REPERCUSSÕES DAS QUEDAS NA QUALIDADE DE VIDA DE … · Fundação Oswaldo Cruz Instituto Fernandes...

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Fundação Oswaldo Cruz Instituto Fernandes Figueira Pós-Graduação em Saúde da Criança e da Mulher REPERCUSSÕES DAS QUEDAS NA QUALIDADE DE VIDA DE MULHERES IDOSAS Adalgisa Peixoto Ribeiro Rio de Janeiro Setembro, 2006

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  • Fundao Oswaldo Cruz Instituto Fernandes Figueira

    Ps-Graduao em Sade da Criana e da Mulher

    REPERCUSSES DAS QUEDAS NA QUALIDADE DE VIDA DE MULHERES IDOSAS

    Adalgisa Peixoto Ribeiro

    Rio de Janeiro Setembro, 2006

  • Fundao Oswaldo Cruz Instituto Fernandes Figueira Ps-Graduao em Sade da Criana e da Mulher

    REPERCUSSES DAS QUEDAS NA QUALIDADE DE VIDA DE

    MULHERES IDOSAS

    Adalgisa Peixoto Ribeiro

    Dissertao apresentada Ps-Graduao em Sade da Criana e da Mulher, como parte dos requisitos para obteno do ttulo de Mestre em Cincias.

    Orientadora: Dra. Edinilsa Ramos de Souza

    Rio de Janeiro Setembro, 2006

  • Agradecimentos

    A conquista de um sonho s vezes rdua e penosa, exige de ns muita dedicao e vontade para seguir em frente mesmo diante de obstculos. Requer sensibilidade e disposio para aprender sempre mais. Em muitos momentos o caminho nos parece tortuoso demais para avanar. O que nos mantm firmes na certeza da vitria ao final de todo o esforo so as mos que nos ajudam caminhar. E, nesse momento, lembro aqui as pessoas que me so caras e a quem quero agradecer.

    minha orientadora Edinilsa Ramos de Souza, no s pela orientao do meu trabalho, mas por me adotar como amiga, companheira para horas boas e ruins, pela ateno, desprendimento e carinho a mim dispensados, minha gratido por ter sido to presente a meu lado.

    Aos amigos to queridos Amaro Crispim de Souza e Soraya Atie que me receberam na equipe de pesquisa e pela grande ajuda no decorrer do trabalho.

    s auxiliares de pesquisa Regina e Renata que nos acompanharam nas visitas s idosas em Manguinhos, meu abrao agradecido. Ao estatstico Arthur Orlando Schilithz que com muita pacincia esclareceu minhas dvidas e atendeu s minhas solicitaes.

    s professoras da banca examinadora Clia Caldas e Maria Helena Cardoso agradeo a ateno dispensada a este trabalho e a sua valiosa contribuio.

    Um agradecimento especial minha famlia Wadson, Clia, Flvia e Kamila que sentiram minha ausncia em muitos encontros e eventos familiares. Apesar da saudade, eles compreenderam que eu buscava uma conquista sonhada tambm por toda a famlia.

    Agradeo ainda a todos que participaram de minha vida no decorrer do mestrado prima irm Cristiane Lacerda que me acolheu com muita generosidade. grande amiga Lcia Rebello por compartilhar momentos e confidncias que me fizeram caminhar com mais serenidade. Aos queridos Luiz Afonso, Carlos Renes Teixeira Carlinhos e Knnea Almeida pela presena amiga a me animar.

    Ao programa de ps-graduao do Instituto Fernandes Figueira que acolheu nossa proposta de pesquisa. Ao Capes por seu apoio fundamental neste trabalho.

    E finalmente, s idosas que nos receberam em suas casas e com alegria nos confiaram as experincias vividas, minha eterna gratido.

  • Voc lembra, lembra

    Naquele tempo eu tinha estrelas nos olhos

    Um jeito de heri

    Era mais forte e veloz que qualquer mocinho de cowboy

    Voc lembra, lembra

    Eu costumava andar bem mais de mil lguas

    Pra poder buscar flores de maio azuis

    E os seus cabelos enfeitar

    gua da fonte cansei de beber pra no envelhecer

    Como quisesse roubar da manh

    Um lindo por de sol

    Hoje, no colho mais as flores de maio

    Nem sou mais veloz, como os heris

    talvez eu seja simplesmente

    Como um sapato velho

    Mas ainda sirvo se voc quiser

    Basta voc me calar que eu aqueo o frio dos seus ps.

    Mu, Claudio Nucci e Paulinho Tapajs

  • Resumo

    O objetivo desse trabalho analisar o efeito das quedas e suas

    conseqncias na qualidade de vida de mulheres idosas de uma comunidade de

    baixa renda do municpio do Rio de Janeiro, buscando entender os significados,

    dados por elas, a este evento. Foi realizado um estudo exploratrio que usou

    abordagen quantitativa que teve como instrumento um questionrio que foi

    aplicado a 37 idosas e qualitativa com entrevista semi-estruturada feita a 11

    mulheres idosas. Os resultados mostraram que entre as idosas que responderam

    ao questionrio, 40,5% caram no ltimo ano. A maioria das quedas aconteceu

    fora da residncia da idosa (52,9%). As conseqncias mais freqentes foram o

    medo de cair (84,6%), a modificao de hbitos (30,8%) e a imobilizao (23,1%).

    As anlises das entrevistas e dos dados quantitativos mostraram a influncia das

    quedas na qualidade de vida das mulheres idosas estudadas. Em todos os

    domnios do WHOQOL-Bref houve reduo nas mdias do grupo que caiu no

    ltimo ano em relao s que no caram e, a diferena foi mais significativa no

    domnio Psicolgico. Enfim, as quedas so freqentes entre os idosos e trazem

    conseqncias que alteram negativamente a qualidade de vida dessas pessoas.

    Sua ocorrncia pode ser evitada com medidas preventivas adequadas,

    identificando causas e desenvolvendo mtodos para reduzir sua ocorrncia.

    Palavras-chave: quedas, qualidade de vida, envelhecimento, sade do

    idoso

  • Abstract

    The objective of this work is to analyze the effect of the falls and their

    consequences in the quality of aged womans life in a low revenues community of

    Rio de Janeiro town, looking for the meanings, gave by themselves, to this

    occurrence. It was made an explorative research that has used the quantitative

    method that has used as instrument a questionnaire applied to 37 aged women

    and qualitative - with a halt-structured interview made with 11 aged women. The

    results has shown that among the elderly that answered the questionnaire, 40,5%

    fell in the last year. The majority of the falls has happened outside of the elderlys

    residence (52,9%). The most frequent consequences were the fear of falling

    (84,6%), the change of habits (30,8%) and the immobilization (23,1%). The

    analysis of the quantitative facts, have shown the influence of the falls in the quality

    of the studied aged womans life. In all of the WHOQOL Bref domain there was a

    reduction in the averages of the groups that fell in the last year, comparing to the

    ones that didnt fall and the difference was more significant in the psychological

    domain. At last, the falls are frequent among the elderly and they bring

    consequences that change the quality of these peoples life in a negative way.

    Their incident can be avoided with preventive and appropriate methods, identifying

    the causes and developing methods to reduce their incident.

    Key-words: falls, quality of life, oldness, elderlys health.

  • Sumrio

    Introduo 7 Objetivos 14 Captulo 1. Metodologia 15

    1.1. Abordagem Quantitativa 15 1.2. Abordagem Qualitativa 24 1.3. Consideraes ticas 26

    Captulo 2. Marco Terico 28 2.1. O envelhecimento no Brasil e no mundo 28

    2.1.1. Capacidade funcional 32 2.1.2. Quedas em idosos 38

    2.2. Qualidade de vida no envelhecimento 45 Captulo 3. Caracterizao da rea e dos sujeitos 49

    3.1. O Complexo de Manguinhos 49 3.2. Caracterizao das idosas 55

    Captulo 4. Resultados 63 4.1. Quedas e qualidade de vida 63 4.1.1. Caracterizao das quedas e suas conseqncias 63 4.1.2. As repercusses das quedas na Qualidade de Vida 73 4.2. Fatores de risco para quedas e condies

    de sade das idosas de Manguinhos 78 Concluso 92 Referncias 99 Apndices 106

  • Introduo

    Baseado em conhecimentos nas reas da gerontologia e sade coletiva, o

    presente estudo tem como objeto a questo das quedas e da qualidade de vida.

    Este trabalho se prope a investigar as repercusses das quedas na qualidade de

    vida de mulheres idosas, buscando entender os significados dados por elas a este

    evento e as implicaes das suas conseqncias na vida de uma mulher idosa.

    O interesse pelo tema do envelhecimento uma constante em minha vida

    acadmica pela relevncia das questes que envolvem a pessoa idosa e por ser

    este o segmento populacional que mais cresce no Brasil e no mundo. A discusso

    acerca do envelhecimento vem conquistando espao cada vez maior nos distintos

    setores da sociedade brasileira, principalmente a partir das ltimas dcadas do

    sculo XX. O envelhecimento da populao brasileira tem sido debatido por

    estudiosos e especialistas das reas demogrfica, previdenciria, turstica e de

    lazer, dentre outras, ora como algo negativo que onera o Estado, ora como um

    grupo consumidor para o qual cresce e se desenvolve um lucrativo mercado de

    ofertas de servios. Um dos setores que tem se deparado com as questes do

    envelhecimento o da sade, que precisa responder s crescentes demandas por

    servios cada vez mais complexos e especializados que o idoso requer. O

    enfoque epidemiolgico dado pelo olhar da sade destaca as quedas como um

    dos eventos acidentais e/ou violentos que atingem milhares de pessoas idosas em

    nosso pas e so importante motivo de internaes e de mortes, conforme

  • identificam Souza e cols (1998), Masud e Morris (2001), Fabrcio e cols (2004),

    Gawryszewski e cols (2004a, b), Minayo e Souza (2005).

    Para as pessoas idosas, as quedas parecem ser uma das maiores vils da

    manuteno da capacidade funcional. Nos pases ocidentais aproximadamente

    30% dos idosos caem pelo menos uma vez por ano e nos pases orientais, a

    freqncia menor e cerca de 15,0% das pessoas idosas caem uma vez ao ano

    (Perracini e Ramos, 2002).

    No Brasil, a mortalidade de idosos por causas externas representaram 2,8%

    de todas as mortes nessa faixa etria no ano de 2004 (MS, 2006). A queda

    representou 20,5% dos bitos de idosos por essas causas. Entre as mulheres

    idosas a proporo de bitos por queda foi ainda maior, cerca de 28,3% do total

    de mortes por causas externas no ano de 2004.

    O impacto causado pelas quedas na populao idosa tem dimenses

    significativas, principalmente para as mulheres. No ano de 2005, as internaes

    hospitalares de idosos por causas externas de agravo sade atingiram um

    nmero de 113.101 no Brasil. Desse total, 54,2% ocorreram devido s quedas. Ao

    analisar os dados para o grupo de mulheres idosas, v-se que aproximadamente

    60,0% das hospitalizaes de idosos brasileiros, no ano de 2005, por queda,

    ocorreu entre elas (MS, 2006).

    No estado do Rio de Janeiro, 2.265 idosos morreram por alguma causa

    externa no ano de 2005 e dentre essas 29,0% se deveram s quedas. Entre as

    idosas cariocas, o nmero de bitos por queda chegou a 354. As internaes

    hospitalares de idosos, por causas externas, nesse mesmo ano chegaram a 8.721

    e entre elas cerca de 66,4% se deveram s quedas. De todas as 4.982

  • internaes de idosas, por causas externas, no Rio de Janeiro, 73,7% se deram

    por causa da queda em 2005.

    As mulheres brasileiras sobrevivem por muito mais anos que seus

    companheiros e, por conseqncia, vivero muito tempo sozinhas (Moreira, 1998)

    enfrentando as dificuldades impostas pelo processo do envelhecimento que traz

    consigo algumas alteraes fisiolgicas que tornam os idosos vulnerveis em

    determinados aspectos.

    Pessoas de todas as idades apresentam risco de sofrer intercorrncias

    provocadas por fatores externos ou prprios das limitaes do processo de

    envelhecimento, dentre elas a queda. Para os idosos uma queda possui um peso

    muito significativo, pois este evento pode lev-los incapacidade e morte. O

    custo social de uma queda imenso e torna-se maior quando a pessoa idosa

    apresenta uma reduo de sua autonomia. Nesses casos, sofrer uma queda pode

    ser sinnimo de dependncia ou necessidade de institucionalizao (Fabrcio et al,

    2004).

    Estes eventos causam impacto na sade e na capacidade funcional dos

    idosos e pressupem uma alterao na qualidade de vida dessas pessoas.

    A avaliao da qualidade de vida algo pessoal, nico e varia de indivduo

    para indivduo, envolvendo aspectos multidimensionais que interferem na vida

    humana, dentre eles fatores sociais, ambientais, psicolgicos e fsicos.

    A presente Dissertao de Mestrado est inserida em uma linha de

    pesquisa cientfica e tecnolgica sobre morbimortalidade por causas externas, e

    constitui-se parte integrante de um projeto de pesquisa sobre violncia e sade do

  • idoso desenvolvido no Centro Latino-americano de Estudos sobre Violncia e

    Sade/CLAVES O estado de direito e a violncia contra o idoso.

    O trabalho foi desenvolvido no Complexo de Manguinhos, localizado na

    zona Norte da cidade do Rio de Janeiro, na rea da Leopoldina, rea

    Programtica 3.1. A escolha do local se deu pelas condies de vida dos

    moradores de reas especiais como o caso das favelas. As questes

    socioeconmicas, a possibilidade de maior exposio a fatores de risco para

    quedas e a violncia existente nesse ambiente poderiam trazer contribuies

    diferenciadas para o campo do conhecimento.

    Assim, partiu-se dos pressupostos de que: a) as mulheres idosas que vivem

    em comunidades empobrecidas so mais vulnerveis s quedas se comparadas

    com outras mulheres e com os homens, em funo da exacerbao de fatores

    intrnsecos (problemas de sade fsica e mental) e extrnsecos (condies de

    moradia e seu entorno, e isolamento social) a que esto expostas e b) apesar de

    causar conseqncias como incapacidades funcionais, as quedas podem

    proporcionar a obteno de atenes e cuidados antes negligenciados e, por isso,

    serem interpretadas pela idosa como benficas para sua qualidade de vida.

    O principal indicador de sade e de qualidade de vida para o idoso a

    capacidade funcional que abrange questes relacionadas autonomia

    capacidade do indivduo para escolher suas condutas e orientar seus atos nas

    atividades instrumentais da vida diria, e independncia possibilidade de

    realizar atividades da vida diria sem a ajuda de terceiros.

  • As polticas pblicas direcionadas aos idosos preconizam a manuteno da

    capacidade funcional como uma prioridade. A promoo do envelhecimento

    saudvel e a manuteno da mxima capacidade funcional do indivduo que

    envelhece, pelo maior tempo possvel o foco central da Poltica Nacional de

    Sade do Idoso/PNSI e pressupem a valorizao da autonomia e a preservao

    da independncia fsica e mental do idoso. Doenas fsicas e mentais podem levar

    dependncia atravs de suas conseqncias, entre elas as quedas, submetendo

    a pessoa idosa perda da capacidade funcional.

    A PNSI tem como propsito basilar a promoo do envelhecimento

    saudvel, a preservao e/ou a melhoria, ao mximo possvel da capacidade

    funcional dos idosos, a preveno de doenas, a recuperao da sade daqueles

    que adoecem e a reabilitao daqueles que venham a ter a sua capacidade

    funcional restringida (Gordilho et al, 2001:143) no sentido de favorecer a

    permanncia dos idosos no ambiente que esto inseridos de forma independente.

    A Poltica Nacional de Reduo da Morbimortalidade por Acidentes e

    Violncias (MS, 2001) do Ministrio da Sade, objetivando a qualidade de vida,

    lana mo da promoo da sade e coloca como uma de suas diretrizes a

    promoo da adoo de comportamentos e de ambientes seguros e saudveis.

    Especificamente, em relao aos idosos prev como fundamental o investimento

    na formao de cuidadores e o direito a atendimento preferencial nos rgos

    estatais e privados de ateno sade.

    Assim, faz parte deste trabalho no s discutir as repercusses das quedas

    para a sade, mas tentar compreender como a qualidade de vida afetada por

    elas.

  • Este trabalho foi dividido em quatro captulos. O primeiro destinado

    metodologia utilizada no decorrer da dissertao. So apresentadas as

    abordagens quantitativas seu instrumento de coleta de dados contendo as

    escalas que foram aplicadas s idosas, bem como a forma de interpretao de

    cada uma delas e a abordagem qualitativa com o instrumento usado, a

    entrevista e a forma de anlise dos dados obtidos dela.

    No segundo captulo apresenta-se a caracterizao do Complexo de

    Manguinhos e das idosas que participaram desse trabalho. Nesse momento, a

    rea do estudo descrita com as caractersticas peculiares de uma comunidade

    especial a favela. As mulheres idosas, sujeitos da pesquisa, so apresentadas

    atravs de um perfil de suas condies demogrficas e socioeconmicas.

    O terceiro captulo se dedica a abordar questes tericas referentes: 1) ao

    envelhecimento e suas especificidades no Brasil e em outros pases do mundo; 2)

    s quedas suas conseqncias para as pessoas idosas e as influncias na

    qualidade de vida, os fatores intrnsecos e extrnsecos de risco para as quedas a

    que os idosos esto submetidos; 3) as questes referentes capacidade

    funcional, seus determinantes e incapacidades experimentadas por esse grupo

    populacional e 4) qualidade de vida e os aspectos multidimensionais, objetivos e

    subjetivos que a determinam.

    O quarto captulo traz os resultados encontrados no trabalho. A prevalncia

    de quedas no grupo de mulheres idosas estudadas, as conseqncias deste

    evento na qualidade de vida, os resultados das escalas padronizadas aplicadas e

    os fatores de risco para as quedas a que estas mulheres esto expostas. Tambm

  • so apresentadas as anlises das entrevistas e as percepes das idosas acerca

    da queda e da qualidade de vida.

    Finalmente, a ltima parte traz as concluses do trabalho realizado nessa

    dissertao e as recomendaes baseadas nos resultados obtidos.

  • Objetivos

    Objetivo Geral

    Estudar as repercusses das quedas na qualidade de vida de idosas.

    Objetivos Especficos

    Estudar os fatores associados ocorrncia de quedas na idosa;

    Investigar os significados que a mulher idosa atribui s quedas;

    Investigar a qualidade de vida das mulheres idosas que sofreram

    quedas.

  • Captulo 1.

    Metodologia

    Foi realizado um estudo exploratrio que usou abordagens quantitativa e

    qualitativa para investigar os fatores associados s quedas, que podem predispor

    ou facilit-las e suas conseqncias para as idosas de Manguinhos.

    1.1. Abordagem quantitativa

    Sujeitos

    A seleo dos sujeitos para a pesquisa se deu a partir dos seguintes

    critrios: pessoas com 60 anos ou mais; do sexo feminino; residentes no

    Complexo de Manguinhos, municpio do Rio de Janeiro e com capacidade

    cognitiva e mental preservadas. A fim de contemplar a diversidade de localidades

    que compem o Complexo, foram selecionadas aproximadamente trs idosas de

    cada uma das doze comunidades da rea, somando um universo de 37 idosas. Na

    seleo dessas mulheres adotamos a tcnica de bola de neve, em que pessoas

    conhecidas do pesquisador indicam outras a serem entrevistadas, que por sua vez

    indicam outras conhecidas. O primeiro contato se deu atravs de uma pessoa da

    equipe de pesquisa do Claves.

  • A violncia local no impediu a realizao da coleta de dados, mas exigiu

    alguns cuidados mais intensos. Para o acesso s idosas e comunidade, uma

    moradora da rea (informante-chave) localizou, conduziu e acompanhou todas as

    visitas realizadas na favela. Os encontros com as idosas foram agendados, com

    dias e horrios preestabelecidos, e os questionrios foram aplicados por uma

    pesquisadora com experincia no atendimento aos idosos.

    Instrumentos

    Foi elaborado um panorama geral relativo s condies de sade, s

    quedas e qualidade de vida das idosas residentes na comunidade. Para a coleta

    de informaes junto s idosas desenvolveu-se um questionrio com 62 questes

    fechadas e abertas. Nele, constam perguntas relacionadas vida social da idosa;

    seus relacionamentos sociais; quedas e questes sobre qualidade de vida.

    Neste questionrio foram includas trs escalas padronizadas: a de Apoio

    Social; a Escala de Avaliao das Atividades Instrumentais da Vida Diria/AIVD de

    Lawton e o Instrumento de Avaliao de Qualidade de Vida da Organizao

    Mundial de Sade - WHOQOL em sua verso abreviada.

    Conceitualmente, apoio social corresponde aos recursos disponibilizados

    pelas pessoas em favor de algum nas situaes de necessidade (Due et al,

    1999). Pode desempenhar um papel mediador contribuindo para manter a sade

    das pessoas e permitindo que elas lidem melhor com as perdas e problemas do

    dia-a-dia. Pessoas, socialmente mais integradas, costumam apresentar menos

    doenas e ter melhor prognstico quando adoecem.

  • Para sua anlise importante considerar a percepo do indivduo sobre o

    apoio que afirma ter. Broadhead e cols (apud Griep, 2003a) afirmam que os

    efeitos benficos da integrao social podem ser reconhecidos na sensao de

    bem-estar psicolgico, que se relaciona com o aumento da satisfao com a vida,

    a auto-estima e a diminuio de sintomas, como a ansiedade, por exemplo.

    Vrios estudos sugerem associao inversa entre o nvel de apoio social e

    a ocorrncia de sofrimento psquico, distrbios psiquitricos, problemas nervosos

    e insnia, e consumo de substncias como cigarro e lcool, dentre outros

    problemas de sade (Holahan e Moos, 1981; Frydman, 1981; Shirom e Westman,

    1985, Hanson e stergren, 1987 e Krantz e stergren, 2000).

    A Escala de Apoio Social desenvolvida por Sherbourne & Stewart apud

    Chor e cols (2001) constituda por 19 itens relativos ao apoio social e 5 de rede

    social. Neste trabalho, apenas os itens referentes ao apoio social foram utilizados.

    A escala de apoio social apresenta cinco dimenses: emocional (apoio recebido

    atravs da confiana, e algum disponvel para ouvir, compartilhamento de

    preocupaes e medos e compreenso dos seus problemas por outrem); de

    informao (atravs do recebimento de informao e sugestes desejadas alm

    de dar e receber bons conselhos); material (possibilidade de receber ajuda se ficar

    de cama, para levar a pessoa ao mdico, para preparar refeies e para ajudar

    nas tarefas dirias caso fique doente); afetiva (demonstrao de afeto e amor,

    algum que abrace e o faa sentir querido) e de interao positiva (diverso em

    conjunto com outros, capacidade de relaxar, de fazer coisas agradveis e distrair a

    cabea). Cinco escores so obtidos, um para cada dimenso.

  • As perguntas so introduzidas pela frase se voc precisar... seguida pelo

    tipo de apoio. As opes de resposta so apresentadas da mesma forma para

    todos os itens: nunca, raramente, s vezes, quase sempre, sempre. A validade de

    face e a de contedo dos itens foram consideradas adequadas pelos

    investigadores do Estudo do Pr-Sade (Chor et al, 2001). Quanto validade de

    constructo, Sherbourne & Stewart apud Chor e cols (2001) identificaram alta

    correlao entre as dimenses de apoio social e outros conceitos que,

    teoricamente esto relacionados, como solido (correlao negativa), dinmica

    familiar, conjugal e sade mental (correlao positiva). Os autores originais

    tambm observaram bons resultados em relao consistncia interna (alfa de

    Cronbach superior a 0,91) e estabilidade das medidas aps um ano (acima de

    0,72), para as dimenses de apoio social.

    A escala de Apoio Social foi adaptada populao brasileira por Chor e

    cols (2001). Participaram deste estudo 200 funcionrios administrativos

    contratados por uma instituio pblica do Rio de Janeiro. Nessa fase de teste, os

    autores verificaram uma proporo muito pequena de itens no respondidos, o

    que sugere compreenso das perguntas formuladas. Alm disso, o coeficiente de

    Pearson (indicador de validade de discriminao, que avalia a capacidade dos

    itens em medir o apoio social e no qualquer outro conceito) no se aproximou de

    zero ou da unidade com muitos outros itens. Os coeficientes Alfa de Cronbach

    foram elevados para as dimenses de apoio afetivo (0,81), emocional (0,89), de

    informao (0,89), interao positiva (0,93) e material (0,76).

    Posteriormente Griep e cols (2003a, 2003b e 2005) desenvolveram estudos

    de confiabilidade e de validade dessa escala, concluindo que existe um bom nvel

  • de confiabilidade e de validade de construto. A mdia dos escores foi de 83,3 para

    a dimenso de interao social positiva/apoio afetivo; 78,6 para a dimenso

    emocional/informao e 80,8 para a dimenso apoio material. A mdia global foi

    de 80,8. O coeficiente alpha de Cronbach foi igual ou maior do que 0,83 para

    todas as dimenses.

    Em estudo realizado por Minayo e Souza (2003) com policiais civis tambm

    foram obtidos altos coeficientes psicomtricos: Alfa de Cronbach de 0,93; ICC em

    torno de 0,65 para cada tipo de apoio e Kappa variando do regular ao moderado.

    Todas as dimenses desta escala correlacionaram-se entre si.

    A noo de qualidade de vida vem sendo usada no campo da sade como

    uma tentativa de compreenso mais abrangente do que seja bem-estar humano e

    social.

    Minayo e cols (2000), numa reviso da literatura, mostram que o conceito

    de qualidade de vida concebido como uma representao social que leva em

    conta parmetros objetivos (satisfao das necessidades bsicas e daquelas

    criadas pelo grau de desenvolvimento econmico e social de determinada

    sociedade) e subjetivos (bem-estar, felicidade, amor, prazer, realizao pessoal).

    Alm de considerar parmetros objetivos e subjetivos o conceito tambm concilia

    critrios de satisfao individual e de bem-estar coletivo. Por isso, ao analis-la,

    deve-se levar em conta fatores polticos e de desenvolvimento humano. O grau de

    satisfao humana nas diferentes esferas de vida associam-se ao padro de

    conforto e bem-estar estabelecido pela sociedade, historicamente.

    O instrumento para aferio da qualidade de vida WHOQOL-BREF avalia

    a percepo do indivduo de sua posio na vida, no contexto da cultura e sistema

  • de valores nos quais ele vive e em relao aos seus objetivos, expectativas,

    padres e preocupaes (OMS, 1998).

    O WHOQOL foi elaborado pela OMS com o objetivo de criar um

    instrumento que avaliasse a qualidade de vida numa perspectiva internacional.

    Num projeto multicntrico foi produzido o WHOQOL-100, um instrumento de

    avaliao composto por 100 questes. Este primeiro questionrio foi desenvolvido

    a partir de 15 centros e as 100 questes que o constituem esto divididas em 6

    domnios: fsico, psicolgico, nvel de independncia, relaes sociais, meio

    ambiente e espiritualidade (OMS, 1998).

    A necessidade de um instrumento mais curto, de rpido preenchimento e

    que apresentasse caractersticas psicomtricas satisfatrias, fez com que a OMS

    desenvolvesse uma verso abreviada - o WHOQOL-BREF. Essa verso

    apresenta 26 questes subdivididas em domnios de anlise. So duas questes

    gerais de qualidade de vida e vinte quatro referentes aos domnios fsico,

    psicolgico, relaes sociais e meio ambiente (OMS, 1998).

    Participaram da construo deste instrumento abreviado 20 centros em 18

    pases, inclusive o Brasil. O WHOQOL-Bref apresentou caractersticas

    psicomtricas que preencheram os critrios de (1) consistncia interna, avaliada

    pelo coeficiente Alfa de Cronbach (0,9054); (2) validade discriminante; (3) validade

    de critrio; (4) validade concorrente que utilizou a escala de Beck para Depresso

    e a escala de desesperana de Beck como instrumentos de avaliao indireta; (5)

    validade de contedo; (6) confiabilidade teste-reteste que apresentou coeficientes

    superiores a 0,69 (OMS, 1998).

  • A avaliao das Atividades Instrumentais da Vida Diria/AIVD foi feita por

    meio da escala de LAWTON. Este instrumento analisa a capacidade funcional da

    pessoa idosa, enquanto indicador de sade e bem-estar, sendo possvel

    determinar se o indivduo pode viver sozinho. Capacidade funcional definida pela

    presena ou no de dificuldades no desempenho de certos gestos e de certas

    atividades da vida cotidiana, ou mesmo pela impossibilidade de desempenh-la.

    De acordo com Lima-Costa e cols (2003a) ela dimensionada em termos da

    habilidade e independncia para realizar determinadas atividades. influenciada

    por fatores demogrficos, socioeconmicos, culturais e psicossociais que vo

    caracterizar o comportamento e o estilo de vida.

    A escala de AIVD de Lawton possui trs tipos de respostas: a primeira

    significa independncia, a segunda capacidade com ajuda e a terceira

    dependncia. O escore total de 27 pontos, sendo que a pontuao tem um

    significado apenas para o idoso individualmente, servindo como base para

    avaliao da qualidade de vida. As questes de 4 a 7 podem ter variaes

    conforme o sexo, podendo ser adaptadas para atividades como subir escadas ou

    cuidar dos jardins (Freitas e cols, 2002).

    Realizou-se um pr-teste do questionrio, objetivando seu aprimoramento.

    A verso final desse instrumento (apndice A) foi aplicada s 37 idosas,

    respeitando os critrios previamente estabelecidos. O tempo mdio para a sua

    aplicao foi de 60 minutos. Foram necessrios dois meses e meio para a coleta

    destes dados.

  • Anlise dos dados

    As informaes coletadas no instrumento usado nesta abordagem

    quantitativa foram codificadas, digitadas e processadas em micro computador.

    Para a entrada de dados foi elaborada uma mscara utilizando o software

    Microsoft Access. Uma anlise crtica dos dados foi feita para categorizar as

    questes abertas e corrigir erros originados nas fases de aplicao, codificao e

    digitao. Posteriormente, para anlise dos dados, os mesmos foram exportados e

    manuseados para os softwares Microsoft Excel e SPSS (Statistical Package for

    the Social Sciences), verso 13.0, em que se realizou a descrio de freqncias

    simples, cruzamento de variveis e alguns testes estatsticos para a verificao e

    discusso da significncia.

    O nvel de significncia estabelecido priori foi de 5%. Entretanto, o

    simples fato de estabelecer este ponto de corte no invalidou a hiptese de

    diferena nos casos em que a probabilidade de encontrar a hiptese nula, ao

    acaso, fosse prximo a 0,05. Vale lembrar que o teste estatstico, em questo,

    leva em considerao o tamanho da amostra, tendendo a dar resultados mais

    significantes medida que esse tamanho aumenta.

    A avaliao das Atividades Instrumentais da Vida Diria de Lawton foi

    analisada atravs das freqncias das respostas e das mdias obtidas na escala.

    Foram consideradas dependentes as idosas que responderam no conseguir

    realizar alguma das atividades que compem esta avaliao.

    Foram realizadas comparaes entre mdias por domnio para a escala de

    Avaliao de Qualidade de Vida da Organizao Mundial de Sade (WHOQOL-

  • Bref) entre os grupos de idosas que apresentaram quedas ou no e de faixa etria

    (de 60 a 69 anos; 70 a 79 anos; 80 a 91 anos). Foi utilizado o teste t de Student

    com a finalidade de encontrar diferenas estatisticamente significativas entre os

    grupos segundo cada domnio. O teste t de Student uma tcnica empregada,

    quando desejamos comparar duas mdias amostrais, para verificar se elas so

    estatisticamente diferentes. Esse teste tem o pressuposto de que as distribuies

    das variveis contnuas utilizadas sejam aproximadamente normais (gaussianas).

    Tal pressuposto foi verificado e confirmado para cada distribuio dos domnios da

    escala por grupo de idosas (que apresentaram quedas ou no).

    Utilizou-se a anlise fatorial para avaliar a Escala de Apoio Social. Essa

    anlise consiste em uma tcnica estatstica multivariada, onde suas principais

    funes so a agregao e a reduo da dimensionalidade. De acordo com seus

    resultados foram considerados quatro fatores: O fator 1 ficou constitudo pelo

    Apoio de Informao e Apoio Afetivo (a=0,920). O fator 2 foi composto pelo Apoio

    Material, mais um item de Apoio Emocional (ter algum para compartilhar

    preocupaes, principalmente em momentos de doena) e um item de Apoio de

    Informao (obter bons conselhos em situaes de crise), com a=0,908. O fator 3

    foi composto pelo Apoio de Interao Social Positiva e um item de Apoio

    Emocional (ter algum que possa ajud-lo a compreender problemas),com

    a=0,915. O fator 4 ficou composto por um item de Apoio Emocional (ter algum

    para ouvi-lo em momentos difceis), um de Interao Social Positiva (ter algum

    com quem relaxar) e um de Apoio Afetivo (algum que lhe faa sentir-se querido),

    com a=0,879.

  • Para a anlise dos fatores foram padronizados os escores segundo o

    nmero de questes de cada dimenso. Deste modo, a soma de pontos obtidos

    pelas perguntas de cada uma das dimenses foi dividida pelo escore mximo da

    mesma dimenso e, por ltimo, foi multiplicado pela razo entre o total de pontos

    obtidos pela pontuao mxima da dimenso (Griep, 2005). Desta forma, as

    observaes individuais tornam-se comparveis entre si. Estes escores

    padronizados foram divididos em trs partes definidas como apoio alto, mdio e

    baixo.

    1.2. Abordagem qualitativa

    Sujeitos

    A fim de aprofundar a investigao sobre as percepes, crenas,

    motivaes e atitudes das idosas acerca das questes relacionadas s quedas e

    qualidade de vida, foram abordadas 11 pessoas, com 60 anos ou mais, do sexo

    feminino, residentes em Manguinhos, com preservada capacidade cognitiva e

    mental, que permitisse a participao na entrevista e que relataram ter sofrido

    alguma queda no ltimo ano.

    Instrumentos

    Para esta abordagem, o instrumento usado foi a entrevista semi-

    estruturada. A tcnica da entrevista considerada por Minayo (2004) como uma

  • conversa com finalidade. Na modalidade que foi utilizada neste estudo (semi-

    estruturada), o entrevistado tem a possibilidade de discorrer sobre o tema sem se

    prender s perguntas que servem como guia para o entrevistador.

    Foi elaborado um roteiro que continha 7 questes sobre quedas e qualidade

    de vida (apndice B). O tempo mdio de aplicao dessas entrevistas variou de 15

    a 20 minutos.

    Todas as entrevistas foram agendadas, sendo necessrios cerca de trs

    dias para sua concluso. Elas foram gravadas em fita cassete e posteriormente

    transcritas e revisadas. Foram realizadas por uma pesquisadora com experincia

    no atendimento a idosos e aplicadas individualmente, sem interferncia de

    terceiros, nas prprias residncias das idosas.

    Um dirio de campo foi confeccionado para registrar as observaes nos

    locais de moradia das idosas. As entrevistas foram realizadas na prpria casa da

    idosa, onde se puderam observar as condies favorecedoras e os possveis

    fatores protetores de quedas. Este dirio de campo forneceu informaes

    importantes das condies de moradia das idosas abordadas e que,

    posteriormente sero indicadas na anlise dos resultados.

    Novamente, alguns cuidados foram necessrios para esta fase do trabalho

    de campo que contou com outra auxiliar de pesquisa, moradora da comunidade,

    que ajudou identificando as idosas e acompanhando a pesquisadora nos

    encontros. Nesse momento tambm houve o mesmo cuidado antes observado

    para a entrada da entrevistadora no interior da comunidade.

  • Anlise dos dados

    As entrevistas foram interpretadas seguindo os princpios da Anlise de

    Contedo, modalidade temtica adaptada da proposta de Bardin (1979). A anlise

    de contedo foi conduzida basicamente por um recorte interpretativo (Minayo,

    2004). Dado o carter exploratrio do estudo, as informaes relatadas

    (contedos manifestos) foram priorizadas. A partir desses princpios foram

    percorridos os seguintes passos de anlise: (a) leitura flutuante de todos os

    materiais; (b) identificao e comparao das diferentes idias e sentidos contidos

    em cada pergunta; (c) descrio dos principais significados atribudos pelas idosas

    em suas respostas s questes de quedas e qualidade de vida.

    Um dirio de campo foi confeccionado para registro das observaes

    locais. Como as entrevistas foram realizadas na prpria residncia da idosa, pode-

    se observar as condies favorecedoras e os possveis fatores protetores de

    quedas. Este dirio de campo forneceu informaes importantes sobre as

    condies de moradia das idosas abordadas e que, posteriormente, sero

    indicadas na anlise dos resultados.

    1.3. Consideraes ticas

    O presente trabalho faz parte de uma pesquisa mais ampla desenvolvida no

    Centro Latino Americano de Estudos de Violncia e Sade Jorge Careli/CLAVES,

    sobre o estado de direito e a violncia contra o idoso, que se guiou pelas

    recomendaes estabelecidas na Resoluo 196/96 do Conselho Nacional de

  • Sade, que regulamenta pesquisas com seres humanos. A referida pesquisa foi

    encaminhada e aprovada pelo Conselho de tica em Pesquisa da Escola Nacional

    de Sade Pblica Srgio Arouca da Fundao Oswaldo Cruz (FIOCRUZ). Nela,

    todos os sujeitos envolvidos foram devidamente esclarecidos quanto aos objetivos

    e implicaes de sua participao na pesquisa, foi-lhes garantido o sigilo e o

    anonimato.

    O projeto de dissertao tambm passou pelo Comit de tica em

    Pesquisa do Instituto Fernandes Figueira e recebeu sua aprovao.

    Um consentimento livre e esclarecido para participar do questionrio, assim

    como da entrevista, foi assinado pelas participantes deste estudo (apndice C).

  • Captulo 2.

    Marco Terico

    2.1. O envelhecimento no Brasil e no mundo

    A longevidade uma conquista da humanidade, que vem acompanhada de

    muitos desafios na tarefa de proporcionar aos indivduos que ingressam na fase

    do envelhecimento, um ambiente propcio s suas necessidades.

    O grupo etrio dos idosos foi o que mais cresceu no Brasil nos ltimos 40

    anos, como resultado da queda da fecundidade e da mortalidade (Camarano,

    2003). Estes fenmenos se devem, em grande parte, aos avanos tecnolgicos,

    s polticas sociais e aos novos estilos e condies de vida que afetam direta ou

    indiretamente a sade e a longevidade.

    O fenmeno do envelhecimento mundial e, apesar deste grupo

    populacional ser maior nos pases desenvolvidos, nos pases em

    desenvolvimento que ele mais cresce. Segundo dados referentes Amrica

    Latina, em 2000, a porcentagem de pessoas idosas era de aproximadamente

    8,0% da populao desta regio. As estimativas para o ano 2005 foram de que a

    porcentagem de pessoas com 60 anos ou mais corresponde a 8,6% do total de

    habitantes dessa rea (Celade, 2006).

  • No Brasil, o Censo demogrfico de 2000, identificou que as pessoas com

    60 anos ou mais representavam cerca de 8,5% da populao total. Os dados da

    Pesquisa Nacional por Amostra de Domiclios, de 2004, revelaram que os idosos

    nesse ano eram aproximadamente 9,7% da populao nacional (IBGE, 2004).

    Nos pases da Europa e Amrica do Norte, o fenmeno do envelhecimento

    ocorreu de forma paulatina e teve incio h quase cem anos atrs. Essa no a

    realidade brasileira que tem um processo de envelhecimento que comeou na

    dcada de sessenta, e marcado por uma velocidade de expanso sem

    precedentes (Silva, 2005).

    O IBGE estima que para o ano de 2025 a populao de idosos brasileiros

    ser equivalente a 15% da populao total, correspondendo aproximadamente a

    30 milhes de pessoas. Silva (2005) destaca que o envelhecimento no Brasil

    muito diferenciado. Se tomarmos como parmetro o processo vivenciado na

    Frana, onde foram necessrios 120 anos para que o nmero de idosos passasse

    de 7% do total da populao do pas para 14%, o Brasil vai experimentar um

    aumento equivalente num perodo de 20 anos.

    A discusso acerca do envelhecimento vem conquistando espao cada vez

    maior nos distintos setores da sociedade brasileira, principalmente a partir das

    ltimas dcadas do sculo XX. Esse processo tem sido debatido por estudiosos e

    especialistas das reas demogrfica, previdenciria, turstica e de lazer, dentre

    outras, ora como algo negativo que onera o Estado, ora como um grupo

    consumidor para o qual comea a crescer e se desenvolver um lucrativo mercado

    de ofertas de servios. Um dos setores que tem se deparado com as questes do

  • envelhecimento o da sade, que precisa responder s crescentes demandas por

    servios cada vez mais complexos e especializados que o idoso requer.

    A esperana de vida ao nascer na sia, de acordo com dados do Centro

    Latinoamericano y Caribeo de demografia, nos anos de 2000 a 2005 de 67,4

    anos, enquanto que na Amrica Latina e Caribe chega aos 72,9 anos (CEPAL,

    2005).

    Para os brasileiros, a esperana de vida vem aumentando ao longo dos

    ltimos anos. Desde 1950, as mulheres tm maior esperana de vida ao nascer se

    comparadas aos homens. Como se pode visualizar na tabela 1, as brasileiras

    vivem em mdia 7,9 anos a mais que os homens. Para as cariocas, essa diferena

    ainda maior e elas chegam a viver em mdia 11,8 anos a mais que os idosos do

    sexo masculino (IBGE, 2000). A esperana de vida aos 60 anos de idade tambm

    mostra a maior longevidade das mulheres em relao aos homens idosos.

    A esperana de vida das mulheres na Frana considerada uma das mais

    altas do mundo e chega a alcanar 82 anos, sete a mais que a dos homens

    franceses (Peixoto, 2004).

    Tabela 1: Anos de vida esperados por ano, segundo sexo. Brasil, Regio Sudeste e Estado do Rio de Janeiro.

    ESPERANA DE VIDA AO NASCER

    BRASIL SUDESTE RIO DE JANEIRO

    SEXO 1997 2000 2003 1997 2000 2003 1997 2000 2003 Masculino 64,09 64,77 65,40 64,63 65,11 65,55 61,71 62,00 62,29 Feminino 71,70 72,55 73,32 73,61 74,32 74,98 72,78 73,49 74,14

    Esperana de vida aos 60 anos de idade

    Masculino 15,74 15,98 16,21 15,94 16,15 16,33 15,14 15,28 15,42 Feminino 19,05 19,42 19,78 19,88 20,17 20,49 19,60 19,91 20,25

    Fonte: IBGE/Projees demogrficas preliminares

  • Assim como se verifica em outros pases, tambm no Brasil, h uma

    porcentagem superior de mulheres na populao idosa. Trata-se da feminizao

    da velhice. De acordo com a pesquisa SABE Sade, Bem-Estar e

    Envelhecimento realizada em So Paulo, uma em cada quatro mulheres idosas

    tem 75 ou mais anos, proporo maior se comparada com a dos idosos do sexo

    masculino que de um para cada cinco (Lebro, 2003). Segundo Camarano

    (2003) a proporo de mulheres ainda maior quando se observa a populao

    mais idosa, ou seja, com 80 anos ou mais. No Brasil, no ano de 2000,

    aproximadamente 60,0% desse grupo populacional era constitudo por mulheres.

    O ndice de feminilidade medido pelo nmero de mulheres para cada 100

    homens atingiu 192 na cidade de Santiago no Chile, 176 em Montevidu no

    Uruguai, 162 em Buenos Aires na Argentina e 142 em So Paulo (Lebro, 2003).

    Dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domiclios de 2004 indicam que

    9,7% da populao brasileira tem mais de 60 anos e entre estes, 56% so

    mulheres. No Estado do Rio de Janeiro, 10,7% de sua populao apresenta 60 ou

    mais anos de idade e as mulheres representam cerca de 58,5% deste grupo

    populacional.

    No Brasil, 35,2% dos idosos so analfabetos e entre as mulheres, com 60

    anos ou mais de idade, essa proporo chega a 37,5%. No Rio de Janeiro 17,3%

    dos idosos no so alfabetizados e entre as mulheres esse percentual atinge

    19,9% delas (IBGE, 2000).

    Nos ltimos anos, as mulheres idosas chefes de famlia aumentaram de

    forma significativa e no ano de 2000, aproximadamente 42,6% delas assumiram

    esse papel (Camarano, 2003).

  • Dos 8.964.850 idosos responsveis pelo domiclio, 37,6% so mulheres. As

    brasileiras vivem aproximadamente oito anos a mais que os homens e por esse

    motivo, muitas idosas responsveis pelos domiclios (93%) vivem sem o cnjuge,

    mesmo morando com filhos ou outros parentes (IBGE, 2000).

    Segundo dados do IBGE (2000) a maioria dos idosos, no Brasil (81,0%),

    responsveis ou no por domiclio, mora nas grandes cidades. As capitais com a

    maior proporo de idosos so Rio de Janeiro (12,8%) e Porto Alegre (11,8%).

    Ainda de acordo com o IBGE, no ano de 2000, entre os idosos

    responsveis por domiclios, 34,7% no possuam qualquer instruo ou tinham

    menos de um ano de estudo, 24,7% tinham de um a trs anos de escolaridade e

    20,5% possuam quatro anos de estudo. O rendimento mdio para os idosos

    chefes de domiclio foi de R$ 657,00 neste mesmo ano.

    Alguns estudos demonstram que a prevalncia de incapacidades mais

    elevada entre as mulheres que entre os homens idosos (Parahyba et al, 2005).

    Apesar de enfrentarem situaes difceis em relao situao socioeconmica e

    de sade, as mulheres idosas sobressaem em questes como a longevidade e a

    participao em atividades de suporte social familiar. Apesar de viverem por mais

    tempo que os homens, as mulheres convivem mais com as limitaes advindas

    com o envelhecimento.

    2.1.1. Capacidade funcional

    O conceito de sade adotado para o grupo populacional dos idosos no

    pode se basear no parmetro de completo bem-estar fsico, psquico e social

  • preconizado pela Organizao Mundial de Sade, mas deve a se reger pelo

    paradigma da capacidade funcional (Ramos, 2002).

    O termo capacidade funcional abrange outras designaes como autonomia e

    independncia. Por autonomia entende-se a capacidade do sujeito para eleger

    as regras de condutas e orientar seus atos nas atividades instrumentais da vida

    diria. Define-se como independncia a possibilidade de realizar atividades da

    vida diria sem a ajuda de terceiros. Caldas (2003) aborda a questo da

    capacidade funcional a partir do termo funo, o qual representa a capacidade

    do indivduo adaptar-se aos desafios cotidianos. Para a autora, a funo

    avaliada pelo desempenho do indivduo na execuo das atividades bsicas

    (autocuidado, alimentar-se, vestir-se, controlar esfncteres), instrumentais

    (realizar tarefas domsticas, administrar medicao) e avanadas (trabalho,

    atividade de lazer, contatos sociais, exerccios fsicos) da vida diria. Assim, a

    capacidade funcional (autonomia e independncia) ou incapacidade

    (dependncia) se estabelecem a partir de um somatrio de fatores, constituindo

    um processo dinmico que envolve as condies internas do idoso e externas

    do seu ambiente.

    Dentro dessa tica, a sade do idoso resulta da interao entre as

    condies fsicas e mentais, a independncia na vida diria, a integrao social, o

    suporte familiar e a independncia econmica. O bem-estar na velhice, ou sade

    num sentido amplo, segundo Ramos (2003) seria o resultado do equilbrio entre as

    diversas dimenses da capacidade funcional do idoso, sem, contudo, significar

    ausncia de problemas.

  • Portanto, capacidade funcional do idoso dimensionada em termos de

    habilidade e independncia para realizar determinadas atividades (Lima-Costa et

    al, 2003a; Litvoc e Brito, 2004).

    A capacidade funcional do idoso determinada e influenciada por fatores

    demogrficos, socioeconmicos, culturais, psicolgicas, doenas e alteraes

    fisiolgicas do envelhecimento que vo caracterizar o comportamento e o estilo de

    vida.

    Dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domiclios/PNAD de 1998

    revelam que a posse de bens e, principalmente, a renda familiar e a educao so

    fatores determinantes das diferenas na prevalncia de incapacidade funcional

    das mulheres idosas no Brasil (Parahyba et al, 2005). Dados dos idosos de So

    Paulo (Rosa et al, 2003) revelam informaes referentes aos determinantes da

    capacidade funcional dos idosos. Segundo esses autores, os idosos com nvel

    baixo de escolarizao apresentaram chance cerca de 5 vezes maior de ter

    dependncia moderada a grave (dependncia para quatro ou mais atividades da

    vida diria). Em relao situao ocupacional, os aposentados e as donas de

    casa tiveram chance aproximadamente 8 vezes maior.

    As chances de apresentar dependncia moderada a grave aumentam com

    a idade. Entre 65 a 69 anos a chance de, aproximadamente, 1,9 vezes,

    aumentando para cerca de 36 vezes entre as pessoas de 80 ou mais anos. As

    mulheres tm 2 vezes mais chance de apresentarem dependncia em relao aos

    homens. Para os vivos, a razo de chances foi 3,3 e esse grupo o de maior

    oportunidade para a dependncia. O fato de morar sozinho foi identificado como

    fator de proteo para a dependncia, embora, estatisticamente no significativo.

  • Todos os fatores referentes sade, segundo Rosa e cols (2003),

    mostraram associao altamente significativa com a dependncia moderada e

    grave. Chamaram a ateno as chances maiores que 6 vezes para a ocorrncia

    de dependncia nos idosos que responderam terem tido AVC e para os que tm

    algum problema de sade mental. Alm disso, os idosos que sofreram

    hospitalizaes e tm problemas de viso ou audio tambm apresentaram

    chances de dependncia maiores que 4 vezes.

    Todos os fatores referentes a relaes sociais apresentaram forte

    associao com dependncia. A chance entre os idosos que responderam no

    visitar amigos e no visitar parentes foi 6 vezes maior. Chances mais elevadas

    foram observadas para aqueles que responderam no freqentar cinema e no

    praticar esporte, 16 e 15 vezes maior, respectivamente.

    Por outro lado, a capacidade funcional tambm influencia a aderncia a

    tratamentos de sade e a busca por preveno de doenas (Litvoc e Brito, 2004).

    Por esse motivo a manuteno ou a recuperao da independncia e a

    autonomia, ambos determinantes da capacidade funcional uma prioridade na

    ateno ao idoso. As polticas pblicas que contemplam a populao idosa

    preconizam sua preservao e recuperao.

    A Poltica Nacional de Sade do Idoso (PNSI), promulgada em dezembro

    de 1999, tem por objetivo permitir um envelhecimento saudvel, o que significa

    preservar a capacidade funcional, a autonomia e manter o nvel de qualidade de

    vida do idoso. Neste sentido, estabelece diretrizes essenciais que norteiam a

    definio ou redefinio dos programas, planos, projetos e atividades do setor da

    sade na ateno integral s pessoas em processo de envelhecimento e

  • populao idosa: promoo do envelhecimento saudvel; manuteno da

    capacidade funcional; assistncia s necessidades de sade do idoso; reabilitao

    da capacidade funcional comprometida; capacitao de recursos humanos, e

    apoio a estudos e pesquisas (Gordilho et al, 2001).

    A incapacidade funcional, portanto, um indicador da conseqncia de

    doenas ou condies que alteram a independncia dos idosos. Este indicador

    muito til para avaliar o estado de sade dos idosos, pois muitos deles tm vrias

    doenas associadas que variam em graus de severidade e causam impactos

    diferenciados na vida cotidiana (Parahyba et al, 2005). Os idosos, que apresentam

    incapacidades funcionais, restringem sua participao nas atividades familiares e

    na comunidade. As barreiras ambientais tornam-se intransponveis para quem

    obrigado a conviver com incapacidades funcionais, o que limita as atividades dos

    idosos distanciando-os do convvio social. Os contatos e as interaes sociais

    positivas que trazem segurana e evitam o isolamento e o sentimento de solido

    se tornam reduzidas.

    Apesar disso, o envelhecimento no sinnimo de incapacidade funcional,

    pois at mesmo no grupo de 85 ou mais anos, muitas mulheres brasileiras no

    referem qualquer dificuldade nas tarefas dirias, como caminhar mais de um

    quilmetro (Parahyba et al, 2005).

    Baseando-se no conceito de sade do idoso como capacidade funcional,

    vrios autores desenvolveram instrumentos de avaliao abrangendo as diversas

    dimenses da capacidade funcional de um idoso.

    Lawton desenvolveu um modelo com sete sub-nveis para a capacidade

    funcional dos idosos. Em ordem crescente de complexidade, os sub-nveis so:

  • manuteno da vida, sade funcional, percepo e cognio, auto-manuteno

    fsica, auto-manuteno instrumental, eficcia e funo social (Shibata et al,

    2001). Esse modelo tem sido muito usado no desenvolvimento de instrumentos

    para avaliar a capacidade funcional dos idosos.

    Dentre os instrumentos avaliativos destacam-se as escalas desenvolvidas

    por Katz e Lawton. Para avaliar a realizao das atividades da vida diria (AVD),

    Katz incluiu as tarefas de autocuidado bsico como banhar-se, vestir-se, usar o

    banheiro, controlar os esfncteres, transferir-se do leito e se alimentar. As

    dificuldades ou incapacidades na realizao das AVD representam risco elevado

    para a perda da independncia funcional.

    Para avaliar as atividades instrumentais da vida diria (AIVD), consideradas

    mais complexas que refletem a habilidade para adaptao em ambientes sociais e

    necessrias para manter a vida independente na comunidade, Lawton

    desenvolveu uma escala que inclui atividades como fazer compras, lavar roupa,

    usar o telefone, utilizar transporte, manusear dinheiro e tomar a medicao

    (Lawton e Brody, 1969).

    Em estudo realizado por Ramos e cols (1993) identificou-se que 40% das

    pessoas com 65 anos ou mais necessitam de ajuda para realizar alguma tarefa

    das AIVD e 10% precisam dessa ajuda nas AVD. Esses dados revelam que a

    dependncia uma realidade na vida de uma proporo significativa de idosos

    brasileiros.

    Algumas situaes de estresse como a perda de um ente querido, a

    falncia econmica, uma doena incapacitante, um distrbio mental ou um

  • acidente, como o caso da queda, podem, juntos ou isoladamente, comprometer

    a capacidade funcional dos idosos.

    2.1.2. Quedas em idosos

    A queda um evento acidental que tem como resultado a mudana de

    posio do indivduo para um nvel mais baixo, em relao a sua posio inicial

    (Moura et al, 1999) com incapacidade de correo em tempo hbil (Santos e

    Andrade, 2005) e apoio no solo. No se considera queda quando o indivduo

    somente cai de costas em um assento, por exemplo (Paixo Jnior e Heckmann,

    2003).

    Para uma queda acontecer necessrio que haja uma perturbao do

    equilbrio e uma falncia do sistema de controle postural em compensar essa

    perturbao (Paixo Jnior e Heckmam, 2003).

    O enfoque epidemiolgico dado pelo olhar da sade destaca as quedas

    como um dos eventos acidentais e/ou violentos que atingem milhares de pessoas

    idosas em nosso pas e so motivo de internaes e de mortes, conforme

    identificam Souza e cols (1998), Masud e Morris (2001), Fabrcio e cols (2004),

    Gawryszewski e cols (2004a, 2004b) e Minayo e Souza (2005).

    A queda uma importante causa de morbimortalidade na populao

    envelhecida do Brasil. Este evento uma das formas mais comuns de

    manifestao no-especfica de doenas agudas entre a populao mais velha

    (Paixo Jnior e Heckmam, 2003). Entre os idosos, considerados como populao

  • vulnervel, a prevalncia de quedas acidentais toma propores cada vez mais

    significativas.

    A literatura internacional especializada aponta que aproximadamente 30%

    das pessoas idosas no institucionalizadas com 65 anos ou mais caem pelo

    menos uma vez e cerca de 15,0% caem duas vezes ou mais durante um ano (Stel

    et al, 2004). A incidncia de quedas entre idosos saudveis de 15,0%, e metade

    dessas pessoas voltam a cair vrias vezes (Masud e Morris, 2001).

    A prevalncia de quedas entre pessoas com 60 ou mais anos, de 34,0%

    em Santiago/Chile, 33,5% na cidade do Mxico, 29,0% em So Paulo/Brasil,

    28,5% em Buenos Aires/Argentina e de 27,0% em Montevideo/Uruguai (Reyes-

    Ortiz et al, 2005). Na cidade do Rio de Janeiro, um estudo transversal (Rozenfeld

    et al, 2003) realizado com mulheres de 60 anos ou mais de idade, no ano de 1996,

    identificou que 23,3% delas havia cado uma vez e 14,0% apresentaram duas ou

    mais quedas no ltimo ano.

    Em 2005, as hospitalizaes de pessoas com 60 anos ou mais de idade, de

    ambos os sexos, por queda, representaram 2,76% de todas as internaes de

    idosos no pas. No estado do Rio de Janeiro, o percentual de hospitalizaes por

    queda entre os idosos atingiu 3,66% de todas as internaes de idosos no estado

    (MS, 2006). preciso levar em considerao que essas foram as quedas mais

    graves e que exigiram cuidados hospitalares mais intensos, mas uma grande

    parcela desses eventos no leva o idoso a procurar os servios de sade por no

    apresentarem seqelas to graves como uma fratura ou algum outro tipo de

    ferimento. Alm disso, alguns casos so atendidos em servios de emergncia ou

    postos de sade.

  • Alm da morbidade advinda da queda, a mortalidade entre os idosos por

    esta causa externa muito comum e seus registros podem ser encontrados em

    diversos estudos j realizados no pas. Fabrcio e cols (2004) mostraram em seu

    trabalho, realizado com 50 idosos, que 28% deles faleceram por conseqncias

    diretas da queda, entre elas, fraturas e leses neurolgicas. Outro fato a ser

    levado em considerao que a maioria dos bitos ocorreu entre as mulheres

    (78,5%). Somente no estado do Rio de Janeiro, 441 pessoas idosas morreram por

    causa das quedas em 2004 e essas mortes representaram 1,0% de todos os

    bitos de idosos no estado. No Brasil, em 2004, as mortes por queda entre os

    idosos chegaram a 3.024 e esse percentual representou 0,6% de todas as mortes

    de idosos no pas (MS, 2006).

    A estabilidade do corpo depende da recepo adequada de informaes

    atravs de componentes sensoriais, cognitivos, do sistema nervoso central e

    musculoesquelticos de forma integrada. O efeito cumulativo de alteraes

    relacionadas idade, doenas e meio-ambiente inadequado parecem predispor

    queda (Pereira et al, 2001).

    As causas da queda podem estar relacionadas a fatores que podem ser

    classificados como intrnsecos e extrnsecos. Os fatores intrnsecos so aqueles

    decorrentes de alteraes fisiolgicas do envelhecimento, doenas e efeitos de

    medicamentos. Os extrnsecos dependem de circunstancias sociais e ambientais

    que oferecem desafios pessoa idosa (Fabrcio et al, 2004).

    O envelhecimento traz consigo algumas alteraes fisiolgicas que podem

    interferir nas habilidades funcionais das pessoas como dificuldades visuais e

    auditivas, distrbios vestibulares e proprioceptivos, aumento do tempo de reao

  • situaes de perigo, diminuio da sensibilidade dos barorreceptores hipotenso

    postural, distrbios msculo-esquelticos: degeneraes articulares, fraqueza

    muscular, estilo de vida sedentrio e deformidades dos ps (Pereira et al, 2001).

    Segundo Paixo Jnior e Heckmann (2003) o envelhecimento um processo

    progressivo, no qual o indivduo apresenta uma tendncia lentido dos

    mecanismos de integrao do sistema nervoso central que so importantes para

    os reflexos que mantm a postura, e este fato pode predispor o idoso s quedas.

    Algumas doenas podem estar relacionadas s quedas por apresentarem

    sintomas ou conseqncias que as propiciem. Entre elas podemos destacar as

    cardiovasculares (hipotenso postural, crise hipertensiva, arritmias cardacas,

    doena arterial coronariana, insuficincia cardaca congestiva, sncope vaso-vagal

    e insuficincia vrtebro-basilar), as neurolgicas (hematoma sub-dural, demncia,

    neuropatia perifrica, acidente vascular cerebral e suas seqelas, acidente

    vascular cerebral isqumico transitrio, parkinsonismo, delirium, labirintopatias e

    disritmia cerebral), as endcrino-metablicas (hipo e hiperglicemias, hipo e

    hipertireoidismo), as pulmonares (Doena Pulmonar Obstrutiva Crnica e embolia

    pulmonar) e as psicolgicas (depresso, ansiedade, demncia, estados

    confusionais agudos, medo de cair, negao das limitaes fsicas). Distrbios

    psiquitricos (depresso), anemia (sangramento digestivo oculto), hipotermia e

    infeces graves (respiratria, urinria, sepse) tambm esto associados ao risco

    de cair entre os idosos (Pereira et al, 2001).

    Os fatores de risco psicolgicos, apesar de pouco estudados exercem uma

    grande influncia na ocorrncia das quedas. Ishizuka (2003) aponta, como causa

    das quedas em idosos, a depresso que altera o nvel de ateno, diminui a auto-

  • confiana, provoca inatividade e indiferena ao ambiente; ansiedade que aumenta

    a insegurana e pode causar tonturas, arritmias e dispnia; a demncia que leva a

    diversas limitaes cognitivas e tambm pode estar associada depresso e

    ansiedade; estados confusionais agudos, responsveis por agitao, alterao da

    conscincia, iluses e alucinaes; negao das limitaes fsicas que pode

    contribuir para que os idosos ultrapassem seus limites e acabam sofrendo quedas

    e por fim, o medo de cair que pode atuar como fator protetor ou um risco quando

    causa limitao das atividades e insegurana.

    O uso de medicamentos, muito comum entre os idosos, provavelmente pela

    coexistncia de doenas crnicas um fator de risco importante para as quedas.

    Algumas drogas so especificamente associadas ao grande nmero de ocorrncia

    delas como os ansiolticos, hipnticos e antipsicticos; os antidepressivos; os anti-

    hipertensivos; os anticolinrgicos; os diurticos; os anti-arritmicos; os

    hipoglicemiantes; os antiinflamatrios no-hormonais e o uso de polifrmacos

    (Pereira et al, 2001).

    Muitos estudos nacionais e internacionais avaliaram grupos de idosos e

    estabeleceram alguns fatores mais comumente encontrados entre eles. Dentre

    esses fatores podemos citar: idade, sexo feminino, equilbrio diminudo, marcha

    lenta e passos curtos, fraqueza muscular dos membros inferiores, capacidade

    funcional comprometida, depresso, deficincia cognitiva, doenas crnicas,

    fratura anterior, dificuldades visuais, baixa autoconfiana, medo de cair, uso de

    sedativos e polifarmcia (Stel et al, 2004; Perracini e Ramos, 2002; Pereira et al,

    2001; Perracini, 2000). Para as quedas recorrentes os fatores associados so:

    histria prvia de fratura, sexo feminino, estado conjugal (vivos, desquitados ou

  • solteiros), no referir leitura como atividade de lazer, dificuldades visuais e

    dificuldade nas atividades da vida diria (Perracini, 2000).

    Os fatores extrnsecos relacionados ao ambiente que circunda a pessoa

    idosa, como sua prpria residncia e os locais pblicos que ela freqenta, so

    motivos de quedas com graves conseqncias para esses sujeitos.

    Existem algumas constataes que devem ser levadas em considerao

    quando se fala em idoso e queda. Uma delas que os idosos caem mais em seu

    prprio lar do que na rua ou em outros ambientes (Fabricio et al, 2004; Coutinho e

    Silva, 2002). Mais de 70% das quedas ocorrem no interior da residncia, sendo

    que as pessoas que vivem sozinhas apresentam maior risco (Pereira et al, 2001).

    As atividades que os idosos so encarregados de realizar e alguma instabilidade

    funcional podem ser os responsveis pela gerao de situaes de risco (Perracini

    e Ramos, 2002).

    Fatores ambientais podem ter um papel importante em at metade de todas

    as quedas. As residncias brasileiras no so preparadas e adaptadas para

    atender s necessidades dos idosos e, por esse motivo, as quedas ocorrem com

    maior freqncia nesse local. Entre os fatores ambientais que podem levar uma

    pessoa idosa a sofrer uma queda esto: iluminao inadequada, superfcies

    escorregadias, tapetes soltos ou com dobras, degraus altos ou estreitos,

    obstculos no caminho (mveis baixos, pequenos objetos, fios), ausncia de

    corrimos em corredores e banheiros, prateleiras excessivamente baixas ou

    elevadas, calados inadequados, patologias nos ps, maus-tratos, roupas

    excessivamente compridas e via pblica mal conservada, com buracos ou

    irregularidades (Pereira et al, 2001).

  • O maior risco de cair ocorre quando o idoso apresenta vrios fatores de

    risco associados. Os fatores intrnsecos e extrnsecos agem de forma

    complementar.

    As conseqncias das quedas para uma pessoa idosa so um fator de

    morbidade considervel, podendo gerar seqelas permanentes e incapacidades.

    No estudo realizado por Stel e cols (2004) foi constatado que 35,3% dos idosos

    que caram relatam um declnio no estado funcional, 16,7% diminuram suas

    atividades sociais e 15,2% da populao do estudo mostraram um declnio em

    suas atividades fsicas como conseqncia direta da ltima queda. Os idosos

    que sofreram quedas restringem suas atividades devido a dores persistentes,

    incapacidades por leses associadas, medo de cair novamente, por atitudes

    protetoras das pessoas que os cercam (cuidadores/familiares) ou at mesmo por

    aconselhamento de profissionais de sade (Downton, 1998; Fabrcio et al, 2004).

    A leso mais freqente em conseqncia das quedas a fratura de fmur

    e, novamente, aparece a mulher sofrendo o dobro de fraturas do fmur se

    comparada com os homens (Gawryszewski et al, 2004b).

    O fato de ter experimentado uma queda com alguma conseqncia, como,

    por exemplo, uma fratura, parece atribuir pessoa idosa uma maior

    vulnerabilidade a novos episdios de queda, independentemente da freqncia

    deles. Por esse motivo que se torna necessrio evitar o primeiro evento e

    tambm monitorar os idosos que j caram (Perracini e Ramos, 2002).

    Todas essas questes relacionadas s quedas suscitam reflexes sobre

    como e em que condies vivem as pessoas idosas que experimentaram esse

  • evento. A partir de ento, torna-se necessrio uma discusso das questes

    relacionadas qualidade de vida no envelhecimento.

    2.2. Qualidade de vida no envelhecimento

    A noo de qualidade de vida usada no campo da sade como uma

    tentativa de compreenso mais abrangente do que seja bem-estar humano e

    social.

    Assim como a velhice uma experincia heterognea, a qualidade de vida

    nesse perodo da existncia humana um fenmeno multidimensional e

    multideterminado.

    O conceito de qualidade de vida no envelhecimento abrange uma srie de

    aspectos como a capacidade funcional e as capacidades adquiridas ao longo da

    vida, o nvel socioeconmico, o estado emocional, a interao social, a atividade

    intelectual, o autocuidado, o prprio estado de sade, os valores culturais, ticos e

    a religiosidade, o estilo de vida, a satisfao com o trabalho, as polticas sociais e

    as redes de apoio como o suporte familiar e o ambiente em que o idoso vive

    (Vecchia et al, 2005; Camarano, 2003).

    O conceito de qualidade de vida pode ser concebido como uma

    representao social com parmetros objetivos satisfao das necessidades

    bsicas e criadas pelo grau de desenvolvimento econmico e social da sociedade

    e subjetivos bem-estar, felicidade, amor, prazer, realizao pessoal (Minayo et

    al, 2000). Alm desses parmetros, o conceito tambm inclui critrios de

    satisfao individual, bem-estar coletivo, fatores polticos e de desenvolvimento

  • humano. Em relao sade, as noes se unem em uma resultante social da

    construo coletiva dos padres de conforto e tolerncia que determinada

    sociedade estabelece, como parmetros, para si (p.10). Segundo Matos (1999),

    quanto mais aprimorada a democracia, mais ampla a noo de qualidade de

    vida.

    A construo de um modelo conceitual multidimensional foi realizada por

    Lawton e amplamente conhecido na literatura gerontolgica internacional (Neri,

    2001), e contm quatro dimenses conceituais: competncia comportamental,

    condies ambientais, qualidade de vida percebida e bem-estar subjetivo.

    A competncia comportamental se refere sade, funcionalidade fsica,

    cognio, ao comportamento social e utilizao do tempo. avaliada atravs

    das atividades de vida diria AVD e das atividades instrumentais da vida diria

    AIVD.

    Estudos epidemiolgicos apontam que apenas 4% das pessoas com mais

    de 65 anos apresentam incapacidade acentuada e 20% apresentam um leve grau

    de incapacidade. Depois dos 85 anos, a incapacidade cerca de cinco vezes

    maior do que aos 65 anos, e a proporo de idosos com incapacidade moderada

    sobe para 46% (Neri, 2001).

    A qualidade de vida na velhice tem relao direta com as condies

    ambientais que permitem o desempenho de comportamentos adaptativos e

    saudveis. Um ambiente fsico propcio, convivncia familiar harmnica e boa

    relao com amigos e vizinhos parecem ser fatores responsveis pelo bem-estar

    na velhice.

  • Qualidade de vida percebida um elemento subjetivo e se refere

    avaliao que cada pessoa faz sobre seu prprio comportamento, no domnio das

    competncias comportamentais.

    O bem-estar psicolgico reflete a avaliao pessoal sobre o conjunto e a

    dinmica das relaes entre as reas de competncia comportamental, das

    condies ambientais e da qualidade de vida percebida. Para a avaliao do bem-

    estar subjetivo deve-se considerar: a experincia individual; a avaliao global e a

    dos domnios tais como sade fsica e cognitiva, sexualidade, relaes sociais,

    relaes familiares, espiritualidade e medidas cognitivas (satisfao) e emocionais

    (afetos positivos e negativos).

    Outros autores (Xavier et al, 2003) colocam a existncia de fatores internos

    e externos que interferem na qualidade de vida de idosos. Os fatores internos

    dizem respeito interpretao dos prejuzos e as expectativas a respeito da sade

    e, alm desses, a resilincia entendida por esse autor como a capacidade

    emocional de reconhecer os fatores estressantes. Segundo Assis e cols (2006)

    resilincia se refere capacidade de superao do ser humano frente s

    adversidades da vida. Os externos funcionam como fatores que suavizam o

    impacto dos eventos negativos e entre eles esto o suporte familiar e os recursos

    econmicos.

    Vecchia e cols (2005), em uma pesquisa sobre a compreenso do que vem

    a ser qualidade de vida para os idosos, encontraram diversos fatores que

    influenciam a vida no sentido de uma boa qualidade. So eles: relacionamentos

    interpessoais, boa sade fsica e mental, bens materiais (casa, carro, salrio,

    acesso a servios de sade), lazer, trabalho, espiritualidade, honestidade e

  • solidariedade, educao (ao longo da vida) e ambiente favorvel (sem poluio e

    sem violncia). Esses fatores tambm so confirmados por outros autores (Koo et

    al, 2004; Xavier et al, 2003; Hwang et al, 2003).

    Souza e cols (2003), citando Martin e Stockler (1998), afirmam que para

    compreender este tema deve-se basear na distncia existente entre as

    expectativas individuais e a realidade. Quanto menor for essa distncia, maior a

    qualidade de vida.

    Embora no haja um consenso acerca da definio de qualidade de vida, a

    Organizao Mundial de Sade (OMS, 1998) considera que a subjetividade, a

    muldimensionalidade e as dimenses positivas e negativas so aspectos

    fundamentais para a compreenso deste construto.

    O desenvolvimento desses aspectos levou definio de qualidade de vida

    como a percepo do indivduo de sua posio na vida no contexto da cultura e

    sistema de valores nos quais ele vive e em relao aos seus objetivos,

    expectativas, padres e preocupaes (WHOQOL GROUP, 1994: 45).

  • Captulo 3.

    Caracterizao da rea e dos sujeitos

    3.1. O Complexo de Manguinhos

    Manguinhos, inicialmente, era uma rea constituda de chcaras e fazendas rurais que

    abasteciam o centro urbano. Sua ocupao acompanhou o processo de transformao

    urbana que teve incio a partir de 1886 com a implantao da Estrada de Ferro da

    Leopoldina e, logo depois, com a criao da Fundao Oswaldo Cruz/FIOCRUZ. A

    partir de ento houve uma ocupao desordenada da regio que se acelerou nas dcadas

    de 50 e 60, com a poltica de remoo das favelas do centro da cidade e prximas zona

    Sul para a rea estudada (Bodstein et al, 2001).

    A regio de Manguinhos est situada na Zona Norte do Municpio do Rio de

    Janeiro. Faz parte do IV Distrito Sanitrio, antiga rea de planejamento 3.1 e est

    localizada ao longo da Estrada de Ferro Leopoldina (Valla et al, 2005). formada

    por 12 comunidades: Conjunto Habitacional Provisrio/CHP2, Conjunto Ex-

    Combatentes, Conjunto Nelson Mandela, Conjunto Samora Machel, Mandela de

    Pedra (I e II), Parque Carlos Chagas, Parque Joo Goulart, Parque Oswaldo Cruz,

    Varginha, Vila Turismo, Vila Unio Cabo Verde e Vitria de Manguinhos.

  • Sua populao atual de aproximadamente 50.000 habitantes, sendo que

    51,6% so pessoas do sexo feminino. Possui cerca de 12.000 domiclios, sendo

    que 70% deles so assentamentos regulares e os demais 30% esto construdos

    em reas consideradas irregulares, provisrias ou de risco (Bodstein et al, 2001).

    De acordo com Bodstein e cols (2001) a rea do Complexo de Manguinhos

    abriga uma extensa populao em condies de pobreza e misria. Dados do

    ndice de Desenvolvimento Humano (IDH) do Rio de Janeiro a classificaram na

    155 posio entre os 161 bairros do municpio, e a renda per capta de seus

    moradores fica em torno de R$ 148,00. Alm disso, cerca de 45% da sua

    populao economicamente ativa encontra-se no mercado informal de trabalho.

    At hoje, esses espaos concentram grandes e graves insuficincias,

    precariedades e ausncia de infra-estrutura urbana e de servios pblicos de

    educao, sade, cultura, lazer e segurana pblica.

    importante chamar a ateno para o fato de que o Complexo de

    Manguinhos no uma regio homognea, onde todos os moradores partilham

    das mesmas condies de vida. Essa regio marcada por profundas diferenas

    e contrastes socioeconmicos, embora o denominador comum do ambiente seja

    indiscutivelmente a pobreza.

    Segundo dados de um relatrio de Notas Tcnicas da prefeitura do

    Municpio do Rio de Janeiro (2003), Manguinhos apresenta uma taxa de

    alfabetizao de 82% de sua populao, considerada baixa em relao mdia

    dos outros bairros da cidade (93%). A populao com escolaridade superior de

    cerca de 3,2%, muito inferior se comparada mdia do municpio (18,2%).

    Embora morando na mesma cidade a populao de Manguinhos vive em mdia

  • 7,8 anos menos do que a populao residente no municpio do Rio de Janeiro. A

    expectativa de vida em Manguinhos 57,4 anos, mdia bem menor comparada

    aos 65,2 anos esperados para a populao do Rio de Janeiro.

    A palavra favela, historicamente, surgiu ainda no sculo XIX para nomear

    uma forma de habitao popular construda nas encostas do Rio de Janeiro. A

    populao desses locais era constituda, em sua maioria, por ex-escravos que

    antes viviam nos cortios no centro da cidade (Burgos, 2005).

    Ainda de acordo com Burgos (2005) a palavra favela foi incorporando

    gradativamente uma conotao negativa muito distinta de sua funo original que

    era de descrio de um espao e assumindo uma dimenso sociocultural. O

    vocbulo passou ento a designar um espao marcado pela ausncia dos

    referenciais da cidade: urbanicidade, higiene, tica do trabalho, progresso e

    civilidade.

    Um sintoma dos espaos tpicos das favelas a existncia dos donos do

    lugar, de gangues de traficantes de drogas e armas (Burgos, 2005). Burgos

    (2005) traz uma importante contribuio quando afirma que essas comunidades

    tm uma vocao para o desenvolvimento de organizaes socioculturais,

    enraizadas na vida local. Nessas organizaes existem autoridades informais

    locais, legitimadas por identidades coletivas territoriais e que podem ser de

    natureza legal ou ilegal, como o caso do narcotrfico que negocia at mesmo o

    acesso da favela aos bens pblicos da cidade.

    Com graves problemas habitacionais e ambientais, Manguinhos constitui

    um enorme desafio administrao pblica. Sem dvida, nesse cenrio existe

    uma falncia das polticas pblicas (nos nveis federal, estadual e municipal) em

  • suprir essas comunidades com infra-estrutura de servios sociais pblicos de

    qualidade, recuperando os dficits existentes, e com planejamento para suprir as

    necessidades de forma a integrar essas comunidades ao conjunto de bairros da

    cidade (Bodstein et al, 2001).

    Em uma Pesquisa de Percepo da Populao realizada pelo Plano

    Estratgico 2001-2004, da Prefeitura do Municpio do Rio de Janeiro, os

    moradores apontaram as debilidades da regio e, conseqentemente, prioridades

    para a atuao. Em sua avaliao, colocaram o enfrentamento violncia e

    criminalidade como questo prioritria, seguida pelas necessidades de servios de

    sade, saneamento e de transporte.

    As comunidades de Manguinhos tm uma relao com a FIOCRUZ que

    envolve vrios projetos que incluem atividades de pesquisa e ensino. Muitos

    estudos foram promovidos em seu meio devido s suas condies de proximidade

    geogrfica com essa instituio de Sade Pblica. A FIOCRUZ possui no seu

    interior uma unidade de sade que se destina ao atendimento sade da

    populao da rea.

    No estudo realizado por Bodstein e cols (2001), por meio de um diagnstico

    rpido participativo, a populao de Manguinhos apresentou demandas e

    expectativas que revelaram suas reais dificuldades. Em primeiro lugar explicitaram

    sua preocupao com a profissionalizao dos jovens que convivem com uma alta

    taxa de desemprego e ociosidade, levando-os a estar numa fronteira tnue entre a

    desocupao, subemprego, desemprego e a influncia do trfico. Outras

    demandas identificadas e j apontadas, na pesquisa de Percepo realizada pela

    Prefeitura do Rio de Janeiro, estiveram relacionadas aos servios de sade no

  • interior da comunidade, reas de lazer, ampliao e melhoria da infra-estrutura

    urbana (reurbanizao e saneamento).

    Valla e cols (2005), numa pesquisa que utilizou como instrumento de coleta

    de dados uma Ouvidoria Coletiva com grupos populares em Manguinhos,

    apontaram mltiplos problemas enfrentados por seus moradores. A falta de

    alimento, que muitas vezes conseguido atravs de sobras recolhidas na Central

    de Abastecimento da Guanabara e pelas crianas, por meio da merenda escolar;

    a precariedade das habitaes, sem segurana e higiene; a violncia e a

    influncia do trfico de drogas, que impem sua prpria poltica habitacional, de

    segurana e de regulao da vida na comunidade. Tambm foram ressaltados

    problemas como a falta de higiene, o uso de drogas (sobretudo cola de sapateiro e

    maconha) para enganar a fome, e de mes que deixam de levar seus filhos ao

    mdico pois no podem faltar ao emprego, considerados pelos moradores como

    importantes determinantes de agravos sade.

    No perodo de dezembro de 2002 a novembro de 2003, foi feito um estudo com

    234 pessoas com 60 ou mais anos, residentes em Manguinhos, pela

    organizao no governamental Grupo de Estudos sobre Envelhecimento e

    Sade do Idoso/GENESIS. Destes, 63,2% estavam na faixa dos 60 a 69 anos;

    76,3% eram do sexo feminino; 34,2% possuam renda familiar de 1 a 3 salrios

    mnimos; 42,1% eram vivos. Os dados mostraram que cerca de 16% (38

    idosos) haviam sofrido algum tipo de violncia fsica (38%), psicolgica (23%)

    ou material (23%). Dentre os que sofreram algum tipo de violncia 25% no

    participavam de qualquer grupo social. A presena de comorbidades tambm

    apareceu como fator predisponente violncia, pois 96% das suas vtimas

  • apresentavam vrios problemas de sade associados. A pesquisa concluiu que

    a insero dos idosos em grupos, a utilizao da rede informal de apoio e a

    criao de uma rede formal de proteo podem contribuir, de forma

    significativa, para a melhoria da qualidade de vida do idoso em favelas,

    diminuindo o risco de exposio violncia (Gnesis, 2003).

    Mais recentemente, Manguinhos tem sido alvo de um movimento

    denominado Agenda Redutora de Violncia. Trata-se de um programa

    interinstitucional, criado em 2005, que alm da diminuio da violncia, visa a

    revitalizao da rea, atravs da criao de espaos de lazer e de projetos sociais

    extremamente ausentes nestas comunidades. Surgiu da reivindicao de seus

    moradores junto a vrios rgos instalados nas proximidades da rea, dentre os

    quais a FIOCRUZ, a Empresa Brasileira de Telecomunicaes/EMBRATEL, a

    Empresa Brasileira de Correios, a Linha Amarela SA -LAMSA, entre outras.

    O dirio de campo, feito durante as visitas em Manguinhos, registrou as

    impresses das pesquisadoras sobre as condies locais de infra-estrutura e

    ausncia de servios pblicos. As primeiras ruas que do acesso favela

    possuem calamento, mas no interior da comunidade as ruas so muito estreitas e

    sem pavimentao, com muitos buracos, entulhos e lixo amontoados e em dias de

    chuva, a lama uma dificuldade a mais para transitar nesses locais.

    Apesar da sensao de insegurana, que se tem logo ao entrar na

    comunidade, devido s pessoas que disfaradamente procuram analisar o

    visitante, existe uma estranha normalidade no local, como se aquele fosse um

    bairro como qualquer outro, com mais mazelas, mas com vida prpria. No seu

  • interior, Manguinhos possui comrcio prprio, pessoas transitando a p, de moto

    ou carro, crianas brincando nas ruas, idosos sentados nas portas das casas e em

    atividades de sua vida diria. Entre um confronto (tiroteio) e outro, entre os

    narcotraficantes, a vida corre dentro da normalidade possvel.

    3.2. Caracterizao das idosas

    Foi aplicado um questionrio a 37 idosas, das quais 43,2% estavam na

    faixa etria de 60 a 69 anos, 37,8% de 70 a 79 anos e 18,9% com 80 a 91 anos.

    No grfico 1 v-se que a escolaridade desse grupo baixa, refletindo um

    pouco o nvel de ensino formal alcanado pela populao da rea. Mais da

    metade das idosas entrevistadas sequer concluiu o ensino fundamental. O ndice

    de analfabetismo tambm alto, abrangendo 23,3% delas.

    A proporo de idosas analfabetas nesse grupo maior que a da

    populao geral de Manguinhos com mais de 25 anos de idade, que apresenta

    10,6% de pessoas analfabetas e de analfabetos do municpio do Rio de Janeiro

    que de 4,9% (Censo IBGE, 2000). Por outro lado, Dados da Pesquisa Nacional

    por Amostra de Domiclios/PNAD de 1998 apontam que 41,9% das mulheres

    idosas brasileiras so analfabetas (Parahyba et al, 2005) e, nesse caso, a

    proporo de idosas analfabetas no grupo estudado menor que a da populao

    geral.

    Ao contrrio das idosas de Manguinhos, entre os idosos de Porto Alegre

    que participaram de um estudo, apenas 5,6% so analfabetos; 53,8 fizeram o

    ginasial, 10% o secundrio e 10% o curso superior (Grossi e Souza, 2003). Em um

  • grupo de idosos de Portugal, o ndice de analfabetismo no ultrapassa os 12% e

    apenas 15% deles freqentaram o Ensino Mdio (Sousa et al, 2003).

    21,6%

    54,1%

    24,3%Analfabeto

    Fundamental Incompleto

    Fundamental Completo

    Grfico 1: Distribuio proporcional das idosas segundo grau de escolaridade.

    Manguinhos, 2005

    Apenas 8,1% das idosas fizeram algum curso profissionalizante, enquanto

    91,91% nunca o fizeram. Ao observar a tabela 2, onde se encontram as principais

    atividades exercidas ao longo da vida, fica claro a falta de melhor capacitao

    profissional, aliada baixa escolaridade j mencionada, pois tratam-se de

    atividades que no requerem maiores qualificaes e que, conseqentemente,

    so pouco remuneradas.

    As principais atividades laborais exercidas so as do lar (35,1%),

    empregada domstica (24,3%), costureira (8,1%) e bab (8,1%). Convm ressaltar

    que muitas das atividades abaixo no so mais exercidas.

    Tabela 2: Distribuio das idosas segundo principal atividade exercida. Manguinhos, 2005

    ATIVIDADE N %

    Do lar 13 35,2 Empregada domstica 9 24,3

  • Costureira 3 8,1 Diarista 3 8,1 Bab 2 5,4 Passadeira 2 5,4 Cozinheira 1 2,7 Lavadeira 1 2,7 Companhia de limpeza 1 2,7 Marcineira 1 2,7 Vendedora 1 2,7 Total 37 100,0

    Perguntadas sobre a cor da pele, 78,3% das idosas responderam que so

    pardas ou negras, 18,9% se consideram brancas e houve ainda uma proporo de

    2,7% que informaram ser de outra cor.

    Outro dado investigado foi a situao conjugal. Em relao a essa condio

    62,2% das idosas disseram que no possuem um cnjuge, enquanto 37,8%

    afirmaram que sim. Apesar disso, por uma dificuldade de entendimento da

    questo ou porque elas moram com o companheiro, mas no vivem maritalmente

    com ele, uma proporo maior de idosas (40,5%) afirmam morar com o cnjuge,

    outros 40,5% vivem com os filhos, 40,5% convivem com netos e 2,5% com noras.

    Importa destacar que 16,2% delas moram sozinhas. Estes dados esto em

    conformidade com a PNAD de 1998 que revelou que 14,8% das mulheres idosas

    vivem sozinhas no Brasil (Lima-Costa et al 2003b).

    As mulheres, em geral, tm uma esperana de vida maior que os homens,

    que por sua vez se casam mais tardiamente e tm maior facilidade de

    recasamento (Lebro, 2003). Por esse motivo, comum a predominncia de

    mulheres vivas entre a populao idosa.

  • Entre os idosos de Porto Alegre 21,3% vivem sozinhos e 78,7% moram com

    a famlia (Grossi e Souza, 2003). Em Joo Pessoa, 14,8% dos idosos vivem

    sozinhos, 27,3% com seus cnjuges e 55,5% com outros familiares (Santos et al,

    2002). Um estudo realizado em Portugal identificou que 65,9% dos idosos moram

    com a famlia e 21,2% vivem sozinhos (Sousa et al, 2003).

    Diante dos dados acima comparados, percebemos a existncia de menores

    propores de idosos sozinhos e maiores propores vivendo com familiares

    em Joo Pessoa. Por outro lado, h mais idosos vivendo com cnjuge no Rio

    de Janeiro. Certamente essas diferenciaes passam por caractersticas scio-

    demogrficas e culturais das cidades aqui consideradas, indicando que em uma

    cidade menor como Joo Pes