Renata Silva Fernandes Tamara 2 (1) Tamara2

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Texto integrante dos Anais do XX Encontro Regional de História: História e Liberdade. ANPUH/SP UNESP-Franca. 06 a 10 de setembro de 2010. Cd-Rom. Indígenas na historiografia mineira: estudo de caso 1 Renata Silva Fernandes 2 RESUMO: Apresentaremos neste artigo os resultados preliminares de pesquisa, ainda em andamento, cujo eixo principal se volta para os indígenas Cataguá, que teriam habitado o Sul, Oeste e Centro Oeste de Minas Gerais. Detivemo-nos na análise de fontes históricas e, mediante revisão bibliográfica, buscamos compreender as representações destes indígenas na produção historiográfica de determinado período. PALAVRAS-CHAVE: Cataguás; Indígenas; Historiografia Mineira; Representações. ABSTRACT: Presented in this article are the preliminary results of research, whose major axis turns to indigenous Cataguá that would have inhabited South, West and Midwest of Minas Gerais. These preliminary results focuses in the analysis of historical sources and, upon review, seek to understand the representations of indigenous people in the historical production of a given period. KEYWORDS: Cataguá; Indigenous; Historiography Mineira; Representation. Historiadores mineiros, até meados do século XIX e início do século XX, dificilmente elegiam os indígenas como sujeitos ativos, concebendo-os, principalmente, como mão de obra, objeto de catequese ou bárbaros que obstaculizavam a colonização 3 . Tais perspectivas começaram a se modificar, sobretudo, após a criação do Instituto Histórico e Geográfico de Minas Gerais, no qual, autores como Nelson de Senna e Diogo de Vasconcelos, procuraram indicar as especificidades dos grupos indígenas que habitaram a região, inserindo-os como elementos significativos para a história. Neste contexto, os Cataguá, grupo indígena pertencente ao tronco lingüístico Macro-Jê, conhecidos por seu caráter belicoso, que teriam habitado a região Sul, Oeste e 1 Trabalho de pesquisa elaborado sob orientação da Profª. Drª. Ana Paula de Paula Loures de Oliveira no âmbito dos projetos do Museu de Arqueologia e Etnologia Americana da Universidade Federal de Juiz de Fora. 2 Graduanda do curso de história da Universidade Federal de Juiz de Fora e estagiária do MAEA-UFJF 3 Ver esta discussão em: VAINFAS, R. A heresia dos índios: catolicismo e rebeldia no Brasil Colonial, São Paulo: Companhia das Letras, 1995.

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estudo sobre indigenas cataguases

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  • Texto integrante dos Anais do XX Encontro Regional de Histria: Histria e Liberdade. ANPUH/SP UNESP-Franca.

    06 a 10 de setembro de 2010. Cd-Rom.

    Indgenas na historiografia mineira: estudo de caso 1

    Renata Silva Fernandes2

    RESUMO: Apresentaremos neste artigo os resultados preliminares de pesquisa, ainda

    em andamento, cujo eixo principal se volta para os indgenas Catagu, que teriam

    habitado o Sul, Oeste e Centro Oeste de Minas Gerais. Detivemo-nos na anlise de

    fontes histricas e, mediante reviso bibliogrfica, buscamos compreender as

    representaes destes indgenas na produo historiogrfica de determinado perodo.

    PALAVRAS-CHAVE: Catagus; Indgenas; Historiografia Mineira; Representaes.

    ABSTRACT: Presented in this article are the preliminary results of research, whose

    major axis turns to indigenous Catagu that would have inhabited South, West and

    Midwest of Minas Gerais. These preliminary results focuses in the analysis of historical

    sources and, upon review, seek to understand the representations of indigenous people

    in the historical production of a given period.

    KEYWORDS: Catagu; Indigenous; Historiography Mineira; Representation.

    Historiadores mineiros, at meados do sculo XIX e incio do sculo XX,

    dificilmente elegiam os indgenas como sujeitos ativos, concebendo-os, principalmente,

    como mo de obra, objeto de catequese ou brbaros que obstaculizavam a colonizao3.

    Tais perspectivas comearam a se modificar, sobretudo, aps a criao do Instituto

    Histrico e Geogrfico de Minas Gerais, no qual, autores como Nelson de Senna e

    Diogo de Vasconcelos, procuraram indicar as especificidades dos grupos indgenas que

    habitaram a regio, inserindo-os como elementos significativos para a histria.

    Neste contexto, os Catagu, grupo indgena pertencente ao tronco lingstico

    Macro-J, conhecidos por seu carter belicoso, que teriam habitado a regio Sul, Oeste e

    1 Trabalho de pesquisa elaborado sob orientao da Prof. Dr. Ana Paula de Paula Loures de Oliveira no

    mbito dos projetos do Museu de Arqueologia e Etnologia Americana da Universidade Federal de Juiz de

    Fora. 2 Graduanda do curso de histria da Universidade Federal de Juiz de Fora e estagiria do MAEA-UFJF

    3 Ver esta discusso em: VAINFAS, R. A heresia dos ndios: catolicismo e rebeldia no Brasil Colonial,

    So Paulo: Companhia das Letras, 1995.

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    Centro Oeste mineira, foram estudados. Por conseguinte, suscitaram questionamentos

    entre os especialistas, sendo que, alguns autores4, contestam a existncia dos Catagu

    enquanto grupo tnico, fazendo desta, uma incgnita na histria mineira.

    Traado este panorama, nosso objetivo confrontar as informaes sobre este

    grupo oferecidas por fontes histricas. Atravs da coleta e sistematizao de fontes,

    pretendemos perceber a relao existente entre as representaes5 dos Catagu no

    discurso historiogrfico dos autores que mencionam a sua existncia enquanto grupo

    tnico. Na segunda etapa deste estudo, est previsto trabalho de campo, que abarcar

    entrevistas de histria oral com os habitantes do Sul, Oeste e Centro Oeste mineiro,

    visando estabelecer relaes entre os grupos Catagu e sua presena no imaginrio

    social.

    INTRODUO

    Nosso trabalho teve incio com a constatao do debate historiogrfico sobre os

    Catagu, fomentado pela toponmia com a qual era conhecido o territrio mineiro desde

    o sculo XVI: Minas Gerais dos Catagus. A historiografia aponta duas possveis

    explicaes para esta denominao. Por um lado, autores pioneiros no estudo do

    passado colonial afirmam que os Catagu teriam habitado algumas regies do territrio

    mineiro, em especial a percorrida pelos bandeirantes, e que, em referncia a este fato, os

    sertes teriam recebido essa toponmia6. Em sentido inverso, encontramos a explicao

    de que tal termo seria uma denominao genrica utilizada para referenciar grupos

    tnicos distintos que habitavam os sertes desconhecidos7.

    4 Ver: CARVALHO, D. Estudos e depoimentos. (1 srie). Rio de Janeiro: Jos Olimpio, 1953.;

    SANTOS, M. Estradas reais: introduo ao estudo dos caminhos do ouro e dos diamantes no Brasil.

    Belo Horizonte: Editora Estrada Real, 2001.; CROCKER, W. H. 1964. "Conservatism among the Canela

    - An Analysis of Contributing Factors". XXXV Congreso Internacional de Americanistas (Mxico,

    1962) -- Actas y Memorias 3. Mxico.; HENRIQUES, G. P. Arqueologia Regional da Provncia

    Crstica do Alto So Francisco: um estudo das tradies ceramistas UNA e Sapuca. Campinas, SP:

    [s.n], 2006; dentre outros. 5 CHARTIER, R. A Histria Cultural entre prticas e representaes. Lisboa: DIFEL, 1990.

    6 BARBOSA, W.A. Historia de Minas. V.II. Belo Horizonte, Ed. Comunicao, 1979. p. 35.

    7 Ver: CARVALHO, D., op.cit.; SANTOS, M., op.cit.; CROCKER, W.H. op.cit.; HENRIQUES, G.P.;

    COSTA, F.; KOOLE, E., op.cit; HENRIQUES,G.P. op.cit.

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    No entanto, ao longo da pesquisa, apesar de dispormos de referncias diretas em

    fontes primrias acerca dos Catagu8, deparamo-nos com a ausncia de indicao destas

    nos trabalhos dos autores9 que primeiro os apontaram como grupo tnico. Tendo em

    vista este aspecto, consideramos que a presena do grupo nestas obras por si s

    relevante, na medida em que, estas obras foram produzidas em determinado contexto,

    aceita pelos contemporneos e at mesmo reproduzidas. Neste sentido, buscamos

    compreender as representaes deste grupo na historiografia, relacionando-a ao

    contexto no qual as obras foram produzidas.

    HISTORIOGRAFIA TRADICIONAL

    Estamos reconhecendo enquanto historiografia tradicional os trabalhos que so

    referenciados como precursores da histria dos indgenas de Minas Gerais. Os pioneiros

    da temtica so Nelson de Senna e Diogo de Vasconcelos, que estiveram ligados ao

    Instituto Histrico e Geogrfico Mineiro e tinham como caractersticas de suas obras o

    teor regional/local. Neste perodo, fim do sculo XIX e incio do sculo XX, no qual as

    pesquisas foram produzidas, no Brasil ainda no havia sido construdo um ambiente

    propriamente acadmico, e as corografias10 eram as publicaes mais freqentes.

    Os institutos histricos e geogrficos desempenharam um papel significativo

    para a sistematizao de fontes e seus integrantes foram pioneiros em estudos

    etnogrficos. A criao de tais institutos estava relacionada ao esforo para construo

    da idia de nao, em um contexto no qual, os institutos locais buscavam legitimar o

    importante papel desempenhado pelos seus respectivos estados11.

    O interesse em identificar a construo da identidade brasileira colocou em pauta

    a questo indgena. Diversos autores inseriram os indgenas na histria de Minas Gerais,

    compilando fontes referentes supostas etnias no esforo de caracteriz-las. De certa

    8 Ver pgina 7.

    9 Ver: SENNA, N. de. Etnografia Brasileira: os principais povos selvagens que habitaram Minas

    Gerais. Vol. 1. Tomo XXV, 1924.; VASCONCELOS, D. P. Histria Antiga de Minas Gerais. Belo

    Horizonte: Itatiaia, 1974. 10

    Estudos geogrficos de um pas ou de uma de suas regies associados a fatos histricos, muitas vezes

    caracterizados pelo emprego de informaes orais advindas de testemunhas ou originrias da tradio coletiva. 11

    CALARRI, C.R. Os Institutos Histricos: do patronato de D. Pedro II a construo do Tiradentes.

    Revista Brasileira de Histria, So Paulo: v. 2, n. 4, 2001.

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    forma, uma positivao era realizada atravs do reconhecimento da importncia dos

    povos indgenas para a histria de Minas Gerais.

    nesse contexto que identificamos as primeiras menes aos ndios designados

    pelo termo Catagu, que figuraram nos estudos levados a cabo por Nelson de Senna e

    Diogo de Vasconcelos. Para Nelson de Senna12

    os Catagu eram terrveis ndios da

    regio Centro, Oeste e Sul de Minas. Descendentes dos Trememb13, teriam sado do

    Jaguaribe em direo aos Vales do Alto So Francisco e Rio Paranaba. Para os

    Catagus (gente boa) os paulistas e os ndios de alm Mantiqueira eram a gente ruim

    (os Pixi-aus). Os sertanistas, com auxlio dos Trememb, no sculo XVII, repeliram o

    grupo da regio Sul (Sapuca e Rio Grande) para a regio Oeste (Rio das Mortes,

    Piumhy, Tamandu e Abaet). A memria desses belicosos ndios guardada por

    dois topnimos: o da cidade de Cataguases, na Zona da Mata Mineira e o de um vilarejo

    no municpio de Prados, conhecido como Catau, visto que tal grupo foi

    completamente batido por Loureno Castanho Taques14.

    Waldemar Barbosa15

    discorda da informao referente ao municpio de

    Cataguases. Para este autor, o nome original da cidade mineira era Meia Pataca, e no

    h nenhuma relao entre o topnimo e os Catagu, mesmo porque este grupo se situava

    em uma regio bem diversa da qual est cidade. Tal nome teria sido colocado quando

    o arraial foi elevado vila, e por influncia do Coronel Jos Vieira, a toponmia foi

    determinada por faz-lo lembrar da infncia, quando morava perto de uma localidade

    denominada Catagus.

    12

    SENNA, N., op.cit. 13

    O nome Trememb foi dado a este grupo indgena pelos portugueses devido aos locais que habitavam,

    conhecidos como tremembs. Estudos lingsticos concluram que a lngua dos Trememb era autnoma, mas h autores que afirmam que os Trememb pertenciam famlia lingstica dos cariris.

    Sobre o assunto ver: GOMES, J.V.; LUNA, S.; NASCIMENTO, A.L. Projeto Arqueolgico Trememb-

    Cear Brasil. In: Anais da X Reunio Cientfica da SAB, UFPE 2000. CLIO Srie Arqueolgica

    14(2000); POMPEU SOBRINHO, T. ndios Tremembs. Revista do Instituto do Cear. Fortaleza:

    Instituto do Cear, n.65, 1951; RESENDE, M. L. C., op. cit. 14

    Diogo Vasconcelos afirma que: a glria de Castanho foi, sem a menor dvida, o aniquilamento dos Catagus, princpio que determinou a definitiva conquista do territrio central da Minas Gerais. Ver: VASCONCELOS, D., op.cit. p.96. 15

    BARBOSA, W., op.cit.

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    Outros autores tambm se dedicaram a insero dos indgenas na histria

    mineira. Dentre estes figuram Diogo de Vasconcelos, Oiliam Jos16

    e Waldemar

    Barbosa17

    , que tal como Nelson de Senna, apontaram os Catagu enquanto grupo tnico

    No iremos especificar as narrativas destes autores, mas cabe observar que algumas

    informaes fornecidas aproximam-se: em todas so estabelecidas relaes entre os

    Catagu e os Trememb; em relao geografia, o Rio So Francisco (Alto So

    Francisco), o Rio Grande e o Rio Sapuca so sempre citados; uma possvel briga

    interna do grupo sempre mencionada e; comumente o bandeirante paulista Loureno

    Castanho Taques apontado como aquele que derrotou definitivamente estes

    indgenas.

    As fontes utilizadas para a elaborao destes trabalhos no so referenciadas e,

    por isso, no esforo de compreender como esses autores construram seus trabalhos,

    recorremos elaborao de conjecturas. Devido semelhana das informaes

    disponveis, apesar das especificidades18

    , no de todo improvvel pensar que estes

    autores se basearam nas mesmas fontes, porm as interpretaram de forma diversa, o que

    parece pouco provvel visto a ausncia de indicao das mesmas, ou, todos seguiram os

    passos de um autor, neste caso Nelson de Senna19

    . Adotando-se esta segunda

    perspectiva, as narrativas no deixam de ser relevantes, tendo em vista que estas

    pesquisas foram produzidas em determinado contexto e aceitas por seus

    contemporneos, ou mesmos sucessores. A recepo da informao, ou mesmo, o fato

    do autor ter acreditado nelas significativo.

    A ESPECIFICIDADE DAS FONTES NO ESTUDO DOS CATAGU

    Ao contrrio do que observamos em relao historiografia tradicional,

    pesquisas recentes vm colocando em dvida a existncia dos Catagu. Para Daniel de

    16

    JOS, O. Indgenas de Minas gerais: aspectos sociais, polticos e etnolgicos. Belo Horizonte: Ed.

    MP, 1965. 17

    Respectivamente: SENNA, N., op.cit.; VASCONCELOS, D., op.cit.; JOS, O., loc.cit; BARBOSA,

    W., op.cit. 18

    Por exemplo, para Oiliam Jos, este grupo se autodenominava Catagu, nome de origem tupi que

    deriva das razes Ca+tu+au (gente boa). Ver: JOS, op.cit. J Diogo de Vasconcelos no menciona a

    origem lingustica do termo Catagu. Ver: SENNA, N., op. cit.; VASCONCELOS, D., op.cit. 19

    SENNA, N., loc. cit.

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    Carvalho20

    , por exemplo, o termo Catagu no era a denominao de um grupo, mas

    sim, um nome genrico utilizado para designar diversos os grupos. Exemplo semelhante

    encontramos no trabalho de Gilmar Henriques21

    , de acordo com o qual, os bandeirantes

    paulistas, que no raramente eram fluentes na lngua tupi, utilizavam o termo Catagu

    para designar os grupos indgenas que no habitavam as florestas. Desta forma Catagu

    significaria aquele que vive no mato, ca- t- gu. Estas contestaes decorrem

    principalmente do fato de que os autores considerados principais referncias acerca de

    tal grupo, tais como Senna, Vasconcelos e Barbosa22

    , no citam as fontes primrias nas

    quais fundamentaram suas pesquisas.

    Maria Lenia Chaves de Rezende23

    , em estudo recente, a nica a apresentar

    fontes primrias que fazem referncia direta a estes indgenas. Segundo a autora, no

    Arquivo da Biblioteca Nacional24

    , h documentao de meados de 1730, segundo a qual

    o Conde de Sarzedas, atravs de determinao rgia, permitiu que Antonio Pires

    Campos escravizasse os indgenas Catagu por causa das mortes, roubos e insultos que

    tem feito os gentios Cataguases e mais brbaros que infestam essas Minas.

    Cabe observar que a inexistncia da escrita indgena somada ao fato de que as

    fontes escritas que possumos acerca deste perodo foram produzidas pelo outro25 faz

    com que seja complexa a relao entre as fontes e o estudo sobre os indgenas. Talvez a

    forma de melhor nos aproximarmos da histria dos indgenas da regio sul, oeste e

    centro oeste mineira seja atravs de um enfoque interdisciplinar, conjugando fontes de

    natureza diversas, como as provenientes da arqueologia e da oralidade.

    No que se refere ao primeiro aspecto, arqueologia, encontramos algumas

    hipteses que fazem associao entre os indgenas Catagu e a tradio26

    UNA27

    e

    ARATU/SAPUCA 28

    nos trabalhos de Andr Prous.

    20

    CARVALHO, D., op.cit. 21

    HENRIQUES, G. P., op. cit. 22

    Respectivamente: SENNA, N., op.cit.; VASCONCELOS, D., op.cit.; BARBOSA, W., op.cit. 23

    RESENDE, M. L. C., op. cit. 24

    Arquivos da Biblioteca Nacional, sesso de manuscritos, Papis Vrios Manuscritos 1, 4, 1, doc. 18 25

    Os portugueses e os bandeirantes identificavam os indgenas por termos que no correspondem

    toponmia com a qual tais indgenas se reconheciam, dificultando a pesquisa, na medida em que

    impossibilita, em muitos casos, a identificao de grupos tnicos especficos. 26

    Tradio corresponde a um grupo de elementos ou tcnicas, com persistncia temporal uma seqencia de estilos ou de culturas que se desenvolvem no tempo, partindo uns dos outros, e formando

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    Prous29

    , apresentando o stio da fazenda So Geraldo, no municpio de Ibi,

    Minas Gerais, informa que a cermica encontrada inclui urnas globulares com boca

    circundada por inciso e superfcie spera, o que decorre da utilizao de antiplstico30

    feito em quartzo modo em fragmentos grossos31

    . O material ltico por sua vez,

    formado por lascas e pequenos blocos, alm de alguns machados. Neste stio, h

    coexistncia de cermica SAPUCA (derivao da ARATU) com vasilhames que

    assemelham-se aos da tradio UNA. Discorrendo sobre este aspecto, Andr Prous

    comenta que esses stios da regio sudoeste mineira costumam ser atribudos aos

    Catagus, que resistiram demoradamente aos invasores brancos, mas no chegaram a

    ser estudados32, baseando-se em dados arqueolgicos e relatos de viajantes33 afirma

    que

    manteve-se, pois, at a chegada dos europeus, como mostra um

    fragmento de metal encontrado em um stio na lapa da Hora (Januria)

    e os relatrios dos primeiros bandeirantes que relatam a expulso dos

    Catagus, caverncolas cuja agricultura era baseada no milho. 34

    Em relao ao segundo aspecto, a oralidade, possvel encontrar referncias em

    relatos de indivduos da regio sul/oeste/centro oeste mineiro acerca dos indgenas

    Catagu, como lendas, explicaes para toponmias e diversas histrias. Com vistas

    neste elemento, pretendemos com o trabalho de histria oral, previsto para a segunda

    etapa da pesquisa, adentrar nesta perspectiva e com isso compreender melhor a presena

    uma continuidade cronolgica. Ver: CHYMIZ I. (ed.) Terminologia Arqueolgica Brasileira para a Cermica. Curitiba, CEPA (Manuais de Arqueologia parte 1). 1966, p. 35. 27

    Recipientes pequenos, de contorno simples ou infletido, cor escura, com engobo branco ou vermelho e

    raras decoraes dos tipos inciso e ponteado; o antiplstico predominante mineral. Ver: Wst, I.;

    Schmitz, P. I. Fase Jata: estudo preliminar. Anurio de Divulgao Cientfica II, Goinia, 1975. A

    tradio UNA associada a grupos pertencentes ao tronco lingstico Macro-J. Ver: PROUS, A.

    Arqueologia Brasileira. Braslia: UNB, 1992. 28

    O termo Sapuca utilizado como diferenciador de outras variaes da tradio Aratu. Esta cermica caracterizada por vasos grandes com cacos espessos, e vasos pequenos de paredes finas e bases

    perfuradas. Tambm so encontrados cachimbos tubulares e urnas funerrias globulares e no piriformes.

    PROUS, A., loc. cit. 29

    Ibid. 30

    Elemento (os) que altera a plasticidade da argila. Ver: BROCHADO, J.P. & LA SALVIA, F. Cermica

    Guarani. Porto Alegre: Posenato Arte e Cultura, 1989. 31

    PROUS, A., op.cit., p. 351-2. 32

    Id. Ibid. p., 35. 33

    O autor no menciona os relatos de viajante nos quais h estas informaes. 34

    PROUS, A., op.cit., p. 338.

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    dos Catagus na memria coletiva e tambm, somar elementos que auxiliem a

    confirmao ou no de nossas hipteses.

    CONCLUSO

    De toda sorte, ainda que pairem dvidas no que se refere existncia ou no

    desse grupo, um fato permanece incontestvel, que a presena desses ndios nos

    estudos histricos que despontaram desde o final do sculo XIX.

    A representao nestas obras torna-se expressiva na medida em que denotam a

    importncia dos mesmos em determinado contexto especfico, de busca da identidade

    do brasileiro, como no caso de Nelson de Senna e Diogo de Vasconcelos, bem como a

    reproduo destas informaes, o que ocorre com Oiliam Jos e Waldemar Barbosa.

    Roger Chartier35

    chama ateno para o fato de que os objetos culturais e os

    sujeitos produtores e receptores de cultura esto no mbito das relaes entre as prticas

    e as representaes. As prticas culturais, que corresponderiam tanto s prticas

    artsticas, quanto s prticas cotidianas, se transformariam em representaes, que por

    sua vez seriam complementares s prticas. As representaes estariam relacionadas ao

    contexto, aos interesses sociais e as motivaes vigentes durante a sua produo e

    reproduo. Por esta perspectiva, na elaborao de um livro, por exemplo, so

    mobilizadas prticas e representaes e, depois de produzido, este mesmo livro ir

    difundir novas representaes e contribuir para a produo de novas prticas36

    .

    A representao dos Catagu na historiografia enquanto uma nao

    organizada37 e uma das mais temveis naes indgenas38 condiz com a construo

    de uma histria de cunho nacionalista39

    , em um perodo de vigncia de polticas raciais

    e de tentativa de positivao de grupos sociais que antes pouco figuravam como agentes

    no discurso historiogrfico. Na busca da construo da identidade nacional e da

    valorizao do importante papel do estado de Minas Gerais, esta historiografia inseriu o

    ndio na histria, deu-lhe especificidade e uma carga positiva, de passado herico. O

    35

    CHARTIER, R., op.cit. 36

    BARROS, J. D. A. O Campo da Histria Especialidades e Abordagens. Petrpolis: Vozes, 2004. 37

    VASCONCELOS, D., op.cit., p. 105. 38

    SENNA, N., op. cit. 39

    O que pode ser observado desde o sculo XIX.

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    elemento colonizador ainda o principal agente da histria, civilizador e responsvel

    basilar por este passado glorioso, j que derrotou os indgenas. Mas agora, o ndio

    tambm glorioso e figura como elemento importante no rasgaste de um passado

    mtico, um sangue que ficou famoso em nossa histria.

    J a representao dos Catagu relacionados aos Trememb, alm do aspecto

    ligado ao carter guerreiro, tambm pode estar relacionada necessidade de estabelecer

    a origem digna, afinal foi presente durante muito tempo a crena de que os indgenas do

    litoral, os tupinambs, descritos em termos positivos, eram mais desenvolvidos que os

    indgenas do interior, os tapuias, normalmente caracterizados de forma negativa40

    .

    Deste modo, muitos dos aspectos fundamentais abordados pelos pioneiros e

    reproduzidos posteriormente esto condizentes com os aspectos implcitos ao discurso

    histrico do contexto no qual as obras foram produzidas, bem como com as

    representaes possveis dos indgenas de Minas Gerais para sua insero na histria,

    revestidas pelo carter mtico e glorioso.

    Quanto reproduo das informaes, estas ainda se inserem no mbito das

    prticas e representaes. Os Catagu foram integrados a Histria, seja como

    elementos da memria coletiva ou do imaginrio social. Se partirmos da premissa de

    que a memria coletiva construda atravs das relaes sociais, ou seja, da interao

    entre os sujeitos e sociedade, cabvel supor que os indivduos ressignificaram o

    passado de acordo com o presente41

    , e continuam a representar a histria mtica e

    herica de suas respectivas localidades. Estas representaes tambm podem ter se

    tornado parte do imaginrio social, compreendido enquanto conjunto de imagens que

    formam a memria afetivo-social de uma coletividade42

    . De toda sorte, os Catagu,

    concebidos como uma representao mental, que ocorre de forma consciente ou mesmo

    inconsciente, talvez formada a partir de percepes passadas, ou como uma memria,

    relembrada na forma escrita e oral, so elementos significativos da histria mineira.

    40

    Dentre outros ver: MONTEIRO, J. Tupis, tapuias e historiadores. Estudos de Histria Indgena e do

    Indigenismo. Unicamp, tese de Livre Docncia, 2001. 41

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    CARVALHO, R. O imaginrio de Gilbert Duran. So Paulo: [s.n], 2009.

  • Texto integrante dos Anais do XX Encontro Regional de Histria: Histria e Liberdade. ANPUH/SP UNESP-Franca.

    06 a 10 de setembro de 2010. Cd-Rom.

    Novas pesquisas e o trabalho de histria oral, previsto para segunda etapa deste

    trabalho, sero necessrios para o acrscimo de informaes acerca das representaes

    dos Catagu na historiografia, bem como para compreenso da presena destes

    indgenas na memria coletiva ou no imaginrio social dos habitantes da regio sul,

    oeste e centro oeste de Minas Gerais.

    REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS

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