mencionado acima, não são os

tribunais que impõem o tratamento e o acompanhamento dos consumidores.

No exemplo 25, houve a necessidade de alterar o grau de abstração de um elemento

lexical relativamente ao termo de partida da versão inglesa, de modo a usar o equivalente

português que é termo consagrado. Neste caso, o elemento inglês pistol tem um significado mais

específico do que o português arma. Ou seja, o equivalente consagrado em português recorre a

um nome mais genérico (hiperonímico), isto é, o termo hierarquicamente mais geral do conjunto

dos instrumentos usados como forma de ataque ou de defesa.

O exemplo 26 representa um termo transferido para o contexto jurídico português

através da tradução literal do elemento nominal scale (em português, escala) e de uma

importação da sigla inglesa COPINE. A escala COPINE é um sistema de classificação utilizado

por diversas forças de segurança para medir a gravidade de ficheiros multimédia e imagens de

abuso sexual infantil, criado pelo projeto Combating Paedophile Information Networks in

Europe, fundado na Irlanda. Não existindo um termo acronímico diferente consagrado em

português para a designação do projeto, justifica-se a solução apresentada.

Exemplo 25 (versão final)

TP (ING)

Carrying a Pistol Without a

License SN termo consagrado

Obs. Abr.: CPWL

(FR) Port d'une arme sans permis termo consagrado

TT (PT) Porte de arma sem licença de uso termo consagrado

Fonte Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro

Área do Direito Direito Penal

Grau de fiabilidade da tradução ☆☆☆

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73

No exemplo 27, a tradução literal do termo first degree murder, por homicídio de

primeiro grau criaria uma equivalência ao nível da forma. Contudo, ao nível do conteúdo, a

tradução literal do termo não se justifica, visto não ser usada no sistema juríudico português,

não tendo por isso qualquer significado para o público-alvo português. Comparando as sanções

penais aplicáveis em Portugal e nos E.U.A. relativamente aos crimes contra a vida, observa-se a

falta de equivalência perfeita entre os dois ordenamentos jurídicos. Nos E.U.A., o crime de

homicídio (murder) é classificado segundo graus de gravidade, o que não acontece da mesma

exata forma em Portugal. Comparando as características do termo inglês com os tipos de

homicídio distinguíveis em Portugal, conclui-se que, em termos de tradução, o equivalente

formal é homicídio qualificado. Idealmente, seria útil para o utilizador a definição de cada tipo

de instituto jurídico. Contudo, por restrições de espaço, apenas é sinalizada a falta de

correspondência exata entre os conceitos no campo de observações.

No exemplo 28, a expressão (adicionável à que está em 27) while armed é traduzida

pela expressão com recurso a arma de fogo, podendo observar-se duas alterações aquando a

tradução. A primeira é sintática, já que no termo de partida, o sujeito/agente está implicitamente

invocado, de forma relativamente evidente, devido à presença do adjetivo armed, que o

carateriza. Na versão portuguesa, estamos perante uma formulação impessoal sem marca de

sujeito, plasmada na locução com recurso a (ainda que se possa subentender a agentividade – cf.

com recurso a... por parte de x). Para além desta alteração estrutural, armed, adjetivo que

caracteriza o agente, está em correspondência com o substantivo arma de fogo, que especifica o

tipo de arma utilizado (pelo agente).

Exemplo 26 (versão final)

TP (ING)

COPINE scale termo consagrado

Termos

relacionados

Combating Paedophile Information

Networks in Europe (COPINE)

TT (PT) Escala COPINE sugestão

Área do Direito Direito Penal

Grau de fiabilidade da tradução ☆☆☆

Exemplo 27 (versão final)

TP (ING)

First Degree Murder termo consagrado

Obs. Abr.: MI

Termos relacionados First Degree Murder While Armed

(FR) Homicide du premier degré termo consagrado

TT (PT) Homicídio qualificado termo consagrado

Obs. Sem correspondência no contexto jurídico português.

Área do Direito Direito Penal

Grau de fiabilidade da tradução ☆

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No exemplo 29, as unidades lexicais nominais forgery e uttering remetem para ações

distintas, mas relacionadas. No ordenamento jurídico português, observa-se uma concentração

da informação semântica num único termo (complexo): falsificação de documento (com adicão

do tipo de objeto falsificado: documento), que engloba a ação de falsificação propriamente dita

(forgery) bem como o uso (uttering).

Nos exemplos 30 e 31 houve a necessidade de avisar o utilizador para a falta de

enquadramento legal no contexto jurídico português. Em 30, estamos perante um termo que

descreve uma pena não aplicável no sistema jurídico português, já que a prisão perpétua foi

abolida em 1884. Contudo, o termo não foi identificado como obsoleto, porque, para além de

não se ter alterado a denominação (forma) do conceito (substituindo-a por outra mais atual), a

condenação a prisão perpétua é uma realidade comum em muitos países e é facilmente

reconhecível pelo utilizador através, por exemplo, dos media e do cinema.

Exemplo 28 (versão final)

TP

(ING) First Degree Murder While Armed termo consagrado

Obs. Abr.: MIWA

(FR) Homicide du premier degré à l'aide

d´une arme termo consagrado

TT (PT) Homicídio qualificado com recurso a

arma de fogo termo consagrado

Área do Direito Direito Penal

Grau de fiabilidade da tradução ☆☆☆

Exemplo 29 (versão final)

TP (ING)

Forgery and Uttering SN termo consagrado

Obs. Abr.: F&U

(FR) Faux et usage de faux termo consagrado

TT (PT) Falsificação de documento termo consagrado

Obs. Sinónimo: Contrafação de documento

Grau de fiabilidade da tradução ☆☆☆

Exemplo 30 (versão final)

TP (ING)

Order for lifelong restriction termo consagrado

Obs. Abr.: OLR

Variante geográfica SCO

TT (PT)

Condenação a prisão perpétua termo consagrado

Obs. Sanção penal abolida do sistema jurídico

português.

Área do Direito Direito Penal

Grau de fiabilidade da tradução ☆☆☆

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Em 31, o termo possession of implements of crime remete para a violação de uma norma

que dita que «No person shall have in his or her possession in the District [of Columbia] any

instrument, tool, or implement for picking locks or pockets, with the intent to use such

instrument, tool, or implement to commit a crime».29

Já no caso do Estado do Massachusetts e

da Austrália, o próprio termo jurídico especifica o tipo de crime cometido: possession of

burglarious tools or implements, no primeiro caso, e possess housebreaking implements, no

segundo. Em Portugal, não existe uma sanção penal que corresponda especificamente ao termo

de partida, apesar de o CPP referir este tipo de instrumentos: «Chaves falsas: […] III) As gazuas

ou quaisquer instrumentos que possam servir para abrir fechaduras ou outros dispositivos de

segurança».30

A sugestão de tradução apresentada é uma adaptação da contravenção penal

brasileira «Posse não justificada de instrumento de emprego usual na prática de furto» e uma

paráfrase do termo de partida.

No exemplo 32, inicialmente ponderei traduzir com o termo por recebimento de bens

roubados. No entanto, o léxico português dispõe do termo recetação, específico para descrever

este crime e que se usa habitualmente na área do Direito.

29 In Code of the District of Columbia, § 22–2501. Possession of implements of crime; penalty. 30 Cf. o Decreto-Lei n.º 48/95, art. 202.º, alínea f), número iii).

Exemplo 31 (versão final)

TP (ING)

Possession of Implements of Crime termo consagrado

Obs. Abr.: PIC

Variante geográfica USA

Termos

relacionados

Possession of Burglarious Tools or

Implements

Possess Housebreaking Implements

(FR) Possession d'instruments du crime termo consagrado

TT (PT)

Posse de instrumento habitualmente

utilizado em crime de furto sugestão

Obs.

Sem correspondência específica no sistema penal

português

Sinónimos: Posse não justificada de instrumento

de emprego usual na prática de furto

Termos relacionados Chaves falsas

Área do Direito Direito Penal

Crimes contra o património

Grau de fiabilidade da tradução ☆☆

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O exemplo 33 remete para uma sanção penal específica do Distrito de Colúmbia, onde

está sediada a capital dos E.U.A., Washington: «Any person who, without lawful authority,

shall enter, or attempt to enter, any private dwelling, building, or other property […] against the

will of the lawful occupant or of the person lawfully in charge thereof»; definindo o termo

private dwelling como «a privately owned house, apartment, condominium, or any building

used as living quarters, or cooperative or public housing».31

Na legislação portuguesa, existem

dois termos consagrados que cobrem com maior ou menor extatidão a aceção do termo de

partida: violação do domicílio e introdução em lugar vedado ao público. Ambas as opções

restringem o delito a certos espaços, mas não exatamento aos referidos no termo de partida.

Neste caso, os termos consagrados são identificados como termos relacionados do termo

equivalente, sendo invasão de propriedade o termo (comum) utilizado.

31 In www.code.dccouncil.us/dc/council/code/sections/22-3302.html (consultado a 26-09-2019).

Exemplo 32 (versão final)

TP (ING)

Receiving Stolen Property termo consagrado

Obs. Abr.:RSP

Sinónimo: Receipt of Stolen Property

Variante geográfica USA

Termos relacionados

Handling stolen goods

Handling stolen property

Reset

(FR) Recel d'objets volés termo consagrado

TT (PT) Recetação termo consagrado

Área do Direito Direito Penal

Grau de fiabilidade da tradução ☆☆☆

Exemplo 33 (versão final)

TP (ING)

Unlawful Entry termo consagrado

Obs. Abr.: UE

Variante geográfica USA

Termos

relacionados

Trespass

Breaking and entering

(FR) Entrée avec infraction termo consagrado

TT (PT)

Invasão de propriedade termo comum

Termos

relacionados

Violação do domicílio

Introdução em lugar vedado ao público

Área do Direito Código Penal

Grau de fiabilidade da tradução ☆☆☆

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No exemplo 34, a versão portuguesa (como a francesa, aliás) opta pela omissão do

adjetivo unlawful e pela generalização do elemento nominal: narcotic drug (singular, precedido

do artigo definido) vs. estupefacientes (plural). A versão inglesa integra um substantivo com

raiz grega, narkotikós, ao passo que a versão portuguesa prefere o substantivo com raiz latina,

stupefacĕre, para designar a substância entorpecedora ilícita.

Inicialmente, em 35, o termo de partida foi traduzido por «utilização não autorizada de

veículo», que não apresenta qualquer tipo de opacidade interpretativa para o utilizador. Apesar

disso, a opção final foi outra, já que existe um termo consagrado em corpus legislativo

português que descreve plenamente o conceito em questão: furto de uso de veículo. Devo

observar, no entanto, como mera curiosidade, que esta designação já causou alguma estranheza

(entre os utilizadores), em especial a seleção da preposição de em vez da preposição para, já

que a viatura é retirada ao seu legítimo dono com vista à sua utilização.

Os exemplos seguintes, 36 e 37, remetem para termos cuja forma abreviada também é

utilizada no discurso jurídico português (sendo a sigla portuguesa diferente da sigla inglesa).

Exemplo 34 (versão final)

TP (ING)

Unlawful Possession of a Narcotic

Drug termo consagrado

Obs. Abr.: UNA

(FR) Possession de stupéfiant termo consagrado

TT (PT) Posse de estupefacientes termo consagrado

Área do Direito Direito Penal

Grau de fiabilidade da tradução ☆☆☆

Exemplo 35 (versão final)

TP (ING)

Unauthorized Use of Vehicle termo consagrado

Obs. Abr.: UUV

(FR) Utilisation illégale d'un véhicule termo consagrado

TT (PT) Furto de uso de veículo termo consagrado

Área do Direito Direito Penal

Grau de fiabilidade da tradução ☆☆☆

Exemplo 36 (versão final)

TP (ING)

Alternative Dispute Resolution termo consagrado

Obs. Abr.: ADR

(FR) Alternative à un procès termo consagrado

TT (PT)

Resolução Alternativa de Litígios

de Consumo termo consagrado

Obs. Abr.: RAL

Área do Direito Arbitragem

Grau de fiabilidade da tradução ☆☆☆

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Como se pode ver, em todos os (vinte e três) exemplos desta secção, as siglas ou

acrónimos aparecem na entrada da base de dados (sob a etiqueta “Abr.”), mas em posição

relativamente secundária, subordinada à forma por extenso, que aparece em primeiro lugar na

entrada. A exceção é o exemplo 26, em que a própria sigla (COPINE) aparece em lugar

destacado, ainda que como elemento de uma expressão mais complexa (COPINE scale), sendo

a forma por extenso apresentada sob a etiqueta “Termos relacionados”. Este tratamento desigual

poderá porventura merecer uma revisão e uniformização futuras.

3.4 Estrangeirismos

O recurso a estrangeirismos é o processo que introduz na língua de chegada palavras e

expressões de uma outra língua. O empréstimo de latinismos na língua portuguesa, ou seja, de

palavras ou locuções latinas ou cunhadas usando a língua latina, é consequência do estatuto

hegemónico do latim durante vários séculos enquanto língua franca na cultura ocidental. No

entanto, hoje em dia a utilização de latinismos na linguagem corrente está maioritariamente

confinada a expressões e a contextos muito específicos, como por exemplo, à linguagem

utilizada no domínio académico, religioso e filosófico. Vários dicionários do português contêm

listas de expressões latinas de uso mais ou menos comum em texto português – cf. e.g., entre

muitos outros, o Dicionário da Língua Portuguesa 2004, da Porto Editora, no apêndice

“Palavras e Expressões Estrangeiras”,32

ou o Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa (1.ª

edição, 2001), no corpo do dicionário ordenados normalmente com os restantes itens lexicais.33

Embora o Direito Romano já não seja aplicado plenamente em nenhuma jurisdição,

ainda são visíveis as marcas por ele deixadas na terminologia jurídica de várias línguas. A

32 Apêndice de 28 páginas, com uma lista extensíssima de expressões latinas, incluindo «prima facie» e «volenti non

fit injuria» (exemplos 38 e 40 deste relatório). 33 Este dicionário contém um verbete para «prima facie».

Exemplo 37 (versão final)

TP

(ING)

Non-governmental organisation termo consagrado

Obs. Variante: Non-governmental organization

Abr.: NGO

(FR) Organisation non gouvernementale termo consagrado

Obs. Abr.: ONG

TT (PT) Organização não-governamental termo consagrado

Obs. Abr.: ONG

Grau de fiabilidade da tradução ☆☆☆

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79

presença de termos latinos na linguagem jurídica vem realçar o facto de este ser um discurso de

especialidade, tendo como consequência, intencional ou não, a exotização e o obscurecimento

do discurso.34

Vejamos alguns exemplos com que me deparei durante a realização do estágio:

Exemplo 38 (versão final)

TP (ING) Prima facie termo consagrado

(FR) De prime abord termo consagrado

TT (PT)

Prima facie ADJ termo consagrado

Obs.

Latinismo

Provas/ processo em que as provas apresentadas são

suficientes para chegar a decisão, exceto se forem

refutadas.

Sinónimo: À primeira vista

Fonte Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa

Área do Direito Terminologia geral

Grau de fiabilidade da tradução ☆☆☆

O exemplo 38 é uma locução latina composta pela forma feminina do numeral ordinal

primus (primeiro) e pelo substantivo facies, que num primeiro sentido significa cara ou rosto,

mas que também pode assumir um valor mais abstrato, de aparência, semblante ou forma

exterior. A equivalência estabelecida em português para este tipo de expressão é, tipicamente, a

locução adverbial de modo «à primeira vista» (cf. dicionários acima referidos). Contudo, optei

por recorrer à própria expressão latina, tal como acontece em inglês, já que a pesquisa em

corpora paralelos demonstra a utilização consagrada desta forma. Neste exemplo, mas também

nos próximos, nota-se que se recorre a estratégias diferentes para designar o mesmo conceito

jurídico nas línguas de partida: em inglês, verifica-se o recurso ao empréstimo latino, ao passo

que em francês se recorre quase exclusivamente a uma sequência vernácula. O termo francês é

formado pela preposição de + o adjetivo prime + o substantivo abord, derivado do verbo

aborder, literalmente abordar. Assim, em vez da variante au premier abord, ou de expressões

de igual significado, como au premier coup d'oeil, de prime abord é o termo consagrado no

contexto jurídico francês.

Exemplo 39 (versão preliminar) TP (ING) A mensa et thoro termo consagrado

TT (PT) Separação de mesa e cama sugestão

(FR) Séparation de corps termo consagrado

A expressão do exemplo 39 é uma locução latina que significa, literalmente, de mesa e

cama. Ora, sem qualquer tipo de contexto, creio que é muito pouco provável que o utilizador

perceba esta expressão. A mensa et thoro, do latim mensa, mesa (que, curiosamente, também

pode designar altar), e torus ou thorus, cama ou leito nupcial, é uma expressão originária do

34 Conceitos a não confundir com a estratégia de enobrecimento proposta por Berman (1985/2004: 282).

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Direito canónico dos sécs. XV e XVI, utilizada para designar uma forma de separação conjugal,

numa época em que havia forte objeção moral e religiosa contra o divórcio. Assim sendo, o

conceito de divorce a mensa et thoro (também conhecido pelo decalque divorce from bed-an-

board) pode ser contrastado, por exemplo, com o conceito de divorce a vinculo matrimonii. O

tradutor deve ter atenção ao falso amigo, já que o elemento divorce não corresponde ao termo

divórcio em português. No primeiro caso, apesar de existir uma separação de pessoas e de bens,

as partes continuam vinculadas pelo matrimónio e não podem voltar a casar. No segundo caso,

estamos perante um divórcio em sentido estrito, no qual a dissolução do casamento implica o

término das relações pessoais e patrimoniais, permitindo que as partes voltem a casar.

A legislação portuguesa prevê três situações diferentes: a separação de facto, a

separação judicial de pessoas e de bens e, por último, o divórcio. Neste caso, optei pelo termo

consagrado em português, separação judicial de pessoas e de bens, que particulariza o conceito

e restringe o seu significado a uma ação de separação conjugal, em que as partes envolvidas, os

cônjuges, deixam «de ter os deveres de coabitação e de assistência, sem prejuízo do direito a

alimentos ao cônjuge que deles necessite, mantendo-se, no entanto, os deveres de respeito,

fidelidade e cooperação».35

Neste exemplo, a minha dúvida principal foi se não estaria a

cometer um anacronismo, uma “naturalização temporal”, ao traduzir o termo tendo em conta o

tempo presente e as designações em vigor, em vez de, por exemplo, recorrer a uma solução

híbrida como separação a mensa et thoro, isto é, introduzir a palavra separação, que fornece

informação adicional ao utilizador, em combinação com a própria expressão latina. Apesar de

esta solução não me parecer totalmente incorreta ou descabida, a opção “modernizante” que

assumi resulta de uma das “exigências” da tarefa de tradução, nomeadamente a de que, sempre

que possível, se opte por termos consagrados na legislação portuguesa. Em todo o caso, admito

que uma futura revisão possa resultar ou numa opção diferente, ou na adição de comentários

contextualizadores mais extensos.

Vejamos o resultado final da tradução (que não é, note-se, para a expressão latina

isolada, mas sim para a sua ocorrência em combinação com o nome divorce):

35 In www.portaldascomunidades.mne.pt/pt/apoios/area-juridica/458-separacao-de-facto-separacao-judicial-de-

pessoas-e-bens-divorcio (consultado a 18-07-2019).

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Exemplo 39 (versão final)

TP (ING)

Divorce a mensa et thoro termo consagrado

Obs. Latinismo

Sinónimo: Legal separation

Grau de atualização do termo Arcaísmo

TT (PT)

Separação judicial de

pessoas e de bens termo consagrado

(FR) Séparation de corps termo consagrado

Área do Direito Direito Civil

Grau de fiabilidade da tradução ☆☆☆

Exemplo 40 (versão preliminar)

TP (ING) Volenti defense (volenti non fit injuria) termo consagrado

(FR) Défense d'acceptation du risque termo consagrado

O exemplo 40, acima, é uma locução latina que significa «não se injuria o que se

consente» e que representa um axioma jurídico originado no Direito romano, «Nulla iniuria est,

quæ in volentem fiat», segundo o qual se impede que quem consente um risco possa pedir

compensação pelas lesões dele eventualmente decorrentes. Na forma inglesa desta versão

preliminar do exemplo 40, observa-se uma estratégia de tradução que Pym (1992a: 76 apud

Chesterman, 1997: 95) denomina de “double presentation” (que deixei cair na versão final):

«This means including both SL [volenti non fit injuria] and TL versions [Volenti defense] in the

target text so that one acts as a gloss of the other» (adições minhas entre parênteses retos). Em

conformidade, o termo latino original é apresentado entre parênteses (uma estratégia a que se

recorre em muitos corpora paralelos). Já na versão francesa, a formulação apresentada recorre a

uma modulação, isto é, uma mudança do ponto de vista: «Modulation is a variation of the form

of the message, obtained by a change in the point of view. This change can be justified when,

[…] a literal or even transposed, translation […] is considered unsuitable, unidiomatic or

awkward in the TL» (Vinay & Darbelnet, 1958/1995/2004: 133).

O termo equivalente por que optei é Princípio volenti non fit injuria, antepondo a

palavra portuguesa princípio à formula latina; além disso, adicionei conteúdo explicativo no

campo das observações.

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Exemplo 40 (versão final)

TP

(ING)

Volenti defense termo consagrado

Obs. Latinismo

Variante: Volenti defence

(FR) Défense d'acceptation volontaire du

risque termo consagrado

TT (PT)

Princípio volenti non fit injuria termo consagrado

Obs.

Latinismo

Princípio jurídico pelo qual aquele que conhecendo o

risco não se defende está impedido de pedir

indemnização pelas lesões sofridas.

Área do Direito Direito civil

Grau de fiabilidade da tradução ☆☆☆

Os exemplos 41 a 46 remetem para termos na língua inglesa que correspondem a

expressões latinas. Na maioria destes exemplos, a pesquisa em corpora demonstrou a utilização

da mesma expressão latina na linguagem jurídica portuguesa, optando-se por apresentar o

mesmo termo latino nos campos relativos ao português. Não obstante, senti a necessidade de

adicionar uma segunda solução de tradução – sob a etiqueta “Sinónimo” – que clarificasse o

significado do latinismo para os utilizadores leigos. Noutros casos, a expressão latina não é

utilizada em português, mas o conteúdo da mesma é relevante, tendo-se neste caso recorrido a

uma tradução vernácula no campo relativo ao português (cf. exemplos 45 e 46 abaixo).

Exemplo 41 (versão final)

TP (ING) Ad hoc termo consagrado

Obs. Latinismo

TT (PT)

Ad hoc termo consagrado

Obs. Latinismo

Sinónimo: Para um fim específico

Fonte Dicionário de Latim Jurídico. Coimbra: Almedina (2006)

Área do Direito Terminologia Geral

Grau de fiabilidade da tradução ☆☆☆

Ad hoc é uma expressão latina utilizada em português (e em inglês) que, acoplada a

outras unidades lexicais, é utilizada não só no contexto jurídico como também noutros domínios

de especialidade (e.g. mobile ad hoc network é um termo do domínio das telecomunicações, que

em português é traduzido por redes ad hoc), além de na linguagem comum.

Exemplo 42 (versão final)

TP (ING) Ad infinitum termo consagrado

Obs. Latinismo

TT (PT)

Ad infinitum termo consagrado

Obs. Latinismo

Sinónimo: Indefinidamente

Área do Direito Terminologia geral

Grau de fiabilidade da tradução ☆☆☆

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Exemplo 43 (versão final)

TP (ING) Inter vivos termo consagrado

Obs. Latinismo

TT (PT)

Inter vivos termo consagrado

Obs. Latinismo

Termos relacionados Transmissão inter vivos

Área do Direito Direito Civil

Grau de fiabilidade da tradução ☆☆☆

Exemplo 44 (versão final)

TP (ING) Mortis causa termo consagrado

Obs. Latinismo

TT (PT)

Mortis causa termo consagrado

Obs. Obrigações e deveres consequentes da morte e que

passam para os herdeiros.

Termos relacionados Transmissão mortis causa

Área do Direito Direito Civil

Grau de fiabilidade da tradução ☆☆☆

Exemplo 45 (versão final)

TP (ING)

A coelo usque ad centrum termo consagrado

Obs.

Latinismo

Variante: Cuius est solum, ejus est usque ad

caelum et ad inferos

TT (PT)

Limites materiais da propriedade

dos imóveis termo consagrado

Obs. Do céu ao centro (da Terra)

Fonte Art. 1344.º n.º1 do Código Civil

Área do Direito Direito Privado

Grau de fiabilidade da tradução ☆☆☆

Os exemplos 46 a 48 correspondem a termos que, em inglês, recorrem a galicismos, ou

francesismos, isto é, importações diretas da língua francesa.

Exemplo 46 (versão final)

TP (ING)

Petit jury termo consagrado

Obs. Galicismo

Sinónimo: Trial jury

(FR) Petit jury termo consagrado

TT (PT)

Tribunal de júri termo consagrado

Obs.

Constituído por três juízes e quatro jurados.

Decidem sobre a culpa ou inocência do réu e da

pena aplicável.

Área do Direito Direito Penal

Grau de fiabilidade da tradução ☆☆☆

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Exemplo 47 (versão final)

TP (ING)

Petit larceny termo consagrado

Obs. Galicismo

Abr.: PL

(FR) Petit vol simple termo consagrado

TT (PT) Furto simples termo consagrado

Área do Direito Direito Penal

Grau de fiabilidade da tradução ☆☆☆

No exemplo 48, a fórmula que exprime a noção de força maior foi importada para a

linguagem jurídica inglesa através do francês, apesar de os corpora ingleses consultados

também identificarem a expressão latina (vis major). Em português, o termo foi importado

diretamente do Direito Romano, sendo vigente o decalque português (força maior), além da

versão latina.

Exemplo 48 (versão final)

TP (ING)

Force majeure termo consagrado

Obs. Galicismo

(FR) Force majeure termo consagrado

TT (PT)

Força maior termo consagrado

Obs. Latinismo

Sinónimo: Vis major

Área do Direito Direito Civil

Terminologia Geral

Grau de fiabilidade da tradução ☆☆☆

Nos exemplos 49 e 50, apesar de existirem equivalentes em português, normalmente é

utilizado o termo inglês. Ou seja, o Direito português recorre também a anglicismos (não

adaptados).

Exemplo 49 (versão final)

TP (ING) Insider trading termo consagrado

(FR) Délit d’initié termo consagrado

TT (PT)

Insider trading termo consagrado

Obs. Anglicismo.

Sinónimo: Abuso de informação privilegiada

Fonte

CMVM: Abuso de Informação Privilegiada –

Conceitos, Comportamentos Proibidos, Consequências

Legais, Linhas de Orientação e Decisões Judiciais

Grau de fiabilidade da tradução ☆☆☆

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Exemplo 50 (versão final)

TP (ING) Boiler room termo consagrado

TT (PT)

Boiler room termo consagrado

Obs. Anglicismo

Sinónimo: Venda por telefone de títulos de risco

Fonte Dicionário jurídico Noronha: inglês-português, português-

inglês. São Paulo: Observador Legal (2006)

Grau de fiabilidade da tradução ☆☆☆

3.5 Entidades, cargos e institutos jurídicos sem equivalência exata

Como já foi referido anteriormente, o Direito está intrinsecamente relacionada com a

cultura, e as suas características específicas limitam fortemente a comparação interlinguística.

Isto é especialmente evidente nas designações de entidades, instituições e cargos jurídicos entre

regimes jurídicos distintos. Os termos dos exemplos 51 a 67 designam cargos jurídicos de países

anglófonos com origem, na sua maioria, no discurso jurídico escocês (dada a origem dos dados

que estiveram na base da criação das entradas), e que não apresentam uma correspondência

exata no ordenamento jurídico português. Apesar de alguns exemplos contemplarem a versão

francesa como termo de partida, focar-me-ei na versão inglesa, utilizando a francesa apenas

como “opção de apoio”, como tem sido feito aliás anteriormente, em diversas ocasiões.

Exemplo 51 (versão final)

TP

(ING)

Attorney general termo consagrado

Obs. Pl.: Attorneys general (preferível) ou Attorney

generals.

(FR) Ministère public termo consagrado

Procureur Général termo consagrado

TT (PT) Procurador-Geral termo consagrado

Sinónimo Procurador-Geral da República

Grau de fiabilidade da tradução ☆☆☆

Por questões de espaço, é apresentada aqui apenas uma tabela para o exemplo 51.

Contudo, na base de dados terminológica, há replicação das entradas, já que a versão francesa

dispõe de duas opções de tradução equivalentes para a forma inglesa Attorney general. Tal não é

necessário para a versão portuguesa, já que o termo Procurador-Geral da República

(equivalência dinâmica) é apresentado como sinónimo único.

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Exemplo 52 (versão final)

TP

(ING) U.S. Attorney termo consagrado

Variante geográfica USA

(FR)

Avocat du Ministère public termo consagrado

Obs. Common law

Procureur termo consagrado

Obs. Civil law

TT (PT)

Procurador do Ministério Público

dos Estados Unidos da América termo consagrado

Área do Direito Terminologia Geral

Grau de fiabilidade da tradução ☆☆☆

Quanto à versão francesa, no exemplo 52, também se optou por apresentar dois

equivalentes, o primeiro tendo em conta uma perspetiva de equivalência formal, o segundo

tendo em vista a tradução do conteúdo para o sistema jurídico de chegada. Na versão

portuguesa, optei por traduzir tendo em vista apenas a equivalência formal. Não tentei

apresentar o cargo equivalente em Portugal, atendendo a que a abreviatura U.S. remete para a

cultura de partida.

Exemplo 53 (versão final)

TP (ING)

Advocate termo consagrado

Variante geográfica SCO

Obs. Sinónimo: Barrister.

TT (PT)

Advogado termo consagrado

Obs. Membro da Ordem dos Advogados Escocesa

(Faculty of Advocates).

Área do Direito Terminologia Geral

Grau de fiabilidade da tradução ☆☆

No exemplo 54, não foi encontrado um termo português para identificar o termo escocês

advocate depute. Apesar de não ser fornecido nenhum termo equivalente, o campo de

observações define o termo e apresenta um cargo equivalente em Portugal (equivalência

dinâmica).

Exemplo 54 (versão final)

TP (ING) Advocate depute termo consagrado

Variante geográfica SCO

TT (PT)

- sugestão

Obs.

Oficial de justiça com a função de procurador do

Ministério Público. Equivalente ao Procurador da

República em Portugal.

Área do Direito Terminologia Geral

Grau de fiabilidade da tradução -

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Exemplo 55 (versão final)

TP (ING)

Lord Advocate termo consagrado

Obs. Sinónimo: Her Majesty's Advocate.

Variante geográfica SCO

TT (PT)

Lord Advocate termo consagrado

Obs. Anglicismo

Presidente do sistema de acusação penal escocês.

Área do Direito Terminologia Geral

Fonte www.e-justice.europa.eu/content_legal_professions-29-sc-

pt.do?member=1

Grau de fiabilidade da tradução ☆☆☆

Exemplo 56 (versão final)

TP (ING)

Her Majesty's Advocate termo consagrado

Obs. Sinónimo: Lord Advocate

Variante geográfica SCO

TT (PT)

Her Majesty's Advocate termo consagrado

Obs. Anglicismo

Presidente do sistema de acusação penal escocês.

Área do Direito Terminologia Geral

Grau de fiabilidade da tradução ☆☆☆

Exemplo 57 (versão final)

TP (ING) Barrister termo consagrado

Variante geográfica GBR

TT (PT)

Advogado termo consagrado

Obs. Categoria específica do Reino Unido e outros Estados

com tradição do common law.

Área do Direito Terminologia Geral

Grau de fiabilidade da tradução ☆☆

Tal como afirma Prata (2014: 12), «[o] barrister britânico representa os clientes em

tribunais superiores, redige documentos legais e presta aconselhamento jurídico». No entanto,

atua apenas em instâncias superiores, cabendo ao solicitor a atuação em instâncias inferiores. A

versão portuguesa do sítio da Internet E-Justice dedicada às profissões jurídicas da Inglaterra e

País de Gales referencia solicitor com dois termos distintos, advogado e consultor jurídico, já

que o sistema legal português não faz a distinção de regime jurídico entre as duas profissões.

Neste caso, o termo barrister foi traduzido para português por advogado, havendo uma

alteração da relação lexical entre o termo de partida e o hiperónimo termo traduzido, mais geral

e abrangente. Como se vê pelo conjunto heterogéneo de exemplos abaixo, optei em certos casos

por uma tradução para português (e.g. conselheiro da Rainha), com ou sem comentários,

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noutros para uma tradução apenas parcial para português (e.g. secretário do Lord Justice) e

noutros ainda para a manutenção ipsis verbis da designação inglesa (e.g. Lord Commissioner of

Justiciary), o que revela as especiais dificuldades da tradução de cargos e designações afins.

Exemplo 58 (versão final)

TP (ING)

Counsel termo consagrado

Variante geográfica SCO

Obs.

Membro da Faculty of Advocates, tem o direito de

comparecer perante qualquer tribunal da Escócia ou do

Supremo Tribunal do Reino Unido.

Sinónimo: Advocate

TT (PT) Advogado termo consagrado

Área do Direito Terminologia Geral

Grau de fiabilidade da tradução ☆

Exemplo 59 (versão final)

TP (ING)

Queen’s Counsel termo consagrado

Obs. Abr.: QC

Variante geográfica GBR

Obs. Sinónimo: King’s Counsel; Senior Counsel

TT (PT) Conselheiro da Rainha termo comum

Área do Direito Terminologia Geral

Grau de fiabilidade da tradução ☆☆

Exemplo 60 (versão final)

TP (ING) Lord Commissioner of Justiciary termo consagrado

Variante geográfica SCO

TT (PT)

Lord Commissioner of Justiciary termo consagrado

Obs.

Anglicismo

Designação atribuída aos juízes do Tribunal Superior de

Justiça da Escócia.

Fonte www.e-justice.europa.eu/content_legal_professions-29-SC-

pt.do?init=true

Área do Direito Terminologia Geral

Grau de fiabilidade da tradução ☆☆☆

Exemplo 61 (versão final)

TP (ING) Lord Justice Clerk termo consagrado

Variante geográfica SCO

TT (PT) Secretário do Lord Justice termo consagrado

Fonte www.e-justice.europa.eu/content_legal_professions-29-SC-

pt.do?init=true

Área do Direito Terminologia Geral

Grau de fiabilidade da tradução ☆☆

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89

Exemplo 62 (versão final)

TP (ING)

Lord Justice General of Scotland termo consagrado

Obs. Sinónimo: Lord President of the

Court of Session. termo consagrado

Variante geográfica SCO

TT (PT) Lord President do Tribunal de Sessão sugestão

Fonte www.e-justice.europa.eu/content_legal_professions-29-SC-

pt.do?init=true

Área do Direito Terminologia Geral

Grau de fiabilidade da tradução ☆☆☆

Exemplo 63 (versão final)

TP (ING) Lord of Council and Session termo consagrado

Variante geográfica SCO

TT (PT) Senador do Colégio de Justiça termo consagrado

Fonte www.e-justice.europa.eu/content_legal_professions-29-SC-

pt.do?init=true

Área do Direito Terminologia Geral

Grau de fiabilidade da tradução ☆☆☆

Exemplo 64 (versão final)

TP (ING) Lord Ordinary termo consagrado

Variante geográfica SCO

TT (PT)

Lord Ordinary sugestão

Obs.

Anglicismo

Um dos cinco juízes que compõem a câmara exterior

(Outer House) do Tribunal de Sessão (Court of Session).

Área do Direito Terminologia Geral

Grau de fiabilidade da tradução ☆☆

Os próximos exemplos remetem para instituições e entidades relacionadas com a

aplicação da direta ou indireta da justiça, i.e. tribunais e outras instituições de caráter social.

Exemplo 65 (versão preliminar)

TP (ING) Half-way house termo consagrado

(FR) Centre de reinsertion termo consagrado

O termo halfway house, em 65, designa instituições que acolhem indivíduos com

incapacidades físicas, mentais, ou pessoas com cadastro criminal e que visam a reintegração

dessas pessoas na sociedade. Mesmo no contexto anglófono, existem variações quanto à

designação deste tipo de instituições; por exemplo, no Canadá, halfway house é substituído por

community-based residential facilities. No caso britânico, o termo refere normalmente

instituições de caridade, de caráter filantrópico, direcionadas para órfãos e vítimas de maus-

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90

tratos infantis. Já na versão francesa, centre de reinsertion parece ser a expressão lexical

commumente utilizada para denominar centre d'hébergement et de réinsertion sociale, cujo

conteúdo semântico é equivalente do termo (estado-unidense) halfway house. Segundo a Carta

Social do Gabinete de Estratégia e Planeamento do Ministério do Trabalho, Solidariedade e

Segurança Social,36

em Portugal, existem vários termos distintos para denominar este tipo de

instituições, que variam consoante o tipo de indivíduos que acolhem e a finalidade a que se

destinam: crianças e jovens em situação de perigo (apartamento de autonomização, lar de

infância e juventude), crianças e jovens com deficiência (lar de apoio), adultos com deficiência

(lar residencial), pessoas com doença do foro mental ou psiquiátrico (unidade de vida

autónoma, unidade de vida apoiada, etc.), pessoas toxicodependentes (apartamento de

reinserção social), pessoas vítimas de violência doméstica (casa de abrigo) e família e

comunidade em geral (centro de alojamento temporário). No entanto, o sistema punitivo atual

ainda não integra este tipo de instituições de reinserção social de ex-reclusos em larga escala,37

faltando um termo consagrado em português que compreenda todas as aceções do termo

halfway house. Optei, neste caso, por uma correspondência o mais aproximada possível, com a

designação centro de reinserção social.

Exemplo 65 (versão final)

TP

(ING) Half-way house termo consagrado

Sinónimo Community-Based Residential Facilities

(FR) Centre d'Hébergement et de Réinsertion

Sociale termo consagrado

TT (PT) Centro de reinserção social termo comum

Grau de fiabilidade da tradução ☆

O termo High Court of Justiciary, em 66, designa um tribunal judicial de hierarquia

superior que exerce jurisdição em matéria criminal. Neste caso, a solução de tradução

apresentada foi encontrada após pesquisa num corpus paralelo do website E-Justice, tendo-lhe

sido adicionada informação toponímica (da Escócia), não presente no original nem neste

corpus. Deve referir-se que este tipo de adição é comum, de modo a referenciar a cultura de

partida do termo, provavelmente desconhecida do público-alvo.

36 Disponível em www.cartasocial.pt./conceitos.php (consultado a 03-09-2019). 37 Cf. www.justica.gov.pt/Noticias/Projeto-piloto-para-reinsercao-de-ex-reclusos (consultado a 03-09-2019).

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91

Exemplo 66 (versão final)

TP (ING) High Court of Justiciary termo consagrado

Variante geográfica SCO

TT (PT)

Tribunal Superior de Justiça da Escócia termo consagrado

Fonte www.e-justice.europa.eu/content_ordinary_courts-18-sc-

maximizeMS-pt.do?member=1

Área do Direito Organização Judiciária / Processual

Grau de fiabilidade da tradução ☆☆☆

Os exemplos 67 e 68 remetem para epónimos ou expressões contendo epónimos

jurídicos. Segundo Newmark (1987: 198), a eponímia é definida como o emprego de nomes

próprios de pessoas, objetos ou lugares para designar algo. Na linguagem médica, por exemplo,

os epónimos são bastante utilizados para cunhar conceitos médicos, prestando homenagem aos

médicos que primeiro descobriram ou descreveram determinados conceitos, podendo referir-se

a elementos da anatomia humana (e.g. trompas de Falópio), sintomas (e.g. sinal de Babinsky,

também conhecido como reflexo plantar), doenças (doença de Huntington), etc.

Exemplo 67 (versão final)

TP (ING) Diplock Court termo consagrado

TT (PT)

Tribunal Diplock sugestão

Obs.

Tribunal criado para julgar crimes políticos, relacionados com

o terrorismo durante o período de conflitos na Irlanda do

Norte.

Associado à figura do Barão Diplock.

Grau de fiabilidade da tradução ☆

Neste exemplo, o termo está associado a William John Kenneth Diplock, ou Barão

Diplock, e remete para um tribunal com jurisdição própria em matéria de crimes políticos e de

terrorismo, estabelecido na década de 1970 no contexto dos Conflitos da Irlanda do Norte (“The

Troubles”). A pesquisa realizada verifica pouca ocorrência de resultados em corpora paralelos

portugueses. Numa ocorrência, foi traduzido por tribunais sem júri; contudo, a fonte não se

mostrou fidedigna. O termo equivalente, um decalque do termo de partida, é a opção sugerida

(mantendo o epónimo e acrescentando informação suplementar clarificadora).

O exemplo 68 é um termo originado na decisão do Supremo Tribunal dos Estados

Unidos, no caso Miranda contra Arizona (1966), que foi um marco para os direitos processuais

dos suspeitos ou acusados de uma infração penal, referindo-se nomeadamente ao direito ao

silêncio e ao aconselhamento jurídico.

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Exemplo 68 (versão final)

TP (ING)

Miranda warning termo consagrado

Variante geográfica USA

Termos

relacionados

Miranda rights

Right to remain silent

TT (PT)

Direitos processuais termo consagrado

Obs.

Comporta o direito ao silêncio, de assistência de um

advogado, de ser informado dos factos imputados, entre

outros.

Área do Direito Direito Penal

Grau de fiabilidade da tradução ☆☆

Contudo, os direitos englobados pelo termo estado-unidense são diferentes dos direitos

presentes no ordenamento jurídico português na designação direitos processuais,38

que seguem

a diretiva europeia 2012/13/UE de 22 de maio de 2012. A tabela seguinte é uma comparação

(muito simplificada) das implicações jurídicas entre o termo de partida e o termo consagrado em

português (que coloquei como termo equivalente na base de dados), fundamentando a

classificação do grau de fiabilidade da tradução com (apenas) duas estrelas e evidenciando as

limitações da base de dados com o formato existente para dar conta de forma satisfatória de

casos deste grau de complexidade:

TP – Miranda warning

(Miranda rights)

TC – Direito à

informação em

processo penal

(2012/13/UE de 22 de

maio de 2012, art. 3.º,

n.º 1)

TC – Direitos e deveres

processuais

(art. 61.º do CPP)

«You have the right to remain

silent» «O direito ao silêncio»

«Não responder a perguntas

feitas, por qualquer entidade,

sobre os factos que lhe

forem imputados e sobre o

conteúdo das declarações

que acerca deles prestar»

«Anything you say can and

will be used against you in a

court of law»

- -

«You have the right to speak

to an attorney, and to have an

attorney present during any

questioning»

«O direito de assistência

de um advogado»

«Constituir advogado ou

solicitar a nomeação de um

defensor; Ser assistido por

defensor em todos os actos

processuais em que

participar e, quando detido,

comunicar, mesmo em

privado, com ele»

«If you cannot afford an

attorney, one will be

appointed for you»

«O direito a

aconselhamento jurídico

gratuito e as condições

para a sua obtenção»

-

38 Cf. o art. 61.º do CPP, disponível em www.dre.pt/web/guest/legislacao-consolidada/-

/lc/124532379/201909061714/73759549/diploma/indice (consultado a 06-09-2019).

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- «O direito à interpretação

e tradução» -

-

«O direito de ser

informado da acusação,

nos termos do artigo 6.º»

«Ser informado dos factos

que lhe são imputados antes

de prestar declarações

perante qualquer entidade»

3.6 Antropónimos

O próximo conjunto de (três) exemplos envolve exclusivamente antropónimos, ou seja,

nomes próprios de pessoas. Tradicionalmente, uma das características presentes nos dicionários

e noutras obras de referência é precisamente a inexistência de entradas relativas a nomes

próprios. Isto porque a informação apresentada «[is] usually confined to information that the

reader must have to understand an unfamiliar word. The emphasis is on the word, and all

information given bears directly on the meaning» (Landau, 1998: 6), e os nomes próprios, por si

só, não têm (prototipicamente) qualquer significado, servindo meramente para identificar um

indivíduo. Newmark (1981: 70) vai ainda mais longe, afirmando que: «In theory, names of

single persons […] are, therefore, both untranslatable and not to be translated». Não obstante,

considero pertinente a presença de nomes próprios relacionados com a área do Direito como

entradas desta base de dados, na medida em que ela permite ao utilizador obter informação

relevante sobre as personalidades em causa, ao mesmo tempo que mostra a estratégia de

tradução corrente para o(s) antropónimo(s) pesquisado(s), em português.

Muito genericamente, podem ser apontadas várias tendências (por vezes contraditórias)

no caso da tradução de antropónimos para português. Apesar de alguns autores defenderem

estratégias de naturalização e aportuguesamento dos nomes próprios estrangeiros, a tendência

nos últimos anos tem sido a manutenção exata dos nomes próprios na passagem da língua de

partida para a língua de chegada, «thus preserving their nationality, and assuming that their

names have no connotations in the text» (Newmark, 1988: 215). Esta mudança de paradigma é

visível, por exemplo, nas estratégias de tradução utilizadas pelos meios de comunicação social

para referir o nome dos membros de dois casais reais britânicos cujos matrimónios estão

separados quase quatro décadas no tempo: no caso de Charles e Diana (1981), optou-se por um

substituir ambos os nomes pelos equivalentes portugueses, Carlos e Diana (este último

homógrafo do antropónimo inglês, mas pronunciado à portuguesa, ou seja, de forma distinta);

no caso de William e Kate (2011), e de Harry e Meghan (2018), opta-se geralmente por manter

os nomes da língua de partida na língua de chegada (e não, por exemplo, Guilherme e Catarina,

ou Henrique e Meghan, respetivamente).

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Em relação às entradas da base de dados que correspondem a antropónimos, optei por

recorrer à estratégia de mudança do grau de informação, adicionando informação à entrada com

vista às previsíveis necessidades do utilizador, dada a presumível diferença relativamente ao

grau de familiaridade com as individualidades em causa nas culturas de partida e de chegada:

«By this I mean the addition of new (non-inferrable) information which is deemed to be relevant

to the TT readership but which is not present in the ST, or the omission of the ST information

deemed to be irrelevant» (Chesterman, 1997: 109, ênfase meu). Vejamos o exemplo 69:

Relativamente ao exemplo 69, procurei investigar se havia ou era usado um nome

português (ou aportuguesado) para referir a figura histórica em causa (William Blackstone).

Ainda que imaginasse pouco provável (e até hilariante) que se usassem formas como Guilherme

Pedra-Negra, a verdade é que existem várias figuras históricas importantes cujo nome foi

naturalizado para português, como é o caso de (São) Jerónimo (Eusebius Sophronius

Hieronymus, em latim), Martinho Lutero (Martin Luther, em alemão) ou Ricardo Coração de

Leão (Richard the Lionheart, em inglês). Após ter verificado que se mantém o nome original,

como previsto, considerei seguidamente – aliás, para este caso e todos os outros do mesmo tipo

– a seguinte questão: devo seguir, na entrada portuguesa, o formato original inglês (primeiro o

apelido, depois o nome separado por vírgula) ou fazer, como é mais habitual em português para

antropónimos, uma apresentação como nome próprio seguido de apelido? Decidi-me pela última

opção. É de notar que o tipo de formato presente na versão inglesa é o geralmente utilizado em

títulos de entradas enciclopédicas, que destaca o apelido (geralmente mais conhecido do

público) para efeitos de pesquisa.

A versão final deste exemplo (e dos próximos) conta com a adição de um campo com

vista a uma breve contextualização, através da adição da data de nascimento e morte e de uma

definição sucinta. A adição de informação no campo das observações tem como consequência

clara uma mudança do grau de visibilidade do tradutor, identificada por Chesterman como uma

estratégia de tradução por si só: «This refers to a change in the status of the authorial presence,

or to the overt intrusion or foregrounding of the translatorial presence. For instance, the

translator’s footnotes, bracketed comments […] or added glosses explicitly draw the reader’s

attention to the presence of the translator, who is no longer “transparent”» (1997: 112, ênfase

meu).

Exemplo 69 (versão preliminar) TP (ING) Blackstone, William termo consagrado

TT (PT) William Blackstone (figura incontornável

do Direito inglês) termo consagrado

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95

O exemplo 70 coloca uma questão nova adicional ao tradutor, já que está presente uma

terceira componente na fórmula do antropónimo: o título nobiliárquico (Sir). Aqui, as questões

são, acima de tudo, culturais. Ao contrário da cultura portuguesa, o contexto britânico é o de

uma monarquia em vigor, razão pela qual se nota uma discrepância relativamente à frequência

dos títulos nobiliárquicos nos dois contextos culturais. Não pretendo abordar a questão dos

títulos nobiliárquicos de forma extensiva, mas importam-me os aspetos tidos em conta para

chegar às soluções de tradução. Há que ter em conta que o uso de um título nobiliárquico

obedece a várias normas na língua de partida, e.g. o título Sir é utilizado apenas com o nome

próprio ou com o nome completo, mas nunca apenas com o apelido, sendo a sequência Sir Coke

uma forma incorreta de lexicalizar a entrada. Como o título Sir não tem uma correspondência

direta em português, a solução foi importar diretamentea expressão, criando um empréstimo na

língua de chegada.

Exemplo 70 (versão final) TP (ING) Coke, Sir Edward termo consagrado

TT (PT)

Sir Edward Coke termo consagrado

Obs.

(1552-1634)

Jurista inglês, cuja doutrina teve grande influência no

contexto renascentista inglês.

Área do Direito Figura jurídica

Grau de fiabilidade da tradução ☆☆☆

No exemplo 71, o título nobiliárquico (Baron), ou para ser mais exata, a multiplicidade

de formulações encontradas para este antropónimo, criou algumas dificuldades na decisão

quanto à versão final.

Exemplo 71 (versão preliminar)

TP (ING) Denning, Alfred Thompson, Baron (1899–

1999) termo consagrado

TT (PT) Lord Denning termo consagrado

Na versão final (que difere da que está acima), recorri à ambivalência da estratégia de

mudança do grau de informação do termo de chegada, mas, neste caso, em vez de adicionar

nova informação, optei por omitir parte da informação contida no termo de partida (nome

Exemplo 69 (versão final) TP (ING) Blackstone, William termo comum

TT (PT)

William Blackstone termo comum

Obs. (1723-1780)

Figura do Direito inglês.

Área do Direito Figura jurídica

Grau de fiabilidade da tradução ☆☆☆

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96

próprio e primeiro apelido), reduzindo o lema ao último apelido precedido do título

nobiliárquico (escrito em português: Barão). No campo relativo aos sinónimos do termo de

partida, optei por identificar, por um lado, a fórmula de identificação mais comummente

utilizada (Lord Denning), e por outro, a designação formal, mais extensa, composta pelo título

honorífico seguido do nome próprio completo e de títulos de ordens honoríficas em posição

final sob a forma de siglas. A par de outras discrepâncias culturais, a presença de títulos

honoríficos e condecorações é muito mais frequente no contexto britânico do que no português,

daí eu ter optado por codificar esta informação por extenso, no campo dedicado às observações

do termo traduzido.

Exemplo 71 (versão final)

TP (ING)

Denning, Baron termo consagrado

Obs.

Sinónimos:

Lord Denning. The Right Honourable Alfred Thompson

Denning, Baron Denning, OM, PC, DL.

TT (PT)

Barão Denning sugestão

Obs.

(1899–1999)

Alfred Thompson Denning.

Jurista inglês de grande influência no contexto jurídico inglês

do séc. XX.

Ordem de Mérito do Reino Unido (Order of Merit), Conselho

Privado da Chefe de Estado do Reino Unido (Privy Council),

Deputy Lieutenant.

Grau de fiabilidade da tradução ☆

3.7 Expressões eufemísticas e o politicamente correto na linguagem

jurídica

Os exemplos apresentados nesta secção envolvem expressões eufemísticas e outros

termos relacionados com a questão da neutralização da linguagem associada ao movimento do

“politicamente correto” no discurso institucional. Os eufemismos são figuras de estilo, mais

precisamente, figuras de pensamento que «introduzem modificações no conteúdo expresso na

frase» (Pinto & Parreira, 1985: 94), e são utilizados para “suavizar” a referência a algo com

conotação negativa. Muitos eufemismos estão relacionados com assuntos tabu, isto é, tópicos

considerados “proibidos” por uma dada cultura, sendo que as motivações psicológicas por

detrás da linguagem tabu são distintas de cultura para cultura, ou seja, não são universais,

advindo antes essencialmente de questões morais (de decoro ou de delicadeza) ou do sentimento

de medo (da morte, da doença, do desconhecido, etc.). Estas figuras de linguagem estão

relacionadas com o conceito do politicamente correto, que envolve medidas linguísticas e

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políticas “neutras” que evitam a denominação de características possivelmente discriminatórias,

como a classe, o género, a raça, a nacionalidade, as crenças religiosas, a orientação sexual, etc.,

procurando eliminar fatores de exclusão e marginalização de grupos sociais considerados mais

vulneráveis. Como afirma Goyos Jr. no prefácio do Dicionário Jurídico Noronha (2006),

«[e]ste movimento [do politicamente correto] tem gerado muitos eufemismos, a maioria dos

quais são politicamente motivados, presumidos e absolutamente redundantes em termos

lingüísticos estritos» (ênfase meu). Alguns exemplos de eufemismos, portugueses e ingleses, no

domínio jurídico são:

afeção mental = doença mental

enriquecimento por meios ilícitos = roubo

mentally incompetent person = deficiente mental

mental disability = deficiência mental

self-inflicted death = suicídio

suspeito = criminoso (presumido)

Para além do recurso a expressões eufemísticas, a linguagem jurídica também utiliza

outras figuras de estilo como a metáfora e a metonímia (que podem ser usadas para formar

expressões eufemísticas, como mostrarei mais abaixo): «Since metaphor and metonymy are an

integral part of linguistic creativity, they are present in specialized language as well as in

general language» (Sánchez et al., 2012: 33 apud Ferreira, 2014: 71). Segundo Sánchez et al.

(ibid.), a metáfora é definida como «the cognitive mechanism whereby one experiential domain

is partially mapped or projected onto a different experiential domain, so that the second domain

is partially understood in terms of the first», ao passo que a metonímia «is also a basic cognitive

process where one conceptual entity affords access to another closely associated entity.

However, in this case, both concepts belong to the same domain instead of different ones». As

autoras vão mais longe, afirmando que a metonímia «can thus be regarded as a syntagmatic

operation based on combination, which exploits continuity, whereas metaphor is essentially a

paradigmatic operation based on substitution, which exploits similarity» (Sánchez et al., 2012:

34). Ambos os exemplos 72 e 73 remetem para construções metonímicas que atuam ao nível

visual. São consideradas eufemísticas, no sentido em que evitam a enunciação do tópico

potencialmente desagradável. Quanto à tradução deste tipo de construções, Newmark afirma

que «the figurative element in language militates against literal translation when it is a cultural

or a stock metaphor, but favours literal translation when it is universal and/or original» (1987:

74).

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98

No exemplo 72, a expressão participial caught red-handed (‘apanhado com as mãos

vermelhas’) tem origem no Direito escocês, sendo uma paráfrase da noção (jurídica) latina in

flagrante delito. É um termo metonímico, na medida em que o adjetivo «red-handed» é

empregue para designar o infrator no seu todo. A cor é referida para designar o sangue da

vítima, ao passo que o particípio «handed» é empregue para designar uma parte anatómica (a

mão) do autor do crime, criando uma imagem mental de que o crime está a decorrer ou acaba de

ser cometido. Em português, existem expressões equivalentes, ou muito próximas, na linguagem

comum, como por exemplo a expressão coloquial «apanhado com a mão na massa». Se tivesse

optado por traduzir com este tipo de expressão coloquial, também metonímica, estaria a usar a

subestratégia (referida por Chesterman) da mudança de tropo, na qual um tropo X é traduzido

por um tropo Y, que é semântica e lexicalmente distinto do original (1997: 106):

ST trope X => TT trope Y

Porém, a versão final da tradução afasta-se do elemento figurativo presente no original,

integrando antes o termo consagrado na legislação portuguesa, que tem como fonte a locução

latina in flagrante delicto. Note-se, como curiosidade, que em inglês esta mesma expressão

latina, apesar de poder ter o mesmo sentido jurídico que em português, é frequentemente

utilizada eufemisticamente para designar a atividade sexual, podendo pois ser um “falso amigo”,

dadas as contoções distintas nas duas línguas.

A versão portuguesa sofreu uma modulação, ou seja, uma variação da forma obtida

através da mudança do ponto de vista (Vinay & Darbelnet, 1958/1995/2004: 133): «This change

can be justified when, although a literal, or even transposed, translation results in a

grammatically correct utterance, it is considered unsuitable, unidiomatic or awkward in the TL».

Envolve uma alteração da estrutura morfossintática (cf. Chesterman, 1997: 96), na qual o

particípio passado caught foi traduzido pelo substantivo detenção.

Na versão inglesa do exemplo 73, observa-se uma outra construção metonímica. O

termo jurídico (da área de Direito Penal) Thin skull principle (‘Princípio do crânio fino’) e o

equivalente em Direito Civil (Eggshell skull rule, ‘regra do crânio casca de ovo’) remetem para

Exemplo 72 (versão final)

TP (ING) Caught red-handed SV termo consagrado

(FR) Prendre en flagrant délit termo consagrado

TT (PT) Detenção em flagrante delito termo consagrado

Obs. Sinónimo: Apanhado em flagrante delito

Área do Direito Direito Penal

Grau de fiabilidade da tradução ☆☆☆

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99

um princípio jurídico do Common law que dita que a vítima deve ser indemnizada, mesmo que

os danos resultantes possam ter sido potenciados (ou anormalmente aumentados), devido às

suas condições de fragilidade, sendo estas desconhecidas do infrator: «Thin skull rule is a

principle of common law which states that particularly fragile victims of torts should be fully

compensated for their losses, even where the damages arising out of their predisposing

condition were not foreseeable to the defendant’s particular susceptibility.»39

Devo reconhecer

que a formulação que propus na versão final («mesmo que o dano por ela provocado seja

anormalmente grave») não capta esta ideia com total clareza, devendo ter acrescentado qualquer

coisa como «em virtude da fragilidade das suas condições, desconhecidas do infrator». Neste

caso, a metáfora de imagem resulta da combinação de um conceito do domínio-fonte (thin

skull/eggshell skull) com um conceito do domínio-alvo (principle/rule), que tem por base

características materiais relevantes, partilhadas pelos dois domínios, nomeadamente a noção de

fragilidade. Nos dois termos, o crânio (elemento anatómico de enorme importância que protege

o cérebro e todas as atividades neurológicas a ele associadas) personifica a vítima, ao passo que

o adjetivo thin e o substantivo eggshell denotam o conceito de fragilidade (existindo até uma

expressão idiomática inglesa relacionada com esta ideia: walking on eggshells). Chesterman

propõe um conjunto de estratégias relativamente à tradução de tropos (1997: 105). Contudo, a

pesquisa realizada em português leva a crer que não são aplicáveis, neste caso, tendo em conta

as noções integradas no regime jurídico português. Assim sendo, em vez de adotar as estratégias

associadas à alteração de tropos sugeridas por Chesterman (1997: 105-6), optei por não traduzir

esta entrada (o que foi devidamente sinalizado), tendo apostado antes na definição da mesma,

através de uma paráfrase (que, como disse acima, reformularia hoje), no campo dedicado às

observações.

No que diz respeito ao movimento do politicamente correto, achei pertinente incluir os

próximos exemplos no relatório de estágio devido à crescente discussão que envolve a temática

feminista e, mais especificamente, o incremento gradual de linguagem não sexista ou inclusiva

39 In www.definitions.uslegal.com/t/thin-skull-rule/ (consultado a 20/09/2019).

Exemplo 73 (versão final)

TP

(ING) Thin skull principle termo consagrado

Obs. Sinónimo: Eggshell skull rule

(FR) Principe de la vulnérabilité (de la

victime) termo consagrado

TT (PT)

- -

Obs.

Princípio que dita que uma pessoa deve indemnizar a

vítima, mesmo que o dano por ela provocado seja

anormalmente grave.

Área do Direito Direito Penal

Grau de fiabilidade da tradução -

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em diversos setores da sociedade. Por linguagem não sexista ou inclusiva, entendem-se práticas

linguísticas democráticas que procuram representar os géneros equitativamente porque, quer

queiramos, quer não, a linguagem fomenta e vulgariza as assimetrias e o desequilíbrio social

entre géneros.

Tradicionalmente, na gramática das línguas românicas, na qual se inclui o português, é

tradicional a utilização do género masculino para designar o conjunto de homens e mulheres

(mesmo que as mulheres desse conjunto se encontrem em maioria de número), chamado de

masculino genérico, ainda que morfologicamente existam formas femininas, como refere

Abranches (2009: 12):

Contraposta à capacidade de referência meramente específica do género feminino, a

dupla função – genérica e específica – do género masculino, dos termos que se referem

aos homens, constitui um importante mecanismo de reforço de um modelo em que o

homem se torna a medida do humano, a norma ou o ponto de referência (o cidadão, o

requerente, os funcionários, o diretor, os trabalhadores...)

Um exemplo desta prática corrente são as indicações relativas à marcação de género do

guia de utilização de um glossário bilingue do Governo do Canadá: «For position and

professional titles, the masculine form is mentioned first, except for those cases where the

profession is predominantly female. In French, gender neutral names and titles are followed by

the abbreviation (n.é.)».40

Ou seja, tradicionalmente, o género masculino apresenta-se como a

forma normativa de representação do plural e do universal, remetendo o género (natural)

feminino para um plano de sub-representação no plano linguístico e social. Ultimamente, tem-se

assistido a uma alteração deste paradigma no sentido de garantir o direito à «representação

linguística da identidade», que é manifesto, por exemplo, na Convenção sobre a Eliminação de

todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres, artigo 5.º alínea a):

os Estados Parte tomam todas as medidas apropriadas para modificar os esquemas e

modelos de comportamento sócio-cultural dos homens e das mulheres com vista a

alcançar a eliminação dos preconceitos e das práticas costumeiras, ou de qualquer outro

tipo, que se fundem na ideia de inferioridade ou de superioridade de um ou de outro sexo

ou de um papel estereotipado dos homens e das mulheres.

Na esfera anglófona, é visível a preferência dada a termos neutros para a denominação

de cargos, e.g. onbudsperson, member of congress, ou patentes militares, e.g. basic infantry

marine, em detrimento de termos exclusivamente masculinos como onbudsman, congressman e

basic infantryman, respetivamente. As línguas românicas apresentam maior resistência à

40 Disponível em www.publications.gc.ca/collections/Collection/S52-2-248-2001.pdf (consultado a 06-07-2019).

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neutralização ou abstração do género gramatical, possivelmente «devido à alta incidência de

termos com marcas morfológicas de género e à concordância em género» (Abranches, 2009:

18). Todos os substantivos são marcados em número e género (ainda que este possa ser

semanticamente irrelevante), sendo frequentemente antecedidos por artigos (definidos ou

indefinidos) ou pronomes (e.g. demonstrativos, indefinidos) e seguidos por adjetivos ou

particípios passados, também marcados em número e género. A este propósito, há dois casos

especiais a notar: (i) substantivos que têm uma forma comum aos dois géneros, denominados

substantivos comuns-de-dois, como estudante ou cliente, nos quais o feminino (se for esse o

género relevante a referir) só aparece nos determinantes ou nos adjetivos que concordam com

esse substantivo; e (ii) substantivos que só têm uma forma, qualquer que seja o género natural

da entidade nomeada, denominados substantivos sobrecomuns, como criança, vítima ou

indivíduo. Estes dois casos contrastam com a generalidade dos substantivos que designam

entidades humanas, que são biformes quanto ao género: criminoso/criminosa, juiz/juíza,

trabalhador/trabalhadora, cidadão/cidadã. As questões da distinção de género em entradas

lexicais têm de ser equacionadas em ligação com um dos conceitos básicos da terminologia, que

é o da não lematização de artigos e determinantes antecedentes ao substantivo.

Os próximos exemplos contemplam a questão da marcação do género gramatical de

cargos em português. Como afirma Abranches, que escreveu um Guia para uma Linguagem

Promotora da Igualdade entre Mulheres e Homens na Administração Pública, «[a] estratégia de

substituição de termos geralmente utilizada noutras línguas obedece a dois princípios

fundamentais: a visibilidade e a simetria das representações dos dois sexos» (2009: 17).

Segundo a mesma autora, em português estes princípios podem ser exercidos através de

estratégias opostas: ora pela especificação do género gramatical, que opera ao nível da

utilização de grafias duplas e o emprego de barras, ora pela neutralização/abstração da

referência sexual, através da substituição por genéricos verdadeiros (como paráfrases que usam

nomes sobrecomuns, nomes coletivos ou abstratos ou substantivos comuns dos dois géneros não

precedidos por artigo), da substituição de nomes por pronomes invariáveis ou através de outros

procedimentos alternativos (Abranches, 2009: 18-24). Apesar da aparente inocuidade dos

exemplos 74 e 75, uma vez que o feminino é formado simplesmente pela adição de -a ao

substantivo masculino terminado em consoante, a opção de empregar barras para tornar visível a

representação dos dois géneros não foi utilizada, já que vai contra os princípios estruturais

fundamentais da base de dados e dificulta a leitura. A solução por mim escolhida para codificar

esta informação relativa à variação de género pode não ser a melhor opção em termos de

economia de espaço; contudo, o registo das duas formas, a masculina e a feminina, na qual a

forma feminina é remetida para o campo de observações, é um meio-termo entre a posição

acima defendida e a forma (ainda) canónica de lematização. Pareceu-me desadequado (e

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102

demasiado controverso) a criação de uma nova entrada para o termo feminino, tendo

unicamente em conta a distinção de género gramatical.

3.8 Fraseologia e colocações

O próximo conjunto de (doze) exemplos foca-se em fraseologias e colocações,

nomeadamente em questões de tradução relativas à interdependência das unidades lexicais que

constituem o termo. Como afirmam Duarte & Brito (2003: 186 apud Milho, 2013: 54) «[c]ertos

itens lexicais condicionam a ocorrência de um certo número de expressões, bem como as

propriedades sintácticas e semânticas dessas expressões. Sabemos, por exemplo, que dois

verbos com um significado semelhante podem ter propriedades de selecção categorial

diferentes, ou seja, seleccionam complementos de categoria diferente». A noção de cotexto,

como é proposta por Bar-Hillel, relaciona a combinação de unidades verbais com outras

unidades lexicais em sequências linguísticas determinadas e a consequente fixação do

significado desse mesmo enunciado. Ao regressarmos à área terminológica, Faber & Rodriguez

(2012: 10) afirmam que «terms not only represente specialized concepts, but also have syntax

and collocational patterns within general language. In this sense, merely knowing

terminological correspondences is often not enough since such units, when inserted in context,

affect the text at all levels». A noção de cotexto é de especial relevância para a tradução dos

próximos exemplos, já que remete para «um dos principais processos de solução das eventuais

Exemplo 74 (versão final)

TP

(ING) Assessor termo consagrado

(FR) Assesseur termo consagrado

Obs. Fem.: Assesseure

TT (PT) Assessor termo consagrado

Obs. Fem.: Assessora

Área do Direito Terminologia Geral

Grau de fiabilidade da tradução ☆☆☆

Exemplo 75 (versão final)

TP

(ING) Attorney termo consagrado

(FR) Avocat termo consagrado

Obs. Fem.: Avocate

TT (PT) Advogado termo consagrado

Obs. Fem.: Advogada

Área do Direito Terminologia Geral

Grau de fiabilidade da tradução ☆☆☆

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103

ambiguidades ou da heterogeneidade de sentido dos enunciados»,41

que se devem evitar na área

terminológica.

Em 76, to commute é um verbo com várias aceções na linguagem comum: 1. to make

the same journey regularly between work and home, 2. to change one thing into another; e na

linguagem especializada: 3. to exchange one type of payment for a different type, 4. to change a

punishment to one that is less severe.42 Ou seja, pode-se afirmar que o verbo, por si só, contém o

significado de atenuação do castigo penal, não estando dependente do contexto frásico mais

amplo. Em português, o verbo comutar também engloba este sentido jurídico, de trocar uma

pena por outra mais leve. No entanto, talvez pela influência da ideia de troca, associada à

preposição por, tem-se observado a introdução de novas preposições concorrentes regidas por

este verbo. Segundo uma pesquisa efetuada no corpus eletrónico (de texto jornalístico)

CETEMPúblico, o verbo comutar coocorre com as preposições em, entre, para e por. Para o

sentido relevante, comutar em parece ser a forma de seleção canónica,43

daí a sua identificação

no campo de observações.

Exemplo 76 (versão final)

TP (ING)

Commute a sentence SV termo consagrado

Termos relacionados Commutation

(FR) Commuer une peine termo consagrado

TT (PT)

Comutar uma pena termo consagrado

Obs. Comutação da pena

Comutar a pena em

Termos relacionados Indultar a pena

Área do Direito

Direito Penal

Direito Constitucional

Terminologia Geral

Grau de fiabilidade da tradução ☆☆☆

Seguem-se alguns exemplos de combinações verbo-complemento que podem ser

considerados ilustrativos de colocações.

Exemplo 77 (versão final)

TP (ING) Appoint an attorney termo consagrado

(FR) Nommer un avocat commis d’office termo consagrado

TT (PT)

Constituir advogado termo consagrado

Fonte CPC, art.º 40.º

Obs. Sinónimo: Nomear um advogado

Área do Direito Direito Civil

Grau de fiabilidade da tradução ☆☆☆

41 In www.edtl.fcsh.unl.pt/encyclopedia/cotexto/ (consultado a 21-09-19). 42 In www.dictionary.cambridge.org/dictionary/english/commute (consultado a 30-10-2019). 43 O Dicionário de Verbos e Regimes, de Francisco Fernandes (Ed. Globo, 37.ª ed., 1990) dá apenas exemplos com

em: “Comutavam a pena de morte em trabalhar nas minas.” (Morais); “Parece que as muletas o salvaram de ir

degredado, comutando-lhe a pena em prisão.” (Camilo Castelo Branco).

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É de notar que, em ambos os exemplos 78 e 79, abaixo, a versão francesa utiliza o verbo

engager (ainda que com regências distintas), que pode ter o sentido de recrutar ou contratar,

usado em 78, ou o sentido de iniciar, instituir ou adotar, usado em 80. Em inglês, como em

português, os verbos são diferentes em cada caso.

Exemplo 78 (versão final)

TP (ING) Hire an attorney SV termo consagrado

(FR) Engager les services d’un avocat termo consagrado

TT (PT) Contratar um advogado termo comum

Área do Direito Terminologia Geral

Grau de fiabilidade da tradução ☆☆☆

Exemplo 79 (versão final)

TP (ING) Institute legal proceedings SV termo consagrado

(FR) Engager des poursuites pénales termo consagrado

TT (PT) Adotar procedimentos legais termo consagrado

Área do Direito Terminologia Geral

Grau de fiabilidade da tradução ☆☆☆

Exemplo 80 (versão final)

TP (ING) Issue a warrant SV termo consagrado

(FR) Décerner un mandat termo consagrado

TT (PT) Emitir um mandado termo consagrado

Área do Direito Terminologia Geral

Grau de fiabilidade da tradução ☆☆☆

Exemplo 81 (versão final)

TP (ING) Disclose a document termo consagrado

(FR) Divulger un document termo consagrado

TT (PT) Revelar um documento termo consagrado

Área do Direito Terminologia Geral

Grau de fiabilidade da traddução ☆☆☆

Nos exemplos 82 e 83, o verbo find não foi traduzido por considerar. Apesar de

considerar culpado (tradução literal) ser uma opção de tradução válida (que é, aliás, inserida

como sinónimo), em português opta-se em primeiro lugar pela transposição (condenar), que

corresponde à forma consagrada no discurso jurídico português.

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Exemplo 82 (versão final)

TP (ING) Find guilty SV termo consagrado

(FR) Déclarer coupable termo consagrado

TT (PT) Condenar termo consagrado

Obs. Sinónimo: Considerar culpado

Área do Direito Direito Penal

Grau de fiabilidade da tradução ☆☆☆

Os exemplos 82 e 83 exprimem ideias opostas; em 83, o termo de partida foi traduzido pelo

antónimo absolver. Neste caso, houve a passagem de uma forma negativa (inglesa) para uma

forma positiva (portuguesa), também uma transposição, segundo Vinay & Darbelnet

(1958/1995/2004).

Exemplo 83 (versão final)

TP (ING) Find not guilty SV termo consagrado

(FR) Déclarer non-coupable termo consagrado

TT (PT) Absolver termo consagrado

Obs. Sinónimo: considerar inocente.

Área do Direito Direito Penal

Grau de fiabilidade da tradução ☆☆☆

Exemplo 84 (versão final)

TP (ING) Satisfy a judgment termo consagrado

(FR) Exécuter un jugement termo consagrado

TT (PT) Dar cumprimento a uma decisão

judicial termo consagrado

Área do Direito Direito Penal

Grau de fiabilidade da tradução ☆☆☆

Exemplo 85 (versão final)

TP (ING) Lay a foundation SV termo consagrado

(FR) Expliquer son argument termo consagrado

TT (PT) Estabelecer um fundamento termo consagrado

Área do Direito Terminologia Geral

Grau de fiabilidade da tradução ☆☆☆

Exemplo 86 (versão final)

TP (ING) Lodge an appeal SV termo consagrado

(FR) Interjeter appel termo consagrado

TT (PT) Interpor um recurso termo consagrado

Área do Direito Terminologia Geral

Grau de fiabilidade da tradução ☆☆☆

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106

No último exemplo desta secção, optei por traduzir a expressão verbal por uma

expressão nominal, ao contrário do que foi feito nos exemplos anteriores. A solução de tradução

mais aproximada seria obter uma confissão mediante tortura; no entanto, optei pelo equivalente

confissão obtida mediante tortura, já que a pesquisa em corpora paralelos revelou a

predominância da construção nominal.

Exemplo 87 (versão final)

TP

(ING) Extort a confession

through torture SV termo consagrado

(FR) Extorquer une confession par la

torture termo consagrado

TT (PT) Confissão obtida

mediante tortura SN termo comum

Área do Direito Direito Penal

Grau de fiabilidade da tradução ☆☆☆

3.9 Exemplos de alguns dos erros de codificação mais frequentes

A última secção deste trabalho é dedicada à exposição e identificação dos erros – ou

inconsistências – de codificação detetados com maior frequência na base de dados

terminológica, que poderão desencadear problemas para o utilizador quando transpostos para o

front office do sistema. Apesar de não ser uma secção exatamente paralela às anteriores oito, do

capítulo 4, optei por inseri-la aqui, já que a sua extensão não parece merecedora de um capítulo

autónomo. Como já foi referido anteriormente, a base de dados terminológica trabalhada

apresenta uma dimensão considerável, tendo como principal consequência a lentidão e a

crescente complexidade da microestrutura do sistema. Por outro lado, a dimensão do projeto e o

vaivém de colaboradores, aliado à falta de pessoal dedicado exclusivamente à revisão do

documento ms-excel, origina erros e contradições na codificação da informação que devem,

também eles, ser corrigidos coerentemente. Vejamos um primeiro exemplo:

O termo inglês do exemplo 88 remete para uma opção de lematização de termos

compostos, na qual o núcleo do sintagma é anteposto (sendo colocado em primeira posição),

seguindo-se-lhe os restantes elementos, separados por vírgula. Este tipo de lematização

Exemplo 88 (versão preliminar)

TP (ING) Eviction, warrant of termo consagrado

(FR) Mandat d’éviction termo consagrado

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107

apresenta algumas vantagens para os colaboradores do projeto, principalmente na fase de

pesquisa, já que, os termos são compilados por ordem alfabética no documento ms-excel,

permitindo uma comparação mais fácil de termos que partilham o mesmo núcleo. Contudo, este

tipo de lematização é uma exceção à regra geral (vigente), já que as restantes entradas se

apresentam lematizadas na forma considerada canónica, isto é, a ordem normal dos constituintes

frásicos. Portanto, pode ser considerado um erro de codificação, a corrigir:

Exemplo 88 (versão final)

TP (ING) Warrant of eviction termo consagrado

(FR) Mandat d’éviction termo consagrado

TT (PT) Mandado de despejo termo consagrado

Área do Direito Direito Civil

Grau de fiabilidade da tradução ☆☆☆

No exemplo seguinte, deparei-me com um erro claro de formatação, em que cada célula

da versão inglesa e francesa continha dois termos relacionados, mas com prefixação distinta.

Reformulei estas entradas como está abaixo.

Exemplo 89 (versão preliminar)

TP

(ING) Auto-incrimination Self-

incrimination termo consagrado

(FR) Auto-contradiction Self-

contradiction termo consagrado

Exemplo 89a (versão final)

TP (ING) Self-incrimination termo consagrado

(FR) Auto-incrimination termo consagrado

TT (PT)

Auto-incriminação termo consagrado

Obs.

Atos ou declarações, prestadas perante a

autoridade, através das quais alguém atribui a

si mesmo a prática de um crime.

Sinónimo: Auto-acusação

Fonte Dicionário Jurídico Português-Inglês, Inglês-

Português, Dinalivro (4.ª ed., 2008)

(PT.AO.1990) Autoincriminação

Área do Direito Direito Penal

Grau de fiabilidade da tradução ☆☆☆

Exemplo 89b (versão final)

TP (ING) Self-contradiction termo consagrado

(FR) Auto-contradiction termo consagrado

TT (PT) Auto-contradição termo comum

(PT.AO.1990) Autocontradição termo comum

Área do Direito Direito Penal

Grau de fiabilidade da tradução ☆☆☆

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108

Na versão francesa do exemplo 90, a mesma entrada é composta por dois termos

distintos, separados por uma barra. Este sinal gráfico representa uma relação de sinonímia entre

termos, na qual é indistinta a preferência dada. Apesar de serem sinónimos, a existência de dois

termos na mesma entrada (separados ou não por sinais ortográficos convencionados) vai contra

as instruções de tradução previamente mencionadas.

Exemplo 90 (versão preliminar)

TP

(ING) Courtroom termo consagrado

(FR) Chambre d'un tribunal/salle

d’audience

termo consagrado

TT (PT) Sala de audiências (do tribunal) termo consagrado

Neste tipo de casos, para além do desdobramento da entrada francesa em duas entradas

distintas, na decisão final de tradução, optei por retirar a informação entre parênteses

(introduzida inicialmente devido à influência do mecanismo de composição do termo

Courtroom e à presença do elemento tribunal), já que o termo português sala de audiências, por

si só, remete para um espaço físico dentro de um tribunal.

Exemplo 90 (versão final)

TP

(ING) Courtroom termo consagrado

(FR) Chambre d'un tribunal termo consagrado

Salle d’audience termo consagrado

TT (PT) Sala de audiências termo consagrado

Área do Direito Organização Judiciária / Processual

Grau de fiabilidade da tradução ☆☆☆

O exemplo 91 é bastante semelhante ao anterior, já que também me deparei com uma

entrada composta por termos sinónimos separados por uma barra (na versão francesa). A

diferença relativamente ao exemplo 90 é que o desdobramento em duas entradas distintas

implica a repetição de um sintagma preposicional (de la defense).

Exemplo 91 (versão preliminar)

TP (ING) Counsel termo consagrado

(FR) Conseil/avocat de la défense termo consagrado

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Exemplo 91 (versão final)

TP

(ING) Counsel N termo consagrado

(FR) Avocat de la défense termo consagrado

Conseil de la défense termo consagrado

TT (PT) Advogado termo consagrado

Área do Direito Direito Penal

Profissões jurídicas

Grau de fiabilidade da tradução ☆☆☆

O exemplo 92 partilha problemas de exemplos anteriores. Neste caso, a mesma entrada

contém duas unidades terminológicas com lematizações distintas (o substantivo e o phrasal

verb no modo infinitivo, separados por vírgula).

Exemplo 92 (versão preliminar)

TP

(ING) Battery, to beat up termo consagrado

(FR) Coups et blessures, porter des

coups et blessures termo consagrado

Na versão final, a identificação do infinitivo do verbo foi remetido para o campo de

observações, sendo que o termo equivalente em português, consagrado, clarifica o significado

do termo de partida, através de alterações da distribuição semântica.

Exemplo 92 (versão final)

TP

(ING) Battery termo consagrado

Obs. Variante linguística: To beat up

(FR) Coups et blessures termo consagrado

Obs. Variante linguística: Porter des coups et blessures

TT (PT) Ofensa à integridade física termo consagrado

Área do Direito Direito Penal

Grau de fiabilidade da tradução ☆☆☆

Em 93, a versão francesa admite duas formas de lematização do conceito, através do

adjetivo haineux ou do substantivo haine. Em português, não se utiliza o adjetivo odioso para

identificar este tipo de crime, daí a formulação única crime de ódio.

Exemplo 93 (versão preliminar)

TP (ING) Hate crime termo consagrado

(FR) Crime haineux, crime de haine termo consagrado

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Exemplo 93 (versão final)

TP

(ING) Hate crime termo consagrado

(FR) Crime haineux termo consagrado

Sinónimo Crime de haine termo consagrado

TT (PT) Crime de ódio termo comum

Obs. Sem correspondência na legislação portuguesa.

Área do Direito Direito Penal

Grau de fiabilidade da tradução ☆☆☆

O exemplo 94 resulta da fusão de três termos de partida enact, enactment e enactment

of a law , já que, em termos práticos, não é recomendável a lematização separada de todas

lexias do termo, tendo-se optado apenas pelo substantivo enquanto lema. No entanto, foi

necessário manter o termo composto enactment of a law como entrada isolada, já que foi

identificado como termo relacionado.

Exemplo 94 (versão final)

TP

(ING)

Enactment termo consagrado

Obs. To enact

Termos relacionados Enactment of a law

(FR)

Ediction termo consagrado

Obs. Edicter

Termos relacionados Promulgation de la loi

TT (PT)

Promulgação termo consagrado

Obs. Promulgar

Termos relacionados Promulgação da lei

Área do Direito Organização Processual/Judicial

Grau de fiabilidade da tradução ☆☆☆

A versão final presente no exemplo 95 também é uma combinação de duas entradas,

neste caso cross-examination e cross-examine. Também foi escolhido o substantivo como lema.

Exemplo 95 (versão final)

TP

(ING) Cross-examination termo consagrado

Obs. To cross-examine

(FR) Contre-interrogatoire termo consagrado

Obs. Contre-interroger

TT

(PT) Contra-interrogatório termo consagrado

(PT.AO.1990) Contrainterrogatório termo consagrado

Obs. Contrainterrogar

Área do Direito Terminologia Geral

Grau de fiabilidade da tradução ☆☆☆

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No exemplo 96, deparei-me com uma gralha que não é facilmente identificável, já que o

verbo abet («to assist, encourage, instigate, or support with criminal intent in attempting or

carrying out a crime»),44

de uso menos comum, foi confundido com o verbo bet (apostar).

Exemplo 96 (versão preliminar)

TP (ING) Aid and bet (V) termo consagrado

(FR) Assister et soutenir termo consagrado

TT (PT) Cumplicidade termo comum

Exemplo 96 (versão final)

TP (ING)

Aid and abet V termo consagrado

Obs. Variante: aiding and abeting

(FR) Assister et soutenir termo consagrado

TT (PT) Participar da prática de um delito

penal

termo consagrado

Área do Direito Direito Penal

Grau de fiabilidade da tradução ☆☆

No início deste capítulo referi a questão da distinção entre o léxico comum e o léxico

especializado, tendo mencionado, por um lado, a dificuldade de separar completamente estas

duas esferas e, por outro lado, a interdisciplinariedade do Direito com outras áreas do

conhecimento, nomeadamente com o domínio da Medicina. O último exemplo deste relatório

foi englobado nesta secção devido à falta de relação com o léxico jurídico. Apesar de na secção

4.1 ter aceitado a seleção de termos não-especializados, esta aceitação aplica-se apenas a termos

facilmente relacionados com o domínio jurídico, ou os termos que, pela sua frequência em

corpora jurídicos, adquirem o direito a serem incluídos na lista de lemas deste glossário. Assim

sendo, o exemplo 97 foi totalmente excluído do documento ms-excel.

Exemplo 97 (versão preliminar)

TP (ING) Arteriosclerosis termo consagrado

TT (PT) Arteriosclerose termo consagrado

44 In www.merriam-webster.com/dictionary/abet (consultado a 30-10-2019).

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4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

O relatório que se conclui teve como objetivo a apresentação do trabalho realizado

durante o estágio profissionalizante no Ministério dos Negócios Estrangeiros englobado no

plano curricular do Mestrado em Tradução. Este relatório centrou-se no trabalho desenvolvido

para o projeto Trad-Iure, por esta ter sido a atividade com maior representação ao longo do

estágio e por ela ter incidência especial na análise de questões relacionadas com o processo de

tradução.

O trabalho realizado foi essencialmente terminológico, não se inserindo nos moldes

tradicionais das reflexões sobre tradução, uma vez que se lidou com unidades terminológicas e

não com textos. O produto final de tradução é consequência de várias decisões tomadas, sendo

reflexo dos vários filtros impostos ao “texto” durante o processo de tradução. A análise das

soluções de tradução encontradas permitiu fazer referência, com alguma frequência, às

estratégias e métodos estudados e aplicados ao longo do percurso académico. O recurso a estes

moldes teóricos pareceu-me importante para a análise apresentada. No que respeita às traduções

propriamente ditas, as soluções que envolviam questões sintáticas foram apoiadas em

gramáticas da língua portuguesa e em corpora paralelos, ao passo que outras soluções

derivaram de pesquisa terminológica e jurídica. O processo de tradução não foi afetado apenas

por questões de traduzibilidade (gramaticais ou linguísticas, em sentido estrito), tendo sido

necessário considerar também, atendendo ao próprio propósito do projeto, a situação

comunicativa do contexto de chegada, que faz imposições particulares à tradução. O produto

final de tradução também refletiu as preocupações relativas à seleção e codificação do material

linguístico e à construção de ferramentas linguísticas. O último filtro abordou a influência da

receção no processo de tradução, englobando questões relacionadas com a usabilidade e com o

utilizador.

Tenho consciência de que o conjunto de (cerca de cem) casos selecionados é muito

diversificado e não está enquadrado numa reflexão linguística com o grau de generalização e

abstração porventura desejáveis, mas confio em que este conjunto seja suficientemente

ilustrativo de uma série de questões de tradução interessantes e possa servir de base a trabalhos

futuros de maior fôlego (meus ou de outros investigadores).

Pequenas propostas de melhoria na base de dados foram pontualmente integradas nas

soluções de tradução. Estas alterações advêm das preocupações acima mencionadas e foram

impostas pelo tipo de informação a ser veiculada ao utilizador. Tal como essas propostas, o

subcapítulo relativo à identificação de erros ou inconsistências de notação mais frequentes,

visou dar um pequeno contributo para a qualidade da utilização do sistema quer pelos

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utilizadores quer pelos profissionais ligados ao projeto. De futuro, espera-se que o trabalho

realizado possa ser integrado e efetivamente posto em prática no sistema. Espera-se também que

sejam redigidas linhas-mestras mais concisas relativamente à seleção e codificação de

informação a ser integrada na base de dados terminológica com vista a uma melhor

uniformização do projeto.

Do ponto de vista pessoal, o período de estágio foi recompensador a todos os níveis,

permitindo-me, por um lado, explorar a fundo novas áreas de tradução, aplicando os

conhecimentos adquiridos ao longo do percurso académico, e, por outro, conhecer um novo

ambiente profissional, neste caso um dos departamentos governamentais do Estado Português.

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5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Base de dados legislativa - Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa:

www.pgdlisboa.pt/leis/lei_main.php

Diário da República Eletrónico: www.dre.pt/

Direção-Geral da Administração da Justiça: www.dgaj.mj.pt/DGAJ/sections/home

EUR-Lex: Direito da EU: www.eur-lex.europa.eu

Gabinete de Documentação e Direito Comparado da Procuradoria-Geral da República:

http://www.gddc.pt

INEM (Legislação): www.inem.pt/category/documentacao/legislacao/

Law Society of Scotland: www.lawscot.org.uk

Sítio Web oficial da União Europeia: www.europa.eu/european-union/index_pt

B. Dicionários online, aplicações de tradução e bases de dados terminológicas

Black's Law Dictionary: www.thelawdictionary.org/

eTranslation - European Commission: www.ec.europa.eu/info/resources-partners/machine-

translation-public-administrations-etranslation_en (de acesso restrito)

DicionárioJurídico Jurislingue: www.gddc.ministeriopublico.pt/jurislingue

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iate: European Union Terminology: www.iate.europa.eu/home

TERMIUM Plus®: www.btb.termiumplus.gc.ca/tpv2alpha/alpha-eng.html?lang=eng

Tradutor Jurídico do DRE: www.dre.pt/tradutor-juridico

C. Dicionários generalistas

Dicionário Priberam da Língua Portuguesa: www.priberam.pt/dlpo/

Dicionário Infopédia: www.infopedia.pt/

D. Corpora não-jurídicos

CETEMPúblico – Linguateca: www.linguateca.pt/CETEMPublico/

British National Corpus: www.english-corpora.org/bnc/