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Do novo ao velho: sem edição, nem cortes “T em gente que não quer aparecer na capa da revista com ruga por- que envelhecer é uma merda”. Motivadas pela frase polêmica do editor de fotografia da Agên- cia Istoé, Juca Rodrigues, em en- trevista sobre os limites do uso do programa de edição Photoshop, fomos atrás da opinião de pes- soas comuns para saber se é isso mesmo: envelhecer é mesmo uma “merda”? No dia do aniversário da cidade de São Paulo, decidi- mos ir ao Parque Villa Lobos, na região oeste da capital, e conver- sar com cidadãos de todas as ida- des sobre o tema. A sinceridade de alguns e o lugar comum citado por outros revelam um pouco de como envelhecer ainda é um as- sunto “tabu” em nossa sociedade. “As pessoas não comprariam” “Você olha uma Playboy, vê aque- la moça nua, tudo lindo. Você vai conhecer a pessoa e pensa ‘mi- nha mulher em casa dá de dez a zero, é tudo ilusão’. Mas é o que vende, né?”. A frase é de Ramiro Martins Neto, 38 anos, empresário. A opinião de Rami- ro é semelhante à de grande parte de nossos entrevista- dos. A maioria deles acredita que a era do Photoshop con- tinua simplesmente porque há deman- da do público. Tanto é que a frase mais repetida nas entrevistas foi “as pessoas não comprariam”. O in- teressante é que quase todas as pessoas também se colocam con- tra o uso de Photoshop nas ima- gens. Fica a dúvida: afinal, quem é o “público” que não compraria? Quem são “as pessoas” citadas? De acordo com a Sueli Damer- gian, professora do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (USP), o uso do plural gené- rico é uma forma de não assumir uma posição. “A coisa mais fácil do mundo é tornar tudo anônimo, ninguém assume que compraria. Quando você gene- raliza e parte para o anonimato, você torna coisas muito pessoais em verdades absolutas”, aponta. A nutricionista Silvia P. Santos, 28 anos, nos deu um depoimento particularmente re- velador, nesse sentido. “Como pessoa, eu não gostaria de ter Photoshop se fosse sair na capa de uma revista. Porém, se a gente for pensar pelo lado empresarial e do marketing, as pessoas não com- prariam se vissem a verdade”, afir- ma. Uma nítida repetição do dis- Por Carolina Vellei e Carolina Vilaverde Você olha uma Playboy, tudo lindo. Você vai conhecer a pes- soa e pensa ‘é tudo ilusão’. Carolina Vellei

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reportagem jornalismo 2013

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  • Do novo ao velho: sem edio, nem cortes

    Tem gente que no quer aparecer na capa da revista com ruga por-que envelhecer uma merda. Motivadas pela frase polmica do editor de fotografia da Agn-cia Isto, Juca Rodrigues, em en-trevista sobre os limites do uso do programa de edio Photoshop, fomos atrs da opinio de pes-soas comuns para saber se isso mesmo: envelhecer mesmo uma merda? No dia do aniversrio da cidade de So Paulo, decidi-mos ir ao Parque Villa Lobos, na regio oeste da capital, e conver-sar com cidados de todas as ida-des sobre o tema. A sinceridade de alguns e o lugar comum citado por outros revelam um pouco de como envelhecer ainda um as-sunto tabu em nossa sociedade.

    As pessoas no comprariam

    Voc olha uma Playboy, v aque-la moa nua, tudo lindo. Voc vai conhecer a pessoa e pensa mi-nha mulher em casa d de dez a zero, tudo iluso. Mas o que vende, n?. A frase de Ramiro Martins Neto, 38 anos, empresrio. A opinio de Rami-ro semelhante de grande parte de nossos entrevista-dos. A maioria deles acredita que a era do Photoshop con-tinua simplesmente porque h deman-da do pblico. Tanto que a frase mais repetida nas entrevistas foi as pessoas no comprariam. O in-teressante que quase todas as pessoas tambm se colocam con-tra o uso de Photoshop nas ima-gens. Fica a dvida: afinal, quem o pblico que no compraria?

    Quem so as pessoas citadas? De acordo com a Sueli Damer-gian, professora do Instituto de Psicologia da Universidade de So Paulo (USP), o uso do plural gen-rico uma forma de no assumir uma posio. A coisa mais fcil do mundo tornar tudo annimo, ningum assume que compraria.

    Quando voc gene-raliza e parte para o anonimato, voc torna coisas muito pessoais em verdades absolutas, aponta. A nutricionista Silvia P. Santos, 28 anos, nos deu um depoimento particularmente re-velador, nesse sentido.

    Como pessoa, eu no gostaria de ter Photoshop se fosse sair na capa de uma revista. Porm, se a gente for pensar pelo lado empresarial e do marketing, as pessoas no com-prariam se vissem a verdade, afir-ma. Uma ntida repetio do dis-

    Por Carolina Vellei e Carolina Vilaverde

    Voc olha uma Playboy, tudo lindo. Voc vai conhecer a pes-soa e pensa tudo iluso.

    Carolina Vellei

  • curso do fotgrafo Juca Rodrigues, aquele que motivou a nossa re-portagem. Mas o que leva as pes-soas a reproduzirem esse discurso?

    Para artista necessrio

    Talvez a expli-cao esteja no culto exacerba-do da perfeio esttica e do mito do artista em nossa socie-dade. Ao longo de nossas conver-sas, pudemos notar uma cons-tante supervalorizao da figura do artista, colocado muitas vezes como algum que deve ter pa-dres de comportamento diferen-ciados dos das pessoas comuns. As pessoas idealizam o artista e a sua personalidade, como se ele fosse algum supra humano e que, portanto, no vai ter pro-blemas e nem envelhecer, explica a psicloga Sueli. Para ela, essa cultura cultivada pela prpria mdia, que valoriza o superficial. Para a aposentada L.M.O. (ela pediu para ser identificada ape-nas com as iniciais de seu nome), normal, por exemplo, no ter problemas com o envelhecimento quando no se algum famo-so. O difcil seria assumir o enve-lhecimento quando se trabalha vendendo a prpria imagem. Voc no vai abrir uma revista e ver uma mulher feia l. Nem

    assistir televiso e ver uma nove-la com um monte de velha, diz. Segundo a professora, o grande problema que, nessa cultura da superficialidade, quem tem outra historia de vida considerado des-

    cartvel. Quem superficial no d valor ao que profundo, trajetria, ao que ter doado tudo de si para

    aqueles que so prximos, afir-ma. Em nossa conversa, a nutri-cionista Silvia tambm tentou dar uma resposta para esse culto imagem do artista. O ser humano gosta das coisas perfeitas. Apesar

    de ns no sermos, no ?, disse.

    Curso de um rio

    Assim como um rio, que percorre seu curso com as guas seguindo em apenas uma direo e sem volta, o tempo tambm um processo natural que no escapa a ningum. O ser humano est su-jeito ao envelhecimento e ao ciclo da vida - nascer, crescer, morrer. Questionadas a respeito desse pro-cesso, as pessoas se demonstraram bastantes compreensveis sobre a necessidade de se encarar o fato com naturalidade. Cada pessoa deve cuidar para que seu enve-lhecimento seja o melhor possvel, seno ele ser ruim e vai dar mais dor de cabea do que prazer, contou o jornalista Guilherme Fuo-co, 22 anos, sobre a importncia de se manter uma vida saudvel. Pela passagem do tempo ser um processo natural, a assessora de fundos de investimento Marilena di Stefano, 55 anos, contra ci-rurgias plsticas. Principalmente por motivos estticos. Voc deve aceitar a condio que o teu corpo fica, isso no padro de beleza, afirma. E justifica seu pensamento, enumerando como os padres de esttica da sociedade se alteram, dependendo da moda do mo-mento. H um tempo o critrio era a mulher ser gorda, tanto que

    Na ordem: a nutricionista Silvia e suas duas amigas, Fernanda e rica

    Ramiro gosta de aproveitar a idade em passeios com a famlia por SP

    O ser humano gosta das coisas perfeitas, apesar de ns no sermos, no ?

    Caro

    lina V

    ilave

    rde

    Caro

    lina V

    ilave

    rde

  • a Monalisa era gorda. Agora ser muito magra. Daqui a pouco eles inventaro outra moda e o pessoal vai atrs. Sobre plsticas, Antonio nos d o exemplo da apresenta-dora de televiso, Hebe Camar-go, famosa por ter feito muitas cirurgias estticas. Ela uma ex-celente artista, mas quer disfarar e ser moa, mas ela no moa. Hebe, faz favor. A senhora idosa, caia na realidade, no d mais no!, completa entre risos.

    Deus fez assim

    Se no fosse para no ter [rugas], Deus j teria feito a mquina para ser perfeita, sempre lisinha, com tudo retinho e durinho. Essa a ideia do empresrio Ramiro e a da maioria das pessoas que entre-vistamos. Sueli explica que essa ideia comum da sociedade, de ter um sentimento religioso maior. As pessoas tomam como princpio a criao divina: voc deve aceitar aquilo que , comenta a psic-loga. E isso pode ser percebido na fala de Antonio, que nos comenta sobre a tentativa de manipulao

    Antonio pratica sempre exerccios no parque

    do ser humano sobre sua imagem. Se Deus me deu essa plstica, porque eu vou mudar? A pes-soa precisa enfrentar a realidade. Eu quero ver mudar a alma, que o mais difcil. Para ele, o homem no consegue transformar seu carter, nem sua essncia. E essa no a opinio ape-nas dos mais velhos. A nutricionista Slvia con-sidera que envelhecer a perfeio de Deus. Para ela, o fato de os anos passarem permite que as pessoas adqui-ram mais experincias e possam transmitir o que aprenderam aos mais jo-vens. Precisa existir essa linha de vida, completa.

    Maturidade e saber

    Sobre a questo dos saberes, todos concordam que a experincia s adquirida com o passar da ida-de e que esse um ponto positivo do envelhecimento. Sueli explica que quem produz as ideias so os mais maduros e exemplifica: Se o [Carlos] Drummond estivesse vivo, seria execrado por ser de mais idade? Experincia s se adquire com o tempo. Para a psicloga,

    o fato de muitos no darem valor ao amadurecimento devido ao hbito de o brasileiro no valorizar o papel social do idoso. Diferen-te dessas pessoas, Silvia valoriza a transmisso de conhecimentos aos mais novos. gostoso voc po-der sentar com uma pessoa que mais velha e ela contar histrias, falar das experincias. Tudo isso gratificante. E hoje a tendncia essa: seguir cada vez mais os cen-tenrios da vida, explica entre risos. E se depender de Antonio, do alto de seus 90 anos, a tendn-cia dos centenrios cada vez mais presentes se concretizar. Sou um menino ainda!, comenta o en-genheiro que costuma fazer ca-minhadas no parque Villa-Lobos e manter uma rotina de exerc-cios e de alimentao saudveis. Os jovens que tem preconceito e discriminao no imaginam que estaro l, explica Sueli. Os anos passaro e com eles surgir um organismo mais frgil e passvel a mais problemas de sade. Porm, segundo a psicloga, isso vai de-pender do valor que a pessoa d vida. Aqueles que tiverem hbitos saudveis, como conta a Sueli, tero o processo de maturidade do corpo e da mente ser muito melhor do que para os jovens que consideram que envelhecer uma merda, ignorando a iminncia do futuro.

    Guilherme acha importante aproveitar a vida ao lado da filha Laura

    Caro

    lina V

    ilave

    rde

    Caro

    lina V

    ilave

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