Replicar o outro por meio do traço: um recorte de análise ... · Chama-se caricatura todo desenho...

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1 Anais do XXI Encontro Estadual de História –ANPUH-SP - Campinas, setembro, 2012. Replicar o outro por meio do traço: um recorte de análise sobre algumas caricaturas integralistas no período pós-guerra Rodrigo Christofoletti 1 Ridendo castigat mores! É com o riso que se corrigem os costumes! Com este dístico, o líder integralista, Plínio Salgado encerrava a última preleção aos seus correligionários, transcrita pelo jornal proselitista, A Acção, antes do fechamento definitivo do partido integralista, em 1938 2 . O riso sarcástico, mencionado por Salgado, clara ironia frente aos acontecimentos dos finais da década de 1930, era endereçado a Getúlio Vargas, que colocaria o integralismo na ilegalidade durante todo o período do Estado Novo. No entanto, com o fim do período ditatorial, houve a reestruturação de vários partidos, dentre os quais, o Partido de Representação Popular (ex Ação Integralista Brasileira). Frente ao reagrupamento partidário do final do Estado Novo, a estratégia do PRP foi a de adequar-se à nova proposta política do momento: a democracia exigia o abrandamento dos pontos mais radicais do antigo integralismo. Assim, a rearticulação integralista sob a forma de partido político exigiu uma reelaboração doutrinária, por parte de Plínio Salgado e outras lideranças, que buscaram adaptar o integralismo ao novo momento político. Adequando-se à nova diretiva pluripartidária, o integralismo apresentou-se como apto ao novo regime. Com exceção do anticomunismo que permaneceu como um elemento arraigado à doutrina do novo partido, e à presença sempre marcante da figura do chefe agora instituída como presidente do partido, os demais elementos fundadores da doutrina integralista passaram por radicais transformações. A intenção corporativista, assim como a postura antiliberal arrefeceram-se, sendo transformados em pontos negados ou estrategicamente relegados pela sigla. A partir de 1945, Plínio Salgado reformulou a doutrina integralista e adaptou seu discurso, acentuando o componente espiritualista e minimizando a importância de temas 1 Educador da UniSantos e do Monumento Nacional - Ruínas Engenho São Jorge dos Erasmos/USP. 2 O jornal Acção, diário paulista da AIB, fundado em 1936 por Miguel Reale, foi publicado de 7 de outubro daquele ano até 27 de abril de 1938, quando Getúlio Vargas coloca todos os partidos na ilegalidade.

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Anais do XXI Encontro Estadual de História –ANPUH-SP - Campinas, setembro, 2012.

Replicar o outro por meio do traço: um recorte de análise sobre algumas caricaturas

integralistas no período pós-guerra

Rodrigo Christofoletti1

Ridendo castigat mores! É com o riso que se corrigem os costumes!

Com este dístico, o líder integralista, Plínio Salgado encerrava a última preleção aos

seus correligionários, transcrita pelo jornal proselitista, A Acção, antes do fechamento

definitivo do partido integralista, em 19382. O riso sarcástico, mencionado por Salgado,

clara ironia frente aos acontecimentos dos finais da década de 1930, era endereçado a

Getúlio Vargas, que colocaria o integralismo na ilegalidade durante todo o período do

Estado Novo.

No entanto, com o fim do período ditatorial, houve a reestruturação de vários

partidos, dentre os quais, o Partido de Representação Popular (ex Ação Integralista

Brasileira). Frente ao reagrupamento partidário do final do Estado Novo, a estratégia do

PRP foi a de adequar-se à nova proposta política do momento: a democracia exigia o

abrandamento dos pontos mais radicais do antigo integralismo. Assim, a rearticulação

integralista sob a forma de partido político exigiu uma reelaboração doutrinária, por parte

de Plínio Salgado e outras lideranças, que buscaram adaptar o integralismo ao novo

momento político.

Adequando-se à nova diretiva pluripartidária, o integralismo apresentou-se como

apto ao novo regime. Com exceção do anticomunismo que permaneceu como um elemento

arraigado à doutrina do novo partido, e à presença sempre marcante da figura do chefe

agora instituída como presidente do partido, os demais elementos fundadores da doutrina

integralista passaram por radicais transformações. A intenção corporativista, assim como a

postura antiliberal arrefeceram-se, sendo transformados em pontos negados ou

estrategicamente relegados pela sigla.

A partir de 1945, Plínio Salgado reformulou a doutrina integralista e adaptou seu

discurso, acentuando o componente espiritualista e minimizando a importância de temas

1 Educador da UniSantos e do Monumento Nacional - Ruínas Engenho São Jorge dos Erasmos/USP.

2 O jornal Acção, diário paulista da AIB, fundado em 1936 por Miguel Reale, foi publicado de 7 de outubro

daquele ano até 27 de abril de 1938, quando Getúlio Vargas coloca todos os partidos na ilegalidade.

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como o corporativismo que, em decorrência da derrota do nazi-fascismo e a participação

brasileira na guerra do lado dos aliados, tornou-se incômodo. Redefinindo pontos de

choque com a postura dos anos 1930, os integralistas perrepistas do pós-guerra, buscaram

na sua estruturação elementos que reafirmassem seu aparato ritualístico e mítico e

mantiveram uma oposição ao comunismo cada vez mais acentuada supervalorizando seus

adereços, ritos e símbolos, como força motriz para sua caminhada política.

Por outro lado, a atmosfera de redemocratização na qual o país vivia projetou atores

que passaram a afirmar cada vez mais que o integralismo representava o mal essencial. Os

liberais, a imprensa de circulação nacional e, em diversos momentos, outra face direitista,

representada pela UDN (sobretudo, Carlos Lacerda) lançaram a metáfora de que o “novo”

integralismo seria um vírus que não poderia mais ser hospedado no corpo da sociedade, ou

em outras palavras: um adversário risível e incômodo.

Nessa disputa, com o intuito de promover atividades que ensejassem a partilha de

sua cultura política, calcada em sua rede de sociabilidade, o partido avançou nas suas

investidas, projetando estratégias e eventos que viabilizassem uma reviravolta na sua

atuação político-partidária. Uma dessas estratégias foi mudar de maneira radical a linha

editorial de seus jornais. Exemplo desta mudança foi a aparição, inicialmente de forma

paulatina, e depois de maneira sistemática, de uma série de caricaturas políticas nos jornais

oficiais do partido que passou a ser o mote de uma ação mais popular junto aos leitores de

seus jornais. O risível voltava a ser estratégico para o integralismo. Tais caricaturas

passaram a funcionar como ferramenta de crítica aos opositores políticos do movimento.

Nascia assim, um instrumento cada vez mais utilizado pelos jornais integralista, sobretudo,

no porta voz oficial do movimento, a partir de princípios dos anos 1950, o jornal: A

Marcha.3

3 Nesse sentido a figura do cartunista Ala – Mir se destacou como sendo o mais atuante retratista, desenhista e

ilustrador do jornal, ao longo das décadas de 1950/60. No momento estamos mapeando as informações

biográficas sobre este cartunista. Há duas menções sobre quem seria Ala Mir. A primeira, sinalizada que seria

Alaor Machado, cartunista carioca seria seu nome de batismo. Mas, por enquanto nenhuma referência

biográfica relevante foi encontrada sobre este personagem. Outra informação sugere que Ala Mir seria uma

mistura jocosa das palavras “Alá” (Deus em árabe) e “Mir” (mundo, em russo). Ala Mir desenharia Deus e o

mundo, o mundo visto pela lente ideologizada dos integralistas. O fato é que carecemos de novas pesquisas

para que o universo das caricaturas integralistas do período pós-guerra possa ser mais bem elucidado.

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Artifícios e estratagemas no jornal A Marcha: o caricatural como ferramenta

de persuasão

Chama-se caricatura todo desenho que acentua detalhes ridículos. A caricatura é,

assim, a reprodução gráfica de uma pessoa, animal ou coisa, de uma cena ou episódio,

exagerando-se certos aspectos com intenção satírica, burlesca ou crítica. Presente em várias

publicações de cunho político-popular, a caricatura transita em ordem diferente da do texto

escrito. Representa uma arma mordaz e sarcástica que adquire importância devido ao seu

potencial de expressão quando provoca discussões sobre situações vividas pela sociedade,

sobre política e a relação do povo com seus governantes bem como sobre a atuação e

posicionamento dos políticos.

Nesse sentido, a caricatura política consegue preservar a sua carga de ironia

violenta, muitas vezes exagerada e desenfreada a ponto de atingir duramente seu desafeto,

por meio de uma linguagem vulgar e de uma imagética satírica, prática ofensiva utilizando-

se das forças do cômico, ridicularizando os membros do poder e transformando-os em

motes de chacotas, libertando uma crítica que só o riso é capaz de desencadear. Através de

uma linguagem simples e direta consegue que a mensagem atinja o receptor sem a

necessidade de grandes análises para o seu entendimento. Baseada na dualidade

realidade/representação tem como característica seu poder de crítica que é transmitida por

meio do humor e da ironia.

No entanto, se a caricatura é deveras utilizada como escárnio, como crítica formal,

também, em alguns casos isolados, pode ser empregada com a intenção de supervalorizar,

superdimensionar algum fato ou alguém. Acredita-se que foi este o objetivo levado a cabo

pelos caricaturistas vinculados aos jornais Idade Nova e A Marcha, hebdomadários oficiais

do integralismo vinculado ao Partido de Representação Popular, que de 1946 a 1965

publicaram um conjunto bastante heterogêneo de centenas de caricaturas/charges de

integralistas em campanha, e de seus detratores mostrando de maneira livre os tons-

sobretons de muitos integrantes do movimento, seus antagonistas e a relação nutrida pelos

mesmos, sempre os apresentando como personagens inseridos em cenas cotidianas de

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discussões políticas que, invariavelmente eram vencidas pelos integralistas.4 O papel

desempenhado pelo jornal A Marcha - que permaneceu como o órgão oficial do partido até

1965 foi fundamental. A partir dos anos cinquenta o jornal passou a publicar uma gama

significativa de caricaturas, com a clara intenção de inventariar os antagonistas do

integralismo. Não havia mais a preocupação em dividir os textos entre inteligíveis para a

‘massa’ e para o ‘público intelectualizado’, inquietação tão presente nos anos da Ação

Integralista5. O desenho expressava-se por si. A caricatura potencializava tal mensagem,

por isso, o discurso foi utilizado de maneira ainda mais direta, pois este se valeu de uma

linguagem que procurou homogeneizar a mensagem emitida, despreocupando-se em

diferenciar conteúdos ou termos dos textos ali apresentados.

Entre 1945 e 1965, a relação entre o integralismo e os jornais da imprensa brasileira

foi mediada por choques frontais. Longe de se manter indiferente, tal relação primava de

um lado, pela hostil e virulenta manifestação anti-plinista, e de outro, pela não menos

contundente auto-afirmação integralista. As acusações acirraram os ânimos de ambos os

lados. Este enfrentamento tornou-se mais evidente a partir de 1957, quando se

intensificaram as campanhas contrárias às comemorações integralistas. Segundo Plínio

Salgado “enquanto as penas do integralismo foram molhadas no arsênico preparado pelos

perrepistas, a alquimia da grande imprensa fez-se tão ou mais nociva”.6 Isto equivale a

pensar que tanto o integralismo quanto a imprensa de grande circulação intensificaram suas

posturas de virulência frente seus antagonistas.

Como parte do esforço de consolidação do novo perfil adotado pelo movimento foi

concebido um projeto de ‘réplicas jornalísticas’ que passou a utilizar de maneira

aprofundada, o conjunto de valores, ideais, princípios e propostas integralistas, em formas

4 Alguns dos temas abordados e ilustrados por estes desenhos de traço marcante mostram o contexto político -

pós-guerra; a guerra fria; a formação partidária e a atuação do PRP; o mimetismo entre AIB e PRP; os

escândalos de corrupção; os detratores de Plínio Salgado; as eleições partidárias - o anticomunismo; a

religiosidade integralista; a simpatia integralista pelos fascimos, como o integralismo via a política partidária;

a invasão da Baia dos Porcos; a relação entre Cuba e a URSS; a pregação anticomunista; a guerra

armamentista; as celebrações e o retorno do integralismo simbólico; artistas e políticos integralistas; política

da direita versus política da esquerda; os “novos brasis”, dentre outros temas. 5 Nos anos de atuação da AIB, uma das diretrizes de Plínio Salgado foi a publicação de textos doutrinários

que diferenciassem o seu público alvo. Divididos entre, textos ‘intelectualizados’ e ‘gerais ou de fácil

assimilação’, tais textos diferenciavam suas mensagens buscando o mesmo objetivo: a doutrinação. Para a

população, considerada ‘culta’, Salgado fazia veicular uma mensagem mais intelectualizada, ao passo que

para a população do ‘interior’ considerada mais simples, geralmente semi analfabeta, uma mensagem

desprovida de sofisticação. 6 SALGADO, P. A Marcha, 3/11/1957, p.9.

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de desenhos e caricaturas que expressassem a ação política e social daqueles que haviam

integrado ou ainda integravam os seus quadros.

Em 1957, ano do jubileu de prata do integralismo, a situação do partido era a

seguinte: desarticulado no parlamento, o PRP, por meio de intelectuais do partido,

intensificou a promoção de encontros sistemáticos, visando reprojetar a sigla. A promoção

desses eventos foi fomentada por uma aguda radicalização contra a esquerda e um

surpreendente abrandamento com relação ao liberalismo, o que indicava uma postura

ambígua da sigla. De acordo com a ótica integralista, o lugar ocupado pelo partido no

cenário político nacional parecia pouco condizente com o passado do movimento. A

mobilização do partido foi a maneira encontrada para

referendar uma postura de rearticulação política, o que não

absteve o partido de continuar exercendo uma atuação mais

discreta nas decisões políticas do período.

A imprensa de circulação nacional noticiava os

integralistas de maneira bastante variada: de um absoluto

descaso a mais fervorosa agressividade. E, nesse

sentido, tanto um lado quanto o outro lançaram mão de

caricaturas que simbolizassem de maneira jocosa a oposição

do jornal com relação aos seus detratores. Exemplo

significativo é o desenho publicado na revista Maquis7, porta

voz dos desígnios udenistas. Como de percebe ao lado, a

figura de Salgado segurando novo/velho símbolo do

integralismo permaneceu como mote de piadas e comentários

jocosos. Na ocasião a revista de Amaral Neto chamava a

atenção para a “passeata atônita dos galinhas verdes!”.8

Em diversas réplicas, o jornal integralista chamou a

7 Maquis, 08/10/1957, p.17. A revista Maquis era o órgão oficial do “Clube da Lanterna”, que congregava

parlamentares, a maioria udenistas, dedicados a combater sistematicamente o governo Vargas e seus

“sucessores” no poder. Seu primeiro número foi publicado clandestinamente em novembro de 1955, durante a

intervenção do general Lott. Em agosto de 1956, a revista passou a ser publicado legalmente. Tinha como

diretor Amaral Neto. Maquis foi a revista que fez a oposição mais ferrenha ao integralismo dos anos 1950,

produzindo matérias agressivas sobre “os galinhas verdes”. A revista circulou até abril de 1962. 8 Maquis, 08/10/1957, p.18.

Figura Figura Figura Figura 1 1 1 1 ---- Salgado carregando Salgado carregando Salgado carregando Salgado carregando o velho/novo símbolo do o velho/novo símbolo do o velho/novo símbolo do o velho/novo símbolo do integralismo. Nesta caricatura integralismo. Nesta caricatura integralismo. Nesta caricatura integralismo. Nesta caricatura publicada na revista Maquis, o publicada na revista Maquis, o publicada na revista Maquis, o publicada na revista Maquis, o chefe integralista quase se chefe integralista quase se chefe integralista quase se chefe integralista quase se

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atenção para o fato de que, na escala de valores integralista, o movimento antecedia ao

partido, fator que favorecia o reforço de sua doutrina. Após atacar veementemente a UDN,

(de Amaral Neto e Carlos Lacerda, personagens habitués das charges publicadas em A

Marcha), Salgado sempre terminava seus discursos de maneira bastante parecida:

“justamente aqueles da eterna vigilância entenderam que era solução para o Brasil um

governo de força (...) talvez, os que propunham a ditadura, tivessem boas intenções... é

digno de riso! ” .9

Tal discurso foi apresentado no intuito de minimizar os choques com a ala

opositora do integralismo (UDN) que se mantinha no poder. Por muito pouco não se

chegou a um resultado oposto do desejado. A despeito das frágeis alianças políticas

estabelecidas entre o PRP e a UDN, o discurso de Salgado foi recebido pela base udenista

como uma “simples e má conduzida licença poética” 10

. Com exceção da figura de Carlos

Lacerda, e a pena arguta de Amaral Neto, eternos adversários do Integralismo, a bancada

udenista não se agitou com a acusação desferida por Salgado. “Risível - diziam os udenistas

- é segurar uma galinha nos braços!”. Daí terem respondido às acusações com uma frase de

impacto subjacente: “Aquilo do que foi falado pelo líder dos galinhas verdes, foi tão

somente uma fraseologia megalomaníaca inofensiva, uma licença poética!. Nada daquilo

de fato nos chega! ” .11

As respostas às acusações dos grandes jornais forneceram o tema para uma

campanha de supervalorização do espectro integralista. Apresentando seus opositores

políticos com feições animalescas ou imbecilizadas, como, por exemplo quando Carlos

Lacerda aparece como um animal esfomeado, em face da galinha verde (?) que estaria

sendo servida pelo presidente JK, grande parte das caricaturas apresentadas neste período

serão alimentadas pelos entraves e conluios políticos que o xadrez partidário organizavam

em finais dos 50 e princípio dos 60. Assim, como reação já esperada, da mesma forma que

a imprensa posicionou-se contrariamente ao reaparecimento da mística e simbologia

integralistas, a mídia impressa integralista destinou um significativo espaço para a

propaganda de sua doutrinação e vendagem de seus produtos, sua marca, seu traço, que se

especializou em desqualificar seu oponente político, a partir do escárnio.

9 A Marcha, 9/12/1957. p.7.

10 ‘Nada daquilo de fato nos chega!’. Jornal do Brasil, 13 de outubro de 1957.

11 Idem.

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O fato das caricaturas serem apresentadas, via de regra, diferenciando os

integralistas dos demais personagens contidos na cena, seja pelo tamanho, o traço

ou o superdimensionamento das características dos antagonistas atesta a formal

preocupação de incutir uma mensagem clara de distinção entre os personagens integralistas

e seus opositores. Nesse sentido, os próceres integralistas sempre eram enquadrados como

personagens que diante das situações apontadas, saiam-se sempre vitoriosos, engrandecidos

e fortalecidos.

As características do contexto histórico em foco (finais dos anos 1950 e princípios

da década de 1960) geraram um momento especial para a produção caricatural,

diferenciado de outros tempos. (Motta, 2006:10) Este texto sugere algumas iniciais

discussões sobre as caricaturas de personagens políticos que no período mencionado

produziram uma auto imagem que objetivava edulcorar suas façanhas e trajetórias. Este

controvertido grupo que se auto identificava como “o grupo do eterno retorno”, buscaram

em quase sua totalidade transmitir uma visão positiva de Plínio Salgado e dos integralistas,

fustigando figuras ideológica e partidariamente dissidentes.

O integralismo desde sua criação nos anos 1930 dispunha de uma eficiente e

complexa rede de comunicação. A utilização de caricaturas como forma de comunicar

mais diretamente, sem se comprometer com as palavras, mas com as imagens passa a ser

uma estratégia que articula a linha editorial do jornal com as pretensões políticas do

integralismo do pós-guerra.

Exemplo significativo é a charge ao

lado: Plínio Salgado, no seu retorno à Câmara

dos Deputados, em meados dos anos sessenta,

tenta discursar, ao mesmo tempo em que os

demais se digladiam no plenário. Lá se

encontram: Carlos Lacerda, caracterizado

como

Figura Figura Figura Figura 2222 –––– Uma das caricaturas da serie: Uma das caricaturas da serie: Uma das caricaturas da serie: Uma das caricaturas da serie: Retratos Retratos Retratos Retratos da Câmara.da Câmara.da Câmara.da Câmara. A Marcha, 04/03/1954. p.5.A Marcha, 04/03/1954. p.5.A Marcha, 04/03/1954. p.5.A Marcha, 04/03/1954. p.5.

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uma figura vampiresca, Tenório Cavalcante: o homem da capa preta, e sua metralhadora,

Lurdinha, e as figuras truculentas dos representantes do PST, PTB, PL, PDC, PTN, PCB.

Com a legenda: “Fala às moscas”, a charge busca demonstrar que no plenário ninguém era

ouvido, e apenas se engalfinhavam em busca dos dividendos políticos. Este tipo de

caricatura, sinalizando Salgado como uma figura centrada que busca apenas trabalhar, ao

passo que os demais são sempre indolentes, irracionais e pouco atraídos pelo trabalho,

marcou uma série de charges publicadas ao longo das décadas de 1950 e 60.

Embora a arte da caricatura favoreça a crítica, não à exaltação, as caricaturas

selecionadas pendulam entre um campo e outro: ora como detratoras dos inimigos dos

integralistas ora como modelos de autopropaganda de suas atividades públicas. Nesse

sentido a caricatura destaca a idiossincrasia de uma imagem cara ao movimento

integralista: ao colocar o chefe integralista impassível na “tribuna dos representantes do

povo” os caricaturistas trabalham situações tensas e dramáticas, no caso, universais, em

termos de luta pelo poder político, e ao mesmo tempo, cômicas porque as remete ao modus

politicus integralistas, visto por muitos como anacrônico.

Intrinsecamente ligado à mente humana, o cômico tem surgido sempre associado ao

social. A matéria cômica presta-se a uma dupla interpretação e, por essa razão, produz no

espírito humano uma dupla impressão: de lógica e, simultaneamente, de absurdo. O riso é o

resultado da nossa aceitação de duas ideias ou situações aparentemente irreconciliáveis. O

cômico visa normalmente a solução de uma tensão através do riso. Por outro lado, não tem

apenas um caráter lúdico associado ao prazer, pois aparece muito freqüentemente no texto

literário e ou imagético associado a uma função didática, cumprindo a célebre máxima

latina apropriada por Salgado: “Ridendo castigat mores”.

Trata-se da convicção de que as expressões visuais (no caso, a caricatura) possuem

notável poder de comunicação, alcançando efeito superior ao do discurso verbal. Daí o

aforismo uma imagem vale mais que mil palavras. Nesse sentido, também é verdadeira a

idéia de que o surgimento do desenho de humor permitiu maior aproximação das classes

subalternas em relação à política, tornando os assuntos políticos mais próximos do universo

da compreensão do povo.

O fundamento do elemento cômico e da crítica política satírica reside na relação

hiperbólica de características efetivamente presentes nas personagens retratadas. Há as

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distorções do real para hiper valorizar ou super enfatizar algo, ou partes de um discurso. O

mesmo se dá em relação às cargas de natureza política. As caricaturas fizeram parte do

debate político e ajudaram a disseminar imagens correntes sobre os temas em disputa,

notadamente representações dedicadas aos atores políticos principais, como foi o caso de

Plínio Salgado nos jornais de proselitismo integralista.

Nesse sentido, utilizar caricaturas como fonte implica um duplo desafio para o

pesquisador: interpretar as imagens sem cair no óbvio e referir-se a peças de humor sem

tirar-lhes o efeito cômico, ou seja, nada mais sem graça que explicar uma piada “(...) por

isso, o mais importante com relação ao discurso caricatural é que este reside no fato de este

tipo de iconografia mobilizar o humor como estratégia de comunicação e crítica política

(...) assim a caricatura , diz, na essência, o mesmo que o discurso verbal. Mas o faz de outra

maneira”. (Mota, 2006:27)

Como afirma Umberto Eco, por meio de um de seus personagens: “o riso é o

incentivo à dúvida”. (Eco, 1994: 67) Dúvida sobre alguém, sobre algo ou sobre um tema,

fazendo-se assim necessário perceber um intruso, antes oculto, no terreno do cômico: o

trágico. Toda forma de comicidade abriga um ingrediente trágico. Longe de pensar no

trágico e toda problemática que o cerca, este estudo percebe-o no âmbito da comicidade e

do risível.

As caricaturas de integralistas de meados dos anos 1940 e mesmo dos finais dos

anos 1950, (sobretudo, de seu feche, Plínio Salgado) seriam recebidas pelo contingente

militante como uma forma abrandada de atenuar suas “qualidades”. Já seus opositores,

parafraseando a famosa máxima de Marx assumiam que em todos os casos os integralistas

apareciam nas caricaturas, ora como farsa deles próprios, ora como uma tragédia de

representação política. Entre o acolhimento de algumas personagens e a rejeição de outras o

humor colocando personagens políticos em situações críticas apresenta a realização de

desejos sociais que abrem importantes espaços para a reflexa de uma historicidade. (Silva,

2008: 5)

Por meio de situações dessa natureza o humor visual revela sua face de poder diante

de outros poderes, participando do processo de disseminação das vozes possíveis numa

sociedade com grande capacidade de mobilizar aliados em suas tramas. Vejamos, a seguir

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qual foi a fonte dessas caricaturas, ou seja, o que foi o integralismo e qual sua força

política no período estudado.

Olhando para fora...

Para além da conjuntura interna do país nas décadas de 1950 e 60, é importante

ressaltarmos que o panorama político mundial nesse período, o qual influiu nas campanhas

eleitorais, nas eleições e, depois, no próprio relacionamento dos partidos e do governo

brasileiro com os demais países. Este panorama acabou se tornando pano de fundo para

muitas das caricaturas publicadas nos jornais integralistas. Na França, o general Charles de

Gaulle havia renunciado em 1956, para voltar dois anos depois, apontado como o único

capaz de resolver os graves problemas do país, envolvido nos conflitos da Argélia. E voltou

impondo severas condições, pedindo poderes especiais e reformulando a constituição. Em

princípios da década de 1960, John Fitzgerard Kennedy tomava posse como 35º presidente

dos Estados Unidos e, do outro lado do oceano, Nikita Krutchev tornava-se o homem forte

da União Soviética. Há menos de dois anos, o jovem advogado Fidel Castro e seus

guerrilheiros de Sierra Maestra haviam tomado o poder em Cuba, depondo o sargento

Fulgêncio Batista e implantando naquela ilha um regime, a princípio socialista, depois

declarado abertamente como comunista, patrocinado pelo governo de Moscou.

Estes e muitos outros acontecimentos políticos de âmbito internacional foram

retratados com o verniz do anticomunismo, próprio do movimento integralista. A

demonização do liberalismo e do comunismo se tornou cada vez mais acentuado, conforme

as disputas geradas pela guerra fria iam se sucedendo. Assim, Krutshev, Castro, Kennedy,

Gaulle dentre outros personagens políticos importantes figuraram como os mais retratados

pela pena de Ala-Mir, o desenhista oficial do jornal A Marcha. Mas, se do ponto de vista

da representação internacional os integralistas focaram suas investidas na contraposição ao

comunismo e a contestação do liberalismo, no âmbito doméstico suas investidas também

não se restringiram ao mundo político, a despeito do mesmo ser foco constante nas

caricaturas publicadas, sobretudo em finais da década de 1950 e princípios da de 1960.

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Finalizando...

Replicar o outro por meio do traço e do grotesco patrocinado pela caricatura acabou

se tornando um modus operandi bastante utilizado pelo integralismo. O recorte de algumas

caricaturas do período pós-guerra, que percorrem as décadas de 1940, 50 e 60 são a mostra

do quanto o riso, o escárnio, e o traço carregado dos integralistas leram o mundo ao seu

redor. Se, é com o riso que se corrigem os costumes, foi com ele que os integralistas

buscaram fortalecer sua posição política.

A história dos dezenove anos do Partido de Representação Popular, embora mais

duradoura que da Ação Integralista Brasileira, conheceu ocaso semelhante. Apesar do

projeto de governo integralista/perrepista ter sido novamente frustrado, após o golpe de

1964, sua aspiração ao poder não desapareceu. Nos anos 60, a chama integralista de

sotaque autoritário foi superada pelas labaredas repressoras do movimento militar. A

despeito de ter cedido seu apoio ao golpe, o PRP foi definitivamente extinto pelo Ato

Institucional n.º 2, a 27 de outubro de 1965, e após a bipartição das tendências políticas,

Plínio Salgado e grande parte dos correligionários do PRP, filiaram-se à ARENA (Ação

Renovadora Nacional). Esta nova guinada à direita seria o mote de novas críticas e

caricaturas, desta vez, veiculadas pelos jornais alternativos de esquerda, veiculados

clandestinamente no período de exceção, temática interessante a ser explorada em outro

artigo.

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Fontes:

A Acção (1938)

A Marcha (1952-1965)

Referências:

ECO, Umberto. Signo. Enciclopédia Einaudi, Imprensa Nacional, Lisboa, 1994.

MOTTA, Rodrigo Patto Sá. Jango e o Golpe de 1964 na caricatura. Rio de Janeiro, Zahar, 2006. SILVA, Marcos. A caricatura como pensamento. A Carlota de Carla. In: O olho da história. 10/04/2008.

Disponível em: http://oolhodahistoria.org/artigos/IMAGENS-caricatura-carlota-carla-marcos-

silva.pdf