Religião e Psicanálise No Brasil Contemporâneo Luiz F. D. Duarte & Emilio N. de Carvalho

7/23/2019 Religião e Psicanálise No Brasil Contemporâneo Luiz F. D. Duarte & Emilio N. de Carvalho

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Religião e psicanálise no Brasil contemporâneo:

novas e velhas Weltanschauungen

RESUMO: A presença da psicanálise, como saber e

instituição, modificou-se bastante no Brasil, desde o

final dos anos !"#, $uando sua presença e influ%ncia&is'&eis na sociedade e na cultura nacionais tin(am

atin)ido o seu au)e* +i&ersas análises recentes

apontam para uma descentraliação, di&ersi-ficação ecompleificação da oferta psicoterap%utica. ao

mesmo tempo em $ue se recon(ece um intenso

recrudescimento da oferta de recursos reli)io-sos ou para-reli)iosos* /nicialmente, esse recon(ecimento se

concentrou nas alternati&as associá&eis ao estilo 0o&a

Era, caracter'sticas das camadas m1dias

metropolitanas, $ue podem ser 2 fre$uentemente 2 consideradas como &aria-ç3es de uma cultura

psicolo)iada* O crescimento da adesão 4s seitas pente-costais, principal caracter'stica dos

desen&ol&imentos reli)iosos nas camadas populares, parecia se)uir uma outra l5)ica, tamb1m fartamente

estudada* Mais recentemente, sur)iram mediaç3es



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entre as reli)i3es e&an)1licas e pen-tecostais e a

psicanálise $ue pro&ocaram )rande surpresa e

in$uietação nos meios intelectuais* O diálo)o entre a pes$uisa de 6ar&al(o sobre esse 7ltimo processo e a

pes$uisa de +uarte sobre a din8mica das cosmolo)ias9Welt-anschauungen reli)iosas e laicas em confronto

na sociedade brasileira con-tempor8nea permite

apresentar no&as interpretaç3es desse $uadro

din8mico*

;A<A=RAS-6>A=E: reli)ião, psicanálise, protestantismo, pentecostalismo, psicolo)iação*



Introdução

A entrada e difusão da psicanálise no Brasil sãoconsideradas como uma das dimens3es do processo de?moderniação@ da nação, associada 4 e-pectati&a de

predom'nio do con(ecimento cient'fico na re)ulação da&ida social e 4 substituição das construç3es reli)iosas da

pessoa por uma interioriação laica e racionaliada* Seus

se)uidores epl'citos iniciais foram m1dicos, sobretudo psi$uiatras, do per'odo do entre-)uerras, se-)uidos por artistas de &an)uarda e pelos psic5lo)os de formaçãouni&er-sitária emer)entes nos anos !#-!"#* Sua

presença ima)inária este&e comumente associada 4dessacraliação da &ida moral e da preemin%n-cia da

autoridade familiar, epressa, por eemplo, nas acusaç3esde ?pan-seualismo@, bastante difundidas nos meioscat5licos e protestantes*

A circulação relati&amente restrita $ue a caracteriouat1 os anos !# ampliou-se radicalmente na d1cadase)uinte, enseando um con-sumo mediato e imediato do

con(ecimento e da prática terap%utica psicanal'ticosamplamente presente nas classes m1dias e superiores me-tropolitanas* Cormulou-se então o dia)n5stico de uma?eplosão da psi-canálise@, relacionada com os efeitos damoderniação socioeconDmica acelerada ap5s a Se)undarande uerra e da moderniação ideol5)ica associá&el 4

difusão dos mo&imentos contraculturais* Esse fenDmenosuscitou uma ampla literatura interpretati&a, $ue se



beneficiou de um diálo)o intenso dos pr5prios psicanalistas com as ci%ncias sociais nacio-nais em fasede consolidação institucional 9cf* Ci)ueira, !FG. Russo,

!!!. +uarte, H###*A presença da psicanálise, como saber e comoinstituição, &em se modificando bastante no Brasil desdeo final dos anos !"#, $uando sua presença e influ%ncia&is'&eis na sociedade e na cultura nacionais ti-n(amatin)ido o seu au)e* +i&ersas análises recentes apontam

para uma descentraliação, di&ersificação ecompleificação muito )randes da ofer-



ta psicoterap%utica. ao mesmo tempo em $ue serecon(ece um intenso recrudescimento da oferta derecursos reli)iosos ou parareli)iosos* /ni-cialmente, esserecon(ecimento se concentrou nas alternati&as asso-ciá&eis ao estilo 0o&a Era, caracter'sticas das camadasm1dias metropo-litanas, $ue são 4s &ees consideradascomo &ariaç3es de uma cultura psicolo)iada* Iamb1m sedescre&e um re&i)oramento notá&el da psi-$uiatria

biolo)iante no Brasil, se)uindo uma tend%ncia mundial9por influ%ncia dos Estanos Unidos, (ostil 4s

interpretaç3es psico)%nicas do sofrimento mental*O crescimento da adesão 4s i)reas pentecostais,

principal caracter's-tica dos desen&ol&imentos reli)iososnas camadas populares desde os anos !"#, se)uiu umaoutra din8mica, tamb1m crescentemente estu-dada, derea&i&amento má)ico-reli)ioso* Recentemente, tornaram-

se mais &is'&eis as mediaç3es á eistentes entre asreli)i3es e&an)1licas e pentecostais e a psicanálise 9ou,

pelo menos, os saberes psicol5)icos $ue deslocaramtamb1m para esse plano as pol%micas sobre tradição emo-dernidade nesse se)mento reli)ioso*

=erificou-se, al1m do mais, $ue a proliferação de

propostas de inter-pretação e terap%utica do sofrimento eda aflição, $ue podem ser consi-deradas como formaç3esideol5)icas transicionais ou ('bridas entre os saberes

psicol5)icos 9ou psicolo)iantes e as f5rmulas má)ico-reli)iosas, afeta não apenas as classes populares, mastamb1m as classes m1dias e as elites* E nestas não se

epressam apenas em ?no&os mo&imentos reli)io-sos@,



mas afetam tamb1m, de dentro, as denominaç3estradicionais, in-clusi&e a /)rea 6at5lica*

O presente trabal(o pretende apresentar uma &isão)eral do estado atual dessas relaç3es entre os saberes

psicol5)icos e a reli)iosidade no Brasil contempor8neo, baseada em pes$uisas conduidas pelos dois au-tores 2 o primeiro centrado nas relaç3es entre reli)ião, fam'lia erepro-dução em di&ersos se)mentos sociais da re)iãometropolitana do Rio de



Janeiro, e o se)undo centrado na or)aniação interna domo&imento de ?psicanálise didática cristã@H com base emuma rede institucional de 8m-bito nacional* A

apresentação dos dados está en)lobada pelo esboço deuma interpretação mais abran)ente da din8mica dessecampo unificado das terap%uticas psicol5)icas e reli)iosase sobre sua relação com os estu-dos de construção socialda ;essoa e da fam'lia na cultura ocidental mo-derna*Essa interpretação ei)e inclusi&e uma releitura dacorrelação li-near oficial entre psicanálise e laiciação,uma &e $ue as apropriaç3es reli)iosas desse saber forammuito precoces, inclusi&e no Brasil*

1. O campo psi no Brasil hoe

O $ue 1 c(amado de ?campo psi@ no Brasil e $ue abarcaos saberes mui-to d'spares abri)ados sob as rubricas da psicolo)ia, da psi$uiatria e da psicanálise oferece um$uadro de )rande compleidade* Esses saberes não seconcentram mais apenas nas )randes metr5poles

pioneiras 9Rio de Janeiro e São ;aulo, mas se

disseminam por todos os centros urba-nos de al)umamonta* Os cursos uni&ersitários de psicolo)ia se encon-tram disseminados por todo o pa's e seus curr'culosoferecem uma )ama muito &ariada de especialiaç3es,correntes e tend%ncias* As formaç3es m1dicas em

psi$uiatria tamb1m se multiplicaram, obedecendo a curr'-

culos muito di&ersificados em função das tradiç3es locais*Mas 1 sobre-tudo a psicanálise $ue se or)ania em uma



trama complea de institui-ç3es onipresentes, emcont'nua se)mentação e reordenação* As relaç3es entreesses saberes tamb1m obedecem a re)imes muito

&ariados, com al)um tipo de psicanálise presente noscurr'culos de psicolo)ia ou nos ser&iços p7blicos de psi$uiatria e al)um tipo de oposição 4 psicanálise presente nas formaç3es em psi$uiatria e em al)umaslin(as de especiali-ação em psicolo)iaK*



+e um ponto de &ista mais interno, pode-se recon(ecer $uatro )ran-des processos concomitantes desencadeadosdurante os anos !"# 9o apo)eu mesmo da ?eplosão da

psicanálise@ e baliadores do campo durante a d1cadase)uinte: a intensa fra)mentação institucional ap5s umlon)o per'odo de concentração em umas poucasinstituiç3es pioneiras. a psicanaliação da formação

psi$uiátrica. a intensificação da formação de psic5lo)os9e a psicanaliação concomitante. e a polariação docam-po entre a %nfase filos5fica dos lacanianos e a %nfase?corporal@ dos reic(ianos 9cf* Russo, !!#. !!K. !!"*Mesmo este 7ltimo mo&imen-to, apesar de uma inicialret5rica antipsicanal'tica, mantin(a ainda sua refer%ncia7ltima ao pensamento freudiano*

Já se faia perceber, no entanto, ao lon)o da d1cada de!F#, a pre-sença de uma s1rie de outras ofertasterap%uticas não eplicitamente psi-col5)icas, (erdeiras 2 tanto $uanto o reic(ianismo 2 da 6ontracultura: toda essamir'ade de orientalismos, ocultismos, esoterismos,naturalis-mos e eperi%ncias corporais $ue se &eio a

c(amar oportunamente de mo&imentos ?0o&a Era@ ou de?reli)iosidades do self @ 9cf* >eelas, !!. Amaral, H###.Ma)nani, H### e $ue se materialia e&entualmente sob aforma da literatura c(amada de ?auto-auda@ 9cf* Salem,!!H* Essas no&as ofertas simb5licas pareciam diri)ir-seaos mesmos se)mentos so-ciais consumidores das

terapias psicanal'ticas: as classes letradas, interioriadas eindi&idualiadas das )randes cidades* O tema da ?au-



tenticidade@ continua&a a dar a tDnica cosmol5)ica,embora o foco pa-recesse se deslocar da relação entre

psi$uismo e inconsciente para as di-mens3es mais

imediatamente corporais, sentimentais e espirituais* Umalin(a de interpretação presti)iosa tendeu a considerar esses desen&ol&i-mentos não como propriamenteantipsicol5)icos, mas como p5s-psico-l5)icos 2 nosentido de continuarem pressupondo, subacente, a &isãode mundo psicol5)ica 9cf* Russo, H##* ;oder-se-ia

considerar como caracter'sticas dessa continuidade a preemin%ncia de um subeti&ismo



estruturante 9sistemas de interpretação do mundocentrados em e)o, a crença na eist%ncia de umainterioridade, a representação de uma din8-mica

a)on'stica dessa interioridade, o recon(ecimento de umadimen-são obscura a esclarecer em seu 8ma)o, asuposição de $ue esse 8ma)o estea relacionado com aeperi%ncia pessoal dos primeiros anos de &ida 9ee&entualmente da &ida intra-uterina, a disposição

pra)mática de dis-por concomitantemente de di&ersos

sistemas de interpretação e terap%u-tica 9sem pressupor uma ?con&ersão@ reli)iosa eclusi&ista, por eem-plo e 2 sobretudo 2 o pri&il1)io de uma sal&ação intramundana9cura, conscientização, insi)(t, equilíbrio interior etc**

O mais no&o componente desse $uadro 1 aconsolidação, nos meios psi$uiátricos, das &ers3es

biolo)iantes da &ida ps'$uica ou mental, em detrimentode uma lon)a (e)emonia da &isão psicanal'tica* +i&ersostrabal(os t%m analisado as caracter'sticas e conse$L%nciasdessa crescen-te %nfase no localiacionismo cerebral, nodeterminismo )en1tico e nas terap%uticas

psicofarmacol5)icas, ressaltando a sua solidariedade com

outros processos ideol5)icos em curso nas sociedadescontempor8neas 9cf* >ennin), H###. Russo ;onciano,H##H. Beerra, H##H* N um processo $ue en&ol&e uma?medicaliação@ certamente, mas sobretudo um retornoao fisicalismo caracter'stico do proeto iluminista, fonte

principal do cientificismo moderno* Essa tend%ncia tem

influenciado crescentemente o ima)inário p7blico,sobretudo com suas propostas de patolo)iação do



sofrimento ordinário 9como no caso eemplar de uma?doença do p8nico@, mas parece con&i&er ainda com a

presença mediática da psicanálise e sua %nfase

psico)%nica* Um traço eminente dessa modalidade deentendimento do sueito (umano, em relação 4 $ue pre&alecia sob a psicanálise, 1 o pri&il1)io daeterioridade sobre a interioridade* Iem parecido 7til aal)uns int1rpretes considerar $ue essa %nfase em umdeterminismo eterno, corporal, pode con&i&er mel(or



com a preser&ação do ideal cristão tradicional do li&re-arb'trio do $ue a representação de uma interioridade

confliti&a e din8mica, cua l5)ica escapa ao dom'nioconsciente*

N poss'&el $ue (aa, como defende Jane Russo, umaafinidade entre o ?alternati&ismo@ 0o&a Era e arebiolo)iação da psi$uiatria: ambos pri&ile)iam um?monismo pelo corpo@ em detrimento do caráter f'sico-

moral das representaç3es da ;essoa consolidadas noOcidente a partir do s1culo P=///* Mesmo aespiritualidade p5s-psicol5)ica pressuporia $ue ?1 atra&1sdo corpo $ue se atin)e o espiritual@ 9Russo, H##, p* HH*

!. " religião e a psicanálise como categorias de estudo

At1 o momento, utiliamos as cate)orias ?reli)ião@ e?psicanálise@ como se fossem un'&ocas e se referissem afenDmenos indiscuti&elmente uni-&ersais* 0ão cabe a$ui

portar tal discussão at1 seus limites etremos, mascon&1m sublin(ar al)uns pontos necessários a nossa

análise* +e um ponto de &ista formal, o caso da?psicanálise@ 1 mais simples, á $ue se-)uimos, em

princ'pio, a con&enção antropol5)ica de respeitar asclassi-ficaç3es nati&as* 6omo os nati&os não estão,

por1m, de acordo entre si a esse respeito, 1 precisoacrescentar moduladores $ue epressem a dissen-são

presente no campo em torno do uso da cate)oria 91 o caso



de ?psica-nálise didática cristã@, por eemplo* +e um ponto de &ista mais subs-tanti&o, pode-se preferir arefer%ncia 2 como fiemos e&entualmente 2 a ?saberes

psicol5)icos@ ou ?psicolo)iantes@, sempre $ue isso sea7til para si)nificar um uni&erso mais abran)ente defenDmenos aparentados*

O caso da cate)oria ?reli)ião@ 1 mais cr'tico, á $ue

não 1 rele&ante 2 a nosso &er 2 o crit1rio formal: nem

todas as formaç3es ideol5)icas $ue parecem aos

membros de nossa cultura ser ?reli)i3es@ sãoconsideradas



emicamente como reli)i3es e, e&entualmente, o $ue parece ser ob&ia-mente uma ?reli)ião@, a nossos ol(os, pode ter esse estatuto ne)ado por um fiel em função deconotaç3es (ist5ricas dessa cate)oria* N, por outro lado,

crucial atentar para a sua dimensão substanti&a, sobretudo por$ue não (á consenso nas ci%ncias (umanas a respeitodo $ue a cate-)oria ?reli)ião@ desi)na ou conota deuni&ersal ou de essencial na epe-ri%ncia (umana*

A con&enção a$ui se)uida 1 a da acepção durQ(eimianade reli)ião como ?representação da totalidade@, ou sea,

como a$uilo $ue pode tam-b1m ser c(amado de ?&isão demundo@ ou de ?cosmolo)ia@* A utiliação dessacon&enção para a análise das sociedades modernas nosle&a a uma consideração paradoal: a confi)uração de&alores 9nem sempre coeren-te e un'&oca $ue preside 4ordenação da cultura ocidental moderna não se apresenta

como ?reli)iosa@, muito ao contrário inscre&e-se numalon-)a luta de afirmação de sua condição laica* Seconsiderarmos $ue as cate)orias de ?subeti&ismo@ e de?naturalismo@ 2 $ue defendemos recentemente comocapaes de descre&er o n7cleo ideol5)ico dessa con-fi)uração 9cf* +uarte et al*, H## 2 são as mais

abran)entes e estrutu-rantes $ue se possa recon(ecer,somos le&ados a considerar $ue elas com-p3em uma?reli)iosidade@ laica ou, pelo menos, não confessional,en)lobante de todas as f5rmulas de totaliação espec'ficasdas confiss3es reli)iosas 2 não sem contradiç3es ouconflitos*



<e&antamos ainda a (ip5tese 2 nesse sentido 2 de $ue 1o modo de aproimação desses &alores estruturantes, adisposição de ethos assim abraçada pelos sueitos sociais

nas sociedades liberais modernas, $ue os impele a umaaproimação a tal ou $ual opção confessional, 4 e&entualadoção de uma reser&a subeti&a em relação 4sdeterminaç3es de sua re-li)ião atribu'da, ou 4 disposiçãode &i&er afastado de $ual$uer institui-ção reli)iosa formal

2 e não o oposto, como (abitualmente se concebe*



A eist%ncia de um ethos (e)emDnico laico abran)ente á mereceu a atenção de di&ersos autores, desde $ue+urQ(eim se referiu a um ?culto do eu@ comocaracter'stico da reli)iosidade de seu tempo na Crança le-trada 9cf* +urQ(eim, !F* +uas tend%ncias a' seapresentam: a $ue busca demonstrar a $ualidadeestruturante e culturalmente determina-da dos &aloreslaicos da cultura ocidental moderna a partir de dentro 9cf*Rieff, !F. +uarte, !FK e a $ue 2 mais recentemente 2

busca relati&iar a disposição uni&ersaliante desses&alores a partir de outras tradiç3es culturais 9cf*Ba(manpour, H##K* O pr5prio tema da ?civil religion@estado-unidense, analisado por Robert Bella( 9!", nãodei-a de se aparentar com a reli)iosidade laica a$uimencionada, embora enfatie antes o ethos p7blico $ue o

pri&ado*

A perspecti&a da con&i&%ncia de reli)iosidadescon&encionais e ?laicas@ &isa facilitar a compreensão doconunto dos fenDmenos sociais caracter'sticos daconstrução da pessoa e de seu ethos p7blico e pri&ado nas

sociedades ocidentais modernas 9e, possi&elmente, emmuitas ou-tras contempor8neas* Ela não pode i)norar aespecificidade das ideolo-)ias $ue se pretendemeplicitamente reli)iosas, do ponto de &ista ins-titucional,cosmol5)ico e 1tico, mas tampouco pode considerar asrepresentaç3es nati&as como um impedimento a uma

análise uni&ersali-ante de suas caracter'sticas culturais*



N preciso, por1m, recon(ecer $ue esse sistema de&alores não escapa 4 condição de reli)iosidade laica,caracter'stica a$ui eaminada dos &alores modernos* O

pensamento cient'fico cont1m ao mesmo tempo, para-doalmente, as caracter'sticas acima apontadas de ummo&imento ideo-l5)ico anti-reli)ioso e as caracter'sticasde uma &isão de mundo abran-)ente, comprometida comuma representação totaliante e com uma 1ticaeclusi&ista 2 o uni&erso 1 co)nosc'&el ustamente por$ue

seu con(eci-mento não 1 dado a priori e s5 pode ser atin)ido por indução controla-



da* A psicanálise proposta por Creud 1 uma das (erdeirasmais t'picas dessa complea disposição cultural, aindamais por se &oltar ustamente para a &ida moral,

psicol5)ica, subeti&a, (umana 9cf* Creud, !"*N preciso le&ar ainda em conta $ue as reli)i3es

ocidentais não t%m uma relação uniformementeanta)Dnica ao ?pensamento cient'fico@ nem tampoucomanti&eram a mesma atitude a respeito de todas as suas

di-mens3es ao lon)o dos 7ltimos tr%s s1culos* Os saberes psicol5)icos, por eemplo, parecem de&er ao protestantismo a sua formaliação como áreadesencantada de pes$uisa e ensino acad%mico ainda nos1culo P=/ 9cf* =idal, H###* A famosa obra de illiamJames 9!GF sobre a eperi%n-cia reli)iosa 1, ao mesmo

tempo, um marco na compreensão fenome-nol5)ica dessefenDmeno e um testemun(o de seu arrai)ado (oriontecultural protestante*

Uma das reaç3es acol(edoras mais precoces 4 obra deCreud ad&eio de um pastor protestante, mesmo $ue o ?paida psicanálise@ ten(a ma-nifestado sua recorrente

preocupação em relação 4 leitura pastoral ou didática feita por Oscar ;fister G 2 no conteto de um lon)o e cordialdiálo)o 9cf* Birman, !F* 6arl usta& Jun) era fil(o deum pastor protestante 2 fato $ue pode ser aduido tanto 4(ip5tese de uma afini-dade poss'&el entre a &isãoreformada da pessoa e a proposta freudiana $uanto 4 de$ue conduiu 4 construção de uma &ersão ?reli)iosa@ da

psicanálise 9cf* Rieff, !F*



0ão se trata, de $ual$uer modo, de dissol&er aespecificidade das ideolo)ias laicas do Ocidente moderno9inclusi&e a da psicanálise tal como concebida por Creud

em relação 4s ideolo)ias reli)iosas* Irata-se derecon(ecer a compleidade de sua inter-relação sem)arantir, a uma ou a outra, pri&il1)ios deetraterritorialidade cultural e de le&ar em conta $ue 2 deum ponto de &ista antropol5)ico 2 ambos os tipos deideolo)ias ei)em al)uma forma de ?doutrina@ e

dependem da ?adesão@, do ?pertencimento@ e de um?ethos@, socialmente constru'dos, de seus fi1is*



3. #ocos comparados de pessoa$ religião epsicologia no Brasil hoe

O campo reli)ioso brasileiro, tradicionalmente

caracteriado pela (e-)emonia do catolicismo (erdado dacoloniação portu)uesa, tamb1m passou por um processode intensa compleificação nas tr%s 7ltimas d1-cadas dos1culo PP* Essas transformaç3es consistiram sobretudoem tr%s processos concomitantes: a institucionaliaçãodas 6omunidades Ecle-siais de Base 96EBs, um

importante mo&imento de ação e inter&enção socialmantido por al)uns se)mentos subordinados da /)rea6at5lica. a proliferação de denominaç3es pentecostais, asubse$Lente e acelerada epansão de sua membresia e aintensificação de mo&imentos de reno-&ação nas i)reas

protestantes (ist5ricas. e 2 finalmente 2 o sur)imento e

epansão de um mo&imento de reno&ação carismática nointerior da /)rea 6at5lica*Os mo&imentos de rea&i&amento brasileiros

acompan(am tend%ncias do cristianismo norte-americano,tanto em sua &ertente e&an)1lica $uan-to cat5lica* Sua

principal caracter'stica cosmol5)ica 1 a da eperi%ncia

imediata da possessão pelo Esp'rito Santo, desafiadoradas confiss3es cristãs estabelecidas $ue repousam sobreum lon)o processo de burocra-tiação do carisma,indissociá&el da racionaliação do mundo implicada naordem cultural ocidental moderna* A se)undacaracter'stica 1 a de um alto )rau de eclusi&ismo

reli)ioso, imediatamente oponente do tra-dicionalsincretismo &ertical brasileiro, assim como das dimens3es



má-)icas do catolicismo, particularmente do popular* Aterceira caracter's-tica 1 a de uma mais epl'cita e radicalintramundanidade $ue se epressa eemplarmente na

c(amada Ieolo)ia da ;rosperidade 9$ue não 1 compartil(ada por todas as tend%ncias* A $uarta caracter'stica1 a de $ue a desma)iciação pre&alecente 9indissociá&eldo eclusi&ismo não impe-de al)umas de suasdenominaç3es de uma relação interna direta e epl'-



cita com os al&os de sua luta ideol5)ica, sobretudo oscultos afro-brasi-leiros* Os int1rpretes desse mo&imentomant%m acesa pol%mica sobre sua identidade: um

protestantismo sem ascese e sem sal&ação etra-mundana, uma eticiação com possessão, umeclusi&ismo desencanta-do $ue não eclui continuidadessincr1ticas 9cf* Birman, !!. Mari Mac(ado, !!*

Um ponto muito comum em todo o campo 1 o da

representação de um continuum de formas reli)iosasordenado se)undo um princ'pio de maior ou menor espiritualidade* Essa representação s5 constitui um pontode doutrina epl'cito para o espiritismo Qardecista, no$ual a&ul-ta a representação, t'pica do e&olucionismorom8ntico, de um processo )eral de passa)em da mat1ria

para o esp'rito, do bruto para o elaborado, do simples parao compleo, do terreno para o transcendente* 0ão se estálon)e do ?processo ci&iliat5rio@ eliasiano, por1m comuma %nfase mais linear no Geist * Muitos informantes, dediferentes confiss3es reli-)iosas, apresentam, no entanto,sinais dessa representação, $ue se pode-ria considerar

como o oposto de um eclusi&ismo e, portanto, como um patamar m'nimo de sincretismo, em $ue todas aseperi%ncias reli-)iosas t%m um fundamentotranscendente real, embora localiadas em pontosdiferentes de um arco de espiritualidade crescente* >á,

por1m, diferenças importantes na maneira de afirmá-lo,

encontrando seu limi-te na demoniação brandida pelos pentecostais contra as ?entidades@ dos cultos afro-



brasileiros* 0o outro etremo, estariam os consumidoresda 0o&a Era, tolerantes em relação ao conunto e

pessoalmente dispon'-&eis para muitos pontos do

espectro, na depend%ncia de u'os de au-tenticidadesubeti&a e oportunidade conuntural* Eles não deiariam,no entanto, de compartil(ar da representação de umcontinuum de espiritualidade crescente*

A perspecti&a abran)ente de ?reli)iosidade@ a$ui

pri&ile)iada su)ere $ue se obser&e sucessi&amente uma

s1rie de focos etno)ráficos presentes



nas pes$uisas dos autores ou encontrá&eis na literaturaantropol5)ica contempor8nea $ue permitam situá-la eanalisá-la*

O primeiro foco 1 o mais abran)ente e tamb1m omenos epl'cito* Irata-se do n7cleo de &alores $ue 1 aialem torno da relação entre o sueito e a fam'lia* 6omo foitematiado por +uarte em outros traba-l(os, a instituiçãoda ?fam'lia@ moderna 1 insepará&el da constituição do&alor ideol5)ico do ?indi&'duo@ na cultura ocidental 9cf*

+uarte et al*, H##* ;ode-se considerar mesmo $ue sea oseu traço institucional distinti&o o mandamento de

produir ?indi&'duos@ li&res, i)uais e autD-nomos, comtodas as contradiç3es $ue se imp3em a tal tarefa*

0a medida em $ue a construção do indi&'duo modernoimplica um &erdadeiro ?culto do eu@ 9cf* +urQ(eim,

!F. +uarte, !FK, não 1 surpreendente $ue a pr5priafam'lia em $ue emer)e se &ea re&estida de um caráter sacraliado, como fons et origo do no&o sueito* Entre asdi-&ersas dimens3es dessa sacralidade, $ue ultrapassa demuito o tema des-te arti)o, interessa-nos a relação $uemant1m com a ?psicolo)iação@ en$uanto teoria e prática

da interioridade subeti&a* A psicanálise, mais do $ue$ual$uer outro saber erudito moderno, contribuiu paraaureolar o ?parental@ de um caráter má)ico intr'nseco,estruturante 2 lu)ar a $ue se atribui a articulação dosn5dulos essenciais de $ual$uer subeti&ida-de* N claro$ue, ao fa%-lo, ela se)uiu a tril(a ideol5)ica dos

in&estimen-tos precedentes no ?familismo@ moderno,



acumulados desde meados do s1culo P=///* As reli)i3escristãs constitu'ram o principal comutador desses &alores,em sua forma positi&a linear e apolo)1tica, por meio de

uma intensa pastoral de afirmação do primado da ?c1lulamater da socie-dade@* A psicanálise, (erdeira dasambi)Lidades rom8nticas, ino&ou ao dotar o culto 4fam'lia de um componente in$uietante, ?sinistro@,unheimlich, $ue o tornou mais substancialmente nãolaico, sa)rado* Esse culto 1 insepará&el da eperi%ncia

subeti&a das classes letradas moder-nas e sua presençaa&ulta na sociedade brasileira, nos se)mentos marca-



dos pela ?interioriação@* A eperi%ncia das terapias psicanal'ticas está fortemente associada a um ?culto doeu@ $ue se desen&ol&e no ?sacrário da fam'lia@ ou,mel(or diendo, do sentimento da fam'lia, á $ue não se

trata tanto da eperi%ncia social concreta dessa instituição$uanto da sua &i&%ncia interior*

Bem mais 5b&ia do $ue essa reli)iosidade interna 4eperi%ncia da fam'lia psicolo)iada 1 a da referida

pan5plia de recursos simb5licos a $ue se fa refer%nciasob a rubrica da 0o&a Era* Ela 1 tamb1m insepará&el do

?culto do eu@ 2 e, no limite, do ?sacrário familiar@,embora em n'&eis e condiç3es muito d'spares* Muitas

pes$uisas contempor8neas t%m se debruçado sobre pontosespec'ficos dessa confi)uração, fornecendo ma-terialines)otá&el para sua interpretação* Mais uma &e, nossointeresse a$ui 1 o de ressaltar a import8ncia )eral da

psicolo)iação no conteto dessas reli)iosidades, mais do$ue o de re&isar sua etensa etno)rafia* O trabal(o

pioneiro de Iania Salem 1 epl'cito ao nomear uma dasten-d%ncias da biblio)rafia de auto-auda por elaeaminada como ?psicol5-)ica@ 9por oposição 4?esot1rica@ 9cf* Salem, !!H, p* H* O psicolo)ismo 1

aliás epl'cito pela refer%ncia re)ular a di&ersas correntesdas psicolo-)ias modernas, inclusi&e 4 psicanálise* Maisdo $ue isso, por1m, esses manuais comprometem-se como $ue a autora c(amou de ?indi&'duo natural@, comoindeterminação absoluta e ori)inária, sobre a $ual se podeinstalar 2 desde $ue corretamente propiciado e culti&ado

2 o reino do ?li&re-arb'trio@ 9id*, p* * 0os manuais



mais ?esot1ricos@, nos ter-mos da autora, esse li&re-arb'trio 1 uma epressão direta de uma trans-cend%nciac5smica, (ip5stase i)ualitária do indi&'duo*

Entre o uni&erso da ?auto-auda@ e o da 0o&a Era, parece se localiar a literatura da ?cura interior@e&an)1lica eaminada por <e)oT 9H##G, $ue sedissemina amplamente no Brasil* Essa literatura, deori)em so-bretudo norte-americana, 1 2 se)undo o autor 2 de consumo crescente entre os fi1is das denominaç3es

protestantes tradicionais e entre os sa-



cerdotes das denominaç3es pentecostais brasileiras, por meio de tradu-ç3es propiciadas por editoras e&an)1licasnacionais* Irata-se de um uni-&erso bastante amplo deformas literárias, estilos pastorais e fontes ideo-l5)icas,marcado pelo $ue o autor c(ama de ?(ibridiação entrereli)ião e psicolo)ia@ 9id*, p* "* 6onsidera-se $ue se&en(a desen&ol&endo no mercado cultural norte-americano desde os anos !"#, o $ue fa supor $ue senutra das mesmas imposiç3es de mudança ideol5)ica $ue

presi-diram 4 emer)%ncia da 6ontracultura e da 0o&a Era*Apresenta-se em rubricas confessionais tais como a da?&ida cristã@, ?crescimento espiri-tual@ e ?confissão

positi&a@, en&ol&endo cate)orias fre$Lentemente e&o-cadas, como a de ?auto-estima@ e ?autodesen&ol&imento@*

A preemin%n-cia do &alor do ?bem-estar@ 9well-being su)ere uma aproimação com a Ieolo)ia da;rosperidade* Os int1rpretes desses mo&imentos, citados

por <e)oT, c(e)am a falar em ?Christian self-help@ 9cf*>unter, H### e em ?0o&a Era e&an)1lica@*

Uma outra fonte t5pica de informação sobre os

meandros da psicolo)iação no uni&erso reli)ioso brasileiro 1 a pes$uisa de 6arlos Steil com o 6entro SãoJos1, um se)mento do Mo&imento de Reno&ação6arismática 6at5lica, sediado na cidade de ;orto Ale)re,$ue ele calcula atin)ir cerca de G mil pessoas,maoritariamente de classe m1dia 9cf* Steil, H##* Esse

mo&imento postula $ue a eist%ncia (umana corrente 1 pre-cedida por uma fase intra-uterina em $ue se cristalia



o destino de cada pessoa em relação com?condicionamentos@ (erdados das )eraç3es an-teriores*Esse destino pode ser alterado por meio de t1cnicas

?ps'$uico-m'sticas@ 9nos termos do autor, $ue &isam a?libertação@ desses ?demD-nios de )eração@*

O autor considera $ue o mo&imento en&ol&e umarelati&a ?psico-lo)iação@, em sua associação de temas

0o&a Era com os saberes biol5-)icos e m1dicos

contempor8neos, sob o )uarda-c(u&a da reno&ação ca-

rismática cat5lica* Efeti&amente, parece pre&alecer a' aid1ia da busca de



um ?&erdadeiro eu@ a ser atin)ido atra&1s de um?aperfeiçoamento inte-rior )radati&o@, en&ol&endo?corpo, mente e esp'rito@* A mundanidade mais uma &e(e)emDnica se epressa na id1ia de uma ?conscientiação

para mel(or@* Uma peculiar ?psicolo)iação@ pode ser entre&ista na re-presentação de uma patolo)ia mentaldecorrente da relação do sueito com seus antepassados ede uma terap%utica mental capa de superar os entra&esdessa (erança )eracional*

Essa peculiar psicolo)iação em curso nos meios

carismáticos con-tempor8neos pode ser mel(or entendida4 lu das informaç3es )erais $ue fornece ;ierre Sanc(is9H## sobre as relaç3es entre a /)rea 6at5-lica e a

psicanálise no Brasil* Ele ressalta como essas relaç3es seestreitam a partir dos anos !G#, sob a influ%ncia de umatend%ncia re&i&alista na formação sacerdotal, atin)indo

seu ápice na se$L%ncia do 6onc'lio =aticano //* +i&ersasiniciati&as espec'ficas foram importantes nesse pe-r'odo,como o 6entro de Estudos Creudiano, constitu'do por um)ru-po de reli)iosos e considerado pelo Dicionário e

!sicanálise de Roudinesco ;lon como o primeiroc'rculo lacaniano do Brasil 9!"G* Outro eemplo dessas

relaç3es foi a criação do 6'rculo Brasileiro de ;si-canálise, em !G, por um padre cat5lico $ue fe

psicanálise didática em =iena com /)or 6aruso* /nformaSanc(is ainda $ue, ?em !K, se transferiu para Belo>orionte, dando in'cio ao 6'rculo ;sicanal'tico de Minaserais* Iendo permanecido nos $uadros do clero secular,

de-dica-se (oe 4 (ipnoterapia e 4 (ipnoanálise@ 9p* K#*



Um terceiro eem-plo 1 o curso Christus "aceros,institu'do por &olta de !"# pelos esu-'tas em seu col1)iode São <eopoldo, com a finalidade de formação de

$uadros sacerdotais*

Irata&a-se de um ciclo de formação $ue &isa&a

articular as contribuiç3es da sociolo)ia, da

teolo)ia e da psicolo)ia* Se)undo as lembranças

de um cursista, contudo, ?a %nfase era muito mais

na &i&%ncia psicanal'tica $ue



na teolo)ia, do)mática ou moral, embora mais na

do)mática $ue na mo-ral@* Era sistemática a

análise indi&idual dos cursistas por psicanalistas

da cidade* 9Sanc(is, H##, p* K

Al)uns carmelitas, e-alunos desse curso, fundaram,em !"H, o 6en-tro de /nte)ração ;sicoteol5)ica 96/;I

para reli)iosos9as, aberto em se)uida tamb1m a lei)os,$ue mescla&a (oriontes de formação pastoral e terapiaanal'tica 9ou psicol5)ica*

Uma outra dimensão etremamente importante dasrelaç3es entre psicanálise e reli)ião no Brasil (oe 1 a da

á citada ?psicanálise didática cristã@* São assimnomeadas as iniciati&as $ue associam o treinamento em

psicanálise e o uso de terapias psicanal'ticas a contetosreli)iosos mais ou menos epl'citos* A pes$uisa de

6ar&al(o tem se centrado na compreensão desse uni&erso, por meio de redes sociais a)lutinadas nas cidades de São;aulo, Rio de Janeiro e Belo >orionte, embora reme-tam

para um conteto nacional* Irata-se de compreender oin&estimen-to de pastores e&an)1licos nos saberes e nas

práticas psicanal'ticas atra-&1s de no&os cursos de

psicanálise com tempo reduido de formação* EssefenDmeno tem suscitado in7meros casos ur'dicos einstitucionais $ue o transformaram numa das $uest3esmais pol%micas do campo ?psi@ brasileirocontempor8neo"*

0o caso dos saberes e das práticas da psicanálise,entretanto, essa di-fusão no campo e&an)1lico brasileirofoi mais lenta e inicialmente t'mi-da, permanecendo por



mais tempo restrita a subt5picos de disciplinasacad%micas nos cursos de )raduação e p5s-)raduação emteolo)ia e ci%ncias da reli)iãoF* Assim, 1 somente emmeados da d1cada de !!# $ue a Sociedade ;sicanal'ticaOrtodoa do Brasil 9S;OB, fundada em !! lança um

proeto nacional de difusão da psicanálise a partir de umno&o estilo de formação de profissionais psicanalistas em

praos mais curtos e com preços mais acess'&eis* Essemo&imento de difusão da psi-



canálise foi rapidamente ampliado para al1m dos limitesnacionais e para al1m da S;OB, atra&1s de in7merasoutras instituiç3es de formação fun-dadas a partir do finalda d1cada de !!#, tais como a Associação 0a-cional de;sicanálise 6l'nica 9A0;6, o /nstituto Creud, aAcademia Brasileira de ;sicanálise 6l'nica 9AB;6, aSociedade <atino-America-na de ;sicanálise 6l'nica9S<A;S/6 etc*

;elo menos duas caracter'sticas iniciais estão presentesnessas insti-tuiç3es: a oferta de cursos de formação em

teoria e cl'nica psicanal'tica com duração &ariá&el entreum e dois anos, e )uiados por mecanismos de a&aliação-diplomação por coeficiente de rendimento. e uma direto-ria &inculada a mo&imentos reli)iosos 9$uase sempree&an)1licos*

O ponto mais marcante, entretanto, refere-se ao )rande

crescimento do n7mero de cursos de psicanáliseor)aniados por essas instituiç3es de formação, $ueassumiram como meta difundir a prática da psicanálise

por todo o territ5rio brasileiro* S5 a S;OB formou, entre!! e H##H, mais de K mil psicanalistas em todo oterrit5rio nacional, ampliando ainda mais seu potencial deformação nos anos se)uintes* ;ara se ter uma id1ia dosn7meros comparati&os, a Associação Brasileira de;sicaná-lise 2 &inculada 4 /nternational ;sTc(o-AnalTtical Association /;A formou cerca de !F#

psicanalistas at1 o ano de H##, $uando completou !anos de eist%ncia no Brasil 9cf* Bloc(, H##* Os cursos



de psicaná-lise &inculados 4 /;A possuem uma duraçãom1dia de cinco a oito anos*

%. " &psicologi'ação( e o &reencantamento domundo(: velhas e novas perspectivas

Embora a psicanálise sea apenas um dos muitos modelos

de pessoa e perturbação $ue constitu'ram os saberes

psicol5)icos em nossa cultura, ela dete&e, desde o in'cio

de sua di&ul)ação, um papel cr'tico no campo*



6om efeito, a proposta freudiana radicalia&a os pressupostos permean-tes da psicolo)iação, concedendo-l(es um estatuto ontol5)ico, episte-mol5)ico eterap%utico de )rande coer%ncia e atrati&idade cultural*

Uma bre&e re&isão desses pressupostos nos fa retornar a al)umas re-fer%ncias anteriores* A primeira 1 a dosubeti&ismo ou indi&idualismo intr'nsecos ao processo*S5 uma &isão do (umano como centrado no indi&'duoli&re, i)ual e autDnomo poderia ter suscitado a elaboraçãode um saber espec'fico sobre a mente indi&idual* Ase)unda refer%ncia 1 certamente 4 mundaniação 9erelati&a desma)iciação implicada nesse subeti&ismo*S5 uma considerá&el %nfase na determinação da &ida (u-mana por fatores terrenos poderia i)ualmente ter

suscitado $ue t1cnicas de interpretação e inter&enção nãoreli)iosas pudessem ser consideradas di)nas e raoá&eis*Essa subeti&idade intramundana de&e ser dotada de umainterioridade, ou sea, de uma localiação no interior dosueito indi&idual 2 e passa-se a considerar poss'&el amodeliação de sua cons-tituição e din8mica* 0a medida

em $ue 1 dotada de uma din8mica, co-meça a seapresentar tamb1m como dotada de uma (istoricidade 2 e, portanto, de uma ori)em e de um destino imanentes* 0amedida em $ue 1 dotada de uma constituição, podeacol(er 2 por outro lado 2 a definição de forças mo&entes,e&entualmente contradit5rias entre si* 6omo se trata de

um lu)ar ocupado pelo pr5prio sueito, 1 necessário e poss'&el passar pela pr5pria subeti&idade para aceder 4



sua e&entual obeti&ação 9o $ue se c(amou 4s &ees de?m1todo da introspecção@*

A psicanálise freudiana se ap5ia sobre todos esses

pressupostos cosmol5)icos e os reor)ania em torno deuma no&a l5)ica* O primeiro ponto diacr'tico 1 o da preemin%ncia da dimensão inconsciente da &ida ps'$uicasobre a dimensão consciente* O se)undo, o da articulaçãoda constituição e da din8mica internas em torno do deseoseual ou da seualidade* O terceiro, o da ei)%ncia de

comprometimento interiori-ado do terapeuta 9e de seu pr5prio inconsciente na relação com o pa-



ciente: a teoria da transfer%ncia e da contratransfer%ncia* 0em o pensa-mento de Creud nem o desen&ol&imentoulterior da psicanálise se resu-mem a isso, mas se pode

possi&elmente considerar $ue seam pontos de )randeconsenso nas &ers3es (e)emDnicas desse saber* A %nfasenesses mesmos tr%s pontos pDde &ariar )randemente,mantendo-se por1m a refer%ncia básica*

A tradição cristã, sobretudo a reformada, 1 insepará&eldo processo de constituição da noção de pessoa $ue

acabamos de descre&er como ?psicolo)iada@, embora asubsuma a uma determinação 7ltima trans-cendente*;ode-se dier $ue (á assim, portanto, como ámencionamos, uma &erdadeira afinidade cultural entre atradição reli)iosa central do Ocidente e a psicolo)iação*O mesmo não se pode dier da &ersão psi-canal'tica desse

mo&imento* 0em a preemin%ncia do inconsciente, nem ada seualidade, nem a da implicação do terapeuta podemse ade$uar automaticamente a &is3es de mundo $uereser&am um papel preponde-rante para o li&re-arb'trioindi&idual, para uma determinação transcen-dente da &idamoral e para uma atitude pastoral direti&a e didática!*

Ao defender a impossibilidade de &ir a psicanálise a seapresentar como uma Weltanschauung , dadas suascaracter'sticas de uma ideolo)ia ?cient'fica@, Creud &in(aa se opor a um modelo de reli)ião altamente estruturada ede simboliação ri)orosamente fec(ada $ue correspondiacertamente 4 representação estereotipada dos fi1is da

racionaliação moderniante ocidental* Mesmo assim, eleconcedia $ue a crença na ci%ncia em )eral podia redundar



numa Weltanschauung ?cient'fica@, con-tradit5ria fi)ura('brida entre a racionaliação se)mentada e a totaliaçãode sentido a priori* Apenas a psicanálise se preser&aria

nesse conteto*O con(ecimento etno)ráfico e (ist5rico de $ue se

disp3e (oe sobre os sistemas de representação permitecertamente uma compreensão mais nuançada, em $ue as

&is3es de mundo reli)iosas não podem ser consi-deradas

monol'ticas, está&eis ou isentas de reflei&idade, assim

como as



&is3es de mundo cient'ficas não podem ser consideradasculturalmente neutras e absolutamente racionaliadas*

Irata-se assim de compreender um campo socialetremamente compleo, em $ue os tipos ideais tradi-cionais se epressam de modo particularmente d'spar*/sso não si)nifica por1m aus%ncia de estrutura, puro fluode formas arbitrárias* Aponta-mos a$ui para al)umas daslin(as de força presentes no campo e para sua complea e

2 4s &ees 2 contradit5ria imbricação* O subeti&ismo foi particularmente mencionado, pulsante sob as mais&ariadas formu-laç3es cosmol5)icas, se)uindo a tril(a daindi&idualiação, interioriação e psicolo)iação* Se)ue-oa intramundanidade 9$ue pode fre$Lentemen-te seapresentar como um naturalismo, a$ui representada

sobretudo pela busca do bem-estar e pela disposição?terap%utica@, tão pre&alecente nas reli)i3es $uanto nas psicoterapias*

=el(as e no&as Weltanschauungen &ão se eno&elandona sociedade bra-sileira, epressando um intenso edesafiador dinamismo cultural, cuo con(ecimento 1ainda &astamente insuficiente* 6olocar lado a lado, comofiemos a$ui, as f5rmulas $ue se consideram laicas e as$ue se con-sideram reli)iosas de representação da pessoae de suas perturbaç3es e terap%uticas parece ser um passoessencial para o esclarecimento desse campo e ainterpretação dos processos em curso*

)otas



A circulação anterior da psicanálise no Brasil s5 pode ser considerada restrita em

comparação com o no&o per'odo* ;odem-se recon(ecer di&ersas iniciati&asimpor-tantes de di&ul)ação popular, de cua recepção 2 no entanto 2 não se sabemuito* =ale lembrar a difusão biblio)ráfica e radiofDnica 9com pro)ramas de

interpreta-ção de son(os e apresentação de radiono&elas de astão ;ereira daSil&a 9cf* Rus-so, H##H* Assim tamb1m os &ários li&ros sobre educação seual e

psicanálise pu-blicados pela Editora 6al&ino nas d1cadas de !K# e !# 9ibid**

A epressão desi)na o mo&imento de formação psicanal'tica entre cristãos

e&an)1-licos* Os responsá&eis por esses cursos ne)am oficialmente $ual$uer

relação direta com o campo reli)ioso, tal&e ustamente por causa das pol%micas

ur'dicas com o 6onsel(o Cederal de ;sicolo)ia e com as sociedades

tradicionais de psicanálise* A epressão proposta 1 con&eniente por doismoti&os: primeiro por$ue remete dire-tamente ao ethos psicanal'tico-

educacional $ue está na base l5)ica da construção te5rica, inter&enti&a e de

formação profissional desses cursos. se)undo por$ue, na medida em $ue prop3e

uma ampla difusão dos saberes e práticas psicanal'ticos como um recurso de

transformação da sociedade, e&oca a refer%ncia (abitual 4 psi-canálise brasileira

da primeira metade do s1culo PP, cua aliança com os mo&i-mentos de

educação e (i)iene mental 1 bem con(ecida*

H S5 em n'&el de p5s-)raduação, (á no Brasil "F cursos considerados como de

?psi-colo)ia@ 9&ariando de ?teoria psicanal'tica@ a ?neuroci%ncias@ ou?psicobiolo)ia@. no mesmo n'&el, (á sete cursos de psi$uiatria 9&ariando de?sa7de mental@ a ?neu-ropsi$uiatria@, cf* 6A;ESME6 9H##G*

K Embora o modelo a)ostiniano ori)inal da psicoma$uia cristã tamb1m sea confli-ti&o, com base na libido oriunda do pecado ori)inal, a c(a&e positi&a se encontrana dimensão consciente, 1tica, do sueito e não em suas determinaç3es obscuras*

?V***W Seu coraoso ;fister me en&iou um arti)o $ue (ei de a)radecer com&a)ar* A atitude dele 2 um pastor protestante 2 1 de fato lou&á&el, embora

para mim sea meio desconcertante &er a ;sicanálise arrolada na luta contra o

XpecadoY@* 6arta de Creud a Jun), "!#! 9apud +rabiQ, !F*G Esse 1 o caso de uma informante batista de Juliana Jabor, profissional de

classe m1dia, $ue considera os pentecostais fundamentalmente ustos, masainda incapa-es de usufruir de uma reli)iosidade superior, mais?amadurecida@ 2 como a sua 9cf* Jabor, H##K*

0o plano ur'dico, tr%s confrontos )an(aram maior &isibilidade nos meios de co-

municação* O primeiro te&e in'cio em !!F e corresponde 4 batal(a ur'dica em-

preendida pelo 6onsel(o Cederal de ;sicolo)ia 96C; contra a Sociedade ;sicana-

l'tica Ortodoa do Brasil 9S;OB, acusando esta de ?propa)anda en)anosa e abusi&a@

ao prometer formar psicanalistas aptos a eercer a profissão* O se)undo corresponde

aos proetos de lei de re)ulamentação da psicanálise e aos in&estimen-tos do 6C; e



das sociedades e associaç3es psicanal'ticas contra os mesmos -Z refi-ro-me a$ui a

dois ;roetos de <ei: o ;< K!!H###, de autoria do então deputado



R E=/SIA +E A 0IRO;O<O/A, S[O ;AU<O, US;, H##G, =* F 0\ H*

federal Nber Sil&a 9e-;+IRJ, $ue tamb1m 1 pastor da /)rea Batista. e o

;< HK"H##K, de autoria do deputado federal Simão Sessim 9;;RJ* Oterceiro con-fronto de )rande repercussão 1 de ordem estadual e refere-se aum pro)rama esta-dual de ?tratamento e cura@ da (omosseualidade, a ser financiado pelo estado sob a forma do ;roeto de <ei ""H##K, apresentado 4Assembl1ia <e)islati&a do Rio de Janeiro pelo deputado estadual pelo ;S6Ndino Conseca 9$ue 1 tamb1m pastor da Assembl1ia de +eus*

F N interessante notar a esse respeito $ue os $uadros docentes dos recentescursos didáticos de psicanálise apresentam um n7mero considerá&el de

psi$uiatras forma-dos na d1cada de !"#* Al1m disso, a or)aniação do

6;;6 em !" coincide com um per'odo de )rande difusão einstitucionaliação da psicolo)ia e da psica-nálise, com todas as intensasdisputas territoriais $ue isso implicou entre psi$uia-tras e psic5lo)os*

! Mesmo os dois primeiros t5picos 9inconsciente e seualidade, tal como tematiados

pela psicanálise, puderam ter afirmada sua afinidade com a tradição cristã, em par-

ticular por Mic(el Coucault 9cf*, sobretudo, Coucault Sennett, !F*

Religião e Psicanálise No Brasil Contemporâneo Luiz F. D. Duarte & Emilio N. de Carvalho

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