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Diogo Barroso Relatório de Estágio Tradução e Legendagem Cinemágica, Lda. Relatório de estágio realizado no âmbito do Mestrado em Tradução e Serviços Linguísticos, orientado pela Professora Doutora Elena Galvão

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Diogo Barroso

Relatório de Estágio

Tradução e Legendagem

Cinemágica, Lda.

Relatório de estágio realizado no âmbito do Mestrado em Tradução e

Serviços Linguísticos, orientado pela Professora Doutora Elena Galvão

Faculdade de Letras da Universidade do Porto

Setembro de 2016

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AGRADECIMENTOS

Desejo agradecer agradecer a Beni Castañeira por ter possibilitado a realização do

estágio na Cinemágica e a todos que ali trabalham pela disponibilidade manifestada.

Quero agradecer em particular à minha orientadora na empresa, Elisabete Pinto, por

todo o apoio, paciência e esclarecimentos dados em todas as fases do trabalho.

À Professora Doutora Elena Galvão pela orientação, pelos conselhos e disponibilidade

em todo o processo de elaboração do relatório.

E, por fim, aos meus pais pelo seu apoio incondicional em todas as fases do meu

percurso académico e profissional.

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Resumo

O presente relatório tem o objetivo de expor o trabalho realizado durante o estágio de

quatro meses, entre Fevereiro e Maio de 2016, na empresa Cinemágica, Lda., no âmbito

do Mestrado em Tradução e Serviços Linguísticos da Faculdade de Letras da

Universidade do Porto.

As secções iniciais incluem uma descrição da composição e do funcionamento da

empresa, bem como os moldes de realização do estágio, incluindo as motivações e

experiência profissional prévia relevante que me levaram a optar pela área de tradução e

legendagem.

Nos pontos seguintes, introduz-se uma visão geral sobre a Tradução Audiovisual

(TAV), os seus contornos específicos em Portugal e apresentam-se os resultados de um

inquérito efetuado durante o estágio a profissionais na área de tradução e legendagem,

com vista a ter uma perspetiva mais esclarecida e fundamentada acerca de algumas

questões que me surgiram durante a realização do estágio e me pareceram ser

pertinentes para poder entender melhor a realidade profissional em que este se insere.

Os capítulos posteriores relacionam-se com um enquadramento teórico do trabalho

realizado no estágio, no âmbito da matéria abordada no Mestrado em Tradução e

Serviços Linguísticos, e com a explicação de parâmetros técnicos de legendagem e

estratégias de redução de texto para se atingir um nível ideal de desempenho.

Por fim, os últimos capítulos relacionam-se com os resultados concretos da componente

prática do estágio, nomeadamente o desenvolvimento de competências técnicas, análise

do software utilizado, metodologia empregue e uma análise extensiva e detalhada de

casos práticos que ilustrem toda a matéria explicitada até este ponto do relatório e

demonstrem vários tipos de desafios que apelam à criatividade e ponderação de diversos

fatores por parte do tradutor nas suas decisões.

Palavras-chave: Estágio, Tradução Audiovisual, Legendagem

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Abstract

This report aims to present the work carried out during a four-month internship,

between February and May of 2016, at Cinemágica, Lda., as part of the Master’s in

Translation and Language Services of the Faculty of Arts of the University of Porto.

The first sections include a description of the company’s structure and operation, as well

as some basic information about the internship, including the main reasons and previous

professional experience that led me to choose the field of translation and subtitling.

The following sections provide an overview of Audiovisual Translation (AVT),

detailing its specific reality in Portugal, and an analysis of the results of a survey

addressed to professional translators and subtitlers. This was carried out with the

purpose of obtaining a clearer and more grounded perspective on some of the issues that

emerged during the internship and that were considered relevant in order to better

understand the professional context of this field.

The following chapters discuss the theoretical approach to the work performed during

the internship and describe the technical specifications of subtitling and text reduction

strategies to achieve an optimal level of quality in AVT.

Finally, the last chapters are devoted to the concrete results of the internship’s practical

component, namely the development of technical skills, software analysis, methodology

and provide an extensive and detailed analysis of practical cases which illustrate all the

subjects addressed in the report and demonstrate various types of challenges appealing

to the translator’s creativity and ability to consider several fators simultaneously.

Keywords: Internship, Audiovisual Translation, Subtitling

ÍNDICE

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1. Introdução......................................................................................................................7

2. A Empresa – Cinemágica, Lda. ....................................................................................8

3. Estágio.........................................................................................................................10

4. A Tradução Audiovisual: Panorâmica Geral...............................................................12

4.1 Tradução e Legendagem em Portugal..................................................................13

5. Inquérito Sobre o Panorama Atual da Tradução e Legendagem em Portugal...........16

6. Considerações e Enquadramento Teórico da Tradução e Legendagem.....................21

7. Qualidade nas Legendas..............................................................................................25

7.1 Limitações e Configuração das Legendas............................................................26

7.2 Critérios na Segmentação das Legendas..............................................................28

7.3 Estratégias de Redução de Texto.........................................................................30

8. Aprendizagem e Desenvolvimento de Competências Durante o Estágio..................32

8.1 Software de Legendagem.....................................................................................34

8.1.1 Software Gratuito – Aegisub........................................................................36

8.2 Metodologia.........................................................................................................39

9. Análise de Casos Práticos de Tradução e Legendagem..............................................42

9.1 Estratégias de Redução de Texto.........................................................................44

9.1.1 Velocidade do Discurso...............................................................................54

9.1.2 Divisões nas Legendas.................................................................................56

9.2 Dificuldades Tradutivas Linguísticas e Culturais................................................58

9.2.1 Dificuldades Linguísticas.............................................................................58

9.2.2 Dificuldades Culturais..................................................................................64

10. Conclusão..................................................................................................................73

11. Bibliografia................................................................................................................75

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1. Introdução

A formação superior na área da tradução é extremamente diversificada em termos de

aplicação prática e saídas profissionais. O Mestrado em Tradução e Serviços

Linguísticos permitiu-me analisar o ofício da tradução em variados cenários

profissionais, abordando problemáticas diferentes, sob perspetivas teóricas diferentes, e

aplicando várias soluções práticas “devidamente” sustentadas. A palavra “devidamente”

entre aspas sugere precisamente esse processo evolutivo e orientado de aprendizagem

que contribuiu para a aquisição de inúmeros conhecimentos teóricos e práticos nas

diversas ramificações que a tradução pode assumir, nomeadamente nos casos da

tradução literária, jurídica, financeira, técnica, da interpretação ou da legendagem, entre

muitas outras. O estágio que serve de base a este relatório serviu para complementar

todo o processo desenvolvido no mestrado, focando-se então numa área muito

específica, neste caso a da tradução e legendagem.

O estágio durou cerca de 4 meses, decorreu entre Fevereiro e Maio de 2016, na empresa

Cinemágica Lda., sedeada em Gaia, e consistiu na tradução e legendagem de várias

séries a serem emitidas na televisão, num processo contínuo de evolução para o qual a

orientação da minha orientadora na empresa, Elisabete Santos, que efetuou a revisão de

todos os meus trabalhos, foi fundamental no sentido de definir as melhores

metodologias e critérios para se obter a qualidade final exigida.

Desta forma, será possível observar neste relatório conteúdos muito relevantes acerca de

um processo de desenvolvimento de competências nesta área específica, com todas as

considerações que me parecem ser pertinentes, na maioria acerca do trabalho em si, mas

também abordando a contextualização do estágio e o enquadramento do ofício de

tradutor-legendador em Portugal.

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2. A Empresa – Cinemágica, Lda.

A Cinemágica é uma empresa que atua na área dos audiovisuais, prestando serviços de

tradução e legendagem, bem como serviços de gravação e pós-produção áudio, sendo

que estes últimos estão associados às componentes das dobragens, locuções e

publicidade.

A empresa é sedeada em Gaia, localizada no parque empresarial do Candal, e foi

fundada em 1997. Inicialmente lançou-se na área das dobragens, locuções e gravações

de spots e, em 2007, expandiu-se também para a área da tradução e legendagem,

trabalhando atualmente com um grupo consistente e alargado de clientes nacionais e

internacionais.

As instalações dividem-se essencialmente em duas partes diferentes, sendo que uma é

composta por dois estúdios de gravação e produção áudio, a que estão associados os

operacionais de dobragens e locução, e a outra é composta por quatro gabinetes de

tradução e legendagem, pelos quais é distribuído criteriosamente todo o fluxo de

trabalho e as tarefas distintas associadas a esta área. Existem, portanto, duas gerências

operacionais em separado na empresa, sendo que o relatório se debruçará

exclusivamente sobre a tradução e legendagem, que é a área respeitante ao meu estágio

em particular.

O sistema da empresa consiste basicamente em duas equipas com funções e regimes de

trabalho diferentes. Existe uma equipa interna composta por um diretor de dobragem,

que revê e adapta traduções para sincronização, e três elementos que fazem supervisão

de conteúdos (tradução e legendagem) dos programas ou séries televisivas, antes destas

serem remetidas aos clientes. Esta equipa trabalha em regime contínuo e com horário

fixo nas instalações. Existe depois uma equipa externa de cerca de dez profissionais

independentes que efetuam a tradução e legendagem, trabalhando nas instalações ou em

regime externo conforme for necessário, sendo que estes elementos têm forçosamente

de dispôr de material e software próprio para haver uma maior disponibilidade e

capacidade de resposta ao volume de trabalho exigido.

Em relação aos procedimentos da empresa, de uma forma geral, esta começa por

receber o material diretamente dos seus clientes (vídeo, áudio, guiões), sendo este

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posteriormente distribuído pelos tradutores de forma criteriosa, atendendo à experiência

de cada um com determinados temas, tipo de linguagem, disponibilidade e continuidade

do trabalho com séries ou clientes específicos. Os tradutores efetuam o trabalho de

tradução e legendagem e enviam-no para a empresa, sendo este depois supervisionado

pela equipa fixa nas instalações. Após todos os conteúdos terem sido devidamente

aprovados, estes serão então remetidos aos clientes. Em todo este processo, a

Cinemágica tem um elevado nível de exigência e seriedade, sendo muito profissional na

verificação de todas as normas, como o cumprimento das especificações de legendagem

(tempos de duração e intervalos das legendas, segmentação, velocidade de leitura,

itálicos, oráculos, etc.), o tipo de linguagem utilizada, ortografia, pontuação,

sincronização, adequação das opções tradutivas e consideração de todos os fatores

pragmáticos.

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3. Estágio

As razões para a realização de um estágio em tradução e legendagem na Cinemágica

devem-se ao facto de ter alguma experiência profissional prévia na área e na empresa

em questão, bem como noções adjacentes ao ofício que passarei a explicar, e também à

possibilidade de desenvolver o trabalho num regime de horário flexível. Por norma, a

Cinemágica não costuma ter trabalhadores em regime de estágio, mas a empresa tinha-

me contactado em 2015 manifestando interesse nessa possibilidade, uma vez que tinham

conhecimento de que estava a realizar um mestrado na FLUP e, na altura, afirmaram ter

disponibilidade e volume de trabalho para aceitar estagiários.

O meu primeiro contacto profissional com a empresa remonta a 2007. Após resposta a

um anúncio num site de emprego que procurava tradutores freelancer de Inglês -

Português para efeitos de legendagem, foi-me agendada uma entrevista nas instalações

da empresa e consequentemente comecei a trabalhar com a Cinemágica. Esta

colaboração decorreu no período entre 2007 e 2010, durante o qual trabalhei apenas

como tradutor, ou seja, sem efetuar a parte da legendagem, que era feita pela equipa

interna da empresa. No entanto, o meu trabalho de tradução era obviamente

condicionado pela sua finalidade, que seria a sua utilização em legendas. Tive formação

e acompanhamento em relação aos parâmetros de legendagem praticados pela empresa,

como o limite de caracteres, a forma de segmentar as legendas e a estética destas no

ecrã, a sincronização entre discurso oral e escrito, as técnicas de omissão e condensação,

enfim, toda uma série de fatores absolutamente essenciais na elaboração e formatação

do texto de chegada que irei abordar neste relatório.

Outros fatores que me permitiram trabalhar para a Cinemágica no período que acabei de

referir, e que também motivaram a escolha deste estágio, foram o facto de já trabalhar

na altura como tradutor independente e o de também ter trabalhado como operador de

supra-legendagem no Teatro Nacional São João, no período entre 2003 e 2004. Esta

última ocupação foi de natureza pontual, ou seja, após a realização de alguns testes, fui

chamado pontualmente para a aplicação de legendas em direto em festivais de teatro ou

alguma exibição em particular. Nos festivais, as peças exibidas eram em várias línguas

europeias, como polaco, espanhol ou alemão, entre outras, sendo que a minha função

consistia em aplicar legendas predefinidas em português com a temporização adequada,

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independentemente de perceber a língua de partida, premindo simplesmente a tecla

“espaço” de um computador durante a visualização da peça. Quando digo

“simplesmente” é assumindo que não haveria erros durante a colocação de legendas, o

que nem sempre era o caso, havendo no entanto formas de os corrigir rapidamente. O

fator relevante foi ter a oportunidade de adquirir noções sobre a temporização na

aplicação de legendas, ainda que num contexto de características muito próprias, o que

me foi útil posteriormente.

Outro fator que me parece relevante no âmbito deste estágio foi o de ter obtido um

certificado profissional de argumentista para audiovisuais na Restart, “Escola de

criatividade e novas tecnologias”, em Lisboa, entre 2006 e 2007, que me permitiu

explorar e adquirir conhecimentos acerca da escrita para imagem em variadas vertentes,

nomeadamente para ficção, documentário, publicidade ou animação, entre outras. O

contacto com estas várias formas de expressão escrita e os seus formatos acabou por me

dar alguma familiaridade e conmhecimentos importantes na análise dos textos de

partida, os guiões, e na forma de tentar manter algumas nuances expressivas no seu

processo de tradução e legendagem.

Quando optei pelo estágio na Cinemágica, todos os elementos mencionados acima

foram decisivos na minha motivação e a empresa já antes havia manifestado interesse

na hipótese de receber estagiários da FLUP. A flexibilidade de horários e o

conhecimento dos procedimentos da empresa também foram preponderantes na minha

opção. De facto, a única possibilidade de realizar este mestrado foi em regime parcial ao

longo de três anos, devido a compromissos profissionais que se mantiveram durante a

realização deste estágio.

No entanto, convém referir que o trabalho desenvolvido ao longo do estágio na

Cinemágica tem elementos e processos muito distintos em relação à minha primeira

experiência na empresa. Um elemento essencial que irei analisar em detalhe mais

adiante é o facto de a empresa agora aceitar apenas colaboradores que assumam as

funções de tradutores e legendadores em simultâneo, o que antes não sucedia, mas que,

hoje em dia, corresponde à realidade profissional na área. Outro fator fundamental e

diferenciador foi o de desenvolver o meu trabalho com um olhar crítico adquirido ao

longo do mestrado, que procurarei expor neste relatório.

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4. A tradução audiovisual (TAV): panorâmica geral

Hoje em dia, o recurso à tradução audiovisual (TAV) é generalizado e tem vindo a

aumentar, sendo o reflexo de uma sociedade fortemente mediatizada e globalizada, o

que se traduz também num enorme crescimento do consumo de produtos audiovisuais,

que são disponibilizados de forma cada vez mais imediata, através de meios e

plataformas cada vez mais diversificados. Estamos constantemente rodeados de ecrãs

que transmitem informação variada, com propósitos diversos. Quando pretendemos

aceder a informação que é transmitida através de um meio audiovisual, numa língua que

seja diferente da nossa e que não dominamos, vemo-nos obrigados a recorrer à tradução

audiovisual.

Como o próprio nome indica, a tradução audiovisual abrange todas as formas de

tradução que se baseiam num “texto” de partida sustentado por meios visuais e/ou

sonoros. Na sua introdução ao volume Topics in Audiovisual Translation, Pilar Orero

(Orero, 2004: viii) define o conceito de TAV como abrangendo

all translations — or multisemiotic transfer — for production or postproduction in

any media or format, and also the new areas of media accessibility: subtitling for the

deaf and the hard of hearing and audiodescription for the blind and the visually

impaired.

Existem várias formas de tradução audiovisual, como a dobragem, a legendagem, o

voice-over ou a interpretação simultânea, entre outras, sendo que o elemento

preponderante nesta categoria é a noção de “transferência multissemiótica”, uma vez

que cada uma destas formas de tradução combina canais visuais e sonoros, verbais e

não-verbais, de forma diferente, estabelecendo situações comunicativas com

condicionantes muito específicas. Para além de ter de respeitar o texto oral ou escrito de

partida, o tradutor é condicionado por fatores como a imagem e o tempo, uma vez que o

texto oral ou escrito de chegada não pode contradizer a informação visual e tem de estar

sincronizado com o acto linguístico original. No caso da legendagem, sucede uma

mudança de registo, de oral para escrito, o que implica alterações e omissões, devido às

limitações físicas inerentes ao meio usado.

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As particularidades referidas acima são a base de argumentação para os que consideram

a TAV como uma forma de “adaptação”, ou seja, não a colocam no mesmo patamar da

tradução no sentido tradicional. No entanto, a esta visão contrapõe-se uma outra

perspetiva mais dinâmica segundo a qual “translation must be understood from a more

flexible, heterogeneous and less static perspective, one that encompasses a broad set of

empirical realities and acknowledges the ever-changing nature of practice” (Cintas &

Remael, 2014:10). Na verdade, independentemente do termo usado, a realidade é que a

evolução tecnológica constante e os fenómenos de mediatização e globalização

mencionados inicialmente são fatores incontornáveis em algumas formas de tradução

atuais, ainda que estas possam ser consideradas “híbridas”. O que convém não perder de

vista é a noção de que, nas palavras de Cintas (2014: 13), “the key word for successful

audiovisual translation is insight and understanding of the product and its expected

function, combined with desire to learn and willingness to adapt.”

4.1 Tradução e legendagem em Portugal

A realidade da tradução audiovisual em Portugal, tanto a nível de produção como de

consumo, é condicionada por diversos fatores históricos, económicos e técnicos que irei

abordar de forma geral, apenas para enquadrar, em última análise, o tema da tradução e

legendagem em Portugal.

Os dois métodos tradicionais e mais comuns de tradução audiovisual são a dobragem e a

legendagem, sendo que, em Portugal, a grande maioria dos programas importados é

legendada. Em muitos outros países, nomeadamente na Europa (Espanha, Itália,

Alemanha ou França, entre outros), na América Latina e em alguns dos maiores países

da Ásia (China, Índia ou Irão) a dobragem é o principal método usado1. Existem raízes

históricas que explicam parcialmente estas diferenças nos métodos tradicionais usados

em cada país, os quais acabam por ter outras repercussões culturais, nomeadamente a

nível de aptidões linguísticas. A tradução audiovisual começou a ter grande relevância

em finais dos anos 20 e 30, uma época de fortes tendências nacionalistas em vários

países. A dobragem começou por ser associada a esses mesmos países por permitir uma

1 https://en.wikipedia.org/wiki/Dubbing_%28filmmaking%29 (último acesso a 17.07.2016)

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grande manipulação do texto e da informação, sendo ideal para os propósitos de defesa

da língua nacional, evitando a exposição do público a outras línguas, e facilitando a

censura, uma vez que o discurso original é totalmente eliminado (Ivarsson & Carrol,

1998: 10). A legendagem foi limitada ou mesmo proibida nos regimes totalitários,

sendo que Portugal parece ser uma curiosa exceção. Apesar de estar sob um regime

ditatorial, as questões económicas e técnicas parecem ter sido mais fortes do que as

ideológicas. A legendagem foi o método de tradução escolhido por ser mais barato, uma

vez que a dobragem implica mais intervenientes e meios técnicos (Villaslobos, 2003).

Além disso, a componente didática das legendas é um fator muito relevante em países

com uma elevada taxa de analfabetismo, como era o caso de Portugal na altura em que a

legendagem foi introduzida.

De facto, ao longo dos anos, a opção pela legendagem acabou por ter consequências

culturais e linguísticas muito relevantes em Portugal. A tradução de uma língua

estrangeira no ecrã, em meios de acesso às massas como a televisão ou o cinema,

permite que a audiência ganhe familiaridade com ela e haja uma maior perceção e

abertura a outras realidades culturais (Cintas, 2001: 48). Em termos linguísticos, permite

que se desenvolvam aptidões fonéticas em relação a outros idiomas e que se reforce a

alfabetização através da leitura de legendas em português.

Sendo o inglês a principal língua de partida dos produtos audiovisuais importados,

associado ao facto de ser uma língua de aprendizagem obrigatória no ensino básico,

pode-se supor que grande parte dos espectadores em Portugal tenha alguns

conhecimentos da língua de partida. Este facto tem relevância profissional para o

tradutor, uma vez que a legendagem tem a particularidade de tornar a sua presença ou o

seu trabalho “visível” (o que não é ideal no processo de tradução, mas neste caso é uma

condição) pela presença simultânea dos textos de partida e de chegada. Devido a esta

particularidade, Cintas qualifica a legendagem como uma forma de tradução

“vulnerável”, uma vez que “not only must the subtitles respect space and time

constraints, they also must stand up to the scrutiny of an audience that may have some

knowledge of the original language” (2014:57).

O facto de o trabalho de tradução poder ser escrutinado por um público conhecedor do

idioma, no caso do inglês, mas que não está ciente de todas as condicionantes

associadas ao processo de legendagem, resulta no tipo de críticas que se ouvem

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frequentemente em relação à legendagem e que nem sempre são devidas. No entanto, há

inúmeros exemplos de legendagem no mercado atual que pecam na qualidade, seja por

as legendas serem demasiado rápidas (outra crítica frequente) ou não terem um estilo

fluído, por deficiências na semântica ou mesmo erros gramaticais, ou seja, são exemplos

de incompetência ou negligência. O crescimento e a abertura do mercado atual a uma

gama enorme e muito diversificada de canais de televisão e multimédia gerou

naturalmente um aumento da procura de serviços de tradução e legendagem, mas que

nem sempre se traduz num aumento da qualidade dos serviços. A tradução para

legendagem é particularmente exigente e obriga a ter capacidades técnicas e criativas

consistentes, para além de uma boa capacidade de resposta a prazos apertados. No

entanto, este esforço adicional não é reconhecido pelos clientes das empresas de

legendagem. O facto referido anteriormente de haver um conhecimento algo

generalizado da língua inglesa, em maior ou menor grau, e de algumas pessoas

conseguirem mesmo visionar conteúdos em inglês sem recurso a legendas, lança

também a falsa presunção de que a legendagem interlinguística é uma tarefa fácil e

rápida. Como tal, as empresas de legendagem têm lucros muito baixos em Portugal e a

remuneração dos tradutores-legendadores não corresponde de forma alguma ao tempo

necessário ou às competências exigidas para um trabalho de qualidade. O cenário

consequente é o de algumas empresas aceitarem serviços de tradutores para legendagem

sem competências profissionais, e que aceitam remunerações mais baixas, ou de

profissionais qualificados que, sob pressão e na ânsia de rentabilizarem o seu tempo de

trabalho, processam o seu trabalho de forma excessivamente rápida, resultando nos tais

exemplos de negligência e numa qualidade geral inevitavelmente inferior.

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5. Inquérito sobre o panorama atual da tradução e legendagem em Portugal

A minha experiência em tradução e legendagem neste estágio permitiu-me ter uma

noção clara das exigências específicas deste trabalho em termos de habilitações, níveis

de dificuldade, gestão de prazos e da relação entre o tempo de trabalho e a sua

remuneração. Todos estes fatores encontram-se naturalmente relacionados entre si e,

conforme referi acima, no panorama geral da tradução e legendagem, os resultados e as

expectativas profissionais estão longe de ser ideais. Para tentar obter uma visão mais

abrangente e sustentada acerca desta matéria, durante o estágio elaborei um questionário

destinado a profissionais da área que me pudesse talvez esclarecer quanto às razões de

este mercado ser subvalorizado, apesar da elevada e crescente procura que se verifica, e

que me permitisse discernir melhor as vantagens e desvantagens deste ofício. Em suma,

seria uma forma também de enquadrar a experiência do meu estágio no mercado de

trabalho real.

Eis as questões colocadas:

1. Como funciona a indústria da tradução e legendagem em termos de oferta e procura?

2. Quem são os principais clientes para um tradutor-legendador freelancer?

3. Vantagens/desvantagens entre trabalhar como contratado ou freelancer nesta área?

(remuneração, pressão de prazos, volume de trabalho, etc.).

4. Quais as maiores dificuldades dos profissionais nesta área?

5. Qual o método de trabalho preferido? (em termos de ordem das fases do trabalho)

6. Os clientes/empresas pagam mal? Porquê? Como combater isso?

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Convém referir que o questionário não tem um carácter científico, uma vez que não foi

conduzido de forma exaustiva e rigorosa devido a falta de meios e disponibilidade. As

agências de legendagem contactadas não mostraram disponibilidade ou interesse em

colaborar e a própria Cinemágica preferiu não facultar os contactos dos seus

profissionais de legendagem. Ainda assim, tive a oportunidade de entrevistar cinco

profissionais nas instalações da empresa e registar as suas reações às questões colocadas

num contexto informal, obtendo algumas respostas objetivas e considerações diversas

em relação aos temas abordados. O fórum do site para tradutores ProZ.com também

serviu de plataforma para colocar as questões e permitiu-me obter as respostas de outros

cinco tradutores-legendadores.

De uma forma geral, as reações que obtive, associadas a pesquisas em fóruns

internacionais sobre o mesmo tema, permitiram-me tirar algumas ilações relativamente

à evolução recente da indústria nacional que sustenta a tradução e legendagem e

também perceber que, comparando Portugal com o cenário internacional, as tendências

e os problemas parecem ser semelhantes, variando apenas nos valores pagos e nos

métodos utilizados pelas empresas, embora não disponha de dados conclusivos e

alargados para desenvolver esta última matéria.

Considerando o registo informal com que foi efetuado o inquérito e a diversidade e

dispersão das opiniões manifestadas, ainda que reduzidas em número, procurarei

resumir as respostas dadas nos seus pontos essenciais2, focando-me na matéria

relacionada com as perguntas colocadas, pela ordem em que foram apresentadas.

Começando então por analisar a questão da estruturação e funcionamento da indústria,

as respostas dadas apontam para a existência de dois mercados no sector da tradução e

legendagem: o cinema/televisão e os vídeos empresariais. O primeiro está relacionado

com filmes, séries e programas de televisão que são distribuídos mundialmente em

várias línguas. No caso da televisão portuguesa, as traduções são sempre feitas por

agências ou, no caso de alguns canais, principalmente generalistas (RTP, SIC, TVI), são

feitas pelas próprias equipas internas. No caso do cinema, varia entre independentes e

agências, dependendo do distribuidor. Em relação aos vídeos empresariais, estes

provêm sobretudo de empresas subsidiárias que necessitam de subcontratar serviços de

tradução e legendagem para os seus vídeos institucionais, promocionais ou formativos

2 As entrevistas não foram gravadas, o seu conteúdo foi registado em apontamentos; as respostas no fórum do ProZ.com podem ser consultadas na íntegra no anexo 2.

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para uso local. Nestes casos, raramente é disponibilizado um guião, fazendo-se a

tradução e legendagem diretamente a partir do vídeo, e é exigida a máxima qualidade.

No caso do cinema/televisão é sempre (ou quase sempre) disponibilizado um guião, mas

há variações na metodologia de tradução e legendagem, as quais irei abordar em detalhe

mais adiante.

Em relação às diferenças entre trabalhar como independente e contratado nesta área, não

consegui obter dados conclusivos em termos de rendimento. As reações que obtive são

comuns a muitos trabalhadores independentes em tradução, ou seja, oferta ocasional

bem paga versus oferta ilimitada mal paga, assim como ciclos de elevado e baixo

volume de trabalho. A realidade é que a esmagadora maioria dos tradutores e

legendadores são trabalhadores independentes, tanto em Portugal como no estrangeiro,

o que contribui para a precariedade deste tipo de trabalho.

As dificuldades referidas com maior frequência foram: os “clientes acharem que deve

ser fácil”, já que há tanta abundância de fansubbers; “profissionais” a fazerem trabalhos

de má qualidade por valores muito baixos; canais de televisão que aceitam trabalhos de

qualidade questionável, uma vez que os patrocinadores pagam de qualquer forma;

software profissional a preços abusivos e software gratuito eficaz. Algumas destas

questões serão inevitavelmente abordadas durante o relatório.

A nota dominante em todas as respostas que obtive foi a de que os valores pagos em

relação às horas de trabalho são realmente baixos e de que a tendência nos últimos anos

tem sido para baixarem cada vez mais. A razão constantemente referida para tal foi a de

existirem demasiadas pessoas sem qualificações a trabalharem por valores irrisórios, o

que por si só reflete a saturação atual do mercado e os padrões de qualidade de algumas

agências. Acerca desta situação, tive a resposta de quatro profissionais com mais de 10 e

20 anos de experiência em tradução e legendagem em Portugal que me falaram da

trajetória do mercado e apontaram alguns pontos em comum. Todos referem que o

sector da legendagem (na altura a RTP e os cinemas) foi esmagado com a entrada dos

canais privados de TV nos anos 90 e que, desde então, o que era uma atividade

profissional bem remunerada, passou a sofrer cortes sucessivos. A razão apontada é a de

que as agências e os profissionais de tradução e legendagem, com vista a angariarem

trabalho nesses novos canais, foram baixando continuamente os preços. Um outro

fenómeno paralelo foi a “queda vertiginosa dos custos de pós-produção em

18

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legendagem”3, em função da modernização do equipamento utilizado para versões

muito mais simples e baratas. No entanto, este fator não diminuiu a dificuldade nem o

tempo necessário para a tradução do texto de partida, apenas fez com que a tradução

passasse a representar uma parcela maior de um processo total que passou a ser mais

barato e acessível. Na minha opinião, esta subvalorização do trabalho de tradução,

associada a uma noção de maior acessibilidade em todo o processo, contribuiu de forma

muito significativa para a desvirtualização do ofício e para a diminuição dos valores

pagos aos profissionais.

Estes veteranos em tradução e legendagem mencionam ainda o caso da extinção dos

trabalhos de locução, para os quais faziam a parte de tradução, sendo que passaram a

fazer a tradução e legendagem destes mesmos programas sem que houvesse qualquer

aumento no preço por minuto. Afirmam que este foi o verdadeiro motivo pelo qual

vários canais passaram a ter legendas em vez de locução em português. Por outras

palavras, os profissionais de TAV passaram a trabalhar mais horas e a receber o mesmo.

Para se ter uma ideia mais concreta dos valores em questão, um destes profissionais

disse-me que, nos últimos dez anos, nenhuma agência lhe ofereceu um preço por minuto

(em vídeo) acima de 1,85 euros e que houve vários canais de séries que lhe ofereceram

1 euro por minuto (pm) de tradução e legendagem. Para se estabelecer uma comparação

no universo da tradução, uma série televisiva de 40-45 minutos tem cerca de 3 mil

palavras traduzidas e legendadas em média, assumindo que não se trata de nada

excessivamente denso ou técnico como, por exemplo, um documentário. Num

orçamento de tradução geral ou até especializada, considerando 0,05 euros por palavra

como um valor minimamente aceitável, estaríamos a falar em 150 euros. No caso da

tradução e legendagem, se assumir o valor de 1,85 euros pm (pude confirmar que esta é

uma média muito favorável nos valores praticados em Portugal), o valor pago pelo

serviço seria de 74 euros, ou seja, metade do valor praticado em outros tipos de

tradução, sem incluir a tarefa de legendagem. Embora haja muitas outras variantes a ter

aqui em conta, já se consegue ter uma ideia da discrepância.

Em jeito de conclusão, quando se coloca a questão em relação ao que poderia ser feito

para se combater esta subvalorização, a reação geral é de desilusão por não haver uma

solução prática à vista para se contrariar a situação. Uma das respostas dadas, que

3 Resposta 3, Anexo 2.

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reflete bem o sentimento geral, foi a de que “se recusarmos trabalho quando há tanta

gente não qualificada a saturar o mercado, ficamos, literalmente, sem nada que fazer.”

Alguns referiram que, se o público se queixasse mais em relação aos exemplos de má

qualidade, talvez as empresas de tradução e legendagem tivessem outro critério na

forma como contratam os serviços. No entanto, o verdadeiro poder de decisão está nos

canais de televisão, uma vez que são estes que definem a fasquia qualitativa ao

aceitarem ou rejeitarem determinados serviços de tradução e legendagem.

Um dos tradutores e legendadores mais experientes entre os inquiridos, disse-me que a

“receita para a solução está no conhecido suivez l’argent.” O dinheiro na televisão

provém essencialmente dos patrocinadores que pagam para terem os seus anúncios

transmitidos. Ele sugeriu a ideia rebuscada de que os patrocinadores poderiam ter a

opção de pagar menos quando os seus anúncios fossem transmitidos a meio de

programas mal legendados. No fundo, o que esta solução expõe é a necessidade que os

profissionais sentem de que haja um controlo mais efetivo e normalizado da qualidade

da tradução e legendagem exibida na televisão; querem ver as suas qualificações e

experiência, que são fundamentais na questão da qualidade, devidamente reconhecidas e

recompensadas.

Apesar de o feedback geral a este questionário ser muito crítico e negativo em relação à

situação atual, também há muitas vozes nos fóruns sobre este tema que valorizam

excelentes exemplos de tradução e legendagem e elogiam algumas empresas nesta área

pelo seu elevado nível de qualidade. Quando estamos cientes desta matéria e estamos

atentos à legendagem na televisão ou no cinema, é relativamente fácil discernir e avaliar

exemplos de grande qualidade, bem como identificar todo o tipo de erros e as suas

causas, ou se calhar pensar em soluções diferentes. É possível constatar que certo tipo

de canais ou programas primam mais pela qualidade do que outros. Apesar de se tratar

de um mercado subvalorizado, difícil e ingrato para muitos profissionais, como pude

verificar através deste questionário e por experiência própria, há muitas agências e

independentes que efetuam tradução e legendagem de excelente qualidade. O estágio na

Cinemágica permitiu-me avaliar isso mesmo: a exigência a nível de competências, a

atenção ao detalhe, a criatividade, as fases do processo, bem como o tempo e a

experiência necessária para se obter um trabalho de qualidade, como neste caso me foi

exigido pela empresa.

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6. Considerações e enquadramento teórico da tradução e legendagem

Durante a realização deste estágio, houve dois aspetos fundamentais que fizeram toda a

diferença em relação à minha primeira experiência com a tradução para legendagem na

Cinemágica. O primeiro foi o facto de fazer a tradução e legendagem de todos os

trabalhos que me foram designados, ao invés da minha primeira passagem pela empresa,

em que fazia somente a parte da tradução, ainda que considerando todas as

condicionantes pragmáticas próprias da legendagem interlinguística. O segundo aspeto

foi a oportunidade de avaliar todo o processo, as suas fases, as técnicas aplicadas e os

fatores condicionantes com um olhar crítico proveniente das noções adquiridas durante

o mestrado. De facto, a frequência do mestrado permitiu-me ganhar outra consciência

durante a realização do trabalho, sendo um dos propósitos deste relatório precisamente o

de expôr alguma sustentação teórica das opções tomadas.

A legendagem interlinguística, como acabei de referir, é uma forma de tradução com

condicionantes muito específicas, implicando que o tradutor esteja ciente das suas

imposições e da forma como estas interferem no processo e no resultado da tradução. A

tradução de uma situação comunicativa oral para uma situação comunicativa escrita

tem, por si só, dificuldades próprias às quais são acrescentadas as limitações físicas da

legendagem, uma vez que o texto traduzido tem de ser inserido num espaço de duas

linhas com um tamanho predefinido e tem ainda o carácter volátil de ser exposto

durante um período de tempo reduzido. Como tal, nem tudo o que é dito poderá ser

traduzido e nem terá necessariamente de o ser, uma vez que o significado do produto

audiovisual é transmitido através da relação entre vários sistemas de códigos semióticos

que, no seu conjunto, são complementares com o significado linguístico, sendo que é

fundamental ter esta noção sempre presente durante a tarefa de legendagem.

Esta translação de um conteúdo da linguagem oral para a escrita obedece a parâmetros

muito específicos que irei abordar mais adiante, como o limite de linhas e caracteres e a

temporização de entrada e saída de legendas. Convém considerar ainda que, neste

processo interlinguístico, os dois códigos verbais apresentados em simultâneo não só

têm obviamente características diferentes, mas também estão inseridos em contextos

distintos. Enquanto que no texto de partida, que é quase exclusivamente oral, os

interlocutores partilham a informação gerada por todo um contexto situacional, nas

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legendas essa mesma informação tem de ser explicitada, uma vez que o receptor é

desconhecido e não se insere no mesmo espaço do emissor. Esta distinção dimensional

parece-me ser útil porque remete para a essência deste tipo de acto comunicativo e

realça as diferenças e as condicionantes intrínsecas na passagem do conteúdo do texto

de partida para o texto de chegada. Em termos de tradução e legendagem, há aqui

fatores importantes a considerar, como o facto de a língua falada, em comparação com a

escrita, ter tendência para seguir uma sintaxe muito menos estruturada, uma vez que é

comum encontrar frases incompletas, construções gramaticais erradas, pausas,

contradições, etc. No caso da legendagem de filmes, séries ou outro produto audiovisual

em que o texto de partida se baseie num guião, este problema não é tão vincado.

Contudo, nos casos em que predomina o discurso livre e espontâneo, como sucedeu nos

produtos audiovisuais que me foram atribuídos neste estágio, o tradutor tem

forçosamente de fazer uma “adaptação” mais profunda do texto de maneira a garantir a

sua funcionalidade no formato de legendagem.

Este tipo de “adaptação” mais profunda, que é frequente e natural pelas condicionantes

físicas da legendagem, leva por vezes a alguma distanciação ao nível da expressividade

original no texto de partida, a fim de se preservar o conteúdo semântico. Na prática, esta

constatação levou-me a questionar até que ponto seria sustentável a opinião dos que

consideram a tradução para legendagem como uma forma de adaptação. Mas, em última

análise, parece-me ser uma questão de perspetiva em relação ao que se considera ser

tradução nos moldes atuais. Nesse sentido, Gambier afirma que (2003: 178):

subtitling is translating if translation is not viewed as a purely word-for-word

transfer but as encompassing a set of strategies that might include summarizing,

paraphrasing, etc., and if translation is viewed holistically, taking into consideration

the genre, the film-maker’s style, the needs and expectations of viewers (who may,

for instance, have different reading speeds and habits) and the multimodality of

audiovisual communication (language, image, sound).

Esta citação associa precisamente o universo da legendagem interlinguística a uma

visão global e abrangente da tradução, uma perspetiva holística da tradução, tendo sido

esta uma palavra frequentemente veiculada durante o mestrado no sentido de promover

uma abordagem interdisciplinar da tradução.

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De facto, as “perdas” de tradução não implicam necessariamente uma qualidade inferior

ao desejável, já que estas poderão ser justificadas por outros motivos e objetivos

inerentes ao processo tradutivo. A noção de interdisciplinaridade na tradução vem

precisamente dar ênfase ao papel do tradutor, no sentido de que este deve considerar

outros fatores e parâmetros externos ao texto de partida que tenham influência direta e

decisiva no processo tradutivo, como sejam as particularidades do público-alvo, a

função da tradução e as características dos meios que utiliza. Em última análise, as

opções do tradutor irão depender de todo esse conjunto de considerações.

A manipulação do material linguístico é uma condição inevitável na tradução e

legendagem e deve ser entendida para além da mera redução e eliminação do material

original devido a limitações físicas dos meios utilizados, ou seja, mesmo quando a

cadência da língua oral possa permitir a legendagem de tudo o que é dito, haverá sempre

uma manipulação do texto de partida de forma a produzir legendas coerentes e

adequadas que cumpram a sua derradeira função, que será a de estabelecerem uma

ponte intercultural entre a língua-cultura de partida e a língua-cultura de chegada, sem

perturbar a apreciação do filme ou programa.

Em termos teóricos, esta noção da tradução como um tipo de transferência cultural que

se rege pelos fins que o texto traduzido deve atingir enquadra-se na perspetiva

funcionalista da Skopostheorie, em que se favorece uma visão mais abrangente do “acto

tradutivo” (translational acting) (Nord, 1997: 12) e em que o texto de partida é visto

como uma “proposta de informação”, que depende do tradutor para a constituição de

significado (Nord, 1997: 31). Nesta perspetiva, as especificações de tradução têm uma

importância fundamental, uma vez que irão determinar as ações do tradutor. Estas

especificações abrangem várias questões externas ao âmbito meramente linguístico dos

textos de partida e de chegada, considerando eventualmente outros fatores pragmáticos

a ter em conta para que seja possível concretizar um acto tradutivo adequado (Nord,

1997: 35).

No universo da tradução e legendagem, esta perspetiva funcionalista do “acto tradutivo”

é, sem dúvida, a mais adequada às suas características específicas. Nesta abordagem

holística do processo tradutivo, a “adaptação” do texto para legendagem é uma parte

integrante desse mesmo processo. O texto de partida é um elemento entre vários e não

pode ser considerado isoladamente, sem contexto. É impossível um tradutor para

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legendagem efetuar um trabalho completo, de qualidade, se não tiver indicações

relativamente às necessidades do público-alvo ou se, pelo menos, não souber deduzi-las.

Alguns elementos básicos a considerar, por exemplo, quanto ao tipo de linguagem

utilizada são o género de programa, o horário de emissão ou o canal de emissão. Este

tipo de indicações, que poderão ser dadas ou não por parte do cliente, são alguns dos

elementos cruciais que constituem as especificações de tradução que permitem que o

tradutor para legendagem elabore uma estratégia de tradução que seja eficaz, consistente

e coerente na sequência de produtos audiovisuais que for abordando.

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7. Qualidade nas legendas

Em relação à qualidade das legendas, começo por considerar uma característica

elementar e diferenciadora da tarefa de legendagem que é a natureza polissemiótica dos

produtos audiovisuais. O espectador recebe informação através de quatro canais

semióticos: o canal auditivo não-verbalizado (música, efeitos sonoros, etc.), o canal

auditivo verbalizado (diálogos, narrações), o canal visual não-verbalizado (imagens) e o

canal visual verbalizado (sinais, letreiros ou outros elementos legíveis no ecrã)

(Gottlieb, 2011: 245). De acordo com este sistema, as legendas inserem-se no canal

visual verbalizado, veiculando a informação que é transmitida através do canal auditivo

verbalizado. Apesar de parecer evidente, um dos aspetos que o tradutor deverá ter

sempre em mente é que a narrativa de um produto audiovisual efetua-se através dos

quatro canais mencionados e que, por vezes, poderá sintetizar ou tornar as legendas

mais eficazes ao evitar situações de redundância intersemiótica, em que exista

informação sobreposta ou excessiva para a compreensão da situação por parte do

espectador.

A tradução para legendagem lida também com uma questão de interdependência

semiótica, na medida em que só é possível assegurar um trabalho de qualidade e sem

erros se o tradutor tiver acesso a toda a informação veiculada nos canais mencionados.

Alguns dos erros mais comuns resultam do facto de muitos profissionais fazerem

tradução para legendagem apenas com base no áudio ou no guião e de descurarem, ou

não lhes ser possibilitada, a visualização do vídeo. A análise isolada do texto e/ou do

áudio gera por vezes situações que induzem em erro e que só podem ser verificadas ou

totalmente compreendidas por parte do tradutor através do recurso às imagens. Alguns

profissionais descuram este tipo de verificação, ou não revêem a tradução e legendagem

com vídeo, na ânsia de rentabilizarem o seu tempo de trabalho, o que é um reflexo da já

abordada questão dos baixos valores pagos.

Há muitas agências ou empresas de tradução, nomeadamente a nível internacional, que,

também com vista a rentabilizar e acelerar o processo de tradução e legendagem,

utilizam um método de templates que consiste em fornecerem ao tradutor um ficheiro

com as legendas na língua original, já com os tempos de entrada e saída, e em que o

tradutor se limita a inserir a sua tradução nos espaços predefinidos. Este sistema

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prejudica a qualidade da tradução e legendagem por ser muito limitativo, uma vez que o

tradutor não pode considerar outro tipo de cortes nas legendas que estejam de acordo

com o seu critério de tradução.

Um outro elemento a ter em consideração é a qualidade dos guiões fornecidos, quando

são fornecidos, já que por vezes nem são disponibilizados ou então não existem,

podendo suceder o caso em que é pedida uma transcrição. Um guião de qualidade inclui

o código de tempo, descrições de cenas e anotações, o que não sucede, por exemplo, no

sistema de templates mencionado. Os guiões devem ser escrutinados em simultâneo

com o áudio, pois muitas vezes não correspondem exatamente ao que está a ser dito. Por

vezes há gralhas, termos errados por serem homófonos, ou quase homófonos, partes que

estão em falta e que têm de ser transcritas diretamente do áudio ou secções que estão a

mais e foram posteriormente cortadas. Durante o estágio, e na experiência profissional

anterior, lidei com todos os exemplos referidos.

7.1 Limitações e configuração das legendas

Para além da natureza polissemiótica dos produtos audiovisuais e da qualidade do

material fornecido, há outros parâmetros que restringem o processo de legendagem em

termos de espaço e tempo. De facto, a tradução para legendagem tem de se reger por

algumas regras elementares como o número de linhas por legenda, o número de

caracteres por linha, o tempo de exposição de cada legenda, o tempo de intervalo entre

legendas e a velocidade de leitura, que se traduz numa razão de caracteres por segundo.

Todos estes valores são variáveis e dependem de outros fatores como as línguas em

questão, os formatos de exibição ou o público-alvo. As margens e as médias ideais

destes parâmetros encontram-se estipuladas na literatura sobre legendagem, mas são

adaptadas com ligeiras variações pelas empresas e profissionais independentes de

tradução de acordo com os seus objetivos.

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Numa abordagem geral destes parâmetros, segundo o Code of Good Subtitling Practice

(Ivarsson & Carrol, 1998: 157-159), na legendagem interlinguística as legendas devem

ser limitadas a duas linhas, de maneira a ocultarem o mínimo possível da imagem. Em

Portugal, as legendas são apresentadas na parte inferior do ecrã e costumam ser

centradas, de forma a permitirem uma maior facilidade de leitura e a não obrigarem o

espectador a desviar o olhar do centro do ecrã, onde decorre a ação. Nos casos das

legendas com duas linhas, as divisões deverão ser feitas de acordo com uma lógica

semântica ou gramatical, sendo que a linha superior deverá ser, sempre que possível,

mais curta que a de baixo.

Em relação ao número de caracteres por linha, este deverá ter um limite máximo situado

entre 35 e 40 caracteres, dependendo do meio audiovisual usado. No que respeita ao

tempo de exposição de cada legenda, será necessário ter em conta a sincronização entre

a parte escrita e o áudio, bem como a velocidade de leitura do espectador. As legendas

deverão ter um tempo de exposição situado entre 1 a 6 segundos, procurando

logicamente manter uma média de velocidade de leitura próxima do ideal. Uma legenda

curta não pode ficar exposta demasiado tempo, podendo distrair ou confundir o

espectador, assim como uma legenda longa tem de estar exposta o tempo suficiente para

permitir uma leitura confortável. Em teoria, isto será o ideal, mas na prática, conforme

irei demonstrar mais adiante, torna-se uma tarefa complexa em que, por vezes, é

necessário sacrificar algum elemento de tradução, por representar um mal menor.

Quanto ao tempo entre legendas, deverá haver um intervalo mínimo de 16

milissegundos, ou 4 fotogramas, pois é esse o tempo que o cérebro demora a perceber

que a legenda mudou (Ivarson e Carroll, 1998: 64-65).

A relação entre o número de caracteres e os intervalos de tempo de exposição das

legendas é feita com base na capacidade de leitura do espectador comum, que se situa

entre as duas e três palavras por segundo, para um texto de complexidade média. De

qualquer forma, estes valores encontram-se tabelados e são quase sempre predefinidos

pelo cliente/empregador. No caso da Cinemágica, todos os programas e séries

legendadas são para televisão, sendo que os parâmetros predefinidos pela empresa se

situam dentro das margens ideais referidas, com algumas indicações adicionais

relativamente ao uso de itálicos e aspas, conforme se pode verificar no Anexo 1.

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7.2 Critérios na segmentação de legendas

A segmentação das legendas é uma questão particularmente importante, uma vez que

condiciona de forma decisiva a leitura e compreensão do texto de chegada. Aliás, foi

das questões abordadas com maior frequência durante a orientação do meu estágio, já

que há sempre várias opções na forma de efetuar a segmentação das legendas, mas há

critérios que não devem ser ignorados e que promovem a coesão entre a imagem, o som

e a parte escrita. Objetivamente, cada legenda deverá ser facilmente assimilável pelo

espectador durante o seu curto espaço de tempo de exposição e, como afirma Cintas,

deverá ser “uma unidade lógica e sintática em si mesma” (2003: 218).

A este respeito, Ivarsson e Carroll (1998:76) referem que, sempre que possível, deverá

optar-se por legendas de uma linha, nomeadamente em televisão. Eu adotei este critério

inicialmente, inserindo legendas de uma linha sempre que a velocidade do discurso

assim o permitia, mantendo obviamente a sincronização entre o áudio e o texto escrito.

Contudo, a minha orientadora na empresa chamou-me a atenção para o facto de que se

gasta menos tempo de leitura para um determinado número de palavras numa só

legenda do que para o mesmo conteúdo dividido em duas legendas, ou seja, será

preferível juntar duas legendas curtas de uma só linha, desde que estas se sucedam

rapidamente. Os fatores a ter em conta na forma de fazer esta segmentação são a já

referida sincronização entre a parte escrita e sonora, a velocidade de leitura (CPS, do

inglês character per second) e os cortes de imagens. É necessário conjugar estes fatores,

procurar cumpri-los de forma equilibrada sem afetar o significado da mensagem

veiculada ou reduzindo ao mínimo a perda de informação, que, por vezes, é inevitável.

No entanto, pela experiência adquirida durante o estágio, passei a contemplar estes

fatores pela ordem em que os referi, ou seja, percebi que é preciso considerá-los em

conjunto mas também hierarquizar os seus efeitos. Os cortes nas imagens, por exemplo,

são um fator importante a ter em conta para a coesão da legenda com a informação

visual, mas muitas vezes é impossível satisfazê-lo sem descurar um dos outros

elementos de decisão. No entanto, se tiver uma legenda de duas linhas, por exemplo,

numa situação que corresponda a duas afirmações consecutivas com uma mudança de

plano/imagem relevante pelo meio, irei considerar a divisão dessa mesma legenda se o

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resultado final for mais coeso, ou seja, se não afetar os outros dois parâmetros de

compreensão.

Há ainda um outro fator importante a ter em conta na segmentação das legendas que,

embora tenha uma natureza mais estética, condiciona a fluidez na leitura do texto.

Trata-se do local preciso em que se efetua a mudança de linha nas legendas de duas

linhas. Conforme já foi referido, estes cortes deverão obedecer a uma lógica semântica

ou sintática. Esta lógica nem sempre é possível de manter, mas é resumida em linhas

orientadoras no seguinte parágrafo (Cintas, 2003: 219):

[E]n primer lugar intentaremos terminar la primera línea en un punto y aparte. De no

ser posible lo anterior, intentaremos terminar la primera línea en un punto y coma o

en una coma. De no resultar tampoco posible, intentaremos terminarla en la

separación entre el sujeto y el verbo o en la separación ente el verbo y los

complementos. De no ser posible, intentaremos no fragmentar un complemento.

Después, no fragmentar una palabra.

Este critério na estruturação da legenda é algo que qualquer legendador minimanente

experiente tem em conta. Contudo, costuma ser cumprido de forma muito mais rigorosa

nos conteúdos baseados num guião prévio do que em transcrições ou traduções e

legendagens efetuadas diretamente a partir do vídeo. É frequente não se respeitar esta

estética de legendagem, por exemplo, nas reportagens ou vídeos emitidos através dos

meios de imprensa ou outras plataformas que implicam uma tradução e legendagem

geralmente em cima do acontecimento e baseada num discurso mais errático.

Em relação à segmentação do texto por várias legendas, concluindo as considerações já

expostas, esta deve ser efetuada de acordo com o ritmo da fala, acompanhando as suas

pausas e acelerações, de forma a que o espectador estabeleça um paralelismo quase

inconsciente entre a informação sonora e escrita. Para além da coesão do significado, as

legendas deverão idealmente transmitir a dinâmica original do texto de partida, ou seja,

deverão manter os seus elementos de surpresa, ironia, suspense ou hesitação através da

forma como estão divididas e sequenciadas.

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7.3 Estratégias de redução de texto

Os fatores condicionantes abordados até agora, que estão relacionados com a passagem

da oralidade para escrita, a natureza volátil das legendas e a velocidade de leitura do

espectador, implicam, portanto, que haja necessariamente uma redução do conteúdo do

texto de partida. O equilíbrio entre estas restrições físicas e o objetivo de se manter o

significado do texto de partida e de cumprir a sua designada função comunicativa é, no

fundo, a essência do processo de tradução e legendagem. Para se alcançar esse

equilíbrio, faz-se uma redução seletiva do texto através das duas estratégias mais

utilizadas pelo tradutor, que são a condensação e a omissão (Cintas, 2003 e 2014),

sendo que normalmente são usadas em simultâneo.

A condensação consiste numa redução do texto, sem que se verifique uma perda do

conteúdo semântico e permitindo manter grande parte da componente estilística. A

omissão é utilizada sobretudo para eliminar elementos meramente funcionais e sem

grande carga semântica para a legenda, como elementos fáticos, pausas, hesitações,

repetições, etc. Apesar de não afetar o conteúdo, esta estratégia de redução pode alterar

de forma mais significativa a expressividade do discurso original. O tradutor para

legendagem tem de gerir de forma hábil e criativa a aplicação simultânea destas duas

técnicas, sem nunca perder de vista a coerência temática e a coesão lexical das legendas.

No entanto, neste processo por vezes realça-se em demasia a necessidade de se obter

frases simples, bem sintetizadas e organizadas do ponto de vista sintático e semântico.

Esta foi, aliás, provavelmente a primeira noção que adquiri no meu primeiro contacto

com este tipo específico de tradução. Ao focar-me em demasia na eliminação de

elementos redundantes e na simplificação do discurso, poderei inadvertidamente estar a

produzir um texto de chegada mais monocórdico e a eliminar a tal expressividade do

discurso original. A aplicação das técnicas de redução de texto tem, sem dúvida, de

considerar uma estratégia predefinida no que respeita à funcionalidade do texto de

chegada. As nuances expressivas e estilísticas, que são frequentemente sacrificadas no

processo de redução de texto, podem ser muito pertinentes para a finalidade do texto em

questão.

Um outro aspeto a mencionar relativamente às estratégias de redução de texto é o facto

de estas, por vezes, serem usadas de forma indevida para contornar elementos mais

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problemáticos a nível de tradução. A tradução para legendagem não permite, por

exemplo, a utilização de notas de rodapé ou outros recursos explicativos, uma vez que

está obviamente sujeita às limitações específicas das legendas. Há muitas situações em

que o tradutor tem de ser criativo e eficaz ao nível das equivalências de termos ou

expressões no universo limitativo da legendagem, já que por vezes é impossível

contextualizar devidamente essas transferências de significado. Neste processo, por

vezes há a tendência para se camuflar algumas “perdas” de significado através de uma

tradução redutora, que pode não deixar de ser coerente, mas é certamente menos rica.

Os exemplos concretos de estratégias de condensação e omissão de texto que possam

ilustrar os temas referidos serão abordados mais adiante.

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8. Aprendizagem e desenvolvimento de competências durante o estágio

A tradução e legendagem, conforme foi evidenciado anteriormente, é um processo que

exige competências diversas, mas muito específicas, para se poder alcançar bons níveis

de profissionalismo e qualidade. O tradutor para legendagem tem de possuir as mesmas

qualidades e características exigidas a qualquer outro tradutor, como sejam

competências linguísticas e de tradução, conhecimentos aprofundados das línguas-

culturas envolvidas, competências de pesquisa terminológica e documental ou a

capacidade para lidar com prazos apertados. A estas competências fundamentais, tem

logicamente de acrescentar outras de carácter mais técnico que lhe permitam dominar

todos os fatores e parâmetros referidos anteriormente associados à legendagem, assim

como estar ciente das limitações dos meios que utiliza, a fim de poder decidir o tipo de

estratégias a adotar e saber manipular o texto devidamente. Este tipo de competências

específicas foram precisamente as que este estágio me permitiu desenvolver.

A primeira consideração a fazer relativamente à experiência do estágio foi que os

processos de tradução e legendagem estão demasiado interligados, por todas as razões

apresentadas até agora, para poderem ser considerados em separado. Na minha

experiência profissional anterior ao estágio limitei-me a fazer a parte do processo

relativa à tradução. Contudo, podendo agora estabelecer uma comparação, o trabalho

final é mais coeso, coerente e rápido se for a mesma pessoa a efetuar as partes de

tradução e legendagem. Como este processo envolve fases diferentes, que podem ser

abordadas com metodologias diferentes, as primeiras opções de tradução e de

segmentação das legendas sofrem sempre alterações nas fases posteriores. Há vários

elementos a ter em consideração que condicionam a tradução, como os limites de

caracteres, ritmo da fala e velocidade de leitura, por isso é necessário que o tradutor

disponha de ferramentas que combinem todos esses fatores e lhe permitam ter uma

perceção clara da adequação do seu trabalho de tradução para o formato de legendagem.

Essa perceção completa só é possível recorrendo a software de legendagem, que dispõe

dos devidos indicadores automáticos e das necessárias ferramentas de correção. Além

disso, é muito frequente nas fases posteriores do processo surgirem ideias melhores para

solucionar determinados problemas ou então o tradutor aperceber-se de que há

determinadas opções iniciais que não são possíveis, devido à inclusão de outro

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parâmetro que não foi considerado de início (por exemplo, a sincronização com a

imagem). As opções linguísticas em termos de estilo e ritmo que o tradutor possa ter

assumido podem também ser alteradas no caso de ser outra pessoa a fazer a

legendagem, uma vez que o legendador terá de considerar outros fatores de

remodelação do texto e irá inevitavelmente romper com o critério assumido

inicialmente pelo tradutor. Mesmo que se tratem de excelentes profissionais a trabalhar

em separado, o texto de chegada irá correr mais riscos a nível de coesão e coerência, ou

seja, o processo global será mais falível e demorado. Por todos estes motivos, a

legendagem deverá ser feita, se possível, pela mesma pessoa que traduziu o texto de

partida, uma vez que os processos de tradução, sincronização e adaptação do texto estão

demasiado interligados e devem ser considerados sob um critério uniforme.

Outro tipo de competências apreendidas é a atenção às opções linguísticas em termos de

estilo e vocabulário usado, tendo em conta as especificações relativas ao trabalho de

tradução fornecidas pelo cliente/empregador ou, na ausência destas, a capacidade de

dedução do tradutor em relação às necessidades do público-alvo. Há alguns fatores que,

a serem preponderantes, são quase sempre mencionados pelo cliente, tais como o

horário de emissão e o canal televisivo em questão. Eu não tive de considerar estes dois

últimos fatores, mas sei de exemplos de tradução e legendagem na Cinemágica em que

havia duas versões diferentes de um mesmo programa a serem emitidas em horários

distintos, assim como é evidente, por exemplo, que o tipo de linguagem empregue para

a SIC generalista é diferente da SIC Radical, devido a terem audiências diferentes. Nas

séries que me foram atribuídas, que se destinavam aos canais Discovery e TLC, não me

foram dadas indicações específicas quanto ao tipo de linguagem a usar e as temáticas

abordadas também não levantaram entraves ou questões susceptíveis a esse nível. Há

diferenças óbvias a nível de registo entre um documentário para o Discovery ou uma

série de faits-divers no TLC e, nestes casos, limitei-me a adotar um tipo de linguagem

semelhante ao original em termos de estilo e conteúdo, deduzindo o tipo de público a

que se destinava.

No entanto, uma outra constatação que posso fazer associando a minha experiência

profissional prévia com a do estágio, é que o tradutor para legendagem tem de trabalhar

com vários géneros de produtos audiovisuais, o que implica abordar os mais variados

domínios de conhecimento e respetiva terminologia. Durante o estágio traduzi uma série

sobre pratos típicos regionais nos EUA e os seus conceitos de culinária e uma série

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sobre como são fabricados vários tipos de engenhos mecanizados comuns, como

relógios ou máquinas corta-relva. Em traduções prévias para legendagem, traduzi séries

sobre mecânica automóvel, aviação, armamento pesado e leilões de antiguidades, entre

outras. Com isto, quero apenas realçar a extraordinária variedade de temas com que um

tradutor nesta área tem de lidar e realçar a maior dificuldade que essa imprevisibilidade

de domínios proporciona em comparação com um tradutor especializado numa

determinada área. Não é apenas na tradução de documentários que um tradutor para

legendagem tem de fazer pesquisa terminológica, e algumas com elevado grau de

especialização. Evidentemente que esse grau de especialização vai depender também do

género da série em questão e do público a que se destina, ou seja, apesar de por vezes

ter de fazer uma pesquisa mais aprofundada de certos conceitos, o tradutor não terá de

usar necessariamente uma linguagem especializada. Existem documentários emitidos

em canais generalistas sobre, por exemplo, astronomia, que se destinam a todas as

idades e onde não será adequado utilizar termos especializados. Assim como haverá

eventualmente documentários sobre astronomia dirigidos a uma audiência mais

especializada, onde se justifica o uso de uma terminologia mais rigorosa, resultando

num registo de maior formalidade.

8.1 Software de legendagem

Regressando a um ponto referido no início deste capítulo, o facto de a tradução e

legendagem serem efetuadas idealmente pela mesma pessoa implica que a capacidade

de adaptação às novas tecnologias, nomeadamente ao software de legendagem, seja uma

competência essencial de qualquer profissional nesta área. Aliás, no mercado de

trabalho atual, particularmente em Portugal, é muito difícil conseguir trabalho sem

dominar ambos os processos: tradução e legendagem. Em algumas empresas

internacionais há bastante trabalho processado no sistema de templates, o que já foi

referido, onde realmente se insere apenas a tradução, embora de uma forma mais

limitativa e com qualidade inferior. No entanto, se um tradutor dominar todo o processo

de tradução e legendagem e dispuser de material próprio será seguramente muito mais

requisitado do que alguém que domine apenas um dos processos. Esta foi uma das

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competências desenvolvidas durante a realização do estágio, apesar de já ter usado

software de legendagem durante o mestrado e de forma pontual anteriormente.

A adaptação ao software de legendagem acabou por ser a tarefa mais árdua e demorada

do estágio por diversas razões. A razão primordial deve-se ao tipo de software usado,

que irei distinguir entre duas categorias principais: as ferramentas gratuitas e as

ferramentas profissionais a pagamento. O grande dilema para a maioria dos

trabalhadores independentes que iniciam a sua atividade em tradução e legendagem é o

investimento pesado que o software de legendagem profissional implica, na maioria das

vezes sem garantias de que se irá ter um volume de trabalho satisfatório. Este

investimento tem de ser considerado pelos profissionais deste ramo porque as empresas

de tradução e legendagem exigem, na sua esmagadora maioria, que os ficheiros de

legendagem sejam entregues num tipo de formato que não é suportado pelo software

gratuito e também por haver uma grande superioridade na qualidade operacional. Este

foi o problema principal com que tive de lidar de início e que quase colocou em causa a

própria realização do estágio. A Cinemágica utiliza dois tipos de software de

legendagem profissional, o Transtation e o Spot, e exige que os ficheiros sejam

entregues em formato PAC ou EBU(STL)4. O Transtation é uma ferramenta que hoje

em dia é quase obsoleta, enquanto que o Spot é a ferramenta mais utilizada atualmente

no mercado da TAV e com a qual já tive oportunidade de trabalhar. O tipo de

investimento que o Spot implicava não era uma opção viável para mim, no contexto

deste estágio. Em alternativa, entre os dois tipos de software gratuitos mais utilizados e

eficazes, o Subtitle Workshop e o Aegisub, a minha preferência seria o primeiro por ter

sido a ferramenta usada durante o mestrado e ter uma utilização muito simples, prática e

eficaz. No entanto, verifiquei que não suportava nenhum dos formatos pretendidos. O

Aegisub exporta ficheiros de legendagem em formato EBU(STL) e, como tal, acabou

por ser a minha escolha. A dificuldade foi o período de adaptação e o rol de problemas

inesperados, os bugs, que naturalmente são próprios do software gratuito.

4 Os ficheiros PAC e EBU são formatos criados para a sincronização de legendas com timecode de vídeo e que podem ser editados com software de legendagem profissional. O EBU (European Broadcasting Union) é o formato padrão para a entrega de ficheiros de legendas entre estações de televisão e outras entidades. Fonte: http://devel.aegisub.org/wiki/SubtitleFormats/EBU (último acesso a 17.07.2016).

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8.1.1 Software gratuito – Aegisub

As principais fraquezas do software gratuito são realmente a ocorrência comum de bugs

e o facto de não haver um serviço de suporte informático contínuo para a resolução

imediata destes problemas, como sucede com outras ferramentas como o Trados ou o

Spot. Essa é outra das razões pela qual o preço do software profissional para

legendagem é tão inflacionado. Ao usar o software gratuito, o tradutor corre um maior

risco de lidar com problemas técnicos graves ou incompatibilidades inesperadas, que

poderão provocar atrasos significativos no projecto ou mesmo impedir a sua conclusão.

Na minha fase de adaptação ao Aegisub, tive de lidar com inúmeros problemas

consecutivos até conseguir entregar o primeiro trabalho de tradução e legendagem à

Cinemágica cumprindo todos os parâmetros exigidos. Após uma fase intensa de

adaptação às funcionalidades do programa, que são complexas e estão organizadas de

forma muito diferente do Spot ou do Subtitle Workshop, tive de lidar com uma série de

bugs na exportação dos ficheiros. Na minha primeira entrega, a minha orientadora na

empresa enviou-me uma lista de erros técnicos que surgiam quando usavam o Spot para

abrir o ficheiro enviado por mim. A primeira constatação foi que havia um

desfazamento entre o código de tempo do vídeo (timecode, TC) e os tempos de inserção

das legendas. Também fomo-nos apercebendo que havia duplos espaços inexplicáveis,

legendas com três linhas, cortes nas legendas diferentes dos que eu tinha inserido,

legendas que desapareciam, erros nos limites de caracteres e na aplicação de itálicos. A

única forma para contornar este rol de problemas técnicos foi através de pesquisa

exaustiva, recorrendo a fóruns de tradutores e legendadores e ao fórum próprio do

Aegisub, e depois fazendo tentativas consecutivas, alterando alguns parâmetros

manualmente no software. O problema dos espaços duplos foi resolvido com uma

atualização ao programa feita pelos técnicos do Aegisub, através do fórum em que se

reportam bugs do programa. Todos os problemas relacionavam-se com a exportação do

ficheiro para formato EBU(STL), o único que seria compatível com o Spot. Uma vez

que as legendas inseridas funcionavam na perfeição no seu formato original no Aegisub,

fui pesquisando e compensando os parâmetros originais que depois apareciam

distorcidos no Spot, aplicando as correções apenas no momento de exportar o ficheiro

para EBU. Ou seja, gravava um ficheiro com os parâmetros originais do Aegisub e

depois gravava outro com um atraso de 39 fotogramas nas legendas, alterações nos

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limites de caracteres e em outras funcionalidades de exportação e, quando exportava em

EBU para o Spot, os erros desapareciam. Em suma, criei uma versão personalizada de

exportação no Aegisub que me permitiu realizar o estágio nos mesmos moldes, ou

quase, de outros trabalhadores independentes da empresa com software profissional.

Quando digo “quase” é porque há outras vantagens técnicas evidentes no software

profissional que tornam o trabalho muito mais expedito. Contudo, houve dois aspetos

muito positivos que resultaram deste processo exaustivo. O primeiro, foi o facto de ter

arranjado uma forma de efetuar tradução e legendagem profissional contornando a

questão do investimento em software de topo; o segundo, foi o de ter ficado a dominar

muitas funcionalidades e parâmetros técnicos no Aegisub.

Apesar dos bugs iniciais e de ter algumas desvantagens operacionais, o Aegisub acabou

por se revelar uma ferramenta de tradução e legendagem bastante consistente, com

funcionalidades técnicas muito úteis e com um fórum de apoio técnico com resposta

rápida e profissional. No entanto, tem aspetos que não são simples e exige um período

considerável de adaptação. É um tipo de software que se foca mais numa tradução e

legendagem feita diretamente a partir do áudio, permitindo uma localização das

legendas5 muito eficaz apenas com base no ficheiro de áudio, relegando a imagem para

uma fase de acertos em revisão. Existe sempre a hipótese de trabalhar com os três

elementos (som, legenda e imagem) no ecrã, mas não me parece que seja o método mais

rápido. Aliás, este facto é referido nos tutoriais. Sem o recurso à imagem, o ecrã fica

dividido em duas secções horizontais, com uma janela de timeline com as ondas de

áudio em cima e outra janela em baixo com as linhas de texto legendadas (ver fig.1). A

janela de timeline tem a particularidade de ter as mudanças de imagem assinaladas com

linhas verticais, o que é muito útil. Após alguma prática, vai-se reconhecendo

facilmente os espaços entre “falas” através da leitura gráfica das ondas de áudio e

inserem-se rapidamente os tempos de entrada e saída das legendas com o botão

esquerdo e direito do rato, respetivamente, enquanto a outra mão fica livre sobre o

teclado para duas ou três funcionalidades adicionais, como gravar a legenda e saltar

automaticamente para a próxima. As maiores desvantagens operacionais são o facto de

não ser possível inserir um tempo mínimo de intervalo entre as legendas, nem um limite

mínimo ou máximo de duração das legendas, ou seja, é tudo feito manualmente. Custa-

me compreender este facto, assumindo que será de fácil resolução para os criadores do 5 A localização de legendas (em inglês, spotting, cueing ou timing) consiste na inserção dos tempos de entrada e saída das legendas.

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programa, uma vez que faz uma diferença tremenda no tempo que se gasta a fazer a

inserção dos tempos de entrada e saída das legendas.

Figura 1 – Ecrã de trabalho do Aegisub

Uma outra questão relativa ao software de legendagem no geral é a de não permitir

incluir uma funcionalidade semelhante a uma memória de tradução ou uma base

terminológica. A questão parece-me ser relevante porque a tradução é quase sempre

efetuada diretamente neste tipo de software e, para um tradutor que esteja habituado a

utilizar ferramentas de apoio à tradução (CAT), é sempre um processo mais demorado

se implicar a necessidade de pesquisar termos já abordados anteriormente ou de elaborar

um glossário à parte. Nas séries temáticas que traduzi, que abordavam temas como

mecânica automóvel e gastronomia regional nos EUA, era muito frequente haver

repetições de termos técnicos ao longo dos episódios, havendo variações complexas de

um mesmo conceito derivadas de calão e regionalismos. A única forma de registar toda

essa informação é realmente ir elaborando um glossário à parte, o que seria

perfeitamente natural se muitos tradutores não estivessem hoje em dia habituados às

funcionalidades automáticas de memorização das ferramentas informáticas de apoio à

tradução.

8.2 Metodologia

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Em relação à metodologia de tradução e legendagem, as fases do processo consistem na

tradução, adaptação do texto, localização de legendas e revisão. Estas tarefas são

absolutamente necessárias, a questão está na ordem em que são efetuadas de forma a se

conseguir alcançar um método de trabalho rápido e com resultados consistentes. No

entanto, há ainda a considerar as situações em que não é disponibilizado um guião ou se

utiliza um sistema de templates, em que os tempos de inserção das legendas já se

encontram predefinidos. O primeiro caso implica uma fase prévia de transcrição e

adaptação do discurso original, ou então uma tradução e legendagem direta a partir do

áudio se o “texto” de partida não for muito complexo ou denso. No sistema de

templates, o processo é mais redutor, uma vez que se limita à inserção do texto

traduzido nos espaços predefinidos para as legendas. Durante o estágio, fiz tradução e

legendagem sempre com base em guiões.

Por norma, conforme mencionado, as fases a considerar no processo são a tradução,

adaptação do texto, localização de legendas e revisão. Não tem de ser por esta ordem e

há eventualmente quem as designe ou subdivida de outra forma. As tarefas em si são

todas fundamentais e incontornáveis, mas a forma de as ordenar e efetuar é uma questão

de metodologia pessoal, ou empresarial, em que poderá haver fatores a ter em conta

como o material utilizado, prazos, rentabilidade, experiência profissional ou o nível de

domínio da língua de partida. Durante o estágio, fui alterando a ordem e adotando o

método que resultava melhor à medida que assimilava as noções e ganhava mais

experiência. Comecei por fazer a tradução do texto completa, orientando-me pelas

divisões originais do guião, depois fazia a localização das legendas e a adaptação do

texto, finalizando com a revisão através da visualização do vídeo. A adaptação do texto

é a fase em que se aplicam as técnicas de redução de texto, ou se consideram outras

opções de reformulação do texto, atendendo ao ritmo do discurso e às margens impostas

pela localização das legendas. Este método acabou por se revelar muito demorado e a

tradução completa inicial acabava por ser uma espécie de pré-tradução, uma vez que

sofria muitas alterações na fase posterior devido às condicionantes acabadas de referir.

Durante o processo, fui ganhando maior sensibilidade e rapidez na localização de

legendas, o que me levou a alterar a ordem do trabalho. Comecei então por fazer a

localização das legendas apenas com base no áudio, já que a experiência foi-me dando

uma noção mais imediata da segmentação das legendas, tendo em conta a velocidade do

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discurso e o seu conteúdo. Um segmento com muitas palavras no discurso original não é

necessariamente mais difícil de reduzir em termos de texto do que outro com menos

palavras, depende, acima de tudo, da relevância do seu conteúdo em termos semânticos.

Com a experiência, essa relevância semântica começa a ser mais fácil e imediata de

deduzir, calculando-se logo as margens adequadas no processo inicial de localização das

legendas. A vantagem é poder efetuar a fase seguinte de tradução já com a noção

simultânea do grau de adaptação necessário, fundindo de certa forma dois processos

num só. Esta opção não implica que não haja alterações à localização inicial das

legendas, porque esses ajustes são sempre inevitáveis, implica apenas que o processo

seja menos demorado e mais eficaz.

Durante esta fase de aprendizagem, houve uma aceleração gradual de processos não só a

nível de metodologia operacional mas também nas soluções de adaptação e tradução do

texto. As técnicas de redução de texto vão sendo aplicadas de forma mais automatizada,

identificando-se mais rapidamente os elementos supérfluos que podem ser descartados,

enquanto se procura sempre manter o equilíbrio ideal entre o estilo e o conteúdo

semântico. O tradutor vai ganhando maior capacidade de resposta para manter esse

equilíbrio, contornando de forma mais eficaz e criativa as condicionantes próprias da

legendagem.

Um dos parâmetros que encarava com maior rigidez de início era o índice de velocidade

de leitura das legendas, medido em caracteres por segundo (CPS), que deveria ser

mantido idealmente próximo dos 12 CPS. Este fator condiciona muito a forma como se

reduz o texto e, muitas vezes, devido a algumas séries que traduzi em que o discurso era

muito denso, tinha dificuldade em fazer a redução de texto sem perder elementos que

me pareciam ser relevantes para um entendimento mais completo por parte do

espectador, seja em termos de conteúdo ou de estilo. A minha orientadora na

Cinemágica chamou-me a atenção para algumas legendas que ficavam demasiado

longas após o interlocutor acabar de falar, sendo que eu dava essa margem precisamente

para tentar manter a média de CPS próxima do ideal. As orientações que recebi foram

no sentido de dar prioridade à sincronização com o áudio, pois a falta dessa

sincronização é um dos fatores que causa maior estranheza no espectador, e de não ser

tão rígido no cumprimento da média de CPS. Na prática, há situações que são realmente

insustentáveis se não se flexibilizarem os valores de CPS, desde que esses valores se

mantenham dentro de margens razoáveis e permitam a devida leitura das legendas.

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Por último, a fase de revisão final com o vídeo é imprescindível para verificar a

sincronização das legendas com o som e a imagem, o seu tempo de exposição, a fluidez

do texto de chegada ou a ocorrência de qualquer erro imprevisto, porque estes ocorrem

quase sempre. É também nesta fase que prefiro aplicar itálicos em legendas de voz-off

ou levantar legendas no ecrã quando surgem oráculos, uma vez que a componente da

imagem é essencial nessas tarefas.

Outra questão a ter em conta é a fadiga que todo este processo causa e, embora fosse

uma opção pessoal, eu fazia a localização das legendas em blocos de 10 minutos de

vídeo, demorando cerca de 45 minutos com cada um (devido às limitações referidas do

Aegisub), e alternava esta fase com a tradução de cada secção. Foi esta a estratégia que

desenvolvi para ir alternando os parâmetros de concentração, uma vez que o desgaste é

intenso e influencia a qualidade do trabalho.

9. Análise de casos práticos de tradução e legendagem

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Após ter abordado todos os fatores condicionantes, bem como as convenções e os

aspetos teóricos que derivam da natureza intersemiótica muito própria da tradução e

legendagem de produtos audiovisuais, irei expor vários exemplos práticos decorrentes

do trabalho feito durante o estágio, que ilustram esses mesmos fatores e a sua influência

nas opções de tradução, considerando as dificuldades específicas de cada caso e

justificando as opções tomadas. Para esta análise, decidi categorizar os exemplos, por

um lado, focalizando as dificuldades físicas impostas pela passagem de um discurso oral

para escrito, tendo em conta a velocidade do discurso e outros parâmetros limitativos na

tradução para legendagem, e por outro lado, abordando dificuldades tradutivas de

natureza linguística e cultural. No entanto, em qualquer situação tradutiva no contexto

da legendagem, todos estes aspetos e a sua natureza diversa têm de ser considerados em

simultâneo, ou seja, uma dificuldade de tradução de natureza cultural, por exemplo, está

inevitavelmente associada às limitações físicas da redução do texto de chegada. Não é

possível considerar ou focalizar cada um destes fatores em separado, nem dissociá-los

de uma estratégia global de tradução que abranja outras especificações adjacentes como,

por exemplo, o público-alvo, os meios utilizados, as exigências do cliente ou o canal de

emissão.

Os casos práticos abordados neste capítulo são todos extraídos de uma série de oito

episódios que traduzi e legendei na íntegra, ou seja, a Cinemágica atribuiu-me a série

exclusivamente. Por norma, a empresa costuma designar determinados programas ou

séries a tradutores e legendadores específicos precisamente para assegurar maior

consistência e coerência no trabalho efetuado, embora nem sempre seja possível fazer

essa distribuição criteriosa. Contudo, conforme já referido, todos os trabalhos efetuados

são sempre sujeitos a revisão interna antes de serem aprovados.

A série em questão tem o título original de Buddy’s Family Vacation, que foi mantido

na versão em português por indicação do cliente, e será emitida pelo canal TLC. A série

acompanha a odisseia de uma família em viagem pelos Estados Unidos, num registo

semelhante a um reality-show intercalado com momentos de natureza mais documental,

enquanto visitam locais icónicos nas regiões onde vão e exploram a sua gastronomia

local. A família é composta por seis elementos, quatro filhos menores e os pais, tem

raízes italianas e é oriunda de New Jersey. Estes aspetos são muito relevantes devido ao

tipo de linguagem usada, que se caracteriza por um discurso muito errático e

espontâneo, repleto de referências às raízes italianas e com muitos contrastes regionais à

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medida que vão visitando localidades diferentes. No primeiro episódio, a família é

apresentada através de Buddy Valastro, o pai, quando revela aos filhos a intenção de

fazer uma viagem em família numa autocaravana pelos Estados Unidos para que estes

possam descobrir outros locais e culturas e possam ter uma “experiência única” nas suas

vidas. Buddy é pasteleiro, herdou o ofício do seu pai, possui várias pastelarias e realça

constantemente essa tradição e valores familiares que procura transmitir aos filhos. Os

temas assentam quase exclusivamente em hábitos alimentares, nomeadamente

gastronomia local, sendo que Buddy visita todo o tipo de estabelecimentos nas cidades

onde vai, desde restaurantes de luxo a gelatarias ou roulotes de cachorros, e faz questão

de entrar nas cozinhas e participar na confeção de todas as iguarias, para depois se

deliciar a prová-las com a família. A série tem uma componente instrutiva para um

público de todas as idades, nomeadamente no que diz respeito às tradições

gastronómicas e às suas raízes culturais e históricas, bem como a processos e técnicas

de cozinha. Por outro lado, explora um lado mais lúdico e humorístico relacionado com

os dramas comuns familiares, permitindo ao espectador acompanhar os pontos altos do

dia-a-dia de uma viagem familiar num formato de reality-show. Os momentos diários

são acompanhados muitas vezes pela narração em voz-off de Buddy e intercalados por

momentos de análise dos acontecimentos em retrospetiva com a família toda num sofá,

ou então apenas com Buddy e a sua esposa, Lisa, em conversas bem-humoradas.

Os diálogos são muito caóticos e acelerados, com muitas sobreposições, por vezes estão

quatro pessoas a falar em simultâneo, nomeadamente nas refeições, o que torna a tarefa

de tradução e legendagem mais complexa. Além disso, os temas abordados possuem

referências culturais de natureza variada, envolvendo processos, costumes, técnicas,

instrumentos e ingredientes associados sobretudo ao universo da culinária, que é

extremamente rico em estrangeirismos e “vazios referenciais” (Rabadán, 1991: 164,

citado em Cintas, 2003: 247), não havendo uma correspondência direta de muitos

termos com a língua portuguesa. O tipo de linguagem utilizada não tem um elevado

grau de especialização, mas exige pesquisa constante de inúmeros termos com vista a se

alcançarem as soluções tradutivas mais adequadas. Além disso, devido a ser um

discurso livre, processado de forma espontânea, quase sempre sem qualquer espécie de

guião prévio, verifica-se uma ausência de estruturação do discurso, o que implica um

processo de adaptação profundo com vista a normalizar e simplificar aspetos sintáticos e

de vocabulário.

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Em Portugal, a série será transmitida no canal TLC, que possui muitos conteúdos

diversificados deste género, associados a culturas, sociedades e atualidades,

apresentados num registo mais recreativo. As indicações dadas pela Cinemágica são no

sentido de manter o mesmo tipo de linguagem existente no “texto” de partida, sendo que

os termos censurados, que são raros, já estão omitidos no original. A escolha em

analisar esta série no presente relatório relaciona-se não só com a diversidade das

dificuldades colocadas em termos de tradução e legendagem, mas também com o facto

de ter sido a única série em que abordei todos os episódios, o que me permite ter uma

perspetiva mais abrangente.

9.1 Estratégias de redução do texto

Na série Buddy’s Family Vacation, o discurso livre é muito mais predominante do que

em outros documentários que traduzi precisamente por ter um formato semelhante ao de

um reality-show, em que as câmaras acompanham os protagonistas para todo o lado e

captam as interações espontâneas do dia-a-dia. Os únicos momentos em que há um

discurso suportado por um guião correspondem às partes em que Buddy faz uma

narração em voz-off dos acontecimentos. Esta característica dominante na série coloca

dificuldades acrescidas na passagem do discurso oral para o escrito, implicando uma

maior adaptação do texto através da eliminação das marcas de oralidade, consideradas

redundantes, ou mesmo de informação que não é possível incluir na dimensão espacial e

temporal das legendas. A velocidade e densidade do discurso têm de ser adaptadas de

forma mais aprofundada para se adequarem a uma leitura fluída e clara das legendas por

parte do espectador português. Esta redução do texto tem, portanto, de ser efetuada de

forma seletiva de maneira a evitar a eliminação de elementos do discurso que

contenham uma carga informativa relevante, ou a diminuir os efeitos dessa mesma

redução inevitável no significado final da mensagem. Este processo pode ser feito de

forma total ou parcial, ou seja, respetivamente através da omissão ou condensação de

elementos textuais, em que o tradutor tem na maioria das vezes de ponderar entre várias

soluções antes de se decidir pelo resultado final mais satisfatório (Cintas & Remael,

2014: 146). Nos exemplos que se seguem, as estratégias de redução de texto estão

sempre presentes porque são incontornáveis em todos os momentos de tradução e

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legendagem. Há quase sempre vários fatores a considerar em simultâneo para se efetuar

essa mesma redução de forma criteriosa. Os primeiros exemplos focalizam-se em

aspetos mais técnicos como a velocidade e densidade do discurso, e consequentemente

na relevância linguística de eventuais variações semânticas entre o texto de partida e de

chegada. O texto de partida é apresentado exatamente como se encontra no guião

fornecido pelo cliente.

As quatro primeiras situações são exemplos típicos de condensação do texto em

tradução e legendagem.

Exemplo 1

Whenever you eat calamari,you squeeze some lemon on it.

Espremam limão nos calamares.

Esta frase é proferida por Buddy quando está à mesa com os filhos e ocorre entre cortes

sucessivos de imagens em que cada cena corresponde praticamente a uma legenda.

Estas sequências aceleradas são constantes e são o ritmo característico da série, o que

implica a tal simplificação sintática e a eliminação de elementos redundantes no

discurso sem afetar de forma relevante o seu conteúdo semântico. Nestas situações, os

quantificadores (some) e as conjunções (whenever) são na maioria das vezes eliminados,

assim como a relação sintática entre orações subordinantes e subordinadas tende a

desaparecer, como se pode verificar neste exemplo. A legenda resultante não tem

qualquer alteração significativa em termos de significado referencial, até porque, na

legenda seguinte, Buddy diz que os filhos estão a aprender, o que confere uma

continuidade lógica e descarta o peso semântico da expressão “sempre que” na legenda

anterior. Embora cada legenda deva ser entendida como uma unidade gramaticalmente

lógica em si mesma, tem de ser coerente e proporcionar fluidez na leitura da sequência

de legendas em que se insere. A informação veiculada em cada legenda está sempre

contextualizada, e este é um fator fundamental a não perder de vista durante o processo

de tradução e legendagem.

Exemplo 2

and the kids are startingto get rowdy, restless.

e os miúdoscomeçam a ficar agitados,

45

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So I just had to stop 'emfrom killing each other.

então tive de acalmá-los um bocado.

No exemplo 2, o ritmo do discurso é novamente intenso o que justifica as opções de

redução do texto. Uma situação muito comum, na primeira legenda, é a conversão de

formas verbais compostas em formas simples, sempre que possível. A escolha do

adjetivo “agitados” é outra forma de resumir “rowdy, restless”; são preferíveis todo o

tipo de sinonímias que reduzam o texto sem afetar o conteúdo e se enquadrem no tipo

de linguagem utilizada. Na segunda frase, tive de optar por uma solução equivalente em

termos semânticos, por ter de ser forçosamente mais breve, mas, em circunstâncias

ideais, poderia ter escolhido uma equivalência literal da mesma expressão, preservando

o estilo. Aliás, duas legendas depois, Buddy afirma que uma das regras da viagem é “No

killing each other on family vacation”, que traduzi como “Não se matem uns aos outros

nas férias” porque havia margem em termos de limite de caracteres e CPS para o fazer.

Apesar de duas expressões idênticas estarem traduzidas de forma diferente num curto

espaço de tempo, este facto não afeta em nada a perceção da situação por parte do

espectador. A mensagem seria muito mais afetada se o tempo de exposição da legenda

não se adequasse a uma velocidade de leitura confortável.

Exemplo 3

This is exactly how Iwanted to start the vacation --

a good meal, really gettin'to hang out with the family.

Era assim mesmoque queria começar as férias.

Uma boa refeição,convívio com a família.

No exemplo 3, a condensação do texto na segunda legenda aparenta retirar a ênfase que

Buddy coloca no convívio em família (really), mas essa ênfase e a coerência entre as

duas legendas está presente na entoação dada à segunda frase (legenda). A primeira é

dita de forma perentória e, na segunda, a entoação dada é a de quem está a enumerar

boas formas de começar as férias. Em termos de pontuação, os dois pontos no final da

primeira legenda seriam indicados numa situação limitada a texto escrito. No contexto

da legendagem, a utilização dos dois pontos não é pertinente e tento sempre evitá-la de

forma a manter a pontuação o mais “limpa” e simples possível (Cintas & Remael, 2014:

46

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104). Neste aspeto, os elementos de ênfase e outras particularidades presentes na

entoação (áudio) são complementares na elaboração das legendas.

No entanto, a entoação pode nem sempre corresponder com o que a legenda sugere. As

estratégias de redução podem implicar reformulações de texto e alterações sintáticas,

como se pode ver nos três exemplos seguintes em que frases interrogativas são

traduzidas como declarativas.

Exemplo 4

LISA: - Ice cream?

BUDDY: - How can you not have ice cream on the boardwalk? Come on.

- Gelado?- À beira-mar é obrigatório.

Exemplo 5

never beenin the restaurant business.

And then, why not try it out?

Nunca tinha tido um restaurantee decidi arriscar.

Exemplo 6

The way my mind works,"Is there a better, faster way?"

Penso sempre se haveráuma forma melhor e mais rápida.

Os últimos três exemplos são casos típicos de inflexões espontâneas que sucedem em

discurso livre, em que a construção das frases é feita de forma mais errática. A tradução

literal dessas mesmas variações iria tornar as legendas mais confusas, pouco fluídas e,

na maioria dos casos, mais extensas, o que não é desejável nem sustentável. Nestes

casos, as frases interrogativas tiveram de ser forçosamente reformuladas e simplificadas

sintaticamente de forma a se obter uma linguagem mais concisa e direta, adequada à

legendagem. No exemplo 4, noutro contexto tradutivo, poderia eventualmente traduzir

literalmente para “Como é que podia não comer gelado no passadiço?” ou então “Não é

normal comer gelado à beira-mar?”. Nenhuma destas soluções se adequaria para

legendagem por serem demasiado extensas, uma vez que necessitava de incluir as duas

falas do diálogo na mesma legenda, e a primeira opção não seria de qualquer forma

adequada para uma leitura fluída.

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A questão de optar por “beira-mar” em vez de “passadiço” tem a ver com o facto de ser

mais elucidativo para o espectador devido ao contexto situacional. Nesta cena, Lisa

questiona o marido em restrospetiva, quando estão os dois numa cena de interior num

sofá, acerca de este ter oferecido gelado aos miúdos. O “passadiço” não é totalmente

esclarecedor em termos referenciais como “boardwalk” em inglês, daí a opção por

“beira-mar”.

As opções tomadas através da redução de texto em legendagem podem retirar alguma

da expressividade do original, mesmo que esta seja complementada de alguma forma

pela imagem e pelo som. As características da oralidade num discurso espontâneo,

sejam inflexões, pausas, hesitações ou repetições, implicam uma reformulação do texto

na sua tradução para legendagem, priorizando-se a concisão e a clareza nas legendas,

quando não é possível manter o mesmo nível de expressividade, de forma a

proporcionar uma leitura fluída ao espectador.

Os exemplos seguintes são precisamente sequências que ilustram diferenças típicas

entre a oralidade e a escrita, ou seja, entre o texto de partida e de chegada, em termos de

forma e conteúdo, como resultado do processo de redução do texto em tradução e

legendagem.

Exemplo 7

LISA: I thought that I really wouldlearn some soul food tricks

that I could bring backto Jersey.

CHRIS: It starts with --we call it

Belle's sausageafter my daughter

LISA: We whipped up thoseshrimp and grits lickety-split.

Quis aprender técnicas de comida"soul" para levar para Jersey.

Começa com a salsicha Belle,que tem o nome da minha filha.

Fizemos aquele prato num instante.

Neste exemplo, a narrativa está intercalada entre a imagem de Lisa num sofá a

descrever a sua experiência em retrospetiva e as imagens dessa mesma experiência a

decorrer com Chris, um cozinheiro que lhe demonstra a confeção de um prato. As

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legendas mudam ao ritmo dessa mesma narrativa, ou seja, ao ritmo dos cortes de

imagem. De realçar a reformulação verbal na primeira legenda, assim como a ligeira

reformulação do discurso oral de Chris de forma a torná-lo mais fluído. Na última

legenda, a tradução foi feita com uma expressão coloquial equivalente e o pronome

demonstrativo evita que se repita o nome do prato, que já estava contextualizado antes

do ínicio deste excerto.

Nos exemplos seguintes, tal como no anterior, é evidente a redução metódica do

discurso oral através de uma reformulação concisa do texto, verificando-se a tal

simplificação sintática e a preservação do seu conteúdo semântico. Cada legenda é uma

unidade compacta e coerente em si mesma, mas obviamente também coerente na

sequência de legendas em que se insere.

Exemplo 8

"Hurt Locker," we were atuallydrinking one night

with a buddy of ours.

And then during the cookout,we all came up with it

one nightand went right on the menu.

O "Hurt Locker", estávamosa beber numa noite com amigos

e, ao cozinhar, tivemos a ideiae foi logo para o menu.

Exemplo 9

When I get in the kitchen,even if I'm gonna,

like, fry myself an eggin the morning, it's like,

"What are you doing?I'll make it for you."

Quando vou à cozinha,

mesmo que vá estrelarum ovo de manhã,

ela diz, "eu faço isso."

Exemplo 10

When you guys have kids, Quando tiverem filhos,

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you're gonna say,"When we were younger,

my mom and dad took us in an RV,

and we barbecued outside."

vão dizer que o vosso pai e mãevos levaram de autocaravana

e fizeram churrascos.

Nos exemplos 9 e 10, há duas opções diferentes na tradução do discurso direto. No

primeiro caso, mantive o discurso direto porque Buddy está a dar ênfase à forma

autoritária como a sua esposa controla as operações na cozinha, sendo claro que está a

personificar Lisa. No segundo, optei por passar para discurso indireto porque não há

mudança percetível no registo de Lisa e o texto fica mais fluído. As omissões

sublinhadas em ambos os exemplos foram necessárias para manter a velocidade de

leitura em níveis aceitáveis e conferir maior coesão ao texto, tendo em conta que não

implicavam qualquer perda de significado na mensagem final.

Nos exemplos seguintes podemos verificar várias situações comuns de redução do texto

por omissão no processo de tradução e legendagem.

Exemplo 11

LISA: Look at that building,how it's made.

MARCO: -It's upside-down.LISA: -How cool.

LISA: This looks likea really happening town.

- Vejam o edifício, que máximo!- Está ao contrário.

Esta cidade parece ter vida.

Lisa e o seu filho Marco falam em simultâneo enquanto admiram um edifício. As suas

falas tinham de ser colocadas numa só legenda, o que implicou a omissão de uma parte

do que é dito. No entanto, não há qualquer perda de conteúdo em termos semânticos,

além de que a parte omitida é quase imperceptível e até acaba por ser redundante. O

essencial é que o tempo de exposição e a sincronização das legendas sejam adequados e

que não seja omitido qualquer elemento que contenha informação relevante. Por norma,

também convém incluir as partes que são mais percetíveis para o espectador, de forma a

que este não fique com a sensação de que há elementos que estão a ser omitidos. Na

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segunda legenda, a equivalência na tradução é alcançada através de uma expressão

também coloquial.

Os diálogos com falas sobrepostas são constantes ao longo da série, nomeadamente

quando os interlocutores se cumprimentam e apresentam uns aos outros em simultâneo,

como no exemplo seguinte. O guião não abrange tudo o que é dito e só é possível

seleccionar e sequenciar as frases a traduzir e legendar com o recurso ao som e à

imagem. Ainda que o texto sofra uma redução acentuada, com muitas omissões, a

velocidade de leitura situa-se em níveis máximos (18 CPS), aumentando a importância

da sincronização das legendas e da preservação de elementos reconhecíveis pelo

espectador, porque essa é uma forma eficaz de manter a proximidade com o texto de

partida nestes casos.

Exemplo 12

BUDDY: Hey, how are you doin'?CHRIS: What are you doin'in Decatur, Alabama?

BUDDY: Buddy Valastro.How you doin'?LISA: Hi. Nice to meet you.

BUDDY: -My wife, Lisa.CHRIS: -Very nice to see you.

LISA: I thought I was gonna seeBig Bob Gibson walkin' in.

BUDDY: -Where's Big Bob? Where’s Big Bob?LISA: -And I see Chris.

O que fazes em Decatur, Alabama?

- Esta é a Lisa.- Muito prazer!

É bom ver-vos!

Pensei que ia vero Big Bob a entrar

e depois vejo o Chris!

No exemplo seguinte, optei por omitir a referência a Nova Orleães, ainda que seja um

elemento facilmente reconhecível pelo espectador. Não há perda de significado, uma

vez que a omissão se encontra devidamente contextualizada. A família acabou de

chegar a Nova Orleães e, na legenda anterior, Buddy afirma que tem de ir comer “antes

de ensinar história” aos miúdos. Por essa razão, preferi manter a coerência contextual do

verbo “aprender” em vez de optar por outra solução tradutiva como “Não dá para ver

Nova Orleães de estômago vazio.”

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Exemplo 13

You can’t learnabout New Orleans

without havinga full stomach.

Não dá para aprender nadade estômago vazio.

Exemplo 14

BUDDY: What's your specialty?

REBECCA: The strawberry suspensioncake down there at the end.

- Qual é a tua especialidade?- O bolo suspenso de morango.

No exemplo 14, a omissão é feita de forma a manter a interação numa só legenda e é

sustentada pela componente visual. Quando Rebecca menciona o bolo de morango,

aponta simultaneamente com o dedo na sua direcção. Este é um dos casos em que a

informação visual complementa a que é omitida nas legendas, ilustrando a natureza

intersemiótica da tradução e legendagem.

No exemplo seguinte, a questão da omissão de informação resulta de motivos diferentes

dos que foram até aqui analisados e tem um impacto muito relevante para o público. Em

todos os episódios desta série são exibidos oráculos6 com informação diversa, desde o

nome, idade e profissão dos interlocutores a notas complementares sobre cidades,

monumentos ou pratos. O problema é que em todos os momentos em que os oráculos

são exibidos há sempre diálogos a decorrer em simultâneo, o que impossibilita a

tradução e legendagem dos oráculos devido à presença das legendas dos diálogos no

ecrã. Quando surgem os oráculos, as legendas são subidas no ecrã para permitir a

visualização destes na língua original, já que parte da informação que contêm é

acessível a muitos espectadores. Nestes momentos, as legendas e os oráculos passam a

ocupar praticamente a metade inferior do ecrã, o que impossibilita quaisquer legendas

adicionais. Este tipo de restrição física do meio audiovisual elimina alguma informação

extremamente pertinente do conteúdo do texto de partida, nomeadamente num

programa com tantas referências culturais. A questão dos oráculos representa, portanto,

uma perda de informação incontornável na tradução e legendagem interlinguística

6 Os oráculos são frases informativas que, neste caso, surgem na parte inferior do ecrã durante a emissão da série.

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devido às características do meio utilizado. Nos canais Discovery, a perda ainda é

maior, porque as indicações dadas pela empresa são no sentido de colocar uma barra

preta sob as legendas na presença de oráculos, o que bloqueia totalmente a informação

que estes possam conter. O exemplo seguinte ilustra a relevância da informação que se

perde, havendo outros exemplos mais adiante relacionados com estrangeirismos.

Exemplo 15

It's got a greatmarbling to it.

It looks really good.I can't wait to eat it.

Tem ótima cor,muito bom aspeto, quero prová-la.

O termo marbling está explicado no oráculo que incluo em baixo, do qual fiz aqui uma

possível tradução. Na série, o oráculo surge no ecrã e permanece durante a exposição de

duas legendas consecutivas de diálogo que decorre em simultâneo, ou seja, para além da

questão do espaço para legendagem no ecrã, não seria viável para o espectador ter

tempo de leitura suficiente para as legendas consecutivas e o oráculo em simultâneo.

Oráculo (exemplo 15)

Marbling refers to white streaks of fat in meat. More marbling means a juicy burger.

O marmoreio deve-se às estrias brancas de gordura na carne. Mais estrias implica que o hambúrguer seja mais saboroso.

Como se pode verificar, a informação contida nos oráculos desta série é muito relevante

e complementa muitos termos e factos veiculados nos diálogos. Neste caso, não

podendo considerar a informação do oráculo, optei por traduzir marbling simplesmente

como “cor”, evitando a complexidade de inserir o termo “marmoreio” sem as devidas

considerações adicionais. O significado final da mensagem é mantido em termos

simples, ou seja, Buddy acha que a carne tem ótima cor e por isso quer prová-la.

No exemplo 15, há ainda uma omissão que implica alguma variação semântica entre a

legenda e o discurso oral. A omissão de “can’t wait” retira ênfase ao desejo de Buddy

de provar a carne, mas a velocidade de leitura levou-me a simplificar o texto de chegada

em prejuízo dessa variação semântica.

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9.1.1 Velocidade do discurso

Nos exemplos seguintes pretendo demonstrar a relevância da velocidade do discurso na

forma de reduzir o texto, comparando os valores de caracteres por segundo (CPS) entre

o discurso oral e escrito, abordando algumas sequências com interlocutores que falam

rápido. A análise parece-me ser elucidativa quanto à dificuldade em traduzir e legendar

estas sequências, uma vez que a parte escrita tem de estar sincronizada com a parte oral

e, portanto, a velocidade do discurso deverá ser teoricamente compatível.

Exemplo 16

The way we fry it.It's just the technique. (19 CPS)

We only have one little fryer,believe it or not. (21 CPS)

A forma como o fritamos,é a técnica. (17 CPS)

Só temos uma pequena fritadeira. (13 CPS)

Exemplo 17

The succotash is really good. (14 CPS)

You got to start making itfor me at home.

I know! (22 CPS)

How comeyou don't make me succotash?

I didn't know about succotashtill we came down to the South. (27 CPS)

O "succotash" é muito bom. (13 CPS)

- Tens de começar a fazer em casa.- Eu sei. (18 CPS)

- Porque é que não fazias?- Nunca tinha ouvido falar antes. (16 CPS)

Exemplo 18

What we're gonna be doingis dragging a try trawl. (21 CPS)

Vamos usar uma rede de amostragem,(14 CPS)

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It's a very small versionof a trawl,

and a trawlis a shrimping net. (29 CPS)

uma versão muito pequenade uma rede de arrasto. (15 CPS)

Estas sequências com velocidades de discurso muito elevadas sucedem constantemente

em todos os episódios da série. O rácio ideal de velocidade de leitura indicado pela

Cinemágica é de 12 CPS, sendo que este valor é apenas uma referência, uma vez que

sofre variações inevitáveis conforme já foi referido anteriormente. A média dos valores

de CPS em programas deste género ronda os 14 CPS, conforme sugerido pela empresa.

Como podemos verificar nos exemplos anteriores, as médias de CPS nas legendas são

elevadas mas sustentáveis para permitirem a sua devida leitura. Em todos os casos, são

sempre inferiores aos valores no texto de partida em consequência dos processos de

redução de texto. Mas convém considerar ainda outro fator, que é o facto de a maioria

das palavras e estruturas frásicas da língua inglesa serem mais curtas do que as que são

normalmente usadas em português, sem esquecer que no discurso oral em inglês se

costuma abreviar as palavras mais longas. Estas considerações permitem ter uma noção

da extensão dos processos de redução e adaptação do texto necessários para se traduzir e

legendar uma série ou programa com níveis de densidade e velocidade do discurso

como os que são aqui demonstrados.

Nos exemplos 16 e 17, as omissões estão sublinhadas no texto de partida. No primeiro

caso, a omissão relevante é a da expressão “believe it or not”. Duas legendas antes, a

interlocutora, que é proprietária de um restaurante, afirma que servem cerca de 200

pessoas ao almoço todos os dias e, nesta legenda, revela que só têm uma fritadeira,

“acreditem ou não.” Há obviamente uma perda semântica em termos de ênfase, mas o

significado referencial da mensagem permanece inalterado. A opção foi tomada com

vista a preservar a capacidade de leitura do espectador, uma vez que a legenda ficaria

demasiado rápida (21 CPS) e a perda de informação não é significativa. No exemplo 17

verifica-se uma situação semelhante na omissão de “till we came down to the South.” O

espectador já sabe que a família está no Sul e a opção tomada mantém o significado da

mensagem intacto.

O exemplo 18 é um caso típico de condensação de um discurso oral acelerado, com

muitas repetições. A prioridade é a reformulação do texto, simplificando-o

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sintaticamente e mantendo o seu conteúdo semântico. A sincronização tem de ser

efetuada com precisão, efetuando a separação de legendas de acordo com palavras-

chave ou pausas curtas no discurso, particularmente nestes casos que requerem uma

adaptação mais profunda do texto. De outra forma, poderá causar estranheza no

espectador, mesmo que a tradução do texto seja adequada.

9.1.2 Divisões nas legendas

Em relação às mudanças de linha nas legendas, já foi referido que estas divisões

deverão obedecer a uma lógica semântica ou sintática. A mudança de linha deverá ser

efetuada idealmente, e por ordem de critério, numa marca de pontuação, numa divisão

entre sujeito e verbo ou na divisão entre o verbo e os seus complementos. Contudo, esta

ordem de critérios nem sempre é possível de respeitar devido às limitações óbvias de

espaço. Os exemplos seguintes ilustram algumas das situações mencionadas

anteriormente.

Exemplo 19

Marco, here isyour "Hurt Locker," my man.

Marco,aqui está o teu "Hurt Locker".

A divisão é efetuada na marca de pontuação, neste caso uma vírgula. Ainda que a

legenda possa parecer esteticamente pouco equilibrada, uma vez que a primeira linha é

muito curta em relação à segunda, esta é a forma ideal de mudar de linha porque

privilegia a lógica gramatical na leitura.

Exemplo 20

Being confined in an RV,

it just brought uscloser together.

Estarmos confinados numa caravanaaproximou-nos.

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No exemplo 20, faz-se a divisão entre o sujeito e o verbo. Por norma, será preferível que

a linha inferior seja maior que a superior, a não ser que a lógica gramatical se imponha,

como sucede neste caso e em muitos outros idênticos.

Exemplo 21

soakingin its top attractions

Visitandoas suas principais atrações

No exemplo 21, a mudança de linha é efetuada entre o verbo e o complemento direto,

novamente respeitando a lógica sintática.

Exemplo 22

You all bettersave room for dessert

because our strawberry pretzelsalad is what we're known for.

Poupem-se para a sobremesa, asalada pretzel de morango é famosa.

Neste exemplo, a divisão ideal deveria ser efetuada na vírgula e evitar ao máximo a

separação entre o artigo e o nome, mas, por vezes, não há outra alternativa.

9.2 Dificuldades tradutivas linguísticas e culturais

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Após ter abordado as estratégias de tradução e adaptação de texto para legendagem

diretamente relacionadas com as restrições físicas impostas pela natureza dos meios

audiovisuais, irei abordar dificuldades tradutivas focadas em questões linguísticas e

culturais. Estas duas questões são, de certa forma, impossíveis de considerar em

separado, uma vez que a tradução interliguística implica a transposição de uma barreira

que é também cultural. Para efeitos de uma análise mais focalizada, optei por incluir na

componente linguística os exemplos associados ao tipo de registo, expressões

idiomáticas e coloquiais. Na componente cultural, incluí exemplos como

estrangeirismos, regionalismos e “vazios referenciais” (Rabadán, 1991: 164, citado em

Cintas, 2003: 247) abordados de um ponto de vista mais concetual.

9.2.1 Dificuldades linguísticas

As dificuldades tradutivas linguísticas que aqui apresento são exemplos em que não foi

possível obter uma tradução literal, por razões de natureza diversa, optando por soluções

que implicam sempre alguma criatividade e, por vezes, várias abordagens até se

conseguir estabelecer uma solução que seja o mais eficaz possível dentro das

dificuldades específicas de cada situação.

Exemplo 23

BUDDY: We're in Savannah,known as the Hostess City.

Food. Food. Food.

BUDDY: And a mighty fine one she is.

Estamos em Savannah,a "cidade hospitaleira"...

que sabe mesmo como receber.

Exemplo 24

Owners Keithand Jill Forrester

Os donos, Keith e Jill Forrester,

têm o único restaurante

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are the onlyfarmer-owned-and-operated

restaurant in Memphis,

de base agrícola em Memphis,

Estas duas primeiras situações são exemplos de frases de registo informal em que a

tradução das expressões utilizadas implica uma reformulação, que nem sempre é óbvia,

com vista a manter o seu conteúdo semântico e o estilo. No primeiro exemplo, a

expressão “hostess city” é traduzida de uma forma praticamente literal e perfeitamente

adequada, mas a segunda metade da frase obrigou a uma explicitação diferente do seu

contéudo e a uma reestruturação sintática da frase, sem que a sintonia e o estilo entre o

discurso oral e escrito ficassem afetados. Convém referir ainda a aplicação do itálico,

por se tratar de uma narrativa em voz-off, e da inclusão de reticências no final da

primeira legenda, por haver uma ligeira pausa entre legendas com informação áudio

traduzível mas irrelevante, tratando-se de um ruído de fundo cuja legendagem iria afetar

e confundir a sequência da narrativa principal. As aspas justificam-se, uma vez que se

trata de uma designação.

No segundo exemplo, a dificuldade da tradução do conteúdo deve-se sobretudo a uma

questão de espaço. O sintagma nominal “farmer-owned-and-operated restaurant”

exprime um conceito dificilmente traduzível de forma condensada em português, devido

às diferenças de estruturação gramatical próprias de cada idioma. O conceito refere-se a

um restaurante cujos proprietários são agricultores e cujos produtos são exclusivamente

provenientes da sua produção. Se traduzisse apenas como “restaurante agrícola” poderia

ter uma interpretação mais abrangente, sendo que este restaurante é referido como sendo

o único em Memphis. Por outro lado, também não poderia ser descrito apenas como um

“restaurante gerido por agricultores”. A expressão aplicada pareceu-me transmitir o

carácter mais específico do conceito, tendo em conta que é apresentado como invulgar,

sendo depois complementada pela descrição dos proprietários acerca do funcionamento

do seu negócio.

Exemplo 25

BUDDY: I love snow crab.I love Dungeness crab.

Adoro caranguejo real, das neves,

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I love blue crab.I love crab, okay?

LISA: We're a crabbykind of family!

do Pacífico, azul,adoro caranguejo!

- Ok?- A família toda adora.

Este último exemplo é um dos casos em que não há uma expressão equivalente na

cultura de chegada que permita transmitir o jogo de palavras da mensagem original na

totalidade, porque não é possível veicular a relação intralinguística existente no texto de

partida entre os termos “crab” e “crabby” para o texto de chegada. Na legenda anterior,

Buddy diz que a família toda come caranguejo e depois refere especificamente todas as

espécies que aprecia e Lisa refere de forma bem-humorada que são uma família

“crabby”. Este termo é uma expressão coloquial que significa “irritadiço” ou com “mau

feitio”, conferindo um carácter de humor à sua observação. Neste caso, não sendo

possível recriar o efeito humorístico por outras palavras e uma vez que esse mesmo

efeito não é relevante ou prioritário, optei por adaptar o texto no sentido de manter a

sintonia e a integridade narrativa. Para além da lógica da resposta em si no contexto ser

eficaz, o facto de esta ser curta e de manter a palavra “família”, pela semelhança com

“family”, não provoca estranheza ou sensação de perda de alguma informação no

espectador, sendo esta uma das prioridades em tradução e legendagem. Estes aspetos

podem parecer meramente superficiais ou cosméticos, mas são fundamentais para uma

comunicação coerente e fluída.

No exemplo seguinte, a questão do humor dificilmente pode ser ignorada e é necessário

considerar os elementos visuais e, sobretudo, sonoros de forma a se alcançar a

equivalência desejada.

Exemplo 26

Dallas Mill Deli.We're a little bit hungry.

Dallas Mill Deli,estamos com "fomi".

Nesta cena, a família acabou de entrar num estabelecimento e Lisa diz esta frase,

provocando uma gargalhada geral. A razão é a forma harmónica como ela profere a

frase, realçando a rima de “Deli” com “hungry”. Conforme foi demonstrado no exemplo

anterior, a questão do humor em tradução e legendagem pode ser de difícil resolução. A

transposição de jogos de palavras para o texto de chegada com o objetivo de se manter o

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elemento humorístico revela-se muitas vezes uma tarefa de difícil execução, implicando

normalmente perdas do conteúdo semântico original de forma a se alcançar uma

equivalência de efeito. Neste caso, essa equivalência de efeito é desejável porque há

uma reação evidente das personagens em cena em relação ao que foi dito. A solução

encontrada foi a de fazer uma ligeira adaptação no texto que permitiu manter o

significado e o seu efeito humorístico.

Os exemplos que se seguem demonstram várias soluções para a tradução de expressões

idiomáticas. Nos dois primeiros casos, as traduções são feitas através de expressões

idiomáticas equivalentes na cultura de chegada, mantendo-se o efeito original da

mensagem em termos semânticos e de estilo.

Exemplo 27

Now Buddy's competitive juicesare flowing.

O Buddy está a mostrara sua veia competitiva.

Exemplo 28

That's right up your alley. É mesmo a tua cara.

No exemplo seguinte, não tendo encontrado uma expressão na cultura de chegada que

fosse idiomática ou tivesse um valor semântico e lírico semelhante à original, optei por

explicitar o seu significado com uma frase igualmente curta e eficaz. Verifica-se uma

perda em termos de estilo, já que não é usado o mesmo tipo de linguagem lírica. Buddy

está a falar com Lisa ao seu lado, numa das tais cenas de retrospetiva no sofá.

Exemplo 29

Sometimes with the kidsand the craziness,

we're like two shipspassing in the night.

Por vezes, com os miúdos e a confusão

quase não temos tempo para nós.

Os dois exemplos seguintes ilustram duas soluções diferentes para a mesma expressão

coloquial empregue em momentos distintos de um episódio da série. O facto de estar

inserida em contextos gramaticais diferentes fez com que optasse por estratégias

diferentes.

Exemplo 30

61

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Four picky eatersare trying some bizarre food...

Quatro bocas difíceisprovam comida bizarra...

Exemplo 31

Last night, the boudin wasn'tthe kid's first choice.

So we hoped, by giving the kidsa lot of choices here,

we could avoidsome picky eaters.

Ontem à noite, o "boudin"não foi uma escolha dos miúdos

e achámos que,dando-lhes mais para escolher,

poderiam estranhar menos.

No primeiro exemplo, a expressão “bocas difíceis” mantém o significado, a brevidade e

o estilo coloquial da expressão original “picky eaters”, sendo contextualizada pela

narrativa em voz-off que reforça a noção de os miúdos serem bocas difíceis de satisfazer

à mesa. No segundo exemplo, optei por adaptar o texto porque a aplicação da mesma

tradução teria um resultado pouco coerente na forma como a frase está articulada, além

de que poderia ser interpretada de outra forma: “podíamos evitar bocas difíceis”, sendo

que “bocas” pode ser entendido em linguagem coloquial como “comentários”. O

significado da expressão não seria claro e a forma como o texto é reformulado

demonstra ser uma tradução mais concisa, em que o significado transmitido é

inequívoco e a construção frásica é natural.

Exemplo 32

This thing driveslike a cream puff.

A caravana abana como gelatina.

62

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O exemplo 32 ilustra a tradução de uma expressão coloquial por outra equivalente na

cultura de chegada, mantendo-se intactos o conteúdo semântico e o estilo.

Curiosamente, a imagem visual da caravana a abanar é mais forte utilizando na língua

de chegada o termo “gelatina” do que “profiteroles” (cream puff).

Os exemplos seguintes são casos em que as soluções tradutivas estão relacionadas com

o registo de linguagem utilizado.

Exemplo 33

BUDDY: I'm old-school. Grandpa taught me how to do it with my teeth.

MARCO: With your teeth?Isn't that disgusting?

O avô ensinou-me a usar os dentes.

Com os dentes? Isso não é feio?

No exemplo 33, Buddy demonstra ao filho como se come lagostim. A questão é o termo

“disgusting” na resposta de Marco, que normalmente é traduzido como “repugnante” ou

“nojento” em outros contextos. Neste caso, é importante considerar que se trata de um

diálogo entre pai e filho, num registo familiar em que o calão não é utilizado, e que o

emissor, Marco, é uma criança de nove anos. Deste ponto de vista, a solução encontrada

será a mais coerente, adotando o mesmo critério ao longo de toda a série em situações

semelhantes.

Nos exemplos seguintes, a mesma expressão idiomática é traduzida de forma diferente

em ocasiões distintas. A primeira situação ocorre numa hamburgueria e o emissor é um

empregado de mesa que utiliza um registo bastante coloquial. O segundo exemplo

sucede num restaurante mais sofisticado em que a empregada de mesa utiliza um registo

mais formal. Convém também referir que o espaço para legendagem permitiu adotar as

soluções ideais. No primeiro exemplo, o cheeseburger só surge na legenda seguinte por

motivos de sincronização.

Exemplo 34

Last but not least, cheeseburgerwith tomatoes and lettuce.

- E para acabar bem...- Obrigado!

Exemplo 35

63

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and lastbut certainly not least,

I've got some red velvet.

Por fim, mas não menos importante,o bolo vermelho.

9.2.2 Dificuldades culturais

Os exemplos que se seguem relacionam-se com a tradução e legendagem de termos com

as mais diversas raízes culturais, adotando várias estratégias para abordar as

especificidades de cada caso e mantendo um critério coerente ao longo da série. Os

termos inserem-se quase exclusivamente no domínio da gastronomia, em que é

frequente a utilização de termos que, por serem facilmente reconhecíveis, ultrapassam

barreiras linguísticas e culturais, mas será também comum a ocorrência de termos que

não possuem equivalência linguística entre culturas. Além disso, ainda haverá alguns

casos que se situam entre estes dois extremos, devido à riqueza de nuances entre

conceitos semelhantes pertencentes a universos culturais diferentes, que é comum no

domínio da gastronomia.

O primeiro exemplo é um caso de dois termos distintos na língua de partida que

partilham a mesma equivalência na língua de chegada. Os termos “taste” e “flavor”são

conceitos distintos, embora as palavras sejam utilizadas muitas vezes como sinónimos

em língua inglesa. A diferença entre os dois termos está no facto de “taste” estar

associado à perceção sensorial do paladar (doce, salgado, amargo, ácido) e de

“flavor”estar associado à perceção do sabor conjuntamente através do aroma e do

paladar7. No entanto, a utilização coloquial das duas palavras sobrepõe-se muitas vezes,

sendo que partilham quase sempre a mesma equivalência em português, “sabor”, uma

vez que a distinção referida entre os dois termos originais não tem equivalência direta

na língua portuguesa. Com o objetivo de manter essa distinção, optei incialmente por

traduzir “flavor” como “aroma” na seguinte interação. A primeira legenda corresponde

a uma narrativa em voz-off durante a confeção de um doce e a segunda é a pergunta

consequente que Carlo faz ao pai ainda no mesmo contexto.

7 Foi lançado um artigo sobre esta matéria no site vinícola Wine Folly, da autoria da escritora Madeline Puckette, publicado a 23/04/14. Disponível em http://winefolly.com/tutorial/taste-vs-flavor-vs-aroma/

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Exemplo 36

As the arms pull and stretchthe unflavored taffy mixture,(...)CARL:- What does it taste like with no flavor?BUDDY: -It's just sweet.

Quando os braços puxam e esticama mistura caramelizada sem sabor,

(...)- A que sabe sem sabor?

- É apenas doce.

Como se pode verificar, acabei por não manter a opção inicial porque, apesar de estar a

tentar transmitir para a língua de chegada a distinção entre os dois termos na língua de

partida, esta não seria a forma correta de o fazer, uma vez que aroma é um conceito

distinto de “flavor” e a sua utilização não justificaria o fim que pretendia, mesmo que o

espectador não estivesse ciente dessa alteração semântica forçada. Além disso, numa

segunda abordagem, acabei por realizar que dizer que algo “não tem sabor” é uma

expressão comum em português, o que torna lógica a pergunta colocada por Carlo.

Deste ponto de vista, reforçado pelo facto de se tratar de uma linguagem própria de uma

criança, optei por traduzir de forma semelhante os dois termos. Digo “semelhante”

porque, apesar de terem a mesma raíz, “sabe” é a forma flexionada de um verbo e

“sabor” é um nome. Em última análise, o significado da interação é preservado e, na

minha opinião, a questão parece-me soar de forma ainda mais pertinente ao ser

articulada desta forma.

Nos exemplos seguintes, abordo o critério para a tradução, ou não tradução, de

estrangeirismos e de alguns termos que não possuem equivalência na cultura de

chegada, ilustrando a situação de “vazio referencial” já mencionada anteriormente.

Exemplo 37

- So what's your specialty here?- Tortellini with blush sauce.

- Qual é a especialidade?- Tortellini com molho "blush".

Exemplo 38

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BUDDY: We can do calzoneor fritelli.

SOFIA: Pasta!

Podemos fazer calzone ou fritelli.

Massa!

Estes dois primeiros exemplos ilustram três tipos de estratégias diferentes e muito

comuns que se utilizam para a tradução de termos num domínio como a gastronomia.

Em termos de critério, optei pela não tradução de palavras que considero como

estrangeirismos8, partindo do pressuposto que estas são reconhecíveis por grande parte

das pessoas na cultura de chegada. São os casos de termos como “tortellini”, “calzone”

ou “fritelli” e de outros semelhantes que surgem muitas vezes ao longo da série e que,

sendo uns mais reconhecíveis do que outros na cultura de chegada, optei por não

traduzir e não inserir entre aspas (sendo a questão das aspas também pertinente devido a

condicionar o limite de caracteres). Em relação à grafia, mantenho a original a não ser

que já exista um aportuguesamento do termo, como no caso de suflé em vez de

“soufflé”. Contudo, quando coloquei a dúvida à minha orientadora de estágio em relação

ao termo “croissã”, que surgia referenciado no dicionário da Porto Editora, foi-me dito

que seria melhor adotar a grafia original, “croissant”. Ou seja, por vezes há uma área

cinzenta em que o tradutor deverá avaliar qual a grafia utilizada mais frequentemente na

cultura de chegada.

Por outro lado, em relação aos termos em que opto por fazer uma tradução por

empréstimo (Cintas, 2003: 247), como é o caso de “blush” e de “boudin” nos exemplos

37 e 31 respetivamente, reforço essa mesma distinção entre tradução por empréstimo e

estrangeirismo através do recurso a aspas. Aplico a estratégia de tradução por

empréstimo quando não existem equivalências na cultura de chegada ou outras soluções

tradutivas para os termos em questão. Os dois termos acabados de referir, por exemplo,

tinham a sua definição explicitada em oráculos que, conforme já foi mencionado, não

podem ser traduzidos e legendados.

8 Na óptica do Dicionário de Estrangeirismos, em linha no Portal da Língua Portuguesa, “palavras provenientes de outras línguas, como é o caso de aftershave, picnic ou ghetto. Estas palavras, a que se chama estrangeirismos, têm este nome por serem provenientes de outras línguas e serem escritas de acordo com a ortografia da sua língua de origem, em desacordo, num ou em vários aspetos, com a grafia, a morfologia ou a relação entre grafia e pronúncia do português”. (...) “Se o uso for suficientemente frequente e duradouro, é comum o aparecimento de um termo ou expressão equivalente (como rato, "dispositivo informático", para mouse), ou a adaptação à escrita e à pronúncia do português — como aconteceu, entre muitos outros casos, com líder e futebol”. Disponível em http://www.portaldalinguaportuguesa.org/index.php?action=loanwords&&page=present (último acesso a 17.07.2016).

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Por fim, há os termos que podem ser traduzidos de forma literal, como é o caso de

“pasta” no exemplo 38.

Os critérios acabados de referir foram devidamente abordados com a minha orientadora

na empresa durante a realização do estágio, chegando-se à conclusão de que há alguma

margem para a forma como cada tradutor lida com a tradução deste tipo de termos,

desde que o critério aplicado seja coerente.

No exemplo seguinte, o termo “taffy” não tem correspondência em português, embora

tenha optado por traduzi-lo como “gomas”. A confeção e a constituição do doce poderá

ser distinta das gomas, mas ainda assim tem muitas semelhanças, nomeadamente em

termos visuais. Dessa forma, sendo um produto com características muito semelhantes e

não se tratando de um contexto especializado, optei por estabelecer esta equivalência

entre os dois termos sem que tal afetasse de forma alguma a essência da narrativa.

Exemplo 39

All my eyes could seewas a mom-and-pop taffy shop

that I wanted to check out.

LISA: Look at all this taffy!

Só tinha olhos para uma doçariaem que queria entrar.

Olha para tantas gomas!

De referir ainda a condensação da expressão “mom-and-pop taffy shop” para “doçaria”

por questões de espaço, considerando que a especificação do conceito era irrelevante.

Os exemplos seguintes ilustram soluções de tradução e legendagem para transmitir

variações com relevância cultural na pronunciação de termos no discurso de partida, que

são obviamente indissociáveis da componente sonora. Em todos os casos, optei por uma

ligeira adaptação do texto que transmitisse as variações fonéticas presentes no discurso

oral original, ou seja, procurei obter uma equivalência de efeito.

Exemplo 40

BUDDY: What was your favoritefood we ate so far?

- Qual foi a tua comida favorita?- Os calamares.

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MARCO: The calamari, I mean...

BUDDY: Hey, son, it's...[ Italian accent ]calamari.

MARCO: Calamari.

BUDDY: - No, calamari.MARCO: - I don't say it with an accent.

- Filho, diz-se "calamari".- Calamares.

- Não, "calamari".- Não digo com sotaque.

Exemplo 41

LISA: It's a nice areaof "Mobil," Alabama.

BUDDY: - Mobile.LISA: - Mobile.

BUDDY: Don't embarrass melike city folk.

- Bela zona de "Mobil", Alabama.- Mobile.

Não me embarasses assim.

No último exemplo, Lisa não pronuncia o nome da cidade devidamente e é corrigida por

Buddy. A expressão “city folk” é omitida por uma questão de espaço e por não ser uma

perda relevante em termos semânticos neste caso.

No exemplo seguinte, os termos “slammer crioulo” e “étouffée” são designações de

pratos típicos no sul dos EUA. As adaptações do texto correspondem à fonética das

tentativas de pronunciação por parte de Lisa.

Exemplo 42

WAITRESS: We havethe creole slammer,

Temos o “slammer crioulo”,que é batata ralada e ovo

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which is hash brownsand egg

topped with my mother'srecipe of \touff\e.

LISA: -\touff\e?WAITRESS: -\touff\e.

LISA: Look, we even learna little French here.

BUDDY: Oui, oui, madame.

LISA: - \touff\e.BUDDY: - \touff\e.

com a receitada minha mãe de "étouffée".

- "Étufei"?- "Étouffée".

Até aprendemos francês aqui.

Sim, madame.

- "Aitufei".- "Étouffée".

Os exemplos que se seguem expõem algumas estratégias adotadas para transpôr para o

texto de chegada as variações resultantes de regionalismos no texto de partida. No

primeiro exemplo, “poboys” é a designação de uma sandes muito popular no sul dos

EUA que deriva da expressão “poor boys” por ter raízes numa tradição gastronómica

das classes mais desfavorecidas. Apesar de Lisa usar a expressão original, e sendo esta a

única vez em que ela é usada, optei por traduzir sempre como “poboys” para haver

maior coerência. A sandes tem um formato comum que é reconhecível noutros locais,

assumindo designações diferentes.

Exemplo 43

LISA: -What exatly are poor boys?WAITER: -All right. Where're y'all from?

LISA: -New Jersey.WAITER: -Okay.

WAITER: To put it into Jersey terms,it's like a hoagie sandwich.

It's on French bread and stuffedwith whatever you want.

O que são "poboys"?

- De onde são?- New Jersey.

Em Jersey, seria como uma "hoagie".

Em pão francêse com o que quiserem.

Nesta interação, embora fosse desejável transmitir a relação entre “poboys” e uma

“hoagie” para a audiência na cultura de chegada, a opção de atribuir uma equivalência

para “hoagie”, como por exemplo, “sandes em baguete”, seria vulnerável por estar a

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associar um termo da cultura de chegada a um regionalismo de New Jersey. Ou seja,

estaria a assumir que a cultura de um interlocutor do programa e a cultura do espectador

seriam a mesma coisa. Além disso, o empregado acaba por esclarecer, na última

legenda, o tipo de sandes em questão.

No exemplo seguinte, verifica-se uma diferença de pronunciação da palavra “ricotta”

por parte de Melissa, que não fala italiano, e Lisa, que tem raízes italianas.

Exemplo 44

MELISSA: All right. So let'sgo ahead and do our ricotta.

LISA: Now, you say ricottalike the South do.

LISA: -I say ricotta like the --MELISSA: -I love that!

Vamos fazer o requeijão.

Dizes requeijãocomo dizem aqui no Sul.

- Eu digo "ricotta".- Adoro!

Uma vez que Lisa afirma que a sua colega “diz ricotta como se diz no Sul”, optei por

manter o termo original (empréstimo) quando Lisa reforça a sua pronunciação original

em italiano, contrastando com o termo equivalente “requeijão”, uma vez que o objetivo

seria obter uma equivalência de efeito.

Nestes últimos exemplos, assiste-se a uma interação complexa cujo tema se estende ao

longo do episódio. O tema é a famosa discussão eterna que existe na comunidade

italiana nos EUA acerca do termo “correto” para se referir ao molho sagrado de tomate

que acompanha a massa: “gravy” ou “sauce”? A resposta está longe de ser consensual

porque obedece a tradições familiares e regionais difíceis de delimitar e justificar,

conforme pude verificar através de alguma pesquisa9. Contudo, na língua inglesa existe

uma distinção clara entre os dois termos, sendo que “gravy” implica que o molho seja

feito com base no líquido que a carne liberta durante a cozedura. O termo “sauce” é

equivalente à definição mais abrangente de “molho” em português, ou seja, qualquer

composto líquido ou cremoso que sirva de acompanhamento em gastronomia. Nesse

sentido, com vista a transmitir o regionalismo existente no texto de partida,

9 Em relação ao tema, uma excelente referência foi o artigo lançado no blog linguístico Lexicon Valley da revista norte-americana Slate, da autoria do escritor e editor Bill Tonelli, publicado a 16/11/2015. http://www.slate.com/blogs/lexicon_valley/2015/11/16/it_is_called_sauce_or_gravy_a_slate_investigation_into_the_linguistics_of.html

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estabelecendo o mesmo tipo de ambiguidade na relação intralinguística entre os dois

termos, optei por traduzir “sauce” como “molho” e “gravy” como “caldo”. Embora a

correspondência concetual não seja exata, permite-me fazer a distinção de forma eficaz

e manter a essência da interação comunicativa intacta, ou seja, permite-me obter uma

equivalência de efeito.

Exemplo 45

BUDDY: -See how they make gravy?LISA: -No, sauce.

LISA: I taught my kidsthat it's sauce, not gravy.(...)BUDDY: -My family called it gravy.LISA: -And I called it sauce.

BUDDY: And all my friendscalled it gravy.

LISA: Gravy is somethingyou put on meatloaf.

- Vês como fazem o caldo?- Não, molho.

Ensinei os miúdos que é molho,não é caldo.

(...)A minha família diz "caldo"e os meus amigos também.

O caldo usa-se no rolo de carne.

No exemplo seguinte, ainda no contexto da mesma discussão, Buddy questiona uma

empregada de mesa que é natural de New Jersey, como a família Valastro, e trabalha no

restaurante em Nova Orleães onde se encontram. O nome do restaurante é “Red Gravy”,

o que adiciona outro grau de complexidade à tradução.

Exemplo 46

BUDDY: What did you grow upcalling it?

WAITRESS: Sauce.

[ Laughing ]

BUDDY: So why do you call itRed Gravy?

WAITRESS: Because New Orleanscall it red gravy.

BUDDY: I'll never call it sauce.

Como é que te ensinaram?

Molho.

E o nome disto é Red Gravy (caldo)?

Porque é assim que se diz cá.

Nunca direi molho.

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LISA: Well, I'll nevercall it gravy.

E eu nunca direi caldo.

Em primeiro lugar, devido à velocidade do discurso oral, realço a condensação do texto

de partida na interação entre Buddy e a empregada. Quando Buddy a questiona em

relação ao nome do restaurante, o seu discurso oral é reforçado pelo gesto deítico na

direcção do letreiro com o nome do restaurante, permitindo a utilização do pronome

demonstrativo “disto”.

Os nomes próprios são mantidos na língua de partida, a não ser em casos excecionais

em que a informação que possam conter seja pertinente para a audiência. Este seria um

desses casos, uma vez que o espectador só pode perceber a relevância da pergunta de

Buddy se souber o significado da expressão “Red Gravy”. As opções possíveis seriam

uma tradução literal, “Caldo Vermelho”, ou uma técnica de compensação que permita

acrescentar a informação em perda entre parêntesis. Devido à natureza do meio

audiovisual, a utilização desta técnica é rara por quebrar a leitura do espectador e ser

inevitavelmente um elemento de perturbação na comunicação, ou seja, deve ser

utilizada em último recurso e apenas quando a perda de conteúdo semântico na

mensagem original for significativa. Neste caso, o nome do restaurante já tinha sido

mencionado quatro vezes no episódio e, de forma a manter a coerência, optei por manter

“Red Gravy”. Além disso, a sua tradução literal implicava um problema de espaço

devido ao uso excessivo de caracteres. Acabei por acrescentar apenas o termo “caldo”

entre parêntesis, parecendo-me ser suficiente para “compensar” a informação perdida

com a manutenção do nome próprio em inglês e permitindo gerir melhor a legendagem

em termos de velocidade de leitura.

10. Conclusão

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O estágio na Cinemágica provou ser um complemento fundamental que permitiu a

aplicação prática das noções adquiridas durante o Mestrado em Tradução e Serviços

Linguísticos, bem como ganhar uma perspetiva aprofundada do contexto profissional na

área específica da tradução e legendagem. O trabalho realizado e o contacto com o

ambiente profissional permitiram desenvolver uma visão sustentada e clara acerca das

capacidades que o tradutor-legendador tem de possuir e aperfeiçoar o desempenho para

atingir os níveis de qualidade exigidos pela empresa, em consonância com as melhores

práticas profissionais. Este nível de exigência, conforme foi mencionado no relatório,

implica lidar com diversos obstáculos que testam a criatividade, experiência e

resiliência do tradutor. A pressão acrescida de prazos apertados de entrega, software de

difícil adaptação, domínios imprevisíveis de tradução, desafios constantes à capacidade

criativa do tradutor, processos inevitavelmente demorados e baixas remunerações, entre

outras dificuldades profissionais, constitui uma realidade com que, a meu ver, o

tradutor-legendador deverá lidar preferencialmente à partida, a fim de estar ciente do

que lhe será exigido e preparado para enfrentar o desafio dessa mesma exigência.

O desenvolvimento de competências técnicas foi um fator de grande retorno durante o

estágio realizado, nomeadamente em termos de domínio de software, técnicas de

pesquisa terminológica, técnicas de tradução e redução de texto, bem como em termos

de metodologia e ordem de processos. Esta componente prática do estágio permitiu

testar e aplicar os pressupostos teóricos adquiridos durante o mestrado, possibilitando a

avaliação criteriosa de dificuldades tradutivas num contexto profissional e um aumento

gradual das capacidades do tradutor em encontrar soluções adequadas e fundamentadas.

A utilização de software de legendagem gratuito, nomeadamente o Aegisub, colocou

muitos entraves à partida, mas permitiu-me desenvolver capacidades técnicas em

legendagem e ter um maior domínio de parâmetros específicos. Por força das

circunstâncias, permitiu-me atingir o nível de qualidade pretendido sem recorrer a

software profissional dispendioso, ainda que implicasse processos mais demorados. O

aperfeiçoamento do processo de legendagem e o domínio dos seus parâmetros resultou

numa maior eficácia nas tomadas de decisão durante o processo de tradução. O estágio

deu-me a noção clara de que os processos de tradução e legendagem são indissociáveis

e de que o produto final tem garantias de maior consistência quando ambos os processos

são efetuados pela mesma pessoa.

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Em suma, a realização do estágio foi extremamente positiva para ganhar uma perceção

das capacidades a desenvolver enquanto profissional de tradução e legendagem, bem

como do tipo de obstáculos inerentes à profissão. A exigência em termos de qualidade e

rapidez de execução está sempre presente e pode, por vezes, ser excessivamente

pressionante. É fundamental que um profissional nesta área tenha capacidade de

resposta a essa mesma exigência, mas também é essencial que a sua remuneração esteja

à altura das suas qualificações e competências. Este aspeto foi realçado no presente

relatório precisamente por me parecer existir uma discrepância acentuada e ingrata entre

o trabalho exigido e os valores pagos no mercado atual. Ainda que não se vislumbre

uma solução evidente nesta matéria, o conhecimento da realidade profissional é

fundamental no sentido de saber quais os passos a dar. As noções adquiridas durante o

mestrado, juntamente com a experiência derivada do estágio, conferem ao tradutor-

legendador a preparação necessária para fazer uma gestão hábil destes mesmos fatores,

podendo abordar o mercado de trabalho consciente das suas capacidades, do tipo de

dificuldades com que poderá ter de lidar e mais seguro na forma de as ultrapassar.

Bibliografia

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Webliografia

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Artigos

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Tonelli, B. (2015): Sauce or Gravy? The Secret, Fervent Debate at the Heart of the

Italian American Spaghetti Dinner. Disponível em

http://www.slate.com/blogs/lexicon_valley/2015/11/16/it_is_called_sauce_or_gravy_a_

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Dicionários Online

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http://www.portaldalinguaportuguesa.org/index.php?

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Aegisub. Subtitle Formats. Disponível em

http://devel.aegisub.org/wiki/SubtitleFormats/EBU, último acesso a 17.07.2016.

Wikipedia. Dubbing (filmmaking). Disponível em

https://en.wikipedia.org/wiki/Dubbing_%28filmmaking%29, último acesso a

17.07.2016.

ANEXOS

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ANEXO 1

Especificações de tradução

Legendagem:Ficheiros entregues em formato .stl (ou em alternativa em .pac)

Máximo de caracteres por linha: 35

Intervalo mínimo entre legendas: 3 frames ex: uma legenda que termine aos 10:00:00 deve recomeçar aos 10:00:03 – claro que só se aplica no caso de serem intervenções seguidas.

Tempo mínimo de legenda: 1 segundo

Tempo máximo de legenda: 6 segundos

Título em maiúsculas e itálico.

Usar aspas em vez de itálico em palavras soltas dentro de frases. De resto, o itálico pode ser usado em legendas completas ou em linhas completas.

Trabalhamos com vídeos PAL 25 frames (em .mpeg) e NTSC 29,97 frames (em .avi ou .mov) e como tal devem ter isso em conta ao legendar.

O nome no ficheiro deve conter o número do programa igual ao nome do ficheiro de vídeo.

Aplicar o novo acordo ortográfico.

Todos os trabalhos devem ser enviados para [email protected], com cópia

para [email protected], [email protected] e [email protected].

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ANEXO 2

Transcrição de respostas ao questionário em fóruns

Resposta 1

Response May 25

diogobarroso wrote:- How does the translation/subtitling industry operates in terms of supply and demand?

There is excessive underqualified supply. All too often I see translators posting on forums (e.g. Proz, Facebook etc.) questions like:

I've been hired to subtitle a video. How do I get started?

I just love movies! As a translator, I'd like to get into subtitling. What software would do it for me?

How much do you guys charge to translate & subtitle a video? (... assuming that they don't have to learn anything to do it)

Fansubbers abound. As they give the output from their hobby for free, make it available online for download, they don't get feedback, and consequently their quality cannot be expected to improve.

There are two major markets I know of: movies/TV and corporate.

Movies/TV is mostly concerned, of course, with feature films and TV series/programs distributed worldwide, in many languages at a time. The only way to make their subtitling feasible is by means of templates, i.e. transcribed and pre-spotted subtitles for translation.

Though this compromises quality, it is the only economical solution for more than 3-4 different target languages. Translators work mostly on text, while following (and sometimes not) the video.

Corporate video comes mostly from companies whose core business does not include video production. Most often their subsidiaries overseas will ousource subtitling of their institutional, training, product launch, etc. videos for local use.

In this case, a script is seldom available, and the highest quality is paramount. Subtitlers work directly from the video alone.

Of course, there is a wide gradient between one and the other, and anything may happen there.

- Who are the main clients for a freelance translator/subtitler?

Subtitling studios, TV networks or stations, video producers, training companies, corporations.

- Ups and downs of working as a freelancer in this area? (income, deadlines, amount of work, etc.).

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Varying demand at decent rates vs. unlimited demand at low rates.Feast and famine cycles all the time.

Sometimes absurd demands from people who have no clue on what it takes.

Worst example ever was someone from a TV station who called me at 9:00 AM, saying "I have a 60-minute documentary in English, which must be aired today at 5:00 PM today, subtitled in Portuguese. We know it's hard to do in such a short time, but the sponsor is willing to pay any generously reasonable amount to have it done by then."  I told him that it would take me AT LEAST six hours to translate, AT LEAST two hours to spot, which is enough to use all the time available. No time left for downloading and later uploading, and even if I covered my CPU with gold, it would take a quite a while to render the subtitles. So, no deal!

Clients, of course, strive for the lowest rates. Good clients now and then take a stab at a cheaper translator, get into trouble, and then say"Never again!" A few years later they'll have forgotten the incident, and will do it again.

- What are the main difficulties for professionals in this area?

- Poor quality videos- Clients thinking "it must be easy", if there are so many fansubbers everywhere- People offering sloppy work for peanuts- TV networks accepting sloppy work because the sponsors will pay the same anyway- No universal standards for subtitling, in spite of some crazy "theoretical" rules- Abusively priced software vs. superb freeware available

- What is your favourite working method? (in terms of working phase sequence)

I came from the translation for dubbing realm; worked there for 17 years before venturing into subtitling. No special reason, just opportunity and demand. I specialize in corporate video, do feature films and TV series only now and then.

So my m.o. for subtitling was adapted from translation for dubbing (where my mission ends when I have a dubbing script).1. Translation - using Express Scribe & the Windows Notepad, already working on conciseness and subtitle breaks.2. Converting TXT into SSA - using Media Subtitler; takes a snap, but solves any charset issues.3. Rough time spotting and line-breaking - using Subtitle Workshop; includes spell checking, reviewing, further conciseness.4. Fine time spotting - using Subtitle Edit.5. Burning - using Virtual Dub and Lee Avery's Subtitler plugin.

- Are translator/subtitlers underpaid? Why? How to fight that?

I'm sure they are (underpaid) from the output I often see on cable TV.

The most likely reason IMO is that sponsors don't include in their media agreements any clause on subtitling quality. If the spectator can't understand squat because of poor translation/subtitling, moves to another channel as soon as the first intermission comes up, and therefore misses all the other ads from the sponsor there, the latter will pay the network exactly the same.

The only way I see to fight that is with quality, but few companies see a reason for high

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quality in subtitles.

Resposta 2

Pagam mal (pouco)... May 29

O sector da legendagem (RTP e cinemas) foi esmagado com a entrada dos canais privados de TV no início da década de 90. Aquilo que era uma actividade profissional bem remunerada passou a sofrer cortes sucessivos. A razão: as agências e os profissionais de tradução/legendagem, na ânsia de angariarem trabalho nesses canais, baixaram os preços sucessivamente para valores totalmente ridículos.

Penso que hoje, em Portugal, se paga comparativamente muito menos do que o valor que era pago há quase 30 anos. E pelo mundo fora encontram-se também valores muito baixos, mas algumas agências que "pagam bem".

A legendagem passou a ser um sector super desvalorizado. E o número de tradutores que estudam legendagem é enorme, e penso que continua a crescer.

O mercado não consegue encaixar tantos profissionais e o resultado é o preço miserável que é pago a quem legenda...

Incluo aqui um link onde poderá ver as discrepâncias nos valores pagos, por exemplo, no Reino Unido e EUA.

https://www.google.pt/webhp?sourceid=chrome-instant&ion=1&espv=2&ie=UTF-8#q=subtitling%20rates%20per%20minute%20uk

Trabalhei em legendagem entre 1979 e 1995, salvo erro. Durante muitos anos, trabalhei com uma multinacional (americana) da área do "home video". Era impecável. Mas depois a empresa foi vendida a uma grande empresa distribuidora de filmes em Portugal, e os preços desceram a pique também no sector do "home video" para os clubes de vídeo que, entretanto, praticamente desapareceram.

A título de curiosidade, a concorrência entre agências de legendagem é enorme. A penúria de uma agência com que trabalhei só durante um ou dois meses (numa altura em que eu estava com pouco trabalho de tradução) em 2004 era tal, que me pediram para enviar um envelope junto com o meu recibo para depois me enviarem o cheque... A tecnologia nessa altura já era muito diferente (mais avançada) relativamente àquela a que eu estava habituada. 

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Penso que o cenário de preços baixos se deve manter. 

E a qualidade da legendagem varia muito de canal para canal. Há traduções excelentes e outras muito más... Ainda não me dei ao trabalho de ver qual a agência do topo, mas há tradutores excelentes e até dá gosto ver! E há o contrário...

Espero ter contribuído de alguma forma, apesar de eu estar completamente fora do mercado da legendagem neste momento.

Resposta 3

Talvez fosse sinal dos tempos May 29

Ana Vozone wrote:

Trabalhei em legendagem entre 1979 e 1995, salvo erro. Durante muitos anos, trabalhei com uma multinacional (americana) da área do "home video". Era impecável. Mas depois a empresa foi vendida a uma grande empresa distribuidora de filmes em Portugal, e os preços desceram a pique também no sector do "home video" para os clubes de vídeo que, entretanto, praticamente desapareceram.

Fica difícil estabelecer a cronologia dos eventos nas empresas de legendagem, porque deve ter sido algo gradual, indiferente a que lado do Atlântico.

No caso do Português, podemos tratar Brasil e Portugal como usuários de idiomas diferentes. Nunca vi um vídeo no Brasil dublado nem legendado em PT-PT. Por outro lado, ainda hoje, volta e meia vejo na TV vídeos legendados em PT-BR nos EUA (as letras brancas são o padrão deles, apesar de alguns saberem que no Brasil usamos letras amarelas nas legendas).

Temos uma sobreposição de épocas, Ana. Comecei a traduzir para dublagem em 1987, e passei a traduzir para legendagem também a partir de 2004.

O equipamento para dublagem, na época, era o U-Matic, depois passou para o Betacam. De qualquer modo, o estúdio, os artistas, diretores, técnicos compunham um "entourage" enorme, fora do alcance de qualquer um.

Hoje em dia, eu até consigo, e já fiz, equalizar, mixar, aplicar SFX e Foley em vídeos relativamente simples no PC. Porém umas gravação de áudio decente ainda exige todo esse entourage.

Nos anos 90, a legendagem, ainda analógica em fita, já conseguia se prevalecer dos recursos digitais. Era possível fazê-la com uma ilha de edição, um GC (gerador de caracteres) e um

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Genlock para sobrepor as legendas na imagem do vídeo analógico. Um conjunto muito caro.

Quando entrei na legendagem (2004, como disse), já era tudo digital. Em poucas semanas descobri que poderia fazer o serviço completo de tradução e legendagem num PC comum com qualidade acima de qualquer crítica. Poucos meses depois já estava autorando DVDs interativos bem complexos no mesmo PC.

Com o crescimento exponencial do volume da indústria cinematográfica e televisiva, a demanda cresceu muito. O que ocorreu paralelamente foi a queda vertiginosa dos custos de "pós-tradução" na legendagem, em função do equipamento muito mais simples e barato.

Pelo trabalho que dava (era preciso redigitar a tradução datilografada no GC), pela possibilidade de usar equipamento de custo muitio mais acessível, e considerando que não ficou tão mais fácil nem mais rápido TRADUZIR um vídeo, o custo de tradução passou a representar uma parcela significativamente maior do total, o que deve ter despertado o apetite por preços mais baixos nessa fase do processo.

Resposta 4

Mercado? Qual mercado? Jun 1

Saudações.

Sou tradutor e legendador especializado em documentários e trabalho na área há dez anos, quer em TV, quer em cinema.Conheço a realidade deste mercado anterior a 2007 apenas por relatos de colegas, uns que ainda trabalham nisto e outros que pura e simplesmente deixaram de o fazer devido aos preços ridículos que se praticam, tendo muitos deles emigrado ou procurado outras atividades, mas posso confirmar os relatos que já aqui foram deixados pelos colegas, de que era bem melhor do que é hoje.Pela minha experiência (ainda curta, mas a tempo inteiro), os canais por cabo dizimaram o mercado. Sei de várias agências que contratam miúdos que estudam na faculdade (e outros nem isso) e que fazem legendas nos tempos livres para ganhar mais uns trocos ao fim do mês. Este é o principal motivo pela fraca qualidade das traduções e legendagens que, em geral, se veem por aí, e no Brasil ainda é pior, com resultados desastrosos, como é exemplo o recente canal da BBC Earth. Há, inclusive, os que usam tradutor automático, como eu já vi no canal Hollywood...

Houve ainda o caso do fim das locuções, com o qual eu concordei, porque nunca gostei de ver programas dobrados, mas o problema é que passámos a ter de traduzir e legendar sem que houvesse qualquer aumento no preço por minuto. Este foi o verdadeiro motivo pelo qual vários canais passaram a ter legendas em vez de locução em português. Passámos a trabalhar mais horas e a receber o mesmo.

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Em dez anos, nenhuma agência (e foram várias) me ofereceu um preço por minuto acima de 1,85 €. Só por aqui dá para ver como isto está, e já tive canais de séries a oferecerem-me 1 € por minuto de tradução e legendagem.Independentemente de um programa ter 800 linhas ou 400, o preço por minuto é o mesmo, mas a "contratação" de tradutores e legendadores não qualificados minou por completo o mercado, e os preços continuam a baixar.Recentemente, uma das maiores empresas de conteúdos para a TV por cabo, americana com sede em Espanha, fez um leilão de preços pelas agências em Portugal, cortando o preço por minuto em 15%.

Quanto a pagamentos, nunca ninguém me falhou, mas estes são sempre feitos a 60 e 90 dias, conforme a empresa, e sempre a recibos verdes, claro está.

Sinceramente, não vejo forma de lutar contra este status quo. Se recusarmos trabalho quando há tanta gente não qualificada a saturar o mercado, ficamos, literalmente, sem nada que fazer.A somar a tudo isto, o público não se queixa (ou queixa-se muito pouco). Estou certo de que se houvesse mais queixas, as empresas começariam a pensar duas vezes na hora de recrutar e pagar dentro das condições que referi.

Respondendo diretamente às perguntas colocadas:As traduções para cinema e para a maioria dos canais são feitas por empresas/agências de tradução? Pelo que vejo, os grandes canais têm as suas próprias equipas internas.R: Para TV, as traduções são sempre feitas por agências ou, no caso de alguns canais, pelas próprias equipas. Para cinema, depende do distribuidor.

A grande maioria dos tradutores/legendadores freelancer trabalha directamente para essas empresas/agências? R: A mesma resposta que em cima. 

Este regime de trabalho em freelancing, que é abundante nesta área, faz aumentar a situação de precariedade do trabalho? R: Sem dúvida.

Resposta 5

Sigam a trilha do dinheiro! Jun 1

António Madeira wrote:

Pela minha experiência (ainda curta, mas a tempo inteiro), os canais por cabo dizimaram o mercado. Sei de várias agências que contratam miúdos que estudam na faculdade (e outros nem isso) e que fazem legendas nos tempos livres para ganhar mais uns trocos ao fim do

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mês. Este é o principal motivo pela fraca qualidade das traduções e legendagens que, em geral, se veem por aí, e no Brasil ainda é pior, com resultados desastrosos, como é exemplo o recente canal da BBC Earth....Sinceramente, não vejo forma de lutar contra este status quo. Se recusarmos trabalho quando há tanta gente não qualificada a saturar o mercado, ficamos, literalmente, sem nada que fazer.A somar a tudo isto, o público não se queixa (ou queixa-se muito pouco). Estou certo de que se houvesse mais queixas, as empresas começariam a pensar duas vezes na hora de recrutar e pagar dentro das condições que referi.

Uma apreciação bastante coerente e válida.

Quanto a uma possível solução, a receita está no conhecido suivez l'argent.

Tradutores e telespectadores bilíngues igualmente indignados escrevem reclamando para as emissoras ou operadoras de TV a cabo, ou então postam na mídia social.

As emissoras dizem que receberam o filme/seriado assim da distribuidora. As operadoras de TV a cabo alegam que apenas retransmitem o sinal com as legendas do canal original. Ambas, junto com o eleitorado da mídia social, se limitam a dar risada. Ninguém segue a trilha do dinheiro. 

Quando a TV a cabo começou no Brasil, não havia propaganda, intervalos comerciais. O serviço incipiente oferecia isso como vantagem sobre a TV aberta, seu modelo supondo o sistema sustentado pelas assinaturas.

Na segunda fase, colocaram os intervalos comerciais, e os anúncios começaram a preencher o horário. Um episódio de normalmente 42 minutos de duração passou a preencher uma hora inteira. Fazendo as contas, 1 - (42/60) = 30% do tempo consistia de anúncios.

Vejo que recentemente alguns canais passaram para a terceira fase. Mando o DVR fornecido pela operadora gravar um episódio qualquer (os mesmos 42 minutos), e a duração da gravação agora é 1h10. Refazendo as contas, 1 - (42/70) = 40% do tempo é de intervalos comerciais.

Os patrocinadores pagam verdadeiras fortunas (para o padrão monetário de um mortal comum) para ter seus anúncios veiculados. Digamos que um deles tenha feito inserções em quatro intervalos ao longo de uma hora de exibição. Não é absurdo. Em vários canais, o Trivago coloca até mais de uma inserção por intervalo.

O espectador monoglota começa a assistir um episódio do seu seriado predileto. Graças à legendagem feita com tradução de nível amador iniciante, não entende nada do que se passa e, no primeiro intervalo desiste, e muda para outro canal.

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O resultado é que das quatro inserções que o nosso patrocinador em questão pagou, apenas uma, se tanto, será vista. Esse patrocinador terá literalmente jogado fora 75% do seu investimento!

A meu ver, a situação só tenderá a melhorar quando os patrocinadores incluírem uma cláusula nos seus contratos impondo pesados descontos no caso de seus anúncios serem exibidos em meio a programas mal dublados ou mal legendados, que motivem o espectador a procurar outra opção de entretenimento. Evidentemente, será preciso montar um mecanismo de feedback para o telespectador se manifestar a respeito.

Assim o destinatário das verbas de propaganda do anunciante irá se preocupar em colocar cláusulas semelhantes nos seus contratos, até as penalidades pecuniárias chegarem a quem efetivamente contrata o serviço de tradução e legendagem.

A sequência inteira tem sua lógica, porém essa trilha não está sendo usada.

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