Representações sobre ser professor para lic. em química

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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO Instituto de Física Instituto de Química Instituto de Biociências Faculdade de Educação As representações sociais de licenciandos em Química sobre “Ser Professor” Camila Lima Miranda SÃO PAULO 2014

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Tese

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  • UNIVERSIDADE DE SO PAULO

    Instituto de Fsica Instituto de Qumica

    Instituto de Biocincias Faculdade de Educao

    As representaes sociais de licenciandos em Qumica

    sobre Ser Professor

    Camila Lima Miranda

    SO PAULO

    2014

  • Camila Lima Miranda

    As representaes sociais de licenciandos em Qumica

    sobre Ser Professor

    Dissertao de mestrado apresentada aos Institutos de

    Fsica, de Qumica, de Biocincias e Faculdade de

    Educao da Universidade de So Paulo, para a

    obteno do ttulo de Mestre em Ensino de Cincias.

    rea de concentrao: Ensino de Qumica

    Orientadora: Profa. Dra. Daisy de Brito Rezende

    SO PAULO

    2014

  • Autorizo a reproduo parcial deste trabalho, para fins de estudo e

    pesquisa, desde que citada a fonte. A reproduo comercial, em todo

    ou em parte por qualquer meio, somente permitida com a expressa

    autorizao escrita do autor.

    FICHA CATALOGRFICA Preparada pelo Servio de Biblioteca e Informao

    do Instituto de Fsica da Universidade de So Paulo

    Miranda, Camila Lima As representaes sociais de licenciandos em qumica sobre ser professor So Paulo, 2013. Dissertao (Mestrado) Universidade de So Paulo. Faculdade de Educao, Instituto de Fsica, Instituto de Qumica e Instituto de Biocincias. Orientador: Prof Dr Daisy de Brito Rezende rea de Concentrao: Ensino de Qumica Unitermos: 1. Qumica Estudo e Ensino; 2. Ser Professor; 3. Representao Social. USP/IF/SBI-114/2013

  • Agradecimentos

    Escrever os agradecimentos reviver os momentos que antecederam ao ingresso

    no Mestrado, os momentos durante essa trajetria... Nesse reviver de memrias,

    algumas imagens me saltam aos olhos, imagens essas, com pessoas que me so to

    caras; so tantas que receio que essas linhas sejam insuficientes para agradecer a

    todas elas...

    Dentre essas pessoas, agradeo minha famlia. Vislumbrar em seus olhares a

    crena absoluta em minha capacidade de realizao foi um dos principais fatores

    que me conduziram at aqui:

    Meus pais, por tamanha dedicao, exemplos de vida e integridade, e por ser, de

    forma incontestvel, o alicerce de minha vida;

    Minha irm, com a qual compartilho todos os momentos de minha vida...

    Minha madrinha, tia Nice.

    Aos professores, os quais foram determinantes para ampliar minha viso sobre

    pesquisa e ensino:

    A prof. Daisy que, muito mais que a orientao nesse estudo, ampliou meus

    horizontes culturais, atravs de sua generosidade para compartilhar suas

    vivncias...

    Ao prof. Julio Cezar Foschini Lisba, suas palavras incentivadoras, sua orientao

    desde a graduao, foram, indubitavelmente, um dos elementos que me conduziram

    at aqui;

    Aos professores da FSA, minha formao inicial, em especial, alm do prof. Julio, o

    prof. Toshiharu Condo, sempre to gentil;

    A Claudia, por toda sua disposio para me auxiliar a internalizar outro idioma...

    A prof. Vera, suas contribuies na ocasio do exame de qualificao, alm de sua

    acolhida durante a disciplina que acompanhei na PUC...

  • Aos professores do PIEC, em especial as professoras: Maria Eunice, pelas

    contribuies sugeridas durante o exame de qualificao e, Maria Regina, por sua

    leitura atenta e contribuio na Defesa dessa Dissertao;

    Aos professores da E.E Jos Marques da Cruz, escola na qual iniciei minhas

    atividades docentes. L encontrei muitos professores no sentido ideal, professores que

    ignoram as adversidades e desempenham seu trabalho de modo mpar, enxergando

    em seus alunos, pessoas com grande potencial... Compartilhar esses anos em suas

    presenas, certamente influenciou para o meu tornar-se professora!

    A meus amigos, pelas palavras sinceras, pelo companheirismo, por compartilhar

    os prazeres e dificuldades dessa jornada. Pelas leituras, releituras e contribuies que

    tornaram essa caminhada mais leve!

    Daniela, Anielli, Evandro, Murilo, Thalita. A Camila, pela sua contribuio em

    inmeros momentos...

    E, Ao Jefferson, pela pacincia em compreender minha ausncia e incentivar-me a

    prosseguir...

    So tantos os amigos construdos que certamente algum deixar de ser mencionado,

    certamente no por no ser importante...

    Por fim, mas no menos importante, agradeo a DEUS, sua presena em todas

    minhas decises, me conduzindo sempre pelo melhor caminho...

    E aprendi que se depende sempre de tanta, muita, diferente gente. Toda

    pessoa sempre as marcas das lies dirias de outras tantas pessoas. E, to

    bonito quando a gente entende que a gente tanta gente, onde quer que a

    gente v. E, to bonito quando a gente sente que nunca est sozinho, por

    mais que a gente pense estar...

    Caminhos do corao Gonzaguinha.

  • RESUMO

    MIRANDA, Camila Lima. As representaes sociais de licenciandos em Qumica sobre Ser Professor. 2013, 132p, Dissertao (Mestrado) apresentada aos Institutos de Fsica, Qumica, Biocincias e Faculdade de Educao da Universidade de So Paulo, So Paulo, 2013.

    O presente estudo estrutura-se em torno de questionamentos referentes investigao da Representao Social de licenciandos ingressantes e concluintes em Qumica quanto a ser professor dessa disciplina, visando compreender como entendem e vislumbram sua futura profisso, verificando a influncia da Licenciatura nas possveis diferenas dessas representaes e as motivaes que levaram esses sujeitos a buscar esse curso em um contexto marcado pela progressiva desvalorizao dos professores. O referencial terico eleito foi o da Representao Social (MOSCOVICI, 1978) privilegiando as abordagens: estrutural, visando identificar o ncleo-central e os elementos perifricos da representao e a nfase na descrio dos entornos sociais proposta pela abordagem Culturalista. Assim, a partir do termo indutor professor de Qumica, foram propostas questes em que o pblico-alvo versou sobre como se v como professor de Qumica, bem como os fatores que os guiaram a buscar a Licenciatura, sendo essa a fonte de informaes do estudo, analisadas segundo a Anlise de Contedo (BARDIN, 1977). Algumas idias destacaram-se nas repostas, sendo possvel a construo de categorias e subcategorias baseadas em critrios semnticos. Com as representaes relacionadas docncia criaram-se trs categorias: a denominada caractersticas, na qual esto presentes idias relacionadas aos aspectos requisitados para os processos de ensino e de aprendizagem; a categoria seguinte enfatiza o imaginrio social na construo das representaes e por fim, a categoria que retrata a viso de ensino desses sujeitos.Por sua vez, foram criadas quatro categorias relacionadas a motivao em cursar a Licenciatura.Evidenciou-se pela anlise do questionrio que 47% dos estudantes que esto nesse curso no desejam atuar como professores no futuro. Foi possvel inferir que entre esses estudantes a principal motivao pelo ingresso na Licenciatura foi o fato de que curs-la era um pr-requisito para o Bacharelado. J entre os sujeitos que aspiram atividade docente (embora seja essa apenas uma segunda opo profissional) estes foram guiados ao curso a partir de motivaes pessoais, as quais esto

    relacionados ao desenvolvimento do prprio estudante. Em relao as representaes sobre o ser professor, no que concerne influncia do imaginrio social, percebeu-se ser essa influncia menos dependente da escolarizao durante a graduao e mais ligada relao que esses sujeitos esto a estabelecer com a possibilidade de atuao profissional. Porm, no que diz respeito viso de ensino, a anlise da questo discursiva evidenciou uma maior influncia da escolarizao. J em relao s subcategorias atitudes e prticas pedaggicas suas presenas entre os ingressantes e sua permanncia entre os concluintes vem reforar que o processo de tornar-se professor antecede o ingresso na Licenciatura. Nossos

    resultados sinalizaram, ainda, que o desejo de se tornar professor, entre os ingressantes, acompanhado pela percepo de que a afetividade pode contribuir para a concretizao de uma aprendizagem eficaz, sendo essa percepo suprimida entre os concluintes. Pretendeu-se, assim, oferecer uma contribuio para o debate a respeito da importncia do conhecimento das Representaes Sociais dos futuros professores sobre sua futura profisso, pois essas podero se refletir em suas futuras prticas, uma vez que as representaes servem para agir sobre o mundo e o outro (JODELET, 2001, p. 28).

    Palavras-chave: Ser professor, Representao Social, Qumica.

  • ABSTRACT

    MIRANDA, Camila Lima. The social representations of undergraduates in Chemistry about been teacher. 2013, 132p, Dissertation (Masters degree). Institute of Physics, Institute of Chemistry, Institute of Biosciences, School of Education - University of So Paulo, 2013.

    The structure of this current study is settled around questions about Social Representation in Chemistry undergraduates students concerning to teaching this discipline as a career which allows to understand how they perceive and envision their profession to be, likewise verify the influence and perception of Graduation possible differences over this representation and the motives that leads those students to choose this course despite the progressive belittling of teaching career. The referential that was elected to this study was The Social Representation (MOSCOVICI, 1978) that prioritizes the approaches: structural support with the purpose of indentifying the central nucleus and also the peripheral elements representation emphasizing social surrounds description proposed by Culturalism approach. Thereby under the outset name Chemistry Teacher questions were presented to the target audience about how they saw themselves as Chemistry teachers and the reasons that made them chose this graduation, this study sources were analyzed according Content Analyses (BARDIN, 1977). Some statements were highlighted what allowed us to build categories and subcategories based on semantic criteria. Three categories were created from teaching representations: first - characteristics - where the ideas about the requiring aspects of the process of teaching and learning; second emphasizes the representation construction by social imaginary and the last category the way those people see teaching. It was created four categories, in turn, connected to the motives that drive people to graduate as teacher. It was evident by the analyses of research that 47% of the students attending to this course have no intention in following a teaching career. We could deduce that those students do not want to pursue their graduation is due the fact that it was a prerequisite to bachelors degree. Otherwise among whose want to aim the teaching career (despite being seen as a second career option) they followed personal motives to choose this career and it was connected to their own achievements. Regarding representation about being a teacher concerning to social imaginary influence. It was implied less to the education during graduation than the possible results they could get in a professional area. However, as regards the overall view of teaching, the discursive question showed a major education influence. About subcategories, pedagogical practices and attitudes, their presence among the beginners and their lasting among de graduates reassure that the process of being a teacher precedes the admission to degree. Our results also demonstrated that the desire to become a teacher among the beginners is ensued by the perception that affectivity might contribute to fulfill an effective learning, but this perception is suppressed by them as graduates. The aim was to offer a contribution to the importance of future teachers Social Representation knowledge about their future career which could reflect in future practices, since representations are useful to behave on the world and the other (JODELET, 2001, p. 28).

    Key-words: Teacher; Social Representation; Chemistry.

  • LISTA DE ILUSTRAES

    Captulo 4

    Figura 4.1: Professores da rede de ensino estadual da cidade de Santo Andr e sua

    formao inicial .................................................................................................................... 62

    Figura 4.2: Imagem do Centro Universitrio Fundao Santo Andr.................................... 63

    Figura 4.3: Situao escolar dos entrevistados .................................................................... 70

    Figura 4.4: Perfil por gnero dos entrevistados ................................................................... 70

    Figura 4.5: Nvel de Ensino em que Pretendem Lecionar ................................................... 70

    Figura 4.6: Ramo de atuao dos ingressantes ................................................................... 71

    Figura 4.7: Ramo de atuao dos concluintes .................................................................... 71

    Figura 4.8: Ramo de atuao dos participantes ingressantes que no pretendem lecionar . 71

    Figura 4.9: Ramo de atuao dos participantes concluintes que no pretendem lecionar ... 71

    Captulo 5

    Figura 5.1: Apresentao sintetizada da categorizao dos dados obtidos com a aplicao

    do questionrio ................................................................................................................... 73

    Figura 5.2: Categorias de anlise dos dados referentes motivao para cursar a

    Licenciatura ........................................................................................................................ 74

    Figura 5.3: Categorias em funo das freqncias para as representaes quanto ao ser

    professor de Qumica dos licenciandos ingressantes ......................................................... 75

    Figura 5.4: Categorias em funo das freqncias para as representaes quanto ao ser

    professor de Qumica dos licenciandos concluintes ............................................................ 76

    Figura 5.5: Categorias em funo das freqncias para as representaes quanto ao ser

    professor de Qumica dos licenciandos ingressantes que no desejam se tornar professores

    ............................................................................................................................................ 76

    Figura 5.6: Categorias em funo das freqncias para as representaes quanto ao ser

    professor de Qumica dos licenciandos ingressantes que desejam se tornar professores .. 77

    Figura 5.7: Categorias em funo das freqncias para as representaes quanto ao ser

    professor de Qumica dos licenciandos concluintes que no desejam se tornar professores

    ............................................................................................................................................ 77

    Figura 5.8: Categorias em funo das freqncias para as representaes quanto ao ser

    professor de Qumica dos licenciandos concluintes que desejam se tornar professores .... 78

  • Figura 5.9: Apresentao grfica das categorias criadas com base nas representaes dos

    licenciandos que no desejam se tornar professores quanto ao ser professor de Qumica ...

    79

    Figura 5.10: Apresentao grfica das categorias criadas com base nas representaes dos

    licenciandos que desejam se tornar professores quanto ao ser professor de Qumica ...... 79

    Figura 5.11: Falas dos sujeitos acerca de suas vises sobre o ensino. ............................... 90

    Figura 5.12: Falas dos sujeitos acerca de caractersticas requeridas para a concretizao

    dos processos de ensino e de aprendizagem ...................................................................... 92

    Figura 5.13: Falas dos sujeitos a respeito da categoria imaginrio social ............................ 94

    Figura 5.14: Estudantes ingressantes e concluintes que desejam lecionar e os que no

    vislumbram essa possibilidade............................................................................................. 99

    Figura 5.15: Apresentao grfica das categorias criadas com base nas motivaes que

    guiaram os estudantes que desejam se tornar professores ao curso da Licenciatura .......... 99

    Figura 5.16: Apresentao grfica das categorias criadas com base nas motivaes que

    guiaram os estudantes que no desejam se tornar professores ao curso da Licenciatura . 101

    Captulo 6

    Figura 6.1: O que ser professor para os ingressantes e concluintes ............................... 111

  • LISTA DE TABELAS

    Captulo 2

    Tabela 2.1: Rendimento Mdio dos profissionais no Brasil. ................................................. 26

    Tabela 2.2: Quantidade de bolsas oferecidas pelo Pibid durante os anos. .......................... 33

    Captulo 3

    Tabela 3.1: Sntese das metodologias utilizadas por Jodelet em sua pesquisa sobre a

    representao social da loucura .......................................................................................... 42

    Captulo 4

    Tabela 4.1: Modelo do questionrio aplicado ....................................................................... 52

    Tabela 4.2: Categorias de anlise dos dados obtidos com a aplicao do questionrio ...... 57

    Tabela 4.3: Descrio das categorias de anlise dos dados referentes motivao para

    cursar a Licenciatura ............................................................................................................ 59

    Tabela 4.4: Alguns dados sobre a Fundao Santo Andr. ................................................. 63

    Tabela 4.5: Grade curricular atual do curso de Licenciatura Plena e Bacharelado em

    Qumica do Centro Universitrio Fundao Santo Andr ..................................................... 68

    Captulo 5

    Tabela 5.1: Sntese dos dados obtidos dos quadros de quatro casas construdos para o

    subgrupo ingressantes (Quadros 5.1, 5.2 e 5.3) .................................................................. 83

    Tabela 5.2: Sntese dos dados obtidos dos quadros de quatro casas construdos para o

    subgrupo concluintes (Quadros 5.4 e 5.5) ........................................................................... 84

    Tabela 5.3: Sntese dos dados obtidos dos quadros de quatro casas construdos para o

    subgrupo de estudantes que aspiram atuao como professores e os que no manifestam

    esse desejo (Quadros 5.6 e 5.7) .......................................................................................... 87

    Tabela 5.4: Sntese dos dados obtidos dos quadros de quatro casas construdos para o

    subgrupo de ingressantes/concluintes e estudantes que aspiram atuao como

    professores/os que no manifestam esse desejo (Quadros 5.1, 5.4, 5.6 e 5.7) ................... 88

  • LISTA DE QUADROS

    Captulo 3

    Quadro 3.1: Caractersticas dos elementos que pertencem ao quadro de quatro casas e

    critrios para sua elaborao ............................................................................................... 40

    Captulo 4

    Quadro 4.1: Estrutura do quadro de quatro casas e critrios para sua elaborao .............. 55

    Captulo 5

    Quadro 5.1: Quadro de quatro casas das evocaes livres ao termo indutor Professor de

    Qumica, entre estudantes ingressantes ............................................................................. 81

    Quadro 5.2: Quadro de quatro casas das evocaes livres ao termo indutor Professor de

    Qumica, entre estudantes ingressantes que desejam se tornar professores .................... 81

    Quadro 5.3: Quadro de quatro casas das evocaes livres ao termo indutor Professor de

    Qumica, entre estudantes ingressantes que no desejam se tornar professores............... 82

    Quadro 5.4: Quadro de quatro casas das evocaes livres ao termo indutor Professor de

    Qumica, entre estudantes concluintes ............................................................................... 84

    Quadro 5.5: Quadro de quatro casas das evocaes livres ao termo indutor Professor de

    Qumica, entre estudantes concluintes que desejam se tornar professores ........................ 85

    Quadro 5.6: Quadro de quatro casas das evocaes livres ao termo indutor Professor de

    Qumica, entre estudantes que no desejam se tornar professores .................................. 86

    Quadro 5.7: Quadro de quatro casas das evocaes livres ao termo indutor Professor de

    Qumica, entre estudantes que desejam se tornar professores ......................................... 86

  • LISTA DE ABREVIATURAS

    CBRS - Conferncia Brasileira sobre Representaes Sociais

    Cemers - Centro Mexicano para o estudo das Representaes Sociais (Centro Mexicano

    para El Estudio de las Representaciones Sociales)

    CeMeRS Centro Mediterrneo para o Estudo das Representaes Sociais (Centro

    Mediterraneo per lo Studio de lle Rappresentazioni Sociali).

    CIERS-ed - Centro Internacional de Estudos em Representaes Sociais e Subjetividade

    Educao

    CIEREPS - Centro Internacional de estudos em Representaes e Prticas Sociais (Centre

    International dtude em reprsentations et pratiques sociales)

    CIRS - Conferncias Internacionais sobre Representaes Sociais

    CRQ - Conselho regional de Qumica

    DCN - Diretrizes Curriculares Nacionais

    E.F Ensino Fundamental

    E.M Ensino Mdio

    E.S Ensino Superior

    FAECO - Faculdade de Cincias Econmicas e Administrativas

    FAENG - Faculdade de Engenharia Celso Daniel

    FAFIL - Faculdade de Filosofia, Cincias e Letras

    GEIRSO - Grupo de Estudos sobre Interdisciplinaridade e das Representaes Sociais

    (Groupe dtudes url'interdisciplinarit et ls reprsentations sociales)

    GIPEC - Grupo Interdepartamental de Pesquisa sobre Educao em Cincias

    IES - Instituies de Ensino Superior

    JIRS - Jornada Internacional sobre Representaes Sociais

    LACCOS - Laboratrio de Psicologia Social da Comunicao e Cognio

    NUPEC - Ncleo de Pesquisa em Ensino de Cincias

    OME Ordem mdia de evocao

    PIBID - Programa Institucional de bolsas de iniciao docncia

    RENIRS - Rede Nacional de pesquisadores em Representaes Sociais (Red Nacional de

    investigadores em Representaciones Sociales)

    RS - Representaes Sociais

    TRS Teoria das Representaes Sociais

    UNICAMP - Universidade Estadual de Campinas

    UNESP - Universidade Paulista Jlio de Mesquita Filho

    UFMS - Universidade Federal do Mato Grosso do Sul

  • SUMRIO

    1. Apresentao ................................................................................................................. 12

    1.2 Objetivos ....................................................................................................................... 16

    Captulo 2: Ser Professor .................................................................................................. 18

    2.1 Olhares que se complementam para a compreenso do ser professor... ...................... 19

    2.1.1 A concepo sobre Ser professor ........................................................................ ...... 19

    2.1.2 Duas faces de uma mesma moeda: Como so vistos e como se vem os professores20

    2.1.3 Professores... Constitudos por saberes plurais e temporais... .................................... 27

    2.2 A formao inicial do professor de Qumica ............................................................ ...... 29

    Captulo 3.Teoria das Representaes Sociais ............................................................... 35

    3.1 Objetivao e Ancoragem .............................................................................................. 38

    3.2 Abordagens consagradas e complementares Grande Teoria ................................... 39

    3.2.1 Abordagem Estruturalista ..................................................................................... ...... 39

    3.2.2 Abordagem Culturalista ........................................................................................ ...... 41

    3.3 Potencial Heurstico da TRS .......................................................................................... 42

    3.3.1 Representao Social e Ensino de Cincias: Um breve panorama do que vem sendo

    pesquisado no Programa Interunidades em Ensino de Cincias. .................................. ...... 44

    Captulo 4. Metodologia..................................................................................................... 50

    4.1 Instrumento de coleta de dados ..................................................................................... 50

    4.2 Tratamento dos dados ................................................................................................... 53

    4.2.1 Teoria do Ncleo Central e a construo do quadro de quatro casas .................. ...... 54

    4.2.2 Anlise de Contedo ............................................................................................ ...... 55

    4.2.3 O processo de categorizao... ............................................................................ ...... 56

    4.3 Caracterizao do local de estudo ................................................................................. 61

    4.3.1 Por que o Centro Universitrio Fundao Santo Andr? ...................................... ...... 61

    4.3.2 Reconstituio da Histria do Centro Universitrio Fundao Santo Andr ......... ...... 62

    4.3.3. Caracterstica Regional ....................................................................................... ...... 68

    4.4 Sujeitos de pesquisa ...................................................................................................... 69

    Captulo 5. Resultados e Discusso ................................................................................. 73

    5.1 As Representaes sobre ser professor de Qumica ..................................................... 74

    5.1.1 O que ser professor de qumica... Os dados obtidos atravs da questo discursiva 75

    5.1.2 O que ser professor de qumica... Os dados obtidos atravs da anlise estrutural... 80

    5.1.3 Enfim, o que significa ser professor de qumica? ................................................. ...... 89

    5.2 Diante do apresentado, quais as motivaes que guiaram esses estudantes ao curso da

    Licenciatura? ....................................................................................................................... 97

    Captulo 6: Consideraes... ........................................................................................... 105

    REFERNCIAS ................................................................................................................. 113

    APNDICE A: Mapa com as informaes sintetizadas obtidos pela aplicao do

    questionrio........................................................................................................................122

  • Captulo 1: Introduo e Objetivos 11

    INTRODUO E OBJETIVOS

  • Captulo 1: Introduo e Objetivos 12

    1. APRESENTAO

    (...) uma pesquisa, por mais simples que seja, comea por um gesto de indignao...

    (MOSCOVICI, 2011, p.562).

    A indignao que motivou essa pesquisa foi a busca pela compreenso de quais so as

    representaes sobre ser professor de estudantes de cursos de Licenciatura em Qumica.

    Assim, decidiu-se por investigar as representaes de estudantes de um curso de

    Licenciatura e Bacharelado em Qumica, curso esse com inmeras particularidades.

    A primeira delas se deve estrutura do curso, segundo a qual esse estudante s poder

    obter o ttulo de Bacharel se cursar a Licenciatura. De maneira que, podem existir, entre os

    candidatos docncia, vrios sujeitos que sequer manifestem o interesse pelo curso da

    Licenciatura e conseqentemente, o desejo de atuar como professores no futuro. Outro

    aspecto peculiar, que se associa prpria estrutura do curso, o da localizao da

    instituio de ensino. Essa Instituio de Ensino situa-se em uma regio tradicionalmente

    industrial, o que possibilita, ao estudante imerso nesse contexto social, o fcil acesso a

    empregos nas indstrias. Por outro lado, responsvel por suprir a maior parte das escolas

    da regio com formandos que atuam como professores.

    Diante dessa inquietao, a presente pesquisa estrutura-se em torno da investigao

    das representaes de um grupo de licenciandos em Qumica quanto a ser professor dessa

    disciplina, verificando as possveis diferenas nessas representaes em funo de sua

    seriao. Para isso, foram investigadas as representaes de ingressantes e concluintes na

    Licenciatura em Qumica sobre ser professor dessa disciplina. Essa escolha se justifica uma

    vez que os ingressantes possuem suas representaes aliceradas em sua trajetria de

    vida, sem a influncia dos contedos mais formalizados. Por sua vez, os concluintes,

    durante a Licenciatura, tiveram acesso a discusses que podem ter contribudo para suas

    reflexes sobre suas futuras prticas docentes, seja em disciplinas ou durante os estgios

    nas escolas. Espera-se que essas oportunidades os levem a repensar seus modelos

    originais sobre a docncia e o ser professor. Afinal, qual o papel da Licenciatura na

    construo das representaes sobre ser professor? Acredita-se que uma possvel

    ampliao das representaes dos estudantes sobre o trabalho docente, ao longo dos

    cursos de formao, fornea indcios que possibilitem responder a esse questionamento.

    Outro objetivo do estudo investigar as motivaes que levaram os sujeitos da pesquisa

    a cursar a Licenciatura em Qumica em um contexto em que a desvalorizao social da

  • Captulo 1: Introduo e Objetivos 13

    docncia cada vez mais presente em nossa sociedade. Esse diagnstico reforado por

    diversos estudos com diferentes pblicos (ALVES-MAZZOTTI, 2007; TARTUCE; NUNES;

    ALMEIDA, 2010; LEITE et al., 2011; ENS; EYNG; GISI, 2012; SOUZA, 2012).

    A lente terica utilizada para o desenvolvimento deste estudo foi a Teoria das

    Representaes Sociais (TRS). A noo de representao social, tal como aqui entendida,

    foi proposta por Serge Moscovici, para quem representar uma coisa (...) no , com efeito,

    simplesmente duplic-la, repeti-la ou reproduzi-la; reconstitu-la, retoc-la, modificar-lhe o

    texto (MOSCOVICI, 1976, p. 56-57 apud S, 1993). O ato de representar implica em

    conceber sujeito e objeto intrinsecamente conectados, pois sujeitos reconstroem sua

    realidade cotidiana na interao com os objetos sociais, os quais so tambm modificados

    nessa interao. Assim, enquanto agem no mundo, os indivduos no somente mudam o

    mundo, mas realizam mudanas em si mesmos (MARKOV, 2006, p. 239).

    Representando-se uma coisa ou uma noo, no produzimos unicamente nossas prprias idias e imagens: criamos e transmitimos um produto progressivamente elaborado em inmeros lugares, segundo regras variadas. Dentro destes limites, o fenmeno pode ser denominado representao social (MOSCOVICI, 2001, p. 63).

    Isto significa, ainda, que, embora sempre possamos construir representaes sobre os

    objetos com os quais interagimos, estas somente podero ser denominadas como sociais se

    forem partilhadas entre os sujeitos atravs da comunicao. As representaes sociais so

    abordadas concomitantemente como produto e processo de uma atividade de apropriao

    da realidade exterior ao pensamento e de elaborao psicolgica e social dessa realidade

    (JODELET, 2001, p. 22)

    A proposta contida na TRS refere-se ao estudo de um fenmeno especfico e

    delimitado: as teorias do senso comum, buscando compreender como se situa o

    conhecimento mobilizado na comunicao informal. Estas teorias so conjuntos de

    conceitos articulados que tm origem nas prticas sociais e diversidades grupais (SANTOS,

    2005), sendo importante frisar que as representaes sociais no so apenas "opinies

    sobre" ou "imagens de", mas teorias coletivas sobre o real, sistemas que tm uma lgica

    e uma linguagem particulares, uma estrutura de implicaes baseada em valores e

    conceitos (ALVES-MAZZOTTI, 1994, p. 62) [negrito nosso].

    Dentro dos pressupostos defendidos pela TRS existem, pelo menos, trs abordagens

    consagradas e complementares grande teoria, desenvolvidas por colaboradores de

    Moscovici: a abordagem Societal, proposta por Willem Doise; a vertente Estruturalista,

  • Captulo 1: Introduo e Objetivos 14

    orientada por Abric (1998; 2001), e a abordagem Culturalista, proposta por Jodelet (2005).

    Nesse estudo foi feito uso das duas ltimas. A abordagem Estruturalista apoia-se na

    premissa de que a representao constituda por duas estruturas: o ncleo-central e o

    sistema perifrico. Os termos pertencentes ao ncleo-central so responsveis pelo

    significado da representao cuja ausncia desestruturaria ou daria uma significao

    radicalmente diferente a ela (ABRIC, 2001, p. 163). Desacordos entre realidade e

    representao modificam, de incio, os esquemas perifricos; depois, eventualmente, o

    ncleo-central, isto , a prpria representao (FLAMENT, 2001, p. 184). Desse modo, a

    leitura propiciada por essa abordagem possibilita o estudo comparativo das representaes

    dos ingressantes e concluintes, permitindo inferir a influncia das prticas sociais mediadas

    pela escolarizao propiciada pela graduao nas possveis diferenciaes nas

    representaes desses licenciandos.

    Essa leitura complementada por alguns dos pressupostos da Abordagem Culturalista,

    a partir de sua nfase em uma ampla descrio dos entornos sociais que permeiam esses

    estudantes. Isso se justifica, uma vez que as representaes correspondem s idias,

    imagens e crenas que circundam os grupos sociais de que os sujeitos participam, de modo

    que essas representaes devem ser analisadas tendo como contraponto o contexto social

    em que emergem, circulam e se transformam (SPINK, 1993, p. 93).

    AS DIFERENTES CONTRIBUIES PARA O TORNAR-SE PROFESSOR

    Ser professor sinnimo de tornar-se professor, o que um processo interminvel

    (FREITAS; VILLANI, 2002, p. 229). Esse processo compreende as diversificadas atividades

    regidas pelo mundo de vida e da profisso e aliceradas no s em conhecimentos, saberes

    e fazeres, mas tambm em relaes interpessoais e vivncias de cunho afetivo, valorativo e

    tico (NETO; QUEIROZ; ZANON, 2009, p.89). Nessa perspectiva, importante considerar

    que os licenciandos esto constantemente expostos a fatores que podem faz-los

    reconstruir suas representaes sobre o que ser professor. Essas representaes so

    construdas a partir de inmeras referncias, sejam familiares, atravs de um parente

    professor ou um professor de suas memrias (CUNHA, 1997; QUADROS et al., 2005). Esse

    aspecto bem sintetizado nas palavras de Tardif e Gauthier (2001, p. 202) quando os

    autores dizem que o professor tambm se baseia, para atingir os objetivos pedaggicos, em

    julgamentos que provm de tradies escolares, pedaggicas e profissionais, os quais ele

    prprio assimilou e interiorizou.

  • Captulo 1: Introduo e Objetivos 15

    No que se refere influncia da escolarizao, as experincias vividas pelo indivduo

    como estudante, antes e aps o ingresso na Licenciatura, influenciam na construo de sua

    concepo sobre o exerccio da atividade docente. Nessa perspectiva, Quadros et al. (2005)

    defendem que o processo do tornar-se professor antecede o ingresso na Licenciatura,

    sendo fortemente influenciado pelos professores presentes na memria dos licenciandos.

    Um professor (ou professores) presente em suas memrias poder ser tomado como um

    referencial a ser seguido ou um exemplo em quem no se espelhar, dependendo das

    relaes afetivas que se tenham estabelecido durante sua experincia escolar. De modo

    que o enfrentamento de situaes perante seus futuros alunos ser pautado em reviver as

    posturas de antigos professores, em uma miscelnea de imagens de professores gerando

    uma imagem metamorfoseada por parte do licenciando.

    Vislumbrar os significados atribudos pelos licenciandos sua futura profisso docente

    relevante, uma vez que essa viso permeada por suas inmeras concepes, que

    refletem as idias desses futuros professores acerca dos processos de ensino e de

    aprendizagem e expressam sua relao com o conhecimento, alm de suas crenas

    (SCHNETZLER; ARAGO, 1995) e podero se refletir em suas futuras prticas, uma vez

    que as representaes servem para agir sobre o mundo e o outro (JODELET, 2001, p. 28).

    Para fomentar a discusso presente neste estudo, foram analisados alguns aspectos

    presentes na literatura, apresentados na forma de captulos. Assim, o captulo inicial

    dedicado delimitao de questes inerentes compreenso do que ser professor. Este

    captulo foi apresentado em duas sees: na primeira, apresentam-se estudos voltados

    investigao do professor, evidenciando os elementos que contribuem para a constituio

    desse profissional; a segunda seo est direcionada especificamente formao dos

    professores de Qumica. Essa reviso bibliogrfica permitiu situar os resultados do presente

    estudo no contexto da literatura, permitindo a avaliao da contribuio deste trabalho para

    a compreenso de aspectos que envolvem a atividade docente.

    O captulo Teoria das Representaes Sociais destinado apresentao dos aspectos

    referentes ao modelo terico utilizado nesta Dissertao. Ocupa-se tambm da

    apresentao das duas abordagens da TRS em que foram pautados os mtodos utilizados

    no estudo: a Abordagem Estrutural proposta por Abric (1998; 2001) e a Culturalista,

    desenvolvida por Jodelet (2005). Para isso, alguns itens foram privilegiados, como:

    a delimitao do contexto de seu desenvolvimento;

    os aspectos que formalizam seu uso, enquanto referencial terico-metodolgico;

  • Captulo 1: Introduo e Objetivos 16

    os processos fundamentais na elaborao das representaes: objetivao e

    ancoragem;

    potencial heurstico da TRS;

    um breve panorama do que vem sendo pesquisado no Programa Interunidades

    em Ensino de Cincias com o uso da TRS.

    O captulo destinado Metodologia elucida o caminho metodolgico traado por este

    estudo para seu desenvolvimento, bem como os objetivos de cada etapa aplicada. Ainda

    neste captulo, definido o instrumento de pesquisa, bem como o referencial utilizado para o

    tratamento das informaes obtidas atravs dos instrumentos elaborados. E por fim, pela

    caracterizao do local de estudo.

    Os captulos finais so dedicados discusso dos resultados obtidos pelo presente

    estudo.

    1.2 OBJETIVOS

    A presente pesquisa estruturou-se em torno da investigao das representaes sobre

    ser professor de licenciandos em Qumica com o objetivo de responder seguinte pergunta

    de pesquisa: Qual o papel da Licenciatura na construo das representaes sobre ser

    professor?.

    Sendo assim, foram estabelecidos os seguintes objetivos especficos, para este

    trabalho:

    Conhecer as Representaes Sociais sobre ser professor de Qumica de ingressantes e

    concluintes de um curso de Licenciatura em Qumica;

    Verificar as possveis diferenas nessas representaes sociais em funo da seriao

    desses licenciandos;

    Investigar as motivaes que levaram os sujeitos da pesquisa a cursar a Licenciatura em

    Qumica.

  • Captulo 2: Ser professor 17

    SER PROFESSOR

  • Captulo 2: Ser professor 18

    CAPTULO 2: SER PROFESSOR

    Ser professor sinnimo de tornar-se professor, o que um processo interminvel

    (FREITAS; VILLANI, 2002, p. 229). Ao anuir com essa afirmao, buscamos aspectos

    presentes na literatura que contriburam para uma melhor compreenso dessa construo.

    Assim, a delimitao de nosso objeto de pesquisa foi permeada pelo delineamento de

    questes inerentes compreenso do que ser professor.

    Este captulo ser apresentado em duas sees. Na primeira, este delineamento ser

    pautado na apresentao de estudos que tiveram como objeto de investigao o professor,

    evidenciando os elementos que contribuem para a constituio desse profissional, em um

    dilogo com as reflexes de alguns estudiosos, para uma maior compreenso dos

    processos que permeiam a complexa tarefa de ser professor. Em uma segunda seo,

    apresentamos essa anlise direcionada especificamente formao dos professores de

    Qumica. Essa reviso bibliogrfica permite, ainda, situar os resultados evidenciados pelo

    presente estudo no contexto da literatura, permitindo a avaliao da contribuio deste

    trabalho para a compreenso de aspectos que envolvem a atividade docente.

    Frente ao potencial heurstico propiciado pela temtica envolta ao ser professor, a

    seleo de materiais a serem analisados foi realizada a partir de peridicos e livros1com

    artigos sobre a temtica docente vislumbrada especialmente atravs da tica da teoria da

    Representao Social (MOSCOVICI, 1978). Foram tambm analisados alguns trabalhos2

    desenvolvidos no mbito do Centro Internacional de Estudos em Representaes Sociais e

    Subjetividade Educao (CIERS-ed)3 .

    1Representao social e educao (TEVES, N.; RANGEL, M. (Orgs.), 1999); Representaes sociais do ser professor (DOTTA, 2006); Ser professor: formao e desafios na docncia (ENS, R.T.; BEHRENS, M.A. (Orgs.), 2011); Polticas de formao do professor: caminhos e perspectivas (ENS, R.T; BEHRENS, M.A. (Orgs.), 2011); Trabalho do professor e saberes docentes (ENS, R.T, et al. (Orgs.), 2012. (Referncias completas disponveis no captulo sete). 2 SUGAHARA; SOUSA, 2010; ENS; DONATO, 2011; PLACCO; SOUZA, 2011; CORDEIRO; CORDEIRO, 2012; ENS; EYNG e GISI, 2012. 3Centro Internacional de Estudos em Representaes Sociais e Subjetividade Educao (CIERS-ed) tem o objetivo de congregar pesquisadores que utilizam o referencial da teoria das representaes sociais e da subjetividade em uma perspectiva psicossocial. Integrado por mais de 31 grupos de pesquisa consolidados e alocados em 25 instituies nacionais e internacionais, conta com o apoio da Foundation Maison des Sciences de lHomme (Paris, Frana) e do Departamento de Pesquisas Educacionais da Fundao Carlos Chagas (So Paulo, Brasil). Disponvel em: http://www.pucpr.br/eventos/educere/educere2011/apresentacao.php. Acesso em: 12/04/2012. O problema central que rene todos os grupos de pesquisa compreender a viso que

  • Captulo 2: Ser professor 19

    2.1 OLHARES QUE SE COMPLEMENTAM PARA A COMPREENSO DO SER PROFESSOR...

    2.1.1 A CONCEPO SOBRE SER PROFESSOR

    As concepes sobre ser professor so elaboradas a partir de discursos sociais, de

    posies culturais, do habitus4 (BAILLAUQUES, 2001, p. 40). Compreender plenamente as

    alteraes dessas concepes ao longo dos anos exige ateno s tenses que permearam

    o processo de profissionalizao docente. O aparelho de Estado e as vrias instituies da

    sociedade civil como a Igreja e a Famlia, por exemplo, atravs de seus interesses e

    projetos distintos, exerceram forte influncia na construo histrica da profissionalizao

    docente, acarretando a redefinio da funo social e papel profissional docente sob essas

    distintas influncias, o que redunda nas tenses desse processo (NVOA, 1999).

    No caso brasileiro, inicialmente as atividades docentes eram desenvolvidas como uma

    ocupao secundria, no mbito da Igreja, de modo que no havia a configurao da figura

    de professor como um profissional. Os jesutas, movidos pela propagao da f crist,

    atuaram como os primeiros educadores brasileiros.

    Essa situao veio a se modificar a partir da interveno do Estado, que substituiu a

    tutela da igreja, na forma de um controle da ao docente: centralizando o ensino e

    funcionarizando o professorado (NARVAES, 2004, p. 37). A interveno do Estado provocou

    uma homogeneizao, instituindo os professores como corpo profissional (NVOA, 1999).

    Se a interveno do Estado como instituio tutelar do ensino assegurou, por um lado, aos professores, a libertao da influncia das comunidades locais e da Igreja, por outro, aprofundou a sua dependncia, evitando o desenvolvimento autnomo da profisso (LOUREIRO, 2001, p. 44).

    estudantes de licenciatura (inclusive Pedagogia) constroem sobre o trabalho docente. A pesquisa, realizada de forma longitudinal, iniciou-se em 2006 (SOUSA, 2012, p.113). Os grupos de pesquisa integrantes da rede participam da atividade comum - o uso do instrumento de pesquisa, desenvolvido pelo CIERS-ed (questes de associao livre e escolhas hierarquizadas com os termos indutores: professor, dar aula e aluno; questes em forma de carta em que o participante deveria fornecer informaes como se estivesse redigindo uma carta a um grande amigo sobre seu curso e suas expectativas e opinies em relao futura profisso; e questionrios fechados sobre o perfil dos estudantes) e, por sua vez, tambm ampliam suas anlises, aprofundando aspectos tericos e metodolgicos. 4Para Perrenoud (2001), o habitus constitudo pelo conjunto de nossos esquemas de percepo, de avaliao, de pensamento e de ao (p. 162). Essa concepo foi pautada nas idias de Toms de Aquino por Bordieu.

  • Captulo 2: Ser professor 20

    Em outras palavras, a configurao da atividade docente como profisso sofreu, e ainda

    sofre, a influncia direta do Estado. Alm da identidade profissional dos professores ser

    moldada pelo Estado, Lawn (2001, p.118) afirma que as alteraes nestas identidades so

    manobradas pelo Estado atravs do discurso, traduzindo-se em um mtodo sofisticado de

    controle e numa forma eficaz de gerir as mudanas.

    Outra conseqncia da interveno do Estado foi a mudana de um sistema de ensino

    voltado s elites, baseado na seleo e competncia, para um ensino de massas, muito

    mais flexvel e integrador, mas incapaz de assegurar, em todas as etapas do sistema, um

    trabalho adequado ao nvel do aluno (ESTEVE, 1999, p. 103), em que o aumento

    exponencial da quantidade de alunos freqentando as escolas, no foi acompanhado por

    mecanismos que garantissem a qualidade do ensino ofertado. Essa maior oferta de vagas

    nas escolas conduziu ao aumento quantitativo dos professores e, tambm, pelo

    aparecimento de problemas de ordem qualitativa que, ainda hoje, atravessam a docncia

    (LOUREIRO, 2001, p. 47).

    2.1.2 DUAS FACES DE UMA MESMA MOEDA: COMO SO VISTOS E COMO SE VEM OS

    PROFESSORES

    A atuao dos docentes ocorre em um meio social, sendo que este meio influencia at

    mesmo o modo como esses sujeitos constituem suas representaes sobre si e sobre a

    atividade que desempenham, de maneira que podero se constituir representaes

    diferentes e at mesmo contraditrias, formadas e transformadas continuamente por sua

    relao com as diversas representaes devidas ao meio em que eles esto inseridos.

    Nessa perspectiva, a construo da representao do prprio docente est ligada, ento, a

    aspectos extrnsecos docncia, alm da relao que o professor estabelece com sua

    atividade (MELUCCI, 2004; DUBAR, 2005; PIMENTA, 2005; PENNA, 2008; SILVA, 2009).

    construda, desse modo,

    a partir da significao social da profisso; da reviso constante dos significados sociais da profisso; da reviso das tradies. Mas, tambm, da reafirmao de prticas consagradas culturalmente e que permanecem significativas. (...) Constri-se, tambm, pelo significado que cada professor, enquanto ator e autor, confere atividade docente no seu cotidiano a partir de seus valores, de seu modo de situar-se no mundo, de sua histria de vida, de suas representaes, de seus saberes (PIMENTA, 2005, p.19).

  • Captulo 2: Ser professor 21

    Embora cada sujeito seja identificado pelo outro, pode, ainda assim, recusar essa

    identificao e se definir de outra maneira. Esse processo sempre marcado por uma

    dualidade traduzida em sentimentos de ruptura ou continuidade. Esses dois extremos

    refletem um processo de negociao entre os interesses, valores pessoais e o contexto, em

    um momento de tenso, em que posta em discusso a imagem do sujeito que vista pelo

    outro e a imagem que ele desejaria que fosse vislumbrada.

    Nesse sentido, algumas pesquisas (LYRA, 1999; GALINDO, 2004; DOTTA, 2006;

    PENNA, 2008; PLACCO; SOUZA, 2011) retratam que, embora a imagem social da docncia

    esteja ancorada em sua desvalorizao, esses sujeitos, ainda assim, identificam valores

    positivos em suas atividades, vivenciando a contradio entre como se reconhecem e como

    so reconhecidos pelo outro. Para Nvoa5 (1999), embora essa degradao da atividade

    docente seja confirmada por certos discursos de organizaes sindicais e mesmo das

    autoridades estatais, a docncia ainda apresenta facetas atrativas (p. 29).

    Tendo em vista que inmeros estudos (ALVES-MAZZOTTI, 2007; TARTUCE; NUNES;

    ALMEIDA, 2010; LEITE et al., 2011; ENS; EYNG; GISI, 2012; SOUZA, 2012) tm

    diagnosticado uma forma de alteridade ancorada na desvalorizao social da docncia, que

    est cada vez mais presente em nossa sociedade, os sentimentos de continuidade a essa

    identificao externa podem modificar o modo como as pessoas constituem sua identidade

    e so especialmente preocupantes, na medida em que afastam da Educao Bsica os

    docentes ou possveis candidatos docncia.

    Entre estudantes concluintes do Ensino Mdio, essa anlise foi realizada dentre outros

    pesquisadores, por Tartuce, Nunes e Almeida (2010) 6 . O trabalho fundamentou-se na

    questo Algum de vocs pensa ou pensou recentemente em ser professor?, a qual

    originou, majoritariamente, respostas negativas, sendo que apenas 2% dos participantes

    (nT=1500) apontaram a carreira docente como possibilidade profissional. H uma forte

    associao a fatores extrnsecos docncia para justificar a baixa atratividade da carreira

    docente, como a desvalorizao da profisso, o desinteresse e desrespeito dos alunos, bem

    como a baixa remunerao. Para os alunos investigados, existem atributos necessrios ao

    exerccio da docncia, tais como: dom, muita pacincia e amor, evidenciando a maneira

    5Embora esse autor se refira ao contexto europeu, esta idia pode ser estendida a nossa realidade em funo de sua semelhana. 6Pesquisa realizada em 18 escolas de oito cidades [Joinville/SC (2); Curitiba/PR (3); So Paulo/SP (3); Taubat/SP (2); Campo Grande/MS (2); Fortaleza/CE (2); Feira de Santana/BA (2); Manaus/AM (2)].

  • Captulo 2: Ser professor 22

    como eles enxergam a docncia, no como profisso, mas como sacerdcio, uma misso

    em resposta a uma vocao. Imagens que, para as autoras, contribuem para a baixa

    atratividade da carreira docente.

    Estudos com diferentes pblicos (LEITE et al., 2011; ENS; EYNG; GISI7, 2012; SOUZA,

    2012) ressaltam haver falta de interesse dos licenciandos em atuar como docentes na

    Educao Bsica. Esses alunos buscam, cada vez mais, outras profisses, principalmente a

    carreira acadmica em Instituies de Ensino Superior, indicando a desmotivao dos

    alunos de Licenciatura pelo futuro exerccio da profisso na Educao Bsica. Dentre os

    fatores citados para justificar a baixa atratividade da carreira docente, esto as ms

    condies de trabalho e a baixa remunerao, se comparada a atividades que exigem o

    mesmo grau de escolaridade. Esses resultados so especialmente interessantes por se

    referirem a estudantes da Licenciatura, uma vez que o papel dessa, dentre outros possveis,

    o de formar professores. Como exemplo, Souza8 (2012) identificou que cerca de um tero

    dos estudantes que ingressaram na Licenciatura em Fsica da Universidade de So Paulo

    no desejam atuar como professores e que esse nmero aumenta ao longo do curso. Os

    cerca de 20% que desejam lecionar vislumbram essa possibilidade apenas como uma

    alternativa, caso no consigam atuar em pesquisas cientficas, por exemplo.

    A desmotivao para a docncia , tambm, refletida na construo, pelos licenciandos,

    de imagens negativas de seus futuros alunos, influenciados pelos meios de comunicao.

    Os estudantes reproduzem imagens do aluno da escola pblica como carente, com

    baixo aproveitamento escolar, desinteressado e indisciplinado, imagens essas

    7O estudo foi desenvolvido em uma Universidade particular do sul do pas, com 100 estudantes ingressantes nos cursos de Licenciatura em Biologia e Pedagogia, utilizando o instrumento de pesquisa desenvolvido pelo Ciers-ed. Como resultados, identificaram que alguns dos participantes da pesquisa, pertencentes ao curso de Biologia no se interessam pelo trabalho enquanto docentes, embora estejam cursando Licenciatura. O trabalho do professor nas representaes sociais de alunos da Licenciatura em Pedagogia e Biologia de Ens, Eyng e Gisi (2012) destaca, ainda, que os estudantes identificam limitaes a atuao enquanto docentes, relacionadas baixa remunerao e ao pouco reconhecimento social. 8O estudo de Souza (2012) sobre a identidade de licenciandos em Fsica relatou as Representaes Sociais do ser professor e viso de Cincias dos licenciandos em trs fases de sua formao: ingresso, percurso e egresso. Os resultados indicam a falta de interesse em atura como professores, mesmo com o cursar da Licenciatura. Em contrapartida, os resultados desse estudo relatam que a formao inicial tem contribudo para a evoluo das idias e representaes do ser professor dos licenciandos em Fsica, uma vez que as respostas presentes nos questionrios preenchidos pelos estudantes refletem uma preocupao social atrelada ao exerccio da docncia, bem como ateno ao processo de ensino centrado na aprendizagem do aluno.

  • Captulo 2: Ser professor 23

    repetidamente mostradas na mdia, sempre rondando a maioria dos espaos sociais (LEITE

    et al., 2011).

    A depreciao do valor social do professor um processo que interfere, ainda, na

    maneira como os professores se enxergam. Ao assumir um elevado nmero de funes,

    que por diversas vezes so alheias formao docente, o professor vivencia a degradao

    das condies do exerccio de sua profisso, o que se reflete na degradao de suas

    representaes sociais, que se traduz, em geral, em uma atitude de descrena com a

    profisso (LOUREIRO, 2001, p.46). Essas constataes so tambm relatadas por Alves-

    Mazzotti (2007)9 , cujos resultados indicaram que a depreciao do valor do professor

    perante a sociedade afeta mais profundamente a identidade profissional dos professores

    das sries iniciais do que a daqueles das sries finais. No primeiro grupo, os professores

    sentem-se obrigados a assumir funes que consideram ser da famlia, o que, para eles,

    equivale a um esvaziamento da funo docente (p. 591). No ltimo grupo, as falas sugerem

    que os professores vinculam sua identidade profissional a outro grupo mais valorizado (os

    matemticos, os historiadores, etc.), escapando, assim, desvalorizao do magistrio.

    Ambos os grupos enfatizam as dificuldades encontradas para o exerccio efetivo da

    profisso, como as condies da estrutura escolar, falta de tempo para planejamento das

    aulas e para seu desenvolvimento profissional.

    So encontrados, tambm, resultados referentes questo da alteridade negativa

    relacionada profisso de professor. Por exemplo, Silva (2009), ao analisar algumas

    publicaes da dcada de sessenta do sculo XX sobre essa temtica, conclui que, em um

    perodo de cinqenta anos, os trabalhos apresentam um carter semelhante, em sntese, a

    de que o professor o culpado por todas as mazelas da Educao, ao se atribuir

    exclusivamente ao docente a culpa sobre o sucesso e, sobretudo, o fracasso escolar. Para a

    autora, centralizar o foco da ateno no indivduo e no no contexto uma das formas de

    desresponsabilizar o poder pblico pelos resultados da Educao. essa situao,

    infelizmente, no se alterou.

    Assim, a percepo da crescente tendncia de enfraquecimento dos professores, em

    todos os nveis da atividade educativa (PEREIRA; MARTINS, 2002, p. 130) cada vez mais

    freqente. Ela reflete as mudanas que caracterizam o mundo contemporneo, que alteram

    9 Seu artigo retrata os resultados de uma pesquisa que visou identificar as representaes da identidade docente construdas por professores da rede pblica de ensino fundamental do Rio de Janeiro. Os dados foram reunidos segundo a diferenciao entre dois grupos: professores das sries iniciais e outro grupo que inclua os professores das sries finais do ensino fundamental (sexto ao nono ano).

  • Captulo 2: Ser professor 24

    a dinmica das instituies de ensino e se refletem diretamente no trabalho cotidiano dos

    professores (ANDR; ALMEIDA, 2010, p.75). De modo que a desvalorizao dos

    professores tambm permeada pela falta de credibilidade e confiana da sociedade

    nesses profissionais.

    Perante a situao retratada pelos estudos supracitados, alguns estudiosos, dentre eles

    Tardif, se propem a tentar depreender alguns dos fundamentos dessa desvalorizao.

    Alguns deles discutem a desvalorizao em um contexto diferente do brasileiro, no

    obstante, visto sua similitude com a realidade que vivenciamos, ampliam nossa

    compreenso sobre essa temtica. Para Tardif, Lessard e Lahaye (1991), um dos elementos

    explicativos para o desprestgio vivenciado pelos professores a questo da viso fabril dos

    saberes, em que a produo de novos conhecimentos se impe como um fim em si mesma

    e as atividades de formao e de educao tendem a ocupar uma posio inferior a essa

    produo. Nesse contexto, os autores afirmam que, pelo menos em princpio, a funo

    social do corpo docente deveria ser considerada to relevante quanto aquela da

    comunidade cientfica, uma vez que esses dois plos so indissociveis.

    Concordamos com Machado (2009) quando esse afirma que a valorizao do professor

    um aspecto primordial a ser discutido ao se pensar sobre a qualidade da Educao. No

    possvel imaginar uma educao de qualidade sob a orientao de profissionais to

    desvalorizados quanto so os professores. importante ressaltar que a valorizao do

    professor envolve questes referentes formao, inicial e continuada, remunerao e s

    condies de trabalho (WEBER, 1996; PIMENTA, 2005). Ainda em termos de formao

    permanente, Maldaner (2006, p. 110) ressalta a formao continuada como uma

    necessidade intrnseca prtica pedaggica, sempre mais complexa e de nvel crescente

    de exigncia de conhecimentos, da qual a formao inicial no pode dar conta.

    A conscincia da precariedade das condies de trabalho inerentes profisso de

    professor no Brasil, perpassando pela decadncia de sua imagem social, diagnosticadas

    atravs de inmeros estudos, deve ser acompanhada pela percepo da necessidade de

    reflexo quanto aos conhecimentos, s prticas e aos saberes requeridos para o exerccio

    da docncia, bem como pela disposio em lutar pela melhoria dessas condies, em um

    movimento permanente de aliana entre os docentes, a sociedade e o governo, em prol da

    valorizao da categoria (PEREIRA; MARTINS, 2002; ANDR; ALMEIDA, 2010;

    CORDEIRO; CORDEIRO, 2012). Em relao aos professores, a busca por essa valorizao

    permeada pela luta dos educadores pela qualidade da educao pblica desde 1920,

    como resume Saviani (2007):

  • Captulo 2: Ser professor 25

    com a fundao da Associao Brasileira de Educao (ABE), em 1924; adquire visibilidade com o lanamento do Manifesto dos Pioneiros da Educao Nova, em 1932, e com a Campanha em Defesa da Escola Pblica, na virada da dcada de 1950 para os anos de 1960, na fase final da tramitao do projeto de LDB; prossegue com as Conferncias Brasileiras de Educao da dcada de 1980 e com o Frum Nacional em Defesa da Escola Pblica na Constituinte e na nova LDB; desemboca na elaborao da proposta alternativa de Plano Nacional de Educao nos Congressos Nacionais de Educao de 1996 e 1997; e se mantm com grandes dificuldades neste incio do sculo XXI, na forma de resistncia s polticas e reformas em curso e na reivindicao por melhores condies de ensino e de trabalho para os profissionais da educao (p. 1243).

    Como foi discorrido por Saviani (2007), a luta dos educadores est refletida no

    desenvolvimento de alguns atos governamentais consonantes com a preocupao pela

    valorizao do magistrio, como a Lei de Diretrizes e Bases da Educao Nacional,

    publicada em 1996, que, em um de seus artigos, reconhece os cursos de Licenciatura como

    os responsveis pela formao de professores e considera-os imprescindveis para o

    exerccio de tal funo (BRASIL, 1996).

    O Plano de Desenvolvimento da Educao, promulgado em 2001, concebe que a

    melhoria da qualidade do ensino,

    somente poder ser alcanada se for promovida, ao mesmo tempo, a valorizao do magistrio. Sem esta, ficam baldados quaisquer esforos para alcanar as metas estabelecidas em cada um dos nveis e modalidades do ensino. Essa valorizao s pode ser obtida por meio de uma poltica global de magistrio, a qual implica, simultaneamente, - a formao profissional inicial; - as condies de trabalho, salrio e carreira; - a formao continuada (BRASIL, 2001b).

    No plano tambm so contempladas as questes referentes jornada de trabalho que

    dever ser organizada de acordo com a jornada dos alunos, concentrada num nico

    estabelecimento de ensino e que inclua o tempo necessrio para as atividades

    complementares ao trabalho em sala de aula (BRASIL, 2001b).

    Dez anos mais tarde, o Plano de Desenvolvimento da Educao para o decnio 2011-

    2020, nas diretrizes referentes valorizao do magistrio, reafirmou algumas das metas

    propostas em 2001. Dessas, destacam-se o estabelecimento do prazo de dois anos para a

    existncia de planos de carreira para os profissionais do magistrio em todos os sistemas de

    ensino (BRASIL, 2010b).

    Nesse sentido, a Tabela 2.1 retrata que, embora a meta de aproximar o rendimento

    mdio do profissional do magistrio daquele dos demais profissionais com escolaridade

  • Captulo 2: Ser professor 26

    equivalente, estivesse presente desde o primeiro Plano em 2001 e ter sido reafirmada em

    2011 (BRASIL, 2010b), a remunerao dos professores da Educao Bsica ainda inferior

    dos demais profissionais brasileiros de escolaridade equivalente, ocupando a 27a posio.

    So cerca de 900.000 professores com rendimentos de, no mximo, dois salrios mnimos,

    o que demonstra que devem ser intensificados os esforos para a melhoria dos salrios dos

    docentes.

    Tabela 2.1: Rendimento Mdio dos profissionais no Brasil.

    Faixa de rendimento mensal (%)

    Profisses

    Populaoa

    At 1

    Acima de 1

    at 2

    Acima de 2

    at 3

    Acima de 3

    at 5

    Acima de de 5

    Mdiab

    1

    Mdicos

    273.379

    -

    1,5

    4,9

    10,8

    82,8

    4,7

    2 Dentistas 183.465 0,9 6,3 10,9 24,1 57,7 4,3

    3 Professores de Ensino Superior 257.843 1,4 8,0 8,8 22,6 59,2 4,3

    4 Engenheiros eletrnicos 82.816 0,4 2, 19,2 27,5 50,0 4,2

    5 Arquitetos 83.889 0,8 7,5 10,2 31,3 50,2 4,2

    6 Engenheiros Mecnicos 88.238 0,8 6,1 19,0 20,0 54,2 4,2

    7 Engenheiros civis 138.333 3,0 7,7 13,4 26,9 49, 4,1

    8 Bilogos 42.357 3,3 8,6 17,9 25,1 45,1 4,0

    9 Advogados 548.122 2,3 13,1 14,4 26,0 44,2 4,0

    10 Psiclogos e Psicanalistas 113.930 2,4 10,0 19,1 26,7 41,8 4,0

    11 Jornalistas 52.667 0,9 16,2 15,0 25,1 42,9 3,9

    12 Fisioterapeutas 136.620 0,9 12,9 22,4 26,0 35,5 3,8

    13 Administradores 109.469 3,8 13,2 17,0 27,4 38,6 3,8

    14 Agrnomos 40.050 5,1 17,9 9,4 26,8 40,7 3,8

    15 Veterinrios 38.628 3,2 13,8 18,7 28,4 35,9 3,8

    16 Analistas de sistemas 228.643 2,4 16,8 17,4 29,0 34,3 3,8

    17 Economistas 103.198 5,6 17,3 17,7 21,7 37,6 3,7

    18 Contadores e auditores 317.062 4,0 21,4 19,9 19,5 35,2 3,6

    19 Farmacuticos 79.708 3,8 18,9 20,3 32,2 24,8 3,6

    20 Enfermeiros 241.389 3,4 21,7 22,1 29,0 23,9 3,5

    21 Profissionais de Recursos Humanos

    109.633 8,2 25,7 16,3 25,0 24,8 3,3

    22 Profissionais de marketing, publicidade e comercializao

    217.615 12,9 21,8 18,3 22,1 24,9 3,2

    23 Nutricionistas 58.217 7,7 26,4 19,9 29,1 16,9 3,2

    24 Secretrias executivas e bilnges 87.147 7,1 27,5 22,3 24,2 18,9 3,2

    25 Professores de Educao Fsica 120.418 14,9 31,3 18,2 21,9 13,8 2,9

    26 Programadores, avaliadores e orientadores de ensino

    280.253 14,5 31,2 20,6 19,9 10,7 2,9

    27 Professores da Educao Bsica 1.909.466 13,3 34,1 21,6 20,3 11,6 2,8

    28 Assistentes sociais e economistas domsticos

    163.833 20,0 30,8 16,4 21,1 19,0 2,7

    29 Decoradores de interiores e cengrafos

    52.474 27,3 25,3 16,0 12,3 19,0 2,7

    30 Desenhistas industriais, designer, escultores, pintores e afins

    333.828 37,7 35,2 9,8 8,1 9,2 2,2

    Fonte: microdados da PNAD 2009 apud Alves e Pinto, 2011, p.623-624. (a) Nmero estimado de profissionais; (b) Mdia ponderada entre a porcentagem de profissionais em cada nvel de renda e o peso (1 a 5) atribudo a cada nvel.

  • Captulo 2: Ser professor 27

    2.1.3 PROFESSORES... CONSTITUDOS POR SABERES PLURAIS E TEMPORAIS...

    No que se refere a seu aspecto profissional, pode-se dizer que o professor

    dotado de competncias especficas e especializadas que repousam sobre uma base de conhecimentos racionais, reconhecidos, oriundos da Cincia, legitimados pela Universidade, ou de conhecimentos explicitados, oriundos da prtica (ALTET, 2001, p. 25).

    Uma das caractersticas inerentes aos profissionais a natureza dos conhecimentos

    especficos a cada rea. No caso docente, so requeridos conhecimentos referentes

    especificamente ao ensino. Em especial, chamamos a ateno aos conhecimentos que

    podem ser alocados no que Tardif chama de saber pedaggico, uma vez que este

    apresenta-se como uma orientao para a atividade educativa, o saber-fazer, constitudo no

    exerccio da docncia.Em sua complementao esto os saberes da experincia, os quais

    so os saberes prticos que envolvem tanto o saber-fazer quanto o saber-ser,

    desenvolvidos durante a prtica de sua profisso. o corao de todos os outros saberes,

    na medida em que esses so, com o tempo, confrontados com as realidades do trabalho

    cotidiano, moldados e validados por ela a experincia (TARDIF, 2012, p.34). Tanto o saber

    pedaggico como os saberes da experincia, contribuem para a releitura da atividade

    docente, a qual deve ser vislumbrada como uma atividade que demanda uma capacidade

    que vai alm da execuo, uma atividade de grande relevncia na conduo do processo

    educativo que vise a um ensino de qualidade. (AZZI, 2005, p.44-45).

    Ser professor tambm envolve a percepo do quo necessrio o processo de

    constante reviso do repertrio de saberes adquiridos atravs da experincia, os quais

    exercem a funo de dinamizar a prtica educativa, pois atravs dela que os professores

    tomam conscincia de que o seu papel no se limita ao de meros transmissores de saberes

    produzidos por outros (MORS et al., 2004, p. 67). Uma das criticas levantadas por Tardif,

    Lessard e Lahaye (1991) a no participao dos professores na seleo de quais saberes

    sociais tornar-se-o saberes escolares. H a presena marcante da exterioridade

    direcionando as prticas escolares, refletindo uma alienao dos docentes com o saber.

    Os saberes profissionais so dessa forma, situacionais. Em sntese, os professores, na

    construo contnua de seus saberes profissionais, detm saberes pedaggicos

    multifacetados sobre os quais deveriam ter oportunidade de refletir para que pudessem

    (re)pensar os fundamentos de sua prtica, adquirindo a conscincia de que so agentes

  • Captulo 2: Ser professor 28

    construtores de saberes pedaggicos, constituindo, assim, a verdadeira competncia

    profissional (NUNES, 2001; MORS et al., 2004; PIMENTA, 2005).

    Ser professor, assim, implica em articular inmeros saberes, que se interpenetram

    mutuamente e no se excluem (PEREIRA; MARTINS, 2002, p. 131), o que faz desse ator

    social um ser plural, pois o trabalho na sala de aula exige uma variedade de habilidades ou

    de competncias (TARDIF, 2000, p.15).

    Essa pluralidade de saberes constitui, de certa maneira, um reservatrio do qual o professor extrai suas certezas, seus modelos simplificados de realidade, suas razes, seus argumentos, seus motivos para validar seus prprios julgamentos em funo de sua ao (TARDIF e GAUTHIER, 2001, p. 201-202).

    Nessas caractersticas est, tambm, a sensibilidade de perceber a individualidade dos

    alunos. O professor deve aprender

    a trabalhar em um ambiente constitudo essencialmente de relaes humanas, com tudo o que elas implicam de instabilidade e de complexidade, mas tambm de relaes de poder, de questes ticas, de mediaes culturais e lingsticas, de valores e de crenas, de interpretaes e de tenses mltiplas entre o professor e seus alunos (TARDIF, 2012, p. 37).

    Nessa direo, h trabalhos (MAHONEY; ALMEIDA, 2005; SUGAHARA; SOUSA, 2010)

    em que se defende a afetividade como uma das condies para que o aluno aprenda, de

    maneira que poderia e, acima de tudo, deveria ser desenvolvida para e na prtica docente.

    Para Mahoney e Almeida (2005, p. 12) a relao interpessoal professor-aluno um fator

    determinante. Esses atores so concretos, histricos, trazendo a bagagem que o meio lhes

    ofereceu at ento; esto em desenvolvimento, processo que aberto e permanente.

    Ainda em aspectos requisitados para o exerccio da docncia, o trabalho de Ens e

    Donato (2011) buscou identificar quais as RS do professor, na voz de professores

    formadores do curso de Pedagogia de uma Universidade do sul do pas. Ser professor na

    voz desses professores exige responsabilidade na formao de cidados crticos e

    autnomos (...). Isso requer que a formao docente contemple, alm das dimenses

    tericas, tcnicas, pedaggicas e curriculares, a dimenso poltica (ENS; DONATO, 2011, p.

    95). Para esses professores formadores, a atuao como docente est intrinsecamente

    ligada a sentimentos de prazer permeados pela conscincia das dificuldades que envolvem

    a profisso.

  • Captulo 2: Ser professor 29

    Por sua vez, na voz de alunos, pais, funcionrios (incluindo professores), um bom

    professor concebido a partir dos conhecimentos que necessita possuir para ensinar, na

    articulao entre os saberes acadmico e do/sobre o aluno, em uma nfase ao como fazer

    intrinsecamente ligado a valores afetivos, o bom professor tambm um amigo (RANGEL,

    199910). Nas palavras desses atores sociais, o professor reconhecido por sua importncia

    nos processos de ensino e aprendizagem, em uma clara nfase nas habilidades de relao

    humana e de ensino, para eles a aprendizagem condicionada pelos procedimentos

    tcnicos e atitudes que favorecem as relaes humanas (p.53), no entanto, para esse

    pblico-alvo o professor deve ser isento de compromisso poltico e inerte ao contexto social

    que o envolve (p. 59).

    importante ressaltar, assim como afirma Tardif (2000, p.13), que os saberes do

    professor so intimamente influenciados pelo contexto de sua vida pessoal e profissional.

    Em outras palavras, as prticas docentes esto carregadas de sua prpria histria de vida.

    Nesse estudo, esse autor, ao questionar professores sobre suas competncias profissionais,

    percebeu que eles falam primeiramente de suas caractersticas pessoais, e sugeriu que isso

    ocorre uma vez que a personalidade do trabalhador absorvida no processo de trabalho e

    constitui, at certo ponto, a principal mediao da interao (p. 16).

    2.2 A FORMAO INICIAL DO PROFESSOR DE QUMICA

    Em nosso pas, a formao inicial dos professores de Qumica ocorre prioritariamente

    em Instituies de Ensino Superior (IES) e balizada pelas Diretrizes Curriculares Nacionais

    (DCN) para a formao de professores da Educao Bsica e para os cursos de Qumica.

    As DCN, aprovadas em 2001, apontam as habilidades e competncias que os licenciandos

    devem desenvolver durante a formao superior, em relao formao pessoal;

    compreenso da Qumica; busca de informao e comunicao e expresso; ao ensino

    de Qumica e profisso (BRASIL, 2001a, p. 6-7).

    10O artigo intitulado: Das dimenses da representao do bom professor s dimenses do processo de ensino-aprendizagem, relata alguns elementos da pesquisa de Mary Rangel, que constituiu sua Tese de concurso para professor titular de didtica da Universidade Federal Fluminense. Para o estudo, foram consideradas duas escolas, uma pblica e, outra, particular, localizadas em Niteri (Rio de Janeiro) e as representaes acerca do bom professor de alunos, pais, funcionrios (incluindo professores).

  • Captulo 2: Ser professor 30

    De acordo com as DCN,

    o Licenciado em Qumica deve ter formao generalista, mas slida e abrangente em contedos dos diversos campos da Qumica, preparao adequada aplicao pedaggica do conhecimento e experincias de Qumica e de reas afins na atuao profissional como educador na educao fundamental e mdia (BRASIL, 2001a, p. 4).

    Em relao formao pessoal espera-se que faam parte dessa formao, dentre

    outras habilidades, o interesse pelo auto-aperfeioamento contnuo, alm de uma formao

    humanstica que vise o respeito aos demais cidados.

    Dentre algumas dessas diretrizes, h a que aponta para a necessidade de ter uma viso

    crtica com relao ao papel social da Cincia e sua natureza epistemolgica,

    compreendendo o processo histrico-social de sua construo (BRASIL, 2001a, p. 6). Essa

    afirmao consoante com os resultados de pesquisas em ensino relacionadas tica de

    duas perspectivas filosficas, a perspectiva empirista/indutivista e a racionalista (NAZ,

    1994; MALDANER, 2006; MARTORANO e MARCONDES, 2009) e implicao dessas

    concepes na ao pedaggica e no aprendizado dos alunos em prticas desenvolvidas

    segundo essas perspectivas, uma vez que o resultado dessas abordagens mostrou-se

    distinto.

    Uma imagem empirista de Cincia pode ser um obstculo para o aprendizado de

    conceitos em que a visualizao dos fenmenos no possvel, sendo necessrio o

    desenvolvimento de modelos mentais. Uma concepo empirista de Cincia transmite a

    idia de que a mesma se processa unicamente por meio de experimentos, apresentada de

    forma contnua e acumulativa. A predominncia da concepo empirista/indutivista entre

    professores de Cincias pode levar ao desenvolvimento de concepes inadequadas sobre

    as prticas docentes (LBO; MORADILLO, 2003). J a viso racionalista baseada em

    vislumbrar a Cincia como empreendimento humano, expresso pela construo de modelos

    explicativos, que, por sua natureza, apresentam validades e limites.

    A compreenso da Qumica engloba a importncia de conhecer o contedo, o que

    enfatizado, dentre outros autores, por Carvalho e Gil-Prez (2009). Nas palavras de

    Maldaner (2006, p.392), deve-se pensar a Qumica como uma realidade produzida pelo

    homem em processo intelectual e que o ensino dessa matria permita o acesso a essa

    realidade histrica, ficando claro ao estudante que os objetos da cincia no so os

    fenmenos da natureza, mas construes desenvolvidas pela comunidade cientfica para

    interpretar a natureza (DRIVER et al., 1999, p. 32) [grifo nosso]. Nessa perspectiva,

    importante que o estudante conceba a Qumica como uma construo humana pautada no

  • Captulo 2: Ser professor 31

    uso de modelos, diretamente influenciada por aspectos histricos, polticos e

    socioeconmicos (BRASIL, 2001a; MALDANER, 2006).

    Por sua vez, as diretrizes relacionadas busca de informao e comunicao e

    expresso esto relacionadas aquisio das ferramentas necessrias para que o

    licenciado possa manter-se em constante atualizao, assim como possa comunicar

    projetos e resultados de pesquisas (BRASIL, 2001a, p. 6). Pode-se depreender que essa

    formao deve ser capaz de incitar o professor a refletir constantemente sobre sua prtica,

    alicerando-a em pesquisas, no necessariamente nos moldes acadmicos. Ritter e

    Maldaner (2012) defendem a primazia dessa pesquisa nos cursos de formao inicial e

    continuada com vistas construo de saberes do professor, os quais so necessrios ao

    exerccio de um ofcio mais autnomo (p. 19), pois assim o futuro professor de Qumica

    pode se converter em um investigador na sala de aula tendo como pressupostos que a

    prtica docente mais um processo de investigao do que um contexto de aplicao [de

    teorias e procedimentos] (SILVA; SCHNETZLER, 2008, p. 2176). Trata-se, enfim, de

    orientar tal tarefa docente como um trabalho coletivo de inovao, pesquisa e formao

    permanente (CARVALHO; GIL-PREZ, 2009, p. 18). Essa formao implica em conceber

    como inseparvel a figura do professor da figura do pesquisador, esse profissional

    aquele capaz de refletir a respeito de sua prtica de forma crtica, de ver a sua realidade de sala de aula para alm do conhecimento na ao e de responder, reflexivamente, aos problemas do dia-a-dia nas aulas. o professor que explicita suas teorias tcitas, reflete sobre elas e permite que os alunos expressem o seu prprio pensamento e estabeleam um dilogo reflexivo recproco para que, dessa forma, o conhecimento e a cultura possam ser criados e recriados junto a cada indivduo. o professor/pesquisador que v a avaliao como parte do processo e ponto de partida para novas atividades e novas tomadas de rumo em seu programa de trabalho (MALDANER, 2006, p. 30).

    Por fim, as diretrizes direcionadas ao ensino de Qumica e profisso indicam que a

    formao desses licenciandos deve ter como pilares, alm do domnio do contedo, tambm

    os suportes oferecidos por conhecimentos dos campos da psicologia, pedagogia, sociologia

    e filosofia (BRASIL, 2001a; GAUCHE et al.2008; MESQUITA; SOARES, 2009). Essas

    diretrizes tm como fundamento a proposio de um modelo de ensino que privilegie o

    papel e a importncia do estudante no processo da aprendizagem (BRASIL, 2001a).

    Espera-se uma postura diferente, em sala de aula, dos novos professores formados no

    mbito das indicaes das diretrizes, (MOL, 2011) buscando uma ruptura com a concepo

    positivista da Cincia e a superao da fragmentao disciplinar do conhecimento

    (MESQUITA; SOARES, 2009, p. 124). Para Farias e Ferreira (2012, p. 846) a formao

  • Captulo 2: Ser professor 32

    inicial deve ser direcionada de modo que as concepes simplistas de ensino sejam

    suplantadas.

    Tratando ainda de aspectos da formao inicial, a insero dos licenciandos nos

    ambientes escolares um processo formativo de grande importncia defendido por

    inmeros estudiosos. Tardif (2012) afirma a necessidade de ancorar a formao inicial em

    prticas profissionais, de maneira que os demais saberes devem colocados a servio do

    aprendizado da prtica profissional e da aquisio do saber da experincia (p. 28), de modo

    a amenizar a dicotomia teoria-prtica vivenciada pelos recm-formados. Nas palavras de

    Perrenoud (2001, p. 72), para oferecer uma formao profissional de qualidade importante

    que, sem abandonar a linguagem dos saberes, (...) no se mantenha a iluso de que, para

    passar da teoria prtica, bastam saberes profissionais.

    A insero dos estudantes em um ambiente escolar durante os estgios

    supervisionados proporciona ao licenciando momentos de problematizao e

    fundamentao de estratgias de interveno pedaggica e, assim, contribui para uma

    melhor formao (GAUCHE et al., 2008; SILVA; SCHNETZLER, 2008). Para Freitas e Villani

    (2002), os saberes sobre o ensino dos futuros professores ganham significados efetivos, na

    medida em que se articulam ao seu fazer (p. 229).

    Nessa direo, o Programa Institucional de Bolsas de Iniciao Docncia (PIBID)

    uma iniciativa governamental que merece destaque, pois incentiva a participao dos

    futuros professores em sistemas pblicos de ensino da Educao Bsica, promovendo a

    integrao entre escolas e universidades. Devido ao avizinhamento fomentado pelo PIBID o

    estgio supervisionado pode vir a se concretizar enquanto um melhor espao de formao

    contribuindo para elevar a qualidade dos cursos de formao e, ainda, eventualmente,

    melhorando o desempenho das escolas. Nessa aproximao entre universidade e escola

    mesclam-se os espaos de formao e atuao. Nesse movimento, a tarefa de formao,

    antes, de atribuio exclusiva dos cursos universitrios passaria a ser compartilhada mais

    efetivamente com os espaos de atuao, a exemplo do que j relatado em alguns casos

    especficos, como as desenvolvidas h mais de dez anos pelo Grupo Interdepartamental de

    Pesquisa sobre Educao em Cincias (GIPEC), nos chamados mdulos tridicos, os quais

    mediam interaes entre licenciandos, professores do ensino mdio e da universidade

    (ZANON, HAMES, SANGIOGO, 2012), alm o Ncleo de Pesquisa em Ensino de Cincias

    (NUPEC) do Instituto de Qumica da Universidade Federal de Gois.

    Alm da concesso de bolsas para alunos de cursos de Licenciatura e para

    coordenadores e supervisores responsveis o PIBID,

  • Captulo 2: Ser professor 33

    visa tambm proporcionar aos futuros professores participao em experincias metodolgicas, tecnolgicas e prticas docentes de carter inovador e interdisciplinar e que busquem a superao de problemas identificados no processo de ensino-aprendizagem. Alm de incentivar as escolas pblicas de educao bsica a tornarem-se protagonistas nos processos formativos dos estudantes das licenciaturas, mobilizando seus professores como co-formadores dos futuros professores (PIBID, 2012).

    De maneira geral o crescimento do programa evidenciado pelo nmero crescente de

    bolsas oferecidas (Tabela 2.2). Esse crescimento, especificamente no caso da Qumica,

    est refletido, tambm, em uma iniciativa recente proporcionada pela revista Qumica Nova

    na Escola, que reservou uma de suas edies para a publicao de artigos que relataram

    investigaes sobre questes relativas e decorrentes do PIBID articulados formao de

    professores de Qumica 11 . Em encontros de pesquisadores de Cincias esta temtica

    tambm tem sido recorrente12.

    Tabela 2.2: Quantidade de bolsas oferecidas pelo Pibid durante os anos.

    2007 200913 201013 201113

    Bolsas para alunos de Licenciatura 2.326 11.208 13.649 24.175

    Bolsas para coordenadores14 259 816 981 2.020

    Bolsas para supervisores15 503 1.670 2.084 3.811

    11 Revista disponvel em verso impressa e online. Disponvel em: http://qnesc.sbq.org.br/online/qnesc34_4/ . Acesso em 16/09/2013.

    12Como exemplos h o Encontro Nacional de Ensino de Qumica (ENEQ), cuja edio ocorrida em 2010 contou com a apresentao de 24 trabalhos relacionados ao PIBID. Por sua vez, durante sua realizao em 2012 foram 114 os trabalhos apresentados. Outro encontro de grande importncia no cenrio nacional o Encontro Nacional de Pesquisa em Educao em Cincias (ENPEC), o qual, em sua ltima edio ocorrida em 2011, disps da apresentao de 19 trabalhos sobre algum aspecto relacionado ao PIBID.

    13 Os valores referem-se quantidade acumulada. Fonte: Sinopse das aes do Ministrio da Educao, 2011.

    14Coordenadores so os professores da Instituio de Ensino Superior, responsveis pelas seguintes atividades: planejamento, organizao e execuo das atividades de iniciao docncia em sua rea de atuao acadmica; acompanhamento, orientao e avaliao dos bolsistas estudantes de licenciatura; e articulao e dilogo com as escolas pblicas nas quais os bolsistas exeram suas atividades (BRASIL, 2010a).

    15Supervisores so os professores da escola pblica, responsveis por acompanhar e supervisionar as atividades dos licenciandos.

  • Captulo 3: A Teoria das Representaes Sociais 34

    TEORIA DAS REPRESENTAES SOCIAIS

  • Captulo 3: A Teoria das Representaes Sociais 35

    CAPTULO 3.TEORIA DAS REPRESENTAES SOCIAIS

    Em 1961, Serge Moscovici, psiclogo social francs, em sua obra Psychanalyse, son

    image et son public, introduz as idias propostas pela Teoria das Representaes Sociais

    (TRS). Em 1976, a obra passa por uma reformulao, que nas palavras de Jesuno (2011)

    mais estilstica, [...] se a primeira edio era uma tese, a segunda procura ser um livro.

    Essas obras buscavam compreender como se situava o conhecimento mobilizado na

    comunicao informal, especificamente a assimilao pelo pblico de uma nova disciplina, a

    psicanlise.

    Moscovici estava envolvido em uma atmosfera fortemente influenciada pela psicologia

    social americana, em que os seres so concebidos como caixas pretas que recebem

    idias de fora e somente as processam, em uma nfase ao extremo individualismo como

    uma de suas principais marcas. Essa compreenso no modo de cognio dos sujeitos por

    parte da psicologia social americana causava em Moscovici fortes objees.

    Encontra amparo conceitual a essas crticas em um campo oposto, onde qualquer

    explicao psicolgica de fatos sociais tornava-se um grande equvoco - a Teoria

    Representaes Coletivas, de mile Durkheim, desenvolvida em uma perspectiva

    sociolgica. Nessa perspectiva, os seres esto constantemente influenciados e controlados

    por uma ideologia dominante.

    O texto de S (1993) indica as singularidades entre a representao coletiva e a social,

    em trs aspectos:

    em primeiro lugar, o conceito durkheimiano abrangia uma gama muito ampla e heterognea de formas de conhecimento, supondo-se estar nelas concentrada uma grande parte da histria intelectual da humanidade. Em Moscovici, considerando seu objetivo de estabelecer uma psicossociologia do conhecimento, as representaes sociais deveriam ser reduzidas a uma modalidade especfica de conhecimento que tem por funo a elaborao de comportamentos e a comunicao entre indivduos, no quadro da vida cotidiana. Em segundo lugar, a concepo de Durkheim era bastante esttica, o que possivelmente correspondia estabilidade dos fenmenos para cuja explicao havia sido proposta, mas no plasticidade, mobilidade e circulao das representaes contemporneas emergentes. Em terceiro lugar, as representaes coletivas eram vistas, na sociologia durkheimiana, como dados, como entidades explicativas absolutas, irredutveis por qualquer anlise posterior, e no como fenmenos que devessem ser eles prprios explicados. psicologia social, pelo contrrio, segundo Moscovici, caberia penetrar nas representaes para descobrir a sua estrutura e os mecanismos internos (S, 1993, p. 23).

  • Captulo 3: A Teoria das Representaes Sociais 36

    Essas singularidades indicam que as idias propostas por Durkheim no eram

    totalmente compatveis com os propsitos de Moscovici. Por outro lado, o extremismo da

    nfase no individual da perspectiva psicolgica, tambm no o era. De modo que as

    representaes sociais deveriam se situar na regio limtrofe entre os dois extremos citados,

    em que os fenmenos de natureza psicolgica e social encontrassem suporte e fossem

    desenvolvidos. Nessa chamada perspectiva psicossoci