Religião e cristianismo(1 page)

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3ohan M. H. Konings Urbano zilles (organi zadores) RELIGIAO E CRISTIANISMO EDiPUCRS

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3ohan M. H. KoningsUrbano zilles

(organi zadores)

RELIGIAO

E

CRISTIANISMO

EDiPUCRS

Page 2: Religião e cristianismo(1 page)

Copyright de Johan M. H. J. Konings e Urbano Zilles

K85r Konings, Johan; Zilles. Urbano el aliiRelígiáo e CrUtianismo. Pono Alegre:

EDIPUCRS, 1997, 7, ed,

460P,

I.Religiüo - fílosofia 2.Religiáo - Hislória3

.Bibila 4.Cristianismo S.Escaiologia6

.Sacramcnlos 7,Monil crislá S.Religiáocomparada

CDD: 201 CDU: 22

209 236

220 26/28

230 265

234,16 241

241 241

291 291

ÍNDICE ALFABÉTICO PARA CATÁLOGO SISTEMÁTICO

l,Religiao:Filo.sona 291

2,Religiáo Comparada 291

3.Biblia 22

4,Crísliani,smo 26/28

S.Moral crista 241

6,Sacramenlos 265

7.Escalologia 236

DifÜOfSó: Mariane SchnddcrDiagrama{'üo'. Isabel Críslina Pereira LemosRevisao: Egon SlroehcrCapa: José Femando Fagundcs de AzcvcdoImpressao: Gráfiea EPECÉ. com filmes fomecidos

SUMARIO

I O FFNÓMFNQ RFIJCTOSO / 17

l.l - í) cni míi da nli¡;i.if) / 17

l.l.l - A inclulavcl religiao/ 17

1.1.2 - Tendencia universal dn htimcin /19

U . Que ¿ "rcligiao" / 231.

2.1 lOprobJcmaJiidcíinii,

'

.

'»)/ 23

1.2.2 - O senlidu do vocabulário religioso / 241.2.3 - Religiáp subjetiva c objcuyamcnic considerada / 26

1.3 - A funtc da rdigiao c a rcligiao como tontt i 2K

1.3,1 - Tcniativjs de rodu/ir a rcligiao / 2K1.3.2 - A fontc própria da rcligiSo c a sua linguagem / 35

1.

3.3 - A rcligino como fume / 4ft

1.4 - A CNlnituru racional da f¿ religiosa / 49

L Lüinu:ÍDnaLcjaciunal.¿_501.4

,2 - Transcender, itan-sccndenfio c imanéncia/ 50

1.4J Comciencia de limites J.Al1.4

.4 - Siluai,'ao-liinilc c experiencia da ininsccndcncia / 531.

4.5 . O scniidn das "provaü du cxiMcncm de Deus" / 54

1.5 . RcveUtio e proje ao religiosa / 551.5.1 - Revcla<;ao/ 55

1.5.2 - Proicyflo rclit-íosa c imaKem de Deux / 56

1.5.3 - Projcijjo pruvisória e fixayáü indevida / 57

1.5

.4 - Imagcm falsas c Imagern adequada dcDcus/ 58I < S . Cnnreitm lie rVm / M

1.6 - AlcÍMno e wularija ao / 65

1.6.1 - Rcsisiincias & lendéncia rcligiosD / 651.6

.2 . Rcligiáocciéncía/ 711.6.3 - Alctsmu c scculari/j ao / 73

1.6

.4 - Míslici ACCiiInrixias / 78

1.6

.5 - Ornaoconscfcnie/ 82

Diblioi-raria / 85

Xhlo Oní

W2Zy-PGt-YHPT

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2 - AS RELiGIQES / 89

2.1 Sinopsc da» rdigiócs / 892.1.1 - Classificagao pcrul / 89

2.1,2 - As reliEioes crisiíis / W)2.1

.3 . A siiuacSo mual das rdigiócs no mundo / 92

2.2 - Aspectos das grandes rvlIgliK* no mundo de hojc / 922

.2.1 . O mundo das rcligiocs pnmilivas/ 92

2.2.2 - O Univcrsismo chines / 94

2.2.3 - As ijratHlcs rcligiocs da India / 972

.2

.4 - As religioes monolcísius de origein sernflica / 102

2J - Rcligiao c rcliRÍócs no Brasil / 1082

.3.1 - A retigiao no Btasil / 108

2.3

.2 - A rclígiáo alro-brasileira / 1092

.3

.3 - O Espiritismo kardeetsm/III2.3

.4 - O Proicsiamismo no Brasil / 114

2.3.5 - O Catolicismo no Brasil / 121

2.4 - O «pecífíco do Crisliamsmo / 127

BlblioErana/ 132

3 - A TRADK:ÁO BÍBLICA / 135

3.1 - O feoomeno Biblia / 135

3.1.1-Um-bcsi-sellcr"/ 135

3.1.2 -Biblia uu biblioteca/ 136

3.2 - OrÍRcm c conlcudo dos üvros bíblicos / 137

3.2.1 - O Amigo Testamento / 137

3.2

.2 - O Novo Tesiamemo / 1513

.2

.3 - Os "livros escondidos" (apócrifos)/ 154

3.3 - Palavra de Deus ou palavra de homens? / 1553.3.1 - A Biblia cas ciencias/ 1553.3

.2 - "Lelra" c "c-spirito" da Bíbüa / 1603.3

.3 - Um livro fechado? / 1623.3

.4 - Qucm c digno de abrir 0 livro? / 1643.

3.5 - Como a Igrcja, hnje. considera a Biblia / 166

3.4 - A Biblia na vida do crisluo / 168

3.4.1 - A Biblia c os sacnmienios / 169

3.4

.2 - A Biblia e a liturgia / 1703

.4.3 - A Biblia no din-a-dia / 171

3.5 - OrienUifócs para a leitura da Biblia / 1713.5.1 - O Pentateuco/ 172

3.5.2 - De Josué al¿ o Exilio. Qs Profelas Anteriores / 1733

.5

.3 - O Exilio c scus profetas / 1743

.5

.4 - A volt* c u Resiaura Qo / 1753.5.5 - No lempo do Helenismo / 1763

-5.6-O Novo Tcslamcnto/ 176

Bibliografía/ 179

O HOMEM E A SALVA ÁO EM CRISTO / 185

4.1 - O homcm careóle de salvaqao / 185

4.1.1- Visiio bíblica do homcm/ 185

4- 1.2 - A insaiisfa áo do homcm hojc / 190

4-1.3-0 mal do mundo c sua esperanza / 192

4.2-A salvado em Cristo/ 196

4.2.1 - Como ií que Jesús Cristo nos salvou? / 196

4.2

.2- Cteioem Jesús Cristo/ 198

4.2

.3 - Salva ao integral / 202

4.3 - O hornera novo / 203

4.3.1 - O homcm ii pessoa / 205

4.3

.2 - O homcm é livre / 205

4.3

.3 - A gra a divina / 206

4.4 - A salva ao da coraunidade humana / 207

4.

4.

1 . Tensáo entre individuo c sociedode / 207

4.4

,2 - A saivai ao. realidade comunilária / 2124

.4.3 - Salvaifáo como IÍhcna(,'áo/ 214

4-5 - A salva ao crista conforme o Concilio Vaticano 11 / 218

4.5.1 - O mundo, o homcm c a sociedade hojc / 218

4.5

.2 - A perspectivo escaiológica: nova ierra c novo c¿u / 222

4.6 - A doulrina da Justificafáo e a íntai ao de Lotero / 223

4.7 . O Deus de Jesús Cristo / 2264

.7.1 - O homcm cm busca de Deus / 227

4.7

.2 - Deus cm husco do homcm / 232

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4.7

.3 . Dcus para os homcns / 236

BiblMgrafla / 248

5 - A IGREJA DE CRISTO / 253

5.1 . Unlao com Cristo e Povo dr Dais / 253

5.1.1 - Uniao com Cristo / 253

5.1.2- Pavo de Deus/ 256

5.2 . Vocafocs diversas na Igrcja / 2575 .1 - A hierarquia / 2595J.2 - Os leigos / 2615

.2

.3 - A vida consagrada: os religiosos / 2645

.2

.4 - A mulher na Igrcja / 2675

.2

. 5 - Estrulura c organizando da Igrcja Católica / 268

53 - A vacabao da Ierija: santifícalo oniversal / 27053.1 - Comunidadc de Salvofilo c ComunhSo dos Santos / 2705

.3

.2 - Universal idade ou caiolicidode / 273

5.4 - Breve historia da Igrcja / 2815

.4.1 - Significado da História da Igrcja / 282

5.4

.2 - A Igrcja no Mundo Amigo / 2845.

4.3 - A Igreja no Mundo Medieval / 287

5.4

,4 - A Igreja no Mundo Moderno / 2915

.4

.5 - A Igreja no Mundo Contemporáneo / 2955

.4

.6 - Um problema crónicn: Igreja e Estado / 298

5.5 - A renova ao da Igrcja na unidad* / 302

5.5.1 - A necessidade permanente de reniiva áo ' 302

5.5

-2 - A renovado hoje: Ecumcnismo e Unídadc / 303

Bibliografía / 307

6 . REALIDADES FUNDAMENTA IS NA VIDA DO CR1STAO / 311

6.1 . A fé, recepto da palav ra de Deus / 3116.1.

1 - A nao é falta de conhecimemo/ 312

6.1.2 - A fé¿ umalo pcs&ool c ínlcrpcssoal / 313

6.1.3- A dimensito social da fé / 313

6 -A ora ao/ 3146

.2.

1 - Orar/ 314

6.2-2 - Ora áo íornial / 316

6.2

.3 - Devo áo popular / 3176

.2

.4 - Devo ao aos Santos / 3186

.Z5 - A primeira dos Santos / 3196

.2.6 - Rezar pelas almos / 320

6.2.7 - Oraíáo de súplica / 320

63 . Os sacramentos / 322

6.3.1 -OBausmo/ 323

6.

3.2 - A CcHifirma aaouCrisma/ 330

63.3 - ComunhSo com Cristo c os irmios / 334

63.4 - O Sacramento da RcconciHa áo ou de Volia / 340633 - Amor que n3o monc / 3506

.3.6 - Chamado ao servido do Povo de Dcus / 36663.7 - Na enfermidade / 370

6.4 - A fé ativa na caridade / 374

6.4.1 - O duplo mandamcnlo do amor / 374

6.4

-2 - A fé c as obras / 376

6.43 . Amor c "amor"... / 377

Bibliografía / 381

7 - ÉTICA CRISTA HOJE / 385

7.

1 . Fundamentos da moral crista / 385

7.1.1 . A voca ao etico do homem / 386

7.1.2 - A alma da moral crista / 388

7.13-0 homcm chamado a hberdade / 390

7.1

.4 - Dignidadc do conscícncia moral / 392

7.2 - A transforma ao da moral pelo amor / 399

73.1-0 Evangelho c a Leí: os Mandamcnlos / 3997

.2

.2 - O Evangelho c os filósofos: as virtudes / 4037

.23 - O Evangelho e a moral do sceulo XX:o engajamemo cñslSo / 404

73 - Ética sexual e familiar / 4077

.3.

1 - A sexualidade. obra de Dcus / 408

73.2 . A finalidadc da distingo dos sexos / 4097

.3.3 - O *o conjugal / 4107

.3.4 - Algumas lescv sobre a cüca sexual / 412

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7.4 - Étka social / 415

7.4.1 Noyóes fundamcnlais/ 415

7.4

.2 - O problema social na tmtória / 4177

.4

.3 - A doutrina social da igreja / 4207

.

4.4 - Alguns principios de ética social / 426

7.4

.5 . Modos de exeiccr a catidade social I 428

1S - Ética profuñonal / 4307

.5.1 . Considcra 'óes gcrais / 430

7.5.2 - Exigfincias diversas / 431

7.5.3 - A profissáo como invcslimenio social / 432

7.5

.4- Servio aohomcm concreto / 433

7.6 - Ética do ambiente humano / 434

7.6.1 - Rcla ocN humanas e CnstíanÍMnii / 435

7.6

.2-Atieela/er/ 436

7.

6.3 - Urbaniza áo. A cidade do hnmem / 437

7 6.4 - Protc So do meio ambiente natural / 4407

.6

.5- CibcnuHica/ 441

7.

6.6 - Vida privada e manipulado do humem / 443

7.7 - Conclusao / 446

Bibliografía / 448

8 - NOSSA ESPERANZA: "DEUS TUDO EM TODOS"/ 4518.

1 - Amone/ 451

8.

2-OJuízo/ 4538.3 - A Ressurrci áfl e a reden ao da criarán / 455

8.4 - A fé cm Cristo como esperanza / 457

BibliograTia / 460

ABREVIATURAS E SIGLAS

Rrfen'm ias inientaa. - Introduzimos, em varios lugares no lextu. refe-rencias internas entre ( ); indicam o capítulo, artigo e parágrafo ondeo assumo cm quesiáo c Iraiado sob um outro ángulo, as vezes de ma-neira mais extensa; excmplo: (cf. 2.3-la).

Abreviaturas bíblicas. - Os Ilvros da Biblia sao referidos por meio dasseguinies abreviaturas, seguidas pelo número do capítulo e dos versí-culos.

Abd - Livro de Abdias

Ag - Livro de AgeuAm - Livro de Amos

Apc - Livro de ApocalipseAt - Atos dos ApóstelosAT - Antigo TestamenloBar - Livro de Bamc

Col - Epístola de Paulo aos Colossensesl/2Cor - I" e 2' epístola de Paulo aos Coríniiosl/2Cron- I" c 2''livro das Crónicas

Cünl - Cántico dos Cánticos

Dan - Livro de Daniel

Dt - Dcutcronómio

Eclc - Eclesiastes (Qohelcl)Eclo - Eclesiástico (Siráciüa)

Ef - Epístola de Paulo aos EfésiosEsd - Livro de Esdras

Est - Livro de Ester

Ex - Livro do Exodo

EZ - Livro de EzequielFlm - Carta de Paulo a Filémon

Flp - Epístola de Paulo aos FilipensesGal - Epístola de Paulo aos CálalasGn - Livro do Génesis

Hab - Livro de Habacuc

Hb - Epístola aos HcbrcusLs - Livro de Isaías

M

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Jdl - Livro de JudileJer - Livro de Jercmias

Jl - Livro de Joel

Jo - Evangelho de JoaoI/2/3J0 - I', 2' c 3" epístola de JoaoJó - Livro de Jó

Jon - Livro de Joñas

Jos . Livro de Josué

Jud - Rpístola de JudasJz - Livro dos Juizes

L;im - Lamentavóos de JeremiasLe - Evangelho de LucasLev - Levítico

I/2Mac - I" e 2" livro dos Macabeus

Mal - Livro de MalaquiasMe - Evangelho de MarcosMiq - Livro de MiquéiasMi - Evangelho de MateusNa - Livro de Naum

Ne - Livro de NeemiasNT - Novo Tcslamenlo

Núm - Livro dos NúmerosOs - Livro de Oséias

l/2Pdr - I* e 2' epístola de PedroProv - Livro dos Proverbios

Rom - Epístola de Paulo aos Romanosl/2Rs- l"e I" livro dos ReísRu - Livro de Rule

Sab - Livro da Sabedoría

l/2Sam - I" c 2" livro de SamuelSI - Livros dos SalmosSof - Livros de Sofonias

lOTes - I" e 2' epístola de Paulo aos TessaloniccnsesTg - Epístola de TiagoTi - Epístola de Paulo a TiloI /2Tim - IJ e 21 epístola de Paulo a TimóteoTob - Livro de Tobias

Zac - Livro de Zacarías

12

PREFÁCIO

Com sulisfa no aprese mamo,1; esle livro que nasecu como sub-sidio aos alunos c professores de Cultura Religiosa na PUCRS, nadécada de 1970. como lambém a todos os imeressados em esiudo

objetivo da religiao e do CristiunisiiH). Foi redigido pelos professoresDadeus Grings. Adelino G. Pilonetto. Otto Skrzypczak (falecido).Hgon A. Slroehcr. Carlos A. Zagonel.

Urbano Zilles c Johan M.HJ.

Konings, sob a eoordena áo dos dois últimos.O livro teve seis ediíoes e diversas reimpressoes na época

com urna tiragem global de mais de 42.000 exemplares. Apesar dereiteradas solicítu ócs por parte de leitores e livmrias. saiu de circula-

ao com o objetivo de fazer urna revisao e aluali/a ao,O leitor notará que o presente livro é um trabalho de equipe, o

que se revela no legítimo pluralismo de enfoques e interpreta oes dofato religioso e dos dados da íé crista. Resullou da prútica do ensinode Cultura Religiosa na PUCRS. O programa enlao adotado pelo de-partamento responsavel estabcleceu urna primeira etapa, tratando dofenómeno religioso em geral. tendo scu ponto culminante na tradi aobíblica; e urna segunda etapa, tratando especincamente do Cristianis-mo e da prútica da vida crista no mundo hoje. Estt programa, testadona pn

'

itica, oríginou o título do presente livro: Religiao e Crisiianis-mo. Temos consciéncia de que esta estrutura implica urna certa inler-prela áo. De fato, o Crisliaitismo aparece, assim, como urna das mui-tas expressóes do fenómeno religioso, aínda que a i»ais perfeila aosnossos olhos. Achamos que esta maneira de ver conefiz com a realida-dc hnisileira. que, apesar das aparéncias. nüo só ó urna silua ao do

catolicismo homogéneo e universal. Corresponde, outrossim. a dou-trina novamentc confirmada pelo Concilio Vaticano I!, de que lam-bém ñas outras religioes e na sincera procura da verdnde existe umacesso a Deus. Digamos, porém. desde o inicio, claramente, que estelivro c redigido de um ponto de vista cristao. católico. Consideracomo plenítude da dimensao religiosa no homem e no mundo a mani-festai;Ao de Deus no "filho do carpinteiro" de Nazaré. Isso nüo impe-

13

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de, ao nosso ver, que nao-católicos enconlrein, nesle livro, análises econsideratoes válidas também deniro de sua cosmovisao.

Evitamos a apologética militante, convencidos de que umpcnsamcnlo válido nSo precisa de publicidade. Evitamos, tambem, oproselitismo. Expomos a visáo crista soba* a rcligiiío. its rcligiócs. ohomem e o mundo cm simples objetividade. dcixando a aprecia áo aoleitor. O livro coloca-se na perspectiva da "cultura religiosa", isto é.quer apresentar o dado religioso como materia de cstudo c reflexílo.Scu primeiro objetivo é informativo: quer oferecer ao leitor dómenlosbásicos, refletidos em nivel universitario, do fenómeno religioso e desuas conscqücncias sócio-culturais. compleiiKnlando assim a culturageral que se espera de cada académico. O segundo objetivo éfornuiii-vo: quer proporcionar categorías e conccilos que permitam ao indivi-duo cicntificamente formado c a sociedade rcfletirem sobre a dimen-

sao transcendente da vida e expressarem-na no nivel da sua cultura. Aalitude básica do leitor será, portanto. o espirito verdadeiramente in-telectual de abertura mental c investigatao crítica. Que. alcm disso. olivro atinja também o núcleo das conviegóes pessoais c pnxJu/a urnaconsolida ao dos mesmas ou. se preciso, urna mudanza de nwntalida-de. c um objetivo mais remoto, mas. nao obstante, o nosso profundodesejo.

Quanto ao uso didálico deste livro, advertimos que os textossao destinados a proporcionarem ao leitor urna símese bastante com-pleta. que as aulas na Faculdadc, por seguirem uma dinámica dife-rente, difícilmente podem dar. Quando usado em sala de aula, o pro-fessor deverá escolher entre a multidáo de assuntos os mais direta-

mente relevantes para a situa áo didática em que se encontra e apro-fundá-los em continuidade com a linha geral da obra. Tal escolhaimpóe-se também pelo fato de as varias coniribuí Óes deste livroapresentarem uma forte oscilaíüo no grau de dificuldade ou no tipo delínguajar, ora literário-humanístico. ora filosófico ou teológico, oravoltado para o campo das ciencias exatas ou naturais. Mus como qua-se todos os pontos importantes sao tratados de varias maneiras c sobvarios ángulos, tal escolha pode ser feíta sem comprometer a visáoglobal que o livro quer proporcionar. Insistimos na utiliza áo dossubsidios para a leitura: as referencias á Biblia e a oulros parágrafosdo livro. as notas de rodapé e as bibliografías, destinadas tanto aosalunos como aos professores. Estes instrumentos sao, as vezes, indis-pensáveís para a reta compreensao e aprofundamento.

14

Enfim, esperamos que este livro seja um estímulo pura o estu-do e a rcflcxao dos académicos, também náo-cutólieos, em torno do

que significa procurar Deus e ser homem á luz do Evangelho de JesúsCristo.

Os organizadores

15

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!

1

O FENÓMENO RELIGIOSO

Qiumdo se fuiu em rcliyitlo. militas pcssoas se referem ímedi-alamenlc a certas prúlicas ou pontos de doutrina e moral que ovupantum lunar de deslaque, muilas vczes indcvidamcnte. na religián de SUúperten a ou de sua edura tio. Em lal clima é extremamente difícilexercer urna ahorda em objetiva e sincera deste assunlo. que apesar(ou por causa?) de sua prohlematicidade ocupa um lunar láo impor-tante tanto ñas conversas como ñas puhlica des. Por isso nos propo-mos uma ahordagem lila geral como possível. prescindindo das for*mas de religiáo que os leñares concretamente praticam. Trataremosde esludar, em primeiro lugar, o fenómeno religioso em si. emhorando de maneira abstraía e sim, de maneira fenómenológica, i.é. exer-i tndo uma leitura significativa daquilo que aparece a nos coma reli-giáo.

1.1 - O enigma da religiao

I.J.l - A inelutável religiao

"

Dcpois de aigunuis pcrguiila.s bañáis, dirigiu a conversa aoem parle para nossas biografias, em parte para a polílíca. Por uma nuouira razao, nao lembro qual. mencionei urna prece do recénv falce idoPresídeme Rooscveli. publicada cnlao cm nossos jomáis, e fiz o sc-guinte comentário. como se se Iraiasse de coisa clara como o dia;'Bem. isso nao passa de catolice.' - "Por qué?', inquiriu. 'Por que naoadmile a ideia de que um estadista possa ser um crenie sincero?

'

Nada

mais foi dito. Mas quem havia Talado? Rru surprcendente ouvir taispalavras de um sujeilo nascido em 1923. Eu poderia ter replicado comurnas quantas frases presun osas. mas minha confianza já vacilava naprisao e. sobretudo. existe cm nos um inexplicávcl sentimcnlo de que

17

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a vida independe de nossas convie oes. Iluminado por essa sensa áo.compreendi que (al frase nao exprimirá minha convie áo. que lal frasefora depositada em mim do exterior. Sem saber o que responder, cuIhc perguntei: *E vocé. acredita em Deus?' - 'Naturalmente', respon-deu-me com sinceridade."1

Este episodio de Arquipélago Guian de Soljeníl/in tradtiz ma-ravilhosamentc o enigma que surge para tantos dos nossos contempo-ráneos: como pode o homem moderno, embora "devesse saber me-

Ihor". acreditar em Deus? F. por que tem esta fé algo natural e irresis-tfyel? O jovem Gammarov, com quem Soljenítzin leve a citada con-versa na prisao moscovita de Butirki ao fim da Segunda Guerra Mun-dial. nascera ORI pleno comunismo, fora educado na mais completanegav'ao de Deus e da religiao, no mais pronunciado materialismo: cnium comunista convencido - mas acreditava "naturaímenle

"

em Deus.

Ao pomo de envergonhar o autor, que linha encobeno as suas antigáslembran us religiosas sob frases cínicas, mas que nao eram suas. c"

foram depositadas" nele "do exterior".O positivismo de Augusto Comte (1798-1857). o naturalismo

de Friedrich NietZSChCj I I844-I(K}())1 e ale ceños radicáis que achampoder conservar a mensagem de Jesús Cristo sem crer em Ocus (cf.IvMd). proclanum "a monc de Deus". "A historia, emretanto". es-cruve o teólogo independente Ruhem Alvcs. "parece que se deleita emzombar de nossas previsoes científicas. Quando ludo parecia anunciaros funerais de Deus e o fim da religiao. o mundo foi invadido por uníainfmidadc de novos deuses e demonios, e um novo fervor religioso.que dcsconheciamos totalmente, lamo pela sua intensidade quantopela variedade de suas formas, encheu os espatos profanos do mundoque se proclamava secularizado. 'A chuva dos deuses cai dos ecus

sobre o túmulo de Deus que sobreviveu a sua própria scpullura. Atcuslém seus santos c blasfemos constroem templos'."" Quando menos seespera, a religiao surge lá onde a gente a supunha erradicada. Comona hrincadeira: "Sou aieu, grabas a Deus

"

... O prefeilo mavon pedeum ato religioso para a Semana da Patria, o estudanie materialistaquer urna missa no dia da formatura, e o ateu. visitando o túmulo deseu pai. faz um sinal da cpj/,... Hssas observa ocs, mais do que urnaanálisc da vida dos rnonges, nos indicam um inicio de resposla para"o enigma da religiao

": ha ceños momentos e circunstancias na vida.

1 SOUENiTSIN. Alejandre. Arquipélagn Óiikg, StQ Puulu. DIFEI- 1975. p. 575.: ALVES. Rubcm. O oi md th 'vhfiáu. Pctiójxdi»: Vo/cs. 1975. p. 10.

18

em que o homem colhe para isso os gestos que independem de qual-quer instancia humana, exatatnenle como uquilo que quer exprimir: o"algo i ncompara ve 1

"

da Patria, da entrada na vida profissional e, so-breludo, da morte. Hscolhe, apesar da sua filosofia, a religiao ..

LL2 - Tendencia universal do homem

"O que loma a religiao mais enigmática aínda é o falo de que.apesar de nao entender as suas origens - ou precisamente por nao cn-lendc-las - o homem nflo consegue se desvencilhar do seu fasefnio. Narealidade. nao se lem noticia de cultura ulguma que nao a tenha pro-duzido. de urna forma ou oulra."' Deixando para mais adianle o cui-dado de dcscrever quais sao as formas de retigiSo que a nossa socíe-dade do século XX críou. podemos ilustrar esta afirma áo de RubemAlvcs por OUCTOS Icsleruunlios. colhidos da historia. Constalatnos quea humanidade, no decorrer de toda a sua existencia e em todas as la-

titudes de sua difusáo pela (erra, eré em algo irredulível ao profano. Édifícil exprimir em que consiste este algo. Pode, de modo gcral. serchamado de "divindade" ou "santo" (cf. 1.3.2).

Basta citarmos alguns lestemunhos, para fixarmos o fato. Cf-cero (séc. I a.C.) se interroga: "Onde existe um povo, onde a familiahumana que antes de qualquer outra ciencia, nao já possua urna no aode divindade?" \i responde: "Nao há povo tao primitivo, lao bárbaro,que nao admiia a existencia de deuses. ainda que se engañe soba* asua natureza."4 Cicero atesta, pois, em sua época, que sobre a existen-cia de Deus ou deuses nao paira dúvida. O problema apenas é saberquem é Deus. qual sua natureza...

Plutarco (50-120) inculca ainda mais incisivamente a crem,"!

em algo (ranscendente, como universal entre os homens; "Podereis

encontrar tima cidade sem muralhas, sem edificios, sem ginásios. semleis, sem uso de moedas como dinheiro. sem cultura das letras. Mas

um pOVO sem Deus. sem onn, jo. sem juramenlos. sem ritos religiosos,sem sacrificios, lal nunca se viu.

"

E para confirmar esia observa ao do lempo antigo. Máximode Tiro pede que se preste aien au a um falo curioso: "Vós vc-los-cisque aqui eslabelecem urna coisa. além oulra; e nüo só de povo para

' O/i. < ¡i.. p, 7.' CICERO. De S'aiura Üeomm II. 4.'CIlBdo por üAETANI. PRncetto M, Dim Listwu: Sampcilro. 1961. p.

.

41

19

i.m i.

..

üflrflifoda

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povo. de cidade para cidade (...) este acordó e difícil, porque acontecemullas vezcs que o homem nao se poe de acordó consigo mcsmo. E.no cntanto. nesie lao grande e variado panorama de opiniócs. lodas asleis e pareceres acordam nesle ponto - a exisléncia dum senhor e paide todas as coisas. O grcgo e o bárbaro, o habitante do continente e ohabitante das ilhas confcssam com urna so voz a existencia de Deus."6

Islo dlziam os amigos, praticamenie todos politeístas. Dirá al-guém que eram primitivos e subdesenvolvidos. Se entío dermos umsalto para o sceulo XX, constatamos que a meiade da humanidade seprofessa monoteísta e mais da ter a pane adere a religiao crista (cf.2.1.3). Se houve pois uma cvolu ao, esta se fez no sentido de um me-

íhor monoleísmo, nao obstante a novidade de muitos se dizerem ateus.

Para perceher melhor a situa üo de nossos días, citemos al-guns contemporáneos, especialistas no assunto. Max Scheler (1874-1928): "Há uma leí essencial; todo o espirito finito ere ou em Deus ouem um ídolo. Dcsla leí se deduz a seguinle regra de pedagogía religio-sa: o caminho pelo qual deve ser eliminada a chamada incredulidadenao é o de levar extemamenie o homem a idéia e a realidade de Deus

(seja airavés das chamadas provas, ou por persuasáo). mas o da de-monstra Ao (que é possfvel. com seguranza, a partir da vida particularde cada homem e de cada ctasse destes homens) que cíe colocou umbem similar cm lugar de Deus, ou seja. na esfera do absoluto de seumundo de objetos; esfera que. como tal. Ihe está 'dada', de que eleidolalrou. como queremos dizer. esie bem de que se enamorou. Le-vando assim o homem a desiludir-sc de seus ídolos, após os ler mos-trado (ais. alravé.s de uma análise de sua vida, o conduzimos simulla-

neamente a idéia e a realidade de Deus. Assim, o primeiro e únicocaminho que pode criar uma disposi ao para uma transformado reli-giosa da personalidade c o caminho que denominei 'dcslrui áo dosídolos'... A descren a em Deus. ou melhor, a alueina áo persistente,que leva a pdr um bem similar cm lugar de Deus (como o Estado, aarte, uma mulher, o dinheíro. a ciencia, etc.) ou truliHo como se fosse

esta causa, se despoja o homem do véu, que oculta á alma a idéia deDeus; e se destrói o ídolo que ele colocou entre Deus c ele mesmo. oato religioso, que havia sido desviado, volla por si mesmo a seu objetoadequado. formando-se a idéia de Deus."'

" Op* cii p. 42.7 SCHELER, Mu*. Vtm Knixen un Mensrlien. Berlín, 1953. p. 281.

20

!

Para confirmar esta idéia. citemos ainda um comentarisla de

Dosloiewski: "O homem se inclina sempre: se nao ante Deus,ante um

dos ídolos que se criaram no Ocidente. que deixou de ser crislao; anlea for a, anle o Estado, anle a ra a, anle o capiial. B quáo moríais saoestes deuses."*

Há, pois. algo estranho no homem: uma tendencia irresistívelpara o Absoluto leva o homem a ser espontáneamente religioso.Hellpach. psicólogo da religiao. nos ajudu na reflexáo: "O falo de queos povos. por diferentes que sejam suas condi oes de exisléncia eapesar de lodos os entrechoques com o enlumecimenlo eclesiástico dareligiao, nao a lenham abandonado, mas que tenham surgido novasreligioes em lugar das vclhas, ou religioes renovadas junto fts enve-Ihecidas; o falo de que, depois de épocas de dissolu áo do livre pen-samento

, indiferen a amarradora, ou desfigura áo supersticiosa, cadavez as auténticas forjas religiosas se tenham despenado com maisviva energía e lenham fascinado os homens. esle falo da experienciada história dos povos loma evidente que as forjas elementares danatureza humana, aqui alivas. sao indestnilíveis."'

Jimg, com sua longa experiencia de psicólogo, atesta: "Entrelodos os mcus pacientes de mais de irinta e cinco anos,

nao há ne-

nhum cujo problema definitivo nflo fosse o da religo ao religiosa. Araiz da enfermidade de lodos está em tercm perdido o que a religiaodeu a seus crentes, em todos os lempos; e ninguém está rcalmcniecurado enquanlo nao liver atingido, de novo, seu enfoque religioso."10

Siegmund. oulro cspecialisln em psicologia da religiao de nossos días.demonstra que existe uma inlranqüilidadc humana que leva paraDeus. Descobre-o tanto na lendéncia para valores absolutos, como natendencia para a autorealiza áo. Destaca uma pesquisa dirigida a in-telectuais do mundo inleiro. A pergunta: "Cré o senhor que a fe nodesenvolvimenlo do mundo é conciliável com a fé num Criador?".

142 responderam que sim: 52 manifestaram dúvidas c apenas 6 disse-ram que nao. Entre estes últimos se cnconira Pavlov. célebre psicólo-go russo. Mas ele leve a fineza de acrescentar. como anotado pesso-al, o seguinle: "Minha resposta, tomada em geral, nao quer significarque minha atitude frente á religiilo seja negativo. Pelo contrúrio. Naoconsidero minha falla de fé como uma vantagem,

mas untes como

STEINBlJECHEUThcodur.r/iri.«/rc/ií'¿r/v/uW/üíiííf/I Fronkfun, 1949. p. 177.' HELLPACH, Willy. Vehenichlder ReligumspsycholoRie. SluUgart. 1951. p. 78.

JUNC. Cari GusUv. Psychologie Jes Cotiesglaubens. Zurlch. 1940. p. 9.

21

Page 11: Religião e cristianismo(1 page)

urna desvaniagem para mim pcssoalmenie. em compara ao coni osque tcm fé.

" 1Chcgn-sc, pois, á conclüNÜo do que exisle, no homem. unía

especie de tendencia religiosa natural, pela qual espunianéamemetende para Dcus Explica-sc. cmáo, que o homem primitivo, por viverao sabor de suu nature/a, é mais espontaneameme religioso do que omoderno, sofisticado pela cultura. Alguns acham até que p priiniiivofosse mais religioso por nao ser capaz de dominar o chamado"instinto religioso", lista, porcm. nao ¿ a explicayao certa. A dileren aentre um instinto e urna lendóncia huinana é: a liberdade diante do

objeto. Esta liberdade exisle tambéni na rclipiao do primitivo; per-ianto nao é um instinto. O primitivo também é capa/, de recusar a reli-giosidade (embora nao impunemenle). A religiüo é (lalvez o primeiro)produio de cultura. Mas o primitivo é menos

"protegido"

pela estnilu-ra anestesiante do bem-estar material e, portanto. mais scnsívcl asdimensocs básicas de sua existencia. Também nao se pode dizer que oprimitivo precisasse da religiáo para explicar ou defender-se contra asforjas da naturcza, pois o moderno sabe tampouco explicar a origemda energia do universo: e o primitivo é, muitas vezes. mais "dono" desen mundo do que o homem da era técnica,

Constatando que a religiáo nao evoluiu do "primitivismo"para a modemidade, mas apenas mudou de forma, devemos perguntarse a religiáo, nao sendo um instinto, será urna tendencia universal dohomem. irredutível a qualqucr outra tendéncia ou necessidade. CariGustav Jung (1875-1961) adverliu que a razáo principal da superocu-pa áo dos gabinetes dos psicólogos é a repressao da tendéncia religio-sa. Parece que sem a religiáo o homem nao consegue orientar a suavida. Observa J. Necdleman com referencia á "renasecn a oriental

"

nos Estados Unidos c em outros países ocidentais que o homem mo-derno, em vez de alimentar seus desejos, compaliveis a animáis voru-zes c nunca satisfeitos. deve transformar e unificú-los, tárela na qualas religioes (c nao apenas as orientáis) o ajudam.1' Parece, pois, que auníversalidade da religiáo lem a sua raiz na própria esinituraváo dapessoa humana, que ela ajuda a realizar.

Poderíamos completar estas observa óes por urna desenváoda "invenlividade religiosa" do homem das nossas grandes cidades do

" SIEGMDNIX Gwrg fyydtotúgít 4u Goiiesgliuihem, MUnsierscliw.ifMtli: Vicr-Türme-Vcriag, 1965. p. 48s.

a NEEDLHMAN, Jacob. A* mntit ntígiSa. Rio te Janeiro: Ancnova. 1975. p 23.

22

século XX. Trata-sc, gcralmenlc, de realidades que nao trazcm o ró-tulo de religiáo, mas que sao veneradas como se fossem objetos reli-giosos. Isso moslra que, mesmo sem objeto adequado. a tendénciareligiosa se revela também no cidadáo das nossas melrópoles. O pro-gresso material e o sexo, por exemplo, sao para muitos dos nossosconicmporáneos realidades "absctlutas

"

. que nao podem sofrer limíta-áo. Ou entáo, em outras panes do mundo, as ideologías políticas, que

assumiram um caráter sacrossanto. Nao é aquí o lugar para analisar obem-fundado deslas "diviniza oes" (cf. 1.6.4). Notemos apenas quecla> confirmam a "impossibilidade da religiáo".

1.2 -Quoé'Teligiáo"?

1.2.1 - Oprobíenla da defmi ao

Quem procura, nos grandes dicionáríos teológicos, urna defi-nifao de religiáo. se senté logo desanimado. "A definiv'áo do conceitoe da esséncia da religiáo é um problema praticamenle insolúvel

"

,

pode-se icr em vários deles." Talvez seja possível. entáo, definir areligiáo a partir de urna desen áo dos fenómenos que se apresenlamsob este rótulo. Nao poderá ser, poréni, uina descrí áo puramenteexterior. As práticas e cren as que se apresentam como religiáo saoláo diversas que dificilmcnle se descobriria um denominador comum.Dcvcrcmos operar unía dcscri áo do fenómeno como portador c re-velador de urna significa áo, de unta inten áo interior. Tal descri áocbama-se /erwmatológica c deveni revelar a intenváo profunda quedetermina a significaváo última (o (ogos ou ruzao) do fenómeno reli-gioso.

Para ilustrar que nao se trata de procurar um denominadorcomum das aparéncias da religiáo. basta lembrar alguns cxcmplos.Um católico baiano acha-sc muito religioso quando faz muitas pro-messas e romanas. Um holandés, igualmente católico, vé nisso urnaespécie de degenera áo do cristianismo. Para ele, a religiosidade si-tua-se multo mais na reflcxáo sobre a doulrina e a Sagrada Escritura, cna estrila observancia das regras moráis da religiáo. Estas difereiiíasconstatam-se entre duas formas da mesma confissáo católica do crisli-

Cf. Dir Rrligioa m Ceschirhle Uñé Gcgenmirr. .V Aull Tuhingcn: Molu. 1965.vol. 5. col. 968. UMkm fiír Theohgtt uml Kirche. 2. Aun. Freiburg i/B.: Hoder,1963. vol. 8. col. 1164.

23

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anísmo. Que di/er enlúo quando se (rata de duas religióes dislanles?Por cxcmplo. como comparar um budisia procurando o Nirvana, aausencia de sensa óes. com um niciudisla hiperaiivo dos EstadosUnidos ou um anímista africano tratando de cncaniar as forjas danatureza? Mesmo o alo de rezar é objeto de coniradi áo. Algunsacham que rezar exige um reiiro. fora do mundo; ouiros acham que aexecu áo das tarefas cotidianas com doa áo e responsabilidade é amclhor ora ao. Onde e tá o denominador comum?

1.2.2 - O sentido do vocabulário religioso

Urna das caraclcrísiicas que "fazcm o homcm". o tomam dife-rente do animal, é a linguagem. Já o velho mito de Adao no Paraísonos mostra esta verdade: só ele, c nenhuma oulra criatura, pode impornomes a todas as coisas e aos animáis e conforme cíe os chamou.

assim sao na realidade (Gn 2.19). Em oulras palavras. por sua lingua-gem o homem dá sentido ü realidade. O que "nos diz algo

"

,na reali-

dade no-Io diz porque nos Ihc 'damos a palavra"... O que nunca rece-beu um nomc, nao nos diz nada.

Kntáo. quem sabe, a religiáo será o que o homem a diz ser. oque está no seu nome? Ñas línguas latinas temos o vocábulo"religiáo"

. Duvida-se a respeito de sua origem. Lacláncio (250-317)derivou-o de re-ligare, "religar", sugerindo o la o entre o homem c adivindade. Com mais probalidade. porém. Cicero pensa que a orígemtenha sido re-legere. o que poderia significar "rclcr"

. Icr de novo.

aprofundar (significaría entáo a interioriza áo. o recolhimcnio): oucntáo. "reunir, recolher

"

. conforme o sentido original de legere,"colher

"

. Este é o sentido mais provável. Ainda no latim medievalreligio significava antes de ludo a comunidade dos adeptos de urnadeterminada espirilualidade. Religiáo seria, portanto. uniáo, reuniáo,unidade. comunidade." Sena "a" comunidade. aquela que mais doque qualquer oulra merece este nome. Na antiga Roma a religiáoidentíficava-se, praticamente. ora com a familia, ora com o estado.resultante das familias. No Oriente semítico coincidía com a tribo, o

cía. Por i.sso. a Biblia fala do Deus de Abraáo. de Isaac, de Jaco. etc.

(Ex 3.6). Mais larde, a religiáo coincidía com o povo hebreu na suatotalidade. a "reuniáo" das dozc Iribos. Chamava-sc qahal. o que na

u Para mcmorÍHir esta aimolofia podc-sc pensar no icnno leetan. que significa urnacolc ao de soldados RrUguúi: colegio organizada de crcMes.

tradu áo grega da Biblia se lomou ckklésia (convoca ao. assembléía)e

. através do latim. foi conservado em portugués sob a forma alteradade "igreja". "Igreja" significa portanto "assembléia".

A identidade primitiva da religiáo com a comunidade naturalconstata-se ainda cm quase todos os povos ditos "primitivos

"

, mas

lambem em países em via de dcsenvolvimento. No Marrocos. porcxcmplo. é praticamente impossível um autóctone nao ser muíulma-no. Knlrc os aulóctones. os cristáos sao. muitas vezxs. musulmanespara fins sociais... "Minha religiáo é o Isla", coniou um deles, "masacredito em Jesús Cristo. Náo há maior e mais verdadeiro do queEicr

Este exemplo mostra que a consciéncia religiosa coincide coma conscícncia social, mas só at¿ um ceno ponto. A coincidencia daconsciéncia religiosa e social era urna das caracieríslica.s da cristanda-de medieval e o é. ainda hoje. do catolicismo popular em muita.s reli-gióes da América Latina. Mesmo numa sociedade pluralista como ados Estados Unidos era, ate hú pouco. quase obrígafáo social "ter urnareligiáo

"

. pouco importa qual seja. Um aleu parecía anli-social. Areligiáo era considerada como o núcleo firme da comunidade políticae social, por si mesma exposta a mudanzas imprevísíveís por causa derivalidades, guerras, caláslrofes. ele. Deus era a fortaleza da na áo.

A desintegra áo desta unidade de sociedade c religiáo é umfenómeno bástanle recente. Manifestou-se de maneira clara na épocada Revolu áo Francesa. Naquele momento, dízem uns. o Estado cor-tou o cordáo umbilical que o ligava á Religiáo (náo sem saudades damac. pois logo quiseram introduzir uma nova religiáo, a Religiáo daRazáo e do Estado...). Oulros acham que foi a Religiáo que, final-mente, ficou livre do jugo político (também náo sem saudades). Ofalo é que hoje cm día, no mundo ocidental. a comunidade natural náoé o determinante mais forte da religiáo.

Isso é possível porque o aspecto comunilário é só um aspectoda religiáo. No ámbito das línguas anglo-saxónicas e germánicas, aterminología religiosa revela um aspecto mais pessoal. Além do vocá-bulo emprestado Religión encontramos, no inglés, worship(vencra áo. culto), no holandés e no alemáo godsdiensX ou Goiresdi-eiuf, "servido de Deus

"

. Também no mundo árabe o aspecto pessoalaparece mais na terminología: islam significa

"abandono"

. O termo

hindú veda sugere, o saber ritual e a religiáo da China tem como ter-mo central tao. "caminho

"

. que era também o termo distintivo dos

24 25

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prhneirus crislaos (cf, Al 9.2; 19.2,23. ele). No crislianismo aluul. oicrmo mais adequado para Indicar a atiludc religiosa pessoal c "fe".

Estes icriHos pcrmiiem-nos iniroduzir no fcnAtHcno religiosourna prímeira distingue, a dislin ao entre a te como realidade social ca fe como realidade pessoal. Nao c preciso insistir no falo de que, nomundo ocidenlal de hqje. o segundo aspecto seja lalvez acentuado demaneira unilateral, mus felizmente eslá surgíndo urna rea áo numsentido mais comunitario. U importante que a religiáo tenha ambosesles aspectos. Se a relígiao nos une com Aquele que susicnia lodo oser (aspecto pessoal). cía nos une lambém. necessariamente. com lo-dos os que se uncm com Ele (aspecto comunitario).

Por outro lado, a distinvao c imponanlc lambem, porque podeacontecer, e a historia mostra que sempre de novo acontece, que al-guém deva professar urna forma de fe diferente üa que confessa acúmunidade, o que geralmente significa que ele constituirá urna novacomunldade. I- o caso da maioria dos genios religiosos, inclusive, doproprio Jesús Cristo. Esta distin ao explica lambém que alguéni podepassur de urna relígiao para outru.deixar a comunidade religiosa emque se criou e se orientar para outra, sem sentir remorsos e se lomarneurótico.

A relígiao pessoal nao ú pura e simplesmente um produlo daimposi ao social. Mas esta é lampouco a resultante das alitudcs reli-giosas individuáis. Num certo sentido, a religiáo comuniláría procedea individual, porque ¿ da comunidade que o homem recebe as pala-vras necessárias para definir seu senlimcnlo religioso. O homem na.scena reügiao como nasce na língua. Ninguém aprende a falar só. A lin-guagem ó cstmtura social. Ora. nao há rcligiüo sem Hnguagem. semurna "palavra fundadora

"

para indicar a divindade: o "mito" (cf.1,3.2). Além disso. o homem precisa da comunidade para dar um sen-tido ii sua vida. Nao tem sentido para mim o que nüo o tem para conosoutros também. Esta constante necessidade de confirmu ao faz comque a atitude mais pessoal do homem. sua liga ao ao Transcendente.seja. ao mesmo lempo, sua atitude mais social.

1.23 . Religiáo subjetiva e objetivamente considerada

Urna distin üo que se entrocniza com a precedente c a distin-g8o entre o aspecto objetivo c o aspecto subjetivo da religiáo. Possoanalisur o que a religiáo significa para mim. como sujeito (aspecto

26

subjetivo) e o que ela significa cm si, fora de mím. como objeto dapercep áo minha c dos QUtrOS la.specto objetivo).

al Rcliyiao siihjfíivamenie considerada seria,cntáo. a atitude

de abandono, de entrega e de compromíssn do homem oríentando-scpara u divindade; ou também, em certo?. casos, que ciilicaremos maisadianto, medo e alé terror ante 6 Transcendente. Para a atitude religio-sa subjetiva na prímeira forma pode-se ulili/iir o termo de "ade&ao"

e.

mclhor aínda, de "fe", vindo do latim fules e significando, ao mesmotempo, confianza e fidelidade.

hl Kt-liguin obji'iivaiiii'/Uc considerada indicaría a inslilui<;aoque propóe uma órenla formulada idoutrina. doymu). uma regula-menta áo de prálicas religiosas (liturgia, riros). o uma etica comum(moral). Este aspecto impede que o senlimcnlo religioso se dissolvaem sentimentalismo individualista e incoerentc, reforja o lago com acomunidade o fundamenta-so. em última aniílíso, no falo de o homem

ser uma "existencia situada" num determinado contexto histórico.'

Como o aspecto social e individual, também o aspecto objeli-vo o subjetivo silo "dialélicos". isto c. evocam-so mutuamente, como

num diálogo, sem que um possa ser redu/ido ao outro. Nao se redu-zem á mesma realidade, Alguém pode, por algum tempo. rejeilar urnacerta forma de religiáo objetiva. p,ex. o catolicismo, som perder a fésubjetiva como adesao a Deus. Mas os dois uspeclos evocam-so mutu-amente Ü homem do nosso cxomplo procurará, logo ou lardo, algumaforma objetiva para encamar a sua fé. Sem instilui iío objetiva, a reli-giáo loma-so hermética, incomunicável. arbitraria e. finalmente, des-vanecc-so ou conduz á neuroso, loma-so uma prísáo em vez do umcaminho. B sem a paixáo subjetiva do individuo, na sua mais íntimaporsonalidadc. loma-se fría, calculada, formal, ou pior ainda: um ins-trumento de opressao da consciénoia.

A religiáo reflelo o ser humano. E. ao mesmo lempo, indivi-dual o social, interior em sonlimcntos o pensamentos e exteriorizadaao ponto de desvanecer-so quando nao oncontra exteriorizav'áo.

Uma consciénoia remota do aspecto objetivo e social da reli-giáo é que ela nunca poderá confmar-se a pura interioridade. Naopoderá ficar "dentro da sacristía", como desejam os laicistas da Ke-voIuqüo Francesa na sua oposigao contra a Igreja católica. Se algucm

Cf, G1RARDI. Uopoldo J. & QUADftOS, Odonc J, de. Filosofía. Pono Alegre;PUC. fimma. 1975. p. INSTITUTO DIOGESAÑO Dt BNSINO SUPORIORDE WUERZBURO Teoli\ein partí o rrixtóo tlr hoji: Sio Paulo: Ijiycila. \9f$.val I.p, 80-87

27

0cai pctffcotQr.

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lem um verdadeiro amor interior a Crislo. por exemplo. procurararealizar o mandatnemo do amor fraterno c este exige mais do que umscniimcnto interior de compaixáo para com os pobres; exige que seIhes dé trabalho e ensino. portanlo. loma um aspecto público. Podeacontecer que a reügíáo. dentro da Mía inten áo própria de revelar aoshomens, alravés do amor fralemo. o amor de Deus, interfira com a

atuu áo administrativa ou política que quer organizar a sociedade.Esta intciTeréncia pode ser urna vantagem para ambos, quando háentendimenio e visáo comum, mas pode tambem ser fonle de conflito.E o problema que iralaremos adiante. Talando de Igrcja e Estado (cf.5.

4.6).

1.3 - A fonle da religiao e a religíao como fonle

¡.3.1 - Tentativas de reduzir a religiao

a) A redundo evolucionislu: a religiao reduzitlu a evolu iio

Desde o século XVIII. e pcciulmcnlc sob a influencia deCharles Darwin (1809-1882), implanlou-sc a id&a de que a religiao éurna etapa no desenvolvímentó da humanidade. Será apenas um passopara dizerque e urna etapa ultrapassada (A. Comte). O evolucionismobiológico sitúa a religiao no nivel do comportamento instintivo(reai áo de medo peranle os fenómenos da natureza, etc.). A evolu aodo homo sapiens fará com que. cedo ou tarde, este instinto se tornesuperfino (assim como, p.ex., o instinto de migra ao). Podemos, po-rém. levantar algumas perguntas a este respeilo: I

o

) Será que a possi-bilidade de substiiuí-lo por outra coisa tome o instinto supérfluo'.'Para que existe entáo aínda o instinto sexual desde que o homcm co-nhece a insemina<;áo artiricial?... 2°

) Será que o processo humanoexiste na extintáo dos instintos ou antes, na sua canaliza ao? Se areligiao é um instinto, seria perigoso reprími-lo, pois isso levaría áneurose. como Freud mostrou a respeilo da repressüo do instinto se-xual. 3") Mas será a religiao realmente um instinto? Onde está esteinstinto ñas especies biológicas que precedem imediatamente o hc>-mem: os prímulas, os mamíferos superiores? Ou será a religiao umprimeiro produto da "humanizaíiio". lalvez um produto distintivo.sem o qual a dimensao específicamente humana inexiste?

28

Charles Darwin tratou de mostrar as etapas que precedem. nosmamíferos superiores, a aparii ao das chamadas "faeuldades espiritu-ais

"

, que tradicionalmente sao consideradas distinguir o homcm doanimal e entre as quais c contada a religiao. Trata de provar que aenorme diferen a intelcciuai entre o homcm c os prímatas se explicapor unía evolu ao gradativa. Nao há. diz Darwin, urna diferen a es-sencial entre a alividade intelectual do chimpanzií e do homcm, sóuma diferenya gradual. Muilo maior do que a diferenvu entre um ver-tebrado superior e um homem primitivo inferior é a diferen a entreum peixc inferior c um prímala; cornudo, é possível observar todos osgraus íntermediários. Por outro lado, dentro da humanidade se podemobservar também lodas as grada óes entre um primitivo da Térra doKogo e um lorde inglés. Portanto, também a difercn<;u entre os prima-tas e os homens no uso da inteligencia deve explicar-se por uma sc-mellianle evolui áo gradativa. No terceiro capítulo de A Orígi'm doHomem. Darwin diz explícitamente: "Neste capítulo tenho por escopodemonstrar que nao existe nenhuma diferenva fundamental entre ohomem e os mamíferos superiores no que concerne íis faeuldadesmeniais.

""' Esquejamos, por enquanto. as observa Ces bastante ob-vias que Darwm anota com rcta ao ao instinto de medo. defesa, ma-leniidade. etc. Mais alen ao n»erecem as suas iucubnijocs sobre aauto-conscicncia. pois esta sim parece ser urna faculdade típicunienlehumana. Darwin acha que nao. "Como podemos ler a certeza de queum cao velho, com urna memoria excelente e com algum poder deimagina ao.... nunca reflita sobre os scus prazeres e dores passados naca a? Esta seria uma forma de auto-consciéncia."11 E a nossa pergunlaserá: "Como podemos ter certeza de que o cao reflete sobreisso?"Com semelhante "rigor científico". Darwin irata o assunto dalíngua, concluindo que nao há diferen a essencial entre um cachorroreconhecendo o "vem cá" de sen meslre c o sistema lingüístico emque vive o homem. Que os animáis tém um sentido estético cssenci-almeme igual ao do homem. ele concluí de exemplos como o do pa-vao, desfilando com todas as suas cores para atrair a aten áo da pa-vou.

"1 Aínda com argumentos semelhanles, o nosso cienlista esbozauma teoría evolucionista do senlimento religioso. Demonstra, porém.uma ambigüidade fundamental. Por um lado, parece insinuar que os

w DARWIN. Charles A orinrm dn himirm r a tgitfto StmaL SiU> Paulo: HEMUS.

1974. p. 84."Op.ciL.p. Í(M|"O/i. íir.p. IMv

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mais primilivos. ames de icr refletido sobre "pergunUis últimas"muilas vczes nao lém rcligiao e. porianto. nao sao esscnclalmcnicdiferentes dos animáis. Por outro lado, fa/ entender que os primitivostcm rcligiao. nos oneomrantos coisas análogas nos animáis lambcm.por excmplo. o componamenlo de um cao para com scu dono e de umsimio para com seu guarda amado... Assim. Oarwin tcm semprc razao:urna vez é a ausencia de rcligiao que serve de scmclhan(,:a com osanimáis, outra vez a sua presenta. Mas parece que Darwin vé scme-Ihant a, sobretudo. na presenta da retigiao. pois explica as aberra ocsdas religiócs primitivas (magia, sacrificios humanos, etc.) por compa-ra ao com os erros causáis e ocasionáis dos animáis inferiores.

b) A reiliii im pnsilivisla: a n'ligiao rfduziíhi no humanixmosociológico

Augusto Comle (1798-1857) colocou a idcia evolucionista cmmoldes menos biológicos. Sua vlsao impós-se em muitos meios inic-lectuais, também no Brasil, grabas ás atividades das sociedades se-cretas c círculos positivistas. Comte pretende que em cada ramo doconhecimcnlo humano se realiza urna evalu üo que tcm irífs nfveisprincipáis: o nivel mágico ou mítico (p.cx.. a expllcai;;io do relímipagocomo sendo urna flecha árdeme lanzada por algum deus celeste), onivel filosófico-abslralo (p.ex,. a conslm ao cerebral de urna cxplica-(;üo do universo a partir dos qualro "elememos"; fogo, ar. ierra eAgua)-, c o nivel ciemifico-exato. ou positivo, que se caracteriza pelaverificaváo experimental e a aplicarlo de leis universais. Comte queraplicar este sistema a rcligiao também. Os primitivos lém urna religiáomágica, "teológica

"

(Deus explica). Na Idade Media e na Modcrnida-de desenvolveu-sc uma rcligiao de cunho filosófico (a filosofia esco-lástica). Com Augusto Comte chegou a era científica para a religiáo.Será a Religiáo da UumunidaJe. religiáo positivista que .se espalhoupelo mundo grabas ao Catecismo Positivisla.

Parece que. aquí, a religiáo nao é reduzida a uma etapa inferi-or (só n magia é situada ali... mas nao existcm nos ambientes maisavanzados da nossa clvilizu áo centros florescente.s de magia?), masque a própria ciencia "positiva

"

, por urna sutil idolatría, é tornadareligiáo...

Na vcriíadc. lemu nao vem ilu lilítMiliti. mas ilj inilitlugia.

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c) ,4 rtdufao psicófagisia: u religiáo reduzida a um problemapsicológico

Quando sai a noticia de um "milagre". qualquei pessoa debom senso pergunta; "Náo será isto sugestáo, ingenuidade, imagina-9ao?" Cada um de nós sabe que certos fenómenos, explicados porcausas sobrenaturais. sao. no fundo, fenómenos psicológicos. Podempertencer á psicologia "

comum"

(sugestáo, imagina áo. projeváo), ouao campo que hoje cm dia é costume chamar de "parapsicología

"

(as

forjas ocultas da mente). Os pontos de contato entre a psicologia.para psicologia e religiáo sáo numerosos.*

1'

Será emáo possivel reduzira religiáo á psicologia. eonsiderá-la como um mero fenómeno psico-lógico?

Citemos aquí somente u teoría de Siegmund Hreud (1856-1939). pai da "psicologia profunda" ou psicanálisc. Para ele, a religi-áo resulta do complexo de Edipo. a rcvolta do homem contra a figuraopressora do pai. que Ihe proíbe o objeto primeiro de sua libido(desejo sexual no sentido ampio): a sua máe. em cujo útero passoumeses táo agradáveis c com quem gostaria, inconscientemente, de seidentificar novamente. A figura de Deus náo seria outra coisa do que aproje áo desta "instáncta superior", que o homem encara, natural-mente, com sentimentos muito ambiguos, a saber: venera»;áo (porcausa da sua for a) e raiva (por causa da proibi áo). Assíni cxplicar-se-iam os atos de adorai;áo, os sacrificios expiatórios. mas também odesejo inconsciente de eliminar este "Pai Eterno" (como Bdipo, defato, sem o saber matón scu pai e cusou com a máe).

Esta teoría possa talvez explicar alguma neurose religiosa, emque a religiáo se revesle do caráler obsessivo e ambiguo que caracte-riza o complexo de Edipo. mas náo explica a religiáo verdadeira que cum alo consciente de entrega confiante da pessoa inleira. E se a es-trutura lingüística da religiáo recorre fácilmente ao conceiio de "pai

"

.

isto se explica porque este vocábulo é o primeiro pelo qual o homemdesigna o "fundador da sua exisléncia". Adaptado, projetado (cf.1.5

.3), pode muito bem servir para falar de Deus. Mas precisamenteem pessoas em que esle vocábulo é viciado por conflitos inconscien-

A respciio da religiáo c parapsiaiiogiu. ver p. ca. QUBVBPQt Oscar G. O que él>urui'íiciilo ia:' Sao Paulo: l-oyulu, 1971. Cf. hiblio nitia do presente nianual.

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Ies. a religiáo loma-.se problemática ou impossível. Ela nao é. portan-te. urna mera projc9ao do complexo de Edípo.

O homcm religiosamente adulto nao é obsesso pelo medo deDeu.s. projeíáo obscura de um pai rejeílado. Tampouco procura umaidenli(ica<;áo confusa com Deus, o que seria um desejo inconscientede vollar á prote áo do útero materno. Ele ama a Deus. i.c, coloca-secomo pessoa diante de Deus. pessoa lambérn. o sempre Outro. nuis oOulro que nos dá de ser quem somos, E como na amizade. Amigo cquem faz a gente ser mais si mesmo. Bons amigos nao lem medo umdo oulro, nem procuram uma pseudo-identidade sentimental, masdesafiam-se muluamcnlc a ser mais eles mesmos. A atiiude religiosaé

, no fundo, assumir, com confianza, a sua identídade pessoal perantco fundo do nosso ser c de todo ser; ser gente perante Deus. Nesla ati-tude. o amor, a admira üo e adesáo Áquele que nos dá de ser. supera omedoícf. 1 Jo 4.18).

d) A reditúo s(kio-economicu: a retigitio enmofuga do con-flíto stU io-ecoiinmico

Kuil Marx < IR18-18831 icniau urna oulra redu ao da religiao;tratou de cxphcá-la como uma supercsirulura(;ao da realidade materi-al. i.é. sóeio-cconñmica. A religiáo seria o desabafo do povo oprimi-do. o "ópio do povo". uma válvula de escape nuina silua áo de aliena-

üo económica: se aqui na ierra nao existe amor e Justina, podemos,pelo menos, contar com Deus que no-Ios dará no ccu. E entretantoagíienlamos resignadámente a.s injusli a.s deste mundo... A observadode Marx, por perspicaz que seja. é unilateral. Constala-se que muitaspessoas deixam a religiáo de lado juslamcnle por causa üa aliena áoeconómica, da miséria. Existe, por cerlo. uma rcla áo entre a situa áosócio-económica e a religiáo, mas esta nao c a conseqüencia daquela.O dominador pode forjar a religiáo a justificar sua dominado, o po-bre pode neta projeiar seu desejo de libeda áo. mas ela preexisle aambas estas tendencias. Constata-se, na historia, que nem sempre areligiáo é para o oprimido uma simples válvula de escape ou um en-torpéceme. Hoje em dia, o "ópio do povo" c antes a televisáo do que areligiáo. A religiáo foi. muitas vezes, unía alavanca para a emancipa-

áo do povo. Uma das razocs por que os imperadores romanos persc-guiram o cristianismo foi, que o crislianismo dava üignidade aos es-cravos, deixando-os participar sem discrimina üo, como irmaos.

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!

A raiz da religiáo nao ó a situa áo de fruslra áo ou Bliena h)sócio-cconomica. Religiáo existe lanío entre os pobres como entre osricos. Tolvez as perscgui ocs expliquem seu sucesso. pois religiáo ¿opor-se a qualquer absoluto humano...

e) A redÜfSÓ moraiisiü: a nBÜgüto reduzida uo bom compor-lamenfo

A Modemidadc e o lluminismo. como também as vulgariza-óes da filosofía de Imanuel Kanl (1724-1804). irataram de redu/.ir a

religiáo á ética. De fato. Kanl viu no "imperativo categórico" da cons-cicncia moral (cf. 7.2.3) a principal prova da existencia de Deus, As-sim surgiu a maneira de pensar que a ideia de Deus fosse necessáriapara "justificar" o comportamcnlo ético do homcm. Veremos, porém.que a ética tem sua origem própria e náo precisa, necessariamenle. deuma dimensáo religiosa, embora esta possa aperlei oar a ética, comono cristianismo, de fato. acontecen. A redu áo moralista ve na religiáoalgo de ulilidade pública: a religiáo serviría pura que o homem secompone bem. Por isso. a Revolu áo Francesa, atéia, pagava os pa-dres para serem "oficiáis da moral".

Ora, a redu áo moralista da religiáo logo conduz a duas atilu-des apareniemenie muito diferentes: o farisaísmo e o ateísmo. Conduzao farisaísmo, porque toda a religiáo é interpretada como bom com-portamcnlo. Mas isso é o primeiro passo ao ateísmo, porque, cedo outarde, o homcm descobre que ele pode componar-sc sem Deus: c ohumanismo do sceulo XX. Em ambos os casos está ausente a verda-

deira religiáo que. no fundo, náo "serve" para nada, mas tcm seu valorem si mesmo. na admira áo e na adesáo pessoal á fonte do nosso ser.Fodc-sc comparar com o namoro. H claro que namorados tnitum deagradar um ao outro por um bom comporiamento; este, porém, náo é oamor. Quando um dos dois se comporta mal. o amor nao termina, mascontinua existindo

, embora com dor. Assim também, a religiáo podeexistir enquanto a moralidade falha. Muitas religióes primitivas sao"amorais"

. náo interferem na élica pessoal e confmam-se no campodos ritos e mitos,

A disiinváo entre religiáo c moral c de grande importanciaprálica. Muitas pessoas perdem, indcvidamente, a fé religiosa - que éuma coisa - por rozOcs de ordem moral - que sáo outra coisa. B por terperdido a fe religiosa c a seguranza que esta dá. tampouco conseguemresolver scus problemas moráis. Por outro lado, cada confessor sabe

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que um enirave no amadurccinieiuo psicológico pode produ/ir certasdificuldudcs moráis na pcssoa. p.cx.. masturbavao. mesmo dcpois deum casamcnio feliz. Se a pessoa em qnestifo dá a isso um valor religi-oso estrilo. lorna-se desesperada, escrupulosa. Se. porcm. sabe que.apesar dcsia dificuldade. cía se deve tratar com o ntélodo adequado(psicológico c etico), saberá que pode "ser gente pcninie Deus" c seanimará; e a expcriéncia mostra que daí poderá haurir o ánimo neces-sárío para um maior amadurecimento psicológico e a supera ao de scuproblema moral. Para chegar a um relativo aperfeii¿oainenio moral, agente precisa de urna vida inleira. Mas ser religioso, i.é. amar a Deusacíma de tudo. até urna crianza o pode.

Mas, contó já dissemus. a religíáo é algo do homem iiueiro enao p<Kle, ponanlti, deixar de incentivar ludo o que tem valor humano:a ciencia, a cultura e tambem a moral, norma de conüuta para o dia-a-dia. Mais aínda: a mora! será, normalmente, quando existe pleno co-nhecímenlo e liberdade, o ámbito em que o homem maniresta. pelaresultado

, seu desejo religioso de "ser gente perante Deus".

Conclmimns que a retigiáo é irredulível, que ela tem sua fonteem si inesnia e nao numa outra alilude ou exigencia. Por isso, lambcmos verdadeiros rivais da religiílo nüo sito as tendencias secularistas. ocienlismo. o psicologismo. o sociologismo. o humanismo... Pois naoaiingem o especifico da religiáo. A única verdadeira alternativa dareligiao é a idolalria. a "

veneravuo"

(grego latreia) de urna imagem(grego eidohn) falsa de Deus. Por isso, o homem moderno, tendoprocurado em váo trocar Deus pela ciencia, a economia ou o huma-nismo. termina eaindo na idolatría da supersti áo. do horóscopo, dofutehol, do dinheiro. do poder, do sexo. Onde Deus é eliminado sur-geni, nao a ciencia, nem a verdadeira liberdade para o homem .ser elemesmo - como pensavam Heuerbach e Marx - mas sim, os ídolos queescravizam o homem. A lenda do Doutor Fausto ilustra o que quere-mos dizer. Fausto perseguía a ciencia, a "'pedra filosofal

"

, a gloria e osucesso. Perseguia-o com urna patxáo infinita, quase religiosa. E ter-minou vendendo a sua alma ao diabo. Tudo isso leva-nos a cnlender

uma defini áo bastante original de Deus: Deus é aquele que liberta ohomem de seus ídolos...

O cídadáo "secularizado" do sceulo XX devora literatura so-

bre o horóscopo. Os ateus marxislas deixaram-sc levar a endeusar umpsicópata. StiUli O mito do progresso material e da rai a levou boaparte dos alemáes a fazer a mesma coisa com Hiller. Para os nossos

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contemporáneos, o conforto material e o sexo ocupam o trono deDeus. Goslo é gosto, mas que escravidáo signitlcam estes ídolos!Aparenlam-sc com o Moloque dos fenicios: sao insaturáveís. cngolemcrianzas e adultos. Deslroem em vez de criar. Oprimem em vez desustentar. Aborrecem e terrorizam em vez de provocar admira ao.

Dáo insailsfa áo em vez de paz,Aristóteles expressou uma parte da verdjde quando escreveu

Deus étimo impassível. Quería dizer que o verdadeiro Deus nao preci-sa ser alimentado de frustra oes humanas como os deuses do Olimpo.Mas nao disse tudo. Deus nao apenas é suficiente em si,

deixando o

mundo existir por pura gratuidade. Ele é lambcm comunicador degratuidade. libcria o homem de qualquer opressáo, reservando para sio exclusivo privilegio de ter a última palavra (como tem lambém aprimeira). Deus é a instáncia que nos dá a forya para recusar a qual-quer sujeito humano o direito de ter a última palavra. Deus liberta ohomem do homem que quer arvorar-sc em deus para seus semelhan-tes. Liberta tambem o homem de uma nalureza inimiga - pois a nalu-reza tambem é apenas criatura. Liberta o homem da fatalidade opres-sora. pois a fatalidade nao c deus e sim coincidencia de causas natu-rais ou, muitas vezes. irresponsabilidade do homem.

Dt-us é o Invdulível, que liberta o homem de qualquer abso-lulizayáo indevida. H a religiáo liberta lambcm, apesar de seu aspectoconfuso - ou melhor, precisamenie por causa da sua irredulível vurie-dade. que rnoslra que ela nao cl um sistema, mas antes, um céu infinitoem continua mutayáo. "Este céu de morfologías sagradas, este céutopografado, iconografado, lem sido um poderoso alibi da ierra. Mas aprimeira dimensao que ela (a religiáo) índica é altura, altivez e abertu-ra, Nao representa, mas efetua: opera a verticalidade do homem. fazaluar a sua piofundídade. Se cía simboliza - nao a ordem, a perfeiyáoe seus atributos, mas o incondicionado - nao empolga nem pesa: li-berta,""

1.3.2 - A fonte própria da religiáo e a sua linguagem

A fonte da religiáo ou. antes, do sentímento religioso á quulela dá expressáo. é a expcriéncia de algo (ou algucm) irredutível. in-condicionado. incomparavel, absoluto, na nossa vida.

" DUMÉRY, Henn. Religión el MMOgie. In; tjic\ch¡meilia IJniverxalis. Pan1.,Encyclopjcdia Univcrsjlis Kr.mce, 1972. vnl 14. p. 29. col. 3,

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a) A experií'rwiii religioxii2'

1) H a experiencia de urna presentir A rculidade vislumbradana religiao nao precisa de provas racionáis (embora eslas lenham suaulilidadc, cf. 1.4.5). É unía experiencia a-racional, i.é, precede o raci-ocinio e nunca pode ser complelainenle absurvido pelo mesino. Osconceilos. necessáríos para comunicar a oulros esta experiencia, ficamsemprc aquem do que cíes querem definir. Por islo. a fonie da religiüoé o misterio, algo que ullrapassa. o instrumcnlário de ROSSO conheci-mento racional. H, portanlo, supraracional. além da razao.

2) O que se cxperimenla é iiicvniparável. E tolalmente uuiro.Chamamo-Io "o Santo". A defini áo dcste conecito é pralicamentcimpossível. Além de urna iérfe de conteúdos positivos (bom) e nega-tivos (perígoso). palavras como smetus e

'

Sacia' (latim), hagios(grego). kadosh (hebraico) significam sempre algo mais, algo exclusi-vo. algo que se pode dizer só daquela experiencia específica. Depoisde todas as descriíoes possfvcis do "Santo" devemos dizer. "E algocomo tudo islo. mas é ainda diferente

"

. E o "numinoso". aquilo queiraz presente o

"

nume"

, a divíndade "anuente", que nos dá de serntos.Em outras palavras: o homem senle-se na presenta de unía instanciasuperior, que é e semprc será maior do que ele.

3) Quando o homem. depois de um momento de "invasáo"pelo Santo, loma consciéncia de si; quando o Santo lile parece urnarealidade objetiva, algo fora dele, enlao cíe experimenta scu próprioser. subjetivamente, como dependéncia. como "criatura

"

. E o"sentimento de criatura", polo subjetivo da cxperi¿ncia religiosa.

4) O Santo, como instancia superior, parvee ambiguo. Ilustraisso muito bem um fato ocorrido numa aula da Umvcrsidade; O pro-fessor apresentara a religiáo como a capacidade de se entregar ao quese admira incondicionalmente. Logo depois um aluno observou:

"Nao

sci se se trata de admiraban ou de medo!" Sao exatamente estes os

dois momentos dialéticos da experiíncia religiosa. Por isso, o Santo échamado "misterio tremendo e fascinante

"

.

Provoca medo e admira-

yáo, c quando falta um dos dois momentos nao é mais experiencia doSanto e sim, obsessao (so medo) ou sentimentalismo (o Deus adoci-CBdo e bonachao). Estes dois momenios nao se excluem. Até no nosso

B Baí-cunwi-mv. :h|ui ñas iin,ili«s íumliiniciniiÍN ilc OTTO. Ruüoir Das Hélttge.BrcsUiu, 1917, (cspanhol. ¿a in/if». Madrid: Kcv. de Occidcmc, s.d t.

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linguajar mais comum eles se enirelaíam. De um cspectiículo admirá-vel dizemos: "Que tremendo espectáculo". Admira Üo e medo mistu-ram-sc na experiencia do patriarca Jaco, depois da revela ao de Deusno sonho: "Quao lem'vel é este lugar' Nada menos que a casa deDeus

, a porta do céul" (Gn 28.17). E quando Moisés se enconira comJavé na sar?a ardente (Ex 3.1-6), ele c chamado, atraído, mas naopode aproximar-se. pois "o lugar em que se enconira é santo

"

...Eslas

caracierístícas da experiencia religiosa exprimem-se através dos sím-bolos religiosos. Um símboloo preferido, ueste sentido, é o fojjo (cf. ofogo vestal, a tamparina do saenírio. etc.). O fogo é admirado comternura pelo gaucho que, na nOilfl de invernó, está aquecendo a chalei-ra para 0 ehimarrao, mas eausa horror para o habitante de um edificioem chamas.

O momento do irememJo ínclui a majeslade e o dinamismo deDeus. Aparece como urna for a.. urna vontade irrcsislívcl. Aparececomo misterioso, como totalmente outro. Peramc este Outro. a genteperde. por um momento, a seguranza de si. sua auto-suficiéncia, ocontrole racional e técnico sobre a realidade: há atguóm que nao cabeem nosso esquema! Isso é muito imponanle. No cristianismo. Deus w:coloca atrás de qualquer outro (o próximo). Nao temos, portanlo, po-der sobre o outro. leremos que respeitá-Io na sua "santa alleridade".Deus sempre surpreende. lambém no próximo. Destrói os nossos es-queminhas. toma-nos irrequicios. A verdadeira admira áo, porém. queIhe devemos, provoca em nós uma paix3u infinita para este"Totalmenle-outro", E o que chamamos; O momento úo fascinante.

S. Agoslinho (354-430) iraduziu maravilhosamenle a dialétícada paixáo infinita que procura a paz na atragáo exercida pelo Sanio:"Irrequieto é mcu cora ao. ate que repouse em Ti". Existe, no homem.uma nostalgia natural pelo fundamenio de sua existencia. As tínguasgermánicas determinan! o Santo nao tanto como o outro. mas como oque é cheio de promessa; o alcmüo heilig contém a raíz Heil."salvaíao

"

. O Santo toma o homem íntegro, inieiro (cf. o holandésheel. inieiro, e Ó inglñs. whole. inieiro e luúy. santo). Estas Ifnguas,exprimem, assim a pureza e a alegría característica do sentimentoreligioso, seniimento de nova criaíáo e regencraíño. O momento"tremendo"

do Santo nunca será o tremendo vulgar, cnicl. Será o"tremendo

"

elevado, "augusto". O homem procura tomar-se dignodele pela conversao. E deseja lomar-se perfeito. grabas a ele.

Dissemos que o fascinante e o tremendo sao dois momentosdialéticos. Um evoca o outro. O Sempre-outro toma-se objeto de uma

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paixáo infinita. Nao podemos presdndir de nenhum dos dois mo-mentos. porque fallando o "iremendo

"

. cessaria de ser o Ouiro e fal-lando o "faseinanlc

"

lurnar-se-ía mais do que oulto: alheio. Talvezhaja urna símese entre estes dois nioiiKtUos: o Amor, que respeita epromove o outro como outro e cornudo realiza a mais iniima uniaocom ele.

A experiencia religiosa é ccnamcnie urna experiencia SUÍ jíc-neris. H fundanientalmenic distinta de todas as outns experienciashumanas (embora haja semelhani;as superficiais) pela presenva de umincomensurável e ahsututo, que sempre supera a nossa capacidacle deinlegra ao e que nos chamamos: o Transcendente (i.é, o que supera,ulirapassa). A expenéneia religiosa ú a experiencia do Transcendente.

Parece que quase lodo ser humano é capaz de ler esla experi-encia. Cornudo, a obsessao da racionalldade t da cficiéncia, ou. mais

aínda, a vontade de dominar c nao depender, leva, muiias vezes, ohomem adulto a se tornar inscnsívcl a esta experiencia (por isso. Jesúsdiz que o homem deve tomar-se novamenle como uma etíanf*). Cri-anzas sem sensibilidade religiosa süo raras; süo. geralmcnte. vítimasde um trauma psicológico (órfáos. filhos de casáis desajustados, ele).É como a música: 95% das enancas tem seniido musical, mas osadultos nao correspondem, porque nao o desenvolverán!.

b) A or anizit{iio tía experíém ia religiosa: a relixiúo:'

I) Consen ar a experiencia religiosaA experiencia religiosa, por causa de seu valor incomparávcl.

lende a se fixar, a se conscn'ar como uma realidade constante na vida

humana. Bltft conservaváo é o ideal da religiao. Ideal irrclizável, por-que ncm lodos os momentos podem ser tao carregados de paixáo infi-nita e santidade. Isso explica por que as religióes sao, üs vezes, taopouco santas e por que as santos conheceram. nao raro, meses e anossem experiencia religiosa aparente (a noiie Ja alma dos místicos).Mas é para isso que existe a religiao; para conservar, para o homem,

os momentos de experiencia do "tremendo e lascmanie"

. E a organi-¿ai;ao da experiencia religiosa.

'* Cf. HLIADE. Mircca, O «ignui» r o ¡nofani: Lisboa: Li\nis d« Bmsil,s.d. - Tm-

tatln tle Hisiórm lie lux nUgtoMf, Madrid: CiiMiandad, 157 2 wln.

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!

A religiáo traía de delerminar o lempo e o espado da hierofa-nia ímanifesiacao do Santo). Para isso. organiza o mundo,

delimitan-

do nele um ámbilo sagrado e um ouiro. profano.

2) -4 hiernfania. o sagraiin e o pnifunuO que o homem experimenta na religiáo e um "indicio" do

Santo. O Santo manifesta-se. aparece numa fealldade que nao coinci-

de com ele. mas o mosira. 0 evoca e Ihe pettence: a realidade"sagrada". A manifestai;áo como lal chama-se "hicrofania" (do gregohierós. santo o faincin. aparecer). As realidades em que o Santo semanifesta formam o mundo sagrado. O resto, o nao-sagrado, chama-seo "profano

"

.

As realidades hicrofánicas podem ser muitas. Sao geralmcntefenómenos que b homem nao sabe integrar bem na parle do mundoque ele tem sob o seu controle: um animal forte (a águia. o búfalo; os"

totens"

). uma montanha, os carvalhos sagrados dos amigos celtas: oueniao o fogo. o relámpago, o trováo, a lempestade e o mar. Sao co-nhecidos exemplos inieressanies de "hierofania tecnológica": primiti-vos da Oceania, vendo pela primeira vez pousar um aviáo - especial-mente um aviáo com alimentos doados para cíes - viram ueste aviáourna hierofania. Hatos semelhantes ocorrem com outros objetos"misteriosos"

, p.ex. mcdicamenlos. Mesmo no ámbito das nossascapitais encontram-se pessoas simples que conservara os medica-mentos do médico em casa con» lalismá OU os ulili/am como amúle-los, em vez de lomá-los.

O sagrado é. por assim di/er. a área reservada ao Santo nestemundo. Rsta área é revestida do caráter numinoso, iremendo e fasci-

nante. O sagrado icm fondas de incomparávcl eficácia. que podem serbenevolentes, mas lambém perigosas. Na maioria das religióes. a ma-nifesta áo do Santo pode significar tanto ben áo como maldi áo (cf.nugia branca e prela na quimbanda. ele). As próprias palavras queexprimem a esfera do sagrado assumiram esta ambigüidade ("Bstc

bendito temporal demibou tudo!").A fenomenología das religióes traía, precisainenie, de enten-

der as religióes con>o estmiuras hicrofánicas. Descobre-se, assim. afraqueza inercnte das religióes mslilucionais: as realidades em que oSanto se manifcslam se ftesíani, se "pmfanizam". Assim o aviáo paraos polinesios, quando se acostumaram a ele e aos pilotos ingléses, ouo fogo para o homem tecnológico, perderam seu valor de hierofania.Ai está uma das larefas difíceis das religióes: organizar a estratura

39

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hierolamca. aceitando urnas hierofanias como essenciais e univcrsals.

e excluindo ouiras. Para o crísiianísmo. a hicrofania esscncial c ina-

balável. que Inclusive rclalivizou ludas as demais como parciais eprovisóñas. profanizando-se ossim a criaíao mais do que em qualqueroutra religiáo. é Jesús Cristo. N'Elc aparece, para o cristao, o mislériuinefável. ao mesmo lempo airaenle e lemívcl; atraente por sua mansi-dao e bondade (Mi 9.36: 11.28-30. ele), e lemivel por causa das suasexigencias radicáis (Mi 5.17-48. ele.) e pelo desenlace Irigico da suaexistencia. A esséncia do cristianismo, a sua originalidade e o proecs-so iircvcrsível que ele significa na historia das religióes é: icr vislum-brado o "nume" divino na existencia de um homem auténtico, igual anós cm tudo. menos o pecado (Hb 2.17:4.15; cf. 2.4).

e) A lingiiagem da religiáo: o milo

Bxpressar o inefável. eis o grande desafio da relígtóo. Porisso, sua linguagem específica nao é filosófica, nem científica, mas éo milo. Sendo este lermo sujeito a possível mal-entendido, é precisoprimeim dar unía explicai¿ao antropológica.

I) Religiáo do homem iodoUrna tendencia que sempre volta na historia das religioes é a

tendencia do "purílanismo"

. dos que querem urna religiáo "pura".Infelizmenic, entendem "puro" muitas vezes nuro sentido dualista.anii-humano. Procura-se nao a pureza da verdade. da auienticidade, a"adora ao em espínlo (divino) e verdade

"

(Jo 4.25) e sim, urna religi-áo desencamuda, quimérica! Na Idadc Medía a douuina dos "calaros"(termo grego que significa "puros") deu origem á palavra que ñaslíngi'as germánicas significa "herege" (alemao Ketzff). O exemplo étípico. Em vez de purificar a fé, os "puros" apanaram-sc déla. Poisdepreciavam o corpo humano como sendo pecaminoso. Procriar-seera pecado! O puritanismo, em cada época, é um dos grandes inimigosda verdadeíru religíao. pois rejeitando a corporeidade. rejeiia a possi-bilidade da própria expressáo religiosa e conduz o homem a um pes-simismo masoquista (as flagelaíócs da Idade Media, ele). Ou entao.fá-lo caír no extremo oposto. como moslra a hisiória dos países puri-tanos e calvinistas nos últimos séculos. "Se expulsas o natural, elevolta galopando

"

, diz um proverbio francés.A religiáo é como o homem, é urna unidade de exlerioridadc e

interioridade (comumente chamados corpo c alma). O que faz o ho-

40

mem c a imián dcMes dols elementos. Assim lambém a sua religiáo.Urna religiáo puramente interior nao existe (mesmo os cataros e puri-tanos tinham igrejas). e urna religiáo puramente exterior nao c religi-áo. O que acontece na realidade é o seguinte; exteriorizando-sc. areligiáo liga-se á hisiória. ocupa urna determinada silua áo. delimita-se e loma-sc limitada e porlnnin. incompletu O concreto é sempreincompleto, imperfeito. neste mundo. O homem deverá. portanlo.contentar-se com uim religiáo "mais ou menos

"

adequadü ;is suasaspira óes subjetivas e. muitas vezes. cantar como os negros dos Es-tados Unidos: "Dá-mc a religiáo de amigamente, ela basta paramim..." Nao adianta lamentar o falo de "assuníáo ao céu" náo ser umtermo cientificameme exato. Expressando-se. a religiáo entra no mun-do da linguagem. em que existe toda urna tradi áo situando o Santo no"

ccu"

. apesar dos vóos espaciáis. Assumir esta tradi áo lingüística fazparte da cncamai¿ao da religiáo. Como pode fazer parte déla assumiredificios luxuosos c inadequados que sao bonitos demais para destruirc que nenhuma autoridade civil quer manter...

Sendo como o próprio homem. a religiáo. exteriorizando-se esituando-se no mundo

,loma-se limitada e. as vezes. um escándalo

até... Este c seu paradoxo, o paradoxo da sua expressáo. A expressáoreligiosa significa sempre mais do que diz, pois significa o misterio.que é ¡mpossível dizer...

2) O mitoA expressáo mais característica do misterio c o mito, a

"narrai;áo das origens"

. A religiáo trata de situar o homem na totali-dade do ser. tanto no lempo como no espado. Por isso. ela deve falar oque olho algum viu nem ouvido algum ouviu: a origem do universo edo homem. Os mitos, falando das origeru. dao urna estrulura ao mun-do e ao lempo em que o homem vive, de tal modo que ele contienasempre o seu lugar e a sua voca áo. Transformam o "

caos" cm

"

cosmo"

, em mundo habilável c salvífico. Os exemplos mais conheci-dos de lais mitos sao as historias da cría áo no cometo da Biblia (cf.3

.3.1a). Mas cada povu. cada tribo, lem seus mitos, multas vezes es-

condidos sob um vemiz de "civilizagao". que os Iransformou em fol-clore.

O mito verdadeiro é pré-reflexivo. náo passou pelo crivo darazáo analítica. Isso, porcm. náo Ihc tira o scu valor. Porque o seu"

sucesso"

. sua aceila áo arcaica, mostra que ele tem algo para nosdizer. É como nos dogmas da Igreja crislá: o que se deve aceitar c a

41

Page 21: Religião e cristianismo(1 page)

mensugem. nao o raciocinio explicativo. Porque a incnsagein dantodo milo como do dogma) expressa urna iniui ao básica do homem.Por cxcmplo. na Anliguidadc cria-sc que ludo (inclusive o homcm)nuscia da (erra. Violencia, derramar sangue. manchava se esiraguva aierra. Ponanlo, um govemo bascado em violencia e na cmeldadc.lomava a Ierra, o rcbnnho c a rrihn estéril. Mas um rci sabio, Tunda-

mcniando scu reinado na Justina, podia garantir fenilidade c bem-estar/

'* Ora, a correla ao que esta visao "mítica" expressa, verifica-se.entboru a explicaíüo mítica ("n sangue mancha a ierra

"

) nao esiejacerta. O bem-esiar produ/.ido por um rei sabio nao é o resultado denao ter manchado a térra com sangue. mas da economía política quese dcscnvolvc melhor pela pa/ e eolabora ao de lodos, do que pelaviolencia destruidora. Como enunciado global,

o mito lem ra/ao. Kle"dá para pensar", e esta é a sua funyáo principal, também no nossolempo de racionalismo. Asshn. por exempto, os tabus sexuais. quegeralmente tem sua origem no universo milico, obrigam-nos a rellctirsobre cenas experiencias arcaicas da humanidade. e ai da civiliza aoque nao considerar estas advertencias! Um labu quase universal é aproibi ilo do incesto; todos os povos primitivos iCm seus mitos a res-pcilo (cf. o mito de Edipo), m;»s as explicaíóes míticas nao nos íntc-rcssam como luis, c sim, por causa da sua mensagem. pois hoje em díao esludo cienlifico da psicología profunda e da hereditariedade cun-firma o que o mito sabia por inluivüo: que o incesto é um pengo paraa sociedade. Do mesmo iihkIo o labu das rela oes pré-nialrimoniaispoderá um dia ser confirmado por eonsÍderai;oes psicológicas (falla deseguranza afeliva con efeito fnistratívo sobre o relacionamento e aspróprías pessoas), Poriamo, o mito, em qualquer uma das suas expres-sóes (mitología, dogma, tabú, cíe.) pode ter algo para nos dizer. Naopode ser rejeítado desden hosameme como pertencendo a infancia dahumanidade ícf. A.Comie). Devc ser interpreiado. isso sim. Mas parabem interpretar deve-se primeiro bem eseular.

Parece que o próprio termo "mito" (do grego) significaria "oque é para contar

"

. O milo merece aien(;áo. Nos países nórdiet>s con-lavum-se os mitos durante as compridas e misteriosas noites de inver-nó. Os povos do equador conlum-nos ñas festas, ñas inicia oes. Masde toda maneira. cada n»cmbro do cía ou da tribo devia. em algummomento da sua juvenlude,

tomar conhecimento dos mitos. Sem es-

Haicjdo 00 pi|flO0) üc Íí/í/ot Rei úc HCiíoc\cs (vem. 25») c no OditMia Je Home-ro (cap. 19. ve». IWss). Cl. bi.lADH, Trillado... (n. 24). ( 90.

42

!

ses. ele nao saberia "onde eslava na vida"

.Os mitos situam o mundo.

a diversidade de seres, a fecundidade. os fenómenos da nalureza. Os

indios Fulni-ó contam. quase gracejando, um mito sobre o fato miste-rioso de a imhurana produ/ir logo: foi o beija-flor que o roubou nopeilo, mas i> deÍ.xou pela carreira na imbur.ma/'' O mesmo "roubo do

fogo" toma, na mitología grega. a forma trágica do mito de Promelcu;este roubou o fogo dos deuses, e deu ao homcm a possibilidade datécnica e do artesanato. Mas Zeus, eioso de seu privilegio, castigou-ocom um castigo horrível: fincou-o em cadeias contra um rochedo.onde um corvo se alimenta elernamenle do seu fígado. Assim. cadapovo, a sua maneira própria, trata de situar os fenómenos fundamen-táis da sua vida.

Observamos, finalmente, que a esirutura mítica da rcligiáoexplica a já mencionada dialética entre o aspecto individual e social(cf. 1.2.2). O mito trata de situar o homcm na tolalidadc do ser, musfá-lo atruvés da comunidade. \i a comunidude que toma possívcl afula, a linguagem. indispensável para o milo. A comunidade conservae Iransmiie a mensagem do mito. I: explicando, no milo, o lugar dohomcm no ser. a comunidade explica seu próprio lugar, geralmeniealravés da figura de algum ancestral irrccupcrável, que viveu

"naquelelempo

"

e deu origem a tribo ou ao clá ao qual o individuo penence.Isso lambém significa algo para nós. boje. Ninguém se pode situar noser, se lambém nüo sitúa os ouiros. A rcligiáo se refere á tolalidadc doser e nunca poderá ser puramente individual.

.

í; O rilo

O milo corita como estória algo que. no fundo, é uma verdadeeterna, algo que é sempre presente. Por ísso. o homem pode, por umgesto, representar o fulo milico, primordial. Este gesto c o "rilo"

, a

a áo sagrada, reservada para expressar o relacionamento com o Santo.Quando o rilo é utilizado para outros fins, fala-se em profanado. Aprimeira vista parece que todas as religiócs lem scus ritos: sacrificios,bénvaos, exorcismos, invoca oes. etc. Conludo. ao mesmo lempoconstala-se que quase todas as religíoes sofrem de um cedo antago-nismo entre a prolifera úo do rilo e o "

expurgo" do mesmo. Contra a

prolifcra ao dos ritos no bramanismo reage o budismo original ícf.2

.23b). Contra a rilualiza áo quase mágica do cristianismo medieval

'ft Cf. AzevedOf Catlos A. O milo Uo logu cmrc os Fülm-O. Retuia ./r í'iillum Vozei

69(9); 628-633. nov. 1975.

43

nocai pordjnMos

Page 22: Religião e cristianismo(1 page)

reage o puritanismo calvinista. R hoje em día, como rea áo conlraurna amonioa áo de dcvo Óczinhas ñas igrejas católicas, reage a cx-pulsao de eslútuas c imagens de santos Idcixando-as pam a umban-da...).

Esta antagonismo faz parte da csséncia da religiao. A religiaoquer abracar a tarefa paradoxal de relacionar o homcm com o Abso-luto. o Infinito, o Incfávcl. É o que o rito taz. num gesto necessuria-menle simbólico, i.é. significativo, apomando uma oulra reulidade quenao si mesmo. Picando necessanamente aquém da grande/a da realt-dade significada, o rito é experimentado, depuis de algum tempo.como insuficiente. Complica-se. enriquece-sc. mas ao mesmo tempopetrifica-sc. pois por causa de seu conservadonsmo naiural. o homemnao tcm a coragem de desistir daquilo que urna vez Ihc parecen o veí-culo adequado de sua convic ao, embora já nao o seja. Os ritos seamonioam. Acrcscentando-sc um

.loma-sc mais difícil retirar os de

baíxo. que formain a infra-estrutura. Ficam conservados, mesmoquando insignificantes, Pois os ritos gastom-se com o tempo. Em vezde sercm realizados por "animavao festiva", tomam-sc obriga ao -primeiro sinal de degrada áo e falla de convic ao. E prceisamente osespírilos mais religiosos sofrem desla degenerai;ao e querem voltar aurna vivéneia mais original do Transcendente, que nao se deixa cati-var em rilo algum. Limpam a área. Bxpulsam os ritos, cíes mesmosl£ni seus iconoclasias. Mas depois de lerem expulso os ritos, cíesmesmos lomam-se fonie de novos ritos, como aconleceu a Buda...

O homem semprc lera a tendencia de apontar o misterio dasua vida airavés de um gesto, para o céu ou para a ierra, pouco im-pona. Correrá, portanto. sempre o risco de que scus ritos degencrcm,Mas. mesmo degenerados, cíes mosinun aínda a procura das origens.Mesmo as orgias c a proslituÍ9áo sagrada, embora niatcrializa90csindevidas daquilo que querem expressar. s3o capozes de evocar omístório da eterna feeundidude du criuvao. mitologicamcnle repre-sentada pelo malrimonio sagrado do céu c da ierra.

4) MUolo ia e desmiloh iza aoNormalmente, os mitos dos povos organizam-sc num conjunto

maior, a mitologia. No fundo, é uma forma de racionalizat áo. Preien-de-se formar um sistema, como se os mitos fossem feilos para isso.Esla racionalíza áo inclui um perigo enorme: considera-sc como im-ponanle nao mais aquilo que o mito quer evocar, sugerir, e sim, seuconlcúdo material, literal. O homem vai acreditar que,

de falo. Pro-

44

!

meleu ruubou u fogo e está acorrentado ao rochedo. Acrcdila-o com omesmo materialismo com que acredita que a chuva molha a (erra e oboi puxu a carreta. E assini como estas duas proposiíócs se podemcombinar ("Quando a chuva inolha a ierra, o boi puxa mais dificit-inente a canela"), do mesmo modo a inilologia combina os milos,maieríalízando-os. Combina enlre eles nomes de deuses que eram umavez independenics. expressoes diversas da mesma "santa admirado

"

.

Em vez de realizar uma "hierogamia" (uniáo sagrada dos deuses dafecundidade). os deuses vivem agora em promíscuidade no alto doOlimpo... Em vez de ser "palavra das origens" c expressar o mistériodo sor. que ironscende infíniiamenie o homem. a mitologia aprésenladeuses e deusas feilos sob a medida do homem, O honnrm apropria-sedos deuses. Apropria-sc do próprio Deus, tomando-o objeto mágicopara salisfazer os seus desejos.

Nesla ¡iliura impoe-se uma purificaíao. Os milos gaslos de-vem ser retirados da circula áo (enquanto novos entram). Isso chama-se a "desmiiologi/uvao". Gasto e profanado por uma interpreta aohistórica e material, o mito entra em competi üo com as realidadesprofanas. Por nohre que seja sua origem. ele lera necessariámenle queperder nesla compeli ao, pois. o pcnsamenlo profano c mais verdadei-ro ñas coisas profanas do que o mito. Moeda de ouro nao é feila paracircular de mao em mao. Gasta logo. Moeda de circula ao é de fusiiovulgar, mas resistente. O mito nao serve para dar uma explica ao rea-lística do mundo material e seus processos, Ncm mesmo para dcscre-ver os componentes do agir humano na psicología c na moral. Aquíprecisu-se de ciencias bem profanas, Assim. retirando o mito da cir-cula ao l;i onde ele se revela incompctenie (no campo profano) e li-benando-sc das explíca Ócs mitológicas de fenómenos naturdis, hisló-ricos, médicos, psicológicos, sociológicos, o homem abre a pona paraum entendimento realmente "secular

" deslc mundo. Por isso, a des-

mi lologizado faz parte da seeularíza áu (ef. 1.6.3b). E fazendo islo. ohomcm devolve ao mito sua fundan original: levar íi fala, dar a palavraú admíratg'ao originária do homem diante do misterio do saber.

Uma comparando. Quando Tere/.inha comc ava a namorar seuZé. chamava-o de "meu bem". Palavra que exprimía uma nova dcsco-bcrla e dava nomc a uma realidade nova. Depois de casados. Zé re-ve!ou-se um peso difícil de agucnlar. Por uma especie de conservado-ra piedade, Tcrezinha conlínuou a utilizar o termo "meu bem

"

.embo-

na sem lembran a da sua for a sugestiva original; o que fora uma vezcxclama ao de "santa admira áo

"

tomou-sc um Icrmo cotidiano, des-

45

Page 23: Religião e cristianismo(1 page)

valorizado, profanado: "Tu nao vales nada, mcu bem". Coniradi<;áo

que chama por urna dcsmilologiza ao... Desligado de sua fonte. olemK) "meu bem"

loma-se puro foniialismo c alé ironía chocante. Epreciso retira-lo da circula áo. "Vai trabalhar, vagabundo" soa bemmais auléntico... Mus isso nao quer dizer que Teivzinha nao pederávolcar a viver sua sania admiru ao e emao mtiiBU bem

"

soará nova-

menle auiémico. Assim. o milo nao deve desaparecer do universahumano, mas deve flcar no seu lugar: a experiencia do inef vel.

1.3.3 - A religiáo comofonte

Tendo urna fonie própría e irreduiível, a religiao loma-se. porsua vez

. fonie de riquezas inesperadas na vida humana.

a) A estrunira ao do mimdo

A religiao oferece ao homem a mais fundamcnial das estrulu-ras de seu mundo: a estruiura "profano-sagrado

"

, que nao é outra coi-sa do que a dislin(;áo entre o relalivo e o absoluto. Diz ao horneraonde aparece o absoluto, o senlido último da sua vida. Dá orientado ávida. Liberta o homem docaliveiro da "i mangueia" (cf. 1.4.2), de um

mundo que é complclamenle determinado pelas próprias categorías deseu conhecimento e sua atua ao humana (praxis), que o homem sabemuilo bem nao ter valor absoluto. É o que o físico nuclear e premioNobel Heisenberg (1901-1976) quis expressar pela seguinte imagem;a ciencia e a tecnología se parecen» com um navio enorme, circundadode tama esirutura de a o. que a büssola nao indica mais o polo nortemagnético B sim o próprio centro de gravidade do navio, que. ponan-to. fíca (lilemlmente) desnortcado. A religiao restaura a atra áo dopólo norte em nossa vida, ensina ao homem que as suas estruturasimanentcs nao Ihe dito safda.3'

Pode-se responder que us religioes se contradizcm e que.purtanto. em vez de indicar um sentido para a vida, elas apenas com-plican! e criam confusao. Mas veremos que. no essencial. as grandesreligioes nao sao IftO contradilúrias e que lodas elas ensinam ao ho-mem sair do pequeño mundo em que ele se senté "dono", para se cn-

:T Ciladn era BOU.NOW. Oflf) IVicdniii fieme C.chiHsrnhil. 1 AulI SiuilgailKoWhiimmcr. !'>6ü.

46

tregar ao que. esculando o mais ínlimo de seu ser.ele conhece confu-

samenle como sendu maior do que ele.

h) A dinihiiiai do irtinscendcr

Assim, a religiao comunica ao honwm a "dinámica do trans-cender

"

. Knsina ao homem ullrapassar-se constantemente, sair dassuas certezas limitadas, arriscar-se. Quem tem medo do desconhecidoc como um motorista que sai para passear. mas nao ousa entrar emouiros caminhos que nao as auto-estradas supcrlotadas. Quem confiaem Deus procurará caminhos novos, lalvcz difíceis, mas que condu-zem a perspectivas nunca suspeitadas. Descobrirá, por exemplo, quetem mais felicidade em dar do que em receber (At 20.35). que perdera sua vida e doar-se é ganhar a vida (Me 8.35. etc.). Descobrirá quealém das certezas da matemática e das cíéncias exatas há todo um

campo de vida em que possa desenvolver urna liberdade incompará-vel: a liberdade de amar ou nao os homens. A religiáo.

revelando a

limitavao dos nossos redutos, toma-nos nómades, mas nómades feli-zcs.

Hsla dinámica do imnscender é impórtame, .sobtetudo, para orelacionamcnto com o nosso semelhante. Para respeitar o ouiro comoouiro. devemos ulirapussar os nossos limiics. Nao podemos obngar oouiro a eninir em nosso esqueminha pessoal. A religiáo nos ajuda pañiisso. orientando-nos para o Ouiro absoluto, o Tolalmenle-oulro. queestá alrá.s de qualquer ouiro que aparece em nossa vida.

e) Ubvrdudc t gratuidode

A religiáo é fonie de liberdade e gratuidade, porque nao fica-mos mais apegados ás nossas iicrtew. efémeras. Nao ludo, na vida.deve servir para o sistema em que nos encapsulamos. Deus é surprc-endenie. A vida o pode ser lambem. Vivemos na certeza de que"recebemo.N de gra a" e que. porlanlo. p»KÍemos dar de gra a também(Mi 10.8). Tendo a certeza de que Deus está présenle na sua vidacomo rochedo inabalável. o homem supera a angustia existencial quecaracieriza o nosso lempo. Podernos aprender dos eremitas e dosmonges orientáis esta confianza no "fundo do nosso ser", que dá se-guranza em qualquer silua áo.

Urna caracleríslica do homem religioso c a ausencia da O/l-gúslía (iiisegumnva existencia! a respeito do próprio ser) e a facilida-

47

Page 24: Religião e cristianismo(1 page)

de cm superar o medo (por um objeto determinado). O excmplu dissoe a agonía de Jesús Crisio que. lendo sua monc dianie dos olhos,

se

sobe amparado na vonlade de seu Pai (Me 14.32-13; cf. Jo 12.23-28).O homem religioso sabe que ludo o que ele pode perder, deverá per-diMo um dia. alé a própria vida. Mas o esscneial. ningucm Ihe poderoubar (Mi 10,28). Por esta raziio é tao comum os santos se tomarem

heróis. Libcrdade e gnituidadc. ausencia de angustia e medo, estas sáoas quahdades que comunican! ao homem religioso urna cficácia in-companíve! para realizar seu ideal.

í/í l'oesiit é rriciiivühdv

Pela liberdadc. a exisléncia encontra, na religiao. novamenle apoesía, da qtial o homem moderno lem tanta saudade, porque ela selomou rani na civilizando industrial. Esta seja talvex a explica ao dosucesso de filmes como "Irmao Sol, Irma Lúa". A dlmensao religiosarestabelecc o contato com a totalidade do ser e dá. assim. espado acriatividade poética.

"

O homem sabe que ele nao eslá submisso a urnafatalidade cega. embora "Cíimputável"... Sabe-se responsávcl por ummundo novo, invernado por ele mesnio em harmonia com a fonte deiodo ser.

e) Saíuic psíquica

Nao .se admira que a religiao. nesle sentido (nao como obses-sao neurótica naluralmenle) seja um falo importante para a saúdcpsíquica.'

" Ajuda o homem a relalivizar-se a si mesmo. assumindo,porém. urna responsabilidade petante o Absoluto. Este "

perante"

c

imporlanto. O homem recnconlra a nhjeíividade. Nao ¿ mais nelemesnio que tudo se decide e recebe sentido. É peranie Q Outro. o To-lalmente-outro. O homem sabe que cié mesmo nao tem a última pala-vra. mas lem que responder. Isso causa uma atitude objetiva. Já nao évítima das oscílavoes do subjetivismo. Ao mesmo lempo, o homemsabe que o que ele deve responder, encontra ouvido. Nao fala a simesmo. Rstá em diálogo. Seu ser complela-se pelo diálogo comAquele que é verdadeiramente o Ouiro e nao o objeto da sua veleida-de. O homem enconlra di nidade porque enconirou um parceiro de

a "Pocsia" (do j-rcíío /w>iV/n: fa/cr, prinlu/ir) !»ipninca. m> fimiln; cnaiívidadcCf. SIEGMl'ND, OcAiii ffí cm Un* c saiitle psíquica. Sao Paulo: Utyola, 1971.

48

!

verdade. E como num Ireinanienlo para o boxe: bater num saco deareia pode desenvolver os miisculos. mas aborrece; so quando sai ojogo contra um parceiro verdadeiro, que responde e suq»reende. oesporte se torna inieressanie. Assim ¿ Dcus: ele proviKa as poicncia-tidades mais profundai do homem. desinstala-o, mas fa/ circular seusangue...

"

Mcu pai". conia o místico medieval Mcstre Eckhan (1260-I32S) na introdu áo do livrinho Dn Mílagre da Alma, "linha o cosiu-me de mandar o seus hóspedes. pela meia-noile. ver se nño havia as-sallanics nos bosques ao redor do casielo. Hntrctanio cic mesmo saíapelo ouiro lado, disfamado em salteador, e provocava o hóspede a umduelo. Um dia, um hóspede quasc malou meu pai. E este se tomou oseu melhor amigo.

"

A lula com o anjo. com Deus (Gn 32. 24-30). aprovocagao do Absoluto em pessoa. desenvolve, no homem. a suamais profunda dignidade e o loma profundamente sadio. Pois ele en-trenlou o que. senao, ficaria desconhecido e fonle de angustia.

c) Humaitismo i/li0gn¡t

A religiao é. assim. a fonte do verdadeiro humanismo. Léwitodas as dimensocs humanas a sua mais profunda raiz e sua mais ele-vada rcatiza áo. Nao c por nada que a arte religiosa foi sempre a maisexpressiva e valiosa, que a moral se desenvolveu c se refinou no ám-bito religioso, que a organi/a 'ao social, em mullas culturas, se baseoucm modelos religiosos. Assislimos. hoje. hs lenlativas de fazer umhumanismo sem Deus, mas parece que o mais humano ueste huma-nismo é precisamente o que ele conservou da religiao: o rcspcito sa-grado pelo próximo, Fica por se ver agora quanio lempo esle huma-nismo sem Deus conservará aínda esle respeilo, até que o sacrifiqueao "

progresso"

...

1.4 - A eslruluru racional da fé religiosa

Nao queremos aprofundar aqui o assunlo das "provas daexistencia de Dcus

"

, já que pertencem ao campo da filosofía.1" Con-vém. porem. situá-las no conjunto da teoría da religiao. Blas expres-sam. por assim dizer. a cstrulura racional da fé religiosa.

10 Cf. GIRARDI & Ql'ADROS. r,/.. di. (n. 15!. p.&7s.

49

Page 25: Religião e cristianismo(1 page)

1.4.1 - Irracional e racional

A rcügiao c csscncialmcnic adcsao afcliva. Ncsie sentido po-demos dltuná-b de a-racional, pois cía náo ptovem de um raciocinio:podemos chamá-la de supra-racional. porque ullrapassa o raciocinio.sendo bascada numa presenta, numa experiéncia direla (cf. 1. .2a). AreligíSo nao é cunclusao de um silogismo, mas fe. confianza numavivencia. Devenios estar conscientes dos limites da razüu?. O filósofo

Hcgcl (I770-I8ÍI), que nao pode ser acusado de falta de racionalis-mo, descreve a fun ao da Í$zBÓ com a seguinle imagem; l ejiois de osImniens lerem cumpridu a liuvl'a do dia. sai a curuja de Minerva (ara/iío filosólica) para ver o que aconieceu. embora nao o veja acontc-cendo e apenas enxergue ludo parado c. além disso. sem cores ta co-ruja é dallonica). PiKlentos aplicar esta imagem a retigiáo. Bmborafundamentalmenle a-racional, que descubra sua estnilura, mas naoparticip;i da sua vida. A religiao lem a sua lógica <é o que enxerga acoruja de Minerva), mas nao é a logícu que decide na religiao. A teli-giáo decide antes de a razao sair de seu ninho.

1.4

.2 - Transcender, transcendencia e imauéncia

A inteligencia humana lem conscíencia dos objetos da suapercep<;áo. Recolhe e organiza-os num "mundo

"

.Este mundo, cons-

tituido pela interferencia da realidade em sí - que nao conhecemos - eas categorias da percep áo humana, é o que chamamos o "imánente".

o que "fica dentro" (do lalim in + mancrv) da percep ao e da constni-ao lógica fundada na mesma. Mas a inteligencia ou. maís específí-

camcnie, a razílo critica, lem lambém consciencia de ser seu própriolimiltí da visao. Há muila coisa que o olho é ao nK'smo lempo o re-ceptor e o limite da visao, Outros porém véem, ou por outros sentidossabe-se que existem ouiras coisas. Porque o olho nao vé. nao vamosnegar a existGncia destas uulras coIsjis. Assim, a razao crítica sabe-selimite, mas nesta mesma consciencia concebe a possível existencia dealgo além do limite que ela é: o "transcendente

"

ido latlm íráiu +

sceiulerc). o que ullrapassa a pefeep ao imánenle e a lógica alimenta-da por cía.

A díslin áo entre imánente c transcendente afeta toda a vidahumana, p.ex. a ética. Se atguém condu/.lr a sua vida em tim ao doque pertence ao campo du pcrccpváo da inleligéncia (dinheiro, suces-so. progresso. bons rclacionamentos, bem-estar universal) podc-se

50

dizer que ele lem urna moral imanenlista, Se. porém. ele acredita queo sentido de sua vida se sitúa no campo que escapa ñ nossa percep ilo.diz-se que ele admite um sentido transcendente da vida.11

Ora, se a razao crítica é consciencia de limites, podemos dizerque ela lem um "conheeimcnlo negalivo

" da iranseendencia, no senti-

do de saber o que. o iransccndente nao é. O iranscendenie nao é o quea raziio eonscgiie englobar. Sabe lambém que o iranscendenie está nolimite que ela mesma é ou, em muros termos, que o transcendentefundamenta a possibihdade da razáo humana. Armada com csses doisprincipios, a razao pode tratar de vislumbrar o "alcm

"

de seu límite, o

transcendente, sabendo que nunca o há de englobar como engloba osobjetos da pcrccpváo empírica e as dedu óes da lógica. íí maís umlomar consciencia da presenta do iranscendenie no seu próprio limite.E&ta tomada de consciencia chama-se: transcender.

¡.4.3 . Consciencia de limites

Antes de analisar mais profundamente o transcender, devemosmostrar ulgumas conseqüencias da consciencia que o homem lem dasua limilaváo. Pois isso. nao apenas diz respeito á sua perceptao, maslambém ao seu agir, que depende da sua percepí;áo.

Nesle século do "progresso ilimitado", como se dizía ingenu-amente ñas décadas de 20 e 30. parece um tanto quadrado falar delimita au do homem. Conquistamos océanos. Conquistamos as flo-restas intensas dos trópicos. Conquistamos o espado. Um conheci-mento tecnológico sem igual na hisiória permiie inlerveníoes inespe-radas no próprio comporlamenio humano. Pode irocar-se de cora áo.Pode transmilír reporlagens de futebol por satélite...

Há. naturalmenle, alguns inconvenientes lamlwm. O progres-so sempre custa um pouco. Para fazer novos csgoios precisa-.se abrirburacos na ma. Para desenvolver a lecnologia industrial é precisoabrir hunieos na ierra e eximir o petróleo, de lal modo que no eomeyodo século XXI podere mes ficar sem petróleo. Para abrir as florestas épreciso cortar árvores. mas parece que islo perturba o equilibrio eco-lógico. como confirmam enchentes cada vez maís desastrosas, en-quanto a Ierra perde sua proievao natural contra o sol iropical. Pode-mos colocar no espado alguns aslronaulas. a euslo enorme, mus naopodemos escapar da poluiíño das nossas cidades. Alguns podem trev

" O/', di., p. 62s.

51

i.m i.

..

üflrflifoda

Page 26: Religião e cristianismo(1 page)

car de cora áo, mas a grande maioria nem (em dinheiro para compraruma "aspirina

"

... Enireiamo os láo exaltados mcios de comunica áoaiDBa Un J vida pcssoal c privada, e Iodos procuram os incios maisinadequados para escapar de uma sociedade desequilibrada, na qualningucm qucr assumir algo.

Este tipo de progrcsso lembra. as vczcs, o Moloque dos feni-cios ou os deuses dos incas, a quem se imolavam os filhos. Parecemosuma gera ao imolando as gcraíocs futuras a um progrcsso aventureiroe desconhccido. a um sonho que pode um diu acabar. Quando naohouver mais maiérias primas, por exemplo... Bom. dizemos, pelo me-nos tcremos conquistado a ciencia, e esta nao depende de materiasprima.\, pois c umu facutdudc mcnial. Duvido. Qucm concebe a nossaciencia natural sem toda a aparelliagem lecnológica que depende,

em

alio grau, das maiérias primas. Como ficarao os nossos laboratoriosquando nao houver mais petróleo para produzir nylon e plásticos.Tambéin a ciencia humana pode chegar a um limiti:. c esta civili/a áoao seu fim. E nao serta a primeíra civilizagao 5 qual isso aconteces-se.

"

Mas esla limitaban dolorosa enconlra-sc cm tudo o que fazc-mos e vivemos. O próprio núcleo da nossa personalídade nao escapaas limila óes: nem sempre conseguimos ser nos mesmos. Em algunscasos o homem fica até complelamcnlc alienado de si mesmo - ospsicólicos. Mas lambém os "normáis

" lem seus momentus dé neurosc

e nao conseguem se encontrar consigo mesmos na complexidadc derciacíonamentos c tárelas que Ihcs é imposta.

Na nossa liberdade cxperiiKentamos a timitav'ao física como amenos impórtame, porque, pelo menos, deíxa a nossa personalídadeintacta, Mesmo isso nao c completamente verdade. Até um cenoponto somos o que fazemos. Portante, impedidos de l

'

azcr. somos

menos, diriam os filósofos da "práxis"

histórica. Mas cm qualquerhipólese. sofremos limita óes multo mais profundas do que a física napreciosa liberdade que nos loma humanos: obsessocs, escrúpulos.condicionamcnlos que. psicológicamente, diminuem a nossa liberda-de; a psicasienia. tao freqüente nos centros urbanos; as limllavocssócio-culiurais

, preconccilos. prcssócs, o monstro da publlcídade, etc.Alé a nossa consciéncia nao escapa da limilatao. Se temos a

sorle de nao sermos psicópatas e, portanlo, dispomos da capacidadede escolher entre o bem e o mal

. scnlimo-nos profundamente insegu-

n Cf. OVERHAGK. Paúl. Homem. cáncer Ja ie,ru. Pclrúpohs; VoMt. 1971.

52

!

ros ao cslabelecer o que é bom e mau. A nossa educa áo nos deu mo-delos, mas nem todos sao válidos. O ambiente sócio-culiural apré-senla oulros. as vezes contradilórios com os primeiros, E a Ici naturalé láo geral que dá lugar a varias interpreiavoes. Quem dirá o que sig-nifica, em cada circunsláncia imaginável,

"nüo matarás"

? A teologíamoral previu, por isso, o caso da consciéncia pcrplcxa, que deve es-colher algo sem poder saber com clareza o que concretamente é bomou mau.

Parece que a vida humana, apesar do iriunfalismo da lecnolo-gia c de uma certa psicología, é uma continua confronta üo com seuspróprios límites, c esles encontram-se no núcleo mais íntimo da per-sonatidade. Mas sobretudo, a própria vida lem seu límite: a morte. Ohomem distinguc-se do animal porque ele sabe da sua morte. Naoconsegue viver apenas o momento presente. Vive o momento presentecomo viriualmenle passado. na luz de um futuro que eslá sob o signoda morte. Por isso. lambém os alos humanos nao sáo indiferentes.

como de um animal que repele as linóes dos seus instintos. O homemsabe que seus alos conduzem a um ponto definitivo, um destino doqual nao há volia, um po

'

mt of no retum, normalmente situado no

momento da morte - pouco impona como se determine este momento(cf. 8.1). E precisamente este destino definitivo dá aos alos humanosum sentido, um sentido único e - considcrando-sc a tolididadc da vida- definitivo. No limite mais radical do homem está o seu sentido mais

profundo. Somos um "ser para a morte"

(Heidegger).

1.4.4 . Siíua áo-Hmite e experiencia da trattscendéncia

A situaíáo-limite que acabamos de evocar, a morte. nao c aúnica em nossa vida. Karl Jaspers (1883-1969) menciona, alcm desiae como preparado para ela. a culpa, o sofrimemo c a luta. Em lodasestas situatóes. o homem experimenta o limite de sua finitudc; aí sur-ge a decisao. a escolha: ou ele reconhece que a sua aulo-afirma áoconduz a nada, ou enlño assumc a sua existencia, na fnislra áo daauto-afirma áo,

como um dom do transcendente. E esta última alilude

é a única, conforme Jaspers, que realiza, de maneira uulénlica. a nossarazáo, que c a faculdade de transcender.

A análíse de Jaspers nos parece, porém, incompleta. As silua-fócs limites, que ele menciona, caraclcrizam-se pelo vazio. pelo nadaa que conduzem. E o transcendente, que aí se experimenta, é umtranscendente anónimo, um mero código de algo inacessível. Parece-

53

Page 27: Religião e cristianismo(1 page)

nos que há ouiras silua óes-limíies. cm que o iranscendcnle nao ape-nas é experimentado como um desconhecido. mas, cm que ele"

transparece"

, por assim dizer. Temos, por cxcmplo. o amor. H imn-bém urna siluu ao-Iimite, pois sitúa o homem no scu limilc, cm queele cxpcrimcnia que a sua auio-afirmaváo ó nada e a do ncu parecirotambém. e que um confirma o ouiro na cxisléncia, mas nao a partir desi mesmo. porque o mesmo é nada, mas a partir de urna transcendén-cía gracias» que dii u existencia a ambos numa confirma ao múlua.Isso é que significam as simples palavnis Ja mo a que di/ ao seu na-morado: "Agora sei que sou algucm. cnquanlo ele, maravilhado. per-gunla o que fe/ para isso... Fui o Oulro que te/.. Ou aínda, no amor cque o homem experimenta, da maneira tnais radical, sua insuficiencia.Ninguém jamáis urna hustunie ou é amado hasiantc. Conludo. experí-menta-se no amor um dinamismo transcendenie. uma superado dcs-tes límites, que nos diz algo a respeito do ser que sustenta o nosso ser.A mesma coisa observa-se no perdao. O homem senté, no perdao. queele nao lem aulorídade para perdoar, pois qualqucr lesao da minhaexistencia é. em principio, uma ofensa a qualquer existencia c a toda aordem do ser (quem mata a um. é em pnncípio capaz de matar a qual-qucr um: atinge, porlanto. toda a humimidadc), H contudo. o homemsabe que pode perdoar eficazmente, o que é possívcl porque no seulimite exi.stencial está presente uma iranscendéncia que perdoa.

1.4

.5 - O sentido das "pravas da existencia de Deus"

Na experiencia do Iranscendcnle ha tres móntenlos: um trio?mcnlo positivo, a experiencia da minha existencia como potcncialida-de aberta: um momento negativo, a experiencia do fracasso, do limite;c um momento de transcendencia, de supera ao do limite pela aceita-glb do ser transcendente que fundamenta mcu ser. Ksla c a estruturafundamental de todas as assim chamadas "provas da existencia deDeus". que se podem encontrar em qualqucr bom manual de filosofía

O importante para nos. do ponto de vista religioso, é reconhe-cer a nuturoza limitada das provas da existencia de Deus. Lógica-mente cías cstao cenas. Mas nao convencem. porque alguém podepreferir o nada e o absurdo ii transcendéncia que Ihe desse a existen-cia auténtica. Os existcncíalisias da linha de Sartrc dirao que precisa-

" P. c«.. GIRARDI * QUADROS. o/», di. (n. 15). p. 67s.

54

mente na aceita ao do nada e do absurdo eslá a niKenlicídade daexistencia. A aceila áo do Iranscendcnle depende, em última análise,

nao da lógica das "

provas" e sim. de urna decisao do sujeito (cf.

1.4.1).

Qual é. cnlao. o valor das provas? I: que elas antes "moslram"e exemplificam do que demonstram as dimensoes do Transcendente.do Invisívcl. do Inefável, neste mundo imáneme, visívcl, dcscritível.

Mostram o transcendcnle présenle ñas observa óes mais obvias danossa consciéncia cognitiva: a cria áo, u ordem causal, ele. Hnsinam-nos que os limites da nossa existencia e do nosso conhecimenlo náoBjfio um muro macizo que nos separasse irremediavclinente do trans-cendente. completamente dcsconhecido. mas antes, janclas que dei-xam iransparecer o fundo do nosso ser. Assim como c o nosso ser nasua mais alta aspira fio, chegando ao seu limite c ale fracassandonesla lenialiva, ¡tssim é, num grau incomparável, o ser que nos dá desermos e que nos chamantos Deus. Ensinam-nos a ver Deus náo ape-nas como um código cifra, ou como um último recurso de um racioci-nio frustrado (enlSo poderíamos preferir a frusira ao como sendo maisaulenlica). mas como verdade, perdao. autor, doa 'ao. pessoa.

1.5 - Rcvcla áo e proje<;üo religiosa

Na estrulura racional da religiáo apaa-cc claraiiKnlc qual é arazáo por que, na descrit.ao fenómeno lógica, dissemos que cía é irre-dutível: a religiao é. no fundo, revela áo. H apari ao do iranscendcnleno limite da minha exisicncia. Nenhuma ciéncia pode suprir a funfáoda religiao nesta apari iio. que nao responde a cslruturas universaisutas se realiza no rcdulo mais mcomunicável da personalidade, láonde a coiminicai;ao se loma silencio.

Mas se Deus se manífesla no limite e como Aquele que de-icnnina o limite da minha exisiencia. vejo-o através desie limite, pro-jeto n'Rle a minha experiencia do limite. A projeíáo religiosa fazparle da revela 'ao

].5.l . Revelando

Na historia das religióes. o termo "revelaíao" é. as vezes,restringido as religioes que deixam Deus falar direlamenle, as religi-óes profélicas. por exemplo (cf. 2.2.3). Achamos isso um conceitomutto estático c restritivo de "rcvcla áo

"

. Mesmo a tcologia católica,

55

Page 28: Religião e cristianismo(1 page)

desde os Sanios Pudres da Igreja amiga alé hoje. reconhcce sementesde rcvcla áo cm qualqucr rcligiáo digna dcsle nome c ale no huma-nismo sincero. Se chamamos de :. . i.. a experiencia de que "Dcus

fula", como aconiece aos profetas. n3o podemos dizer lambem queHle fula quando o homem. contemplando a natureza. senté a presenta

de urna insúmela numinosa. de alguém que tem a última palavra emtudo isso . c depois trata de traduzir cm rcligiüo esla experiencia?Temos revelui¿ao quando umu iniciativa de Deus revela uo homem suapresenta e atuavao. nao quando o homem por suus capacidades pró-pria.s, (p.ex., por um raciocinio) concluí a cxtstdncia de IX'US. Masquem poderá negar que lambem a ordem da críaeao é urna iniciativade Deus, uní ato de comunícu áo. II o homem religioso u experimentacomo tal.

Parece-nos que penence a esséncia da religiao ser revela áo:o misterio do ser mos(ra-sc. revcla-sc de mancira originária c origi-nante ao homem. Originária, no sentido de irredutívcl. E originante.no sentido de criar urna nova rcalidude, a cslrutura da transcendencia,

sem a quat a existencia humana fka indeterminada e sem sentido.Quando urna rcligiüo nao é revela ao, palavra de Dcus, ela

toma-sc ideología humana

1.5.2 - Proje ño religiosa e imagem de Deus

O conceito da proje ao religiosa tem sua origem na ótica:iluminando urna imagem ininsparenle projctamo-la na parede opostu afonle luminosa. Do mesmo modo o homem projelaria ímagens da suarealidade contra a parede do infinito. E esla proje<;ao seria a imagemde Deus. Mas. entao, Deus nao seria oulra coísa do que a amplia áoinfinita de realidades imanentes. de conceilos humanos?

A projevüo religiosa é um falo inegável. Chamar a Dcus de"

pai"

. dizer que Ele é "pessoa". falar de scu "amor", etc.. sao cena-mente apüca dcs de categorías humanas a Dcus. Mas será isso urnarazao suficíenie para condená-las? Seria táo absurdo como dizer queum filme nao lem valor porque apenas projela na tela urna serie depequeñas Ímagens feías e indislingufveis que se encontram numa caí-xínha... O valor da proje ao religiosa deve-se medir nilo pelo fato deutilizar imagens humanas (embora isto tenha seu valor específicolambem). mas pelo falo de projetá-las. e bem ao infinilo. A proje?3odá uma qualidade nova ao que é projelado. SenSo. a proje ao nño lenasentido; poderíamos olhar - r-"i diretamente, sem projetá-la... Ou

56

!

pensando em termos de p¡rq¡é$5o geométrica: quando um segmento deuma reta é projelado ao infinito, esta proje ao é qualitativumenie dife-

rente do segmenio projelado. poís c infinita, o que o segmento nao é.A proje ao é reveladom. Revela algo que niío ve no objeto

projetado, E difícil, olhando um diaposilivo, fa/er uma ídéia do que severá na tela quando for projelado. E no caso do nosso segmento deuma reta, podemos dizer que a proje ao revela uma qualidade escon-dida. Na geometría, isso tem suas conseqiiéncias. Quando há doissegmentos paralelos, ninguém vai dizer que se cruzam. Mas projeta-dos ao infinito, podemos dizer que as duas retas se cruzam no infinito.Alguém defíniu a proje Üo religiosa com estes termos: "Como se vis-se o invisível"'. A proje üo religiosa faz ver o invisível.

Ora. isso c possível apenas porque no objeto projetado o infí-níto, o incfável e incomensurável está virtualmente presente. O ho-mem pode projetar urna imagem de Dcus porque Deus nao Ihe é com-pletamente alheio: porque Dcus está virtualmente presente na suaprópría realidade humana, Isso significa a misteriosa frase da Bibliadizendo que Deus criou o homem ii sua imagem e semelhan a (Gn1,27), É. sobreludo. em Jesús Cristo que isto se manifesta. A proje flo

religiosa conlere ao homem uma nova compreensao de si mesmo,mostra que ele é, conforme a palavra de um Santo Padre, "capaz deDeus".

A proje áo religiosa é o pólo humano de uma diatélica cujopolo divino c a revelavao, a manifcslaváo do infinito no finito, Reve-la ao é Deus que vai ao encontró do homem. A projc<;áo religiosa ú ohomem que procura Dcus. A plenilude desta díalétíca nao se atingenesta vida, enquanto o homem está preso no seu imanentismo. Agoravemos num espelho. confusamente, diz S. Paulo (¡Cor 13.12). vive-

mos de projecáo em projeíáo...

1.5.3 - Proje$áo provisoria eJixaqáo indevida

A proje ao religiosa é necessária; ela é lambem provisória.Acontece, porém. que pessoas. que descuidam do seu crescimentoreligioso, ñxam as suas primeiras proje oes de Dcus para semprc, eassim chegam a se fazer uma imagem infantil dele, imagem que osacompanha a vida ínteira. Como já dissemos, falando do milo: quandoa inspíra ao originária do fenómeno religioso resseca, as ímagenslomam-sc ídolos. Assim tdfnbém quando as projevóes infanlis nSo s&Ocontinuamente subslítuídas por novos "projetos

"

de Deus, Quando

57

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isso acontece, a imageni infantil de Deus lonia-se ídolo, o falso deusdo adulto.

Dissemos que a imagcm do pui. por causa de scu caráleraberío e quasc "milico"

(simbólico), c um ponto de saída imito ade-quado para a proje áo religiosa. Mas a imagem do pai é. normalmen-te. provisoria. Na ncurose acontece urna petrifica áo mórbida da ima-gem do pai, mas nao podemos concluir daí que todos os homens se

fixam na primeira imagem do pai e ponamo também na primeira inui-gem de Deus (cf. 1.3. Ic). Tul Hxa ao é um fenómeno de düen<;a. Nocaso normal, a significavao do pai na vida muda. A experiencia realdo pai como pessoa, i.é. como um "outro". abeno pura novas deletmi-navoes, vence a imagem lechada c esicrcolipada que talvez tenha so-brevivido no inconsciente. Se acontece o conlrárío

,temos uma ncuro-

se.

Mas na proje ao religiosa, muitas vezes, a imagem fechada dodeus-pai c que continua a se impor. Hntau podem acontecer duus coí-sas: se sadio. o homcm abandona esta imagem de Deus c o conecitocorrespondente da religíao; se mórbido, apega-se a esta imagem ccometa a demonstrar um comportamento neurótico, caracterizado pormedo. obsessao

, cscnipulosídadc ou entiio. fanatismo c exnllaíao.Por isso, c tao impoilanle termos uma imagem ahnia de

Deus, que se possa modificar conforme a experiencia sempre nova doInfinito e Incondicionado cm nossa vida. Devemos continuamente

expulsar da nossa vida os deuses petrificados, os ídolos.

1.5

.4 - Imagensfalsas e imagem adequada de DeiisM

al O deus músico

O pai pode tudo, pensa a crianza. Deus muito mais ainda, diza proje áo religiosa. E assim como a crianza evita provocar o poderdo pai e antes trata de utilizá-lo para a sua própria sntisfa ao. assim ohomem trata de se servir rcspeilosamenle de Deus. Traía de apozíguara sua forfa misteriosa por expia ocs e utilizá-la por promessas e im-ploni oes de todos os tipos. Até o impacto sexual do pai. constituinlcprimordial da imagem paterna inconscienie (segundo Freud). projela-se neste tipo de religiao mágica: símbolos scxuais (a figa), caslra áo eoutras formas de rcpressáo sexual, ao lado de exibii ócs que procuram

u O. BARRRAl (. Jeaii-Claudc Qucm r Dais? PclcrtpoIlM Vwc*. 1972. p. I

58

apropriar-se desta for a (celtas atiludes inconscientes de devotos cmtranse, quando "baixam

"

os orixás...). Pode-sc dizer, em geral. que aalilude mágica é a lenia áo do homem de utilizar como objeto o poder"numinoso

" de Deus. É o contrario da alitude "pessoal" na religiao.Certas formas da atitude mágica entraran) até na religiao crista, embo-ra nascida da preücupa<;áo conirária. Muitas pessoas lém idéias mági-cas a respeilo dos sacramentos e das bén áos. Mágica é também ainterpretaíño da morie de Cristo como "lavagem" automática dospecados, perpetuada num rito balismal puramente formal.

R evidente que, na atitude mágica, o [Kider de Deus logo perdeseu caráler numinoso. Knlao, o Onijiontcnie perde seu aspecto temívele toma-se a lámpada mágica de Aladim. Está a disposi áo quandoprecisamos dele; se nao ele mesmo, pelo menos seus subordinados, ossantos. V. quando niio alende ao pedido. S. Aniónío vé sua imagemvirada para a parede. castigo destinado ao deus mágico que nao quisservir.,.

b} Quehra-gaUw t tapa-huracn

Deus aparece, na alilude citada, como um qiiebra-golho. H odeus que a gente deixa na gaveta até o momemo de entrar na fossa.Entao se precisa dele. Come?a-se a rezar, fazer promessas. etc. 0" '"faz assim c como algucm que conhece seus amigos só quando precisadeles.

A versao científica do deus quebra-galho é o deus ¡apa-huraco. que aparece quando o homem fica cansado de pensar.., O quea inteligencia, por enquimio. nao consegue perscrutar - o buraco danossa inteligencia - é tapado com um recurso a Deus. É esta not;áo deDeus que encontramos na maneiia bástanle divulgada de considerarcomo "milagre

"

, i.é. inierven ao divina, aquilo que a n»edicina (porenquanlo!) nao consegue explicar. No día em que soubcr explicar.caira o milagre,.. A conseqüéncia disso é que muitas pessoas. desdeque conhecem os mecanismos do subconsciente c da sugestáo, ja naoconsideram como milagres os exorcismos de Jesús, embora Ele mes-mo os lenha considerado como sinais por excelencia da presenta deDeus (Mi 12.28 = Le 11.20). Nada especial, pois já os contemporá-neos de Jesús linham as suas cxplica ócs para os exorcismos (

"

pelafor a do demónio". diziam cíes)... Os que procuram lais "explicaíóes"de exorcismos c milagres csqucccm que Deus nao precisa de coisas

59

or diroHoo

Page 30: Religião e cristianismo(1 page)

inexplicável.s pura moMcar a sua pre.seni,;!. O mais colidiano pude sero maior milagre. Um amor vcrdadeiro. por cxemplo.

O mesniü erro entrou no conceiio de cria áo. O positivismonegu que Dcus crlou o homem. pois osle se desenvolveu a panir dosprímatas. A teoría evolucionista tomou o conecito de criai;ao super-fluo. dizem. Mas os defensores do dcus tapa-buraco, depois de umrecúo estratégico, voltam afirmando que Deus criou a vida biológica.l partir da qual se desenvolveu a complexidade cerebral do simio, queultrapassou o limiar da humanidade. Que diráo. enláo. no diu em queu biológico for produzido em tubos de laboratorio? E maís razo;íveladmitir que Dcus criou. nao apenas os hominóides c os microorga-nismos. mas u mim e u ti e a qualquer um de nós. Pois cada um de nostem lanía origínalidade e misterio, que nenhuma explica áo biológicajamáis o poderá explicar. Cría áo é ouira coisa do que um produto delabomtório.

O deus tapa-buraco enlrincheirou-se. com boa camuriagem. naHlosofia. Quando o pensamento tem percorrido todos os elos da cór-reme causal, chega a dizer que Dcus é a primeira causa - a primeiragalinha que pos o primeiro ovo! Como se Deus fosse unía causa domesmu nivel que as causas imánenles... H quando a reflexáo tem me-ditado sobre todos os possíveis sentidos da vida, sem encontrar umque satisfaga, diz que Deus ¿ o sentido final da nossa vida. É verdade.mas nao é filosófico! Se a filosofía for ciencia, ela deve pensar e ondenao consegue mais pensar, tem que se calar e deixar o misterio sermisterio.

O Deus verdadeiro nao mora nos terrenos baldíos da ciencia e

da filosofía, E a revelado do misterio. Conforme Paúl Tillich (1886-1965). a palavra misicrio nao devería ser aplicada a algo que dcíxa deser misterio depois de revelado. Nada que pode ser descoberto pormeio de urna abordagem cognitiva deveria ser chamado de nüslério.

O deus entrineheirado nos arrabaldcs inacessívcis da cidade

dos filósofos e cicntistas será necessariamenté expulso cada vez que aciencia descobrir urna nova explicafño e a filosofía,

um novo sentido

da vida. Por isso. cada nova filosofía, que surge, vai acompanhada deum surto de ateísmo. 0 Dcus verdadeiro. porím. vale sempre.

O erro da imagem do deus tapa-buraco nao consiste no fato deadmitir criagao e milagre, mas no "por enquamo". Pois com o próxi-

TltUCH, Paúl. SvMfmtnic Tlieologw Chicago: Kniv. ofChicagrt Pr, 1951. vol. I.p. IORí. Cí. ALVtS. o/: CÜ, (n. 2). p. W.

60

!

mo progresso da ciencia este deus lera que se retirar da sua trincheira.É um deus sempre em evacúa?áo. travando batalhas de retaguarda.

O deus tapa-buraco tem tambem sua históría no campo social.No sécalo passado. eslava na segunda linha de batalha do capitalismoliberal. Depois que passara a máquina mcrcantilista dizimando o bem-cstar de urna populado, saía o dcus assístencial de sua trincheira paracobrir os mutilados com o "manto da caridade", protegendo assim ascostas dos desbravadores contra um eventual ataque dos descontentesque ficaram atrás! Mas. no sccuio XX. icoonhecendo a incoeréncia dosistema bascado na ficsao do "homem económico", mudou de campoe come ou a pedir subsidios ideológicos no campo oposto do libera-lismo para cncher - no nome de Deus - as brechas praiicadas por este.Como se o novo sistema fosse urna emana ao da onipotencía divina.Pobre de deus que nao ousa propor urna solu ao própria... este deusnao é o Deus de Jesús Cristo, que. pelo mandamento do amor até ofim, mostrou o eaminlio da supera ao das rupturas na sociedade. Pa-rece um deus oportunista, que se recusa a ver o pecado da humanida-de em qualquer sistema. Que cada sistema mostré pelos seus frutos seserve ou nao, para urna determinada situu ao, e que Deus seja o Santoe nao um diplómala...

Cj Outras Ídolos

Entre os falsos deuses que ocupam o espado religioso da Mo-dernidade encontramos alguns que obscurecem nao tanto a nossa in-teligencia, mas as nossas motiva oes e seniimentos. O deiis senñ-mi-ntal... Os lerríveis quenibins. os "anjos de fogo". que expulsaramAdáo do paraíso, transformaram-sc em anjínhos, cuja delicada nudezdeve provocar elcva ócs da alma... Um deus que "entende" a infideli-dade do "pobre do marido" It sua esposa "rabugenla" (rabugenta por-que Ihe falta o carinho do mesmo "pobre de marido

"

...). Um deus queestá esperando para nos perdoar depois de cada pecado... porianlo.pequemos nos días de Carnaval e confessemo-nos na Quinia-feiraSanta! Consolador, seria este deus. Portanto digamos ao pobre: "QueDcus ic aben oe" e dcixemo-lo na sua miseria, para que assim eletenha mais oportunidade aínda para ser consolado no nome de Deus.Pobre de deus...

Deus é amor, diz S.Joáo. Mas há amor e "amor"... (cf. 6.4.3).Do lado oposto do deus sentimental está o deus puritano. Este

condena o marido infiel com tantos infernos eternos que até os espo-

61

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sos modelos achuni que o pru/cr ñus rela óes sexuais é pecado, embo-ra pecado neccssárío por causa da proena áo. Claro, o deus puritanolem seus méritos. Lcvou muitos cristaos, sobrcludo no ámbito anglo-americano. a considerar a caridade como um estrilo dever (embora.

mullas vezes, em detrimento do espirito crislao da própria caridade..,).O deus puritano vai acompanliado de alguns companheiros: o

deus policial ("Nao fa as isso. nao fa as aquilo...", e a gente acabanao fazendo nada) c o deiis ctirrasco. figura inlcrcssantc no ámbitobrasileiro: quando um barranco desmorona sobre crianzas brincando.é "casligo de Deus"; quando urna mác perde setl filho de tres meses, é"castigo de Deus

"

. Em vez de inculpar a companhla de manuten áoque devia cuidar do barranco c a supersti áo que impede de chamarem tempo o médico... Ou serrt mesmo que Deus lem prazer em casli-gur?

Teii>os aínda o deus negneianu: sub-produto do mercaniilismo. E o deus das pmmessas. "Dá, que eu te dou!" Mas nfio apenas odeus das promessas. lambém o deus do "negocio da salva áo". Quedeina comprar almas de vivos e falccidos con) velas e missas. Nao quemissas nao tenham sentido: como celcbra áo da uniáo mística com osfalecídos em Crisio, ccrlamcnle lem; como negocio, nao.

fi) fmtfcgnifni.Mi f ínuaíffibj cena

As imagens que criticamos alé agora, e tantas oulras do mes-mo valor, podem ser mraniilismo, t

'

ixa áo indevida do egocentrismoinfantil. Mas esta avalia áo di/, respeilo antes á atilude do que aoconteúdo. Sendo urna avalia áo necessariamenie provisoria e imper-feila. o valor da imagem de Deus nao depende tanto do scu conteúdo csim. da atitude com que c encarada. Queremos criticar nao lanto oerro no conteúdo das imagens de Deus ina maioria dcstas imagens h;íalgo válido), mas na maneira de o homcm usurpar este conteúdo para.coniraríamenté ao ato criador (Gn 1.27), "se criar um deus a sua ima-

gem e semelhan a"

. Alguém pode até ter urna imagem de Deus per-fcila quanto ao conteúdo. mas urna atitude cgoccnirica. U pode acon-tecer o contrario lambém, que algucm tenha unía imagem errada deDeus. mas urna inien áo cena e autentica. Por isso, Kicrkegaard disseque o cristáo que. vivendo na cristandade e visitando a casa do verda-deiro Deus com um conceilo verdadeiro de Deus. mas num I'also espi-rito. veneni de falo um ídolo: enquanio o pagao. que cultua os ídolosda sua comunidade com a verdadeira paíxáo do infinito, venera ver-

62

!

dadeiramente a Deus, embora lenha dele um conceilo pouco adequa-do. Mais vale, portanto, adorar verdadeiramente um falso deus, do quefalsamente o verdadeiro Deus.1*

Ai está a pane de verdade do dito popular: todas as rcligiocssao boas quando bem entendidas.13 Aí eslá lambém a razan profundaporque devemos levar a serio os caminhos de lodos os que "

procuram

Deus de cora áo sincero" c, por isso, panicipam. num ceno grau. dacomunidade de fé que c a Igreja (cf. 5.3.2d).

*.) A iniafiem adeguadtt '¡e Deus

É mais fácil criticar as imagens falsas de Deus do que dizerqual será a imagem adequada, pela simples razao de que esta imagemdepende um pouco de cada um. Mas entre a multidáo de imagensdestacam-se algumas que servem de maneira mais universal a huma-nidade do que oulrav Hm primeiro lugar, encontramos a imagem deDeus como pat - c lambém como mác 4na Biblia, por exemplo: SI 131(130)). Encontramos a imagem de Deus como amigo ou como senhor.Mas encontramos lambém como imagem de Deus uma árvore ou umrochedo bem firme - e tambem os veneradores dcstas imagens podemprocurar Deus de cora áo sincero. Tudo depende da ¡lUCPgBO;

Mas cenas imagens ajudam melhor a inlen áo a ser reta. Porisso impona escolher a melhor.

No Cristianismo, a imagem de Deus é bem definida. Ten» voze mensagem, e nao nos deixa procurar á toa. Chama-se Jesús Crislo."Hle é a imagem do Deus invisível..." (Col 1.15). Ou num lom maisintimo: "Quem me vé, vé o Pai" (uos discípulos na Ultima Ceia. Jo14.9, respundendo ao desalío: "Ninguém jamáis viu a Deus". Jo 1.18;6

.45),O crislüo considerará Jesús Crislo como a imagem de Deus. O

que ele descobre em Jesús Cristo, pode mulliplicá-lo á vontade. pro-jelá-Io ao infinito, sera semprc Deus- K para ele uma norma segura.Amar como Jesús amou. infinitamcnie, isso é Deus. Este Crislo, que éMestre, que fala com a autondade do Pai, mas que tambem os chamade amigos (Jo 15.14) e se considera como servo (Jo 13,14; Me 10.45),Ele 6 a imagem adequada de Deus. Nao há n'HIe nada que devamos

* ALVES. oí: dt (n. 2). p. 26.r Poríni, » coniciíili) idciilrtgico. ijuc difciencia at reliiú'Vs cih mai c menos ade-

quada*. tcm scu valor <cí. 2.4),

63

1 >0*»b porflironoo r:

Page 32: Religião e cristianismo(1 page)

corrigir. para pódennos ver Deus n'

HIe. Esta c a profunda seguranzado cristao.

/.5.5 - Conceiios de Deus'

Tratando de reconhecer ñas múltiplas imagens de Deus u suaestruiura racional, chegamos a eslabeleccr alguns lipos maiores deconceiios de Deus.

I) Teísmo (do grego iheós: deus): Existe um único ser supre-mo. absoluto, infinito, espiritual e pessonl. Essc ser é o criador domundo e a causa vivificante que se cncomra no interior dele.

2) Monoteísmo (grego nimios: um, e theós): É urna forma doleísmo, que opoe formalmente um Deus único a muitos deuses(politeísmo).

3) Poliíeísnui (grego polys: muito. e theós): Ha muitos seresdivinos. No entanlo, o politeísmo percebe um indicio do agir divinono mundo, nao fecha necessariamente o caminho que conduz ao co-nhecimenio do Deus absoluto. Conforme Jos 24.l4s, o povo hebreuparece ter conhecido um período de politeísmo.

4) Hcnotvisnto (grego hcis, lien: um. e theós): Propúe a vene-ra ao de um Deus supremo, mas nao nega u existencia de outros. Pa-rece ter sido durante muito tempo o conceito de Deus do povo hebreu(cf. SI 82(81).!: 95(94).3).

5) Deísmo (do latlm tleus: Deus): Existe um único ser supre-mo. espiritual e pessoat, que criou o mundo com as sua.s leis: mas esseDeus nao intervém na sua cha áo. Nao há urna revelai;ao sobrenatural(através do Filho de Deus Encamado).

6) Panenieismo (grego pan; ludo; en: em. e theós): Tudo estácm Deus; o mundo e Deus nao sao idénticos, mas o mundo c urna

maneira e um modo de existir de Deus. urna forma de Deus manifes-

tar-sc. Deus. porém, nao se esgota nesta forma.7) Panteísmo: Deus é tudo; o universo, a naiureza e Deus sao

idénticos; nao há nenhuma diferen a quanto ao ser.8) Monismo (do grego monos: um só): Existe só uma realida-

de. e esta é o mundo. O próprio mundo é o absoluto, que se explicapor sí mesmo. O monismo, na maior parte das ve/cs, pode identificar-se com o materialismo ou o evolucionismo. Nessas duas concepíoes.

"Cf. INST. DIOC.... WUERZBURG.«/». eii. (n. 15). p. 173-175.

64

!

nega-se lógicamente a dií'

crenva entre mutéria e espirito, ou reduz-scesta a uma pura distin ao gradual.

9) Ateísmo (grego a. significa negacáo. e theós): Nao há Deus;o mundo das coisas explica-se por si mesmo. Note-sc que o ateísmo épróximo do monismo e do pantcísnu). Deus c tudo o que existe, diz opanteísmo. Mas se consideramos como "tudo"

o que se oferece aoconhecimento maleriaimente verificável. nao precisamos mais doconceito de Deus

, já que esle nulo é a maléria.

1.6 - Ateísmo e .seculari/a üu

Se é verdade que a tendencia religiosa é universal, como seexplica, entáo, o falo de certas pessoas negar absolulamenle a valida-de de Deus e da religiao para a sua vida?

As duas observa(,oes nao se contradizem. estritamenie talan-

do. Nao c porque algucm se suicida, que se deva negar a univcrsalida-de do instinto vital; como nao se pode negar a universalidade do ins-linio sexual porque alguns nao lem alividado sexual. Devenios, po-rcm. estudar mais aprofundadan>ente o fenómeno.

I.6J - Resisténcias á tendencia religiosa

u} Tentativas de rosmavisdo náo-reli iosa

Buda leniou resolver o problema da dor. sem apelar p aDeus, Como, poním. 0 assunlo implica em queslóes viiais do hoincm.seus discípulos viram a necessidade de expliciiar o aspecto religioso etranscendental das soluvóes budistas. E assim esta lentaliva atraves-sou os séculos como uma das grandes a-ligioes da humanidade.

Marx abordou o mesmo problema, sob a forma mais social, noinicio da industrializu ao, em meados do século XIX. Nao só prescin-diu de Deus. como julgou a religiao como empecilho pani sen esforzóde liberta -áo. Chamava-a de opio do povo. Mas islo nao é novidadena historia humana. Marx agiu do mesmo modo como as demais reli-gióes. cada uma das quais tenlou deshancar a outra. porque se opunhaa seus tnieresses e principalmente porque a julgava falsa.

Acontece, porém. que a partir do século XIX as formas religi-osas do comportamento humano comc am a sentir certas resistencias.Aponta-se. ñas cíenlas e principalmente na prálica religiosa, umaserie de males. De um lado mostra-se. na diversidade das concepíóes

65

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religiosas em flagrantes conlruditws. um sínloma de que cxisle alialgo de errado. E de oulro lado, as prálicas religiosas ncm semprccondizem com urna menialidade esclarecida c dificilmcnlc se consc-

guem inserir nuni coniexio de descnvolvimcmo moderno.Por islo houve diversas lenlalivas - urnas (rente a própria rcli-

giao, outrus frente ao problema de Deus. c outras construindo umhumanismo sem se preocupar com estes problemas - que pareccmindicar que a tendencia religiosa do homem moderno está agonizando(cf. 1.3.1). Assim p.ex. Augusto Comie lentou rcduzir a religiáo a umeslágio primitivo da evolu ao da humanidade. Com o advento da épo-ca positiva, preconizada para a sua época por Comte. a religiüo c ametaf ísica eslariam dennitivamente superadas. Nao há necessidade decombater a rcligiao. B apenas um sinal de atraso, em quem a pralica.

Para Marx, a religiáo - e aquí a lomamos no sentido tradicio-nal - é uma superesiruiura. reflcxo necessário das condii¿óes económi-cas c sociais. Caindo a infra-estrutura capitalista, que a gerou. a reli-giáo definhará por falta de chao.

Freud sitúa a religiáo no plano psicológico, como um reflexoda tendencia psíquica. Trata-se de nada mais que de uma sublinha áoda lihuin. sem maior objetivo real.

Quanto ¿t idéia de Deus, ouvimos em prai a pública o NUCO deNielzsche exclamar: "Deus está mono! Nos o matamos!" O ussunto.

naquela época, nao teve grande tepercussáo. Mas no século XX selomnu famoso, dando inclusive nomc a unía nova teología. Comen-tando o falo, os fautores deslas novas ideias julgam que "a monte Je

Deus nao é um acontecunento a celebrar, mas um falo cultural: numa

sociedade. na qual a religiáo adquiriu valor em sí mesma, o Deustranscendente da tradi áo crista já náo lem imponáiicia."<4

0 movimemo da teología da mortc de Deus, surgido do sciodo protestantismo radical do após-guerra. nao aprésenla uma ideiaúnica c coerente em loda a parte. Os mais radicáis tcntam negar aexistencia de Deus. ao passo que outros exigcm uma reformula áoradical. Alguns gostaríam que náo mais se falasse de Deus, para es-queccr todos os equívocos e mal-cnicndidos. Só assim, apos anos desilencio, ressurgiu uma nova idéia de Deus. purificada. 1

"'BISHOP. Jounlam. Oí ¡fóIoros da Moru dr Deus. Silo Paulo: llctdci. 1960. p 3." Cl. Al.TIZER. TTiomas J. J, & HAMILTON. Wilham. A Morir dr tifus. Rio de

Jancim: Pav cTcini. IW?. p. 12-14.

66

h) Ateísmo relahvo e ahsoUilo

Mais amplamente porém se coloca hoje o problema, devido auma nova mentalidade

, rcpreseniada pelo aleísmo. Inicialmenle épreciso advertir para a diversidade de sentidos de que se reveste hojea palavra aicísniu. para evitar equívocos. O ateísmo absoluto neguDeus. de qualquer iikxIo que seja concebido; o ateísmo é relativo senega "

algumas maneiras particulares de conceber a divindade emrcla áo á outra, que se considera verdadeira, ou se dissente em ques-tóes particulares de cullo ou de caráter religioso-teológico".4 Assím,

p.cx., Sócrates foí condenado como ateu, porque se opunha a algumas

concep ocs religiosas da época e SJuslino teve que defender o Cristi-anismo contra a acusa áo, lanzada pelos romanos, de que era ateu,porque náo aceilava os deuses romanos,

Hoje se pergunta sobre a possibílidadc de um ateísmo abso-luto. lid quem pense que toda a nega áo de Deus tenha apenas umsemido histórico. Seria somentc unía oposi áo a um modo de conce-ber Deus. em voga. e que se julga falso. Tratar-se-ia entao de umaquestáo prática e náo teórica, como rca ao a algumas concep óes,lalvez abusivas, eventualmente em fun ao de purificar a idéia deDeus, Neste sentido á asser áo de alguém que diz nao crer em Deus,cabena apenas a perguula: em que Deus? B conforme a resposta. qua-se sempre haverá concordancia: nesta espécie de Deus lambém nosnáo eremos...

Náo se pode negar que o homem sempre pense soh moldeshistóricos. Ningucm refuta o que ningucm defende. Se digo que náoexislem fantasmas, é porque há gente que acredita em fantasmas.Quando. eniáo. alguém diz que Deus náo existe, refere-se ao deuscomo pensa que os ouiros defendem. Neste caso se deveria ver de quelado está o equívoco: se o primeiro eslá bem informado sobre o que osoutros pensam. ou se os outros realmente pensam mal de Deus...

Conludo náo podemos, ingenuamente, aceitar o ateísmo comomera rea án contra concep\'óes c prálicas religiosas em voga. H muiiofácil e cómodo jogar a culpa nos outros: alegar que nao se ere porqueos outros crcem mal. ou vivetn pior. Todos os homens sao rcsponsá-veis quanto ü busca de Deus. Rejeilar concep óes de algumas pessoas,

que se esfori aram em formular sua cren a religiosa, e lalvez foram

SCIACCA, Mtcheltf Hcdenca L aicismo. In: RICCIOTR Giuseppe (Ed.). Dionelh men a amana. Roma: Colclil, 1950. p. 6&ft.

67

Page 34: Religião e cristianismo(1 page)

mal suced¡da.s. nao é dcsculpa para abafar a própna consciéncia. queigualmente apela para a expressáo desies valores. O problema religio-so nao c monopólio de ninguém. Atinge e responsabili/ii lodos oshonwns.

Cf Ateísmo contemporánea e humanismo

O ateísmo contemporáneo náo se preocupa diretameme com oproblema de Deus. Nos séculos passados. quando todo o povo eraprofundamente religioso e. praticamenle. os ateus constituíam umpequeño grupo de íniclcciuais. que se gabavam de sua superíoridade,inclusive desprezando o povo. Combaliam as idéias religiosas. A par-tir do século XIX, porcm, o ateísmo come ou a penetrar na massapopular. Inicialmcme cstabeleceu-se numa linha polémica anti-leísia.Supunha a fe em Deus e se lan ava ao combate, na base da argumen-la áo racional. Convcm nao esquecer que o século XIX foi o séculodo racionalismo.

O século XX derrubou o racionalismo. Por isso ja nao se podeconceber o ateísmo numa linha racional, Hoje o ateísmo nao é basi-camenie anliteísla, mas se siiua para além do problema de Deus. Emoutras palavras. o ateísmo se aprésenla nao como um ponto de chega-da. como se fosse ncccssáno conquistá-lo como urna rcalidade em si.mas como ponto de partida. Constilui urna silua ao em que a gente seencomra e a partir da qual é preciso pensar e agir. Rene Lalon pensaque Deus nao interessa a nao ser na medida cm que os homens o in-ventaram. Nao é

, pois. Deus que se busca, nem rejeita. mas se buscauma realiza üo humana, quer inleleclual, quer aaística.4:

O ateísmo contemporáneo constituí um sistema de valores vi-vidos. com respeito a problemas que atingem a própria exislcnciahumana e parecem uma rejei o de Deus, por exemplo. a fome. uguerra, a injusli a. Por isto o ateísmo representa um esforzó paraconstruir um novo humanismo. Quer pensar e agir exclusivamente apartir do homem. de seus problemas e aspira oes, na rejei ao de ludoo que se possa parecer com aliena ao. Deus. bem como mullas solu-

ócs tradicionaís. c acantonado, com a desculpa de que nao se devejustificar situa Óes injustificávícs. mas transformá-las. a panir da

realidade concreta.

c LACROIX. J&in. Posi óa da aleiuno tonrrra/wP&MK Si.' Pwlo; llddcr. 1961 p.

9- 13.

68

0 progresso humano também aprésente uma abertura para oateísmo. Hoje se encontram. ou se esperam solu des para todos osproblemas. Antigamentc as ciencias levavam para Deus. Hoje os pro-blemas que a filosofía e a religiao punham sobre o destino dos ho-mens, a ciencia os pde dentro do mundo, procurando assegurar. aquímesmo, o deslino dos homens. Inicialmcme o ateísmo era apenasntétodo científico: a ciencia deve considerar o mundo como um dado.

e explicar uma realidade pela oulra. sem recorrer a uma causalidadesuperior, inverificávcl pelos métodos ciemíficos da experiencia. A"hipotese de Deus" nao é uceila no plano cicnliTico,

consliluindo unía

fuga, ou um preconceito. que se fará prejudicial á pesquisa científica.Assim. p.ex.. a alguém pcrgunlando sobre a origcm do homem.

nao se

pode responder científicamenle que Deus o criou; ou constatando umacatástrofe, aponiar, como explica áo. o pecado original.

Se a autonomía das ciencias, em seu plano, foi um progresso.houvc também abusos. De uma conquista legítima, aos poucos, asciéncias positivas foram assumindo maiores prctensóes.

arvorando-se

em exclusivas intérpretes da realidade. De método passou-se pois aoconteúdo, eliminando outros modos de conhecimento humano, queabriam para Deus.

O aieísmo contemporáneo consiitui. além disto, uma místicanova. O homem moderno tcm o sentimento de colaborar, pela cienciae pela técnica, na génese e evolu(;ao da natureza. Toma em suas maoso deslino do mundo. O ateísmo se toma enliki um humanismo. Nesle

sentido se professa aleu quem se esfor a por assumir uma responsabi-üdade. exclusivamente humana, sobre o mundo e a humanidade.

O mundo, agora já transformado pela técnica e poderíamosdizer hominizado através da a áo multiforme do homem. possui umafei áo tal que nao apela, nem aponía maiv para Deus. O mundo natu-ral, onde a mao do homem nao tocou. fácilmente se aprésenla comocriatura de Deus. reclamando uma atitude contemplativa por parte dohomem. Por ísso. quem vive ao contato com a natureza eré espontáne-amente em Deus. As maravilhas da natureza cnarram as glorias deDeus.

Aos poucos. porém. o homem vai substituindo o ambientenatural, recebido da natureza virgem. por um ambiente técnico, criadopor ele. Pela consciéncia de ser o anífíce deste novo mundo, o homempercebe sua capacidade e auto-suficiencia. Por isso, se diz que o mun-

" Cf. a rcrcicnvu a Hcivcnbcrg 032$.

69

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do ulual lendc para a iota! de.ssacralizai;üo. Nele o homem nao encon-ira mais um Dcus providcmc c criador, mas se enconira consumie-menle a si mesmo, as suas realiza ócs e suas falhas. Dianie de umrenómeno da nature/o. como falla de chuva ou caiaclismo. era espon-taneo pensar cm Deus. O mesmo nao é mais possívcl numa avariamecánica, p.cx.. numa usina elélrica.

Além dls.so o mundo moderno aprésenla lanía variedade ctantas distor oes que nao sobra lempo para se entreier com omra coi-sa. Apesar de todo o progresso. apesar da inecanizacau de laníos seto-res. o homem paieee sempre mais aiarefado. Os días feriados vao sercduzindo mais c mais. Já houve lempo fina que mais ou menos a me-tade do ano eram rcríados, ao passo que hoje mal alingem a sextapane do ano. Diante desta a/áfama dificilmenlc o divino pode chamaratenv'ao.

A apresenia áo do atcisnK) moderno, como um novo huma-nismo. constituí motivo de simpalia. Os alcus tcm algo a dízcr aoshomens de hoje. E o fazem com muita perspicácia. apresentando urnamensagem de salva ao e de esperanza. Amigamente o ateísmo eraconsiderado fonte de libeninagem. Negara Deus significava libcnar-se de codo o vínculo c conseqüeniemcnle Justificar qualquer desman-do. Qucm quisesse ser honesto nao podía professar-se ateu,

Hoje o ateísmo mudou. pois funda um nobre ideal, capaz dearrastar a juventude. Aceita e propugna normas moráis rígidas c pre-tende aperfei oar as rela oes humanas, por um certo estoicismo. Oideal ateu é a afinnatíao ja Ubcrdade e a reínvindíca9áo total de res-ponsabilidade. O ateu se define como aquele que quer existir inte-gralmente, nao em rela ao a Dcus. mas em rela ao a si c aos outros. Éum humanismo radical, pela tentaiivu de recuperando do homem.

d) Aleíxmo t pturalisino

Por fim. o ateísmo surge também por urna queslao de opiniaopública. Em épocas passadas. a sociedade se professava publicamentereligión. Suas bases eram Deus e a consciéncia moral dos cidadaos.Hoje. o pluralismo impede que se invoque Dcus para alguma av"aosocial. Díz-se. entao. que a religiao é queslao meramente pcssoal.

Urna maior abertura para o esludo das outras rcligídes mas-trou que elas nao sao lao absurdas como se imaginava. Daí o decrés-cimo do fanatismo pela própria posiv'ao. numa convivencia pacífica erespeitosa com lodos, independentemenie de sua religiao. Lsto levou a

70

relalivizar as eoncep oes religiosas, excluindo-as do relacionamenlooftcial. A vida humana se baseia em principios c normas eslahelecidaspela sodedade. sem apelar para a religiao.

rj A útiinui trincheira...

Mas já há quem precom/c que a ullíma irincheira que Deusaínda ocupa - a consciéncia individual - está por ser evacuada. Se areligiao nao serve senao para o enlevo individual, nao é difícil rcjeilá-la. ou substituí-la. Sendo essencialmente social

,o homem nao consc-

gue manter alitudcs fundamenlais. como é a fé em Deus, em planomeramente individual. A fé que nao se comunica e nao se solidarizacom muiios outros. está fadada a apagar-se.44

¡,6

.2 - Religiao e ciencia

Encontramos, varias vezes já. o problema da religiao e da ci-encia. E uma das razoes do ateísmo. O inadmissível "Deus tapa-buraco" (cf. 1.5.4b) lem sua ongem nunu falha da cpistemologia(leoria do conhecimemo): no problema de ciencia e fé. Ciencia e fésao dúos maneiras diferentes de elucidar a realidadc. Siluam-se si-

mullaneamenie no menno mundo, mas nao concorrem cm competi-t,'ao. Para o observador superficial é como dois atletas, tremando namesma pista de corrida: um está treinando para uma maratona e corre.pois. controlado c devagar; o oulro exerec para o "spríni

" de 100 me-

tros. Mas o observador superricial nao sabe disso. acha que eles esiáoem competi ao c comeva, de nuneira ridicula, a torcer pelo"sprinter

"!

Ciencia e fé nao se dislínguem pelo campo que abrangem.Ambos consideram a realidade em loda a sua extensáo. Mas dislin-

guem-so pela ínten áo. A ciencia procura exatamentc o que nao inte-ressa a fé. e vkre-versa. A ciencia procura a cocrcncia causal e as rcla-qoes quanliiativas das coisas, que consinuem a realidade.

O primeiro mtHielo das ciencias c o nnxlelo dedutivo. formali-zado pela pnmeira vez por Aristóteles. Trata de dcduz.ír uma proposi-füo nova e verdadeira pela análise dos conceilos de proposi oes ante-

" Cf. GRINGS. Djdcuv Npiáa Om: Ptd. Filho. Etpinlo Santo. Porto AlcprcPUCRS. 1974. p. 15-18.

*' Cf. a cilüvilo de Da%n0 Hume cm Alvcv np. ái n 2). p. 70.

71

Page 36: Religião e cristianismo(1 page)

rionnenic conhecidas como vcrdadciras (o silogismo e o slstentt).Enconira-se. sobreiudo. cmbora nao exclusivamente, ñas ciencias

ditas "humanas", tais como a filosofía, a psicología, a antropologia,etc.

Ü segundo modelo das ciencias, tanto naturais como huma-nas. c a experiencia da Ici da gravidade (Ncwton): cstabclcccr uníaexplica ao de causa e conseqiiencia pela observavao repetida de umfenómeno reproducido em circunstáncias idénticas. Ó a "indu áo ci-cnlíficu"

. Mesmo as ciencias humanas seguem este modelo. A cienciahistórica, por cxemplo. quer mostrar que. dudas determinadas cir-cunstancias. se dcvia produzir um determinado fato, como aconteceuem situa 'óes análogas. No lingüística descobrem-se as "Icis" das

transforma óes t'

onélicas entre o espanhol c o portugués. Na sociolo-gía temos o método da probabilidade eslatfslica.

Podemos concluir que a ciencia procura o que pode ser redu-cido, por via de raciocinio ou de experiencia, a conecitos ou realida-des anteriores; e o que se pode repetir, seja na universalidade do juízológico, seja na rcprodu(¿ao dos fenómenos descritos pela ciencias In-dutivas.

Ora. a fé nao se interessa. em üliimu unálise, por estas reali-dades universais. deducionais e repetíveis e sim. pelo que é único.irredulível e indescrilivcl (inefiivcl): o misterio. Por nOo perlencer aocampo da ciencia, aínda nao se pode di/cr que a realidade inefávelnao existe. E o que exprime com indesconhecívcl perspicácia Ema-nuel Kanl, o pal do pensaiitento motlenio. Além da realidade elucida-da peta ra/ao teórica existe a realidade postulada como fundamentoda existéncia c da moral: Üeus e a alma imortal. Esta realidade esca-

pa. nao"por enquanto

"

mas cm principio á razao teórica, porque c olundamcnlo do sujeilo pensante c nao a sua conclusao. Por isso. dizKani, é preciso "crer".

Crcmos no indescrilível. indizívcl, invisívcl. Nüo 6 isso merailusao? Realidades invisíveis e indizíveis. conhecemo-las na realidade

cotidiana. Por exemplo. o amor. Alé agora ninguém conseguiu provarcientificamcme que ele ama ou é amado. Todas as provas sao ambi-guas. c nenhuma prova de amor é mais ambigua que a ado ao corpo-

ral, seja na imimidade erótica, seja na moilc. Mesmo na mortc, poisum aluno ohservou urna vez

. na aula, que Jesús Cristo - "'com todo o

respeito"

- linha sido muiio esperto, lomando-sc por assim dizerimortal morrendo "p<tr idealismo". Para este aluno,

a morle de Jesús

era tudo menos uma prova de amor... O amor nao se deixa provar

72

!

racionalmente. Nós acreditamos que algucm nos ama. Ihe "damos

crédito"! E c a única maneira para que o anuir de falo se realize tam-bém! Isso acontece alé muña realidade lao matemática como a eco-

nomía: sem olimismo. sem confianza que "soltc crédito",

economía

alguma se salvaría. A confianza naiiuilo que nao se vé, nem se podeprovar é uma realidade colídiana. De onde proviria. enlao, a confianñas ditas "evidencias

"'

(axiomas) da matemática! Sem nos dar conta.vivemos num universo de "crédílo

''

,de fé. As realidades relacionáis,

as relaíóes entre as pessoas. siluam-se geralmenie no nivel da fé(confianza) ou da ausencia da mesma. Por isso, Martín Bubcr sitúaDeus e a rclígiáo no "entre" C&tfsctUtt), no espado entre Eu e Tu.Deus é o "'enire" que fundamenta, que dá espado para o Eu e o Tuscrem o que sao. nao uma identidade anónima, mas duas pessoas li-vres

, cm diálogo, criando o Nós da comunidade! Este Deus. a gente Osabe presente, mas nao O consegue pronunciar. E o mistério, daquiloque se comunica a quem pode entender. Nao faz parte do

"discurso"

racional c universal.

Este Deus, e só esle, é o "objeto" da fé religiosa (embora"objeio

"

nao seja o termo ceno, porque nunca conseguimos objetivarDeus). É lambém o único "objeto" da fé religiosa. Quando a fé religi-osa se ocupa com outras realidades, por exemplo a origem cienüficudo mundo (objeto da poleontologia). ela acaba de sor fé religiosa.

A alilude fundainenlal da religiao c o respeito: deixar Deusser Deus, que deíxa o homem ser homem!

1.63 - Ateísmo e scculariza ao

Distinguiremos, neste parágrafo, o scailaristna e a secuhri-zafao. Ambos os termos sao derivados do latim saeculum. que signi-fica "era", "mundo". Indícam, porianto. uma conecntraíao especial daaten?áo humana sobre este mundo. A diferenía é que o secularismoacha que tal nten áo é possíve! só a condi áo de negar qualquer trans-cendente absoluto, qualquer idéia de Deus. Enquanto a scculariza aoc uma tentativa, também dentro da religiüo, de ver claramente as ca-racterísticas próprias deste "século" (mundo) e. eventualmente, a pre-senta do transcendente no mesmo.

73

Page 37: Religião e cristianismo(1 page)

u) O seaiUirismn alen

Existe, hoje cm día. como já dissemos. um alcísmo que nao óagressivo. que nao se interessa em desiruir Dcus. que propde ideáisnobres c elevados para o bem da humanidade, chamando o homem aoheroísmo, se for preciso. Este ateísmo lem algo a dizer ao homemreligioso: deve-se assumir a realídude como ela é, sem esperar solu-

óes de um ser mislcnoso que nao se pode cscrever. Hm outcaS pala-vras

. o ateísmo, na sua forma mais nobre - nao o ateísmo dos superíi-ciaIisi¡Ls que nao querem pensar - é a negat,

'ao do deus lapa-huraco, de"

solu ocs alheias a razüo" para o problema da racionalidatlc do uni-

verso. Do lado das ciencias, foi o malcinático Lapluce quem lormulouisso claramente; a "hipótese Deus é supérflua". l)o lado das cienciashumanas, quem lormulou urna crítica análoga Ibrain Keuerbach eMarx: na religiáo. o homem projeta em [>eus o mais válido que eletcm (Feuerbach) c assim coloca fora de si o que deveria desenvolverna sua cxisiéncia material. Por isso a religiáo c o grito do oprimido, "

o

opio do povo"

(Marx). Mas nao apenas aleus confessos como Marx.tambem grandes crísláos como o pastor Dictrich Bonhocffer, mortono campo de concentra áo por sua resistencia ao nazismo, rejeitamquolquer ideia de um Deus que desonerasse o homem de sua respon-sabilidade "secular" (mundana, material no sentido de Marx): "Cada

vez se loma mais evidente que ludo funciona normaliitenic semDeus... Desde Kant ele foi relegado a esfera para além da experién-cia.

"w O homem deveria viver a vida "secular" neste mundo "mesmo

se Deus nao existisse*'

... "I>eus nos faz saber que devenios viver comopessoas que conseguem fazer a sua vida sem Deus."47

Nieizsche proclamou a mortc de Deus como urna rcalidade. aomesmo lempo, triste e libertadoru. Quem o maiou foi o huinem daModemidade. Terá que viver agora a sua existéncia na solidáo, sem apresenta consoladom do Pai celeste... Esta "era da mortc de Deus

"

produziu a sua filosofía, o existencialismo, levado a um ceno estoi-cismo na orienta áo de K. Jaspers. a um fideísmo pascaliano em G,Marcel, a uma filosofía do absurdo em A. Camuns e J.P. Sartre. ao

nihilismo em M. Heidegger Este ponsamenio pmduziu tambem a sualeologia ou "discurso sobre Deus

"

: a Teoio ui Ju Mone de Deus,

* BONHOHFFER. Dicirich WbkñtttHd wid Emchmn. 2. Aull. Mumhen: Slebcn-slcm, 1965. p. 159.169 lem potlugu¿s; Rrsisiencia r fffftffll

'

ffft? RU> üc J;ini:iri):Pa/cTcrra, l%8. p. I55s>. 1651. Cana Jo0K1X.C .ia()6.M)44.

"Op. cit.. p. I78lport.: p. 173). Canudo 16.07 194-1

74

!

discurso fúnebre sobre Deus... Como viver a Paixáo Infmila num

mundo sem Deus. este pedería ser o ItÜmotiv desta teología.A maio-

ria dos autores desta teología chamam-se crísláos, veem na mortc de

Jesús Cristo a rcvela üo de que Deus morreu, e na sua ressurreii áo aconfirmaváo de que mesmo assim - melhor: por causa disso - o ho-mem vive, b cvidcnle que aqui (e lamhém na teología de Nietzsche)se trata da mortc de um determinado conceílo de Deus

.o "Deus da

crislandade"

, a quem se quer substituir o espirito de Jesús Cristo, oespirito da nega 'áo de toda deierminaváo. Recorre-se a varias expres-soes religiosas, á mística oriental e medieval, á filosofía de Hegel. áteología de S. Joáo (Deus tr amoi I para mostrar que o que chamamosDeus nao é um "Ser autónomo e absoluto". Por isso recusam-se a falar

de uma e.xisiencia de Deus. Deus deveria ser entendido como um d¡-

namismn relacional que loma forma no homem. em primeiro lugar emJesús Cristo. Um deus perfeito e completo em si nao interessa a essesteólogos. Deus está na amarga experiencia da realídade humana: estaseria o sentido da le em Jesús Cristo homem-deus, Deus que é "

o

Homem".

Aqui cheganios ao ponto central, parece-nos. do ateísmo mo-derno. A nega áo de Deus nao é a recusa da paixáo infínila e sim anega áo de um super-entc que se iniromeic. de fora. ñas coisas huma-nas. A paixáo infinita nao pode ser uma luga fora da rcalidade huma-na: isso seria aliena áo. "o ópio do povo

"

,Recusa-se um Deus

"coisa". ao lado das outras coisas e existindo como existem os objetos

da nossa percepváo empírico-dedulíva (categorial). A existencia doAbsoluto nao pode ser afirmada como a de uma coisa quatquer queconhecemos. porque sabemos que o nosso conhecímento nao é abso-luto. Tratar de pensar Deus como algo ou alguiím objetivamente co-nhecido e dcscritível, conduz necessariamenlc ao ateísmo,

Mas - e aqui está o lado positivo do ateísmo moderno - dentrodo scu espado existencial. o homem vive o Absoluto como o que ésempre Oulro. Recusando toda forma de religiáo objetiva, o ateísmomoderno torna-se. muílas ve/es. um misticismo inspirado pela idéiatipícamente crista de que Deus está no oulro. no próximo, ou em nos-so relacionamenio com o outro. A teología tomou-se antropología.Fatu-se num crisiianisma siatt religiáo. Exisic. de falo, uma profundaconvergencia entre a nega áo do Deus "coisa

"

."imóvel

"

. ele. e a aspi-ra áo do cristianismo. Nega-se. no fundo, um super-enii: porque.desde Jesús Cristo

, se lomou consciéncia de que Deus nao lem medodo humano mas está profundamente dentro do mesmo, Só que. para o

75

Page 38: Religião e cristianismo(1 page)

humanisut ateu. esle "profundamenlc" significa "exclusivamente", epara o cristao. nao.

ht Secularizo ao

Ncsie contexto coloca-sc a "scculariza ao". A seculariza aonao c a mesma coisa que o secularismo. Eslc quer conslmir um mun-do sem Deus. c urna mundivisao alcia. A secularizaíao quer somenteiraiiir as coisas deste mundo conforme suas leis próprias (cienu

'

ficus.

cconúmicus, etc.), subordinando, porém. ludo Aqucle que tcm a últi-ma paluvra. Deus.

O críslao "secularizado" caraclcnza-se por um extremo res-peito pela leis imánenles dn mundo e da pesonalidade. Afina!, se aciencia descobriu eslas leis. é porque funcionam. Nao adianla. pois.fazer como se nao exisiissem e invocar Deus para dar um jeito. Ocrisláo secularizado caracterí/a-se lambém por urna atitude crítica emassuntos de religiao. Sabe que a religiáo em épocas passadas nemsempre dislinguiu claramente entre o que é sujeito ás leis"inlramundanas" (físicas, psicológicas, sociológicas, etcl e o que crealmente atua ao divina. Faz parle dcsia atilude crítica a desmitolo-giza ao ou denuncia dos clememos mitológicos na religiáo, para me-Ihor entender sua inspira 1' profunda (ef. 1.3.2c). Mas o crisláo se-cularizado é, lambéni. e por causa das caraclerísiicas mencionadas,muilo sensível ü verdadeira transcendencia de Deus. Ele nao queridentificar Deus com coisas deste mundo, ncm a sua atuagáo com leisdesle mundo, emhora reconhe a que Deus é o "fundo" de ludo isso.

A sucularízavao procura, fundamentalmente, urna interpreia-(¿áo adequada da dimensáo transcendente e imánenle de Deus. acentu-ando a sua transcendencia e considerando-o como aquele que dá fun-damento c profundidade a um mundo que tcm as suas próprias leisimánenles, com que devenios viver.

H urna atilude bástame típica do homcm do sceulo XX. cons-ciente do seu dominio sobre a nalureza e da participa áo da subjelivi-dade humana na delermina áo do significado do universo.

Ora. para chegar a este entendimento mais puro do transcen-dente. o homcm precisa, primeiro. tomar consciénciu do caráter sim-bólico de certas maneiras de falar de Deus. Por exemplo. quando falade um Deus "lú em cima". R claro que o homcm, falando do transcen-dente.daquilu que "ultrapassa", aponte espontáneamente o céu. Masna époica dos astronautas dever ter clara consetóncia de que islo 6

76

!

unía metáfora. Para as ciencias, nao há distinv'áo entre o céu e o mar ca ierra; é ludo matéria.

Mais difícil de se desmascorar i5 a metáfora do Deus "lá fora".

esle Deus que é definido cottK) Aqucle que está"além

"

da rcalidade

empírica e que se encontra no "além da mone". li um Deus que estáfora - muílas vezes "por fora" lambém - e dirigimos a ele preces quetalvcz imaginemos transmitidas pelos anjos como se fossem carteiros.Dizemos que ele criou o universo, mas nao pensamos que ele possasentir o sofrímenio que este universo experimenta... Mesmo a respeilode Jesús temos difieuldades para imaginar que cíe tenha realmenteexperimentado a nossa vida.

Ora. este Deus que vive, por assim dizer. numa reserva e sóintervém como um intruso, nao interessa ao homem do século XX. láo

pouco ao ateu como ao crisláo "secularizado"

,O críslao secularizado

acha que. se Deus é Deus. Kle está presente de maneira transcendenlena vida "secular" com su» eoerencia própria, pois Ele a fundamenta eIhe dá o serf Inclusive, já ñas primeiras páginas da Biblia. Deus apa-rece como Aquele que organiza o mundo para e com o homem, e naocomo um inlmso. Deus nao é alheio ao mundo. Por isso, ninguémjamáis foi mais "homem" dn que Jesús, a quem os crislaos reconhe-cem a nalureza divina.

Deus e o Infinito. Mas ele é nosso infinito, meu infiniio. Nao

existe urna separado cega entre nalureza e sobre na tureza. Esta ó aplenitude daquela. Nalureza e sobrenaturcza sao intimamenie solidá-rias. E como urna hipérbole e suas coordenadas (na geometría descri-livu). No infinito, as coordenadas sáo o limite (a pleniuide) da hipér-bole. Nao sáo idénticas com ela (Deus é sempre outro). mas lambémnao sáo separadas; dele mii nam-se pelo mesmo valor.

E esta solidariedade entre Deus e o homem. que se ve apenasá luz do infinito

, superando todo imediatismo, que inspira a atitude docrente secularizado. Náo precisa de algo fora de comum para"localizar" Deus. Deus é o infimlo daqtiilo que eu FbQó e expcrmienloda maneira mais aulcnlicamenlc humana (á condi áo de que seja au-téntico), Assim, d mártir e místico Dietrích Bonhoeffer podia escre-ver, na prisáo, que ser crisláo é viver prescindindo da ideia de umDeus fora da nossa rcalidade. viver "mesmo se Deus náo exislis-

se-./Xcf. 1.6Ja),Nesta linha. o teólogo protesiante Paúl Tillich procurou ex-

pressar a rcalidade transcendenle ou divina por termos que apontam aintimidade, a profundidade do nosso ser. Chama a Deus "o fundo do

77

Page 39: Religião e cristianismo(1 page)

nosso ser"

. Ciiemos aqui urna página dele, que nuislra muilo bem eslaexperiencia de um Déus fundador da nossa existencia na sua maísprofunda ínser ao no mundo: "Alé mesmo os movimcnlos mais ínti-mos ñas profundidades das nossas almas nao sao complelamente nos-sos. Pois pertencem igualmenle aos nnssos amigos, a humanidade. aouniverso, e á base de lodo o ser

, que é o fim da nossa vida. Nada podeficar escondido, no fim de comas: ludo se reflete no cspelho a quenada conseguc escapar. Ha atguém que realmente creia que os seuspcnsamcnlos e desejos maís secretos nao sao manifestos na totalidadedo ser. ou que os aconlecimentON que conspiram na obscurídude doseu subconsciente ou decorrem na solidao de sua consciéncía nao

provocan! ciernas repcrcussócs? Uá alguém que acredite ser rcalmcniepossível escapar rcsponsahílídade do que fe/, c do que pensou, mes-mo em segredo? A onisciéncia significa que os nossos mais recóndi-tos misterios sao manifestos; a onipresen a significa que o nosso reti-ro é unía coisa pública. O centro de lodo o nosso ser c abrangido pelocentro de todo o ser; e o centro de linio o ser situa-se lid centro do

nosso ser. Julgo que nao haverá ninguém que possa negar, a serio.esta experiencia, seja qual for a mancira como a exprima. E quem asentíu

. tambem sentiu algo dentro de si que Ihc fe/, nasccr o desojo deescapar is suas conseqüOncias. Por que o homem nao eslá ao nivel desua própria cxpcríéncia: procura csquecé-la. mas sabe que nao podei'S(¡iifí-é-la.

"*

Podemos, pcMS. concluir que urna certa forma de aletsmo - o

ateísmo que rejeita um Deus ailieío, intruso, para salvaguardar a au-lenlicidade da cxisléncia humana - levoii a uma maior cunscienti/a áodos crcntcs a rcspcilo da solidanedade de Deus e o homem, da nalure-

e a sobrenatureza. H a teología da secutarlzafSÓ, U. no fundo, umaprofundamento da teología tradicional que diz que "a gra a nao dcs-trói a natureza. mas a eleva".

1.6.4 - Místicas secularistas

A seculari/ai üo. já dissemos, deve ser claramente distinguidado sccularismo. que c uma opt;áo expressa para um mundo (lal. sae-CUUaH) sem Deus. Ora, acontece que esta op(,'áo assume a forma de

" T1LUCH. Paúl Vic ftaUng ofihr Pótoidáltoni. Ncw York: Scribncr s. 194S. p.53s. CiUdo em ROBINSON. John A. T. Um Deus diferente. Lisboa: Mnrais.

1967. p, 72,s.

78

urna crenvu. de uma adesao cpiasc religiosa, em que IX'US é siibsliluí-do por urna rcalidade deste mundo. E o fenómeno das "místicas se-culares"

. Analiscmos aqui as mais marcantes para o nosso lempo.

a) O positivismo

No século XIX, Auguslo Comte iratnu de substiimr a cren areligiosa em Deus pela religiao positivista da humanidade (cf. 1.3. Ib).como já anies a Rcvolu<;ao Francesa tentara instaurar a religiao daRazüo. A inspira üo de A. Comte era a utopia social. Dianle das divi-soes, das conlr.idit;oes dos dogmas, das guerras religiosas e da inefi-cácla da caridade crista, concebeu um sistema que fosse objetivo cempírico como a ciencia física ou química e enciente como a lecnolo-gia. Para teso era preciso substituir Deus (que nao é empírico) pelaHumanidade como objeto supremo do culto.

h) O nuirxismn

Mas nao só A. Comte, lambém Karl Marx projetou uma uio-piu social e contava. no fundo, com urna cerla (6 da humanidade paraque esta utopia dirigisse a atua áo (práxist social conforme a diulctlcahistórica (lese-anlítese-sínicse) por ele projeiada. É como na econo-mía: se todos creem que haverá infla áo. e)a se toma inevitável...Podc-se. portante, analisar o marxismo como urna mística, que tratade ocupar o lugar da religiao (que cíe denunciou como sendo "o ópiodo povo") (cf. 1.3. Id). De falo, segulndo o pensamento de Feuerbach,Marx acha que Deus ocupa o lugar do homem. O mclhor que o ho-mem lem »í atribuido a Deus (aliena ao religiosa). Segundo Marxestima na hora de o homem retomar o que é dele: a decisao da suaprópria historia, a decisao do futuro da comunidude humana. O co-nhecimento da dialélica histórica e o engajamenlo na praxis toniariamDeus supérfluo como Senhor da Historia, depois de que a ciencianatural o declarou supérfluo como explicu ao da natureza...

O que transforma o marxismo de filosofía ou doutrina sócio-cconomlca numa mística é sua exigencia de urna adesao. de uma to-mada de pósito coletiva. Traz a característica fundamental das gran-des religiócs, variando apenas o cometido, n3o porém a preocupa üofundamental.

A cren a fundamental do marxismo c que, no mundo, existeúnicamente a mattíria. que aparece de diversos modos, por mutaíóes.

79

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A maléria conMilui a realidade objeiiva. É primaria. O espirito, ou opensamemo. sao secundarios, pois nao passam de produios da macé-ria.

Duas sao as propricdadcs fundamcniais da niatéria: a clcmi-dadc c a muta ao. Esla üllinia. poicm. como prupricdade ínseparávcl.sempre é ascendente. Tendc para urna pcrt

'

ci áo maior, por um pro-cesso dialético.

A dialctica pode ser caracterizada por 4 notas fundamentáis:I") O mundo é um todo cocrente. Tudo se condiciona mutua-

mente. Nao se trata pois de urna multídao disparatada de coisas.2"

) Este mundo nftb é perfeilo, mas conliiiuamenle se trans-lonna. Progríde.

3"

) A passagem da quantidade para a qualidade. Kxistcrn mu-lavocs quantiialivas. que nos sao ocultas. Estas produ/ein, de improvi-so. muta oes qualítalivas. Nao há. pois. repeli ao. mas evolu ao dosimples ao complexo.

4"

) A lei da unidade c a lula dos opostos. O movimento naoprovém de fora. mas de oposi óes iniemas. que lutam entre si c ini-pelem a coisa. para que se mude.

Dcssa cren a, que se chama hoje de cosmovisao, surge a novamística. O homeii). pela conseiemiza ao, deve ser inserido na dinámi-ca da hístória. Propugna-se a uniao cnlre a leona e a pnitica. Aíndaque a realidade, já por si. lenda a realidade verdadeira. deve conludoser acordada pela tcoria. que dá a ptaxe um modo científico de prevero futuro.

Mais estritamente que qualqucr religiáo que prega sua fe. omarxismo póe a exigencia do Partido Comunista, para que se tomepossível a salva ao. ou seja. a uniao da teoría com a priitica. A filoso-

fia que nao pertencer ou nao fluir do Partido, nao icm condÍ90cs paraconducir a verdade. Neste sentido, a filosofía será a uniao do subjeti-vo. representado pelo inieresse do proletariado, com o objelivo, quesao as leis da evolu áo histórica.

O marxismo se caracteriza pelo otimismo do fuiuro. A evolu-s ,u i levará a uma situa ao em que ficaráo superadas todas as diferen-oaSf numa prosperidade geral para todos. O /mroisti fcrrcsirc do futu-ro marxista é uma sociedade sem classes, onde se encontrará a har-

monia, a prosperidade e toda a especie de bens. Tudo islo aconteceráaquí na térra, nao havendo imortalidade pessoal. O absoluto é a malé-na, com suas Icis fundamcniais. o que significa um Absoluto impes-

80

!

soal. que exige u absor ao da personalidade humana num lodo maisampio, pela evolu áo dialética, 9

c) O swUilismo navionut

Embora ultrapassado. nao podemos deixar de mencionar entreas místicas seculares o Socialismo Nacional {NazwmkoziaUsmm:Nazismo). Para o nazismo, o Absoluto é uma realidade deste mundo, a

na ao ou (para justificar a sua expansáo) a raya. O nazismo foi reves-tido de formas religiosas que - ironía da historia! - foram em parteretomadas pela República Democrática Alema depois da instalayao doComunismo p.cx.. os ritos de admissáo á Juventude do Partido, etc.).

di O pós-crisiianismo

Nestes últimos anos consiata-se. sobretudo na Europa e nosEstados Unidos, mas também na América Latina, o que se chama "opós-crisiianismo"

. Muilos cristiios. inclusive de deslaque, deixam aIgreja e até abandonam a fé religiosa, sem porém renunciar ao idealdo amor que Cristo ensinou. Querem um crislianismo sem religiáo,sem dogmas, sem moral codificada - e nao apenas isso, mas também:sem a fé na sobrenaturez:i. em Deus. Acham que a fé na sobrenatureza(e na sobrevida) apenas desvia a atenyao do cristao. Acham que ocristáo deve ser inulrriuHxla. i.é. ocupar-se com a maléria, aqui e ago-ra para realizar o amor auténtico e eficaz - pois no céu nao haveráocasíáo para isso, já que o céu nao existe.

Afirmam que só nesla inlerpretayáo malerialisla e humanista.a inspírayáo de Jesús Cristo pode sobreviver. Sobreviver. enláo. aocristianismo como religiáo. Será o pós-crisiianismo.

É uma mística, uma crenya idealista, bem diferente do materi-alismo vulgar dos que só pensam na sua barriga e no seu bolso. Temseus profetas e scus mánires alé. sobretudo por causa de seu engaja-mento social. É dever do crisiao levar a sério o desafío deste pós-cristianismo. De falo, o cristáo que só olha para o céu, peca por omis-sao. Parece-nos que esta tendencia é uma saudável advertencia para

r' Algitmai obras cipccíficai wbre c*ic awuniD: HAS, E,. InirodufAo crítica ati mar-xtMtio. Rio de Jancito, I95H. DIGO, Picire. Marxisitui e /uimuniumt. Sao Paulo:

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81

Page 41: Religião e cristianismo(1 page)

que os cristaos reenconlrem ¡i ínspíra(3o auléniiea de Jesús Cristo: "O

Reino de Deus está no meio de vos" (Le 17.21). Mas isso nao querduer que o Reino de Deus nao seja iranscendenle. E o que explicamosno capítulo seguinte (cf. 2.4).

/.íí.5 - QpfSo consciente

A oposi ao cnlre a rcligiao hum;ma c o ateísmo contemporá-neo constituí um problema, que apela para urna síntesc. De um lado.constatamos que o homem é espontáneamente religioso c elencamosas principáis expressocs religiosas da humanidade; e. de outro lado.nos surprcendemos que o mundo moderno tende para o ateísmo. Teñía rcligiao perdido seu sentido? Como conciliar cssas duas tendenciasopostas?

G. Siegmund, bascado em inúmeras pesquisas, concluí que a

experiéncia apoma, na vida humana, para urna rcalidade que pode, dealgum modo, ser expressa pelo símbolo de duas carnadas sobrepostas.Existe urna carnada mais profunda, niiidamente religiosa; c outra maisit superficie, que aflora á consciC-ncia. Estfl última, sem alterar a pri-meiru, sofre a influencia do ambiente, e pode ser moldada, mais oumenos, pela liberdade humana. Por isso. devido a diversos fatores.como forma áo, ambiente, preconceitos, a carnada superficial de urnapessoa, c inclusive de um grupo de pessoas civilizadas, pode ser atéia.Ne&tc caso a camada profunda nao consegue irromper sob a crosta,que se criou ácima déla, e só excepciónal mente, através de testes maisprofundos, se manifesta. Note-se. porcm. que, conforme a experieneiade Jung, sufocando demasiadamente a camada profunda, corre-se orisco de anurmalidade psicológica.

A problemática da tcnsáo entre a tendencia religiosa e sua re-jei áo, que de algum modo expressa o subconsciente e o conscientedo homem

,se fundamenta em dois falos. O homem naturaliiwnte bus-

ca Deus e cornudo senté dificuldade em expressar quem seja Deus; ouseja, o homem tende para um objeto transcendente, mas nao consegueauferi-lo. nem delenninar-lhe exatamente os contornos.

Este fato. fácilmente conslalável em toda a historia humana e

na aspirado profunda de cada pessoa, chama a aten áo para dois la-dos: para sua causa e suas conseqüéncias,

Como causa encontramos urna divisáo no próprio homem.Frcud descobriu. além do consciente, um inconsciente e um subcons-

ciente. Ou simplesmcntc constalou a distinváo entre o psíquico c o

82

consciente. Marlin Heidegger 11889-1976) elaborou a distin áo entreo mundo externo {Umwvli) e 0 mundo interno {Daseht). Pavlov des-cobriu o influxo da consciéncia sobre a natureza. Slumpf demonsirouque lodo o individuo é inefdvel. O Cristianismo aínda acrescenta adislin<;ác) entre a gra -a e a nalureza. Hm outra linha, Binet distingue aidade cronológica da psicológica e Thomdikc a dimensao prospectivada rcirospcctiva.

Oessa infinidade de dislin ocs. necessárias para entender apsicología humana, se abre urna perspectiva para o problema religio-so. I>e falo, o homem. como um lodo, no profundo de seu ser. tendepara Deus. Isto vem atestado pela universalidade do fenómeno religi-oso. Acontece, porém. que a faculdade cognoscitiva humana é muitolimitada. Assumimos nossos conhecimentos a partir das coisas sensí-veis. Como

, entáo, conceber as invisíveis? Sentimos necessidade de

Deus, mas nao temos capacidade suficiente de descobrí-lo mais niii-damente.

Temos, entao. como conscqüénvki, que o fenómeno religiosonao pode ser. em primeira tmha, idemificado com alguma cren a de-terminada. nem com as práticas de que. aqui e ali. se reveste. As éren-las e as práticas sao resultados de um esforzó consciente, para expres-sar o fenómeno tvligioso. Por isso a religiao nao é, em primeiro lugar,uma explica áo do mundo, ou da vida humana, através de verdades oudogmas, mas constituí, em si mesma, um falo fundamental da vida.Este falo é meramente constatado, cabendo á filosofía da rcligiaotentar explicá-lo. As cxplica oes. sempre em piano racional e por íslomuito debilitadas, podem variar e ser discutidas. O falo religioso.porém, em si. nao admite discussáo. porque nño está no plano racio-nal. Requer apenas consiata áo, reconhecimento.

Desia considera áo Huí a retatívidade das explicai;des religio-sas, ou seja, a relatividade das creídas religiosas. Cada pessoa. por serraciona), procura enicnder o fenómeno religioso, para assumí-lo demodo mais consciente. Alguns genios religiosos procuraram elaboraruma visáo coerente, eslabclcccndo verdades fundamentáis, como ex-

pressáo de uma vivencia. Daí as grandes religióes. Mas oulros tcnta-ram outra explicavao contraria como se ao fenómeno religioso nadacorresponde sse.

Notamos que o homem primitivo é espontáneamente religio-so. bem como fácilmente supersticioso, o que já representa uma cx-plicaijao do fenómeno religioso. Ele c orientado csponumcamcntc porsua tendencia religiosa. E por falta de capacidade maior, chega. inclu-

83

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sive, a aberra des. O homem moderno lambém senté o impulso religi-oso em si mesmo. Nao o vive, porém. com a mesma espomancidade.Nao sabe se deve assccundá-lo, rcprimi-lo ou oricnia-Io para nao scique dire ao. O homem moderno, pelo falo de ler adquirido o dominiosobre as suas tendencias, se scnie mais livre. mas lambém mais inse-

guro frente ao problema religioso. Nüo c impelido apenas cegamcnie.Neste sentido, a rellgiáo se toma uma responsabilidade pessoal, delivre op áo. Assim se explica lambém que. ou por faltu de dados, oupor outros incómodos, o homem moderno possa. com certa facilidade.renunciar u rcligiao. Oaf ¡i siiuavao utual do ateísmo.

Quanio ü cscoiha, frente as diversas religides ou cren as quese upresentum, nein sempre c fácil. Paru a maioria dus homens, équestáo de irudi ao, que se deve porem lomar, aos poneos, op aopessoal. Noniialmente as pessoas seguem a religiao de seus anlepas-sados. Mas como cristáos devemos saber dar as razóes de nossa fe e

tomar conscicncia de que assim crendo, nao estamos errados.O homem deverá, porlanto. conlinuamentc reafirmar o que

scu impulso religioso Ihe faz sentir - a necessária adesao pessoal aoInrmilo e Transcendente. Mas terá que fazer esta op áo de maneiraconscienle

. lúcida c crítica, nSo como a entrega um instinto Teráque optar para aquilo ou melhor Aquelc que o faz ser mais ele mesmo,num desafio de pessoa a pessoa: o Totalmcnte-oulro. que é o funda-mento do seu ser.

84

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87

1

Page 44: Religião e cristianismo(1 page)

2

AS RELIGIÓES

Tendo descrito o fenómeno religioso e seu sentido profundo.como lambém os mecanismos da SUü evolu ao ou. evenlualmenle. suaproje ao. podemos agora abordar o problema da diversidade da ex-pressáo religiosa. Na análisc precedente aparece claramente umfator subjetivo na reiigiao, nao apenas no sentido de que a tendenciareligiosa se exprime alravés dos fenómenos da proje ao religiosa(imagem de Deus) c da tinguagem mítico-simbólica. Considerandoesses fatores. nao eslranhamos encontrar uma grande vahedade deexpressoes religiosas, organizadas em diversas retigiaes, prescindin-do, por enguanto, da diversidade interior que existe em cada reiigiao.Ncste capitulo trataremos de apresentur unm visao gcral desta varíe-dude e, quandofor o caso, algumas considera oes críticas.

2.1 - Sinopse das rcligidc.s

2.1.1 - ClassiJíca$áo geral

a) Principios de classifica áo

Há. nulu ralmente, varías inanclras de classificar as religiües,dependendo do pomo de visla: expansílo geogrúfica, conceilo de Deuse cometido ideológico, ligagao sócio-cuUural. cíe. Assim fala-se emrelígiocs africanas, asiáticos, etc.; ou cntáo, cm rcligiócs monoteístas,politeístas, paniefstas, etc.; ou em religioes tribais, nacionais e univer-sais. Nós seguiremos aqui uma divisao que considera, sobretudo. amentalidade gcral ou cspirílualidade das religioes.50

Cf. WILGES. Irincu & COLOMBO. Olmo Plínio. Culium ReU iosa, Pono Alegre:Ese. Superior de Teología S. Lourcino de Brindes, 1974. p.I3.

S9

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1) Religioes dllus prímilivas: E>ipress;ini ;i sacniliclade de nu-ncira acrílica c prc-reflexiva. Embora respondam. muiias vezes, a urnarígida estrulura inconscienic, mostram pouca si.slcmatizavau rcfleiida.Sau geralmemc de flHo leor mágico.

2) Rolipioes sapienduis: Estas aceniuom mais a medita ao. asabedoria. o sentido da vida, a contemplai;ao e a onn,-ao. cíe. Propoem.niuílas ve/es. urna sabedoria prática na fomia de um elevado idealético.

3) Religioes ¡mifvticiis. lamlicm chantadas "de revela &O*1.Prelendem (ransmilir unía palavra ou mensagem de Deus Talandoatraves de "

prol'

otas"

(temió de origem ga-ga. que signiHca "porta-VO/£S

"

).

4) Místicas filosóficas: Estas nao tém. propiianientc. as ca-racterísticas objetivas de unta rcllgiao insliiucional (dogma, moral eritos comuns). As vezes nem aceitam o conecito de Deus. ntas procu-ram urna adesao ao Absoluto de maneira subjetiva.

b) Exemplos

Entre as religiñrs priiniiivos podemos classlficar. por exem-plo, o animismo, o fetichisnto. o politeísmo, o totemismo ñas suasvarias formas, A umbanda afto-brusilciru e as religioes dos indiosrepresentam esta caicgoria no nosso país.

RcUgidfS sapiencuiis sao o hinduísmo. o budismo, o confuci-onismo. o taoísmo. o xintoísmo. etc. Parece que a forma brasücira doespiritismo (considerado, no Brasil, como religiáo), pcrlcncia tambciua esta categoría.

As religioes pro/éticas sao, sobretudo. o judaismo, o cristia-nismo e o Isla ou islamismo.

Místicas filosóficas seriam, por exemplo. as místicas secula-ristus que mencionamos no capítulo precedente (cf. 1.6.4).

ou cntáo o

leísmo, o deísmo (no lempo do lluminismo),o humanismo, cenas

formas de budismo, etc. A linha de demarca ao entre estas categoríasnem sempre é clara.

2.1.2 - As religioes crísíás

Na lerminologia da administrat,'áo civil sao distinguidas varías

religioes cristas, embora em círculos religiosos csia maneira cause umceno mal-csiur

. porque a lendencia aiua! dos cristaos é de se conside-

90

rar unía religiao só, embora dividida cm varias igrejas, confissócs ou(¡enomiua óes. Por ouiro lado, há lambém cenas igrejas de origemcrista que se afuslum táo longe da cren 'a comum. que dificilmentcpodem ser consideradas como fazendo pane da mesma religiao. porexemplo. as Teslcmunhas de Jéovd e os Mómions.

Representamos aqui a genealogía das confissoes crisiils:

L O. . I

."

I lililí. >Lai

91

or diroHoo

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2.1.3 -A siluafao atual das religioes no mundo

Urna eslulfstícii de 1980 indica os dados scguinlcs":

popuhuao mundial cm IV80 4.374 milhoes

Crislianismo 1.443 32%

católicos 809 18%

prolcsianlcs anglicanos 345 7.9%

ortodoxos 124 2.8%

outros ISS 3.6%

um 723 16.5 %

Hinduísmo 583 13.3%

Animismo (religioes primitivas) 103 2.4%

Budismo 274 6.3 %

Judaismo 17 0.4%

Oulras religioes 36 0.8%

Alcus 911 20.8%

Novas religioes 96 2.2%

Re!. pop./chincsa 198 4.5 %

2.2 - Aspectos das grandes religioes no mundo de hoje

2.2,1 - O mundo das religioes primitivas

Cenas religioes. sohretudu de povos que eniraram larde emcunialu cum a civilízatelo ocidcnial. nías nao só desles, caracicri/iim-sc por urna eMnilura arquelipal pronunciada. Os arquetipos religiosos,geralmenlc iticonscicnles. suhsislem aqui na sua pureza primiliva. semraclonaliza áo pralicumenle. Por isso. os etnólogos conlínuam a cha-mar estas religioes de "primitivas

"

, nao no sentido de que scus adep-tos sejam sclvagcns. mas no sentido de que elas conservam urna formaoriginaría da religiúo. Também nessas religioes encontramos elemen-tos de civiliza ao: ou methor, elas sao o produto de uma certa cultura,que eleva o homem ácima do animal. Nao é nos povos mais selvagensque encontramos ritos que nos parecem inumanos, como sejam o ca-nibalismo e os sacrificios humanos. Eram povos altamenie civilizados

FMcichptdiaUiM-BrasileimdcCuiiura.Liiboa: Vctbo. 1986. vol. 21. p. 1257-58.

92

cuino os incas, os fenicios e os mesopoiamios que praticavam essesritos, porque cíes já meililaram sobre o fato de que as forjas da natu-reza exigiam renova ao c expia ao em forma de sacrificios valiosís-simos... B as orgias sagradas, para celebrar a fecunda ao da térra pelocéu. encontram-se até hoje, precisamente, em cenas popula oes maisrefinadas da India.

Os mitos c as suns aberm óes sño cultura humana. Por isso.lambém as suas formas primitivas talvez tenliam algo para nos dizer.Como explicar, sunúo. o sucesso dos cultos afro-bnisileuos. num paísindustrializado do sceulo XX

.o Brasil? Sucesso sobrcludo nos cen-

tros urbanos! Talvez sejam a pureza dos arquetipos e ausencia deracionaliza 'óes uma das razóes deste sucesso, além do fato de estasreligioes, sobretudo na sua forma urbana,

tora da estrutura do da, nao

comprometercm os seus adeptos por uma inslilui(,ao c moral rigoro-sas.

Em vista da se ao consagrada aos cultos afro-brasilciros (cf.2.3.2), queremos apresentar. neste quadro, algumas noyóes sobre uma

das suas raízes. o animismo africano. Atribui "alma" nao só fts pesso-as, mas também os coisas. Uma característica especial é o culto asalmas dos defuntos. A idéia de alma como elemento que sobrevive amonc do corpo e capaz, ponanlo. de uma existencia própria. existiusempre em quasc todas as religioes. ü animismo foi erróneamentechamado de fetichismo (feiticismo, culto de feitiyos ou ídolos), tote-mismo (culto do tótem ou animal protetor do clá), politeísmo, paga-nismo. magia. Hssas denomina oes sao geralmente inadequadas. Porisso dizemos hoje: animismo, apontando a érenla na existencia de umespirito inuiierial e invisível. De falo, o que os animistas adoram nao éo feiti o ou tótem; o objeto da sua cren u é a existencia de um únicoGrande Espirito, pai e senhor da vida e da inone. que está na origemde ludo. Mas este Ser Supremo c lao grande que ninguém pode entrarem contato eom Ele. Por conseqilénciu. acham os animistas. precisa-se de mediadores

, os espíritos dos antepassados. algumas vezes repre-sentados por estatuas. Deus parece as vezes táo longe e lao desinlercs-sado pelo homem que este se dirige aos espíritos dos antepassados ouas varias forjas benéficas ou maléficas que podem trazer beneficiosou causar docn as. Para vencer essas forjas invisíveis. o animistarecorre a magia e dírige-se aos feiticeiros,

encarados como médicos e

videntes, capazes de aplacar os espíritos alravcs de ritos mágicos; ouoferece algum animal em sacrificio. Os animistas acreditam na provi-dencia de Deus. Ele tem a última palavra em todas as circunstancias

93

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da vida. Talvcz cssa fe tenha dado aos negros da África, em oulroscuniinenics. aonde cíes foram levados como escravos. a for a de so-breviver.

Concillamos, portanto. aponiando a fé mima reatidade espiri-tual c num Ser supremo como valores positivos do animismo e dasreügioes primitivas que se asscmelham a ele.

2.2.2 - O Univenismo chinés*2

Prescindindo das religióes primitivas, que sobreviven! em al-gumas regióes do imenso território. podemos dizer que as principáisreligides da China sao o Budismo, o Taoísmo c o Con fuetonismo. Soas duas últimas sao tipicamente chinesas.

a) O Taoísmo

Lao-Tse nasceu ao redor de 600 a.C Depois de unía atividudecomo arquivista imperial, renrou-se á solidao e esereveu o Tao-Te-King. "Livro do Caminho du Virlude" (Tao significa "caminho". maslambem o Ser Supremo ao qual o caminho conduz). O Too ú a unida-de originária do ser. lamo do universo e sua lei imutávcl. como delodos os seres, a que ama com amor de pai c dos quais cuida comsolicitude de mae. O Tao do homem tem que se inserir no Tao celesti-al. O homem deve chegar á bondade, modera áo. generosidade c esla-bilidadc do próprio ser universal.

No fundo, o Taoísmo é um "eudemonismo", urna doutrina da

felieidade. O homem perde a felicidade quando se afasia da harmoniado Tao universal. O ideal da atua ao do sábio é urna espécie de "deixaser

"

, o wu-wei. a contempta(,'ao desinteressada do elemo. O místicodeve liberlar-se das paixoes. do desejo de domina ao. da ganancia, dasede de saber e de qualqucr atividade extema. O homem deve reen-contrar a "ordem silenciosa do universo"

."O homem sábio afasia o

extraordinário. afasia o tcmerário. afasia o grandioso"

{Tao-Tc-King,cap.29).

Nao é de admirar, pois, que o pcnsamenlo político de Lao-Tscpropóe a bondade universal e sem limites. A inimizade deve ser reiri-buída com bondade. Nada deve ser imposio com violencia. O wu-weicnsina aos govemadores abster-se de todo arranjo artificial, A paz

*:0/> dl..p. 180

94

entre as diversas comunidades políticas deve ser o objeto de urna alu-a ao preferencial. As na oes grandes nao devem procurar dominar,

mas tratar as pequeñas com humildade, ganhando-as para si; e procu-rar so manicr a paz e a harmonia. ao que as pequeñas coniribucm porsua colaboravao. É o pacifismo de Lao-Tse. "Qucm veneeu na buta-Iha. compone-se como num funeral" [Tao-Te-King, cap.3l).

O deslino de Lao-Tsc e de seu idea! foi a incompreensao. Po-rcm, a tradí íío chinesa recebeu-o como o grande sábio. cujo pensa-menlo influenciou profundamenie os estadistas confucionislas. Opacifismo é um elemento constante da soeiedade chinesa (embotanem sempre oelemenio dominanle).

Pergunta-se onde está, em ludo isso. a inspiraban religiosa.Nao é o Taoísmo uma simples sabedoria humana? Sabedoria humana,eenamente o é. mns esla sabedoria é inspirada por uma profunda sen-slbilidade pela santidade do ser. O ser é bom como ele é. O homemdeve eolocar-se em harmonía com ele, deixando-o ser. Ksla vivencia

da santidade total do ser lradu/-se numa atilude ética radical, o quemoslra a sublimidade desta visáo religiosa, capaz de transformar ohomem lodo e diferente nisso de religióes inferiores, que nao aiingem.praticamente, a atua áo livre do homem na soeiedade.

h) O Confticionismo

Kung-Fu-Tse. o "Sábio Mestre" (lalínizaido Confiido pelosmissionários do séc.XVI). nasceu meio século depois de Lao-Tse, em551 a.C. A lenda quer que ambos se conheceram. Mas a doutrina deConfúcio tí bastante diferente, embora se baseie lambém no principiodo Tao. Confúcio viveu uma vida movímenlada em plena época deguerras, alé morrer em 479. Talvcz por isso seja mais realista di) queLao-Tse. Ele mesmo caracteriza sua evolu uo nestes termos: "Quandolinha quinze anos, a minha vontade era aprender: aos trinta eonlinuavafirme; aos quarenia. já nao tínhá nenhuma dúvida: aos cinqiienta. co-nhecia a lei do c¿u; aos scsscnla, o mcu ouvido permanecia aberto;aos setenta, podia aceder aos desejos do cora ao. sem ultrapassar amodera ao.

"

Confúcio considera o Tao como principio do ser e funda-mento de sua doutrina afasta-se porém da profundidade mística deLao-Tse c procura, a base da trudí ao. fíxar costumes e leis para seupovo. E um¡i doutrina sóbria e prálica acerca do principio unifieador{Tao). com um acentuado lom ético-social. O Império Chinés é consi-

95

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derado como reflexo icrrestre do mundo celesle i: da ordcm do Too. A

convivencia humana deve. ponanio. ser regulamentada conforme estaordem. O homcm con» individuo c ineiubro da sociedade político-social deve participar dcsta ordem.

Confücio coloca o homem no centro de sua reflexao. O ho-

mcm é bom por natureza. Mas a falla de conhecimento e visíío tor-nam-no mau. "Abre uma escola e fechu urna prisao". O homem devecultivar-se. sobretudo. pelo estudo e a imitaíao dos bons excmplosdos antepassudos (Confúcio uproveita aquí a tradi au chinesu do cultoaos anlepassados). Fundamenluis sao os bons relacionamenios huma-nos. É o que aparece nos Dez Deveres:

ti autorpaterno:

a suhmissao e ti piethide filial para rom os país:a hrandura do irmáo mais velho para com o mais novo:a docilidade desle para com tupíele:o senlimenio do tlever üo homem em retaban ú esposa:a obediencia da mullwr em rela ao ao marido:a benevolencia dos velhos para com osjavens;a disponihilidade dos jovens para enm os velhos:a filantropia. amor hunumiiário do principe:a fidelidade dos súdilos:'

Confúcio nao segué o pacifismo radical de Lao-Tsc, porexemplo, no ponto do amor ao inimigo, Alguém perguntou a Confü-cio; "O que vocé diria se alguém quisesse retribuir a injusli a com abondade?" - Confúcio responden: "E cnlao com que relrihuiria vocé abondade? A injustiya dever ser retribuida com a jusilla, a bondadecom a bondade."54

O Confucionismo poderia ser chamado de utopia: um projetode como a realidade deve ser c. ao mesmo lempo, uma ética para an-dar na direyao indicada. Propóe o estado ideal, em que "u ierra senipropríedade de lodos

" sob o reino da verdade. Os dirigentes serao ossabios, eleitos puní conservar a pa/ e a harmonia. Será o comunila-rismo perfeito.

O valor do Confucionismo consisle. precisanwnle. na sua ma-neira concreta c eficaz de orientar a atua<¿áo política c social. Conta-seque Confúcio se lomou conselheiro de um govemador de uma provín-

"Op. cir..p. 181.M Ibitlem.

96

cia do Imperio Chinés c conseguiu substituir as prisoes por escolas.

Mas o govemador. influenciado por colegas ciumentos,deixou-se

corromper por cávalos de comda e mutheres e tudo voltou ao estadoanterior. K uma imugem dramática da doutrina de Confúcio. E umapelo fts forjas conMmtoms do espirito humano. Mas quando o espi-rito diminui, a consirui ao caí,

O valor especificamenle religioso aproxima-se do Taoísmo.Ambas as doulrinus tém em comum o reconhecinK-nlo da imanéncia

de Deas: o homem encontra a sanlidade de Deus ñas realidades deste

mundo, contempladas em uniao mística (Lao-Tse) ou tratadas com oprofundo senso etico de Confúcio. Isso se reflelc no conceilo de Tao.orígem de lodo ser. lei universal, mas lambém pai amoroso do queexiste. Porém. é rumbém Iranscendenle e pode ser objeto de devo Aoreligiosa como o Deus do leísmo judaico-crisiao.

2.2

.3 - As grandes religioes da india51'

a) O Hindiasmo

O Hinduísmo ou Bramanismo é a teligiao dos indo-europeusque ao fim do 3" milenio a.C. invadiram a India.

Conserva, milito mais do que o universismo chines, traaos depoliteísiiu sincretísia. mas tem uma característica própria que o elevaácima das demais religioes indo-européias, inclusive a greco-romana:sua fundamenla ao na sabedoria, grai. escritos sagrados, cha-mados Vedas, o que signinca "saber" (cf. holandés weten. alemáo

wissen, grego twloido). Os Vedas, surgidos a partir de 1500 a.C. ira-zem uma sabedoria sobre os hinos sacrificiais {Kigveda). os hinos delouvor (Samaveda). as fórmulas e os ritos de sacrificio (Yahun'eda) e

as fórmulas de encantamento (Atharvaveda). Expressam uma mundi-visao nascida das práticas religiosas primitivas e sao. neste sentido.cxiremamenie interessantes para a fenomenología da religiao. Maislarde acresecntaram-se aos escritos sagrados os Brámanas (manuaispara os sacrificios) e os Upunixades. Kstcs últimos sao importanlespor causa de sua índole filosófica e desmiiologizante. Mas o maisinfluenic escrito religioso da religiao hindú é a Bhagavadgila (Canto

B CE GAIÍR. Joscph. AM grandi-s nrf HlK Us6oK TUm Ouixnic. 1p. 95-98.

"Cf.INST. DIOC. WUERZBURG.oí». r». (ti. 15). p. IS5-194.

97

Page 49: Religião e cristianismo(1 page)

ih Sublime), que deixa o próprio deus Krislina anunciar o caminho dasalva áo (cf. infra).

O dL-senvolvinicnlo micmo do Himiuismo foi malto comple-xo. Enquanio no amigo Rigvcda se cnconira urna certa tendencia depurificaváo e apro fundamemo da religiúo (até advertencias contra opoliteísmo), os escritos ulteriores, sobreludo os Brámanas. eneami-nham-se na dire ao ritualízante. Os Upanixades sao, precisamente,uma rea áo intelectual contra isso.

Esta complexidadc transparece na inexirincável simullaneidu-de de deuses. Há um ser que é o Tolalmente-uno. o Absolulanténle-divino, origem e deslino de todos os serex, o Bráman (género neutro!).Mas há também deuses individuáis, entre os quais. depois de umacerta evolu ao. tres ocuparam o lugnr mais importante: Hranm (aquideus individual), Vishnn (que é o mesmo que Krishna) e Shiva. Ostres sao considerados como corporificavóes do Braman. Mas além doBráman e dcsia tríade existem ainda urna mullidao de deuses menores.

o que nao perturba o espirito a-dogmálico dos híndus.O Hinduísmo é uma religiáo de salva ao. A Bhagavadgita in-

dica dois caminhos principáis: a abnegáftto ou entáo o agir deshue-ressado e sincero no amor de Deus, Mas h.i ainda o caminho das

obras (especialmente sacrificios) e do conhecimenio. Hste procuraestabelecer a unidade entre o Bráman divino, do qual procede o mun-do. c o álmun, o sor pe.ssoal (ef. alemao Atem: sopro, espirito) dagente. Quem chega a reconheeer que o sen ser Uilmmt) forma um sócoisa com a subsláncia sustentadora do mumlo, o Bránum. pode dizerde si mesmo: "Ku sou o Brama,,. H através de tal conhccimcnto queadquire a ssdvaíáo.57

Esta uniao ¿ procurada no yoga, "doulrina da mtegra<;3o". Oyogui c grande nao tanto quando mortifica o corpo. mas quando eslácm Brama. Esta dou áo ao Brama na adorado e no culto incluí a tole-rancia e o humanitarismo coniinuamenie presentes no Hinduísmo.

Esiranha-se. no Hinduísmo. o sistema das castas, O homem

nasce numa determinada casta ou elasse social e nao pode sair déla.Provavelmente. traia-se de uma esinitura social do passailo, que deviaproteger os dominadores indo-curopeus (indo-iranianos) contra a mis-cigenai;úo com a populado indígena, muito mais numerosa. A eslru-(um. ainda maleável no tempo dos Brámanes (possibitidade de mudarde casta) pelrificou-se e hoje é quase inatacável. apesar dos direilos

"0¡Kcii..p. 187.

98

democráticos cslabeleeidos pela legisla áo moderna da India. Origina-riamente havia quatrn castas: os sacerdotes (hra/nanes). os proprictú-rios mrais cavalheiros íxáirias). os agricultores e anesoes (vaLxias). eos que exereem oeupa óes servís {suJras). A üxplicaifáo que a religi-áo providencia é que cssas castas provém do esquartejamento do"

hon»em primitivo". Os brámanes sao a cabera, os nohrcs os bracos.os agricultores as eoxas. e os servos os pés. O que conserva o sistemaé que cada casta tem seus prtiprios ritos e costumes c alé um linguajarespecífico, que as outras casias, as ve/es, nem entendem. Portanto.quem saísse de sua casta, (icaria desnorteado.

As castas, hoje cm dia multiplicadas até formar uma estruturasupercomplexa, aplicavam-se. originariamente, só as pessoas conside-radas como "

gente"

, i.é. os invasores indo-iranianos. A popula áooriginal (malasia) pertencia á casia nenhuma. Sao os púrias. os sem-casia. desprotegidos, sem direilos.

Importante, no Hinduísnu», é a feí na reencarnaban ou trans-migra<;áo da alma. Originariamenie. os hindus acredilavam que oátman (espirito) se reencamava depois da morte num ser inferior(p.ex., cachorro, pária) ou superior (em alguém de casta superior, ounuma vaca, p.ex.l. conforme as culpas ou mcriios contraídos na vida.Estas reeneama(;ocs sao ocasiocs de purificaváo. Completamente pu-rificada, a alma volla íi uniáo primordial com o Bráman. Mó que estese divida novamente depois de inúmeros anos (os hindus nao tinhamum conceilo pum da clemidade).

A vaca representa o úllimo estágio da peregrinado da alma,antes de atingir a divindade. O sentido sagrado da vaca provém. pro-vavelmenle

. de ela acompanhar os hindus ñas suas peregrina oes,alimenlando-oscom seu leile.

As figuras mais conhecidas do Hinduísmo moderno saoMahatma Gandhi e Rabindranalh Tagore. O primeiro (1869-1948) é opai da India moderna. Propagou um nacionalismo á base da paz. daverdade c do amor universal do Buda (cf. infra). com o método ascéti-

co indiano da renüncia a violencia. O segundo é um poeta sublime.cantor da alegría e do amor ao homem,

h) O Budismo

Gautama (ca. 560-480 a.C), o Buda {ilianinado). criou-sccomo príncipe, sob o nonte de Siddharta, no Nepal. Com 29 anos dei-xou casa e familia para procurar, mediante a ascesc. a libertaváo inle-

99

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rior e a sua salvado. Perccbcu logo, porém. que este esforvo nao erjo caminho ceno e dedicou-sc á mediiaíao e á abnegatao. Contempo-ráneo de Lao-Tse c Confúcio. nao se preocupou. porcm, com proble-mas esiadisias mas com a satva ao de urna humanidade necessitada. aliberta ao do sofrímemo. Eloqüente pregador de consoia So, paz eamor, é lambém reformador do Hinduismo. continuando a linha filo-

sófica dos Upanixades (cf. supra). Disiingue-se. porém, ntdícalmentcdo Hinduísmo pela rejei ao da douirina da dor. da notáo do Braman.do sistema das casias, do culto sucnfical e da aulohdade dos Vedas,

Para o Budismo, a saiva ao existe no afaslamento do sofri-mento. Sendo o Ser Divino onipoiente. oniscíentc c infinitamentebom, nao se pode uceilar o sofrímemo no inundo. E que o honKm seencontm submelido a falaliüade das continuas reencama óes. felizes einfelizes, determinadas pelas obras boas ou más, pralicadas na vidaanterior (o karmun). Devc-se quebrar esta falalidade. chegando aoNirvana, a ausencia de experiencia sensívcl. O que faz funcionar okarmun e as reencama oes sao as moldes de voniade e instinto, aansia de viver. Mas. na medida cm que o individuo se afosta das mása óes, praticando as boas obras, se purifica por mclo da mcdiia ao eextingue lentamente qualqucr "ansia de viver"

, pode atingir, passo apas&o, o Nirvana, que póc um ponto final ao ciclo das reencarna-S5es.

M

Que será, eniáo. o Nirvana? Os ocideniais pensam. muitas ve-zes: é o nada, Claro, sendo a "ausencia de sensin,"óes"

(pois as sensa-oes causam o sofrimcnlo), ninguém pode dizer o que é. Mas é urna

rcalidade positiva c salvítlca, algo que nao nasceu da dor e, portanto.dá uma saída para o que nasce em dor. "O monge! Há algo nao nasci-do. nao-causado, nao haveria nenhmna saída para o nascido. o surgi-do. o feito. o causado. Ora, como há algo náo-nascido... há lambémuma saída para o nascido..."5"

O Budismo. depí)is de um sucesso inicial, nao foi aceito naIndia (talvez por se opor a eslmtura social das castas), mas espalhou-se sob varías formas no resto da Asia. A forma mais abena, o "Grande

Vcículo". encontra-se na Asia Central (Nepal, Tibct). na China, naConíia, no Japao; a forma mais conservadora, o "Pequeño Vcículo".nos países do Sudeste asiático (Birma, Tailandia, etc.). O Budismoveio ao Brasil através dos imigranles asialicos.

9 Op. cil.. p. 191" Op. fir.. p. 192.

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Hoje em dia sobreludo o Budismo Zen (de origem japonesa),está tomando-se de influencia mundial. Como o Budismo lem uma

dogmática reduzida e maleávc). ele pode se enxenar nas outras rcligi-5es, como uma forma de mística ou "medita áo transccndenial"(assim como o Hatha Yoga hinduísta 6 utilizado como miítodo medi-tativo por monges católicos)."1 Isso explica que até rcligides politeís-tas (como o Xintoísmo, no Japao) se misturaram, em pane, com oBudismo, que. ponanto. nem sempre aparece com a pureza que seufundador quería.

A ética do Budismo cnsína a benevolencia c o amor para lo-dos os seres. A medita áo deve levar a isso. O monge (mendicante.para ser realmente livre) deixa encher o seu cora ao por ludo o queexiste no ambiente da sua meditasjio, para que a for?a da benevolSn-cia encha inieiramente o seu espirito, se estenda pelo mundo inteíro,ilimitada e livre do odio e da malevolencia.

O amor, sobretudo conforme a doutrína do "Grande Vcículo".

nao pode ficar um mero sentimento e deve iransfomiar-.se em a áoauxiliadora e oblativa. Todas as a óes devem colocar os outros seressob o influxo da "grande compaixáo"

, que lem como fundamento obem de iodos, e como fmalidade a felicidade de todos. Esta grandecompaíxáo nao é bem o amor no sentido crislao. pois amor é um afe-to. e isso. o Budismo rejeila. Contudo, o ideal de do<;ura e humanita-rismo que o Budismo propóe. se pode tomar uma boa base para oentendimento do amor crístáo. que nao é sentimental, como veremosadiantc (cf. 6,4).

O valor das religioes indianas é inegávcl, sobreludo por serenírelativamente completas (abrangem. numa sabedoría profunda, toda avida) e conterem uma doutrína de salva áo (especialmente o Budis-mo). Apesar de ceños defeitos (a rigidez das castas, rejeitadas peloBudismo), elas contríbuíram á emancipagao humana das popula Oesasiáticas pelo aprofundamento pessoa). a mansidáo e delicadeza.comprcensao e respeito. e tantas outras vinudcs que. hoje cm dia.fa/.em falta a cultura tecnológica do Ocidcntc.''1

Ml Cf. MERTON, TbOMU. Mt&aa r Mestrt-s Ten. Río Janeiro: Civilirac.lo Biusi-Icira. 1972. DECHANET. J. - M. loga para rriMSos. Ua Paúl»; Hcrücr. 1966,

M Cf. j "Rcnaiccnía OrieaMT no Ocidcnic. p. «., NREDLEMAN, op. efe (n. 12);FROMM, EriCh, Psicanálise e Rcligiao. 3. cd. Port. Río de Janeiro; Livio Ibcro-Aincritano. 1966. p. 91-94.117».

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