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CONSELHO NACIONAL DOS DIREITOS HUMANOS Relatório sobre os direitos da população atingida pela implementação da usina hidrelétrica de Belo Monte e da mineradora Belo Sun Brasília Dezembro, 2017

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CONSELHO NACIONAL DOS DIREITOS HUMANOS

Relatório sobre os direitos da população atingida

pela implementação da usina hidrelétrica de Belo Monte

e da mineradora Belo Sun

Brasília

Dezembro, 2017

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2017 Conselho Nacional dos Direitos Humanos (CNDH). Esta obra

é disponibilizada nos termos da Licença Creative Commons – Atribuição – Não

Comercial – Compartilhamento pela mesma licença 4.0 Internacional. É permitida a

reprodução parcial ou total desta obra, desde que citada a fonte. O CNDH disponibiliza,

na íntegra, o conteúdo desta e de outras obras do Conselho através do link:

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de-direitos-humanos-cndh

Tiragem: 1º edição - 2017 – dezembro - versão eletrônica

Elaboração, distribuição e informações:

Conselho Nacional dos Direitos Humanos

SCS-B, Quadra 09, Lote C - Ed. Parque Cidade Corporate - Torre A, 9º Andar.

CEP: 70.308-200 - Brasília/DF.

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E-mail: [email protected]

Conselho Nacional dos Direitos Humanos

Presidente

Darci Frigo - Plataforma de Direitos Humanos DHESCA Brasil

Vice-Presidenta

Fabiana Galera Severo - Defensoria Pública da União

Mesa diretora

Deborah Duprat - Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão/MPF

Leonardo Penafiel Pinho - Central de Cooperativas e Empreendimentos Solidários do

Brasil UNISOL

Flávia Cristina Piovesan - Secretaria Nacional de Cidadania/MDH

Sandra Elias de Carvalho - Justiça Global

Conselheiras e Conselheiros do Biênio 2016-2018

Poder Público

Procuradoria-Geral da República/MPF

Titular: Raquel Elias Ferreira Dodge

1º Suplente: Deborah Duprat

2ª Suplente: João Akira Omoto

Defensoria Pública da União

Titular: Carlos Eduardo Barbosa Paz

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1º Suplente: Fabiana Galera Severo

2º Suplente: Francisco de Assis Nascimento Nóbrega

Conselho Nacional de Justiça

Titular: Mauro Campbell Marques

1º Suplente: Márcio Schiefler

2º Suplente: Jaiza Maria Pinto Fraxe

Secretaria Nacional de Cidadania/MDH

Titular: Flávia Cristina Piovesan

1º Suplente: Akemi Kamimura

2º Suplente: Herbert Borges Paes de Barros

Ministério das Relações Exteriores

Titular: Alexandre Peña Ghisleni

1º Suplente: Pedro Marcos de Castro Saldanha

2º Suplente: Fabiana Muniz de Barros Moreira

Ministério da Justiça

Titular: Priscilla Oliveira

1º Suplente: Magda Maria R. Ferreira Valadares

2º Suplente: Mara Fregapani Barreto

Departamento de Polícia Federal

Titular: Adalton de Almeida Martins

1º Suplente: Diana Calazans Mann

2º Suplente: Luiz Carlos Ramos Porto

Câmara dos Deputados

Situação (Maioria): Deputada Mara Gabrilli

Oposição (Minoria): Deputado Paulão

Senado Federal

Situação (Maioria): vago

Oposição (Minoria): vago

Organizações da Sociedade Civil

Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil

Titular: Everaldo Bezerra Patriota

Suplente: Eduarda Mourão Eduardo Pereira de Miranda

Conselho Nacional dos Procuradores Gerais dos Estados e da União

Titular: Nívia Mônica da Silva

Suplente: Alessandra Campos Morato

Titulares eleitos/as:

Carlos Magno Silva Fonseca - Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais,

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Travestis e Transexuais (ABGLT)

Darci Frigo - Plataforma de Direitos Humanos DHESCA Brasil

Gilberto Vieira dos Santos - Conselho Indigenista Missionário (CIMI)

Iara Gomes de Moura - Coletivo Brasil de Comunicação Social INTERVOZES

Ismael José César - Central Única dos Trabalhadores (CUT)

Leonardo Penafiel Pinho - Central de Cooperativas e Empreendimentos Solidários do

Brasil UNISOL

Marco Antônio da Silva Souza - Movimento Nacional Meninos e Meninas de Rua

(MNMMR)

Paulo Roberto Martins Maldos - Conselho Federal de Psicologia (CFP)

Sandra Elias de Carvalho - Justiça Global (JG)

Suplentes eleitos/as:

Camila Lissa Asano - Associação Direitos Humanos em Rede CONECTAS

Cristian Trindade Ribas - Coletivo Nacional de Juventude Negra ENEGRECER

Eneida Guimarães dos Santos - União Brasileira de Mulheres (UBM)

Ivanete Alves Oliveira - Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB)

Julian Vicente Rodrigues - Movimento Nacional de Direitos Humanos (MNDH)

Leonildo José Monteiro Filho - Movimento Nacional de População de Rua (MNPR)

Maria Dirlene Trindade Marques - Rede Nacional Feminista de Saúde Direitos Sexuais

e Direitos Reprodutivos

Tchenna Fernandes Maso - Associação Nacional dos Atingidos Por Barragens (ANAB)

Associação Nacional dos Centros de Defesa da Criança e do Adolescentes (ANCED)

Grupo de trabalho sobre direitos da população atingida pela implementação da

usina hidrelétrica de Belo Monte e da mineradora Belo Sun

Darci Frigo – Presidente do CNDH

Francisco de Assis Nascimento Nóbrega – Conselheiro do CNDH

João Akira Omoto – Conselheiro do CNDH

Maria Dirlene Trindade Marques – Conselheira do CNDH

Tchenna Fernandes Maso – Conselheira do CNDH

Emília Ulhoa Botelho - Procuradoria Federal dos Direitos Cidadão

Thiago Almeida García - Secretaria Nacional de Cidadania

Secretaria Executiva

Renata Pinho Studart Gomes - Coordenadora-Geral

Assessoria de Comunicação

Cecília Bizerra Souza

Thamara Abreu Rodrigues

Assessoria Técnica

Bárbara Roberto Estanislau

Erica Guedes Maximiano

Manoel Batista do Prado Junior

Mariana de Souza Fonseca

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Assessoria Administrativa

Claudia de Almeida Soares

Kátia Aparecida Lima de Oliveira

Kell Adorno Rodrigues Porto

Rosane Farias Silva

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C755

Conselho Nacional dos Direitos Humanos

Relatório sobre os direitos da população atingida pela implementação

da usina hidrelétrica de belo monte e da mineradora belo sun /

Conselho Nacional dos Direitos Humanos – Brasília: Conselho

Nacional dos Direitos Humanos; 2017.

73 p.

ISBN:

1. 1. Direitos Humanos. 2. Direito à terra. 3. Direito à moradia

adequada. 4. Direitos dos Povos Indígenas . 5. Segurança alimentar e

nutricional. I. Conselho Nacional dos Direitos Humanos.

CDU. 342.7

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SUMÁRIO

1 – INTRODUCÃO .......................................................................................................... 8

1.1 – BREVE HISTÓRICO .............................................................................................. 8

2 – SÍNTESE DA MISSÃO BELO MONTE 2015 ........................................................ 10

3 - AGENDA DA MISSÃO ........................................................................................... 10

3.1 - AGENDAS INICIAIS DO GRUPO DE TRABALHO DO CNDH .................. 10

3.2 - EQUIPE BELO MONTE ................................................................................... 15

3.3 - EQUIPE BELO SUN ......................................................................................... 20

4 – SITUAÇÃO ATUAL E ANÁLISE DAS CONDICIONANTES............................. 28

4.1 – BELO MONTE .................................................................................................. 28

4.2. - CONTEXTUALIZAÇÃO EMPREENDIMENTO BELO SUN ....................... 29

4.3 - SINERGIA DE IMPACTOS ENTRE A IMPLEMENTAÇÃO DA UHE BELO

MONTE E O PROJETO DE INSTALAÇÃO DE BELO SUN ................................. 31

4.3.1 - Breve contextualização das obras ................................................................ 31

4.3.2 - Do direito dos indígenas à consulta prévia, livre e informada ..................... 38

5 - DIREITOS HUMANOS VIOLADOS ...................................................................... 47

5.1. Informação, participação e consulta .................................................................... 47

5.2. Saneamento .......................................................................................................... 48

5.3. Saúde .................................................................................................................... 50

5.4. Moradia Adequada (Independente I, ribeirinhos e Pedral) .................................. 51

5.5. Educação (creches, acesso às escolas) ................................................................. 52

5.6. Violência e impactos não dimensionados ............................................................ 52

5.7. Mobilidade (urbana e rural, terrestre e fluvial) .................................................... 53

6 - GRUPOS VULNERÁVEIS QUE EXIGEM ESPECIAL ATENÇÃO .................... 54

6.1. Povos Indígenas: .................................................................................................. 54

6.2. Independente 1: .................................................................................................... 59

6.3. Ribeirinhos e pescadores: .................................................................................... 61

6.4. Garimpeiros: ........................................................................................................ 62

8 - AVALIAÇÕES E CONCLUSÕES ........................................................................... 65

9 – RECOMENDAÇÕES ............................................................................................... 66

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1 – INTRODUCÃO

O presente relatório refere-se à missão de seguimento realizada em outubro de

2016 por membros do Conselho Nacional dos Direitos Humanos (CNDH) para

verificação do cumprimento das recomendações realizadas à luz das violações aos

direitos humanos verificadas no processo de construção da Usina Hidrelétrica de Belo

Monte, instalada na região de Altamira, Estado do Pará, durante missão realizada em

junho de 2015. Trata-se da primeira missão de monitoramento no âmbito do CNDH.

Tais missões são de fundamental importância para assegurar o caráter de exigibilidade

dos direitos humanos no âmbito nacional, além de servirem como instrumento de

construção de indicadores sobre os avanços da concretização dos direitos humanos no

cenário democrático do país.

A missão ainda apresentou um caráter híbrido, à medida que também buscou

verificar denúncias de violações aos direitos humanos na região da Volta Grande do

Xingu, atribuídas à instalação da empresa de mineração de ouro Belo Sun, considerando

o caráter conexo dos empreendimentos, posto que a região de afetação da mineradora

está na zona de monitoramento de impactos da UHE Belo Monte.

Cabe ressaltar que no âmbito da comissão de trabalho formada para monitorar

o caso de Belo Monte, dada a magnitude do impacto, o CNDH compreendeu a

importância de seguir no projeto de monitoramento das medidas recomendadas por, ao

menos, seis anos.

1.1 – BREVE HISTÓRICO

No dia 20 de agosto de 2015 o CNDH aprovou, por unanimidade, o “Relatório

da missão do CNDH em relação à população atingida pela implementação da UHE Belo

Monte”1, que traz um conjunto de constatações de violações de direitos, entre elas as

referentes a: A) direito à informação e à participação; B) direito à justa negociação e

tratamento isonômico, conforme critérios transparentes e coletivamente acordados; C)

direito à reparação prévia e justa de todas as perdas; D) direito à moradia adequada; E)

direito dos povos indígenas e tradicionais à posse permanente e usufruto exclusivo de

suas terras; F) direito à melhoria contínua das condições de vida; G) direito de acesso à

justiça; H) direito à liberdade de reunião, de associação e de expressão. O referido

relatório assenta ainda, como principal recomendação, a exigência do cumprimento

efetivo e integral de todas as condicionantes do Plano Básico Ambiental/PBA, como

requisito para a emissão da Licença de Operação. Esta deliberação indicava que o

CNDH promoveria o monitoramento das recomendações.

Em 24 de novembro de 2015 o IBAMA concedeu a licença de operação da

1 Disponível em: http://www.sdh.gov.br/noticias/pdf/relatorio-final-belo-monte-1, acesso em abril de

2017.

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UHE Belo Monte2, argumentando que mais de 90% das condicionantes ambientais e

sociais impostas pelo órgão foram cumpridas integralmente pela Norte Energia. De

acordo com o órgão ambiental, as pendências, que ainda precisam ser solucionadas,

envolvem questões indígenas e obras de saneamento e de assentamento de moradores

que, embora inconclusas, não impediriam o funcionamento da usina.

Ao longo do ano de 2016 o GT permaneceu realizando o monitoramento do

cumprimento das recomendações, obtendo, contudo, respostas inconclusivas dos órgãos

responsáveis e tomando conhecimento de problemáticas que se assomam com a

concessão da licença de operação. Frente a isso, o CNDH, em sua XVI reunião

ordinária, realizada entre 12 e 13 de maio de 2016, aprovou a realização de nova

missão, designada para os dias 08 a 12 de outubro, com objetivo de promover o

monitoramento do cumprimento das recomendações, bem como uma missão na região

da Volta Grande do Xingu, nas imediações do município de Senador José Porfírio,

diretamente impactada pela obra de Belo Monte e na qual se pretende iniciar a

mineração de aproximadamente 150 toneladas de ouro, que será realizada em 12 anos

pela empresa canadense Belo Sun, numa região de grande contingente de populações

indígenas e comunidades tradicionais.

Cabe ressaltar que a conexão entre os impactos da UHE Belo Monte e os

gerados pelo início das atividades da empresa Belo Sun são motivo de grande

preocupação, uma vez que a região já afetada poderia sofrer um impacto ainda maior.

Ademais, em 05 de novembro de 2015 ocorreu o maior desastre socioambiental da

história do Brasil, e um dos maiores do mundo, com o rompimento da barragem de

rejeitos da mineração do Fundão, de posse da empresa Samarco, em Mariana-MG,

gerando uma insegurança social quanto ao uso desse tipo de tecnologia para extração de

mineração, a mesma proposta pela mineradora canadense na região em questão.

A missão fora composta por Darci Frigo, da organização Plataforma Dhesca;

Dirlene Marques, da organização Rede Nacional Feminista de Saúde, Direitos Sexuais e

Reprodutivos; João Akira Omoto, da Procuradoria Federal dos Direitos Cidadão

(PFDC); Emília Botelho, como antropóloga da PFDC; Francisco Assis, da Defensoria

Pública da União; Thiago Almeida García, da Secretaria Nacional de Cidadania e

Tchenna Fernandes Maso, da Associação Nacional dos Atingidos por Barragem

(ANAB).

Para fins de metodologia a equipe foi dividida em dois grupos, um para

monitoramento das questões atinentes à UHE Belo Monte e a outro para

acompanhamento de Belo Sun. Foram realizadas visitas às comunidades atingidas,

diálogos com o poder público e a organização de audiências públicas de escuta atenta

das comunidades. Desta forma, o presente relatório se constituirá de dois momentos da

missão: Belo Monte e Belo Sun3.

2 Licença de Operação nº 1317, de 24/11/2015. 3 No que se refere às constatações da missão de Belo Sun, as mesmas foram apresentadas no dia 03 de

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2 – SÍNTESE DA MISSÃO BELO MONTE 2015

O relatório da missão sobre a UHE Belo Monte, aprovado por unanimidade

pelo CNDH, situa bem as condições em que a população atingida se encontrava diante

da construção da UHE, que é a 3ª maior hidrelétrica do mundo.

Em suas mais de 294 páginas, o relatório reflete a complexidade em se

dimensionar os impactos decorrentes da construção do empreendimento, tanto em sua

escala de curto prazo, quanto com relação ao projeto de vida das famílias na região. Isso

porque a chegada do empreendimento alterou profundamente a dinâmica de toda a

região do município de Altamira, que saltou de uma população de 85 mil habitantes em

2006 para 140 mil habitantes, segundo estimativas atuais. Esse elevadíssimo incremento

populacional, como constatado, seguiu-se ao desmatamento desordenado, com enorme

pressão sobre áreas protegidas na região (terras indígenas e unidades de conservação),

dificuldades de mobilidade, problemas quanto ao saneamento e abastecimento de água

potável, bem como inúmeras dificuldades no acesso a serviços essenciais nas áreas de

reassentamento de famílias diretamente impactadas pelo empreendimento.

Ao longo daquela missão foram promovidas reuniões com todos os atores

envolvidos, que demonstraram o temerário cenário de violações de direitos decorrentes

da implantação do empreendimento. Tais dados foram consubstanciados no já citado

relatório, no qual foram promovidas recomendações por este CNDH.

3 - AGENDA DA MISSÃO

3.1 - AGENDAS INICIAIS DO GRUPO DE TRABALHO DO CNDH

● Dia 08/10/16 - Reunião do Comitê Gestor Indígena

A missão acompanhou parte da reunião do Comitê Gestor Indígena, na qual

diversas etnias debatiam suas problemáticas com representantes da Norte Energia,

IBAMA e Secretaria de Governo. Em seguida, a delegação da Missão apresentou o

CNDH, e realizou uma escuta das problemáticas das lideranças.

As lideranças apresentaram queixas sobre a diminuição da vazão do Rio,

problemas com transporte para as comunidades, acesso à geração de renda,

descumprimento das condicionantes do PBA indígena, dificuldades de diálogo com o

poder público e a empresa, bem como relatos sobre perda de soberania alimentar e

problemas no acesso à saúde.

Em síntese, se podia notar o completo cenário de violação aos direitos

humanos dos povos indígenas, expostos num ambiente totalmente estranho à sua

fevereiro de 2017, na 24ª reunião ordinária e o relatório está disponível em:

http://www.sdh.gov.br/noticias/pdf/relatorio-parcial-cndh-belo-monte-belo-sun , acesso em abril de 2017

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realidade, no qual diversas etnias são tratadas de maneira homogênea, criando um

cenário de disputa por recursos escassos entre elas. Nos relatos se pode constatar a

dependência das comunidades com o Comitê Gestor para garantia de acesso a direitos

básicos.

● Dia 09/10/16 - Reunião inicial de preparação com os participantes da missão e

representantes da sociedade civil local

Estavam presentes 4 lideranças do MAB na região, que descreveram o processo

antes e após a liberação da licença de operação. Esclareceram que, após a concessão da

LO se tornaram mais difíceis as negociações, tendo em vista que não existem mais

mecanismos de pressão sobre as empresas. Nesse cenário localiza-se o debate sobre o

reconhecimento de atingidos, já que as problemáticas da construção e do não

cumprimento das condicionantes seguem se ampliando, mas a empresa reluta em

dialogar sobre novos reconhecimentos de atingidos. O caso mais emblemático é o do

bairro Independente I, no qual as famílias se encontram em grande vulnerabilidade

social, e não são reconhecidas como atingidas.

Além disso, apresentaram as problemáticas com o saneamento básico da cidade,

ainda sem funcionamento mesmo estando previsto como condicionante ambiental.

Informaram que há um embate entre a prefeitura e a Norte Energia, posto que a empresa

realizou as obras mas, segundo a prefeitura, não foram viabilizadas as condições de

operação da rede.

Outro ponto levantado foi o acesso a direitos nos reassentamentos urbanos

coletivos (RUC), nos quais ainda não há transporte público que garanta a mobilidade

urbana, principalmente para as crianças em idade escolar, uma vez que apenas em um

dos reassentamentos a escola encontra-se em funcionamento.

Os representantes da sociedade civil denunciaram, igualmente, a situação do

hospital municipal, que está fechado mesmo com equipamentos, novamente por uma

problemática com a Prefeitura Municipal quanto aos recursos para manutenção da

unidade.

Por fim, apontaram as dificuldades em encontrar canais de diálogo com a

empresa e governo, uma vez que já não se encontra mais um escritório acessível aos

atingidos em Altamira, já que o funcionamento se dá dentro da barragem, local onde

integrantes dos movimentos e a população em geral possuem acesso restrito. Além

disso, a Secretaria de Governo da Presidência da República não mais se encontra no

local, sendo o IBAMA o único órgão para o qual tem sido possível manter o diálogo.

Em suma, os representantes contextualizaram as problemáticas na região,

promovendo uma atualização dos fatos desde a última visita deste Conselho e aclarando

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as problemáticas a serem debatidas nas reuniões seguintes.

● Reuniões com o Ministério Público Federal em Altamira/PA

Foram realizadas quatro reuniões com os Procuradores da República, Dra.

Thais Santi e Dr. Higor Rezende, que atuam em Altamira e acompanham as questões

referentes ao empreendimento.

Na reunião com a Dra. Thais, Procuradora da República em Altamira, foram

destacados os seguintes pontos, em síntese:

- Existência de uma enorme diversidade de povos indígenas e comunidades

tradicionais na bacia do rio Xingu e um diálogo promovido pelo empreendedor de

forma não satisfatória com esses povos sobre o Projeto Básico Ambiental – PBA, com

casos de assédios a povos indígenas e comunidades;

- Impactos ambientais verificados após o início das obras, a exemplo da seca

do rio Bacajá;

- Problemas na construção e execução das ações previstas no PBA para povos

indígenas e demais comunidades impactadas pelo empreendimento;

- Parecer técnico elaborado pela FUNAI antes da liberação da licença de

operação detalhando o não cumprimento da integralidade das ações previstas no PBA.

A partir desse não cumprimento foi proposta a celebração de um Termo de Ajustamento

de Conduta – TAC para integral cumprimento das condicionantes, que, em verdade,

acabou resultando na confecção do termo de compromisso celebrado entre o órgão

indigenista e a Norte Energia. Como apontado, contudo, trata-se de documento

juridicamente frágil, já que anuiu com a liberação da licença;

- Constatação, por parte do MPF, de um processo de etnocídio em decorrência

da implantação da UHE. Sobre essa questão, esclareceu que foi proposta a Ação Civil

Pública n. 3017-82.2015.4.01.3903 perante a Vara Federal de Altamira. O processo

ficou 11 meses para ser avaliado e, quando finalmente o foi, restou declinada a

competência para a Justiça Federal do Pará, em Belém. Contudo, o MPF ingressou com

o agravo de instrumento dessa decisão perante o TRF1, que foi deferido, tendo o

processo retornado para análise na Vara Única Federal e Altamira/PA, onde aguarda

julgamento até o momento, em que pese a gravidade dos fatos alegados.

- Problemas decorrentes do reassentamento de indígenas e ribeirinhos que

vivem nas beiradas e ilhas do rio Xingu. Segundo o informado, foram entre seis a sete

mil famílias reassentadas por serem consideradas impactadas pelas obras, dentre elas

600 indígenas. Na audiência pública ocorrida em 2014 constatou-se que a Norte Energia

não estava cumprindo com o acordado, promovendo o reassentamento de mais de uma

família por unidade habitacional. Além disso, algumas famílias foram desconsideradas

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no reassentamento sob alegação de não cumprirem os critérios estabelecidos pelo

empreendedor;

- Em razão dos problemas referentes ao reassentamento, foi proposta pelo MPF

a formação de uma Câmara de Conciliação. Contudo, a Norte Energia encaminhou

notificação à Procuradoria da República informando que não concordava em participar

da citada Câmara. Nesse ínterim, o IBAMA aplicou multa à empresa em razão da não

construção da vila de trabalhadores, o que levou, então, à mudança de 500 famílias para

Altamira;

- Na análise dos impactos, o IBAMA equivocou-se quanto à quantidade de

ilhas que ficariam emersas e poderiam ser locais de moradia para a população

ribeirinha. Além disso, a Norte Energia mudou o mapa apresentado anteriormente para

os ribeirinhos, mostrando um número muito baixo de ilhas. Com isso, a empresa

apresentou um formulário que as pessoas deveriam preencher, que seria avaliado e, a

partir disso, fundamentaria o julgamento sobre quais pessoas seriam realmente

ribeirinhas e se seriam afetadas pela hidrelétrica;

- Constatação de um colapso no atendimento de saúde em Altamira, com

registro de morte de indígenas e demais cidadãos – inclusive crianças – por falta de

atendimento, desidratação e diarreia. O município conta com um hospital entregue, com

10 leitos de UTI, porém, as atividades da unidade de saúde não foram iniciadas por

questões políticas travadas entre o estado e município. A unidade se encontra em

processo de sucateamento, segundo o informado;

- Problemas gerados com a execução do PBA indígena, que acaba por fomentar

o processo de etnocídio da forma como tem sido conduzido pela Norte Energia;

- Ausência de um fortalecimento da FUNAI em Altamira (construção da nova

sede, orçamento e quadro de servidores), que constitui condicionante para emissão da

licença de instalação. Tal ponto mostra-se imprescindível, já que a todas as ações do

PBA-CI só acontecerão e serão efetivas se a FUNAI estiver instalada e em condições de

prestar o adequado atendimento às comunidades indígenas;

- Necessidade de uma postura do Governo Federal para assegurar as condições

de garantia do modo de vida ribeirinho diante dos impactos não mitigados na construção

da usina de Belo Monte;

Na reunião com o Dr. Higor Rezende, também Procurador da República em

Altamira, foram destacados os seguintes pontos:

- Ausência de solução para a instalação do saneamento básico nos municípios

de Altamira, Vitória do Xingu e Anapu, que é condicionante do empreendimento e

estava prevista para estar concluso até 2014;

- Fornecimento de água potável, já que em 2009 IBAMA constatou a

contaminação dos poços artesianos da região com esgoto e não foram tomadas

providencias quanto ao fato;

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- Não cumprimento da condicionante sobre o saneamento já que, em que pese

a rede ter sido instalada, as ligações às casas, sob atribuição do poder público, não

foram concluídas;

● Dia 10/10/16 - Reunião com o IBAMA – Hugo Loss

O servidor informou que o escritório do IBAMA recebe de 3 a 4 denúncias por

dia, sendo que a maior parte são dos ribeirinhos do bairro Independente I ou, ainda,

quanto às obras de saneamento, de água e de parques. Esclareceu não ter aquela unidade

um quadro sistematizado das denúncias e, tampouco, das soluções, pois existe uma

precariedade no funcionamento do escritório, que conta com poucos servidores.

Sobre a área alagada do bairro Independente I, o técnico afirmou não ser

responsabilidade do IBAMA, já que os moradores do bairro não foram considerados

atingidos pela construção da UHE. Esclareceu que a Agência Nacional de Águas - ANA

esteve recentemente no local para fazer reavaliação da cota 100, ocasião na qual

concluiu que os moradores do bairro estão acima desta, corroborando o posicionamento

da Norte Energia de que, portanto, não são considerados atingidos.

No entanto, a despeito desse posicionamento, existe a denúncia de que os

ribeirinhos do Independente I estão abaixo da cota e que também havia sido afetado o

lençol freático. Todavia, segundo o informado, a Norte Energia fez pesquisa e constatou

que não seria possível que essa infiltração do lençol tenha sido ocasionada pelo

barramento. Com base nesse relatório da Norte Energia, está sendo feito outro estudo

para verificação se os lençóis freáticos não se tocam, em parceria com a Agência

Nacional de Águas - ANA.

A Norte Energia alegou que a situação em questão advém do adensamento

populacional na região, mesmo que as pessoas tenham se locomovido para lá por conta

do empreendimento. O chefe do escritório do IBAMA em Altamira esclareceu que,

nesse caso, seria preciso novo estudo do impacto, mas isso não foi feito pelo IBAMA.

Sobre Belo Sun, o servidor informou que não tem acompanhado a questão pelo

IBAMA, já que o órgão responsável pelo licenciamento é a Secretaria de Meio

Ambiente do Pará. Esclareceu, contudo, que pelo projeto de seu conhecimento, não

existirão impactos na captação de água do Xingu. Em uma reunião feita com o

secretário, ele se colocou à disposição para colaboração. Contudo, não há interesse pela

SEMAS/PA que o IBAMA seja interveniente no processo.

● Dia 10/10/16 - Audiência pública convocada pelo MPF com os moradores do

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bairro Independente

Na noite dia 10 de outubro de 2016 a Comissão participou da audiência pública

realizada pelo Ministério Público Federal em Altamira sobre o Colapso Sanitário e

condições de acesso aos moradores do Jardim Independente I aos Direitos

Fundamentais. Estiveram presentes Dra. Thais Santi - Procuradora da República no

Município de Altamira, Pará (PRM/Altamira); Andréa Laboto - Defensora Pública do

Estado do Pará; Cíntia Colasso - Defensora Pública da União no Estado do Pará; Hugo

Loss - Instituto Brasileiro de Meio Ambiente (IBAMA); Luiz Cláudio Pereira Corrêa

Júnior - Secretário de Planejamento da Prefeitura Municipal de Altamira; Gustavo

Lopes Rodrigues - Representante da Secretaria de Meio Ambiente do Estado do Pará.

Núcleo Regional de Altamira.; Elizângela Trzeciak - Chefe do Escritório Especial em

Altamira da Secretaria Geral da Presidência da República. Ausente a Norte Energia,

apesar de convidada. Na ocasião tiveram oportunidade de manifestar-se em torno de 16

pessoas, além dos representantes das diversas instituições. (Cópia da Ata anexa).

3.2 - EQUIPE BELO MONTE

● Dia 11/10/16 - Reunião institucional com a Prefeitura do Município de

Altamira

Foi realizada reunião com a prefeitura de Altamira no dia 11/10/2016, tendo sido

tratados os temas abaixo descritos:

1) Bairro Independente 1: foi apresentada a problemática do cadastramento das

famílias e as condições de precariedade da comunidade, como o acesso ao

adequado abastecimento de água. A questão da moradia foi apresentada

como uma situação emergencial na cidade. Por fim, determinou-se que seria

encaminhada uma reunião em Brasília com IBAMA, Norte Energia, MPF e

CNDH, na qual se deliberaria sobre o cadastramento das famílias, que

deveria ser acompanhado pela prefeitura. Sobre a questão do abastecimento

de água, se comprometeram a instalar duas caixas de 20 mil litros na

comunidade para abastecimento pela manhã e à tarde. Comprometeram-se a

promover outras reuniões para construção de um plano emergencial para a

comunidade, incluindo a limpeza da lagoa e a realocação das famílias em

caso emergencial, com a possibilidade de verificar realocação para casas nos

reassentamentos urbanos coletivos onde existam vagas para atendimento;

2) Saneamento básico: informaram que até 2017 estará instalada a coleta

seletiva de lixo; Afirmaram que a condicionante da construção do sistema de

saneamento não foi cumprida pela empresa e, por isso, em muitos bairros

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eles ainda atendem por caminhão pipa. A problemática reside no modelo de

estrutura construída, que não se adéqua às questões morfológicas da cidade;

3) Mobilidade urbana: foi informado que antes da barragem não havia sistema

de transporte público na cidade. A partir da instalação das obras, apenas a

Norte Energia realizava o transporte de funcionários. Esclareceram que a

prefeitura providenciou a aquisição de 20 ônibus e estava finalizando a

construção da garagem e paradas, com início das operações previsto para

novembro de 2016. Ainda não há, contudo, clareza sobre a cobrança de

tarifas. Segundo esclareceram, foi feita uma licitação e os serviços foram

concedidos a uma empresa que, logo em seguida, foi contratada pela Norte

Energia para realizar o transporte de operários, tendo abandonado a

concessão. Esclareceram, ainda, que tem sido prestado o transporte escolar

municipal e que a problemática reside no fato de que em alguns

reassentamentos sem escola, muitas crianças encontram-se matriculadas na

rede estadual de educação e, assim, a prefeitura não consegue fornecer

transporte;

4) Segurança pública: reconheceram ser uma problemática do município e,

como providências, informaram terem sido instaladas 60 câmeras pela

cidade, buscando maior controle;

5) Direito à saúde: foi tratado o tema do hospital municipal, que figura como

condicionante do empreendimento e encontra-se pronto, porém, sem

funcionamento. Segundo o esclarecido, a questão principal refere-se à

sustentabilidade do hospital, já que a prefeitura não possui orçamento para

tanto. Assim, entendem que seria melhor uma expansão do hospital regional

já existente e uma melhor estruturação do hospital do município de Vitória

do Xingu, de modo a não sobrecarregar a rede de atendimento de Altamira;

6) Direito à educação: se comprometeram a, até o final de 2016, iniciar o

funcionamento de todas as escolas dos assentamentos urbanos coletivos.

Igualmente, foi apresentada a problemática das creches, que permaneceu em

aberto;

● Dia 11/10/16 - Reunião com a empresa Norte Energia

No dia 11/10/2016 a Comissão ouviu os representantes da Norte Energia, no

escritório localizado na área administrativa da Usina, ocasião em que foram fornecidos

esclarecimentos sobre as seguintes questões:

1) Jardim Independente I: segundo a Empresa, trata-se de lagoa natural fora

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da área de interferência do reservatório, estando acima da chamada “cota

100”, que determinou a área de influência do projeto e, segundo informado,

a Norte Energia entende não ter responsabilidade quanto ao aumento da

ocupação. Sobre a especulação imobiliária e inflação dos preços dos

aluguéis como indutores de ocupações irregulares, alegaram que o

monitoramento não registra qualquer impacto previsto para essa região, já

que os estudos mostraram uma mobilização já esperada até 2013/2014,

sendo que a curva de migração por conta dos aluguéis já começou a

estabilizar-se. Quanto aos recentes alagamentos de algumas casas, alegaram

que foram devidos às chuvas fora de época e não guardam relação com o

empreendimento. A Norte Energia ressaltou que disponibilizou um terreno

caso o governo queira instalar um reassentamento com base no programa

Minha Casa Minha Vida;

2) Instalação e manutenção do hospital municipal: informou que a

obrigação disposta na condicionante era construir o hospital e entregá-lo

equipado, o que foi feito por meio de dois convênios, celebrados

respectivamente pela NESA com o estado e município. Todavia, na hora de

iniciarem a administração surgiram dificuldades para esses entes assumirem

os custos de manutenção e, por isso, as unidades ainda não conseguiram

iniciar o atendimento;

3) Abastecimento de água e instalação de rede coletora de esgoto: a

empresa informou que Altamira está com abastecimento parcial, sendo que

68 ruas são abastecidas com carro pipa. Segundo o alegado, isso se deve ao

rompimento do acordo entre Prefeitura e COSANPA, no período pré-

eleitoral, quando foi instituída a gratuidade das tarifas, o que teria levado a

um consumo excessivo e acarretado problemas no sistema de

abastecimento. Outro ponto, de acordo com a empresa, que teria contribuído

para isso seria a proliferação ligações clandestinas. Com essa situação há a

necessidade de aumento da captação e tratamento. Importa destacar que o

MPF ingressou com a ACP n. 269-43.2016.4.01.3903 em face da União,

IBAMA, Norte Energia, Município de Altamira e Companhia de

Saneamento do Pará – COSANPA com base na Resolução A/64/292, de 03

de agosto de 2010, da Assembleia Geral da ONU, já que o direito a água e

saneamento constitui direito humano fundamental ao pleno gozo da vida,

pugnando, em sede de tutela antecipada, pela suspensão da licença de

operação da UHE Belo Monte até que fossem restabelecidos os serviços de

distribuição de água potável e saneamento à população. Foi deferida a tutela

antecipada determinado à empresa uma série de medidas para adequação

dos sistemas de abastecimento e saneamento. O prazo inicial seria de 150

dias, tendo a empresa informado que este seria cumprido e, para tanto,

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encontravam-se promovendo um mutirão. Segundo alegado, as ligações não

teriam sido procedidas antes porque a prefeitura havia entregue um cadastro

parcial e com inconsistências. Informaram que já haviam sido realizadas até

a data da missão 11.000 visitas, com quase 7.000 aceites, com a contratação

de 8 empresas e mais 3 de reforço para realização das obras, estimando-se

um total de 18.300 domicílios atendidos pela rede. Informaram ainda que a

rede coletora de esgoto foi entregue ao município de Vitória do Xingu,

todavia, sem as ligações domiciliares;

4) PBA Indígena: esclareceram que foi celebrado termo de compromisso

entre a Norte Energia e a FUNAI que prevê, dentre uma série de

compromissos quanto à atualização e reformulação das ações constantes no

PBA-CI, o término das obras de infraestrutura nas aldeias em 365 dias.

Sobre a geração de energia para as aldeias, a empresa sustenta que a melhor

opção seria a inserção das comunidades no Programa Luz para Todos e

relatou que foi assumido o compromisso pelo Ministério de Minas e Energia

de levar energia para as aldeias, uma vez que para a empresa o investimento

não se justificaria.

5) Rio Bacajá: sobre a seca do Rio Bacajá entendem que esta não sofre

influência do rio Xingu;

7) Reassentamento de ribeirinhos e reassentamento rural: a Empresa

informou que essa questão foi tratada junto ao IBAMA após a inspeção de

junho de 2015 e que todas as obrigações assumidas encontram-se

cumpridas. No caso dos ribeirinhos, foi concedido material de construção

para as casas, que serão construídas pelos próprios, a partir da

disponibilização de uma ajuda de custo pela empresa. Além disso, foi

verificado junto ao IBAMA a possibilidade de ocupação das margens, que

configuram área de preservação permanente, tendo sido realizados estudos

por parte da empresa e efetivada a realocação da população em ilhas e em

áreas de margens. Foi realizada uma seleção que resultou no cadastramento

de 800 famílias de pescadores e, a partir de critérios previamente acordados

com o IBAMA, foram contempladas 216 famílias para assentamento: 124

assentadas em ilhas ou em ilhas que surgiram em função do reservatório e

89 que poderiam utilizar um ponto de apoio de pesca, pois a relação com o

rio não era de moradia, mas apenas do desenvolvimento da pesca. Ainda,

segundo o informado, os pescadores são acompanhados por dois outros

projetos, sendo um destinado à reparação e assistência técnica, e outro à

questão psicossocial e monitoramento de atividade pesqueira, levando em

conta a produtividade das áreas. Sobre o reassentamento rural, esclareceram

que foram reassentadas famílias que possuíam plantação de cacau, tendo

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sido 40 reassentadas no RAR, 28 no RRC e o restante optado por realocação

individual em áreas já com alguma plantação de cacau, também monitoradas

pelo programa de reparação. Sobre o Pedral, a empresa informou que é um

bairro que surgiu a partir de uma pressão de ribeirinhos e indígenas, que

possuíam uma ligação com o rio e não queriam deixar de tê-la e, após uma

discussão, ficou decidido que os pescadores e ribeirinhos que estavam

alocados em outros bairros poderiam ser ali realocados. Às famílias já

reassentadas foi dada a opção de se mudarem para o Pedral, o que foi

escolhido por 91 delas. Segundo o informado, a área comportaria 500 novas

famílias, mas estão construindo unidades habitacionais para 150, devido à

demanda surgida. Caso aumente a necessidade, existe a possibilidade de

ampliação do bairro, que se localiza a 12 km de Altamira. Questionada

sobre a questão do transporte público, a empresa compreende não ser de sua

responsabilidade.

8) Creches e escolas nos RUC: a Empresa informou as unidades foram

construídas nos locais indicados pela prefeitura. Ainda, entendem que não é

possível a construção de novas unidades escolares em locais não informados

anteriormente pela prefeitura.

• Dia 12/10/16 - Audiência Pública ampla em Altamira (participação

movimentos e lideranças urbanas, ribeirinhas, indígenas, de Vitória do

Xingu (ocupações e Brasil Novo)

Foi realizada audiência pública no dia 12 de outubro de 2016 para oitiva das

comunidades da região, na Universidade Federal do Pará, campus de Altamira.

A delegação do CNDH apresentou os objetivos da missão e da audiência,

contextualizando a missão anterior. Foram apresentadas por representantes de diversas

comunidades, em síntese, as seguintes denúncias:

1) Precariedade da manutenção da vida nas comunidades indígenas, com danos

socioambientais;

2) Reordenamento territorial equivocado provocado pela obra, que tem

implicado na migração de população do campo para a cidade;

3) Ausência de Defensoria Pública no município de Brasil novo;

4) Problemas com acesso à saúde pública, principalmente hospitais, gerando

superlotação das unidades do município de Altamira;

5) Ausência de transporte público;

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6) Problemas na dinâmica da pesca, com escassez de peixes e mudança na

vazão dos rios;

7) Problemas na execução dos projetos de assessoria técnica previstos pelo

PBA, de modo aos pescadores não se reconhecerem nas propostas;

8) Necessidade de providências quanto aos relatos de problemas com a

definição da afetação na cota 100, já que muitos afirmam serem afetados,

estando além dela, sendo que alguns, por deslocamentos compulsórios de

vizinhos, acabaram isolados, ou mesmo ribeirinhos que apontam a seca de

áreas e morte de peixes;

9) Necessidade de um estudo sobre os impactos no lençol freático da região;

10) Problemas estruturais nas unidades habitacionais entregues pela empresa;

11) Empobrecimento das comunidades;

12) Ausência de tutela estatal frente às empresas e o controle destas sobre os

processos decisórios do poder público na região, o que demanda um

fortalecimento do Estado em seu papel garantidor dos Direitos Humanos;

13) Necessidade de ampliação do corpo de servidores públicos do IBAMA,

DPU, Defensoria estadual e Ministério Público;

14) Problemas na segurança pública, como o aumento da violência,

principalmente contra as mulheres, além da compra de equipamentos

desnecessários como o helicóptero da Polícia Militar;

15) Falta de acesso à água potável, bem como das ligações das casas às redes de

abastecimento e saneamento, que representa questão central;

16) Falta de acesso à educação, sobretudo do ensino médio, prejudicado pela

falta de transporte público;

Ainda, os movimentos questionaram a aplicação dos recursos advindos da

compensação financeira recebida pelas prefeituras pelo uso dos recursos hídricos,

notadamente quanto ao seu investimento para as áreas que apresentam maior debilidade

nos municípios. Além disso, solicitaram que os órgãos licenciadores - SEMA/PA e

IBAMA - não permitam a liberação da mineradora Belo Sun, tendo em vista a

condicionante ambiental da UHE Belo Monte de não se avolumarem mais impactos nos

próximos 6 anos na região.

3.3 - EQUIPE BELO SUN

● Dia 11/10/16 - Audiência Pública na Vila da Ressaca

A audiência pública, realizada pelo CNDH na Vila da Ressaca, no município de

Senador José Porfírio/PA (Volta Grande do Xingu), contou também com a presença de

moradores da Ilha da Fazenda e outras comunidades próximas. Diversas denúncias

foram apresentadas, principalmente relacionadas à precariedade das condições de vida,

situação atual dos garimpeiros artesanais, inviabilidade da manutenção da vida na Ilha

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da Fazenda, falta de informação, insegurança jurídica, incertezas quanto ao futuro,

sensação precoce de consumação da obra de Belo Sun, compra indevida de lotes pela

mineradora e descumprimento de condicionantes afetas à UHE Belo Monte. Segue

abaixo apertada síntese das falas desta audiência pública, dividida tematicamente.

1) Situação dos garimpeiros:

A atividade garimpeira, tradicionalmente realizada de forma artesanal na região

e uma das principais fontes de renda e de trabalho, está sufocada desde a chegada da

mineradora canadense. Com a concessão de lavra à Belo Sun, as áreas de garimpo

tradicional outrora utilizadas estão inviabilizadas. A proposta da associação é receber

uma PLG – Permissão de Lavra Garimpeira – dentro da área. Uma segunda

reivindicação é a permissão para garimpar a “curimã”, o rejeito produzido pela Belo

Sun. A expectativa é que esses dois pleitos sejam incorporados pela SEMAS/PA às

condicionantes do projeto minerário. Enquanto estas pautas não avançam, denunciam a

criminalização dos garimpeiros, desrespeito aos moradores, processos judiciais

ajuizados contra a cooperativa, intimações para comparecimento à Polícia Federal, etc.

2) Insegurança jurídica (regularização fundiária, condicionantes, dentre outros):

Há vários anos tramita junto à SPU (Secretaria de Patrimônio da União) um

processo para regularização, mediante expedição de TAUS (Termo de Autorização de

Uso Sustentável) de diversas áreas na Comunidade do Garimpo do Galo, da Vila da

Ressaca e na Ilha da Fazenda, mas relatam que a TAUS só foi expedida especificamente

para a Ilha da Fazenda e para um morador da Comunidade Ouro Verde. Há grande

dificuldade de conseguir informações sobre esse processo e as razões de sua não

conclusão até a presente data, já tendo os moradores procurado a DPE/PA e a Vara

Agrária de Altamira. Apareceram muitas dúvidas da população quanto à suposta

aquisição pela mineradora de glebas federais (de propriedade do INCRA) destinadas à

reforma agrária, bem como relatos de terras já indenizadas para retirada de reassentados.

Nesse ponto, esclareceram que solicitaram um levantamento ao INCRA das terras

adquiridas pela Belo Sun na região e esclarecimentos acerca das famílias que saíram

“expulsas” do território de instalação de Belo Sun. Pedem que se promova busca ativa

para encontrar as famílias, avaliar a situação de vida hoje e estabelecer medidas junto ao

IBAMA para a recomposição do modo de vida dessas famílias na beira do rio (retorno à

área original ou reassentamento na beira do rio) e compensações cabíveis.

3) Condições de vida – água, saneamento, serviços públicos, navegabilidade:

Denunciam os males que já sentem, causados pela Norte Energia a partir do

início da operação de Belo Monte: baixíssima qualidade da água na Volta Grande do

Xingu, mortandade massiva de aves, peixes e quelônios, vegetação submersa

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apodrecendo e contaminando o rio, gases nocivos liberados neste processo, perda de

áreas de pesca, saneamento iniciado e não concluído (não há água potável, sendo o

serviço existente proveniente de poços artesianos, alguns feitos pela NESA – na Ilha da

Fazenda e no Galo, nenhum na Ressaca – e diversos outros improvisados pelos

habitantes).

Esclareceram que os poços ficam poluídos nas épocas de chuvas e, assim, a água

se torna imprópria para o uso. A Norte Energia teria enviado ofício comunicando que o

serviço de saneamento está concluído e a comunidade rechaça a informação, atribuindo

culpa ao IBAMA e prefeitura pela omissão. Denunciaram graves problemas com

relação à prestação dos serviços de saúde (presença de médico em semanas alternadas,

ausência de plantão e falta de combustível para funcionamento das ambulâncias), no

sistema de transposição, falta de informação precisa sobre a alteração da vazão do rio,

problemas quanto ao projeto de educação profissionalizante que consta como

condicionante de Belo Sun, caos na educação da Comunidade Itatá, a 15km da Vila da

Ressaca, que sequer possui unidade escolar com condições adequadas.

4) Falta de informação e insegurança com o futuro:

Esclareceram que jovens da região, que outrora pescavam, caçavam e viviam

dos recursos da comunidade, pela falta de perspectiva e de fontes de renda alternativas,

estão migrando para os centros urbanos, como Altamira, onde ficam expostos a drogas,

violência e desemprego.

Foram, ainda, feitas várias falas destacando que a Vila da Ressaca funciona

como “polo” da região para as demais comunidades, uma “cadeia alimentar”, ou seja, as

questões sociais e econômicas acima elencadas dizem respeito à própria possibilidade

de manutenção da vida de totalidade das comunidades envolvidas. Destacaram a

ausência de consulta prévia, livre e informada, sendo certo que, assim como os

indígenas e comunidades tradicionais, como os ribeirinhos, também fazem jus à

proteção da Convenção 169/OIT, até então não respeitada pela Belo Sun, tampouco pelo

poder público.

● Dia 12/10/16 - Audiência na Aldeia Muratu

A delegação do CNDH esteve na aldeia Muratu, na Terra Indígena Paquiçamba,

onde pôde ouvir representantes indígenas das três aldeias – Muratu, Paquiçamba e Furo

Seco, que manifestaram os pontos abaixo:

1) Belo Sun: consulta prévia, monitoramento 6 anos, falta de informação:

Com relação à possibilidade de instalação de mineração de ouro na Volta

Grande, pela empresa Belo Sun, foram apresentadas preocupações com relação ao

direito à consulta livre, prévia e informada, à informação e aos impactos cumulativos e

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sinérgicos com Belo Monte. O cacique explicou que a empresa canadense queria fazer

um estudo de impacto in loco de três meses, quando deveria ser, no mínimo, de um ano,

a fim de se poder aquilatar as variações do rio, da vazão, da pesca, etc. Logo, rejeitaram

esse tipo de estudo inadequado.

Foi ressaltada de modo uníssono a necessidade de se aguardar os seis anos de

monitoramento da Volta Grande do Xingu – VGX, previsto na LO de Belo Monte, para

se saber exatamente o que ocorrerá com o rio Xingu após a operação completa da UHE

para, só então, se analisar se há condições para a instalação de uma mineração.

Os indígenas relataram, ainda, enorme temor e falta de informação quanto à

segurança e estabilidade da futura montanha de rejeitos a ser gerada pela mineração,

pois não há rota de fuga para eles e a terra indígena está muito próxima ao local previsto

para instalação da Belo Sun (segundo dados da FUNAI, aproximadamente 10km).

Denunciaram que a Belo Sun, após apresentar o empreendimento em 2014, nunca mais

voltou na comunidade, de modo que estão usando dados muito antigos para o

dimensionamento da matriz de impacto. Salientaram ainda que o protocolo de consulta

não está finalizado.

2) Belo Monte: impactos na pesca, navegabilidade do rio, plano de proteção

territorial indígena, invasões, novos impactos, saúde, PBA-CI descumprido, novas

medidas de mitigação:

Os relatos dizem respeito à diminuição da pesca e impactos que vêm

modificando a atividade desde a construção da usina, como turbidez da água (que

atrapalhou a pesca ornamental), contaminação, apodrecimento da vegetação submersa,

explosões e outros. Reclamam do descumprimento das condicionantes de Belo Monte,

que simplesmente não chegam em sua terra indígena, acusam que as malhadeiras e

linhas são de baixa qualidade, que é necessário muito deslocamento para achar peixe

(extinção de inúmeros pontos tradicionais de pesca) e que, em razão disso, estão cada

vez mais se alimentando de produtos da cidade. Foram proferidos vários relatos de

cachoeiras com dificuldade de navegação, com necessidade de melhoria urgente no

acesso, reabertura de canal na Volta Grande do Xingu - VGX para facilitar a navegação

no trecho de vazão reduzida. Solicitaram, ainda, atenção especial para a navegação no

reservatório e definição sobre o acesso da comunidade ao lago da hidrelétrica.

Quanto à proteção territorial, informaram que a Base Operacional (BO) está

pronta, porém, possui apenas um funcionário por turno no atendimento. Solicitaram

redimensionamento dessas na Terra Indígena Paquiçamba, considerando a necessidade

de se conter o uso ilegal e pressão de desmatamento sobre a área. Segundo o informado,

a demanda já foi levada ao Comitê Gestor - CGI e a Norte Energia ainda encaminhou

resposta. A Terra Indígena foi objeto de reestudo pela FUNAI, que adequou seus limites

aos parâmetros constitucionais hoje vigentes mas, contudo, ainda não finalizou a

desintrusão da área (homologação pela Presidência da República e indenização e

retirada dos ocupantes não indígenas), de modo a garantir a posse plena dos Juruna

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sobre o território.

Ademais, dentre os novos impactos perceptíveis (não antecipados pelo EIA-

RIMA), destaca-se o aumento de carapanã, interferindo no lazer, no uso recreativo do

rio, também gerando o aumento no uso de repelentes, com risco de intoxicar as crianças,

sendo necessária a revisão da matriz de impactos e a adoção de novas medidas.

Por fim, novamente suscitada a precariedade no acesso à saúde. Esclareceram

que o posto da SESAI encontra-se sem energia e, para suprir essa demanda, foram

trazidos motores. Contudo, não foi disponibilizado combustível. Relataram, ainda, a

falta de profissionais de saúde, de meios de comunicação (rádio, etc), de remoção dos

pacientes, além de grande burocratização no atendimento do DSEI. Por fim,

questionaram o não cumprimento das medidas integrantes do PBA-CI.

• DIA 13/10/2016 - Reunião com a Secretaria de Meio Ambiente e

Sustentabilidade do Estado do Pará – SEMAS/PA

A reunião contou com a presença de Darci Frigo, Presidente do CNDH,

Francisco Nóbrega, da DPU e membro do grupo técnico, Emília Botelho, antropóloga

do MPF, João Akira, da Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão – PFDC e

membro do GT, Thiago Garcia, antropólogo da SDH, Dirlena Marques, da Rede

Feminista, Tchenna Maso, do MAB, Thales Samuel, Secretário adjunto de Gestão e

Regularidade Ambiental e Luiz Fernandes Rocha, Secretario de Meio Ambiente do

Estado do Pará.

A equipe do CNDH contextualizou os objetivos da missão, bem como dados

sobre os estudos conduzidos para instalação do empreendimento Belo Sun,

questionando, por exemplo, o processo de aquisição de lotes pela empresa antes mesmo

da liberação de licença prévia para o empreendimento. O Secretario Adjunto de Gestão

e Regularidade Ambiental da SEMAS admitiu que os estudos elaborados para o

processo de licenciamento da UHE Belo Monte foram incompletos, não dimensionando

de modo satisfatório os impactos advindos da construção da hidrelétrica. Esclareceu que

a licença prévia para instalação de Belo Sun foi emitida em 2014, mas, no entanto,

algumas condicionantes estipuladas pelo órgão licenciador para tal licença não foram

seguidas. Sustentou que uma das grandes preocupações da SEMAS/PA em indeferir o

licenciamento de Belo Sun seria a ocupação daquela área, posteriormente, por

garimpeiros, o que poderia se tornar um grande problema.

Questionados sobre a distribuição de panfletos na região pela empresa Belo

Sun acerca da realocação de comunidades, os representantes da SEMAS/PA

esclareceram que em 2014 foi liberada licença prévia ao empreendimento com

condicionantes à empresa, que contemplam toda a área do empreendimento, inclusive a

outorgada sob título minerário. Essas condicionantes estão vinculadas a programas

sociais, incluindo o de comunicação com a sociedade, porque o empreendimento toca

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em propriedades privadas, em áreas de assentamento, que dependem do posicionamento

do Incra, além de impactar em terras indígenas. Segundo informado, a FUNAI teria sido

oficiada e, a partir disso, foi solicitado à empresa que fizesse estudo do componente

indígena para que as atividades pudessem ser executadas. Ainda segundo a SEMAS/PA,

a FUNAI emitiu termo de referência definitivo para realização dos estudos.

Informou ainda, acerca da captação de água, notadamente sobre o fato de a

empresa ter modificado o projeto para captação de água da chuva e, não mais, do rio

Xingu. Segundo o informado, na ocasião ainda estavam pendentes de apresentação pelo

empreendedor a versão final dos estudos complementares necessários à liberação da

licença de instalação, que foram solicitados pela SEMAS/PA.

Sobre a questão social que envolve a instalação do empreendimento na área,

sobreposto à região de conflito e a assentamento do Incra, a secretaria entende que os

processos de comunicação podem não estar sendo desenvolvidos de forma correta,

porém, estão ocorrendo e, por isso, o empreendedor estaria cumprindo essa etapa.

Questionada sobre os beneficiários do projeto de assentamento, a SEMAS esclareceu

que estão em contato com o Incra para discussão quanto às providências a serem

tomadas. Trata-se do projeto de assentamento Ressaca, do Incra, incidente na Gleba

Ituna, arrecadada e matriculada em nome da União desde 1982 e sob a qual incide o

empreendimento minerário.

Questionados sobre a sinergia de impactos entre Belo Monte e Belo Sun e

sobre a participação do IBAMA no processo de licenciamento, o Secretario de Meio

Ambiente informou que recebeu uma manifestação do órgão federal esclarecendo ser de

competência estadual referido licenciamento.

Foram solicitados esclarecimentos quanto ao tratamento atribuído às

comunidade tradicionais no processo de licenciamento e na relação com a empresa, a

exemplo dos garimpeiros da Vila Ressaca. A SEMAS/PA esclareceu que quando se

constata o assentamento de pessoas nessas áreas “visadas” a Secretaria faz a exigência

de programas e projetos de realocação dessas comunidades, que devem ser executados

pela empresa. Segundo o informado, há uma equipe de sociólogos da secretaria com

atribuição de auxiliar nesses diálogos.

A equipe do CNDH indagou, então, sobre a celebração de contratos diretos da

empresa com as famílias que vivem na área, a SEMAS/PA informou que assim que

tomaram conhecimento sobre a efetivação desses contratos a secretaria notificou a

empresa para que apresentasse um estudo de impacto sobre essa população, que se

encontrava em análise. Questionados sobre a possibilidade da própria secretaria elaborar

ações de comunicação social efetivas para a população impactada, foi informado que

seria possível promover a ação.

• DIA 13/10/2017 - Coletiva de Imprensa na sede do MPF, em Belém

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No último dia da missão, já em Belém, os integrantes do CNDH apresentaram

o resultado preliminar da inspeção à Secretaria Estadual de Meio Ambiente e

Sustentabilidade, responsável pelo licenciamento ambiental da mineradora Belo Sun,

conforme acima descrito. Após a reunião, os conselheiros concederam entrevista

coletiva à imprensa, na sede do Ministério Público Federal em Belém.

Na ocasião esclareceu-se preliminarmente sobre as violações de direitos

humanos identificadas na missão, recomendando-se a não emissão da licença de

instalação de Belo Sun, assim como o cumprimento das condicionantes referentes à

UHE Belo Monte. Paralelamente, foi divulgada pela comissão a Nota emergencial de

exortação aos empreendedores e autoridades públicas para adoção de medidas

emergenciais necessárias para a proteção e garantia de direitos das populações impactas.

Assim aduzia a nota:

Usina Hidrelétrica Belo Monte

A situação de extrema vulnerabilidade dos moradores do

Jardim Independente I, no município de Altamira, onde constatamos

graves violações, notadamente dos direitos à moradia adequada, ao

acesso à água, ao saneamento básico, ao meio ambiente sadio e

equilibrado, à saúde e à segurança, exige o máximo esforço dos

responsáveis no sentido de encontrar, com a brevidade e urgência que

a situação exige, soluções que restituam àquela comunidade condições

adequadas e dignas de vida, razão porque EXORTA à Norte Energia

S/A, ao IBAMA, ao Município de Altamira e às demais autoridades

responsáveis a adotarem todas as medidas necessárias ao

reconhecimento, à proteção e à garantia dos seus direitos.

Belo Sun Mineração

A aquisição de direitos de posse e adoção de medidas típicas de

compensação socioambiental, como a disponibilização de cursos de

capacitação para atingidos, praticadas pela Belo Sun Mineração na

área de influência do seu empreendimento, por constituírem início de

instalação do projeto, exigem prévia autorização estatal, pois

extrapolam a esfera dos negócios meramente privados e, invadindo a

esfera das prerrogativas públicas, materializam atividades que

promovem remanejamento populacional, atividade somente autorizada

e lícita quando praticada pelo Estado ou por quem por ele autorizado.

Assim, a Comissão EXORTA à Belo Sun Mineração que paralise

imediatamente essas práticas, e à SEMAS, ao IBAMA e às demais

autoridades responsáveis a adotarem as medidas necessárias à

paralisação dessas atividades e à garantia dos direitos coletivos,

tradicionais e territoriais da população atingida.

Sobre a questão, foi promovida divulgação pelos seguintes veículos:

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Veículo: MAB Nacional

Data: 11/10/2016

Título: CNDH volta a Altamira para verificar direitos humanos após operação de Belo Monte

Link: http://www.mabnacional.org.br/noticia/cndh-volta-altamira-para-verificar-direitos-

humanos-ap-s-opera-belo-monte

Veículo: Brasil de Fato

Data: 17/10/2016

Título: Conselho Nacional dos Direitos Humanos alerta sobre violações de Belo Monte

Link: https://www.brasildefato.com.br/2016/10/17/conselho-nacional-de-direitos-humanos-

alerta-sobre-violacoes-de-belo-monte/

Veículo: MAB Nacional

Data: 13/10/2016

Título: Comissão do Conselho Nacional dos Direitos Humanos de Monitoramento da UHE

Belo Monte

Link: http://www.mabnacional.org.br/noticia/comiss-do-conselho-nacional-direitos-humanos-

monitoramento-da-uhe-belo-monte

Veículo: Sociedade Paraense de Defesa dos Direitos Humanos

Data: 14/10/2016

Título: Belo Monte: Plataforma divulga informe sobre missão à Usina realizada pelo CNDH

Link: http://www.sddh.org.br/sddh/index.php/item/1268-belo-monte-plataforma-divulga-

informe-sobre-miss%C3%A3o-%C3%A0-usina-realizada-pelo-cndh

Veículo: Movimento Xingu Vivo para Sempre

Data: 13/10/2016

Título: Atingidos por Belo Sun e Belo Monte preocupam Conselho Nacional dos Direitos

Humanos

Link: http://www.xinguvivo.org.br/2016/10/13/atingidos-por-belo-sun-e-belo-monte-

preocupam-conselho-nacional-de-direitos-humanos/

Veículo: G1

Data: 13/10/2016

Título: Desastre em Belo Monte é iminente’ diz Conselho de Direitos Humanos

Link: http://g1.globo.com/pa/para/noticia/2016/10/ha-iminencia-de-desastre-em-belo-monte-

diz-conselho-de-direitos-humanos.html

Veículo: Combate Racismo Ambiental

Data: 11/10/2016

Título: CNDH volta a Altamira para verificar direitos humanos após operação de Belo Monte

Link: http://racismoambiental.net.br/2016/10/11/cndh-volta-a-altamira-para-verificar-direitos-

humanos-apos-operacao-de-belo-monte/

Veículo: Instituto Sócio Ambiental

Data: 18/10/2017

Título: Conselho Nacional dos Direitos Humanos volta ao Xingu e cobra recomendações feitas

em 2015

Link: https://www.socioambiental.org/pt-br/noticias-socioambientais/conselho-nacional-de-

direitos-humanos-volta-ao-xingu-e-cobra-recomendacoes-feitas-em-2015

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4 – SITUAÇÃO ATUAL E ANÁLISE DAS CONDICIONANTES Embora tenha sido inicialmente aprovada uma missão de monitoramento,

quando o grupo de trabalho estava em Altamira o quadro encontrado foi de novas

violações diante do empreendimento da UHE e do projeto de instalação da mineradora

Belo Sun, tanto devido ao não cumprimento de condicionantes quanto pela não

implementação das recomendações entabuladas em 2015 por este Conselho.

4.1 – BELO MONTE

A contextualização da construção da obra de Belo Monte já se encontra no

relatório anterior deste Conselho. Quanto ao monitoramento, o que se constata é que

após a manifestação do Conselho, em 2015, em que pese a recomendação indicada, foi

concedida a licença de operação em 24 de novembro de 2015, a despeito do não

cumprimento de diversas condicionantes, como o saneamento, acesso à água,

implementação das ações de saúde e infraestrutura dos reassentamentos, assim como as

do PBA indígena, o que tem implicado num aprofundamento das violações aos direitos

humanos diante da morosidade das resoluções pelos órgãos competentes. A

precariedade do IBAMA, que não possui estrutura e corpo de funcionários suficientes

para monitorar o cumprimento de todas as condicionantes, tem implicado na ausência

de monitoramento efetivo do cumprimento dos acordos propostos pelo empreendedor.

De outro lado, igualmente, a inércia dos governos municipal e estadual em efetivar

políticas públicas na região tem acarretado diversas violações de direitos humanos,

conforme se pôde verificar ao longo da missão e encontram-se descritas a partir dos

relatos repassados à equipe.

Um dos exemplos da gravidade do processo, é o início do licenciamento da

mineradora Belo Sun, dentro da mesma zona de impacto da UHE Belo Monte, quando

estava previsto o monitoramento dos impactos por, pelo menos 6 anos, antes da

concessão de novo empreendimento na área.

Em razão ausência de um monitoramento e fiscalização efetivos de toda a

concessão, o empreendimento tem representado uma profunda ameaça a todos os

tecidos sociais das populações que habitam a região. Cabe mencionar que a dimensão

do impacto causado por Belo Monte não está, até o momento, completamente

dimensionado, ainda se encontrando grupos atingidos que não foram reconhecidos.

Além disso, os impactos ambientais têm gerado novas violações aos direitos humanos

que não estão sendo verificadas adequadamente pelos órgãos fiscalizadores e, por

conseguinte, sendo reparadas.

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4.2. - CONTEXTUALIZAÇÃO EMPREENDIMENTO BELO SUN

Breve contextualização - Volta Grande do Xingu (VGX):

A região conhecida como Volta Grande do Xingu, situada no Estado do Pará, é

uma das áreas que suportam os maiores impactos socioambientais como consequência

da instalação e operação da Usina Hidrelétrica de Belo Monte, cuja licença de operação

(LO) foi emitida pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais

Renováveis (IBAMA) em 24 de novembro de 2015, em favor da Norte Energia S/A. O

barramento do Rio Xingu, necessário à formação dos reservatórios, já foi realizado e a

primeira turbina entrou em operação no início de 2016. A obstrução do rio origina o

chamado trecho de vazão reduzida (TVR), que possui extensão de aproximadamente

100 km (cem quilômetros) ao longo do leito do Rio Xingu, entre a barragem principal

(Sítio Pimental) e a casa de força do Sítio Belo Monte. A redução da vazão nesta área

gera grandes impactos nos ecossistemas aquáticos, terrestres e nos modos de vida das

populações habitantes do Rio Xingu e seus afluentes. Os atingidos da Volta Grande

apontam riscos à manutenção das condições de vida, uma vez que a redução no fluxo de

água compromete, por exemplo, a navegabilidade e a reprodução dos peixes na região.

Para além dos efeitos já perceptíveis por especialistas e relatados atualmente

pela população da região como causados pela Usina Hidroelétrica de Belo Monte,

planeja-se a instalação, nesta mesma área, do projeto de extração de ouro Volta Grande,

da mineradora canadense Belo Sun Mining Corporation, atualmente em processo de

licenciamento pela Secretaria Estadual do Meio Ambiente e Sustentabilidade do Estado

do Pará (SEMAS/PA) e com potenciais grandes impactos. Belo Sun é uma empresa

parte do grupo Forbes & Manhattan Inc., que pretende extrair cerca de 108 toneladas de

ouro ao longo de 12 anos na região. Embora a empresa não possua formalmente a

licença de instalação (LI) válida, na prática, segundo se ouviu na audiência pública

realizada na Vila Ressaca pelo CNDH, já iniciou a compra de terras na região e

começou o processo de deslocamento da população afetada, ainda que sob a alegação de

estar firmando “contratos de compra e venda comuns entre particulares”.4

Diretamente atingida por ambos empreendimentos e sem garantia de

reconhecimento de seus direitos, a população da região denuncia um conjunto de

violações. As comunidades que mais serão afetadas pela presença dos empreendimentos 4 Neste ponto, importa destacar que após a realização da presente missão foi emitida licença de instalação

do empreendimento “projeto volta grande de mineração” pela SEMAS/PA, em fevereiro de 2017.

Contudo, referida licença foi suspensa pelo TRF1 em decisão proferida no Agravo de Instrumento nº

0060383-85.2014.4.01.0000, relativo à Ação Civil Pública nº 0002505-70.2013.4.01.3903, em trâmite em

Altamira e que já havia suspendido o processo de licenciamento do empreendimento em sua Sentença.

Ressalte-se que o posicionamento do TRF1 se pautou no fato de os estudos do componente indígena do

empreendimento terem sido considerados inaptos pelo órgão indigenista para verificação dos impactos

sobre as comunidades.

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são aquelas que, além do vínculo com o rio, também realizam a extração de ouro,

atividade presente historicamente na Volta Grande do Xingu, cujo crescimento deu-se a

partir dos anos 1940, momento em que grande parte das famílias se estabeleceu na

região. Garimpo do Galo, Itatá, Ouro Verde, Vila Ressaca e Ilha da Fazenda são

comunidades que surgiram em torno da atividade garimpeira. A Vila Ressaca, por estar

situada na área de possível implantação do projeto de mineração da Belo Sun, sofre

pressões para remoção da população, mesmo antes de expedida a licença de instalação

para o empreendimento, conforme será detalhado doravante.

A gravidade da situação é ampliada pela existência de duas terras indígenas e

uma área sob restrição de uso pela presença de povos indígenas isolados (TI Ituna Itata)

nas imediações do empreendimento. Também situadas na Volta Grande do Xingu e

atingidas pelo trecho de vazão reduzida do rio Xingu, a TI Arara da Volta Grande e TI

Paquiçamba estão localizadas na área de influência do empreendimento, sendo esta

última, segundo algumas medições, posicionada a menos de 10km (dez quilômetros) da

área de implantação das instalações da mineradora. Cabe ressaltar que não há consenso

quanto à distância exata da mina da Belo Sun em relação à Terra Indígena Paquiçamba,

a mais próxima. Segundo a Procuradora da República em Altamira, Dra. Thais Santi,

“O licenciador fala em 10,7 Km; o Instituto Socioambiental afirma que a distância é de

9,6 Km; os indígenas da aldeia Muratu reafirmam a distância de 9,6 Km; a FUNAI

afirma a distância é de 12Km e o empreendedor reafirma que a distância é de 12 Km.

Dessa controvérsia, a única certeza que resta é a necessidade da precaução”.

Entre o rio com vazão reduzida, isto é, “seco”, segundo a fala da população –

que tem causado a morte de peixes e comprometido a navegação – e a impossibilidade

de realizar a mineração artesanal de ouro, as famílias indígenas, ribeirinhas e

garimpeiras da Volta Grande veem seu modo de vida ameaçado. Foram perceptíveis o

clamor por “socorro” e o tom de desespero de algumas falas dos moradores.

A centralidade e indispensabilidade do rio no cotidiano está na base da relação

identitária desta população com a Volta Grande do Xingu. O rio é utilizado como meio

de transporte, fonte de alimento, lugar onde se realizam atividades domésticas, como

espaço de lazer, entre outros usos. Além da relação intrínseca com rio, característica

fundamental do modo de vida ribeirinho, as populações habitantes da região também se

caracterizam por serem pluriativas, tendo a pesca e o garimpo de ouro como atividades

centrais às quais se encadeiam um conjunto de outras atividades de subsistência que,

somadas, garantem o sustento das famílias. Pesca, pequena agricultura, extrativismo,

garimpo, caça, entre outras atividades, são realizadas por esta população, sobretudo com

emprego de mão de obra familiar. A multiplicidade de atividades realizadas pelas

famílias é resposta aos diversos ciclos econômicos aos quais a região do Xingu foi

sujeita e estratégia de subsistência que permite a permanência no território.

Outra característica marcante do modo de vida ribeirinho diz respeito à

propriedade coletiva da terra. Ainda que não se ignore a existência de territórios

delimitados e respeitados a partir de acordos tácitos e da convivência cotidiana, o uso do

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território se faz de forma compartilhada e em regime coletivo. A ocupação se dá através

de relações familiares, herdadas muitas vezes das colocações dos seringalistas e

reproduzidas na lógica de uso do território pelos pescadores e garimpeiros. Laços de

parentesco e vizinhança são elementos de reconhecimento e identidade, através dos

quais se constroem simbolismos e memória coletivos.

Lamentavelmente, pelo que se pode apurar na missão, toda essa riqueza humana

está ameaçada, pois sequer foi possível ainda mensurar a dimensão do impacto da UHE

Belo Monte na Volta Grande do Xingu e já se anuncia a instalação de outro

empreendimento de vultoso impacto, qual seja, o projeto de mineração da canadense

Belo Sun Mining Corporation.

4.3 - SINERGIA DE IMPACTOS ENTRE A IMPLEMENTAÇÃO DA UHE

BELO MONTE E O PROJETO DE INSTALAÇÃO DE BELO SUN

4.3.1 - Breve contextualização das obras

O referido projeto minerário foi apresentado à Secretaria Estadual de Meio

Ambiente e Sustentabilidade do Estado do Pará (SEMA/PA) com o objetivo de obter

licença para implementar, na região da Volta Grande do Xingu (VGX), a maior mina de

ouro do Brasil, com a indicação, segundos os Estudos de Impacto Ambiental (EIA), de

que serão extraídos 3,16 milhões de toneladas de minério por ano, nos onze primeiros

anos e, no site da empresa, de que as pesquisas revelam a possibilidade de extração de

até 7 (sete) milhões de toneladas por ano. Em seu blog, a empresa aponta uma retirada

média de cinco toneladas de ouro por ano, ao longo estimado de 12 (doze) anos de

operação5.

Conforme é cediço, o processo de extração do ouro dependerá da utilização de

produtos nocivos, como o cianeto, nas proximidades do Rio Xingu, além da construção

de vultosa barragem de rejeitos do material excluído, com notórios riscos de

rompimento, independentemente das cautelas adotadas pelo empreendedor. Além disso,

a implementação do projeto acarretará a transformação socioeconômica da região, com

previsão da chegada de cerca de 2.100 (dois mil e cem) trabalhadores diretos para a

implementação e de 530 (quinhentos e trinta) empregados na fase operacional (sem

considerar o deslocamento por atração), de construção de vila de trabalhadores e

reassentamento dos atingidos, bem como da manutenção e abertura de estradas para

instalação do maquinário e escoamento da produção.

A mineradora pretende se instalar à margem do Rio Xingu, em local habitado

por inúmeras famílias de indígenas desaldeados, no centro umbilical de três terras

indígenas, sendo uma delas habitada por povos isolados, protegidos na Terra Indígena

5 Sobre este ponto, conferir: http://www.blogprojetovoltagrande.com.br/index/sobre

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Ituna/Itatá, região que hoje já sente os impactos da operação parcial da UHE Belo

Monte.

Já a UHE Belo Monte, mais do que a habilidade da arte humana de erguer uma

enorme estrutura no meio da Amazônia, expressa interferência radical na obra da

natureza. Isso porque Belo Monte não segue o modus operandi tradicional, que colhe

energia hídrica da queda brusca e natural de um rio. Aqui, a fonte energética é

manipulada através de um desvio artificial do curso do Rio Xingu, por canais e diques.

E, a água que percorria esses 100km é conduzida, agora, por novos caminhos, em

direção a uma casa de força principal.

É evidente, e os estudos já atestaram, que os impactos de Belo Monte seguirão

por toda a bacia hidrográfica do Rio Xingu, mas terão seu epicentro de instabilidade

localizado na região da Volta Grande. Isso porque, ao contrário do que se dá na área

alagada do reservatório, as populações residentes no Trecho de Vazão Reduzida não

foram removidas.

Com isso, foi possível atestar a viabilidade da UHE Belo Monte para os Povos

Indígenas da região, cuja remoção é vedada por força do § 5º do art. 231 da

Constituição Federal. Mas, ao mesmo tempo, foi imposto a todos os moradores da Volta

Grande, que viviam em equilíbrio com o ciclo sazonal do Rio Xingu, a necessidade de

se adaptarem a um cenário completamente modificado e ainda incerto.

Agravada pela proximidade da região com o núcleo urbano de Altamira (que

implica uma grande sensibilidade ao aumento do contingente populacional), essa

fragilidade foi diagnosticada pelos Estudos de Impacto Ambiental da UHE Belo Monte

e afirmada pelos pareceres técnicos do IBAMA e da FUNAI:

“A construção da represa no Sítio Pimental e o desvio do rio, pelos canais até o

novo reservatório deverá deixar quase 100Km do rio, da região conhecida como

Volta Grande, com uma vazão extremamente reduzida. Apesar das diversas

propostas de mitigar esse impacto com a chamada ‘vazão ecológica’, qualquer

diminuição do ritmo anual do ciclo hidrológico terá impactos sérios para a

ictiofauna.

A falta de água irá impor enormes sacrifícios para a população e para o

meio ambiente. A falta de vazão impedirá a inundação completa das florestas

aluviais e das ilhas, bem como a entrada e a permanência de águas durante as

enchentes. A Volta Grande do Xingu será a área do rio com a maior perda

de habitats de toda a área afetada. Considera-se que os impactos para a

fauna aquática serão mais graves nesta área do que na região do

reservatório. A mortalidade e a diminuição de espécies que são características

dos pedrais é um dos impactos previstos desta área, como consequência da

perda da vazão. Este impacto se soma à perda de áreas de inundação e habitat

de desova e alimentação dos peixes [ ...] Nesta região espera-se então a

diminuição tanto das espécies reófilas, adaptadas às águas de velocidades altas,

como das espécies sedentárias como os cascudos da família loricariidae. A falta

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de água deverá também determinar o aumento da temperatura da água. Por isso,

alguns peixes podem até desaparecer [ ...].” (g.n) (EIA/UHE Belo Monte,

Volume 19, p.307

“a vazão reduzida promovida pelo Projeto Belo Monte causará uma

reconfiguração no modo de vida dos povos que habitam a Volta Grande do

rio Xingu. Hoje o cotidiano dos indígenas é intimamente ligado ao rio,

tanto para sua subsistência, pelo consumo de pescado e outros animais

aquáticos, como na geração de renda, seja de peixes ornamentais ou do

pescado comercial.” (g.n.) (UHE Belo Monte – Componente Indígena/Parecer

Técnico n.21/CMAM/CGPIMA/FUNAI, p. 91)6

Vale destaque para os estudos e as avaliações da FUNAI referentes à

reconfiguração social, econômica e até cosmológica dos indígenas da TI Paquiçamba:

“[ ...] Mais do que impactos nos meios físico e bióticos, essas alterações do

Rio Xingu, conforme já descrito ao longo dos estudos, podem alterar

significativamente a ocupação regional (pressão ambiental, territorial), a

sócioeconomia indígena (os Jurunas são coletores e dependem dos recursos

decorrentes da coleta de castanha e transportada através do rio Xingu,

dependem também da pesca e caça, como recursos de proteína), levando a

mudanças significativas na organização social da comunidade indígena.

(g.n)

(UHE Belo Monte - Componente Indígena/Parecer Técnico

n.21/CMAM/CGPIMA/FUNAI, p. 43)

‘Historicamente os Jurunas residem na região do rio Xingu há muitos anos

e as gerações desse indígenas vivem na região da VGX conforme o ciclo

hidrológico do rio Xingu. As mudanças ambientais irão alterar o cenário

que possuem a memória e calendário etnoecológico. Além de levar a

possível perda de elementos da biodiversidade, levará a perdas de

referência espacial dos indígenas devido à grande modificação no

ambiente.” (g.n.)

(EIA/UHE Belo Monte, Volume 35, Tomo 2, p.288)7

Essa alteração do modo de vida das populações indígenas da Volta Grande do

Xingu, ao tempo em que justificou severas críticas ao atestado de viabilidade da

hidrelétrica, impôs ao empreendedor da UHE Belo Monte a responsabilidade por

rigorosos programas de mitigação, monitoramento e garantia de acesso mínimo aos

6O documento encontra-se disponível para acesso em:

http://licenciamento.ibama.gov.br/Hidreletricas/Belo%20Monte/EIA/Volume%2019%20%20RELATORI

OS%20MPEG%20ICTIOFAUNA/TEXTO/RELAT%d3RIO%20FINAL%20ICTIOFAUNA%20E%20P

ESCA%20V7.pdf 7 O documento pode ser acessado em:

http://licenciamento.ibama.gov.br/Hidreletricas/Belo%20Monte/EIA/Volume%2035%20-

%20Estudos%20Etnoecol%f3gicos/TOMO%202/Texto/TI-PAQUI%c7AMBA-REV-FINAL-11-04-

09.pdf

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recursos hídricos.

É o que revela a Nota Técnica apresentada pela Norte Energia S.A, empresa

concessionária de Belo Monte, os pareceres técnicos do IBAMA, e da FUNAI, bem

como as condicionantes impostas pelas licenças emitidas pelo IBAMA:

“[ ...] podemos considerar que o empreendimento em questão é viável,

observadas as seguintes condicionantes: (a) [ ...] que o hidrograma ecológico

(em especial os limites mínimos estipulados) considerado viável pelo IBAMA

permita a manutenção da reprodução da ictiofauna do Xingu e o transporte

fluvial até Altamira, em níveis e condições adequados, evitando mudanças

estruturais no modo de vida dos Jurunas do Paquiçamba e dos Araras da Volta

Grande podendo levar ao eventual deslocamento de suas aldeias.”

(UHE Belo Monte – Componente Indígena/Parecer Técnico

n.21/CMAM/CGPIMA/FUNAI, p.9,4)

“[ ...] a identificação de impactos na qualidade da água, ictiofauna,

vegetação aluvial, quelônios, pesca, navegação e modos de vida da

população da Volta Grande, poderão suscitar alterações nas vazões

estabelecidas e consequentemente retificação na licença de operação. [ ...]

Para o período de testes devem ser propostos programas de mitigação e

compensação”. (g.n.) (Licença Prévia da UHE Belo Monte – LP 342/2010)

“2.22 No que se refere ao Hidrograma de Consenso:

a) Prever período de testes para o hidrograma, com duração mínima de 6

(seis) anos, a partir da instalação da plena capacidade de geração da casa

de força principal;

b) Apresentar, com um ano de antecedência ao enchimento do reservatório,

proposta de plano de monitoramento da qualidade ambiental no TVR,

contemplando impactos na qualidade de água, ictiofauna, vegetação

aluvial, quelônios, pesca, navegação e modos de vida da população da

Volta Grande; [ ...]

Parágrafo Único – No âmbito do presente processo de licenciamento

ambiental, será devida a alteração do hidrograma de consenso motivada

pela identificação de impactos não prognosticados nos estudos ambientais”.

(g.n.) (Licença de Instalação da UHE Belo Monte – LI 795/2011)

Mesmo com todo o monitoramento e mitigação propostos, não foi possível

afastar em definitivo o risco dessas populações virem a ser removidas, tal é o grau de

incerteza quanto aos efeitos da redução da vazão na Volta Grande do Rio Xingu. Certo é

que haverá graves impactos. Todavia, seus prognósticos não são ainda seguros. É o que

restou atestado desde a Condicionante 2.1 da Licença Prévia 342/2010:

“O Hidrograma de Consenso deverá ser testado após a conclusão da instalação

da plena capacidade de geração da casa de força principal. Os testes deverão

ocorrer durante seis anos associados a um robusto plano de monitoramento,

sendo que a identificação de importantes impactos na qualidade de água,

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ictiofauna, vegetação aluvial, quelônios, pesca, navegação e modos de vida da

população da Volta Grande poderão suscitar alterações nas vazões estabelecidas

e consequente retificação na licença de operação.”

Tamanha é a incerteza acerca da magnitude dos impactos da UHE Belo Monte

sobre essa região e, consequentemente, sobre a sua capacidade de resistência sem

prejuízo do meio ambiente e dos modos de vida tradicionais lá existentes, que o

IBAMA estabeleceu, como condicionante expressa na licença de operação (LO nº

1317/2015), o monitoramento da Volta Grande do Xingu pelo período de 06 (seis) anos

após a instalação da plena capacidade de geração na casa de força principal (item 2.16,

alínea “a”, da LO), a fim de poder conhecer e avaliar adequadamente os impactos

decorrentes de sua operação, prazo ainda não iniciado, diga-se.

É precisamente nesse cenário, que soma elevado grau de instabilidade e risco de

remoção de povos indígenas, sob constante monitoramento, que a empresa Belo Sun

Mineração Ltda. pretende instalar a maior mina de ouro do país, em um processo que se

iniciou, por negligência do licenciador, à margem da avaliação do órgão indigenista:

“Apesar do processo de licenciamento ambiental ter iniciado na SEMA/PA no

ano de 2010, a FUNAI só tomou conhecimento do empreendimento em

fevereiro de 2012, por informação enviada pelo empreendedor. O fato do órgão

licenciador não ter provocado a FUNAI no inicio do processo é preocupante, e

também justifica o envio de Ofício à SEMA/PA atentando para a necessidade

da realização do componente indígena dos estudos, assim como a consequente

comunicação oficial relativa a todas as etapas do licenciamento, como

comunicação de realização de audiências públicas.” (FUNAI/Informação n.

449/CGLIC/2012).

Atento à fragilidade dessa região, o Instituto Socioambiental (ISA) representou

ao licenciador estadual, aduzindo a impossibilidade de realização segura de estudos

ambientais para um novo empreendimento de grande impacto na Área de Vazão

Reduzida do Rio Xingu:

“[...] o Projeto Volta Grande se localizará em ambiente que vem sofrendo e

continuará a sofrer modificações ambientais diretas provocadas pela UHE Belo

Monte. A construção da Usina Hidrelétrica não só irá alterar o ambiente de

instalação do projeto de mineração, como provocará impactos imprevisíveis,

admitidos pelo próprio órgão ambiental federal como passíveis de serem

mitigados só após concluído o monitoramento a ser realizado ao longo da

instalação e no início da operação de Belo Monte. Sendo assim, se mostra

impossível realizar prognóstico de impactos do projeto de mineração em meio a

um ambiente que sequer se sabe como se comportará no futuro próximo.”

(Instituto Socioambiental – ANÁLISE DO LICENCIAMENTO AMBIENTAL

DO PROJETO VOLTA GRANDE DA BELO SUN MINERAÇÃO).

Apresentado o EIA do componente indígena, a FUNAI o considerou inapto

para o fim a que se destinava, eis que não formatado de forma a permitir o controle

adequado do cumprimento do termo de referência, realizado por equipe técnica

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diferente da prevista no plano de trabalho, sem cumprir o check list e a itemização

imposta e sem trazer dados básicos de algumas terras indígenas.

A própria empresa Belo Sun reconhece que o EIA apresentado foi feito sem a

realização de trabalho em campo, com base em dados fornecidos por órgãos

governamentais e instituições privadas, isto é, a recusa da FUNAI em apreciar o EIA é,

na verdade, uma impossibilidade fática, pois as conclusões exibidas NÃO remontam à

situação da Volta Grande do Xingu pós barramento do rio e início de operação da UHE

Belo Monte. Os estudos são inservíveis, não retratam a realidade, razão pela qual não

poderia advir a autorização estatal para instalação do empreendimento.

Várias das condicionantes específicas para a região da VGX, impostas à UHE

Belo Monte pelo IBAMA, por meio do PBA e do PBA-CI, ainda não foram atendidas,

como, por exemplo, o saneamento da Vila da Ressaca, a regularização do fornecimento

de água potável aos moradores, o efetivo funcionamento das bases para proteção

territorial da TI Paquiçamba, a completa regularização fundiária das terras indígenas

impactadas, dentre inúmeras outras. A construção de novos equipamentos de lazer, de

escolas e melhorias no atendimento de saúde na Vila da Ressaca até hoje são obrigações

descumpridas no âmbito do licenciamento da UHE.

É preciso reiterar de logo que, dentre as condicionantes específicas para a

concessão da LO de Belo Monte, encontra-se a necessidade de monitoramento das

condições da Volta Grande do Xingu pelo prazo de 06 (seis) anos após o ligamento da

última turbina, ou seja, formalizou-se o entendimento de que é impossível antecipar ou

antever a extensão e a profundidade do impacto que a operação integral da usina causará

na região. Hoje, o que se vê e a população já retrata com bastante preocupação, é apenas

o impacto parcial, observado mediante a operação de algumas poucas turbinas e com a

vazão do Xingu ainda acima do mínimo acordado pelo dito “hidrograma de consenso”.

É dizer: ainda se avizinha o momento em que a VGX secará até o nível mais baixo

previsto pelo licenciamento, em que a vazão do rio será ainda mais reduzida do que a

atual, cenário no qual os impactos, por ora, seguem imprevisíveis e, portanto,

irremediáveis.

Os estudos que subsidiaram o licenciamento ambiental da UHE Belo Monte,

bem como a fixação das condicionantes, mitigações e compensações como um todo não

trazem respostas conclusivas sobre o impacto da operação total da Usina sobre a vida na

Volta Grande do Xingu - VGX, justamente em razão de não conseguirem antecipar o

cenário. Como ficarão os quelônios? E a produção de peixes? E a pesca dos peixes

ornamentais? Seguirá a região sendo minimamente navegável? A manutenção da vida e

dos modos de vida ribeirinhos serão possíveis? Em quais condições? São perguntas

ainda pendentes de resposta, porquanto ainda em fase de operação parcial a hidrelétrica.

É nesse cenário de total incerteza sobre como e se será possível manter os

modos de vida existentes na VGX que deseja se instalar o projeto de mineração Belo

Sun.

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Não é à toa que a FUNAI, em ofício endereçado ao órgão licenciador estadual,

pede que este licenciamento seja suspenso até findo o prazo de 06 (seis) anos fixado

pelo IBAMA para monitoramento da área e a razão é lógica: se ainda não há como se

mensurar o efetivo impacto de Belo Monte sobre a área, como se avaliar a viabilidade

ambiental e socioambiental de um projeto minerário de enorme monta sem dados e

informações precisas sobre a região? Os dados hoje existentes sobre a Volta Grande são

substancialmente distintos dos observados antes da operação da primeira turbina da

UHE Belo Monte (fevereiro de 2016) que, por sua vez, são bastante diferentes dos

dados existentes antes do barramento total do Rio Xingu e, por óbvio, serão ainda mais

diversos após a total operação da UHE, prevista para ocorrer em 2019. Dito

diferentemente: os dados nos quais se basearam os estudos de impacto ambiental de

Belo Sun não estão nem poderiam estar atualizados e condizentes com a realidade, pois

a situação da área só se estabilizará após receber todo o impacto de Belo Monte, o que

ainda não ocorreu.

Um reflexo prático dessa incerteza e imprecisão quanto aos dados ficou

bastante evidente no seguinte episódio: um dos projetos apresentados pela Belo Sun à

SEMAS/PA no início do processo de licenciamento previa a captação direta de água do

Rio Xingu para ser usada pelo empreendimento. Tamanho era o descolamento da

realidade que a mineradora pretendia retirar água diretamente da VGX, em pleno trecho

de vazão reduzida. Após se cientificar da inviabilidade de se adotar este procedimento,

o projeto foi formalmente alterado, com a previsão de dois imensos reservatórios para

captação da água da chuva, o que aumentou substancialmente a vegetação a ser

suprimida na área, diga-se. A população ainda “desconfia” se, na prática, caso haja

escassez de chuvas, não se cogite captar água em algum afluente do Xingu, por

exemplo.

Como se nota, nada pode ser feito na Volta Grande, seja por Belo Sun, seja por

qualquer outro empreendimento, sem prévia análise cautelosa dos impactos causados

por Belo Monte na área, sem atentar para o cenário de progressiva degradação das

condições de vida da região, sem conhecer as reais condições da área de suportar novo

impacto.

Aliás, não é apenas a questão da captação ou não de água diretamente do Rio

para o projeto minerário que desperta temor em relação aos impactos sinérgicos entre os

dois empreendimentos. As explosões, perfurações e demais procedimentos necessários

para a abertura da cratera e efetiva instalação da mina vão afetar diretamente a Volta

Grande. Quais consequências que os ruídos, tremores e demais impactos físicos e

químicos a serem provocados terão sobre a vida como um todo na região? Há segurança

e estabilidade suficiente na área para abrigar duas montanhas de rejeitos em volume e

tamanho superiores às da barragem de Fundão, em Mariana/MG, como previsto no

projeto? Há rota de fuga para população ribeirinha e indígena em caso de rompimento

destas estruturas? Em um cenário em que não há dados atuais nem definição quanto à

extensão dos impactos de Belo Monte, esta e tantas outras perguntas persistem não

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respondidas.

Cabe, por fim, rememorar uma colocação feita na audiência pública da Vila da

Ressaca por um pescador ali presente. Em poucas palavras, eis a ideia retratada pela

fala: “mal conseguimos descobrir como viver depois que Belo Monte praticamente

secou nosso rio e sumiu com nossos peixes e já vem essa mineradora pra expulsar os

garimpeiros. Sem rio, sem garimpo, vamos viver do quê?”.

Essa atroz acumulação e sobreposição de impactos na vida econômica e

ambiental da Volta Grande precisa ser estudada por ambos empreendimentos e ambos

órgãos licenciadores de forma coordenada, em parceria, com troca constante de

informações, com planejamento conjunto de mitigações e reparações, é o mínimo que se

espera frente a brutal interferência no território.

4.3.2 - Do direito dos indígenas à consulta prévia, livre e informada

O direito à consulta prévia, livre e informada surge na Convenção nº 169 da

Organização Internacional do Trabalho sobre Povos Indígenas e Tribais, adotada em

Genebra, em 27 de junho de 1989 e incorporada na ordem jurídica pátria com status de

norma supralegal pelo Decreto nº 5.051, de 19 de abril de 2004, a saber:

Artigo 4º

1. Deverão ser adotadas as medidas especiais que sejam necessárias para

salvaguardar as pessoas, as instituições, os bens, as culturas e o meio ambiente

dos povos interessados.

2. Tais medidas especiais não deverão ser contrárias aos desejos expressos

livremente pelos povos interessados.

3. O gozo sem discriminação dos direitos gerais da cidadania não deverá sofrer

nenhuma deterioração como conseqüência dessas medidas especiais.

Artigo 6º

1. Ao aplicar as disposições da presente Convenção, os governos deverão:

a) consultar os povos interessados, mediante procedimentos apropriados e,

particularmente, através de suas instituições representativas, cada vez que

sejam previstas medidas legislativas ou administrativas suscetíveis de

afetá-los diretamente;

b) estabelecer os meios através dos quais os povos interessados possam

participar livremente, pelo menos na mesma medida que outros setores da

população e em todos os níveis, na adoção de decisões em instituições efetivas

ou organismos administrativos e de outra natureza responsáveis pelas políticas e

programas que lhes sejam concernentes;

c) estabelecer os meios para o pleno desenvolvimento das instituições e

iniciativas dos povos e, nos casos apropriados, fornecer os recursos necessários

para esse fim.

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2. As consultas realizadas na aplicação desta Convenção deverão ser

efetuadas com boa fé e de maneira apropriada às circunstâncias, com o

objetivo de se chegar a um acordo e conseguir o consentimento acerca das

medidas propostas.

Artigo 7º

1. Os povos interessados deverão ter o direito de escolher suas, próprias

prioridades no que diz respeito ao processo de desenvolvimento, na medida em

que ele afete as suas vidas, crenças, instituições e bem-estar espiritual, bem

como as terras que ocupam ou utilizam de alguma forma, e de controlar, na

medida do possível, o seu próprio desenvolvimento econômico, social e

cultural. Além disso, esses povos deverão participar da formulação, aplicação e

avaliação dos planos e programas de desenvolvimento nacional e regional

suscetíveis de afetá-los diretamente.

2. A melhoria das condições de vida e de trabalho e do nível de saúde e

educação dos povos interessados, com a sua participação e cooperação, deverá

ser prioritária nos planos de desenvolvimento econômico global das regiões

onde eles moram. Os projetos especiais de desenvolvimento para essas regiões

também deverão ser elaborados de forma a promoverem essa melhoria.

3. Os governos deverão zelar para que, sempre que for possíve1, sejam

efetuados estudos junto aos povos interessados com o objetivo de se avaliar a

incidência social, espiritual e cultural e sobre o meio ambiente que as atividades

de desenvolvimento, previstas, possam ter sobre esses povos. Os resultados

desses estudos deverão ser considerados como critérios fundamentais para a

execução das atividades mencionadas.

4. Os governos deverão adotar medidas em cooperação com os povos

interessados para proteger e preservar o meio ambiente dos territórios que eles

habitam.

Artigo 15

1. Os direitos dos povos interessados aos recursos naturais existentes nas suas

terras deverão ser especialmente protegidos. Esses direitos abrangem o direito

desses povos a participarem da utilização, administração e conservação dos

recursos mencionados.

2. Em caso de pertencer ao Estado a propriedade dos minérios ou dos recursos

do subsolo, ou de ter direitos sobre outros recursos, existentes na terras, os

governos deverão estabelecer ou manter procedimentos com vistas a consultar

os povos interessados, a fim de se determinar se os interesses desses povos

seriam prejudicados, e em que medida, antes de se empreender ou autorizar

qualquer programa de prospecção ou exploração dos recursos existentes nas

suas terras. Os povos interessados deverão participar sempre que for possível

dos benefícios que essas atividades produzam, e receber indenização equitativa

por qualquer dano que possam sofrer como resultado dessas atividades.

De sua vez, apregoa a Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos

Povos Indígenas, de 2007:

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Artigo 18

Os povos indígenas têm o direito de participar da tomada de decisões sobre

questões que afetem seus direitos, por meio de representantes por eles eleitos de

acordo com seus próprios procedimentos, assim como de manter e desenvolver

suas próprias instituições de tomada de decisões.

Artigo 19

Os Estados consultarão e cooperarão de boa-fé com os povos indígenas

interessados, por meio de suas instituições representativas, a fim de obter seu

consentimento livre, prévio e informado antes de adotar e aplicar medidas

legislativas e administrativas que os afetem.

O artigo 6º da referida Convenção determina aos governos dos Estados que

possuam em seus territórios populações indígenas ou tribais que procedam a consultas

sobre as medidas administrativas e legislativas que possam afetá-los, para que esses

povos tenham o direito de dizer o que compreendem do projeto/intervenção e possam

influenciar no processo de tomada de decisões sobre medidas que os afetem direta ou

indiretamente.

Sobre o direito à consulta prévia, livre e informada e sua obrigatoriedade, os

Tribunais já vêm se manifestando:

AMBIENTAL. PASSAGEM DE RODOVIA POR TERRA INDIGENA.

CONDICIONANTES IMPOSTAS PELA FUNAI APÓS A EXPEDIÇÃO DA

LICENÇA AMBIENTAL. INEXISTÊNCIA DE ILEGALIDADE.

OBSERVÂNCIA AO ARTIGO 231 DA CONSTITUIÇÃO E À

CONVENÇÃO 169 DA OIT. PRETENSÃO DE CONTINUIDADE DAS

OBRAS. IMPOSSIBILIDADE. 1 - A suspensão da realização de obras em

rodovia que corta terra indígena no Estado do Maranhão por ausência de

observância de condicionantes impostas pela FUNAI após a realização do

EIA/RIMA e expedição de licença ambiental, antes de causar prejuízo, observa

o regramento constitucional e legal relativo à matéria. 2 - A atuação da FUNAI

na espécie constitui mera observância das disposições da Lei nº 5.371/67, que

atribuem à autarquia a proteção e promoção dos direitos indígenas. 3 - A

consulta aos interesses indígenas, além de derivar do artigo 231 da

Constituição Federal, está prevista na Convenção 169 da OIT, da qual o

Brasil é signatário, cujas normas estabelecem a consulta aos indígenas

sobre medidas legislativas e administrativas suscetíveis de afetá-los

diretamente. 4 - Em casos como o discutido na demanda que origina este

recurso, cumpre à FUNAI atuar supletivamente ao IBAMA, realizando o

controle ambiental e estipulando diversas condicionantes a serem executadas,

com vistas a mitigar os impactos ambientais e proteger as terras indígenas. 5 -

Inexistente ilegalidade ou desconformidade com o texto constitucional ou legal

sobre o tema, não prospera a pretensão recursal que pretende a continuidade da

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obra sem observância às condicionantes impostas pela FUNAI. 6 - Agravo de

instrumento desprovido.

(AG 0002064-61.2013.4.01.0000 / MA, Rel. DESEMBARGADORA

FEDERAL SELENE MARIA DE ALMEIDA, QUINTA TURMA, e-DJF1

p.325 de 10/01/2014)

À luz da Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas,

conclui-se que a consulta deve ser anterior à tomada de decisão (legislativa ou

administrativa) que afete diretamente as comunidades indígenas, isto é, não se destina a

legitimar decisões já tomadas pelo Estado, mas fazer com que as comunidades afetadas

participem efetivamente do processo decisório.

A consulta deve se pautar pela boa-fé, de modo que as informações prestadas

pelo Estado e/ou empreendedor devem ser verídicas, não distorcidas ou maquiadas e

expostas de forma clara e simples, possibilitando a compreensão pelas comunidades

afetadas dos possíveis impactos e, posteriormente, a manifestação sobre o projeto.

Nessa toada, enfoque-se que a consulta prévia não é um fim em si mesma,

não se erige em mera formalidade ou etapa do licenciamento a ser vencida, mas

representa verdadeiro instrumento para o processo de tomada de decisões da

população indígena, de modo a possibilitar-lhe a compreensão do projeto impactante e

a negociação de seus termos e eventuais compensações.

Sobre a consulta prévia, preleciona a Procuradora da República Deborah

Duprat, em seu artigo A Convenção 169 da OIT e o direito à Consulta Prévia, Livre e

Informada (Revista Culturas Jurídicas, Vol. 1, Núm. 1, 2014):

(...) A consulta é prévia exatamente porque é de boa-fé e tendente a chegar a um

acordo. Isso significa que, antes de iniciado o processo decisório, as partes se

colocam em um diálogo que permita, por meio de revisão de suas posições

iniciais, se chegar à melhor decisão. Desse modo, a consulta traz em si,

ontologicamente, a possibilidade de revisão do projeto inicial ou mesmo de sua

não realização. Aquilo que se apresenta como já decidido não enseja,

logicamente, consulta, pela sua impossibilidade de gerar qualquer reflexo na

decisão. A Resolução CONAMA nº 1, de 23 de janeiro de1986, que “dispõe

sobre critérios básicos e diretrizes gerais para a avaliação de impacto

ambiental”, diz, em seu art. 5º, I, que o estudo de impacto ambiental deve

“contemplar todas as alternativas tecnológicas e de localização do projeto,

confrontando-as com a hipótese de não execução do projeto”. Esse é um norte

bastante adequado também para a consulta, inclusive naqueles casos em que se

exige prévia autorização do Congresso Nacional. A Convenção 169 não deixa

dúvidas quanto a esse ponto: a consulta antecede quaisquer medidas

administrativas e legislativas com potencialidade de afetar diretamente povos

indígenas e tribais.

Também decorre da racionalidade do sistema que, nas medidas que se

desdobram em vários atos, como ocorre, por exemplo, no procedimento de

licenciamento ambiental, a consulta prévia seja renovada a cada geração de

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novas informações, especialmente aquelas relativas a impactos a serem

suportados pelos grupos. O consentimento inicial para a obra se dá a partir dos

poucos dados disponíveis. Uma vez realizado o estudo de impacto ambiental e

adicionadas outras tantas informações, a consulta tem que ser renovada, e, mais

uma vez, iniciado o processo dialógico tendente ao acordo.

Esse é um imperativo que decorre, primeiro, dos próprios vetores da consulta

(especialmente, nesse ponto, o seu caráter de boa fé), e, segundo, da natureza do

estudo de impacto ambiental. Esse estudo, nos termos do art. 6º da Resolução

CONAMA 001/86, deve fazer (i) o diagnóstico da área de influência do projeto

sob três perspectivas – meios físico, biótico e socioeconômico, e as interações

entre eles; (ii) a análise dos impactos ambientais do projeto e suas alternativas;

(iii) a definição das medidas mitigadoras dos impactos negativos. É o conjunto

dessas informações que habilitará os grupos impactados a decidirem pela

realização ou não da obra, ou pela adoção de projeto alternativo. Não seria

razoável conclusão no sentido de que aquela primeira adesão, feita com base

em informações um tanto quanto precárias, pela ausência dos estudos cabíveis,

esgotasse o processo de consulta da Convenção 169. Portanto, é imperativo

considerar que a consulta é de natureza procedimental sempre que a medida

projetada assim se apresentar, e se renova a cada fase do procedimento que

agregar novas informações sobre impactos a serem suportados pelos grupos

diretamente atingidos, bem como sobre as medidas tendentes a mitigá-los e

compensá-los.

A consulta também pressupõe que nenhuma, absolutamente nenhuma, fase da

obra se inicie antes que estejam disponíveis todos os dados técnicos acima

referidos, que permitam aos grupos se posicionarem nesse processo dialógico.

A despeito da obviedade da assertiva, o que se vem observando, no Brasil, é

que muitas das informações que deveriam constar do diagnóstico só são

produzidas mais tardiamente, como condicionantes das licenças de instalação e

de operação. Assim a obra, no mais das vezes, chega à fase final sem que os

grupos tenham acesso à principal informação que os capacitaria a uma decisão

consequente: a avaliação dos impactos do empreendimento sobre eles próprios.

É evidente a subversão do processo de consulta em seus três pilares: deixa de

ser prévia, de boa fé e dialógica.

No mesmo sentido, veja-se essa decisão da Comissão Interamericana de

Direitos Humanos (CIDH):

“(...) 167. Considerando que o Estado deve garantir esses direitos à consulta e

participação em todas as etapas de planejamento e desenvolvimento de um

projeto que pode afetar o território em que se situa uma comunidade indígena

ou tribal, ou outras direitos indispensáveis à sua sobrevivência como povo,

esses processos de diálogo e de consenso devem realizar-se a partir dos estágios

iniciais de desenvolvimento ou planejamento da medida proposta, de modo que

os povos indígenas possam realmente participar e influenciar o processo de

tomada de decisão, de acordo com as normas internacionais . [...] Neste sentido,

o Estado deve garantir que os direitos dos povos indígenas não sejam

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negligenciados em qualquer atividade ou acordo que façam com particulares ou

em momentos de decisão política que afetem seus direitos e interesses. Assim,

nesse caso, o Estado deve realizar tarefas de fiscalização e controle na

aplicação, e implementar, quando apropriado, maneiras eficazes de fazer

cumprir esse direito por meios judiciais competentes[...]”8

No caso de Belo Sun, muito embora haja sentença suspendendo o

procedimento ainda em sua fase de licença-prévia em razão da ausência dos estudos do

componente indígena – o que, por consequência, dificultou a elaboração do protocolo de

consulta aos povos indígenas –, o licenciamento prosseguiu em razão de decisão

proferida por instância superior (Tribunal Regional Federal da 1ª Região). Nada

obstante, a decisão do tribunal é de clareza solar ao prescrever que a licença de

instalação só pode ser emitida após apreciado o EIA indígena. Tal determinação

visava a garantir que a consulta às comunidades indígenas fosse anterior ao efetivo

início de implantação do empreendimento, caso contrário, esvaziar-se-ia por completo a

finalidade da consulta prévia. Foi exatamente em razão do não atendimento desta sua

decisão que o TRF da 1ª Região suspendeu a licença de instalação concedida pela

SEMAS/PA em fevereiro de 2017, no âmbito do Agravo de Instrumento nº 0060383-

85.2014.4.01.0000, em trâmite naquele colegiado.

É importante ressaltar, de qualquer forma, que o direito em discussão,

conforme estatuído nas regras internacionais, não abrange apenas indígenas aldeados ou

localizados em terras indígenas, mas todos os povos tradicionais que mantêm

“condições sociais, culturais e econômicas” que os diferenciam “de outros setores da

coletividade nacional” e estão “regidos, total ou parcialmente, por seus próprios

costumes ou tradições ou por legislação especial”.

Segundo o EIA/CI apresentado pela Belo Sun, há duas comunidades formadas

exclusivamente por indígenas na área de impacto direto do empreendimento – são as

comunidades chamadas de Ressacão e São Francisco (p. 110). Essas comunidades

sofrerão impactos diretos do empreendimento, como reconhecido pela própria

empreendedora (p. 243;245, 247, 251, 253, 256, 291), inclusive com relocação por

completo da comunidade São Francisco (p. 266/265, 277, 297). Sobre a comunidade

São Francisco, aliás, assim dispõe o EIA/CI:

Como foi dito anteriormente, os indígenas Juruna do local, popularmente

conhecido como sítio São Francisco, não se auto identificam como FIR’s, mas

como Comunidade Indígena São Francisco. As famílias jurunas desta

comunidade afirmaram ainda que elas têm reivindicado os seus direitos como

indígenas junto aos órgãos públicos e empresas privadas e, recentemente,

estariam, segundo eles, recebendo o tratamento de aldeia por parte da FUNAI e

8 CIDH. Derechos de los pueblos indígenas y tribales sobre sus tierras ancestrales y recursos naturales:

Normas y jurisprudencia del Sistema Interamericano de Derechos Humanos. OEA: Washington DC,

2010. Disponível em: http://www.cidh.org.

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do consórcio Norte Energia. (p. 230)

Esta relação simbiótica como o meio ambiente, as raízes ancestrais com sua

terra e como outros vilarejos da Volta Grande e, especialmente, o sossego

que o local proporciona a estes Juruna, faz um com que, mesmo se abrindo

uma possibilidade de negociação de realocação da comunidade com a

empresa Belo Sun ou de um diálogo no sentido de uma possível indenização,

caso seja julgada insustentável a permanência da família no seu local de

moradia, não faz parte, ainda, do consciente coletivo das famílias indígenas

da Comunidade Indígena São Francisco, visto o modo de vida e a qualidade

ambiental que elas desfrutam na atualidade. (p. 232)

Desse excerto, evidencia-se que a população dessa comunidade se reconhece

como integralmente indígena (autorreconhecimento – art. 1º, 2, C. 169 da OIT),

distinguindo-se da tradição europeia-cristã-capitalista, no todo ou em parte, exigindo

seus direitos como tal pelo órgão indigenista e pelos demais atores regionais.

Diante da ausência de um estudo de impacto ambiental adequado, com dados

atuais pós funcionamento da UHE Belo Monte, ainda não foi dada às comunidades

interessadas - incluídas aí as comunidades indígenas fora de terras indígenas

homologadas – o direito de se manifestar sobre o empreendimento, por meio de

consulta prévia, livre e informada, nos termos da Convenção 169 da OIT, art. 6º, I,

construindo uma solução consensuada para a situação. Obviamente que as medidas

mitigatórias e compensatórias tampouco tiveram a participação desses atores, em franca

violação ao que dispõe o art. 5º, c, da referida Convenção.

Novamente, apenas uma intrincada ressignificação do termo “prévia” pode

permitir que essa consulta seja feita posteriormente à licença de instalação do processo

de licenciamento. Com efeito, a consulta é parte integrante da análise de viabilidade do

empreendimento sobre o meio ambiente indígena, constituindo, portanto, condição para

a instalação da obra na localidade. Eis o dito pela FUNAI, no mês de abril de 2016:

No entanto, destacamos que, embora a Secretaria de Estado de Meio Ambiente

e Sustentabilidade do Estado do Pará já tenha emitido a Licença Prévia do

Projeto Volta Grande do Xingu, licença esta que supostamente atesta a

viabilidade do empreendimento, esta viabilidade somente pode ser realmente

atestada após a aprovação dos Estudos do Componente Indígena, parte

integrante dos Estudos de Impacto Ambiental (EIA), que, assim, se queda

incompleto.

Assim, destacando que é necessário que se respeite o tempo e as

peculiaridade dos povos indígenas envolvidos, solicitamos V.Sa. que não

emita a Licença de Instalação antes de aprovados os Estudos do

Componente Indígena. (Ofício 370/2016/DPDS/FUNAI-MJ, de 27/04/2016)

Argumentando que não foram chamados a participar desse processo de

licenciamento, os indígenas da Aldeia Yudjá Mïratu, da Volta Grande do Xingu,

solicitaram à SEMAS do Pará a realização da consulta livre e informada das populações

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da Volta Grande, em respeito à Convenção 169, da Organização Internacional do

Trabalho. Tal requerimento foi formalizado mediante a “Carta dos Juruna - AYMIX“.

A FUNAI – órgão que detém a responsabilidade exclusiva para discorrer sobre

impactos em povos indígenas – comunicou ao empreendedor e ao licenciador, em

dezembro de 2012, a posição oficial da instituição, encaminhando, nessa data, Termo

de Referência provisório para complementação dos Estudos de Impacto Ambiental, in

verbis:

“Trata-se de projeto de exploração minerária em região com três terras

indígenas em seu entorno (TI Paquiçamba, Arara da Volta Grande e Ituna/Itatá)

e indígenas desaldeados, todos também sob influência da UHE Belo Monte.

Sob essa perspectiva é necessária a realização do componente indígena do

EIA/RIMA que, além dos parâmetros usuais de análise, deverá realizar uma

análise sinérgica com a UHE Belo Monte, licenciada pelo IBAMA. Essa

análise sinérgica deverá considerar o uso da água do rio Xingu e os riscos da

operação minerária em relação a esta UHE, a potencialização da redução da

vazão do Rio Xingu e da diminuição da disponibilidade de peixes em virtude do

uso da água deste rio por mais de um empreendimento, a verificação da

viabilidade ambiental da operação deste projeto minerário em conjunto com a

UHE Belo Monte, a análise dos impactos decorrentes dos dois

empreendimentos, levando-se em conta que o projeto minerário dificilmente

existiria sem a operação da UHE de Belo Monte, e o aumento da

vulnerabilidade das terras à entrada de estranhos, em especial em virtude da

presença de indígenas isolados na TI Ituna/Itatá, conforme detalhado no Termo

de Referência emitido por esta Fundação.” (Ofícios 890 e

891/2012/DPDS/FUNAI-MJ).

Nessa toada, o Ministério Público Federal expediu Recomendação à

SEMAS/PA, para que apenas emitisse o atestado de viabilidade do empreendimento

minerário (licença-prévia) após avaliação conclusiva dos Estudos do Componente

Indígena pelo órgão indigenista.9

Conforme já mencionado acima, a FUNAI, em ofício encaminhado ao

licenciador, sinalizou a dificuldade de se atestar a viabilidade do Projeto Volta Grande

para os povos indígenas da região, em razão da sinergia de impactos com a UHE Belo

Monte e requereu a suspensão do processo de licenciamento da atividade minerária,

pelo prazo de 06 (seis) anos, até que tenha resultado seguro o monitoramento imposto

como condicionante do empreendimento hidrelétrico. Veja-se:

“o pedido de suspensão do processo no órgão licenciador responsável sustenta-

se na: (a)necessidade de se elaborar estudos do componente indígena antes da

emissão da Licença Prévia, levando-se em conta uma séria de riscos que serão

detalhados em seguida; (b) na necessidade de se realizar o monitoramento de

seis anos no Trecho de Vazão Reduzida (TVR) da Hidrelétrica de Belo Monte,

9 Recomendação nº 002/2013/GAB1, acessível em:

http://www.prpa.mpf.mp.br/news/2013/arquivos/Recomendacao_Cumulacao_Impactos_Belo_Monte.pdf

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localizada na mesma região do projeto Volta Grande do Xingu e demandando

uma análise sinérgica dos impactos dos dois empreendimentos, o que somente

será possível após o período de monitoramento da TVR; […] requeremos que o

projeto em tela seja suspenso até o fim do monitoramento de seis anos do trecho

de vazão reduzida da Usina Hidrelétrica de Belo Monte e da realização do

Componente Indígena dos Estudos de Impacto Ambiental do empreendimento”.

(g.n.)(Ofício 162/2013/DPDS/FUNAI-MJ).

Diante dessas manifestações, o licenciador estadual tardiamente reconheceu a

necessidade de complementação dos estudos:

Seguindo o princípio da precaução, a Secretaria de Estado de Meio Ambiente

(SEMA) acatou as recomendações do Ministério Público Federal e da FUNAI,

solicitando estudos detalhados do componente indígena, conforme Termo de

Referência disponibilizado pela FUNAI [...]”. (Análise do Projeto Volta Grande

– Belo Sun Mineração LTDA- SEMA).

Necessidade essa reconhecida pela própria empresa Belo Sun Mineração Ltda.:

“tendo em vista o Princípio da Precaução, o empreendedor busca obter

autorização junto à Fundação Nacional do Índio – FUNAI para realização de

estudos complementares sobre os povos indígenas Paquiçamba (situado a 12

quilômetros do empreendimento) e Arara da Volta Grande (situado a 16

quilômetros do empreendimento).” (Plano de Trabalho para do Componente

Indígena – diagnóstico de populações indígenas. Janeiro de 2012. Pag. 1 -

Cap. 1: Apresentação).

Entretanto, essas afirmações tornaram-se mera retórica quando o licenciador

ignorou a necessidade de avaliação do componente indígena para o atestado de

viabilidade do empreendimento. Menosprezando a autoridade do órgão indigenista para

falar sobre impactos em povos indígenas, bem como as recomendações ministeriais e as

representações dos atores sociais envolvidos, sem corpo técnico de antropólogos aptos a

manifestarem-se sobre a questão, concluiu o licenciador:

“Esta equipe não acatou tal recomendação, posto que não vê impeditivos do

estudo ser realizado concomitantemente ao processo do licenciamento

ambiental, especialmente quando se trata de licença prévia, onde os impactos

ainda não são evidentes. Condicionar o licenciamento ambiental deste

empreendimento à conclusão do Estudo do Componente Indígena, que neste

caso, foge aos parâmetros estabelecidos na legislação em vigor, a Portaria

Interministerial 419/2011, é penalizar o empreendedor e restringir o

desenvolvimento socioeconômico que o empreendimento propõe, o qual possui

amparo na concepção da função social da atividade minerária [...]” (g.n.) (Nota

Técnica 4472/GEmin/CLA/DILAP/2013).

A SEMAS/PA encampou o entendimento de que os estudos do componente

indígena poderiam ser feitos após a emissão da licença prévia (LP), concomitantemente

aos demais procedimentos do licenciamento, constando essa obrigação, inclusive,

expressamente da condicionante 26 da referida licença prévia. Posteriormente,

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aceitando os estudos apresentados, subtraindo a prerrogativa exclusiva da FUNAI de se

manifestar acerca de suas conclusões, a SEMAS/PA expediu a licença de instalação,

hoje suspensa por ordem judicial em razão, justamente, do descumprimento da

condicionante indígena.

Como se vê, até hoje, não foi respeitado o direito à consulta prévia, livre e

informada dos indígenas da VGX, quiçá dos garimpeiros artesanais, também titulares do

referido direito, na medida em que se constituem em comunidade tradicional.

À medida em que a mineração avança sobre o território tradicionalmente

ocupado da VGX e aniquila modos de vida tradicionais, solidifica-se a certeza de que a

opção desenvolvimentista do Estado brasileiro é um fato consumado.

De fato, os empreendimentos em curso na região de Volta Grande do Xingu

refletem as opções para inclusão desta porção do território amazônico à agenda

desenvolvimentista do país. Indicam uma série de determinações concretas que se

combinam às lógicas e mecanismos de expansão deste modelo de desenvolvimento

sobre os territórios das populações atingidas, dificultando sobremaneira, quando não

mesmo inviabilizando seus modos de vidas.

5 - DIREITOS HUMANOS VIOLADOS

5.1. Informação, participação e consulta

Após a liberação da LO da UHE Belo Monte, a violação dos direitos ficou

muito mais intensa. Os requisitos mínimos previstos no PBA não precisaram ser

cumpridos, já que o funcionamento foi autorizado. Um dos direitos fundamentais, qual

seja o de acesso à informação, é negado à comunidade, já que o escritório funciona

dentro da barragem, local onde o acesso é restrito. A sede da secretaria de governo em

Altamira/PA foi desativada e o IBAMA, como apontado, tem um funcionamento

precário. Assim, os parcos canais de diálogo antes existentes foram desativados.

A partir da presente missão verificou-se que os órgãos governamentais, como

FUNAI e IBAMA, possuem ingerência minimizada sobre o empreendedor, o que

dificulta uma ação mais eficiente, com foco na contenção dos impactos sofridos pelos

atingidos. Tal quadro resulta na implementação quase que desordenada, por parte do

empreendedor, das ações previstas no PBA. Como consequência, verifica-se o quadro

de não cumprimento de ações essenciais, violações de direitos e os dificuldades para o

funcionamento e efetividade dos espaços de participação e controle social.

Na primeira missão foram constatados vários direitos violados quanto à

informação e participação dos impactados pela instalação da UHE que permanecem, tais

como:

1) Ausência de informação prévia e efetiva sobre os direitos das populações

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impactadas;

2) Repasse de informações falsas por parte da Norte Energia;

3) Ausência de informações prévias sobre os critérios, procedimentos e prazos a

serem adotados nas compensações à população impactada, assim como

acerca da localização da cota (áreas que serão efetivamente alagadas);

4) Órgãos públicos (como a FUNAI e o IBAMA) registram a ausência de

informações sobre negociações da empresa com indígenas e sobre o

cumprimento de recomendações e condicionantes.

Ainda, novas violações foram agora levantadas, como o exemplo do Bairro

Independente I, no qual os moradores não são considerados/as atingidos/as e, portanto,

não possuem canal de diálogo com a Norte Energia. Nesse contexto, a prefeitura de

Altamira responsabiliza a Norte Energia e também não os atende, impossibilitando a

participação desses nos fóruns de diálogo estabelecidos, agravado pela precariedade e

custo do transporte coletivo. Com relação à Belo Sun, observou-se a falta de

informação, tanto em relação às questões ambientais quanto às questões sociais e

econômicas.

Adicionalmente, foi verificado o repasse de informações distorcidas por parte

da empresa quando da entrega de folders “diálogos com as comunidades”, nos quais a

Belo Sun, mesmo sem ter a Licença de Instalação, antecipava opções de proposta de

indenização/reassentamento. Paralelamente, observa-se a total ausência de consulta

prévia, livre e informada com os povos tradicionais e indígenas sobre os impactos

cumulativos e sinérgicos com Belo Monte, o que, como já exposto, viola as garantias

dispostas aos povos indígenas e populações tradicionais na Convenção 169/OIT,

notadamente o direito à consulta prévia, livre e informada sobre as medidas que afetem

suas vidas.

Aldeias indígenas vivem, hoje, um enorme temor, agravado pela ausência de

informações qualificadas quanto à segurança e estabilidade da futura montanha de

rejeitos a ser gerada pela mineração, pontos que precisam ser aclarados no projeto

minerário10.

Os movimentos sociais consultados, tais como ISA, o Movimento Xingu Vivo,

o MAB e a FETRAF também têm dificuldades de organizar ações, pois não possuem as

informações necessárias para tanto. Com isso, a possibilidade de participação social se

vê dificultada e limitada, claramente afrontado os direitos humanos dos povos indígenas

e comunidades tradicionais.

5.2. Saneamento

10 A necessidade de informações claras, a partir de estudos técnicos sobre essa questão ensejou

posicionamento do TRF1 em abril de 2017, que suspendeu a licença de instalação do empreendimento

emitida pela SEMAS/PA.

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O Direito ao saneamento básico está previsto na Lei Federal nº. 11.445/07, a

qual dispõe sobre o dever do poder público em assegurar o acesso à água tratada à

população, coleta e tratamento de esgoto, limpeza urbana, manejo dos resíduos sólidos e

drenagem das águas pluviais, que figuram como competência dos municípios.

Adicionalmente, a Organização Mundial de Saúde (OMS) pontua que o

saneamento básico é o controle de todos os fatores do meio físico do homem que

exercem ou podem exercer efeitos nocivos sobre o bem estar físico, mental e social.

Assim, o saneamento básico está diretamente ligado às condições mínimas de

existência, para garantir a saúde da população e a proteção ao meio ambiente, que é

igualmente um direito coletivo, conforme disposto no art. 225 da Constituição Federal.

Desse modo, fora previsto como medida compensatória ao município, fator

inclusive condicionante para liberação das licenças de instalação e operação pelo

IBAMA, que a Norte Energia garantisse o saneamento básico do município de

Altamira, medida essa ainda não cumprida, que é inclusive objeto da ACP nº.

269.43.2016.4.01.390-3, em tramite na Vara Federal de Altamira, na qual foi

determinada, em sede de antecipação de tutela, dentre outras obrigações, a conclusão do

saneamento até 30 de setembro de 2016, com ligação das casas à rede de esgoto e de

abastecimento de água potável.

A não efetivação do acesso ao saneamento básico dos moradores de Altamira

além de constituir descumprimento de condicionante para instalação e operação, afronta

as premissas de direitos humanos. Isso porque impõe precariedade nas condições de

saúde a toda a população, sendo ainda mais grave nas zonas mais periféricas da cidade.

Cabe destacar que, segundo o Ministério da Saúde, 60% das internações

hospitalares de crianças está relacionada a falta de saneamento básico no Brasil. A não

efetivação do saneamento atinge diretamente a obrigação de o Estado assegurar o direito

à saúde e à vida. Conforme disciplina a Constituição Federal em seu art. 196, a saúde é

direito de todos e dever do Estado, e deve ser garantida por meio de políticas, visando a

redução do risco de doenças e acesso universal e igualitário às ações e serviços

necessários à sua promoção, proteção e recuperação.

De outro lado, o não acesso ao saneamento básico afeta o princípio do meio

ambiente equilibrado, tendo se constatado a contaminação de lagoas e córregos de água

em toda a cidade.

A Assembleia Geral da ONU, em 2010, declarou o direito à água potável e ao

saneamento como direito humano essencial para o pleno desfrute de uma vida digna e

de todos os direitos humanos.11 A Organização Mundial da Saúde (OMS) indica “como

parâmetro para determinar uma vida saudável um completo bem-estar físico, mental e

social, o que coloca a qualidade ambiental como elemento fundamental para o completo

bem-estar, caracterizador de uma vida saudável”, bem como considera o meio ambiente

11 Disponível em: http://www.un.org/apps/news/story.asp?NewsID=52924#.WfyyEVtSzIW

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equilibrado um elemento essencial à saúde.

Assim sendo, o descumprimento da condicionante ambiental de conclusão das

obras de saneamento básico para todo o município, previstas para setembro de 2016, é

atentatório à dignidade da pessoa humana dos moradores de Altamira, ferindo o pleno

gozo dos direitos humanos, como o acesso à saúde e ao meio ambiente equilibrado.

Cabe destacar que a rede de saneamento e abastecimento de água aos domicílios ainda

encontra-se inconclusa.

5.3. Saúde

A precariedade dos serviços de saúde foi denunciada nas audiências públicas e

apareceram em todos os atos realizados pela missão que, de fato, pode constatar que a

implantação do empreendimento resultou em severos impactos sobre as condições de

saúde da população, indígena e não indígena, seja pelas dificuldades de mobilidade

urbana, terrestre e fluvial, que repercute nas condições de acesso aos serviços, seja pelo

agravamento das condições de abastecimento de água e sanitárias, seja pelo

descumprimento das condicionantes que tratam das compensações dos impactos sobre o

sistema de saúde.

Segundo informações do MPF, a Força Nacional do SUS constatou colapso no

sistema de saúde do município de Altamira por ocasião do surto de gripe H1N1, que

resultou em várias mortes, inclusive de crianças, sem que tenha sido possível oferecer o

adequado e tempestivo tratamento.

Na Vila Ressaca os moradores reclamam da completa desorganização,

precariedade e caos dos serviços saúde, onde os médicos comparecem em semanas

alternadas, não há atendimento em regime de plantão e a falta de combustíveis impede

que a ambulância realize o transporte de passageiros.

Informaram os gestores municipais que a implantação da Usina impactou

fortemente o sistema de saúde em Altamira, que funciona como polo regional,

concentrando o atendimento de saúde dos municípios impactados pelo empreendimento,

sem que recebam repasses orçamentários para isso. No mínimo, acreditam, seriam

necessárias melhorias no hospital do município de Vitória do Xingu, com vistas à

redistribuição do fluxo de atendimento. Informaram que Ministério da Saúde, Estado e

Municípios estão rediscutindo a Programação Pactuada e Integrada (PPI), com vistas à

reorganização da rede de serviços e de seu custeio.

A Norte Energia entende que sua obrigação era construir o hospital e entregá-lo

equipado, tendo-o feito por meio de dois convênios NESA-Estado e NESA-Município.

Não se vê responsável pelos custos de manutenção e funcionamento dos serviços.

O hospital municipal do Mutirão, que deveria ser construído, equipado e

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colocado em funcionamento, como condicionante do empreendimento, apesar de

concluído, no período da missão realizada pelo CNDH, encontrava-se parcialmente

equipado e sem condições de funcionamento, estando fechado.

Com a precariedade dos serviços de saúde e as divergências quanto à gestão e

responsabilidade pelo custeio, o MPF fez recomendação ao empreendedor e instituições

públicas, assinalando prazo para o início do seu funcionamento. Em pesquisa na

internet, verificou-se que o hospital foi finalmente inaugurado no início de 2017.

Atualmente, apenas 3 reassentamentos urbanos coletivos - RUCs possuem unidade

básica de atendimento à saúde, quais sejam: Jatobá, São Joaquim e Laranjeiras. Ainda,

existem relatos da falta de medicamentos e dentistas nas outras unidades.

5.4. Moradia Adequada (Independente I, ribeirinhos e Pedral)

Uma das grandes problemáticas já constatadas na missão anterior foi o direito à

moradia digna. Isso porque grande parte dos reassentamentos urbanos (RUC) continua

sem acesso a serviços públicos básicos, como transporte público, saúde e educação.

Constata-se que essa dinâmica é aplicada a todos os casos de deslocamento compulsório

decorres do empreendimento.

Nesses casos, as comunidades não foram devidamente informadas sobre seus

deslocamentos, não participaram de processos de consulta sobre a constituição de sua

moradia, não tiveram seus modos de vida considerados, o que se comprova, por

exemplo, no não reconhecimento da presença de mais de um núcleo familiar por

moradia, assim como a não garantia de acesso ao rio às famílias atingidas.

As dinâmicas de deslocamento de ribeirinhos também não foram adequadas,

pois os mesmos não tiveram seus modos de vida respeitados, não sendo garantido o

acesso ao rio, imprescindível, como já relatado, à reprodução física e cultural dessa

população. Um caso emblemático é o da comunidade de Pedral, um assentamento

indígena que não seguiu nenhum dos critérios.

Assim, o direito à moradia digna, disciplinado na Constituição Federal no art.

6, relaciona-se à garantia de um padrão adequado de vida, conforme assegurado pelos

direitos humanos, econômicos, sociais, culturais e ambientais e tal terma caracteriza-se

como uma das problemáticas centrais que envolvem os impactos do empreendimento de

Belo Monte.

Isso porque muitos ribeirinhos não foram reconhecidos como atingidos, e os que

foram reconhecidos e foram deslocados para áreas incompatíveis com seus modos de

vida tradicionais, a exemplo do ocorrido com o Pedral. A maioria dos deslocamentos

compulsórios, constitui moradias que violam as organizações familiares da região.

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5.5. Educação (creches, acesso às escolas)

Os problemas na disponibilização, funcionamento e acesso aos serviços de

educação apareceram em todos os atos realizados pela missão, que pode constatar que o

Direito à educação, com a disponibilização de adequados equipamentos públicos,

instalação de creches e escolas de ensino fundamental e garantia de transporte para

acesso ao ensino médio, foi fortemente afetado pelo reassentamento das famílias em

localidades nas quais o acesso é dificultado pelo isolamento e distância, pela ausência

de um serviço público de transporte que garanta a mobilidade urbana, assim como pelo

fato de, em alguns dos reassentamentos urbanos, não terem sido erigidos os necessários

equipamentos públicos e em outros, apesar de construídos, não se mostrarem adequados

ou não estarem em funcionamento. Segundo os gestores municipais, contudo, até o final

de 2016 todas as escolas dos reassentamentos urbanos estariam em funcionamento.

Na Vila da Ressaca, a população reclama dos problemas referentes à educação

na Comunidade Itatá, que fica a 15km da Vila e sequer possui uma escola pública. As

aulas são ministradas em uma tenda, sem instalações sanitárias ou qualquer outra

infraestrutura. Relataram ainda que as promessas do empreendedor Belo Sun quanto à

educação profissionalizante, com o objetivo de qualificar a população para novas

atividades econômicas, revelam-se um engodo, pois propõem cursos de curtíssima

duração (uma semana), com carga horária insuficiente para a profissionalização ou o

desenvolvimento de novas aptidões.

Assim, observa-se que, tanto no caso da UHE Belo Monte quanto da mineração

em Belo Sun, os impactos sinérgicos afetam o direito à educação que, conforme art. 205

da Constituição Federal é direito de todos e dever do Estado, necessitando ser

promovida e incentivada, visando o pleno desenvolvimento da pessoa, tratando, pois, de

direito humano, porquanto vinculado à dignidade da pessoa, conforme assentado

igualmente na Declaração Universal dos Direitos Humanos.

Dados levantados sobre a situação atual demonstram a ainda insuficiente rede de

educação nos RUCs, sendo que a oferta do ensino básico encontra-se incompleta, sendo

disponibilizadas turmas apenas até o sétimo ano, e apenas um dos assentamentos possui

oferta de ensino médio, cuja competência é do governo estadual. Outrossim, encontra-se

descontinuada a oferta de transporte escolar para os reassentamentos urbanos, violando

o direito de acesso à educação.

5.6. Violência e impactos não dimensionados

Os impactos da UHE Belo Monte sobre a segurança pública já observados

quando da primeira missão se revelaram ainda mais devastadores e intensos. A escalada

da violência foi tamanha que o município de Altamira passou a encabeçar a lista das dez

cidades mais violentas do país, com média de 124 assassinatos por cem mil habitantes,

taxa superior à verificada em Honduras, apontado pela Organização das Nações Unidas

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como o país com a maior taxa de homicídios do mundo.

O exame dos dados oficiais impressiona, especialmente quando se observa a

curva crescente da taxa de homicídios, sem qualquer recuo, desde 2009, época do

pedido de concessão de licença prévia, encontrando seu ápice em 2015, ano da

concessão da licença de operação, datada de 24 de novembro.

Aliás, este aumento avassalador da violência não se restringe aos crimes contra

vida, tendo igualmente se registrado crescimento das ocorrências de delitos contra o

patrimônio (roubos, furtos, latrocínios), contra a integridade física (lesão corporal),

violência doméstica e familiar, tráfico de drogas, ameaças de morte, etc.

A sensação de insegurança em todos os bairros da cidade é patente e as

advertências dos donos dos hotéis e de estabelecimentos comerciais se tornaram

constantes: “só andem em grupo”, “não caminhem a noite, nem nas ruas mais

movimentadas, não é seguro”. Abandonou-se a ideia de bairros ou locais inseguros: o

fenômeno agora é generalizado, inclusive observado e relatado na região dos RUCs, os

cinco bairros construídos em Altamira pela Norte Energia para reassentar as famílias

removidas compulsoriamente das localidades diretamente impactadas pela formação do

lago da UHE.

Conforme já apontado anteriormente por especialistas e estudiosos do assunto,

trata-se de um cenário esperado. O notável afluxo populacional ocasionado pela

chegada do empreendimento se deu desacompanhado de investimentos minimamente

suficientes nas políticas sociais e na preparação da área, o que maximizou problemas já

existentes e criou outros. Sintoma deste despreparo se nota da leitura do Plano Básico

Ambiental (PBA), que sequer previu investimentos em segurança pública na área

diretamente afetada pela Usina. Mais recentemente, foi alardeada a compra pela Norte

Energia de um helicóptero milionário para utilização da região de Altamira, aquisição

esta cuja efetiva utilidade e real impacto no incremento da sensação de segurança para

os moradores é alvo de muitos questionamentos.

Ademais, cumpre registrar que, no dia 13/10/2016, uma quinta-feira, por volta

das 19h, dois pistoleiros alvejaram, com ao menos dez disparos à queima roupa, o

Secretário de Meio Ambiente de Altamira, Sr. Luiz Alberto Araújo, quando este

retornava de carro para casa na companhia de sua esposa e dois filhos. A execução se

deu no mesmo dia em que o CNDH deixava a cidade de Altamira, no final desta missão

de regresso à região. Esta violência brutal e chocante é um exemplo emblemático da

atual situação caótica da segurança pública no município.

5.7. Mobilidade (urbana e rural, terrestre e fluvial)

As dificuldades com mobilidade urbana no município de Altamira e com a

navegabilidade fluvial apareceram em todos os atos praticados pela missão. A falta de

um serviço público de transporte urbano prejudica sobremodo as pessoas que foram

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deslocadas para os RUCs – Reassentamentos Urbanos Coletivos, localizados em bairros

isolados, cujo acesso exige facilidades de transporte. A alteração do regime hídrico do

Xingu e afluentes tem prejudicado indígenas e ribeirinhos, que têm tido dificuldades

para realizar deslocamentos na região.

Segundo os gestores públicos municipais, antes da construção da barragem o

município não contava com sistema de transporte público, porém, com as obras e o

aumento da população, começaram a organizá-lo e fizeram uma licitação, concedendo o

serviço a uma empresa que, logo em seguida, foi contratada pela Norte Energia para

fazer o transporte dos operários, tendo abandonado a concessão. Informaram que após

esses fatos, a prefeitura decidiu disponibilizar diretamente o serviço, tendo comprado 20

ônibus e estavam finalizando a construção da garagem e dos pontos de paradas, para

começar a operar em novembro de 2016.

Informaram, ainda, que o transporte escolar municipal é disponibilizado apenas

para os alunos das escolas municipais, não se responsabilizando pelo transporte para as

escolas estaduais, dos alunos de ensino médio.

Em relação á navegabilidade fluvial alega-se que a diminuição da vazão do rio,

especialmente no trecho de vazão reduzida, a falta de informação sobre as alterações de

vazão a jusante, sem prévio aviso, causando pânico e perdas materiais, problemas no

sistema de transposição com risco elevado, dependendo do tipo de embarcação

utilizado, e a seca no Rio Bacajá, tem resultado em enormes prejuízos para a mobilidade

das pessoas que vivem nas comunidades ribeirinhas da região.

O transporte coletivo começou a funcionar, porém, os moradores reclamam que

as tarifas cobradas pelo serviço são muito caras.

6 - GRUPOS VULNERÁVEIS QUE EXIGEM ESPECIAL ATENÇÃO

6.1. Povos Indígenas:

Impactos de Belo Monte e Belo Sun aos indígenas da Volta Grande – Visita à

aldeia Muratu (TI Paquiçamba)

O CNDH esteve na aldeia Muratu, na Terra Indígena Paquiçamba, em

12/10/2016, ocasião em que pôde ouvir representantes indígenas das três aldeias que

compõe a referida TI – Muratu, Paquiçamba e Furo Seco.

Os indígenas já convivem com os impactos diretos da redução da vazão do rio

na VGX em seu modo de vida e apontaram, de forma contundente, inúmeros problemas

e situações de graves violações de direitos humanos, envolvendo não só a mineradora

Belo Sun, que ainda lá não se instalou, mas, sobretudo, a UHE Belo Monte e os órgãos

públicos envolvidos.

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Belo Sun

Com relação à possibilidade de instalação de mineração de ouro na Volta

Grande do Xingu, os indígenas apresentaram preocupações com relação ao direito à

consulta livre, prévia e informada, à ausência de estudos de campo, ao acesso à

informação e aos impactos cumulativos e sinérgicos com Belo Monte.

No início de sua fala, o cacique Gilliarde Jacinto Juruna, referindo-se à

empresa mineradora, assevera:

“Eles queriam fazer os estudos dos impactos em três meses e a gente falou

que não era viável, queríamos um estudo feito ao menos um ano inteiro e

que a gente participasse, como foi feito no EIA-RIMA de Belo Monte, e isso

não aconteceu. Sabemos que nosso rio hoje é reduzido, é controlada a água

do rio. Tem seis anos de monitoramento que é de responsabilidade da

empresa Norte Energia. Como é que a empresa Belo Sun vai se instalar num

lugar desse se a gente não tem nem garantia do nosso rio e de como vai

ficar futuramente? Primeiramente queremos saber como vai ficar esse rio

para depois sim pensar na questão de Belo Sun, se ela vai se instalar ou

não”.

Os seis anos de monitoramento acima aludidos são decorrentes de obrigação

expressa imposta à UHE Belo Monte pelo IBAMA quando da concessão da Licença de

Operação (LO), em razão dos impactos ainda a serem estudados e mensurados na Volta

Grande do Xingu, decorrentes do controle da vazão do rio (hidrograma de consenso) e

seus desdobramentos no tocante à produção pesqueira, qualidade da água,

navegabilidade, dentre outros.

O cacique também revelou preocupação quanto à qualidade e a adequação do

estudo que a empresa se propôs a fazer à realidade do rio, pontuando que uma análise

durante apenas três meses seria de todo insuficiente para aquilatar as variações do rio

ocasionadas pelo período de chuva, bem como as mudanças na vazão, isto é, os reais

impactos na vida da comunidade indígena.

Foi ainda destacada a ausência de respeito, até o presente momento, do direito

dos indígenas à consulta prévia, livre e informada, pois o protocolo ainda não foi

terminado, de modo que não há qualquer deliberação das comunidades envolvidas

acerca do empreendimento minerário.

Muitas dúvidas no tocante aos termos gerais e básicos do projeto foram

levantadas, como a distância exata da mina de ouro em relação à TI, o tamanho e a

estabilidade da barragem de rejeitos, possibilidade de captação direta de água do rio,

dentre outros, a exemplo das ponderações do cacique Gilliarde:

“Até hoje não deram informações e dizem que estamos a 11 km e sabemos

que estamos a 9,5 km. Há segurança da barragem de rejeitos enquanto

estiverem trabalhando, mas depois que eles saírem quem vai garantir a

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segurança disso? A FUNAI deveria estar mais presente e informando as

coisas sobre Belo Sun. Eles dizem q não vai ter nenhum vazamento e riscos

baixos, sabemos que mineradora vai usar bastante água e nos preocupamos

que diminua mais a água”.

Impactos sobre o modo de vida indígena pós-impacto causado pelo

barramento do rio (hidrograma de consenso – trecho de vazão reduzida)

No tocante à pesca, os relatos dizem respeito à diminuição da quantidade de

peixes e impactos que vêm modificando a atividade desde a construção da usina, como

turbidez da água (que atrapalhou a pesca ornamental), explosões constantes, dentre

outros. Veja-se:

“Muitos sobrevivem aqui da pesca. Roça para consumo e dos peixes

ornamentais e de consumo para nossa renda. Com belo monte, peixes estão

morrendo, muitos peixes morreram, rio ta poluído; os acari acima estão

morrendo e na volta grande também. Com a seca os peixes vão acabar. Da

onde tirávamos nossa renda acabou e o PBA que tava ai para atender as

necessidades, hoje os projetos não funcionam. Aqui nem o banheiro tem.”

(Gilliarde)

“Eles vem oferecer material de pesca, mas isso não supre nossas

necessidades. Malhadeira e linhas de má qualidade e isso não supre; o peixe

de consumo aqui precisamos ir hoje do outro lado do rio; antes pegávamos

no porto. Hoje compramos mais comida da cidade e somos obrigados a se

adaptar dessa forma.” (Jailson Juruna)

Quanto à situação de navegabilidade do rio, foram destacados os seguintes

pontos na reunião pelo cacique Gilliarde:

“Nós falamos pro IBAMA que temos várias cachoeiras com dificuldade de

navegação hoje e precisamos que o acesso seja melhorado. Para Norte

Energia reabrir canal na volta grande para melhorar nossa navegação não

precisa depender do IBAMA. Hoje a situação é que para pescar a pessoa

precisa ir com dois adultos para ajudar a puxar a canoa nas cachoeiras,

temos dificuldade de fazer sozinhos porque ta muito seco. Em alguns locais

o rio precisa ser melhorado para termos acesso”.

Mais adiante em sua fala, o cacique retrata os desafios atuais para

implementação efetiva do Plano de Proteção Territorial Indígena, citando as

constantes invasões:

“Foi contratado o pessoal das bases. A Base Operacional (BO) daqui está

pronta mas não esta sendo usada ainda, só tem um guardinha lá. Tem uma

base da volta grande para as duas TIs, Juruna e Arara, mas fica do outro

lado do rio da TI Paquicamba. O carro para fazer a manutenção fica do

lado da TI Arara. Mas aqui precisaríamos de um carro para fazer

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fiscalização e um posto de vigilância do nosso lado também, para não entrar

gente de fora e termos controle. Se tivermos uma invasão aqui, até passar o

rádio para a Base Operativa mandar o carro, ele terá que ir até o Assurini

por terra para dar a volta e chegar aqui e resolver o problema. Tem que ter

um carro e um posto de vigilância para atender a TI Paquiçamba.

Colocamos essa demanda numa reunião com a empresa e até agora não

apresentaram nenhuma proposta para nós. Além disso, há invasões

freqüentes hoje em dia. Dentro da nossa TI tem muita invasão, nossa ti foi

ampliada mas FUNAI não tirou os moradores.” (Giliarde)

Não mensurados, nem identificados em nenhum documento do PBA-CI ou do

EIA-RIMA, os “novos impactos” que foram apontados:

“Estamos tendo muito impacto de coisas que não foram previstas no eia

rima como o carapanã, que é impacto novo. Aumentou muito e estamos

tendo dificuldade para pescar, o lazer do futebol, as pessoas ficam mais em

casa.” (Gilliarde).

“Temos que usar muito veneno para poder matar com risco de intoxicar as

crianças com veneno. Isso piorou depois de novembro de 2015”. (Bel

Juruna)

Os indígenas também apontaram diversos problemas quanto ao acesso à saúde

e, mais precisamente, à situação precária do Distrito Sanitário Indígena (DSEI) local:

“Foi construído o posto de saúde, mas está sem energia, fazemos

atendimento com lanterna. Tem motor mas não deram litro de combustível

para ligar aqui. Trouxeram material mas não dão assistência; não tem meio

de comunicação, rádio. Falta muita medicação, fazemos pedido e demora.

Épocas sem enfermeiro, eu como agente de saúde, sem capacidade para

isso, as vezes assumo esse serviço como se fosse enfermeira. Falta de

remoção também, se tiver que remover não consegue pois as vezes falamos

com DSEI e eles demoram a vir buscar. Aqui há muita demanda de exames

particular e é caro. Na vgx foi construído um posto base na aldeia

paquicamba, mas em nenhum momento, faço parte do conselho de saúde,

falaram com seria esse atendimento. Precisamos de transporte, o posto de lá

não tem transporte e não sabemos como vai funcionar. Entregaram as obras

e foram embora sem falar como vai funcionar. Falamos no conselho

CONDISI e até agora não melhorou nada.” (Bel Juruna)

“Na aldeia Paquiçamba também é igual, o posto pólo de lá foi entregue e

até agora falta muito remédio. Quando há caso sério e pedimos carro pro

DSEI, demora, precisamos correr atrás de carro de gente da aldeia senão o

paciente pode morrer. Nem o combustível eles dão e eu já perdi exame na

cidade por não conseguir ir. O casai não manda chamar, não avisa.”

(Representante da aldeia paquiçamba)

“Burocracia do DSEI é muito grande. Depois que me operei queria o carro

do DSEI para eu poder fazer fisioterapia e nem esse apoio eles garantiam.

Se fosse depender do DSEI hoje estava sem a perna. Eles entregaram, como

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vai ficar a manutenção futuramente dessas estruturas?” (Gilliarde)

“Eu sou a técnica, enfermeira, dentista, psicóloga e viro até medica se

possível, pois lá não tem assistência, DSEI vira as costas para gente, rádio é

horrível passar um rádio para o DSEI, frequência e ruim, eles não

entendem. (agende de saúde aldeia Furo Seco)

Projeto Básico Ambiental do Componente Indígena – PBA-CI da UHE Belo Monte

e novas medidas de mitigação

Fortes e contundentes foram as críticas em relação ao PBA-CI exaradas pela

comunidade indígena:

“PBA não funciona. Queríamos um fundo, nos apresentarmos projetos, no

pba quem ganha dinheiro são as empresas e não se vê nada dentro da

comunidade. Projeto de peixe, galinha, tem algum? Se tem alguma coisa

feita foi do plano emergencial. Aqui não chegou uma fermenta para brocar

roca; dão algumas sementes; não dão ferramentas, assistência técnica e

dizem nos relatórios que os projetos funcionam bem. Posto de saúde, casa,

poço artesiando tudo que falam que foi feito foi só através de pressão e

invasão. Dentro das comunidades muito que tem é do plano emergencial e

de acordo de fechamento de estrada, essa é a realidade.” (Gilliarde)

“Eletronorte propôs que tivéssemos acesso ao lago; se não desse pra

sobreviver do lado de baixo, a gente mudaria a aldeia pro lado de cima e

eles se responsabilizariam por todas as estruturas que tinha do lado de

baixo, fariam acima. Isso era condicionante e ate hj não foi cumprida, de

acesso ao lago. Não queremos mudar mas se aqui não der pra sobreviver

vamos morar la e usar aqui so pra pescar.”

Como se pode observar das falas de representantes da comunidade indígena,

portanto, para além do cumprimento das condicionantes ainda pendentes, seja as sob

responsabilidade dos órgãos de governo, seja as de competência da Norte Energia, uma

demanda relevante diz respeito à atualização da matriz de impactos gerados com a

instalação da Usina e não mensurados ou previstos nos estudos anteriores. Guarda

especial atenção nas falas, ainda, a necessidade de conclusão da regularização fundiária

das terras indígenas impactadas, de modo a assegurar a posse plena dos povos

envolvidos sob seus territórios e, por conseguinte, sua reprodução física e cultural. Em

suma, o que se exige é o cumprimento integral do previsto no PBA-CI e estudos

efetivos sobre o empreendimento Belo Sun, antes de qualquer medida a ser tomada pelo

empreendedor, além da necessária consulta prévia, livre e informada, em cumprimento à

legislação vigente, como já exposto no presente relatório.

Cabe destacar que o entendimento esposado pelos indígenas, conforme as falas

acima descritas, que dão conta dos impactos e precariedade da execução das ações de

mitigação de impacto previstas no componente indígena guardam relação com a análise

de acompanhamento elaborada pelo órgão indigenista quando da emissão da Licença de

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Operação da UHE Belo Monte. Segundo a FUNAI:

Utilizando a revisitação da matriz de impacto prevista no EIA,

construída com os povos indígenas, verificou-se que todos os

impactos previstos ou ocorreram ou estão ocorrendo e que as medidas

propostas não ocorreram ou estão em seu início. A baixa qualidade da

execução das ações previstas colaboram para que não sejam dadas

respostas adequadas aos impactos previstos. Como resultado,

podemos afirmar que as ações de mitigação e compensação previstas

no Processo de Licenciamento Ambiental da UHE Belo Monte não

estão respondendo pelos impactos identificados no mesmo processo.

Mais que isso, sua execução (seus atrasos ou sua não execução) tem

gerado outros impactos não previstos ao longo do Processo.

Nesse sentido, é necessária a (re)construção da linha lógica prevista

nos processos de licenciamento ambiental: a dicotomia impacto e

medida. Para cada impacto (físico, biótico, social, cultural) deve

existir uma medida relacionada, buscando a sua mitigação ou

compensação. Para tanto, o empreendedor deve revisar a matriz de

impacto do Processo de Licenciamento Ambiental da UHE Belo

Monte, considerando todos os impactos que estavam previstos, a

execução das medidas realizadas até o momento, o atraso em algumas

delas e a não execução de outras medidas. Assim como no EIA, as

matrizes de impacto devem ser construídas com os povos indígenas,

necessariamente a partir de metodologias participativas e

considerando as particularidades de cada povo. Cada povo, cada terra

indígena, cada comunidade, deve ter sua matriz de impacto, uma vez

que os impactos da UHE Belo Monte não podem ser replicados da

mesma maneira a todos os povos da região, como já repetidamente

orientado ao empreendedor. Assim, e sem prejuízo à continuidade das

ações que já estão em curso, deve ser realizada, pelo empreendedor, a

revisão da matriz de impacto do empreendimento.12

Assim, na acepção do órgão indigenista, que se mostra em consonância às

demandas apresentadas pelos indígenas quando da realização da presente missão, é

imprescindível a conclusão, pelo empreendedor, das medidas previstas no componente

indígenas do empreendimento que ainda estejam inconclusas, acompanhada da revisão

da matriz de impacto do em seus aspectos físicos, bióticos, sociais e culturais, de modo

a mitigar efeitos não dimensionados e surgidos ao longo do processo de licenciamento e

no pós-emissão da licença de operação da UHE Belo Monte.

6.2. Independente 1:

Como já exposto, ao longo das atividades da missão foi visitada a região

12 O Parecer encontra-se disponível em: http://www.funai.gov.br/arquivos/conteudo/ascom/2015/img/11-

nov/analisetecnica.pdf acesso em 26/11/2017.

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conhecida como “Lagoa do Bairro Independente 1”. A comunidade possui

aproximadamente 500 famílias, em torno de 1200 pessoas e foi formada ao redor da

lagoa que foi sendo ocupada e aterrada pela construção de casas no estilo palafita,

formando uma Vila suspensa, adaptada aos períodos de chuva que, historicamente,

elevavam o nível dos igarapés da cidade.

Segundo os moradores descreveram na visita, e também em face da audiência

pública realizada em 10 outubro de 2016, a lagoa permanecia seca durante o verão e

alagava no inverno. A grande maioria das famílias que vivia na região até 2010 fazia

uso da lagoa para banho e pesca. Contudo, ao longo dos últimos três anos, em

decorrência da ocupação desordenada da cidade, que resultou numa forte especulação

imobiliária, muitas famílias passaram a migrar para a lagoa de maneira mais intensa,

inclusive promovendo processos de aterramento de áreas da lagoa para a construção de

casas de alvenaria e instalação de novas palafitas no sentido borda-centro. Inclusive,

alguns participantes relataram que a Prefeitura havia promovido a abertura da Rua do

acesso 3, que atravessa a lagoa.

A situação verificada é de extrema vulnerabilidade das famílias, que muito

embora estejam próximas à região central da cidade, encontram-se completamente

desassistidas, sem acesso à água potável, tratamento de esgoto, coleta de lixo,

iluminação pública etc.

A lagoa está completamente contaminada pelo lixo, tendo sido relatado que se

tem um verdadeiro esgoto a céu aberto, uma problemática reflexa da ausência do

funcionamento do saneamento básico na cidade. Os acessos são feitos por meio de

pontes de madeira improvisadas, bastante precárias, constituindo um grande risco para a

quantidade de crianças que vive na comunidade, além das inúmeras doenças que se

proliferam, uma vez que é como se a comunidade vivesse em cima de um imenso lixo

da lagoa.

Essa comunidade não foi reconhecida como atingida pelos Estudos de Impacto

Ambiental (EIA-RIMA) realizados em 2007 porque supostamente estaria abaixo da cota

100.

A questão foi analisada pelo Parecer 02001.003521/2016-18 COHID/IBAMA,

elaborado em conjunto por engenheiros do IBAMA e da Agência Nacional de Águas.

Segundo o parecer, o empreendedor alega que em verificação in loco foi constatado que

o sistema de drenagem instalado pela prefeitura na lagoa mostra-se inoperante.

Asseverou ainda o empreendedor aos técnicos que se encontrava em curso, em conjunto

com a Prefeitura de Altamira, diagnóstico do sistema de drenagem que atende o Jardim

Independente I. Como conclusão, referido parecer aponta ser plausível a “teoria de

existência de um lençol freático local, representativo de um aquífero suspenso, com

nível da água subterrânea distinto do regional”. Neste caso, não existiria relação de

causa e efeito entre o barramento do empreendimento e as cheias verificadas na área.

Contudo, em prosseguimento, a análise técnica conjunta do IBAMA e da ANA

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esclarece que, embora os indícios verificados, ainda resta demonstrar “de forma

indelével a existência de dois níveis freáticos distintos, um local, na área de baixio

(lagoa) do bairro Jardim Independente I; e outro regional, indicado nos poços de

monitoramento de água subterrânea espalhados na área urbana de Altamira”. Para

tanto, os órgãos recomendaram uma série de análises e providências técnicas à Norte

Energia, para que se tenha conclusão definitiva e irrevogável sobre a situação, que

encontram-se elencadas no parágrafo 51 do citado Parecer. Tais estudos ainda não

foram finalizados pelo empreendedor, sendo o novo prazo para conclusão o mês de

fevereiro de 2018. Em prévia de monitoramento realizada em outubro de 2017, todavia,

os dados até então coletados apontavam para ausência de relação das cheias do bairro

com o empreendimento.

Cabe destacar que os moradores afirmam que, notadamente após a liberação da

licença de operação e funcionando da barragem, é que as dinâmicas de elevação e

retorno da lagoa mudaram muito, tornando-a permanentemente alagada. Desse modo,

toda a água que se acumulava no período do inverno não tem mais escoado, situação

agravada pelo aumento da densidade populacional na área.

6.3. Ribeirinhos e pescadores:

O processo de deslocamento das comunidades ribeirinhas foi iniciado em 2011,

com a liberação da licença de instalação do empreendimento. Desse momento até hoje,

a situação das populações ribeirinhas e de pescadores aponta haver um contexto crítico

de violência, insegurança social, ambiental e alimentar, que foi expressa através de

denúncias e indignações ao longo de toda a audiência pública promovida pelo MPF

enquanto a missão esteve na região.

Grande parte das comunidades que vivem na região atingida pela barragem,

constituíam modos tradicionais de relação com o Rio Xingu, os quais foram

profundamente alterados pelas dinâmicas sociais e ambientais impostas pela barragem.

Desde o princípio, com a emissão do decreto de desapropriação, as famílias vêm sendo

deslocadas forçadamente, sem nenhum tipo de discussão prévia sobre as suas

indenizações.

A expropriação e a violação dos direitos se intensificou no processo

imediatamente anterior à concessão da Licença de Operação, uma vez que se

intensificou a expulsão dos ribeirinhos, bem como as drásticas transformações

ambientais no rio, na qualidade da água, na ictiofauna e na vegetação. Tais impactos,

por exemplo, tem imposto mudanças nas dinâmicas de pesca, e os programas de

monitoramento não tem apontado isso.

Além disso, a vida comunitária relacionada às margens do rio foi

profundamente alterada com o barramento, que provocou o aumento do lençol freático,

mudou as dinâmicas de navegação, variou os fluxos de vazão e seu controle, não tendo

uma fiscalização adequada pelas agências de regulação.

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Em paralelo a isso, os ribeirinhos têm reocupado as margens e ilhas

(remanescentes) do rio Xingu, como mecanismo de resistência e na busca por retornar

ao seu modo de vida, demonstrando toda a quebra de laços comunitários e a insatisfação

com as reparações, quando recebidas.

Essas problemáticas constatadas evidenciam lacunas no PBA e a atual situação

de desproteção civil das comunidades ribeirinhas, sobretudo à jusante da Barragem, nas

regiões de Pimental, na Volta Grande do Xingu, na qual os relatos sobre as alterações na

dinâmica de vazão do rio são gritantes.

Por fim, observando as ações propostas no âmbito do Ministério Público

Federal e Defensoria Pública da União se constata que há uma atuação sistemática da

Norte Energia em não reconhecer a integralidade do modo de vida dos ribeirinhos.

6.4. Garimpeiros:

A atividade garimpeira na Volta Grande Xingu passou a crescer a partir dos

anos 1940, atraindo populações migrantes sobretudo das regiões Norte e Nordeste do

país. Habitantes da Volta Grande há décadas, os garimpeiros das comunidades afetadas

pelo projeto de mineração Belo Sun estão atualmente impedidos de realizar a atividade

de extração de ouro, uma das principais fontes de trabalho e renda da região. Com a

concessão de lavra à Belo Sun, as áreas de garimpo tradicional outrora utilizadas estão

inviabilizadas e várias famílias não tem outra fonte de sustento. Alguns relataram que a

polícia federal é chamada para prender os garimpeiros sempre que tentam chegar

próximo a antigos locais usados para a lavra. Estes lugares, atualmente, estão marcados

com placas da Belo Sun.

Veja-se, de início, excerto da fala do Sr. Leonardo Araújo, Presidente da

Cooperativa de Garimpeiros da Vila Ressaca:

“(...) Pedimos uma PLG – Permissão de Lavra Garimpeira – já foi cedido por

outras mineradoras em outras histórias. – Exemplo: Pontes e Lacerda,

garimpeiros conseguiram uma área para seguirem os trabalhos dentro de uma

PLG deles, uma área de 10 mil ha. Garimpeiros trabalham hoje lá, evitou-se

trabalho de forma irregular. - Garimpeiros trabalham hoje de forma irregular,

não temos mais PLG. Nossa ideia era isso, pedirmos uma PLG para Belo Sun,

e que ela pudesse ceder parte dos direitos minerários dela aqui, para que a

cooperativa pudesse ter uma área para os garimpeiros trabalharem de forma

regular.

Pedimos também para Belo Sun a parte do rejeito: na gíria garimpeira o

rejeito, a curimã, ela é do garimpeiro é de quem a produz. Funciona assim,

desde 1935 vem acontecendo aqui. Tem muito rejeito na região. Parte do

rejeito foi cedido ao Quinca, o Willian (que era dono do garimpo) ele vendeu

parte do rejeito lá que era dela pro Quinca. A Belo Sun deu uma anuência ao

Quinca para que ele tirasse os rejeitos e a cooperativa, juntamente com os

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garimpeiros, tem interesse em retirar esse rejeito, que não tem interesse

nenhum pra Belo Sun, mas que pra cooperativa seria interessante.

Pleiteamos hoje é a PLG, os rejeitos, e que nossos projetos fossem

acondicionados dentro das condicionantes. Pra que eles fossem resguardados

lá dentro e dessa forma resguardado o direito da comunidade.

A Permissão de Lavra Garimpeira (PLG) mencionada na fala acima transcrita é

documento expedido pelo Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM), como

forma de regularizar a lavra e, segundo o art. 7º, do Decreto 98.812/90:

Será outorgada a brasileiro ou a cooperativa de garimpeiros autorizadas a

funcionar como empresa de mineração, sob as seguintes condições: (i) A

permissão vigorará pelo prazo de até cinco anos, sucessivamente renovável

a critério do DNPM; (ii) O título é pessoal e, mediante anuência do DNPM,

transmissível a quem satisfaça os requisitos legais. Quando outorgado à

cooperativa de garimpeiros, a transferência dependerá, ainda, de

autorização expressa da respectiva assembleia geral; (iii) A área de

permissão não excederá cinqüenta hectares, salvo, excepcionalmente,

quando outorgada à cooperativa de garimpeiros, a critério do DNPM.

Segundo o garimpeiro, que na oportunidade apresentou recorte de matéria

jornalística com notícia acerca do precedente por ele aludido, há registros de concessão,

pelo DNPM, de PLG a garimpeiros locais dentro de área de mineração oficialmente

destinada e em exploração por uma mineradora, em Pontes de Lacerda, no Estado do

Mato Grosso.13 Em adição a este pedido, roga ainda que a mineradora autorize o

garimpo nos futuros rejeitos, bem como inclua projetos voltados para estes

trabalhadores nas condicionantes das eventuais futuras licenças (instalação e operação).

Observa-se desta fala a tentativa da cooperativa de conciliar a chegada da grande

mineração com a manutenção do garimpo tradicional existente na localidade, em área

oficial e formalmente delimitada pelo órgão competente, garantindo a perpetuação deste

legítimo meio de vida. Esta preocupação revela intuito conciliatório e amistoso por

parte dos atingidos, predisposição ao diálogo que precisa encontrar eco junto ao poder

público que, rememore-se, não os ouviu previamente ao início do licenciamento da

mineração, violando o direito à oitiva prévia garantido na Convenção 169, da OIT, às

comunidades tradicionais.

Quanto à criminalização dos moradores que tentam manter a atividade, segue o

relato do Sr. Antônio Lourenço, garimpeiro da região:

Já fui denunciado pela Belo Sun duas vezes, ela não me diz por quê. Eu sei

porquê, porque eu trabalho.

Não somos contra a empresa se instalar, somos contra a empresa não dar os

13 A questão encontra-se descrita em: http://www.mt.gov.br/-/5653020-garimpo-de-pontes-e-lacerda-esta-

em-fase-de-licenciamento-na-sema.

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nossos direitos. Se ela trabalhar 20 ou 30 anos aqui, mas pagar os direitos de

cada um, nós não temos nada contra a empresa. Ela que precisa do nosso

lugar, não precisamos sair daqui. Nós não pedimos pra sair, ela quem precisa

desse lugar. Pedimos à DPU que não fique como da outra vez. Que ela lute,

faça um esforço pra entender o que está acontecendo.

A fala emocionada deste garimpeiro ilustra o sentimento de frustração e

indignação desta população, sob a iminência de ter sua fonte de renda e seu modo de

vida suprimido e não vê alternativa alguma ser apresentada pelas autoridades. Faz

remição à Belo Monte (“não fique como da outra vez”), em mais um exemplo cristalino

de como a presença da Norte Energia na região ainda é marcante e traumática.

Em seguida, falou uma das pessoas mais conhecidas e respeitadas da

comunidade, o morador antigo de alcunha Pirulito, que gerou comoção e reações

efusivas pela objetividade e crueza com que retratou o procedimento da mineradora:

Eles estão processando nossa cooperativa, falando pra PF que aqui só tem

velho gagá, pedófilos, criminoso e dependente químico. Irresponsáveis, não

respeitam a população. Mais de 4 mil famílias na VGX que dependem do

garimpo e da pesca artesanal aqui no nosso rio.

O Presidente da Associação de Moradores da Vila Ressaca, Sr. Francisco

Pereira, ecoando o que falara seu antecessor, assim se pronunciou:

Belo Sun, ano passado, falou que aqui a cooperativa de garimpeiros tinha

meia dúzia de velho pedófilo, cachaceiro, embuaceiro e criminosos. Não existe

isso na nossa comunidade. Na nossa comunidade tem velho, mas de caráter e

responsáveis pelos seus atos. Merecia ser processado, lançar um processo

contra a empresa pra ela dizer onde é que tá esse velho pedófilo, cachaceiro e

drogado. Porque não existe aqui na nossa comunidade.

Novamente com a palavra, o Sr. Leonardo Araújo (Presidente da Cooperativa de

Garimpeiros), disse:

A mineradora vem, ela vai se instalar e daqui a pouco ela vai embora, mas as

pessoas continuam. Nossa ideia é que a mineradora venha, faça o trabalho

dela, mas que vocês possam continuar trabalhando também de forma digna.

Hoje os garimpeiros estão trabalhando de forma irregular. Recebemos uma

notificação da PF para ir até lá, a notificação já veio com tempo vencido. Ou

seja, o prazo já estava vencido. Tomamos ciência de uma outra notificação. E

informamos a PF que temos endereço fixo em Altamira e que se tivesse que

fazer notificação que fosse pelo endereço de Altamira.

Da análise da licença de instalação concedida à empresa pela SEMAS/PA, não

houve qualquer menção à concessão da PLG, tampouco acerca da possibilidade de se

garantir aos garimpeiros tradicionais o acesso regular aos rejeitos.

Ante o exposto, a LI concedida (e atualmente suspensa judicialmente) NÃO

atende sequer aos pleitos mínimos dos garimpeiros, necessitando, pois, ser revista.

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8 - AVALIAÇÕES E CONCLUSÕES

A missão pôde constatar ao longo dos dias na região uma profunda alteração

das dinâmicas locais após a construção dos empreendimentos que, devido à falta da

perspectiva garantista dos direitos humanos por parte dos atores estatais, tem

representado um aprofundamento das situações de vulnerabilidade.

Constatou-se que os danos causados pelo empreendimento ainda não foram

completamente quantificados ou, nem mesmo, auferidos, à medida que ainda se

encontram violações decorrentes da não implementação de condicionantes ou do não

dimensionamento dos riscos.

Ficou clara a total falta de diálogo e atuação integrada entre os órgãos do poder

público e o empreendedor, com a apuração de problemas flagrantes, como no caso da

prestação de serviços de saúde e da não conclusão da rede de saneamento básico, o que

dificulta ainda mais o acesso imediato dos atingidos e atingidas aos seus direitos. A

própria comunicação interna dos órgãos públicos entre os representantes dos escritórios

regionais e as decisões que são tomadas em Brasília é problemática, sendo realizadas

por canais morosos e que, em geral, não têm garantido a eficácia na resolução dos

problemas.

Após a concessão da licença de operação, verificou-se que não há mais um

espaço de diálogo para atendimento dos atingidos e atingidas dentre os órgãos de

governo, estando esses limitados ao acesso ao Ministério Público e Defensorias.

Esse quadro de violações de direitos tem sido discutido, acompanhado e

denunciado desde o início das obras da hidrelétrica. Em 2010, a Justiça Global, em

conjunto com o Movimento Xingu Vivo para Sempre, Coordenação das Organizações

Indígenas da Amazônia Brasileira (COIAB), Prelazia do Xingu, Conselho Indigenista

Missionário (CIMI), Sociedade Paraense de Defesa dos Direitos Humanos (SDDH) e

Associação Interamericana para Defesa do Ambiente (AIDA), ingressou na Comissão

Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) com um pedido de medidas cautelares,

solicitando, em suma, a paralisação da obra. Em agosto de 2011, a CIDH outorgou as

medidas cautelares em prol da vida, integridade pessoal e saúde de populações

indígenas atingidas pelo empreendimento, bem como para que o Estado finalizasse os

processos de demarcação das terras indígenas situadas na área de influência do projeto.

Paralelamente, também em 2011, as mesmas organizações ingressaram com um

caso na CIDH, para demandar a responsabilização do Estado brasileiro pela violação ao

direito às garantias judiciais, direito à liberdade de pensamento e expressão, direito à

propriedade, direitos políticos e direito à proteção judicial de quatro comunidades

indígenas (incluindo indígenas não contatados), dezenove comunidades rurais e

dezessete bairros da cidade de Altamira.

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As medidas cautelares seguem vigentes, em que pese pouco efetivas. Quanto ao

caso, este teve seu trâmite iniciado na CIDH apenas em dezembro de 2015. Em outubro

de 2017, a CIDH comunicou aos peticionários sobre sua decisão de analisar

conjuntamente a admissibilidade e o mérito do caso, em vez de fazer isso em dois

momentos distintos.

Nessa esteira, considerando a abrangência, a diversidade e a gravidade das

violações de direitos humanos a povos indígenas, comunidades tradicionais e à

população em geral de Altamira, descritas ao longo deste relatório, assim como as

medidas cautelares já dirigidas pela CIDH ao Estado brasileiro, ainda não cumpridas,

apresentamos as seguintes recomendações, a serem apreciadas pelo CNDH, para que

sejam reparadas as violações de direitos constatadas.

9 – RECOMENDAÇÕES

O Conselho Nacional dos Direitos Humanos – CNDH, após a presente missão,

realizada nos dias 8 a 12 de outubro de 2016, diante das violações de direitos humanos

verificadas e da necessária adoção de medidas de urgência por parte dos

empreendedores, do IBAMA, da FUNAI, da SEMAS e da Prefeitura do Município de

Altamira, sob pena de agravamento das violações constatadas, expediu recomendações

urgentes quanto à proteção e garantia de direitos aos órgãos envolvidos, as quais, agora,

vem reforçar:

Ao IBAMA:

- Que conclua suas avaliações e se manifeste sobre a situação de risco e

responsabilidades sobre o Jardim Independente I, no município de Altamira, exigindo o

imediato cadastramento e remoção das famílias ali residentes;

- Que se articule com a FUNAI e se manifeste, com a urgência que a situação exige,

sobre a viabilidade da instalação de empreendimento minerário ou qualquer outro

empreendimento com grande impacto ambiental e socioambiental na Volta Grande do

Xingu antes de transcorrido o prazo de monitoramento de 06 (seis) anos após a

instalação da plena capacidade de geração na casa de força principal (item 2.16, alínea

“a”, da LO) fixado como condicionante para a operação da Usina Hidrelétrica de Belo

Monte, cujo licenciamento está sob responsabilidade deste órgão federal;

À FUNAI:

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- Que se articule com o IBAMA e se manifeste, com a urgência que a situação exige,

sobre a existência de impactos diretos e indiretos do empreendimento Belo Sun

Mineração sobre as terras e povos indígenas habitantes da Volta Grande do Xingu, e a

condicionante da UHE Belo Monte que determinou o monitoramento dessa área pelo

período de 06 (seis) anos após a instalação da plena capacidade de geração na casa de

força principal (item 2.16, alínea “a”, da LO), avaliando sobre a viabilidade atual do

projeto diante da cumulatividade e sinergia de impactos;

À SEMAS/PA:

- Que se abstenha de conceder licença de instalação à Belo Sun Mineração,

suspendendo o processo de licenciamento até que haja manifestação conclusiva por

parte da FUNAI e IBAMA quanto à cumulatividade e sinergia de impactos e viabilidade

socioambiental do projeto, sobretudo em razão da exigência de monitoramento da Volta

Grande do Xingu por 06 (seis) anos após a instalação da plena capacidade de geração na

casa de força principal (item 2.16, alínea “a”, da LO) imposta pelo IBAMA como

condição para concessão da licença de operação à Usina Hidrelétrica de Belo Monte;

- Que exija da Belo Sun Mineração a imediata paralisação do remanejamento

populacional atualmente em curso na área de influência do projeto, especialmente na

Vila Ressaca, aonde vem adquirindo direitos de posse com vistas à sua instalação;

- Que promova a identificação das áreas e famílias removidas, com vistas à reparação

adequada no que diz respeito ao direito à moradia e aos possíveis direitos coletivos,

sociais e culturais violados;

- Que promova campanha informativa quanto aos direitos da população potencialmente

afetada pelo projeto;

Ao Município de Altamira:

- Para que, em articulação com a Norte Energia S/A., promova o imediato

cadastramento e remoção das famílias moradoras do Jardim Independente I,

assegurando-lhes condições dignas de vida e o direito à moradia adequada;

À Norte Energia S/A:

- Para que, em articulação com o Município de Altamira, promova o imediato

cadastramento e remoção das famílias moradoras do Jardim Independente I,

assegurando-lhes condições dignas de vida e o direito à moradia adequada;

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À Belo Sun Mineração:

- Que paralise as aquisições de direitos de posse e/ou propriedade, assim como outras

ações com vistas à instalação do empreendimento;

Agora, por ocasião da apresentação do relatório final da missão, apresentam-se

as seguintes recomendações:

9.1 Com relação à UHE Belo Monte recomenda-se que:

Com relação ao cumprimento das condicionantes da Licença de Operação:

- O IBAMA solicite à NESA a apresentação do estudo atualizado sobre o cumprimento

das condicionantes estipuladas na Licença nº 1317/2015, que permitiu o início da

operação do empreendimento, com enfoque no plano de atendimento à população

atingida, plano de articulação institucional, plano de relacionamento com a população,

plano de saúde pública, plano de gestão dos recursos hídricos, plano de gerenciamento

integrado da Volta Grande, promovendo audiência pública sobre seus resultados e, caso

necessário, aplicando as sanções cabíveis aos responsáveis em razão de

descumprimento;

Com relação ao Jardim Independente I:

- O IBAMA exija providencias imediatas aos órgãos competentes quanto à saída da

população em situação de risco, garantindo condições dignas de moradia, mobilidade

urbana, acesso a equipamentos de saúde, educação e lazer;

- Que o IBAMA exija da Norte Energia que os estudos que estão sendo realizados

contemplem pesquisas sobre impactos para além da questão do meio físico,

considerando os impactos sobre o meio sócio econômico, como a inflação sobre

alugueis, escassez de unidades residenciais, incremento significativo da população do

município com a obra, etc., ou seja, outros fatores que tenham contribuído para a

ocupação naquela localidade e suas relações com o empreendimento;

- Seja concluído pela Norte Energia o cadastramento sócio econômico dos moradores do

bairro;

- Sejam concluídos pela Norte Energia, com ampla divulgação, os estudos indicados no

item 51 do Parecer 02001.003521/2016-18 COHID/IBAMA.

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Com relação às populações indígenas:

- A Norte Energia revisite a revise a matriz de impactos do empreendimento, a partir de

consulta aos povos indígenas, para, assim, promover-se a devida adequação das

medidas necessárias para mitigação dos impactos não dimensionados nos estudos até

então realizados, notadamente quanto aos aspectos físico, bióticos, sociais e culturais;

- A Casa Civil da Presidência da República reforce a estrutura dos órgãos ambiental e

indigenista em Altamira, dotando-os de servidores qualificados e orçamento necessário

ao efetivo acompanhamento das questões aqui tratadas;

- Que a FUNAI conclua a demarcação física da Terra Indígena Paquiçamba;

- Que a Presidência da República homologue a Terra Indígena Paquiçamba;

- Que a FUNAI, Ministério da Justiça e Segurança Pública e a Casa Civil da Presidência

da República, em conjunto com o INCRA, realizem a completa desintrusão da terra

indígena Cachoeira Seca;

- Que a FUNAI, Ministério da Justiça e Segurança Pública e a Casa Civil da Presidência

da República, concluam a completa desintrusão da Terra Indígena Apyterewa, em

atendimento às decisões judiciais que determinam a completa regularização da área;

- Que sejam imediatamente implementadas pela FUNAI e Norte Energia as ações

constantes do Plano de Proteção do Médio Xingu e fiscalização das terras sob influência

da UHE Belo Monte;

Direito à saúde:

- Seja avaliada pela Prefeitura de Altamira a adequação e funcionamento dos serviços

de saúde com a inauguração do hospital em Altamira e dimensionada a necessidade de

melhoria nas instalações do hospital de Vitória do Xingu, com vistas à efetiva prestação

dos serviços na região;

- Ao Ministério da Saúde, Secretaria de Saúde do Estado do Pará, municípios de

Altamira e Vitória do Xingu que concluam as discussões relativas à Programação

Pactuada e Integrada de Assistência à Saúde, com vistas à reorganização da rede

prestadora de serviços de saúde e seu custeio, inclusive quanto à possibilidade do

empreendedor vir a custear o incremento nos custos decorrentes dos impactos do

empreendimento;

Saneamento:

-Sejam concluídas pela Prefeitura de Altamira e Norte Energia, com a máxima

agilidade, as ligações das unidades residenciais à rede coletora de saneamento, assim

como a de distribuição de água;

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Direito à Educação:

- Seja garantida, pela Secretaria de Estado de Educação e Prefeitura de Altamira, a

instalação de unidades educacionais em todos os reassentamentos;

- Que em todos os reassentamentos seja disponibilizado o transporte aos alunos pela

Prefeitura de Altamira, com custeio pela empresa Norte Energia, enquanto se fizer

necessária essa mobilidade por conta da ausência de instalação de escolas;

Violência e impactos não dimensionados:

- Que o IBAMA exija da empresa a contratação de especialistas em direitos humanos

para avaliação dos impactos não dimensionados do empreendimento sobre a região de

Altamira, e exija iniciativas voltadas ao estabelecimento do reequilíbrio social, com

especial atenção às questões de trabalho, proteção a defensoras e defensoras de direitos

humanos, violência contra crianças e adolescentes, mulheres e contra população em

geral;

- O Governo do estado do Pará, Ministério da Justiça e Segurança Pública e Ministério

dos Direitos Humanos atuem de modo a garantir um ambiente de segurança e proteção

às defensoras e defensores de direitos humanos;

Mobilidade urbana:

- Que a Prefeitura de Altamira promova estudo sobre o alcance da rede de transporte

publico, sobretudo com relação aos RUCs e considerando periodicidade razoável, de

modo a atender as necessidades da população. Considerando que os custos dessa malha

de transporte urbano estão relacionados ao empreendimento, que avalie a

reponsabilidade do empreendedor quanto à manutenção de eventuais linhas de

transporte que possam vir a ser deficitárias;

Direito à informação e participação:

- Que a Norte Energia estabeleça escritório em local acessível no município de

Altamira, dedicado ao fornecimento de informação e recebimento de demandas da

população atingida;

- Que a Presidência da República reestabeleça seu escritório local para atendimento da

população, para garantia da participação social e para articulação e monitoramento das

políticas públicas com os órgãos federais, estaduais e municipais;

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9.2 Com relação à implementação da mineradora Belo Sun, recomenda-se:

Ao IBAMA:

- Que reavalie sua decisão e assuma sua atribuição enquanto órgão licenciador do

empreendimento Belo Sun, tendo em vista a condicionante de monitoramento da Volta

Grande do Xingu pelo prazo de 6 anos, prevista no item 2.16 alínea a da Licença de

Operação de Belo Monte, de responsabilidade deste órgão federal;

- Que, enquanto não finalize o processo de reavaliação, atue como interveniente no

processo de licenciamento, passando a ter voz e poder de decisão, em consideração ao

impacto direto de Belo Sun sobre área atualmente já licenciada pelo órgão licenciador

federal, qual seja, a Volta Grande do Xingu;

À Secretaria de Meio Ambiente e Sustentabilidade do Pará - SEMAS/PA:

- Que a SEMAS/PA, com base em seu poder de autotutela, bem como se valendo dos

fundamentos contidos na decisão do TRF da 1ª Região proferida no âmbito do Agravo

de Instrumento 0060383-85.2014.4.01.0000, que mantem, até a presente data, suspensa

a Licença de Instalação (LI) concedida em fevereiro do corrente ano, ANULE a referida

LI, para que:14

- Seja realizado, pelo empreendedor, com supervisão da SEMAS/PA e IBAMA, estudo

de impacto específico acerca do deslocamento de moradores da Vila Ressaca para

outras áreas próximas, como a Ilha da Fazenda, com mapeamento, identificação e

informação sobre o destino das famílias que já deixaram a referida comunidade após o

anúncio da chegada da mineradora;

- Seja promovido pelo empreendedor estudo específico quanto aos impactos

cumulativos e sinérgicos entre Belo Monte e Belo Sun, com levantamento atual de

dados, de modo a permitir uma análise da situação da VGX hoje, após o barramento do

rio e a operação, ainda que parcial, da UHE Belo Monte;

- Seja elaborado pelo empreendedor relatório de impactos acerca do componente

indígena (EIA/CI), confeccionado e executado a partir de orientações do órgão

indigenista (termo de referência) e mediante estudo de campo (coleta de dados atuais);

14 Em julgamento na data de votação do presente relatório pelo CNDH, dia 06/12/2017, o TRF1 manteve

suspenso por tempo indeterminado o processo de licenciamento da mineradora Belo Sun e ordenou a

realização da consulta prévia, livre e informada às comunidades indígenas afetadas pelo empreendimento,

nos termos do prevista na Convenção nº 169 da OIT e a partir de protocolo elaborado junto aos indígenas.

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- Seja considerado o eventual impacto sobre povos indígenas isolados, considerando a

proximidade do empreendimento com a Terra Indígena Ituna Itatá, bem como sejam

procedidas as adequações necessárias ao projeto, para a garantia da vida e proteção

desses povos;

- A SEMAS/PA anule a licença de instalação, tendo em vista o requerimento formulado

pela FUNAI de suspensão do processo de licenciamento de atividade minerária pelo

prazo de 6 anos, ate que tenha resultado seguro o monitoramento imposto como

condicionante de Belo Monte;

- A FUNAI e o órgão licenciador (SEMAS/PA) garantam o direito à informação das

comunidades sobre o empreendimento, sendo assegurado o direito à consulta prévia,

livre e informada das comunidades, indígenas, tradicionais, de ribeirinhos e

garimpeiros, nos termos da Convenção 169 da OIT, elaborando-se, para tanto, proto

colos de consulta;

- O órgão licenciador exija um plano de comunicação social submetido à sua previa

aprovação, no que tange o diálogo com as comunidades impactadas;

- A SEMAS/PA proíba a atuação do empreendedor nas comunidades, através da

divulgação de projetos de reassentamento e opções de indenização, por exemplo, antes

da válida concessão da licença para a instalação do empreendimento;

- Que seja garantida pela SEMAS/PA e DNPM a prioridade de lavra para as

Associações e Cooperativas de garimpeiros, por meio da concessão de Permissão de

Lavra Garimpeira (PLG), em total respeito às normas contidas no Art. 14 da Lei

7.805/89 e no art. 23, do Decreto nº 98.812/90, assegurando-se, assim, a continuidade

da atividade de garimpo artesanal, fundamental e principal atividade econômica da Vila

Ressaca;

À FUNAI

- Que conclua o processo de identificação e delimitação da Terra Indígena Ituna-Itatá;

À Defensoria Pública da União – DPU

- Que preste assistência jurídica aos deslocados forçados até o presente momento

considerando os reflexos sobre a manutenção dos modos de vida da população e seus

direitos, dentre os quais, o direito à moradia adequada, o direito econômico e os direitos

culturais das coletividades removidas;

Ao Ministério Público Federal – MPF:

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- Que investigue as denúncias de deslocamentos forçados ocorridos até o presente

momento e seus reflexos sobre a manutenção dos modos de vida da população e seus

direitos, dentre os quais, o direito à moradia adequada, o direito econômico e os direitos

culturais das coletividades removidas;

Ao Departamento Nacional de Produção Mineral – DNPM:

- Que o DNPM proceda à análise conclusiva e posterior comunicação aos postulantes

de todos os pedidos de lavra garimpeira protocolados e ainda pendentes em referência à

área artesanal lavrada na região;

Ao Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária – INCRA, Secretaria de

Patrimônio da União – SPU e Secretaria Extraordinária de Regularização

Fundiária da Amazônia Legal – SEFAL/SEAD/Casa Civil:

- Que a Secretaria de Patrimônio da União – SPU, o INCRA e a SERFAL/SEAD/Casa

Civil informem sobre a situação fundiária das terras na região, destacando a eventual

existência de decreto expropriatório de áreas para fins de reforma agrária, bem como a

situação detalhada da gleba Ituna;

- Que o INCRA forneça a este Conselho os dados do levantamento de terras adquiridas

pela Belo Sun na região, a partir do Cadastro Nacional de Imóveis Rurais – CNIR e

Sistema de Gestão Fundiária - SIGEF;

Por fim, cabe ressaltar a necessidade de que o Estado brasileiro cumpra com as

recomendações da CIDH, tendo em vista que foram exaradas medidas cautelares em

2011, em razão da demanda apresentada por entidades da sociedade civil em 2010.

Cumpre destacar a importância da CIDH para o sistema de proteção dos direitos

humanos e, nesse sentido, é salutar ao processo democrático de consolidação dos

direitos humanos no país que o Estado cumpra com as determinações da corte. Assim,

envie-se o presente Relatório à Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão – PFDC,

Procuradoria da República no Município de Altamira, Conselho Nacional de Justiça –

CNJ, Conselho Nacional do Ministério Público – CNMP, Comissão Interamericana de

Direitos Humanos – CIDH, Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos

Deputados e Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa do Senado,

Grupo de Trabalho de Direitos Humanos e Empresas da ONU, instituições públicas e da

sociedade civil de direitos humanos do Canadá, como Instituição Nacional de Direitos

Humanos do Canadá e Embaixada do Canadá no Brasil.