René descartes - Dúvida Metódica

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UNIDADE 1 | Como pensamos? 40 Embora discordantes entre si, essas hipóteses partiam do princí- pio de que havia um elemento primeiro do qual derivariam os elemen- tos naturais (terra, água, ar e fogo), bem como da ideia de que, da combinação desses quatro elementos, surgiria tudo o que existe. O importante a observar é que esses filósofos antigos procuravam abandonar as explicações míticas ou religiosas sobre a origem do mun- do e das coisas, construindo uma hipótese racional, isto é, uma ideia criada pelo exercício do pensamento, por meio da observação dos fe- nômenos naturais e com base em uma argumentação. Com isso, eles procuravam construir um conhecimento que pudesse convencer as pessoas por sua clareza e sua coerência, à diferença da religião, que esperava que as pessoas confiassem de modo “cego”. Isso os aproxima da perspectiva científica atual. Por mais curiosas que possam parecer essas teorias hoje, elas se fundamentaram em ideias que não são muito diferentes das atuais bases da química e da física. Um exemplo é a própria ideia de átomo: seria deste elemento, que não conseguimos ver e que de tão pequeno não pode ser dividido, que todas as coisas são formadas. Ora, física e química modernas trabalham com essa mesma hipótese, embora o conhecimento que possuímos hoje em torno daquilo a que chamamos átomo seja muito mais elaborado e se diferencie bastante do conceito antigo criado pelos filósofos atomis- tas pré-socráticos. A ciência moderna: entre racionalismo e empirismo Como vimos, o que chamamos hoje de ciência foi criado e consoli- dado a partir do século XVII com as experimentações de Galileu Galilei. Nessa época, discutia-se intensamente qual seria o método apro- priado para se chegar aos conhecimentos verdadeiros. O filósofo e ma- temático René Descartes incomodava-se com algo que observava: nas aulas de matemática, não via discordâncias entre seus professores, que sempre chegavam às mesmas conclusões; porém, nas aulas de filosofia, as conclusões eram sempre diferentes e nunca se chegava a um acordo. Segundo ele, isso se devia ao fato de que em matemática trabalhava-se sempre da mesma forma, enquanto que na filosofia cada um trabalhava de seu jeito. Buscando uma fonte segura para o conhecimento, Descartes afir- mava que só a razão é confiável, pois os sentidos podem nos enganar, como já o haviam enganado quando ele tentava conhecer a realidade e construir um conjunto de conhecimentos sobre ela. Um dos exemplos que ele dava para isso é o seguinte: quando colocamos uma colher den- tro de um copo com água, de modo que parte dela fique dentro da água e parte fora, vemos uma espécie de “desvio” na colher, como se ela es- tivesse torta. Porém, sabemos que ela não está torta, e basta tirá-la da água para verificar isso. Sua conclusão: se sabemos que os sentidos nos enganam algumas vezes, o que nos garante que eles não nos enganem sempre? Nada. Por isso eles não são confiáveis. René Descartes (1596-1650) René Descartes, em gravura do século XVII. Também conhecido por seu nome latino, Renatus Cartesius, com o qual assinou várias de suas obras, foi um filósofo francês dos mais influentes no período moderno. Fundou a cor- rente filosófica do racionalismo, ao defender que o conhecimento ver- dadeiro só pode ser produzido pelo exercício da razão, a partir de certas ideias inatas colocadas em nossa mente por Deus, recusando a inter- ferência dos sentidos. Além da filo- sofia, dedicou-se à matemática, à geometria e à física. Talvez você já tenha ouvido falar do “plano carte- siano”, uma das criações deste pen- sador. Dentre suas várias obras, destacam-se, no terreno da filoso- fia, Discurso do método (1637) e Meditações sobre filosofia primeira (1641). G. Dagli Orti/De Agostini Picture Library/The Bridgeman Art Library/Keystone Alexsalcedo/Shutterstock/Glow Images

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Aula para 2ªSérie

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U N I D A D E 1 | C o m o p e n s a m o s ?40

Embora discordantes entre si, essas hipóteses partiam do princí-

pio de que havia um elemento primeiro do qual derivariam os elemen-

tos naturais (terra, água, ar e fogo), bem como da ideia de que, da

combinação desses quatro elementos, surgiria tudo o que existe.

O importante a observar é que esses filósofos antigos procuravam

abandonar as explicações míticas ou religiosas sobre a origem do mun-

do e das coisas, construindo uma hipótese racional, isto é, uma ideia

criada pelo exercício do pensamento, por meio da observação dos fe-

nômenos naturais e com base em uma argumentação. Com isso, eles

procuravam construir um conhecimento que pudesse convencer as

pessoas por sua clareza e sua coerência, à diferença da religião, que

esperava que as pessoas confiassem de modo “cego”. Isso os aproxima

da perspectiva científica atual. Por mais curiosas que possam parecer

essas teorias hoje, elas se fundamentaram em ideias que não são muito

diferentes das atuais bases da química e da física. Um exemplo é a

própria ideia de átomo: seria deste elemento, que não conseguimos

ver e que de tão pequeno não pode ser dividido, que todas as coisas

são formadas. Ora, física e química modernas trabalham com essa

mesma hipótese, embora o conhecimento que possuímos hoje em

torno daquilo a que chamamos átomo seja muito mais elaborado e se

diferencie bastante do conceito antigo criado pelos filósofos atomis-

tas pré-socráticos.

A ciência moderna: entre racionalismo e empirismo

Como vimos, o que chamamos hoje de ciência foi criado e consoli-

dado a partir do século XVII com as experimentações de Galileu Galilei.

Nessa época, discutia-se intensamente qual seria o método apro-

priado para se chegar aos conhecimentos verdadeiros. O filósofo e ma-

temático René Descartes incomodava-se com algo que observava: nas

aulas de matemática, não via discordâncias entre seus professores, que

sempre chegavam às mesmas conclusões; porém, nas aulas de filosofia,

as conclusões eram sempre diferentes e nunca se chegava a um acordo.

Segundo ele, isso se devia ao fato de que em matemática trabalhava-se

sempre da mesma forma, enquanto que na filosofia cada um trabalhava

de seu jeito.

Buscando uma fonte segura para o conhecimento, Descartes afir-

mava que só a razão é confiável, pois os sentidos podem nos enganar,

como já o haviam enganado quando ele tentava conhecer a realidade e

construir um conjunto de conhecimentos sobre ela. Um dos exemplos

que ele dava para isso é o seguinte: quando colocamos uma colher den-

tro de um copo com água, de modo que parte dela fique dentro da água

e parte fora, vemos uma espécie de “desvio” na colher, como se ela es-

tivesse torta. Porém, sabemos que ela não está torta, e basta tirá-la da

água para verificar isso. Sua conclusão: se sabemos que os sentidos nos

enganam algumas vezes, o que nos garante que eles não nos enganem

sempre? Nada. Por isso eles não são confiáveis.

René Descartes (1596-1650)

René Descartes, em gravura

do século XVII.

Também conhecido por seu nome latino, Renatus Cartesius, com o qual assinou várias de suas obras, foi um filósofo francês dos mais influentes no período moderno. Fundou a cor-rente filosófica do racionalismo, ao defender que o conhecimento ver-dadeiro só pode ser produzido pelo exercício da razão, a partir de certas ideias inatas colocadas em nossa mente por Deus, recusando a inter-ferência dos sentidos. Além da filo-sofia, dedicou-se à matemática, à geometria e à física. Talvez você já tenha ouvido falar do “plano carte-siano”, uma das criações deste pen-sador. Dentre suas várias obras, destacam-se, no terreno da filoso-fia, Discurso do método (1637) e Meditações sobre filosofia primeira (1641).

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c A p í t U l o 3 | A c i ê n c i a e a a r t e 41

Com base nessa ideia, ele propôs um método racionalista, denomi-

nado método cartesiano, que consiste em uma série de procedimentos

para bem conduzir o pensamento daquele que medita filosoficamente

em busca da verdade. Segundo esse método, a partir das ideias inatas,

que já estão em nossa mente quando nascemos porque ali foram colo-

cadas por Deus, podemos deduzir novas ideias, que serão necessaria-

mente verdadeiras e corretas. Ora, essas ideias que já estão em nossa

mente quando nascemos só podem ser corretas e verdadeiras, segundo

Descartes, pois Deus não colocaria em nós ideias falsas. E se elas são

verdadeiras, tudo aquilo que for derivado delas, de forma correta e or-

ganizada, será também verdadeiro.

O tipo de relação de Descartes com o conhecimento é bem eviden-

ciado em um poema de Paulo Leminski, visto ao lado:

Segundo o filósofo, se algo se mostra minimamente dubitável, en-

tão deve ser excluído e considerado como não verdadeiro. É isso que ele

chama de dúvida metódica: um modo diferente de duvidar, que não

consiste no ato comumente exercido pelas pessoas quando estão dian-

te de algo duvidoso. Em função da impossibilidade de saber quais de

seus conhecimentos adquiridos desde a infância são verdadeiros ou fal-

sos, Descartes decidiu colocar todos eles em dúvida para começar do

zero uma busca do verdadeiro.

Mas como isso não deve ser feito sem um instrumento seguro e

confiável para distinguir o certo do duvidoso, Descartes criou o método

cartesiano, um caminho seguro a se seguir, pautado nos seguintes pro-

cedimentos:

1. Nunca aceitar como verdadeiro algo de que fosse possível duvidar.

2. Dividir os problemas em problemas menores, que sejam mais fáceis

de resolver. Desse modo, a solução é encontrada em partes. É o que

chamamos análise (palavra de origem grega, que significa ‘por

meio da divisão’). Baseia-se no método matemático de resolução

de equações.

3. Conduzir o pensamento de forma ordenada, indo sempre do mais

simples para o mais complexo.

4. Revisar a produção do conhecimento em cada etapa, de modo a

nada esquecer ou deixar de lado.

Esse método, baseado na matemática, concebe a ciência como um

conhecimento racional e demonstrativo, ou seja, produzido exclusiva-

mente com o uso do pensamento e de seus instrumentos lógicos, os ra-

ciocínios, e, por isso mesmo, possível de ser demonstrado, assim como

conseguimos demonstrar o resultado de uma equação matemática.

Quando falamos em conhecimento, há sempre dois polos envolvi-

dos: o sujeito do conhecimento, um ser que pensa e observa o mundo,

produzindo ideias sobre ele; e o objeto, a coisa que é pensada pelo

sujeito, a matéria do conhecimento. No método cartesiano, a posição

do sujeito que conhece é mais importante que a do objeto que é conhe-

cido, pois a verdade é uma criação do sujeito.

Visão e o mecanismo de resposta aos estímulos externos, ilustração do livro De Homine Figuris, de Descartes, publicado em Haia (Países Baixos), em 1662. A matemática influenciou não apenas suas ideias sobre filosofia, mas também sua concepção sobre anatomia e física (óptica).

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“nunca sei ao certose sou um menino de dúvidasou um homem de fécertezas o vento levasó dúvidas continuam de pé

LEMINSKI, Paulo. O ex-estranho. 3. ed. São Paulo: Iluminuras, 2001. p. 38.

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Diretoria editorial e de conteúdo: Angélica Pizzutto Pozzani

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Gallo, SílvioFilosofia : experiência do pensamento : volume único /

Sílvio Gallo. – 1. ed. – São Paulo: Scipione, 2013.

1. Filosofia (Ensino médio) I. Título.

13-03421 CDD-107.12

Índice para catálogo sistemático:

1. Filosofia : Ensino Médio 107.12

2013

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