REMOVENDO-BARREIRAS-PARA-APRENDIZAGEM---EDUCAÇÃO-INCLUSIVA

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LIVRO: REMOVENDO BARREIRAS PARA APRENDIZAGEM EDUCAO INCLUSIVAAUTORA: Rosita Edller CarvalhoEditora Mediao6a EdioPorto Alegre 2007DADOS INTERNACIONAIS DE CATALOCAO-NA-PUBL1CAO BIBLIOTECA SETORIAL DE EDUCAO da UFRGS, Porto Alegre. BR-RSBIBLIOGRAFIA C331r Edler Carvalho, RositaRemovendo barreiras para a aprendizagem: educao inclusiva/ Rosita Edler Carvalho. - Porto Alegre: Mediao, 2000. 176 p.1.Educao Especial. 2.Distrbios de aprendizagem. 3.portador de deficincias - Incluso escolar. 4.Professor - Formao. I.Ttulo.CDU: 376Homenagem Pstuma querida D.Luiza Vischnevsky de Foguel, av de meus filhos e querida amiga, de quem sinto tantas saudades e muita f alta principalmente pelos "no ditos"...Agradecimento EspecialAo meu marido, Orlando de Carvalho, porque me estimula vendo encantos em tudo o que escrevo...A todos os meus netos e sobrinhos netos, em especial Ana Luisa, ao Diego e ao Bernardo, os mais novos integrantes do meu mundo familiar. Terei muito a aprender com eles. Estou estimulada com essa perspectivaPertencer mais do que romper as barreiras dos rtulos e dos estigmas produzidos na representao e no imaginrio social: pertencer mais do que ter contemplados direitos cidadania no mbito jurdico-formal. Pertencer , pois, estar engajado, qual sujeito ativo da histria; exercer a condio de ator sem ser alvo da viso dualista que atribui "diferena" a condio de anjo ou de demnio, para garantir mdia a condio de normais.Pertencer estar no palco sem ser heri ou vilo...Paulo Ricardo Ross (1999).SUMRIOPrefcio ...... Pgina 91. Educao Especial: perspectivas prximo milnio............Pgina 13Introduzindo o tema......... Pgina 13Uniformizando conceitos ...... Pgina 15Analisando as perspectivas enten como expectativas, esperanas e probabilidades......Pgina 152. Das necessidades educacionais remoo de barreiras para a aprendizagem...Pgina 35 As necessidades educacionais especiais Relatrio Warnock ......... Pgina 39As necessidades especiais na Declarao de Salamanca........... Pgina 43Das necessidades educacionais especiais remoo de barreiras aprendizagem ............ Pgina 473. Removendo barreiras para a aprendizagem... Pgina 57 Consideraes gerais .... Pgina 57Removendo barreiras na prtica pedaggica em sala de aula.... Pgina 624. Barreiras na organizao do atendimento educacional escolar de alunos com distrbios de aprendizagem .... Pgina 69Conceituando os distrbios de aprendizagem .......... Pgina 69 Os distrbios de aprendizagem e a culpabilizao do aluno....... Pgina 72Os distrbios de aprendizagem e educao especial............ Pgina 758.Removendo barreiras para aaprendizagem na organizao doatendimento educacional escolar ...... Pgina 76Incluso escolar de alunos portadoresde deficincia: desafios................. Pgina 95Introduo............................ Pgina 95Refletindo sobre a excluso............. Pgina 96Os desafios incluso escolar das pessoascom deficincia................. Pgina 101Os desafios nas polticas educacionais ... Pgina 102Desafios em relao s recomendaesde organismos internacionais ....... Pgina 121Desafios em relao opinio dosprprios deficientes e de suas famlias..... Pgina 123Gerenciando a transio em sistemas educativos inclusivos ................. Pgina 127O fluxo do sistema educacional brasileiro ... Pgina 130Contexto social, poltico e escolar do desenvolvimento do processo educacional brasileiro ............ Pgina 131Situaes de excluso ........ Pgina 132Algumas aes em curso no Brasil ....... Pgina 135Concluso ......... Pgina 142Avaliao psicopedaggica na proposta inclusiva......... Pgina 145Educao, educao especial e formaode professores........ Pgina 159O "saber".............. Pgina 159O "saber fazer ....................... Pgina 159 Pgina 9 - PREFCIOPerdoem-me os leitores se me torno, por vezes propagandista da autora. No sem razo, e quem a conhece pessoalmente pode confirmar. Rosita tem se destacado em tudo o que faz em e por este pas, tanto aqui dentro quanto l fora, de vrias maneiras. Mas talvez uma de suas mais marcantes caractersticas seja a capacidade de se rever e renovar, de manter sua juventude naquilo que ela tem de mais bonito: sonhar e lutar pelos sonhos. Estas qualidades se refletem em seus textos, conforme veremos adiante.Desde que conheo Rosita, tenho tido a honra -graas sua humildade e f na troe e opinies profissionais - de ter acesso a seus textos ainda em fase de produo, palpitar sobre eles (em todos os sentidos: pelo que leio, que me move profundamente, e pelos comentrios que ela, com toda sua elegncia e tica profissionais, me permite fazer) e sobretudo, acompanhar o nascimento oficial dos mesmos quando, fresquinhos, saem do fornoe ganham o mundo.Assim foi quando, em seu primeiro livro A LDB e a Educao Especial -, Rosita nos presenteou ao discutir com tamanha profundidade as relaes desta Lei com a Educao Especial e respectivas implicaes tericas e prticas, apontando as contradies entre teoria e prtica, sem contudo cair no milismo.Pgina 10Ao contrrio, apontou ali os aspectos positivos da Lei e identificou as partes, nela presentes, que sinalizam a possibilidade de um mundo mais justo.Assim tambm o foi quando, em seu segundo livro - Temas em Educao Especial I -, a autora levantou polmica cujas consideraes foram - e tm sido -imperativas para chegarmos aonde hoje chegamos no que diz respeito s lutas dessa minoria conhecida como "da Educao Especial".E agora, uma vez mais ela nos presenteia. Seu terceiro livro - Removendo barreiras para a aprendizagem: educao inclusiva - afortunado de vrias maneiras: nos temas escolhidos, na forma como foram organizados e seqenciados, e, claro, na profundidade com que so abordados e discutidos, incluindo-se a leveza com a qual a autora capaz de tecer crticas e fazer alertas os mais apropriados e necessrios ao momento em que vivemos, confirmando seu estilo elegante e sua competncia.O livro comea discutindo as perspectivas em educao especial para o prximo milnio. J neste captulo, um brinde: uma maneira concreta de acreditar num futuro mais justo, em que pese os tempos e contratempos do passado. Aqui, Rosita repensa a educao especial e prope uma mudana de foco: para a considerao do especial na educao.No segundo captulo, a autora levanta os prs e contras do uso do termo "necessidades educacionais especiais" a partir de uma perspectiva histrica. Neste captulo, to rico em informaes, ela critica a confuso que ainda se faz ao se achar que Salamanca (tanto a conferncia quanto a Declarao) se referiu apenas aos deficientes, e re-une (com hfen mesmo) o movimento pela Educao para Todos ao da Incluso,Pgina 11recontextualizando-os a partir da identificao e enfrentamento de barreiras aprendizagem. Esta medida, ela dir, seria o mnimo esperado e que representaria uma resposta educativa da escola na luta contra a excluso, e conseqentemente na organizao de uma educao que atenda, de fato, a todos.Os dois captulos seguintes centram as discusses em torno das barreiras propriamente ditas, em seus aspectos pedaggicos e organizacionais. Em ambos os captulos, encontram-se valiosas sugestes de enfrentamento s barreiras, bem como sua to caracterstica profundidade de anlise de cada barreira ali apontada, no que diz respeito s suas causas e seus efeitos.O captulo V, de marcantes teores poltico e filosfico, tece reflexes sobre os variados tipos de excluso e situa os principais desafios incluso de deficientes em trs campos: o das polticas educacionais, o das recomendaes internacionais e o das opinies dos prprios deficientes e suas famlias.No captulo VI, a autora discute o gerenciamento da promoo dentro dos sistemas educacionais que se propem ser inclusivistas. Um dos principais argumentos aqui levantados o de que tal gerenciamento significa efetivar a incluso em todos os nveis educacionais, e no apenas com predominncia de um ou de outro, a ttulo do que tem sido comumente feito em muitos pases.A discusso levantada no captulo anterior estendida ao seguinte em seu aspecto referente avaliao - que para a autora deve ser diagnstica do processo ensino-aprendizagem, e no apenas, ou unicamente, incidir sobre a performance do aluno - a exemplo do que, infelizmente, tem sido predominante em muitosPgina 12sistemas educacionais locais.O livro concludo com uma excelente discusso acerca da formao profissional. No entender da autora, tal formao no deveria favorecer a separao entre os profissionais que trabalham para a educao especial e os demais profissionais. A defesa a da formao de um professor-pesquisador, equipado para buscar e criar alternativas aos "problemas" que encaram, por oposio a uma formao demasiado tecnicista do professor, preocupada apenas com mtodos de ensino, como se a descoberta de um ou outro grande mtodo fosse suficiente para, de fato, tornar a escola aberta e servidora de todos.Desnecessrio nos alongarmos: o livro reflete a histria da autora: de uma contribuio inquestionvel, tanto aos que j tm conhecimento do assunto quanto aos que no o possuem. Sua leitura interativa e seu estilo "degustvel" do o toque final que permitem ao leitor no mais "desgrudar os olhos" at que a leitura se complete. E depois rel-lo, porque, a cada novo olhar, um novo pensar se processa, tamanha a riqueza e variedade de contedos aqui tratados. Quanto queles a quem estas palavras causem alguma incredulidade, apenas um conselho: ler e ver, para confirmar.Mnica Pereira dos Santos Rio de Janeiro, maro de 2000 Pgina 13 - Captulo 1EDUCAO ESPECIAL: PERSPECTIVAS PARA O PRXIMO MILNIOIntroduzindo o temaO principal objetivo deste texto, escolhido por mim para ser o primeiro assunto de um livro contendo temas em educao , definitivamente, incluir as pessoas portadoras de deficincia em quaisquer debates referentes aos direitos de cidadania, seja no processo educativo seja na sade, no trabalho, no esporte e lazer, na comunicao, no transporte...Desde h muito ns, os que trabalhamos em educao especial, examinamos questes relativas ao desenvolvimento e aprendizagem dos alunos com deficincia, com condutas tpicas de sndromes neurolgicas, psiquitricas, de psicolgicas graves e dos superdotados. Costumo dizer que construmos uma semntica restrita, na medida em que debatemos conceitos e procuramos consenso acerca do processo de educao escolar daqueles alunos, entre ns mesmos.Reconhecemos a importncia dessas trocas terico-metodolgicas, mas as praticamos quase sempre com as mesmas pessoas. Objetivando alargar nosso dilogo, temos procurado envolver outros pensadores, em particular os educadores que trabalham na educao regular. Dentre outras razes, para romper comPgina 14o mito de que convivemos com duas "educaes": uma regular e a outra, especial.Nossa participao em eventos com ampla temtica educacional tem sido pouco freqente, embora estejamos certos cie que so excelentes oportunidades para a interlocuo entre os estudiosos do desenvolvimento e da aprendizagem infantis de modo que, juntos, analisemos a problemtica dos alunos que, no processo de educao escolar, enfrentam barreiras mais complexas do que as enfrentadas por seus pares, ditos normais. Por todas essas razes, torna-se importante pensar em perspectivas para um novo milnio, na esperana de que ocorram mudanas significativas, frente educao especial.O vocbulo perspectivas, dentre outros significados, quer dizer expectativa, esperana, probabilidade (Dicionrio Aurlio).Segundo o dicionrio, expectativa implica esperana e alicera-se em direitos: tem-se esperana de que algo ocorra, porque no seria justo se no ocorresse. A esperana traz, como "tempero" da expectativa, a f, a crena, a confiana de que acontecer o que se deseja. E, enquanto probabilidade, o termo perspectiva, finalmente, nos induz a pensar na possibilidade de um fato ou fenmeno ocorrer, a partir de uma srie de indcios, algumas vezes, histricos.Sob esse trplice enfoque - expectativa, esperana e probabilidade - estarei organizando minhas reflexes acerca da educao especial no prximo milnio, esperando oferecer subsdios para debates em torno do processo educativo nos prximos anos. Pretendo resgatar algumas idias-chave discutidas no passado, no presente e, quem sabe, a serem concretizadasPgina 15em aes futuras, para o que ternos trabalhado muito, registrando-se, felizmente, inmeras conquistas.Tratarei de analisar, basicamente: (a) sob o enfoque da expectativa, o princpio democrtico da igualdade de direitos e seus corolrios em termos de acesso, ingresso e permanncia de todas as pessoas com deficincia nos bens e servios historicamente organizados e socialmente disponveis; (b) sob o enfoque da esperana, os movimentos em prol da qualidade de vida dessas pessoas e a crena de que a conscientizao da sociedade acerca de seus direitos e deveres e de suas potencialidades tero eco, mais cedo ou mais tarde e (c) sob o enfoque da probabilidade, a possibilidade de construirmos cenrios otimistas a partir dos movimentos para a incluso /integrao dessas pessoas, o que significa oferecer educao de qualidade para todos. TODOS.Creio que se impe, como questo preliminar, o conceito de educao especial para que possamos construir nossas anlises, centrados no mesmo entendimento acerca dessa expresso.Uniformizando conceitosHistoricamente, a educao especial tem sido considerada como a educao de pessoas com deficincia, seja ela mental, auditiva, visual, motora, fsica, mltipla ou decorrente de distrbios invasivos do desenvolvimento, alm das pessoas superdotadas que tambm tm integrado o alunado da educao especial.Segundo o modelo clnico, os que apresentam alteraes orgnicas (estruturais ou funcionais) so consideradosPgina 16estatisticamente como desviantes. Socialmente esto percebidos como "enfermos e incapazes". Nesses sentidos, deficincia se confunde com patologia, e as limitaes que dela decorrem (como no ver, no ouvir, no andar, por exemplo), como impeditivas de uma vida "normal" em sociedade.No imaginrio social, a deficincia (principalmente a mental) tem foros de doena exigindo, portanto, cuidados clnicos e aes teraputicas. A educao dessas pessoas adjetivada de especial em funo da "clientela" a que se destina e para a qual o sistema deve oferecer "tratamento" especial, tal como contido nos textos da Lei 4024/61 e da 5692/71, hoje substitudas pela nova Lei de Diretrizes e Bases da Educao Nacional (LDB- 9394/96).Na atual LDB, constatamos sensvel evoluo, embora o alunado continue como "clientela" (Nota1: Veja-se o pargrafo 1 do Art. 58 da LDB 9394/96: haver, quando necessrio, servios de apoio especializado, na escola regular, para atender s peculiaridades da clientela da educao especial.)e a educao especial esteja conceituada como modalidade de educao escolar oferecida a educandos portadores de necessidades especiais.Conceber a educao especial como modalidade de educao porque perpassa todos os nveis de ensino seria at vantajoso, mas, em nossa cultura, traduz-se como uma outra modalidade o que nos leva, equivocadamente, a pensar que convivemos com uma duplicidade de educaes (latu sensu), cujas finalidades e objetivos no so os mesmos para todos, variando em funo das caractersticas da "clientela"(Nota2Embora este termo seja aplicado para os alunos, em geral, na educao especial reveste-se de conotao pejorativa). Com esse olhar, a educao especial tem se constitudo como um subsistema parte, to segregada terico e metodologicamente das discusses sobre o processo educativo em geral (educao comum ou regular), quanto tm estado seus alunos, seja na escola ou na ordem social.Pgina 17Especiais devem ser consideradas as alternativas educativas que a escola precisa organizar, para que qualquer aluno tenha sucesso; especiais so os procedimentos de ensino; especiais so as estratgias que a prtica pedaggica deve assumir para remover barreiras para a aprendizagem. Com esse enfoque temos procurado pensar no especial da educao (Nota3: Veja-se Mazzotta, 1982, quando se refere educao especial: "... imperioso no se perder de vista que tais conotaes decorrem dos tipos de recursos e servios utilizados para uma mesma e nica educao (p. 26)), parecendo-nos mais recomendvel do que atribuir esta caracterstica ao alunado.No se trata de negar que alguns apresentem diferenas individuais mais acentuadas. Mas a diferena no uma peculiaridade das pessoas com deficincias ou das superdotadas. Todos somos absolutamente diferentes uns dos outros e de ns mesmos, medida que crescemos e nos desenvolvemos. Somos todos especiais!Assim, e para fechar essa longa digresso conceitual, temos proposto que, por educao especial, entenda-se o conjunto de recursos que todas as escolas devem organizar e disponibilizar para remover barreiras para a aprendizagem de alunos que, por caractersticas biopsicossociais, necessitam de apoio diferenciado daqueles que esto disponveis na via comum da educao escolar.Observe-se que esse conceito traz implicaes poltico-administrativas extensivas a todos os alunos que, por inmeras e complexas causas, contribuem para as elevadas estatsticas de nosso fracasso escolar e no s para aqueles, os tradicionalmente conceituados como alunado da educao especial.Corremos, porm, um risco a ser veementemente evitado: o de rotularmos todos os alunos que apresentam dificuldades de aprendizagem como deficientes e encaminh-los para uma "outra" rede de atendimentoPgina 18educacional escolar - a educao especial, possibilidade de a educao especial expandir-se como um outro sistema, no se constitui como cenrio desejvel no prximo milnio. Esperamos e desejamos que todas as crianas, jovens e adultos (com ou sem deficincia, residentes nas zonas urbanas ou rurais, em grandes ou pequenas cidades...) tenham mais sucesso em suas vidas acadmicas, e que possam exercitar suas cidadanias plenas.Analisando as perspectivas entendidas como expectativas, esperanas e probabilidades (Nota4Vide p.8 deste, no pargrafo referente ao significado de perspectiva, em nossa lngua)a) Examinando direitos ou a expectativa de mudanas no prximo milnio porque no seria justo se no ocorressem.No primeiro pargrafo do Prefcio do nosso Programa Nacional de Direitos Humanos, publicado pelo Ministrio da Justia em 1996, consta que "no h como conciliar democracia com as srias injustias sociais, com as formas variadas de excluso e com as reiteradas violaes aos direitos humanos que ocorrem em nosso pas (p.5)".Em todo o Programa, evidencia-se a preocupao do governo em desenvolver, no Brasil, uma sociedade democrtica, calcada na igualdade e na liberdade. Uma sociedade na qual os direitos humanos: civis, polticos, econmicos, sociais e culturais sejam respeitados e protegidos, repudiando-se as desigualdades sociais e todas as perversas formas de excluso.O discurso sempre este, teoricamente bem construdo e apresentado de forma quase que "lrica". A questo, porm, est na sua operacionalizao ou, dizendo de outra forma, na busca das efetivas aesPgina 19Para sua concretizao prtica. Esta costuma ter caractersticas "picas", marcadas por lutas contrrias aos poderes cristalizados e opressores, isto , em defesa de "novas" liberdades. Luta pela preservao da dignidade humana, direito fundamental de todos, sem discriminaes.Neste sentido e com muita propriedade Bobbio (1992:5) quem nos ensina: "os direitos humanos so direitos histricos que emergem gradualmente das lutas que o homem trava por sua prpria emancipao e das transformaes das condies de vida que essas lutas produzem."O grande desafio , portanto, identificar o modo mais seguro de evitar que, apesar dos direitos constarem solenemente dos discursos, no continuem a ser, to lamentavelmente, violados na prtica. A violao de direitos , sem dvida, um dos mais significativos entraves democracia e paz.O direito de ter direitos aplica-se, por certo, aos portadores de deficincia e aos superdotados (os de altas habilidades) que, como quaisquer pessoas, devem ter respeitados seus direitos vida, dignidade, liberdade, convivncia familiar e comunitria, igualdade de oportunidades em sade, educao, trabalho e participao social .O direito de os deficientes terem direitos est explicitado na Constituio Brasileira. Tambm constam, claramente proclamados e assegurados, em outros textos legais nos quais h artigos e pargrafos a eles dirigidos (o que , juridicamente, considerado como discriminao positiva).A anlise do contedo desses textos, adrede organizados para esse grupo, permite concluir que todas as pessoas devem ser percebidas com igualdade dePgina 20 valor (Booth, 1988), o que implica, necessariamente, o reconhecimento e o atendimento as suas necessidades. Dentre estas destacam-se as educacionais especiais, assim chamadas quando referidas aprendizagem escolar, embora essa expresso merea severas crticas.Embora, em termos de acesso, ingresso e permanncia nas escolas, tenhamos avanado bastante nas ltimas dcadas, ainda estamos longe da concretizao desses direitos, para todos, indiscriminadamente.Tal afirmativa tem por base nossas estatsticas educacionais, segundo as quais estima-se em 3,98% o atendimento educacional oferecido a pessoas portadoras de deficincia entre 0 e 19 anos, na rede regular de ensino e nas instituies especializadas (Nota5: Segundo dados publicados pelo MEC (1997) "em 1996 a rede regular e as instituiesespecializadas, conjuntamente, atenderam a 251.371 alunos [...] considerando os 10% da faixa etria de 0 a 19 anos, a demanda de 6.31 1.064 habitantes[...]havendo portanto um dficit de 96,02%..."OBS:10% correspondem estimativa de pessoas portadoras de deficincia na nossa populao, segundo a OMS). Segundo os dados estatsticos, nossa "dvida" para com essas pessoas , portanto, muito grande.No Estatuto da Criana e do Adolescente (Nota6: Lei 8.069 de 13 de julho de 1990) em seu Ttulo I - Das Disposies Preliminares -, h destaques para a criana com deficincia: no 1 do Art. 11 referente ao atendimento mdico; no item III do Art.54, que diz respeito ao dever do Estado de assegurar atendimento educacional especializado, preferentemente na rede regular de ensino e no Art.66, alusivo ao trabalho protegido.Est tudo previsto e escrito. Precisa ser concretizado. Na rea da educao, eixo deste trabalho, inmeras so as queixas de recusa de matrculas na escola comum de alunos com deficincia (Nota7: A nfase dada aos alunos com deficincia extensiva s crianas superdotadas pois, equivocadamente se supe que se bastam a si mesmas), apesar da Lei 7853/89 e do Decreto 914/93 (Nota8: Dispem sobre os direitos das pessoas com deficincia, sua integrao social, sobre a Coordenadoria Nacional para a Integrao da Pessoa Portadora de Deficincia). Parece que s leis e decretos no bastam. Parece que, para o prximo milnio, precisamos mudar de atitude frente deficincia, encontrar e usar outros mecanismos que no apenas os mandatrios para garantir e assegurar a todasPgina 21 as crianas, em qualquer ponto do nosso imenso pas, o ingresso e a permanncia, com sucesso, na vida escolar. Trata-se de direito de cidadania para que, posteriormente, possam cumprir com seus deveres, participando contributivamente da vida em sociedade.A perspectiva que se vislumbra a de que as lutas continuaro intensas, pois muito longo o caminho entre o discurso e a prtica. Porm, como estamos todos, magicamente, envolvidos pela ideia do novo na entrada de um outro ciclo histrico e, como os prprios portadores de deficincia esto mais organizados, politicamente, creio que o que precisa acontecer, acontecer, mais cedo ou mais tarde, ao longo dos prximos mil anos, porque justo que assim seja.Oxal ocorra brevemente para que muitos de ns tenhamos a satisfao de viver numa sociedade mais inclusiva, que crie condies de bem-estar para todos os que dela participam, sem que isso represente assistencialismo ou caridade.b) Examinando a conscientizao da sociedade ou a esperana na mudana de atitudes, frente deficincia. A cosmoviso sobre o universo humano, como nos ensina Maturana e Varela (1995:50), nos fazrefletir na condio humana como uma natureza cuja evoluo e realizao est no encontro do ser individual com sua natureza ltima que o ser social. Portanto se o desenvolvimento individual depende da interao social, a prpria formao, o prprio mundo de significados em que se existe, funo do viver com os outros. A aceitao do outro , ento, afundamento para que o ser observador ou auto-consciente possa aceitar-se plenamente a si mesmo.Pgina 22A citao parece-me extremamente consentnea com o tema desse trabalho, na medida em que nos faz pensar que a evoluo e realizao do Homem se do no encontro dos seus aspectos biopsquicos com sua essncia de ser social. o viver com os outros que vai nos permitir dar significados e significaes a tudo o que nos cerca. Para tanto, preciso que cada qual, no seu viver com o outro, se sinta aceito e "situado", garantindo-se a formao de auto-imagem positiva, com o sentimento de pertencer e o desejo de participar, contributivamente.Como dar-se-o o desenvolvimento individual, a constituio da auto-imagem e a construo do mundo de significados, no caso de pessoas portadoras de deficincia?Os sublinhados que fiz na citao servem, no caso dessas pessoas, como indicativos para as reflexes acerca dos movimentos que podem realizar na direo dos "outros" e destes, em sua aceitao. Tambm suscitam anlises em torno da alteridade quando o "outro" deficiente.A histria da educao especial est pontilhada ou por explcitos mecanismos de rejeio concretizados nas perversas formas de excluso, ou por sentimentos de amor ao prximo, sob a forma de altrusmo, de humanitarismo e de solidariedade, movidos pela piedade, geralmente.Tais sentimentos materializaram-se aps o advento do Cristianismo, pois, anteriormente, as crianas deficientes at eram sacrificadas, porque percebidas como estorvos ou como manifestaes demonacas, que precisavam ser segregadas, excludas ou eliminadas.Pgina 23No mbito da educao escolar, h que referir duas formas de excluso: a que impede o acesso e o ingresso de pessoas com deficincia nas escolas regulares e a que expulsa as que ingressaram, mas no conseguem permanecer.No primeiro caso, os que impedem o ingresso nas escolas regulares supem que os portadores de deficincia devem freqentar instituies exclusivas - que acabaram se tornando excludentes -, ou as classes especiais. Estas, quase sempre, so construes anexas ao prdio principal da escola ou, se nele localizadas, geralmente ocupam ambientes improvisados e adaptados, como vos de escadas, banheiros e outros espaos nos quais, por certo, no se organizariam turmas para alunos ditos normais...No segundo caso, como ocorre em escolas das redes pblicas governamentais e no-governamentais de ensino, alunos com deficincia tm sido excludos, com a justificativa de que no existem, nelas, condies para oferecer-lhes a ajuda e o apoio de que necessitam, seja em termos de recursos materiais e financeiros ou de recursos humanos, pois estes se sentem despreparados para trabalhar com a diversidade.H ainda aqueles que apresentam distrbios de aprendizagem, sem serem deficientes e que, tambm, acabam excludos, rotulados e encaminhados para a educao especial, como deficientes mentais, predominantemente (alguns autores, como Mantoan - 1996 a eles se referem como deficientes circunstanciais). prefervel imaginar que os responsveis por essas decises excludentes supem estar fazendo o melhor para os alunos... Considerem que, por "amor" e respeito a essas crianas, devem ser criados "espaos escolares" onde possam estar melhor assistidasPgina 24do que nas turmas regulares. Predominam, neles, as representaes sociais centradas nas limitaes dessas pessoas, aliadas pouca crena em torno de suas potencialidades do papel da escola regular para desenvolver-lhes todas as capacidades, em especial as cognitivas.No convvio social, o que lhes "falta" sempre prevaleceu sobre o que "dispem" como potencialidades. Havia a tolerncia, de base religiosa e tica (Santos e Oliveira, 1999) sem que os movimentos, particularmente organizados por seus familiares, em busca de uma nova representao social da deficincia, tenham obtido resultados definitivamente satisfatrios (Nota9: Oliveira e Santos, opondo-se negatividade da tica liberal e ao relativismo sustentado por certos autores ps-modernos, sugerem uma nova tica que busque redimensionar o conceito de tolerncia).Este um dos desafios para o prximo milnio: conscientizar a sociedade de que as limitaes impostas pelas mltiplas manifestaes de deficincia no devem ser confundidas com impedimentos. Estes tm origem na prpria sociedade, em suas normas e nos esteretipos que cria, prejudicando o desenvolvimento individual que depende das interaes com os outros, do viver com, sendo como cada um de ns "" ou "est".A questo do "estar" deficiente nos permite pensar no grande nmero de crianas tornadas deficientes, porque foram assim consideradas pelos seus professores e, assim, passaram a considerar-se. Lembremo-nos de que, como decorrncia das relaes interpessoais, se desenvolvem sentimentos de auto-estima, to mais positivos e de autoconfiana, quanto menores forem as presses e/ou os sinais de piedade ou de tolerncia, por humanitarismo.Em nossas escolas, como nas de toda parte, so fortes as influncias das representaes sociais em torno da deficincia. Elas interferem diretamente naPgina 25dinmica da sala de aula, constituindo-se em verdadeiras barreiras atitudinais. Temos a esperana de que, no prximo milnio e, definitivamente, ocorra o corte epistemolgico em torno da deficincia, substituindo-se a percepo social do aluno deficiente, como doente e limitado, para nele antever-se o adulto feliz e contributivo (o que vai depender da qualidade das oportunidades que lhes forem apresentadas). A alteridade, nesse particular, precisa ser ressignificada. Na verdade e, felizmente, j conseguimos algum progresso, nesse sentido.Embora sejamos a dcima economia do mundo e disponhamos de uma das mais progressistas leis para a infncia e adolescncia, ainda estamos longe de garantir, de fato, os direitos educao de nossa populao de portadores de deficincia. O acesso (entendido como o percurso de casa escola) de muitos alunos deficientes geralmente est limitado, em funo das barreiras arquitetnicas existentes e as dos meios de transporte que, em sua quase totalidade, no esto adaptados.Mas, pior do que essas barreiras fsicas a barreira atitudinal, seja pela declarada e evidente rejeio deficincia e ao deficiente, seja pela sua manifestao de tolerncia. Esta mais aceita socialmente, mas no a garantia de que haja o verdadeiro desejo de aproximao e de trocas com o outro "diferente", estabelecendo-se com ele relaes de reciprocidade, justas e harmnicas.c) Examinando os movimentos para a integrao e incluso e a possibilidade de construir cenrios na perspectiva de educao de qualidade para TODOS.Pgina 26Indiscutivelmente este item representa um dos maiores desafios a ser enfrentado pela comunidade educativa, desde o alvorecer do prximo milnio: conseguir que, sem discriminaes, todos os nossos alunos possam ser bem-sucedidos em sua aprendizagem escolar, independentemente de suas diferenas de ordem socioeconmica, cultural, familiar ou das suas caractersticas pessoais como gnero, etnia, religio, interesses, capacidades, deficincias...Em pases "emergentes" como o nosso, este ser um enorme desafio para o qual temos nos debruado mais intensamente desde 1990 quando, em Jomtiem, Tailndia, foi realizada a Conferncia Mundial de Educao para Todos. As necessidades educacionais especiais, a partir de ento, tm estado nas agendas que tratam da educao para todos, sublinhando-se os movimentos de ressignificao e reestruturao das escolas, de modo a que respondam s necessidades de todos os alunos.A presena de portadores de deficincias nas escolas comuns tem sido, insistentemente, defendida por seus pais e por educadores, em movimentos em prol de sua integrao na escola e na ordem social. O princpio da integrao intensificou-se a partir de 1981, estabelecido em Assemblia Geral das Naes Unidas, como o Ano Internacional das Pessoas com Deficincia.O movimento pela integrao sempre se referiu aos processos relacionais, com reciprocidade nas interaes entre deficientes e no deficientes. Esperava-se que a sociedade estimulasse as interaes e os sentimentos de solidariedade entre seus integrantes facilitando aos deficientes o viver participativamente com os outros, sem despertar piedade.Pgina 27Para promover a integrao, na organizao poltico-administrativa da escola, implementaram-se modalidades de atendimento educacional, que variam desde os ambientes mais segregados e restritivos - como as escolas especiais, at os menos restritivos, nas classes do ensino regular, configurando-se uma "cascata de servios" escolares.A integrao, como um processo psicossocial, era defendida em suas vrias formas, desde a proximidade fsica at a integrao instrucional, nas classes comuns. Ao se chegar a este nvel satisfatrio do processo, entendia-se que a criana teria alcanado a corrente principal (mainstream), ou a normalizao, na medida em que suas condies de vida se aproximavam das de seus pares "normais".Mas, a promoo do aluno de um ambiente mais restritivo para outro, menos restritivo, dependia dos progressos da criana, responsvel solitria por seus xitos e fracassos. Assim, nos encontros que se sucederam ao de Jomtiem, em especial no de Salamanca (1994), a proposta educacional escolar inspirada pelo princpio da integrao renova-se e avana em linhas de ao que conduzem a uma escola inclusiva. Especificamente, a Declarao de Salamanca sobre Princpios, Poltica e Prtica na rea das necessidades educacionais especiais reconhece que, em temos de orientao inclusiva, as escolas regulares soos meios mais capazes de combater atitudes discriminatrias, criando comunidades abertas e solidrias, construindo uma sociedade inclusiva e atingindo a educao para todos: para alm disso, proporcionam uma orientao adequada maioria das crianas e promovem a eficincia numa tima relao custo-qualidade de todo o sistema educativo (p-9) (Nota10: Trata-se de citao de MellAinscow (1997) extrada de verso inglesa da Declarao de Salamanca).Pgina 28O grifo meu porque a relao custo-qualidade me faz lembrar de um importante e controvertido aspecto: o preo da educao especial, acusado de ser bastante oneroso e de baixo retorno... H muitos educadores que tm questionado o "desmonte" da educao especial, muito mais devido aos seus custos do que pelo ideal democrtico de no excluir ningum, ou pela falta de reconhecimento do direito de todos terem direito a respostas educativas diferenciadas, segundo suas necessidades.A recomendao de Salamanca a de que as escolas recebam, incondicionalmente, a todas as crianas que devem ser bem-vindas escola de seu bairro, a escola em que se matriculariam se no tivessem nenhuma deficincia.Esta mudana de paradigma - de um sistema em "cascata de servios" educacionais para uma escola inclusiva - (para todos os alunos, independentemente de suas condies fsicas, intelectuais, sociais, emocionais, lingsticas ou outras) tem ocasionado inmeros debates e muita polmica. Eles se intensificam, particularmente, quando se argumenta que a presena de crianas com deficincia nas turmas regulares vai beneficiar a todos os demais, pois tais crianas includas podero provocar, em seus professores, mudanas metodolgicas e organizativas da sala de aula, de modo a criar um ambiente de aprendizagem mais rico para todos.Nossa realidade tem se mostrado muito contraditria a esse respeito, porque, ao lado de muitos educadores que se mostram receptivos e interessados na presena de alunos com deficincia em suas salas, h os que a temem, outros que a toleram e muitos que a rejeitam.Pagina 29Os que temem afirmam sentir-se despreparados para lidar com dificuldades de aprendizagem, principalmente quando devidas a alguma deficincia. Muito impregnados, ainda, pelo modelo mdico, sugerem a ao de especialistas, supostamente os mais indicados para atender os alunos "com defeito".Os que toleram, em geral, cumprem ordens superiores e transformam a presena do aluno com deficincia em algo penoso, "impossvel" de resolver e o acabam deixando entregue prpria sorte, talvez mais segregado e excludo na turma do ensino regular do que se estivesse em classes ou escolas especiais.Aqueles que rejeitam alunos com deficincia em suas turmas defendem-se, afirmando que em seus cursos de formao no foram suficientemente instrumentados e que no do conta nem dos alunos ditos normais. Sentem-se desmotivados com as condies em que trabalham, com seus baixos salrios e com a desvalorizao de sua profisso de magistrio.Mesmo nos pases mais desenvolvidos, em que vagas nas escolas no representam problemas, h grande preocupao acerca da qualidade do ensino oferecido, objetivando-se o sucesso de todos. Mas, pases em desenvolvimento, como o nosso, ainda se defrontam com a escassez de vagas nas escolas de modo que nenhuma criana deficiente fique de fora. Desejamos educao para todos, com qualidade e pela vida toda.Observe-se que, quando menciono alunos com deficincia, o fao sem desconsiderar a heterogeneidade desse grupo. igualmente perverso desconhecer as diferenas existentes entre as vrias manifestaes da deficincia ou consider-los como grupos homogneos, por categoria. Na verdade, todas as pessoas diferem umas das outras, mesmo se comparadas entre si.Pgina 30O mesmo aplica-se aos portadores de deficincia, ainda que pertencentes ao mesmo grupo de determinada deficincia.Tudo isso nos leva a afirmar que iniciaremos o prximo milnio com muito trabalho para concretizar a ocorrncia de cenrios "inclusivos", em todas as nossas Unidades Federadas.Essa constatao no deve ser tomada como pessimismo ou fuga. Ao contrrio, um convite luta com parceria (de idias e nas aes!) dos colegas do ensino regular.No! um convite luta de todos ns, professores ou no, cnscios de que nossos sonhos de um futuro melhor para nossos filhos e netos podem ser realidade. Vamos ao trabalho, agora juntos, porque nos tornamos responsveis por aquilo que cativamos.E para finalizar, uma "pitadinha" de talo Calvino (1997), extrada de seu excelente livro, "Seis propostas para o prximo milnio".A LEVEZA- Gostaria e espero que ao longo do novo perodo a humanidade se livre de todas as formas de opresso, que acabam tornando vida to pesada. Este "peso" tem marcado a qualidade de vida dos portadores de deficincia e, de certa maneira, a dos superdotados, na medida em que se espera muito deles. Oxal todos possam desfrutar da leveza, mesmo da insustentvel...A RAPIDEZ- A ps-modernidade caracteriza-se menos pelas considerveis mudanas que tm ocorrido e, muito mais, pela velocidade com que ocorrem. Gostaria e espero que a avassaladora rapidez a que nos vemos condicionados possa diminuir seu ritmo, dando tempo ao tempo, em especial queles que, comPgina 31mais tempo, podem nos dizer a que vieram, neste tempo determinado...A EXATIDO- Para Calvino a exatido quer dizer: nitidez, clculo, preciso, simetria, limite... Gostaria e espero que o culto lgica matemtica no prepondere sobre outras manifestaes da inteligncia humana que comporta aspectos artsticos, cinestsicos, afetivos e relacionais, de difcil mensurao. Gostaria e espero que as pessoas com deficincia e as superdotadas no sejam percebidas pela "quantidade" de suas habilidades ou de suas capacidades. Em outras palavras, desejo que no lhes sejam estabelecidos limites, a priori...A VISIBILIDADE- Esse aspecto tem significado particular, no caso de pessoas portadoras de deficincias. Em algumas, como as surdas, a visibilidade da deficincia muito baixa, contrariamente dos deficientes fsicos, em cadeiras de rodas, por exemplo. Gostaria e espero que cada um de ns d a devida visibilidade s prprias limitaes, s vezes pouco explcitas ao primeiro olhar. E que, ao "nos vermos" mais criticamente, aprendamos, na alteridade, a conviver com a deficincia como uma projeo de parte de ns mesmos...A MULTIPLICIDADE- Esta proposta tambm tem profundo significado para o tema que desenvolvi. Assim , pelas inmeras formas de manifestaes da deficincia, como pela importncia e riqueza do convvio com a diversidade. Gostaria e espero que possamos perceber a riqueza que existe na multiplicidade do "ns".Mas encerro com o prprio Calvino (Nota11: Infelizmente Calvino no chegou a escrever sobre a sexta proposta: a consistncia), na medida em que espero e desejo que, no sculo XXI, possamos "sair da perspectiva limitada do eu individual,Pgina 32no s para entrar em outros "eus" semelhantes ao nosso, mas para fazer falar o que no tem palavra, o pssaro que pousa no beiral, a rvore na primavera rvore no outono, a pedra, o cimento, o plstico"...RefernciasAINSCOW,M.; BOOTH.T. From them to us. Londres: Roulledge,1998.AINSCOW,M.; PORTER,G.; WANG. M. Caminhos para escolas inclusivas. Lisboa: Instituto de Inovao Educacional, 1997.BOBBIO,N. A era dos direitos. Trad. de Carlos Nelson Coutinho. Rio de Janeiro: Campus, 1992.BRASIL. Constituio de 1988.Constituio: Repblica Federativa do Brasil. Braslia, Senado Federal; Centro Grfico, 1988.___SENADO FEDERAL: A Lei de Diretrizes e Bases da Educao Nacional. Braslia,1997.___MINISTRIO DA EDUCAO. SECRETARIA DE EDUCAO ESPECIAL. Anlise das estatsticas e 1996. Uma viso crtica. Braslia, 1997.___MINISTRIO DA SADE. MINISTRIO DA CRIANA. PROJETO MINHA GENTE. Estatuto da Criana e do Adolescente. Braslia, 1991.____MINISTRIO DA JUSTIA, SECRETARIA DOS DIREITOS DE CIDADANIA, CORDE. Declarao deSalamanca. Braslia: CORDE, 1994.___Os direitos das pessoas portadoras de deficincia: Lei n 7853/89 e Decreto 914/93. Braslia: CORDE, 1996.Pgina 33___ PRESIDNCIA DA REPBLICA. Programa Nacional de Direitos Humanos. Braslia: Secretaria de Comunicao Social, Ministrio da Justia, 1996.CALVINO, I. Seis propostas para o prximo milnio.Trad. Ivo Barroso. 2a ed. So Paulo: Companhia das Letras, 1990.MANTOAN, M.T. Ser ou estar: eis a questo. Explicando o dficit intelectual. Rio de Janeiro: WVA, 1996MATURANA.R. VARELA, F.G.A rvore do conhecimento. Trad. de Jonas Pereira dos Santos. Campinas, S.P: Workshopy, 1995.MAZZOTTA, M. J. 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Pgina 35 Captulo 2 - DAS NECESSIDADES EDUCACIONAIS ESPECIAIS REMOO DE BARREIRAS PARA A APRENDIZAGEMApesar dos avanos conseguidos na concepo da educao como dimenso central dos pases com vistas ao desenvolvimento sustentado nos aspectos econmico e social, ainda convivemos com enormes obstculos para assegurar escolas de boa qualidade para todos e por toda a vida, o que pode ser constatado nos elevados ndices de fracasso escolar.Para enfrentar esse grave problema muito se tem discutido e, nas ltimas dcadas, no mbito da educao especial, as vrias mudanas de tendncias nos paradigmas educacionais tm provocado uma srie de reflexes e de substituies dos termos, at ento empregados. A questo da terminologia sempre foi objeto de controvrsias, embora a busca de novas denominaes objetivem identificar os sujeitos aos quais se referem, sem estigmatiz-los.As expresses necessidades especiais e necessidades educacionais especiais, por exemplo, so denominaes propostas e, geralmente, usadas como sinnimas pelos que trabalham em educao especial, para substituir vrias outras atribudas ao seu alunado.Supe-se que as referidas expresses tenham conotaes distintas das implcitas nos conceitos dePgina 36deficincia e incapacidade pois, no imaginrio coletivo, a deficincia e a incapacidade dela resultante esto associadas com patologia, numa viso reducionista e preconceituosa em relao aos indivduos.A expresso necessidades especiais consta do Art. 58 da LDB 9394/96 em seu Captulo V, referente ao alunado da educao especial. Considerando-se que a nova LDB, depois de uma longa "gestao", veio luz no auge de todo um movimento em prol de uma escola inclusiva - uma escola de boa qualidade para todos -, a expresso tornou-se mais abrangente, aplicando-se, no s aos alunos com deficincias, como a todos aqueles "excludos" por diversas razes que os levam a ter necessidades especiais, em vrias dimenses de vida, particularmente a escolar. Em decorrncia, tambm se ampliou o alunado da educao especial, pelo menos, na letra da Lei...Penso que a substituio dos termos: "excepcional", "deficiente", "portador de deficincia", "pessoa com deficincia" e outros, pela expresso "necessidades especiais", traduz uma inteno persuasiva dos "especialistas" em relao aos "leigos". Objetiva-se favorecer, por meio de palavras, um corte epistemolgico que evolua do paradigma reducionista organicista -centrado na deficincia do sujeito - para o paradigma interacionista - que exige uma leitura dialtica e incessante das relaes sujeito/mundo.Sob este enfoque interacionista, necessidades especiais traduzem as exigncias experimentadas por qualquer indivduo e que devem ser supridas pela sociedade. Enquanto que na expresso "pessoa portadora de deficincia" destaca-se a pessoa que "carrega" (porta, possui) uma deficincia, pretende-se que "necessidadesPgina 37especiais" evidenciem a responsabilidade social de prever e prover meios de satisfaz-las.Usando-se uma imagem da Psicologia da Forma, a deficincia deixa de ser a "figura" passando a ser o "fundo" de um contexto no qual a sociedade tem o principal papel, seja na promoo das necessidades especiais de determinadas pessoas ou grupos, seja na satisfao dessas necessidades.Assim, em vez de o indivduo ser percebido como o responsvel solitrio por suas limitaes, os aspectos polticos, sociais, econmicos e ideolgicos ganham a dimenso de "figura". E passam eles a ser analisados no que contribuem para a ocorrncia e perpetuao das deficincias, tanto mais intensamente, quanto menos vigorosos forem os movimentos sociais em prol de aes preventivas ou mais escusos forem os interesses para identificar e satisfazer as necessidades especiais que surgem e se manifestam em muitas pessoas.Entendo que o empenho com a substituio de nomenclaturas, alm de evitar os estigmas, para reduzir o hiato entre o que se pretende e o que se tem alcanado na educao de pessoas portadoras de deficincia. Mas ser que mudar as expresses garante, necessariamente, a mudana de atitudes frente diferena? Em que mudou a educao especial com as sucessivas mudanas terminolgicas?Pessoalmente tenho inmeras dvidas a respeito, reforadas pela falta de clareza e preciso da expresso necessidades especiais ou educacionais especiais, quando referidas escola. So muito vagas, seja do ponto de vista da pessoa que as sente e apresenta, seja do ponto de vista das provises necessrias para suprir as diferentes manifestaes de necessidades.Pgina 38 Como no mbito educacional escolar essas expresses tm sido amplamente usadas por profissionais da educao especial, estabeleceu-se uma ligao entre as necessidades educacionais especiais e a deficincia (embora, todos os alunos, indiscriminadamente, sintam e manifestem necessidades educacionais, ainda que temporariamente). Como conseqncia dessa associao, todos os que se desviam dos padres "normais" entram para a categoria de alunos com necessidades educacionais especiais, percebidos como portadores de deficincia, ainda que lhes seja aplicada uma outra "etiqueta".Em outras palavras, a impreciso e abrangncia da expresso, associada nossa forte tendncia de medicalizao da educao, tem expandido o nmero de alunos que se encaixam na categoria de necessidades educacionais especiais, passando condio de deficientes, circunstancialmente produzidos. E o que mais srio, acabam desalojando dos espaos os deficientes "reais", aqueles que, pelas limitaes impostas por suas deficincias (sensoriais, mentais, fsicas, motoras ou pelos distrbios invasivos de seu desenvolvimento), apresentam necessidades especficas que exigem adaptaes de toda a ordem, inclusive na escola, para garantir-lhes a igualdade de direitos aprendizagem e participao.Se por um lado pertinente, como direito de cidadania, considerar as necessidades dos diferentes alunos, por outro lado teme-se que, com outra maquiagem, retornemos aos procedimentos clnicos, na medida em que as necessidades educacionais especiais induzem noo de "dficit" que precisa ser diagnosticado...Pgina 39 As necessidades educacionais especiais no Relatrio Warnock (Nota1: Seu ttulo completo Special Educational Needs. Report of the Committee of Enquiry intoeducation of handicaped children aonyoung people)O Relatrio ou Informe Warnock, assim conhecido internacionalmente, um documento publicado em 1978, fruto do trabalho coordenado por Mary Warnock, do Departamento de Educao e Cincia, da Inglaterra. Trata-se do relatrio de uma investigao que durou quatro anos, acerca das condies da educao especial inglesa, nos anos de 70.Suas concluses e recomendaes (mais de 200) foram apresentadas ao Parlamento ingls e tiveram repercusso nacional e internacional, influenciando textos de mandamentos legais, como o caso, em 1981, do EducationAct, dentre outros, como a nossa prpria LDB.A introduo do conceito de necessidades educacionais especiais (Nota2: Segundo Coll e outros autores, o conceito de necessidades educacionais especiais comeou a ser usado nos anos 60, sem ler sido incorporado ao vocabulrio de todos educadores. O seu uso foi popularizado aps o Relatrio Warnock), em substituio das categorias deficincia ou desajustamento social e educacional, um dos aspectos-chave que constam do documento. Na verdade, para as funes da educao, foi questionada a importncia daquelas categorias de classificao, na medida em que pouco ou nada contriburam para o sistema educacional, como um todo.Tratava-se, poca, de abordagem inovadora em educao especial, evitando-se a terminologia da deficincia. O conceito de incapacidade (disability) e o de desvantagem educacional (educational handicap), associados s dificuldades de aprendizagem, foram questionados, alegando-se que no h uma relao bi-unvoca entre incapacidade fsica, mental, sensorial e as dificuldades educacionais enfrentadas pelos alunos.Em outras palavras, significa que a presena da deficincia no implica, necessariamente, dificuldadesPgina 40de aprendizagem. De outro lado, inmeros alunos apresentam distrbios de aprendizagem e no so, necessariamente, portadores de deficincia.Mas ambos os grupos tm necessidades educacionais especiais, exigindo recursos educacionais que no so utilizados na "via comum" da educao escolar, para alunos das mesmas idades.Segundo as estatsticas apresentadas no documento (Nota3: Dentre os dados, cumpre mencionar que 20% de todas as crianas podem apresentar necessidades educacionais especiais em sua trajetria escolar, sem serem deficientes mentais, fsicas ou sensoriais), muito grande a proporo de alunos com dificuldades de aprendizagem sem serem portadores de qualquer deficincia fsica, mental, sensorial ou mltipla. Ambos os grupos se encaixam na condio de necessidades educacionais especiais exigindo respostas educativas adequadas, alm de medidas preventivas para evitar que, na escola, os "casos" se originem ou se intensifiquem.Essas afirmativas provocam inmeras reflexes com implicaes na organizao do atendimento educacional escolar: se por um lado o impacto educacional provocado pela deficincia depende, principalmente, do estgio do desenvolvimento global alcanado pela criana, por outro lado, as dificuldades enfrentadas, mesmo pelas mais severamente comprometidas, dependem dos estmulos e dos apoios que lhes so oferecidos em casa e na escola. O mesmo aplica-se s necessidades educacionais especiais dos alunos com distrbios de aprendizagem.A nfase desloca-se, pois, do "aluno com defeito" para situar-se na resposta educativa da escola, sem que isso represente negao da problemtica vivida pelo educando.Essas consideraes permitem concluir que identificar a natureza da deficincia e consider-la como nico critrio de abordagem das desvantagens escolares, Pgina 41"comunica" pouco acerca das necessidades educacionais a serem supridas na escola. Dizendo de outro modo, no existem critrios objetivos e confiveis para relacionar a deficincia - enquanto atributo isolado do indivduo - e as dificuldades de aprendizagem que enfrenta, pois a maioria destas devido s condies educacionais precrias, incapazes de suprir-lhe as necessidades.Penso que o trecho que se segue, extrado e traduzido do livro Special Needs in Ordinary Schools, seja bastante esclarecedor quanto defesa da expresso necessidades educacionais especiais:Desejamos apontar uma abordagem mais positiva para o que adotamos o conceito de necessidades educacionais especiais, no como nomenclatura aplicada a uma determinada deficincia que se supe que uma criana possa ter, mas em relao a tudo o que lhe diz respeito: tanto suas habilidades e quanto suas inabibilidades - na verdade todos os fatores que imprimem uma direo no seu progresso educativo (DES, 1978:37, citado por Norwich, 1990:7).Nas entrelinhas dessa citao, parece-me, est implcita uma mensagem crtica ao modelo mdico de categorizao dos alunos em determinados grupos de deficincia, particularmente evidenciada na ressalva de que a expresso necessidades educacionais especiais no se aplica a determinada deficincia. Abandonando quaisquer procedimentos de classificao, o Informe sugere que a expresso seja aplicada para traduzir todas as exigncias dos alunos para seu progresso na escola.Em outra parte do Relatrio, consta que, para atender s necessidades, dentre outros recursos educacionais,Pgina 42 preciso promover a eliminao de barreiras arquitetnicas; preparo e competncia profissional dos educadores; a ampliao do material didtico existente, incorporando-se, como rotina, a aquisio de materiais especficos para alunos cegos, surdos, com paralisia cerebral, dentre outros; as adaptaes dos equipamentos escolares; as adequaes curriculares e o apoio psicopedaggico ao aluno e a orientao a seus familiares...Por mais bem-intencionada e justificada pelos achados da pesquisa realizada pelos integrantes do grupo de trabalho, a expresso necessidades educacionais especiais tem sido objeto de inmeras crticas, algumas favorveis e outras contrrias ao seu uso.No primeiro caso porque o foco da ateno se desloca da deficincia para as respostas educativas da escola que, em parceria com as famlias, devem suprir as necessidades referentes a: meios especiais de acesso ao currculo; adequaes curriculares e anlises e intervenes no meio ambiente no qual a criana est sendo educada, particularmente nos aspectos emocionais e sociais. (Alcott, 1997:3)No segundo caso, as crticas mais significativas so: a expresso muito vaga, exigindo novos conceitos para sua adequada compreenso; muito abrangente incluindo alunos com e sem deficincia mas que apresentam dificuldades de aprendizagem, alm dos de altas habilidades que tambm apresentam necessidades educacionais especiais; no deixa clara a diferena entre necessidades especiais e necessidades educacionais especiais, podendo ocorrer a existncia das necessidades especiais na vida Pgina 43diria e que no so necessariamente extensivas ao processo de aprendizagem; ao suprimir qualquer aluso deficincia, acarreta uma viso mgica e idealizada da educao especial, na medida em que caberia a esta a garantia do pleno desenvolvimento de todos os alunos. (Coll e outros, 1995, vol.3, p. 13)Acrescente-se a esses aspectos um outro, igualmente importante: a expresso pouco esclarece ou contribui para a melhoria da prtica pedaggica.Apesar dessas e de outras crticas, os estudiosos do assunto reconhecem o enorme valor histrico da contribuio da equipe chefiada por Warnock, porque intensificou a discusso acerca da educao especial, bem como das propostas de integrao.As necessidades especiais na Declarao de Salamanca (Nota4: O titulo completo do documento extrado da reunio que ocorreu em Salamanca em 1994 : Declarao de Salamanca e linha de ao sobre necessidades educativas especiais)No captulo de Introduo da Declarao de Salamanca, explicita-se que as necessidades educativas especiais (Nota5: Embora discorde da expresso necessidades educativas, neste tpico do texto eu a apresento, porque assim consta do documento publicado e divulgado pela Coordenadoria Nacional para a integrao de pessoas portadoras de deficincia- CORDE) "referem-se a todas as crianas e jovens cujas necessidades decorrem de sua capacidade ou de suas dificuldades de aprendizagem" (p. 18).Vinte e seis anos aps a divulgao do Informe Warnock, encontramos, neste conceito adotado na Declarao de Salamanca (1994), as ideias-chave que j tinham sido cunhadas desde o incio da dcada de 70, tendo sido preservadas na expresso extrada do Informe e agora retomadas sob o paradigma da escola de boa qualidade para todos, uma escola inclusiva.Do prprio Informe j consta a questo da no-segregao de alunos com dificuldades de aprendizagem, estimulando-se sua integrao sob trs formas:Pgina 44a fsica, a social e a funcional (a mais completa). Estas ideias desenvolveram-se e reaparecem na Declarao de Salamanca, atravs do conceito de escolas integradoras entendidas como aquelas que encontram maneiras de educar, com xito, todas as crianas, adolescentes e jovens, inclusive os que apresentam deficincias graves.Com este objetivo (o xito, o sucesso), alm de atender s necessidades educacionais especiais de todos os aprendizes, as escolas integradoras podero favorecer, na comunidade escolar, mudanas de atitudes de discriminao e de excluso de tantos e tantos alunos, tidos como "problemas", substituindo-as por movimentos de aceitao das diferenas e de reciprocidade no relacionamento, em vez de piedade ou de tolerncia."Independentemente de suas condies fsicas, intelectuais, sociais, emocionais, lingusticas ou outras", todos devem ser recebidos em todas as escolas (item 3, Declarao de Salamanca). "Uma escola que inclua a todos, que reconhea a diversidade e no tenha preconceitos contra as diferenas, que atenda s necessidades de cada um e que promova a aprendizagem" (op. cit. Prefcio).Partindo-se do pressuposto de que todos ns j experimentamos necessidades educacionais especiais, em alguma situao de nossa trajetria de vida escolar, elas passam a ter uma conotao de "normalidade" deixando de servir como rtulo ou estigma para alguns. Pode-se dizer que tais necessidades se manifestam numa dimenso de continuum, no qual se identificam desde aquelas permanentes e mais intensas at as transitrias e menos expressivas. Pgina 45As escolas integradoras pressupem uma pedagogia centrada no aluno, que permita identificar suas necessidades, para supri-las, com vistas ao seu pleno desenvolvimento e em respeito aos seus direitos de cidadania de pertencer e de participar.Nessas escolas integradoras, alunos com necessidades educacionais especiais devem, sempre que possvel, aprender junto com seus pares, ditos normais, para fomentar a solidariedade entre todos. Apesar da enorme controvrsia implcita na interpretao de "sempre que possvel" (expresso vaga e muitas vezes de utilizao perversa), as novas ideias sobre as necessidades especiais sugerem que a escolarizao de crianas, adolescentes, jovens e adultos, deve ocorrer no ensino regular.Na Declarao de Salamanca, as classes e as escolas especiais so consideradas excees (Nota6: Veja-se o item8 do Capitulo Novas Ideias sobre as necessidades educativas especiais,da Declarao de Salamanca), recomendveis apenas para os casos cujas necessidades educacionais ou sociais no podem ser satisfeitas, em turmas do ensino regular ou, quando necessrio, para o bem-estar do aluno e de seus pares.Estamos diante de outras ambigidades, pois fica difcil objetivar, diferenciando-se realmente, quando as escolas podem ou no podem satisfazer as necessidades dos alunos e o quanto desejam ou no enfrentar os desafios para tal.Igualmente complicado operacionalizar o quando necessrio para o bem-estar do aluno e de seus pares. Como interpretar o sentido e o significado do bem-estar, dos deficientes e dos outros, no deficientes? Qual , realmente, a maior preocupao: para com o deficiente ou como, infelizmente, pensam muitos, para com os "normais" que poderiam ser prejudicados pela presena dos deficientes?Pgina 46Questes como essas tm servido para as escolas justificarem suas recusas aos alunos, alegando falta de condies (o que nem sempre verdadeiro), receio de no contriburem para o bem-estar dos alunos.Observe-se que, apesar da ressalva quanto s colas especiais, a Declarao de Salamanca no traz uma recomendao decisiva para que deixem de existir. Ao contrrio: alude experincia nelas acumuladas como excelente contribuio para a implementao da educao inclusiva. O que se destaca a preocupao com a sua proliferao, como espaos exclusivos e segregados para o alunado "excludo" das redes pela ineficincia do processo ensino-aprendizagem sendo elitista, rotula e "expulsa".Da Declarao de Salamanca - que devemos considerar como um marco histrico para a educao especial -, importante, ainda, ressaltar: (a) a preocupao com os alunos que apresentam necessidades especiais e que residem nas reas rurais, normalmente; mais carentes de recursos de toda a ordem; (b) a recomendao de buscar apoio da comunidade; (c) a otimizao dos recursos disponveis; (d) a elaborao e implementao de polticas educacionais que contemplem todas as crianas, jovens e adultos de todas as regies do pas, independentemente de suas condies pessoais e econmicas, e por toda a vida e (e) as linhas de ao devem ser consideradas tanto para as escolas governamentais, como para as particulares. Pgina 47Das necessidades educacionais especiais remoo de barreiras para a aprendizagemAs discusses em torno das necessidades educacionais especiais e de suas relaes com as propostas de educao para todos apresentaram sensveis progressos nas reunies de Jomtiem (1990) (Nota7: Dessa reunio,uma conferncia mundial,foi extra do um importante documento: a Declarao Mundial de Educao para Todos) e de Salamanca (1994) e em outros eventos organizados por diferentes pases, dos quais resultaram documentos contendo recomendaes.No entanto, a distncia entre o discurso e a prtica continua enorme, alm das tambm considerveis confuses em torno da terminologia e das populaes-alvo s quais os "discursos", materializados em textos, se destinam. Costuma-se relacionar a Declarao Mundial de Educao para Todos com os alunos ditos normais, enquanto que a Declarao de Salamanca entendida como um documento "complementar", destinado aos alunos com necessidades educacionais especiais (deficientes ou no, mas com a caracterstica comum de serem problemticos).Devido a isso, parece-me que ainda no muito claro para todos os educadores e pais o vnculo entre a incluso e a proposta de "educao para todos", parecendo que o documento de Salamanca refere-se aos portadores de deficincia e o de Jomtiem queles alunos que, sendo "normais", "no apresentam necessidades educacionais especiais" ou esto fora da escola.Essa dicotomia tem intensificado a separao da educao (em termos administrativos e polticos, filosficos e pedaggicos) em duas grandes modalidades: a comum ou regular, destinada aos ditos normais e aPgina 48especial, para alunos com necessidades educacionais especiais.Precisamos esclarecer, de uma vez por todas, que os movimentos em prol de uma "educao para todos" so movimentos: (a) de incluso de todos em escolas de qualidade, "independentemente de suas condies fsicas, intelectuais, sociais, emocionais, lingsticas ou outras" tal como citado anteriormente e (b) para garantir-lhes a permanncia, bem-sucedida, no processo educacional escolar desde a educao infantil at a universidade.Como a expresso necessidades educacionais especiais muito abrangente, e consagrou-se na educao especial, o que se constata a "rotulao" de todos os alunos que se encaixam na nomenclatura como deficientes, alunado da educao especial, ainda percebida como a "outra" educao, que no a regular.O inchao no alunado da educao especial entre ns assume dimenses considerveis devido ao fracasso escolar. Esse fato tem um problema para a maioria de nossos Estados e Municpios, pois suas Secretarias de Educao no dispem de recursos financeiros, materiais e humanos para fazer frente demanda por educao especial, mesmo deixando de implement-la em classes ou em escolas especiais.Se a proposta da educao inclusiva j tivesse o consenso dos pais de alunos, dos professores e de gestores, essa expanso no seria to problemtica: todos os alunos estariam na condio de educandos, sem rtulos para eles ou para a educao que se lhes oferece. Como quaisquer aprendizes de urna escola de boa qualidade para todos, seriam os usurios do Pgina 49especial na educao e no da educao especial como subsistema, parte.Infelizmente ainda no atingimos esse ideal. Em nome da incluso, as classes especiais esto sendo desfeitas e seu alunado distribudo entre as turmas do ensino regular, revelia dos professores. Mas, e paradoxalmente, tambm tem ocorrido a expanso das referidas classes, para atender maior demanda de alunos com necessidades educacionais especiais, deficientes ou no, para os quais os sistemas no conceberam, ainda, outra sada.Estamos, pois, num momento muito srio em termos de decises e de aes; o avano das ideias e dos ideais precisa concretizar-se no cotidiano das escolas sem desmontes, sem medidas apressadas e sem a perpetuao do estatudo e que no deu certo.Se, por um lado, as necessidades educacionais especiais induzem a deslocar a responsabilidade do aluno para as respostas educativas da escola, o que se tem constatado, lamentavelmente, que, para muitos educadores, no parece clara a relao entre satisfazer as necessidades educacionais especiais e a implementao da escola de qualidade para todos, pois os esforos nesse sentido tm sido intensos, mas as mudanas se apresentam, ainda, muito tmidas em nosso pas.Os educadores que atuam no ensino regular declaram suas preocupaes com o fracasso escolar e com a democratizao do acesso de todos escola, mas, dificilmente, usam a expresso educao inclusiva, como paradigma das mudanas necessrias. Tal como j comentei anteriormente, talvez seja assim porque a ideia de incluso est, ainda, relacionadaPgina 50aos alunos com deficincia, aos quais a maioria de professores do ensino regular opem resistncia, por consider-los como alunado de um outro subsistema,cuja competncia dos especialistas em alunos "com defeito".Para a maioria dos administradores, a incluso est associada expanso da matrcula, traduzida, estatisticamente, pelo aumento das vagas nas escolas, ou pelo nmero de alunos portadores de deficincia nas turmas do ensino regular, sem a nfase necessria qualidade da resposta educativa da escola, para todos.As aes inclusivas preponderam no ensino fundamental porque obrigatrio e numericamente mais significativo, na falsa suposio de que as "coisas se arranjaro" com o passar do tempo e se estendero s demais etapas do fluxo escolar.Segundo Booth&Ainscow (1998), a questo central est no como as comunidades, as escolas e os sistemas educativos podem oferecer respostas educativas de boa qualidade pela remoo de barreiras para a aprendizagem, entendidas como obstculos enfrentados pelos alunos, criando-lhes dificuldades no processo de adquirir e construir conhecimentos, bem como para participar e pertencer.Deslocar o eixo das reflexes das necessidades educacionais especiais para a remoo de barreiras aprendizagem parece uma proposta mais fadada ao xito, na prtica, pois na ideia de remoo de barreiras, todos os atores e autores do e no processo ensino-aprendizagem so considerados como co-partcipes.Melhorar as escolas e os processos que nela tm lugar, identificando e removendo barreiras, tanto dizPgina 51Respeito queles educadores que esto comprometidos com as ideias de educao para todos, com os que trabalham com o conceito de necessidades educacionais especiais e com os que defendem os movimentos de incluso, em sua concepo mais abrangente.Afinal, espera-se que a escola se identifique como um espao privilegiado de formao e de exerccio da cidadania, de apropriao e construo de conhecimentos e onde se desenvolva uma cultura para a paz... Um espao privilegiado de aprendizagem e de participao, seja para seu alunado, seja para toda a sua comunidade.Para garantir o sucesso na concretizao desta intencionalidade educativa, h que superar as barreiras existentes em suas mltiplas origens e intensidades, para o que se faz necessrio: (a) libertar o aluno da condio de solitrio responsvel por seu insucesso na escola, (b) identificar todos os obstculos que lhe impedem ou dificultam seu sucesso no processo de aprendizagem, (c) analisar o contexto em que a aprendizagem se realiza, e (d) abandonar, definitivamente, os rtulos, quaisquer que sejam...As barreiras para a aprendizagem no existem, apenas, porque as pessoas sejam deficientes ou com distrbios de aprendizagem, mas decorrem das expectativas do grupo em relao s suas potencialidades e das relaes entre os aprendizes e os recursos humanos e materiais, socialmente disponveis, para atender s suas necessidades. Dizendo de outro modo, as barreiras aprendizagem dependem do contexto onde so criadas, perpetuadas ou, muitas vezes e, felizmente, eliminadas.Elas no esto, apenas, nos alunos, nos professores ou nas relaes entre eles e entre a escola e asPgina 52famlias: existem barreiras em todos os componentes do sistema educativo, nos nveis macro e micropolticos.Uma agenda educacional inclusiva pressupe a identificao de todas as formas de excluso/segregao adotadas no sistema para que, em conjunto, gestores, educadores, famlia e alunos busquem formas de colaborao que permitam o enfrentamento dos obstculos que estejam interferindo na aprendizagem de qualquer aluno. Alguns desses obstculos decorrem de caractersticas biopsicossociais, o que no nos autoriza a rotular esse aluno como incapaz e impedido, exacerbando-se a viso determinista de que a tendncia sua marginalizao social. To pouco nos autoriza a organizar o atendimento educacional escolar como compensao de suas limitaes.Felizmente tendncia no destino e, havendo igualdade de oportunidades, todos podero ser includos na maravilhosa experincia de aprender a aprender, aprender a pensar e aprender a fazer.Com essas premissas, sob o patrocnio da UNESCO e Coordenao da Open University e Manchester University (UK), est sendo desenvolvido um projeto de pesquisa colaborativa e comparativa sobre poltica e prtica de educao inclusiva envolvendo quatro pases: frica do Sul, Brasil, ndia e Inglaterra.Tal projeto tem como objetivo geral reduzir a excluso acadmica e social do processo educacional e divulgar as "boas prticas" pedaggicas que estimulem e garantam a aprendizagem dos alunos.No Brasil esse projeto foi apresentado Secretaria Municipal de Educao do Rio de Janeiro onde, durante trs anos, a partir de dezembro de 1998, est sendo desenvolvida uma pesquisa - ao, que envolvePgina 53as equipes do ensino regular e da educao especial em nvel central e descentralizado, na stima Coordenadoria Regional de Educao (Nota8: As pesquisadoras so as professoras doutoras em educao: Mnica Pereira dos Santos e Rosita Edler Carvalho, alm de alunos da UFRJ que esto como auxiliares do pesquisa. Outra observao: a Secretaria Municipal de Educao do RJ descentralizou suas aes poltico-administrativas em dez Coordenadorias Regionais de Educao - CRE).Foi escolhida a 7 CRE porque significativa a diversidade de caractersticas econmicas, culturais e sociais dos alunos que moram nos bairros que a integram, o que se assemelha s desigualdades existentes no pas.A pesquisa concentra-se em trs escolas, envolvendo os alunos do primeiro segmento do primeiro grau. Pretende-se levantar dados referentes ao processo ensino-aprendizagem das escolas selecionadas e, tambm, investigar o contexto social e econmico de onde se localizam. Essa "busca" de informes representa o eixo da pesquisa. Quanto s aes, o objetivo trabalhar os resultados da pesquisa com toda a comunidade escolar para identificar as principais barreiras para a aprendizagem e para a participao de todos os alunos, propondo-se alternativas de como super-las.Pesquisadores e todos os participantes devero construir, em conjunto, a anlise dos dados obtidos e as propostas de soluo que possam ser implementadas. Isso implica, alm da pesquisa de campo, estudos tericos e permanente avaliao das mudanas observadas, em especial na prtica pedaggica em sala de aula.Como todo projeto, este tambm parte de um planejamento global, para os quatro pases envolvidos. A prpria natureza da pesquisa-ao exige flexibilidade e todo um processo de construo coletiva. No dispomos de verdades, mas dispomos da certeza de nossa firme vontade de contribuir com a educao em geral e, particularmente, com a oferecida no municpio do Rio de Janeiro. Pretendemos colaborar na formaoPgina 54de cidados crticos e reflexivos, atores e autores dos "textos" de suas prprias vidas e que sejam contributivos para uma cultura de paz, em nosso pas e no mundo.Pretendemos, ainda, evidenciar a adequao da remoo de barreiras para a aprendizagem, no como mais uma denominao dirigida a determinados alunos e sim por acreditarmos que, nesta tarefa,se resume a intencionalidade educativa de qualquer educador que veja em cada aluno um cidado com capacidades a serem desenvolvidas.Esse, penso, nosso papel poltico e pedaggico.RefernciasMinistrio da Educao - http://www.mec.gov.br/Programa "Toda criana na escola"-http://| www.mec.gov.br/todacri/tdcri.htmEstatsticas Educacionais: http://www.inep.gov.br/ BRASIL Ministrio da Educao e do Desporto. Planodecenal de educao para todos. Braslia: -MEC, 1993. .___Ministrio da Justia/CORDE. Declarao de Salamanca e linha de ao sobre necessidades educativas especiais. Braslia, 1994.___UNICEE. Declarao mundial de educao para todos e plano de ao para satisfazer as necessidades bsicas de aprendizagem. Braslia: Fundo das Naes Unidas para a Infncia, 1991.ALCOTT, M. Na Inlroduction to children wilh specialPgina 55educational needs. Great Britain:Hoddr&Stoughton, 1997.BOOTH, T.; AINSCOW, M. (1998) From iem to us:an international study of inclusion in education.London, Routledge. COLL, C.;PALACIOS,J.;MARCHESI,A. DesenvolvimentoPsicolgico e educao. Necessidades educativasespeciais e aprendizagem escolar.Trad. Marcos AG. Domingues. Porto Alegre: Artes Mdicas, 1995.EDLER CARVALHO, R. Temas em educao especial Rio de Janeiro: WVA, 1998.NORWICH.B. Special needs in ordinary schools. London: Cassei, 1990.SANTOS,M.P. Integration policies in a brasilian south-eastem capital: formulation, implementation and some coparisosn with four Europeancountries. PhD Thesis presented to the Department of Psychology and Special Education Needs of Institute of Education, University of London, 1995THIOLLENT, Michel. Metodologia da pesquisa-ao. 8 ed. So Paulo: Cortez, 1998.Na pgina 56 estavam contidas as notas utilizadas pela autora no decorrer do captulo, as mesmas encontram-se ao lado de suas respectivas chamadas.Pgina 57 Captulo 3 -REMOVENDO BARREIRAS PARA A APRENDIZAGEMConsideraes geraisNuma anlise precipitada, poderia parecer que estamos diante de urna nova expresso, mais uma, a ser somada s muitas com as quais os educadores que trabalham em educao especial tm se defrontado, num esforo "lingstico" para modificar atitudes frente deficincia.Mas, no se trata de propor outra nomenclatura para determinados alunos e sim de abordar o processo educacional escolar sob a tica da aprendizagem de qualquer aluno, identificando os obstculos que podem interferir no xito do processo. Esse enfoque parece mais consentneo com a proposta inclusiva pois se refere a todos, sem necessidade de rotular alguns.Inmeros fatores geram barreiras ou obstculos: alguns so intrnsecos aos alunos e outros (a maioria), externos a eles. O que se constata que os obstculos aprendizagem no so exclusividade de cegos, surdos, retardados mentais, dos que tm paralisia cerebral, dos autistas, dos dislxicos, dos disgrficos, dos oriundos das camadas populares, dos que vivem em situao de desvantagem, dentre outros...Pgina 58Barreiras aprendizagem (temporrias ou permanentes) fazem parte do cotidiano escolar dos alunos, (deficientes ou ditos normais) e se manifestam em qualquer etapa do fluxo de escolarizao. Barreiras existem para todos, mas alguns requerem ajuda e apoio para seu enfrentamento e superao, o que no nos autoriza a rotul-los como alunos "com defeito".Se quisermos identificar defeitos, talvez tenhamos que procur-los no prprio sistema educacional ou na escola, seja pela ideologia que perpassa as decises dos administradores, seja pelas condies em que o processo ensino-aprendizagem ocorre. Todos j experimentamos dificuldades e enfrentamos barreiras. Lembremo-nos de que as dificuldades se transformam em problemas na medida em que no sabemos, no queremos ou no dispomos de meios para enfrent-las. Neste caso formam-se as barreiras, os entraves; alguns tornando-se crnicos e de mais difcil superao. Penso que - na sociedade em geral, e nas comunidades escolares, em particular - as mais significativas so as barreiras atitudinais.Questes como as que se seguem permitem examinar o aspecto atitudinal: (a) o que pensam e sentem os educadores em relao aos seus alunos que apresentam dificuldades de aprendizagem? (b) Como a diversidade percebida pelos professores: como elemento que enriquece o desenvolvimento social e pedaggico dos alunos ou como um entrave sua prtica pedaggica planejada para turmas homogneas? (c) O que pensam e sentem os professores em relao presena de alunos com deficincia em suas turmas? (d) Como os portadores de deficincia esto no imaginrio dos educadores e de seus colegas de escola? (e) O que prevalece no "movimento" em sua direo:Pgina 59a comiserao, a tolerncia, a obrigao, ou a crena em suas potencialidades, apesar das limitaes impostas pelas deficincias?Parecem-me questionamentos da maior relevncia, pois a predisposio dos professores frente diversidade tem um papel decisivo na compreenso das diferenas individuais, em sua aceitao e respeito, criando, removendo ou intensificando os obstculos existentes.Tratando-se de educao especial, a remoo de barreiras tem sido, predominantemente, considerada sob o enfoque da acessibilidade fsica (Nota1: Acessibilidade entendida como possibilidade e condio de alcance para utilizao, com segurana e autonomia de edificaes, espao e mobilirio e equipamentos urbanos (In NBR 9050)), com nfase nas barreiras arquitetnicas ambientais que, na escola, ou para se chegar a ela, se manifestam como:(a) insuficincia ou inexistncia de meios de transportes adaptados;(b) falta de esteiras rolantes, rampas ou elevadores que facilitem a entrada na escola e, nela, o acesso aos andares que possua;(c) falta ou inadequao de sinalizao informativa e indicativa direcional;(d) superfcies irregulares, instveis, com desnveis e derrapantes, nos pisos de circulao interna e externa, no terreno da escola;(e) rampas com inclinaes inadequadas e sem patamares nos segmentos das rampas;(f) reas de circulao livres de barreiras para a movimentao das cadeiras de rodas (em linha reta ou em rotao);(g) portas com dimenses que dificultam ou impedemsua abertura e a movimentao entre os cmodos quesepara;(h) sanitrios inadequados, sem barras de apoio oubacias sanitrias e lavatrios acessveis;Pgina 60 (i) mobilirio escolar inadequado s necessidades dosusurios;(j) inadequao do mobilirio escolar, etc...Esses e outros obstculos tm representado srios entraves para o acesso, ingresso e permanncia de pessoas portadoras de deficincia nas escolas, infringindo seus direitos de ir e vir e, em conseqncia, criando barreiras para sua aprendizagem e para sua participao. Apesar dos esforos, principalmente desenvolvidos pelos prprios portadores de deficincia, ainda h muito por fazer.Reconhecer direitos de acessibilidade (em seu mais amplo sentido), traduzi-los sob a forma de textos (legislativos, normativos ou de outros teores) da maior relevncia, embora no signifique, necessariamente, que sero concretizados em aes que garantam e assegurem a todos a mobilidade com autonomia e segurana.Examinar a prtica pedaggica objetivando identificar as barreiras para a aprendizagem um desafio a todos ns educadores que, at ento, as ternos examinando sob a tica das caractersticas do aprendiz. Suas condies orgnicas e psicossociais tm sido consideradas como os nicos obstculos responsveis pelo seu insucesso na escola.No se trata de excluir esse ngulo da questo como se estivssemos negando a importncia do desenvolvimento orgnico e psicolgico do aluno; trata-se de no mais atribuir-lhes os papis de "viles", banalizando todos os demais fatores que interferem na prtica pedaggica, gerando entraves. Assim, a remoo de barreiras para a aprendizagem pressupe conhecer as caractersticas do aprendiz (o que no deve ser confundido como diagnstico) bem como as caractersticasPgina 61do contexto no qual o processo ensino-aprendizagem ocorre e, principalmente, analisar as atitudes dos professores frente ao seu papel que poltico e pedaggico.Em sntese, h que examinar todas as variveis do processo educativo escolar, envolvendo as pessoas da escola (educadores, gestores, alunos, apoio administrativo); o ambiente fsico (em termos de acessibilidade), os recursos financeiros e materiais (origens, quantidades, periodicidade de recebimento, manuteno de equipamentos e instalaes), os graus de participao da famlia e da comunidade (parcerias), a filosofia de educao adotada (se tradicional ou no), o projeto poltico-pedaggico construdo pela comunidade escolar (natureza do documento, autores, destinao), a prtica pedaggica (se mais centrada no ensino ou na aprendizagem), os procedimentos de avaliao (formativa, somativa, formal, informal), dentre outros aspectos.Para remover barreiras para a aprendizagem e para a participao (garantindo a todos essa acessibilidade) preciso pensar em todos os alunos enquanto seres em processo de crescimento e desenvolvimento e que vivenciam o ensino-aprendizagem segundo suas diferenas individuais. Qualquer educando experimentar a aprendizagem escolar como desagradvel, como uma verdadeira barreira, se estiver desmotivado, se no encontrar sentido e significado para o que lhe ensinam na escola. Precisamos mobilizar a vontade dos pais e dos educadores alm de dispor de recursos que permitam elevar os nveis de participao e de sucesso de todos os alunos, sem discriminar aqueles que apresentam dificuldades de aprendizagem (deficientes, ou no).Pgina 62Removendo barreiras na prtica pedaggica em sala de aulaA eliminao dos obstculos arquitetnicos ambientais existentes na escola depende do grau de conscientizao dos gestores frente ao significado desses obstculos e das atitudes decorrentes, para sua superao. Certamente a vontade poltica um dado relevante, seja para captar recursos, seja para usar os existentes e disponveis, com esse fim.Mas, em sala de aula, muitas das barreiras podem ser enfrentadas e superadas graas criatividade e vontade do professor que se percebe como profissional da aprendizagem em vez de ser o tradicional profissional do ensino (Demo, 1997). Enquanto uns valorizam as metodologias, outros colocam sua energia em torno dos alunos, os aprendizes. Enquanto aquele o professor que transmite conhecimentos, este o educador preocupado com a pessoa de seu aluno.Com muita propriedade Snchez e Romeu (1996:69) afirmam queo professor requer uma srie de estratgias organizativas e metodolgicas em sala de aula. Estratgias capazes de guiar sua interveno desde processos reflexivos, que facilitem a construo de uma escola onde se favorea a aprendizagem dos alunos como uma reinterpretao do conhecimento e no como uma mera transmisso da cultura.O favorecimento da aprendizagem de qualquer aluno implica, para o educador, saber o que o processo de aprendizagem e do como ele se d. Igualmente importante conhecer sobre o processo de desenvolvimentoPgina 63humano em suas diversas facetasexaminando suas relaes com a aprendizagem. E mais, contextualizar toda essa bagagem terica.Educadores que se identificam como profissionais da aprendizagem transformam suas salas de aulaem espaos prazerosos onde, tanto eles como os alunos, so cmplices de uma aventura que o aprender, o aprender a aprender e o aprender a pensar. Neste caso, o "clima" das atividades propicia aes comunicativas entre os alunos e entre esses e seus professores.As necessidades educacionais diferem de aluno para aluno. "Tero dimenses e matizes diferentes, segundo as oportunidades educacionais oferecidas e os recursos e caractersticas das escolas" (Blanco. 1998:56).Dentre as inmeras mudanas que, se espera, sejam adotadas para a remoo das barreiras para a aprendizagem em sala de aula, a preleo (aula expositiva, centrada no educador) dever ser substituda por estratgias mais participativas, como os trabalhos em grupo, favorecedores das trocas de experincias e da cooperao entre seus integrantes.Com propriedade Ainscow (1997:16) afirma que o mais importante recurso em sala de aula o prprio aluno:Em cada sala os alunos representam uma fonte rica de experincias, de inspirao, de desafio e de apoio que, se for utilizada,pode insuflar uma imensa energia adicional s tarefas e atividades em curso. No entanto, tudo isso depende da capacidade do professor em aproveitar essa energia. (...)os alunos tm a capacidade para contribuir para a prpria aprendizagem.Pgina 64(...)a aprendizagem , em grande medida, um processo social.Tornar a aprendizagem interessante e til uma das formas de remover obstculos. O professor, para melhor conhecer os interesses de seus alunos, precisa estimular a sua prpria escuta criando, diariamente um tempo de "ouvir" os alunos reconhecendo, em suas falas, o que lhes serve como motivao, bem como conhecendo a "bagagem" que trazem para a escola.Freqentemente somos mobilizados (querendo ou no) com a Copa do Mundo. Alm desse torneio, outros tm ocorrido ainda que em dimenses menores. O futebol representa um importante centro de interesses para os alunos, servindo como tema a ser explorado de modo interdisciplinar:o nmero de jogadores em campo, os que ficam na reserva, o nmero de jogadores para a marcao, os critrios de combinao dos times para as oitavas-de-final, etc. etc. servem para estudos em Matemtica;as contuses sofridas por jogadores podem ser exploradas como fonte de interesse para conhecer o sistema nervoso, muscular...e para tipos de tratamentos;a localizao dos estdios onde se realizaram as partidas, excelentes para despertar o interesse por Geografia, Histria...predizer acontecimentos em termos de campeonatos futuros, como assuntos para inspirar redaes em grupo ou individualmente...A criatividade do professor somada sua convico de que a aprendizagem possvel para todos os alunos e de que ningum pode estabelecer os limites do outro, certamente contribuiro para remover os obstculos que tantos e tantos alunos tm enfrentado noPgina 65seu processo de aprendizagem. A arrumao das carteiras, a decorao da sala com os trabalhos dos pr- prios alunos; a organizao de passeios e visitas, o uso de revistas, jornais e outros meios de comunicao impressa servem como fontes de interesse e de participao dos alunos nas atividades propostas.A flexibilidade outro fator que contribui para a remoo das barreiras de aprendizagem. Traduz-se pela capacidade do professor de modificar planos e atividades a medida que as reaes dos alunos vo oferecendo novas pistas.Por exemplo: um professor est preparado para ensinar a metamorfose da lagarta, em borboleta. Ao mencionar que nascer urna borboleta a partir daquela lagarta, uma criana, inesperadamente, comenta que sua mame vai ter vim beb naquela semana e que j se sabe que ser de tal sexo... Suponhamos que os colegas, imediatamente, se interessem por tal assunto, em detrimento do que lhes havia planejado a professora. Se ela insistir em ensinar metamorfose, desconsiderando o interesse da turma, vai criar algumas resistncias e muita desateno. Mais adequado ser, pois, ser flexvel e aproveitar o interesse dos alunos sobre o beb e a partir dai trabalhar, por exemplo, a sexualidade e a reproduo humana, como objetos do ensino-aprendizagem para em outro momento, chegar s borboletas...Inmeros so os exemplos que podem ilustrar a prtica pedaggica centrada na aprendizagem e que passa a ter carter preventivo contra possveis obstculos, gerados pelo desinteresse ou pela falta de pr-requisitos pelos alunos.No mbito da escola, em termos gerais, tambm erguem-se inmeras barreiras, incluindo a "solido"Pgina 66em que trabalha a maioria dos professores. Com esta observao vem o alerta para a importncia do trabalho em equipe, de modo que seja institucionalizado um espao permanente para discusso do trabalho pedaggico, no qual se estude aprendizagem e desenvolvimento humanos, alm de analisar casos de alunos que apresentam caractersticas mais especficas, dentre outros temas.Para remover barreiras para a aprendizagem preciso sacudir as estruturas tradicionais sobre as quais nossa escola est assentada. A lgica da transmisso deve ser substituda por uma outra lgica, esta centrada na aprendizagem e em tudo que possa facilit-la.Pretende-se uma escola aberta diversidade, consciente de suas funes scio-polticas, ao lado das pedaggicas, uma escola sintonizada com os valores democrticos. Mais importante do que conceber a escola como transmissora de contedos conceb-la como o espao privilegiado de formao e de exerccio da cidadania. Como a escola tambm o espao dos escritos h que, nela, favorecer a apropriao e a construo de conhecimentos com reflexo crtica.A pesquisa na educao outra das formas de remover barreiras aprendizagem. Pesquisa feita pelos alunos, como forma de redescoberta e pelo professor que deve observar e registrar dados para, depois de avaliados, servirem para a formulao de teorias oriundas da prtica!E, para encerrar, um breve comentrio acerca da Declarao Mundial