reprografia
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Brasília a. 35 n. 140 out./dez. 1998 139
COMUT, reprografia e direito autoral
Há cerca de quinze anos, o COMUT (Con-selho de Comutação Bibliográfica) procurou oCNDA (Conselho Nacional de Direito Autoral)para saber sobre as implicações do direito auto-ral sobre seu procedimento. O processo tevecomo relator o conselheiro Carlos Alberto Bit-tar, que, em artigo publicado na Revista de In-formação Legislativa, escreveu o seguinte:
“A integração do sistema de comuta-ção ao de cobrança de direitos autorais.Avanço significativo, nesse sentido, foidado, entre nós, em recente decisão doConselho Nacional de Direito Autoral – aque pertencemos –, que, apreciando con-sulta formulada pelo representante doSistema Nacional de Comutação Biblio-gráfica (COMUT), respondeu afirmativa-mente quanto à incidência dos direitosautorais na extração de cópias de obrasintelectuais realizadas pelas bibliotecasque o integram.
Em nosso voto como relator no pro-cesso – acompanhado à unanimidadepelo Conselho –, deixamos evidenciadoque esses direitos, por destinarem-se aoamparo da mais nobre criação humana,devem ser respeitados mesmo que os finsvisados na extração sejam de interesseda coletividade, desde que exista cobran-ça – como no caso – de um determinadovalor, mesmo a título de recuperação dedespesas. Caso contrário, estaríamos sa-crificando o criador às custas do benefí-cio trazido ao, ou pelo, serviço de repro-dução.”1
NEWTON PAULO TEIXEIRA DOS SANTOS
Newton Paulo Teixeira dos Santos é Mestre eDoutor em Comunicação, membro do Instituto dosAdvogados Brasileiros, da Associação Brasileira dePropriedade Intelectual, da Associação dos Arqui-vistas Brasileiros e do Instituto de Pesquisa em Pro-priedade Intelectual Henri Debois (Paris), Advogadoe perito judicial para questões referentes ao DireitoAutoral e Direito à Imagem. Foi professor da Univer-sidade Federal do Rio de Janeiro e membro do Conse-lho Nacional de Direito Autoral.
1Revista de informação legislativa, ano 20, n. 80(out. dez. 1983).
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Revista de Informação Legislativa140
Essa referência serve para mostrar como oproblema é antigo no próprio COMUT. Nós pró-prios já trabalhamos a questão em comunicaçãofeita ao II Seminário de Direitos Autorais, pro-movido pela Biblioteca Nacional (Rio de Janei-ro), em agosto de 19952. Por se tratar de umaquestão complexa, que vai-se tornando maiscomplexa a cada avanço tecnológico, vamos tra-tá-la por partes.
Em sentido amplo, reprografia designa qual-quer processo ou técnica de reprodução mecâ-nica de escritos, imagens e sons. Em sentidoestrito (e é o que interessa ao COMUT), signifi-ca apenas a reprodução mecânica de escritos ecorresponde à definição vista no Aurélio:
“conjunto de processos de reproduçãoque, em vez de recorrerem aos métodostradicionais de imprimir, recorrem às téc-nicas de fotocópias, eletrocópias, micro-filmagem, heliografia, xerografia, etc.”
É verdade que, nesse sentido, já se deveincluir o COMUT on line. Como se lê no folderda instituição:
“Você já pode solicitar cópia de docu-mentos por meio eletrônico. Para ter aces-so a este novo serviço, navegue pela In-ternet, até o IBICT, pelos seguintes en-dereços.”
A questão sobrevém (é claro) quando o con-teúdo do documento solicitado está protegidopelo direito autoral, o que exclui os que estive-rem em domínio público (v. art. 45 da Lei nº 9.610/98) e outros documentos como textos legais,decisões judiciais, documentos bancários, no-tícias do dia, etc. Isso importa em dizer que cadadocumento há de ser avaliado caso por caso.Às vezes é muito fácil; outras, nem tanto, comoocorre com as traduções, por exemplo, em queo tradutor também tem um direito autoral, ouquando ocorre a morte de um autor e a conta-gem do prazo de proteção se torna complicada.
Dá para sentir a enormidade do problema.Se formos adotar as lições do direito autoral clás-sico, haveremos de seguir os conselhos de Car-los Alberto Bittar e nos afogarmos em um dilú-vio de normas legais. Nem a ameaça penal es-tampada nas “Advertências”, que costumampreceder as reproduções gráficas, fonográficasou de multimídia, estancou o fenômeno repro-gráfico. Como diz José de Oliveira Ascensão:
“Não se estanca um oceano com uma declara-ção de princípios”3. Por isso é imperioso repen-sarmos a questão.
Ora, podemos apreciar de três ângulos di-versos o fenômeno da reprografia:
a) do ponto de vista sociológico;b) do ponto de vista econômico;c) do ponto de vista jurídico.Do ponto de vista sociológico, estamos di-
ante de um fenômeno dos mais ricos, pronto asustentar nossos processos de troca de infor-mações, e é dessa troca que nossa sociedade sealimenta. Seríamos loucos se tentássemos frearesse processo. Tanto mais que ele ocorre espe-cialmente no domínio das publicações científi-cas de alto nível, como documentam as esta-tísticas do COMUT. Devemos até estimulá-lo, paraque se processe uma farta distribuição do saber.
Do ponto de vista econômico, é indiscutívelque o consumidor sai ganhando, em virtude dobarateamento dos suportes. O prejuízo que pos-sa trazer ao autor e/ou ao editor é muito maisaparente que real. Há um discurso já instaladonesse setor que fala em milhões de dólares per-didos anualmente pelos autores e/ou editores.Não é bem assim. Vejam só: as fontes, isto é, asbibliotecas precisam adquirir o livro ou a revistapara reproduzi-los; em princípio, o usuário nãovai satisfazer-se com o texto reprografado, aocontrário, vai ser estimulado pela bibliografia ci-tada, e muitas vezes vai adquirir o próprio livropara complementar seu conhecimento, ou paraguardá-lo como livro de referência. Diga-se, ain-da, que é bem pouco provável que ele o compras-se se não houvesse o estímulo da cópia. Copiam-se muito as revistas técnicas, e dizem que elassaem prejudicadas; mas elas sempre tiveram umatiragem reduzida. Apesar das cópias, assiste-se,hoje, a uma expansão dessas publicações.
Do ponto de vista jurídico (e aqui chegamosao ponto), é preciso distinguir:
– a obra não está protegida, portanto não háimplicações com o direito autoral;
– a obra está protegida. Então temos quedistinguir:
a) trata-se de cópia única para uso pri-vado? Então não há como pensar em re-compensa para o autor e/ou editor;
2V. Reprografia e reprodução em massa, in Re-vista de informação legislativa, ano 32, n. 128, p.157-60.
3Vamos acompanhar o pensamento lúcido de Joséde Oliveira Ascensão em seu recente Direito autoral.2a. ed. Refundida e ampliada. Rio de Janeiro, Reno-var, 1997.
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b) não se trata de uso privado. Ago-ra, sim, temos uma questão jurídica. Mastemos ainda que distinguir:
b.1) ocorre uma comercialização ilíci-ta: isso é crime, é violação de um direitoautoral. Se o usuário multiplica a cópiapara tirar um proveito econômico, come-te um ato ilícito. É caso de pirataria, quese visualiza mais nos fonogramas que nostextos literários ou científicos, mas podeocorrer;
b.2) outras formas de utilização, comonas escolas, nas universidades, nas em-presas. Aqui está o ponto mais delicado,porque há interesses legítimos dos titu-lares da obra que devem ser satisfeitos,em virtude da multiplicação não autoriza-da e concorrente, embora esta tenha umfim (digamos) didático ou cultural.
Portanto, só nos casos em que não há usoprivado, ocorre necessidade de soluções one-rosas e/ou punitivas. As punitivas serão entre-gues à polícia. Vejamos as onerosas.
Essas soluções têm sido procuradas nomundo inteiro e às vezes pretendem tributar opróprio uso privado, a chamada cópia única.Como remunerar o autor devidamente? Entrenós, há mais de vinte anos, estão sendo feitastentativas. Autoralistas renomados como An-tônio Chaves e Antônio Carlos Bittar fizerampropostas que não frutificaram. Em 1992, foi fun-dada a Associação Brasileira de Direitos Repro-gráficos (ABDR). Depois de seis anos, é preci-so avaliar seu desempenho.
O vilão já não é só a fotocópia ou o fax,porque o documento já pode ser acessado on-line. Mas o fax ainda é um dos maiores respon-sáveis pela reprodução de textos literários oucientíficos. Deixem-me lembrar que o fax (abre-viatura de fac simile) não pode ser tido comotecnologia de ponta. Ele foi inventado em 1907por Edouard Belin, que chamou a sua invençãode belinógrafo, invenção capaz de transmitirimagens fixas por meio do telefone. Foi um fra-casso; até que os japoneses aperfeiçoaram ainvenção, pois viram nela um meio ideal paratransmitir seus ideogramas. Sua difusão foi es-petacular. Tanto a vida das empresas como avida social se transformaram. Há muito tempo,no Japão, os alunos já fazem o dever de casa e oenviam por fax à escola; quando, no dia seguin-te, chegam à escola, o dever já está corrigido. Eo fax recuperou, reabilitou uma coisa que esta-va sendo desprezada – a expressão escrita, a
letra manuscrita. E com ela a autenticidade damensagem.
Também o fax vem desfazendo aquela fron-teira que havia entre a vida profissional e a vidaprivada, pois um fax doméstico permite que setenha um escritório em casa, enviando e rece-bendo cópias reprográficas. Na Itália, o suces-so foi tão grande, que a Igreja precisou anunciarque a confissão por fax não estava autorizada...
Por tudo isso, temos que distinguir dois tra-tamentos quando ocorre reprodução de textoprotegido:
a) a cópia única para uso privado;b) outras formas de utilização da cópia de
um texto protegido.O segundo caso é criminoso, e a violação já
está prevista no Código Penal (arts. 184 a 186).O primeiro caso (cópia única) é uma limita-
ção hoje prevista pelo art. 46, I, da Lei nº 9.610/98, que diz assim:
“Não constitui ofensa ao direito au-toral:
I – a reprodução em um só exemplarde pequenos trechos, para uso privadodo copista, desde que seja feito por este,sem intuito de lucro.”
Essa norma está autorizada pela Convençãode Berna, art. 9.2:
“Fica reservada às legislações dos pa-íses da União a faculdade de permitirem areprodução das referidas obras, em cer-tos casos especiais, desde que tal repro-dução não prejudique a exploração nor-mal da obra nem cause um prejuízo injus-tificado aos legítimos interesses do au-tor.”
O nosso Código Civil, de 1917, assimilou aregra da Convenção, em seu art. 661, VI:
“Não se considera ofensa aos direi-tos do autor:
(...) VI – a cópia, feita à mão, de umaobra qualquer, contanto que não se des-tine à venda.”
Quando chegou a lei de 1973, a redação foiatualizada. Veja-se o art. 49:
“Não constitui ofensa aos direitos doautor:
(...) II – a reprodução, em um sóexemplar, de qualquer obra, contantoque não se destine à utilização com in-tuito de lucro.”
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Revista de Informação Legislativa142
Já não se exigiu que a cópia fosse feita “àmão”, pois a fotocópia estava bem difundida.
Agora é que a nova lei introduziu algumasexpressões perturbadoras. Fala em “pequenostrechos”, o que pode sugerir uma citação, masnão é o caso de uma citação, porque esta estáautorizada expressamente no inciso III.
Será, então, um capítulo, um artigo, parte dolivro, etc. O conceito de “pequenos trechos”ficou em aberto. Talvez sejam aqueles que nãodigam o que seja principal na obra, mas nada émais subjetivo.
Não é só. A lei diz que a reprodução “deveser feita por este” (o copista).
O que significa? É preciso que eu tenhauma máquina fotocopiadora? Parece ser o en-tendimento de Eduardo Ss. Pimenta, em obrarecente:
“A alínea II autoriza cópias da obrase estas ocorrerem em aparelho de foto-cópia próprio; não está autorizado o usode aparelhos de terceiros, como um cen-tro de reprodução”4.
No entanto, ele cita o art. 19 da lei suíça, de9 de outubro de 1992, sobre direitos autorais,que diz assim:
“Utilisation de l’oeuvre à des fins pri-vées.
2 – la personne qui est autorisée àréproduire des exemplaires d’une oeuvrepour son usage privé peut aussi en char-ger un tiers; les bibliothèques qui met-tent à disposition de leurs utilisateurs unappareil pour la confection de copies sontégalement considerées comme tiers ausens du présent alinea.”
Essa citação me parece auxiliar muito a inter-pretação do texto brasileiro, que não pode serrigorosa, mesmo levando-se em conta o que dizo art. 4º, que fala em interpretação restrita;mas, a rigor, aqui não se trata de um negóciojurídico5.
No entanto, o próprio Ascensão, apesar dediscursar longamente sobre a necessidade derepensar o direito autoral quando se fala em re-prografia, não avança muito e diz:
“Assim, a instituição científica que to-masse a iniciativa de enviar cópias de
obras protegidas a quem as solicitasse,mesmo sem intuito de lucro, estaria decerto agindo de modo que os limites maisamplos da reprografia não podem tolerar.A distribuição de cópias ao público, in-discriminadamente, é sempre vedada”6.
Esse rigor é um pouco inquietante, pois égrande o número de instituições científicas quese prevalecem dessa limitação ao direito dos au-tores.
Ora, há quase vinte anos, Eduardo VieiraManso já visualizara a questão com muita niti-dez, ao comentar nossa lei de 1973:
“Contudo, dada a licença que o novodireito confere ao usuário de realizar có-pias mecanicamente, não mais exigindosua pessoal atuação em manuscritos, épreciso ater-se ao fato de que, nem sem-pre (melhor ainda será afirmar que quasenunca) esse usuário é, ele próprio, pro-prietário dos aparelhos que fornecem ascópias e, quase sempre, essas reprodu-ções são onerosas.”
E continua o saudoso Eduardo Vieira Manso:“Assim, enquanto o interessado na
obtenção da cópia visa unicamente a uti-lizar a obra para fins meramente intelectu-ais, fazendo estrito uso privado da pró-pria obra, segundo a natureza desta, aque-la pessoa (no geral uma pessoa jurídica)que possui a máquina copiadora estarátirando um proveito econômico da mes-ma obra, mediante um preço que cobrapela cópia que fornece. Há, pois, em cena,dois interesses que se satisfazem comdiferentes formas de usar a obra: um, tira-lhe o proveito natural, que é a sua utiliza-ção intelectual (para a qual se vale decópia); outro, um proveito anormal, quan-do não autorizado para tal.”
Veja-se com que propriedade o ilustre VieiraManso vai adiante e vem em nosso socorro:
“O primeiro, enquanto se mantiver noslimites do uso pessoal, ou privado, serálivre e não implicará violação de direitosautorais; o segundo, que ultrapassa oconceito de puro uso, eis que colhe al-gum fruto da utilização, não deveria serlivre, ou, ao menos, gratuito, e muito bempoderia a lei ter instituído uma licença le-gal para ele. É que, enquanto da parte doque tira proveito intelectual, há uma úni-
4PIMENTA, Eduardo Ss., Código de direitosautorais. São Paulo, Lejus, 1998. P. 160.
5Art. 4 - Interpretam-se restritivamente os negó-cios jurídicos sobre os direitos autorais. 6Ob. Cit., p. 251.
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ca cópia, do lado do proprietário da má-quina copiadora o número de exemplarescopiados é ilimitado, podendo constituirverdadeiras ‘edições’. E, nesta hipótese,nada poderia impedir que também se fa-lasse em verdadeira ‘pirataria sobre obraliterária’”7.
Como agir?Na comunicação que fiz por ocasião do refe-
rido II Seminário organizado pela Biblioteca Na-cional, reduzi as soluções já propostas para ocaso de reprografia a um quadro que contem-plava: 1 – a arrecadação; 2 – a distribuição dosdireitos autorais.
Propus que a arrecadação abandonasse aidéia impraticável de recolher um direito autoralsó de obras protegidas e depois distribuísse essefundo aos respectivos titulares. Ao contrário,pensei em onerar a máquina e o suporte, inves-tindo-se o resultado em favor da cultura. Vejo,no entanto, que isso seria o mesmo que criar umnovo imposto, nada tendo que ver com o direitoautoral, que pressupõe um determinado autor euma determinada obra. Seria mais ou menos igual
7MANSO, Eduardo Vieira. Direito autoral. SãoPaulo, José Bushatsky Ed., 1980. p. 303, n. 180.
*Notas bibliográficas conforme original.
ao atual imposto sobre o cheque, que pretensa-mente é arrecadado em favor da saúde...
Mas não há outra maneira.À vista do exposto, proponho os seguintes
procedimentos:– Em cada reprodução feita por fotocópia ou
enviada por fax, inscreva-se, de forma bem visí-vel, a advertência: REPRODUÇÃO PROIBIDA.
– Nas mensagens enviadas on-line, acres-cente-se o seguinte: ADVERTÊNCIA: Ao usu-ário é concedido um direito individual, não co-letivo e não exclusivo, sobre o conteúdo do do-cumento. Ele pode salvá-lo com a intenção detornar a visualizá-lo em sua tela, ou imprimi-loem um só exemplar. São proibidas as reprodu-ções e todas as formas de difusão em rede, mes-mo que parcial. Esse direito é pessoal e para usoexclusivo do usuário. Qualquer outro uso de-pende de autorização prévia e expressa do CO-MUT. As violações a essas normas submetemo contraventor e todas as pessoas responsá-veis às penas civis e criminais previstas em lei.
Este é um parecer, e, portanto, sujeito a me-lhor juízo.