Resde Sosciais e Juventude Rural

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225 Intercom – RBCC São Paulo, v.35, n.2, p. 225-246, jul./dez. 2012 Redes Sociais e Juventude Rural: apropriações de propostas de Comunicação para o desenvolvimento em redes globalizadas Nataly de Queiroz Lima* Maria Salett Tauk dos Santos** Resumo Este artigo objetiva analisar as apropriações das propostas da Rede de Crianças e Adolescentes Comunicadores de Língua Portuguesa pelos jovens de Nova Olinda, no sertão do Ceará. Especificamente, o que se quer compreender é como os jovens de contexto popular, submetidos à condição contingente de acesso a bens mate- riais e simbólicos, se apropriam de uma proposta que defende o desenvolvimento local via estratégias de Comunicação acordadas em uma rede social global. A pesquisa combina as teorias dos estudos culturais latino-americanos e dos estudos das redes sociais, via Manuel Castells, Scherer-Warren, Néstor García Canclini, Maria Salett Tauk Santos e Jesus Martin-Barbero. Trata-se de um estudo de caso que utiliza técnicas combinadas de coleta de dados. A pesquisa demonstra que os jovens rurais estão inseridos nas dinâmicas das redes sociais, mas as mediações tecnológicas não são redentoras para a formação de coletivos internacionais. Palavras chave: Redes sociais. Juventude rural. Tecnologias da Informação e da Comunicação. Internet. * Mestra em Extensão Rural e Desenvolvimento Local da Universidade Federal Rural de Pernambuco, consultora da Agência das Nações Unidas para o Empo- deramento da Mulher, professora do curso de Jornalismo, Núcleo de Ciências Humanas e Engenharias da Faculdade Maurício de Nassau- Recife-PE, Brasil, E-mail: [email protected] ** Professora doutora do Programa de Pós-Graduação em Extensão Rural e Desenvolvimento Local da Universidade Federal Rural de Pernambuco, De- partamento de Educação, Universidade Federal Rural do Pernambuco-UFRPE, Recife-PE, Brasil. E-mail: [email protected]

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    Redes Sociais e Juventude Rural: apropriaes de propostas de Comunicao para o desenvolvimento em redes globalizadas

    Nataly de Queiroz Lima*Maria Salett Tauk dos Santos**

    ResumoEste artigo objetiva analisar as apropriaes das propostas da Rede de Crianas e Adolescentes Comunicadores de Lngua Portuguesa pelos jovens de Nova Olinda, no serto do Cear. Especificamente, o que se quer compreender como os jovens de contexto popular, submetidos condio contingente de acesso a bens mate-riais e simblicos, se apropriam de uma proposta que defende o desenvolvimento local via estratgias de Comunicao acordadas em uma rede social global. A pesquisa combina as teorias dos estudos culturais latino-americanos e dos estudos das redes sociais, via Manuel Castells, Scherer-Warren, Nstor Garca Canclini, Maria Salett Tauk Santos e Jesus Martin-Barbero. Trata-se de um estudo de caso que utiliza tcnicas combinadas de coleta de dados. A pesquisa demonstra que os jovens rurais esto inseridos nas dinmicas das redes sociais, mas as mediaes tecnolgicas no so redentoras para a formao de coletivos internacionais.Palavras chave: Redes sociais. Juventude rural. Tecnologias da Informao e da Comunicao. Internet.

    * Mestra em Extenso Rural e Desenvolvimento Local da Universidade Federal Rural de Pernambuco, consultora da Agncia das Naes Unidas para o Empo-deramento da Mulher, professora do curso de Jornalismo, Ncleo de Cincias Humanas e Engenharias da Faculdade Maurcio de Nassau- Recife-PE, Brasil, E-mail: [email protected]** Professora doutora do Programa de Ps-Graduao em Extenso Rural e Desenvolvimento Local da Universidade Federal Rural de Pernambuco, De-partamento de Educao, Universidade Federal Rural do Pernambuco-UFRPE, Recife-PE, Brasil. E-mail: [email protected]

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    Social Network and Rural Youth: appropriation of communicationproposals for development in globalized networksAbstractThis paper aims to analyze the proposed appropriations of the Rede de Crianas e Adolescentes Comunicadores de Lngua Portuguesa by young people of Nova Olinda, Cear. Specifically, the objective is to understand how these youth, subject to the contingent condition of access to material and symbolic, use a proposal that defend the local development via communication strategies on a global social network. this research combines theories of Latin American School of cultural studies and studies of social networks, via Manuel Castells, Scherer-Warren, Nstor Garca Canclini, Maria Salett Tauk Santos e Jesus Martin-Barbero. This is a case study that using combined techniques of data col-lection. The research shows that rural youth are embedded in the dynamics of social networks, but the technological mediations are not redemptive for the formation of collectives international.Keywords: Social Network. Rural Youth. Technology of Information and Co-munication. Internet.

    Redes sociales y Juventud Rural: apropriaciones de propuestasde comunicacin para el desarrollo en redes globalizadasResumenEste artculo examina la apropiacin de la propuesta de Red de Nios y Ado-lescentes Comunicadores de Lngua Portuguesa por los jvenesde Nova Olin-da, en el interior de Cear. En concreto, se quiere entender cmo la juventud de contextos populares, con condiciones contingentes de acceso a bienes materiales y simblicos, se apropian de una propuesta que aboga por el desarrollo local, a travs de estrategias de comunicacin acordadas en una red social glo-bal. La investigacin combina las teoras de los estudios culturales latinoamerica-nos y estudios de las redes sociales, a travs de Manuel Castells, Scherer-Warren, Nstor Garca Canclini, Maria Salett Tauk Santos y Jess Martn Barbero. Se trata de un estudio de caso que utiliza tcnicas combinadas de recoleccin de datos. La investigacin muestra que la juventud rural se inserta en la dinmica de las redes sociales, pero las mediaciones tecnolgicas no son la redencin para la formacin de colectivos internacionales.Palabras clave: Redes sociales. Juventud Rural. Tecnologa de la Informacin e Comunicacin. Internet.

    Introduo

    Este artigo tem como objetivo analisar as apropriaes das propostas da Rede de Crianas e Adolescentes Comunica-dores de Lngua Portuguesa pelos jovens de Nova Olinda,

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    no serto do Cariri cearense. Especificamente, o que se quer compreender como os jovens de contextos populares, que vivem em situao de pobreza, submetidos condio contingente de acesso a bens materiais e participao social em esferas rurais, se apropriam de uma proposta que defende o desenvolvimento local, via estratgias de Comunicao acordadas em uma rede social globalizada.

    A Rede de Crianas e Adolescentes Comunicadores de Lngua Portuguesa tem como objetivo promover intercmbios e fortale-cer experincias de Comunicao para o desenvolvimento local coordenadas por jovens em Angola, Moambique e Brasil. Neste ltimo pas, a iniciativa liderada pela Fundao Casa Grande, organizao no governamental localizada na cidade de Nova Olinda, no Cear, onde crianas, adolescentes e jovens atuam como produtores de contedo e comunicadores comunitrios na Rdio Casa Grande FM.

    Os jovens do municpio de Nova Olinda convivem num cen-rio de desigualdade de oportunidades de acesso a bens materiais, simblicos e direitos universais como a educao e o direito informao. O Censo Educacional 2009, realizado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais do Ministrio da Educao aponta que, na localidade, existem 2.777 estudantes matriculados no ensino fundamental e 697 no ensino mdio (NOVA..., 2008), sendo a taxa de analfabetismo da populao acima de 15 anos, 34,2% (TAXA..., 2009). Paralelamente, faltam polticas pblicas de gerao de emprego e renda, de cultura e de lazer. A maior parte das informaes acessadas pela populao local advm das parablicas que transmitem contedos de realidades distintas, de outras regies do pas.

    A realidade de necessidades imediatas da juventude rural em Nova Olinda contrastada pela proposta da Fundao Casa Grande cuja interveno pretende: levar o mundo ao serto. Mas no qualquer mundo, e sim um mundo que proporcione as crianas e jovens o empoderamento da cultura e da cidadania (MISSO..., 2008). A organizao no governamental mantm o que intitulam de laboratrios de contedos, o que corresponde a videoteca, biblioteca, gibiteca e outros acervos histricos disponveis para

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    consulta da populao local e visitantes, e os laboratrios de pro-dues, do qual fazem parte a produtora de TV 100 Canal, a Rdio Casa Grande FM, a editora Casa Grande e o teatro Violeta Arraes.

    Para fortalecer a iniciativa, os jovens da Fundao Casa Gran-de, desde 2000, tm participado de redes sociais internacionais. A primeira experincia foi com a Rede de Crianas e Jovens Co-municadores de Lngua Portuguesa. Atualmente, eles j integram mais dois coletivos internacionais, um de turismo comunitrio e outro de produtores musicais. De acordo com o jovem A.S.:

    A Fundao Casa Grande uma rua diferente. o nico espao de lazer e de cultura que temos na cidade. As escolas visitam esse espao, os morado-res ouvem a rdio, outros jovens vm para conhecer a videoteca. Por isso, a troca de conhecimentos com outras realidades importante. Trazemos para a rdio msicas de outros pases, levamos para a banda sons, batidas de outros pases. Com isso, a populao que frequenta a Fundao pode ter mais cultura e saber que o mundo grande. Maior do que a nossa cidade (A.S, 2010)1.

    O depoimento do jovem e as condies scio-econmicas de Nova Olinda apontam para o desafio de se perceber a comple-xidade das intervenes junto aos jovens rurais na sociedade da informao. De acordo com Castells (2009), este paradigma se difere das revolues anteriores, colocando a informao em lugar preponderante. As novas tecnologias so pensadas para gerir fluxos comunicacionais, ampli-los e difundi-los. A tecnologizao da vida se apresenta como uma forma de sociabilidade, de participao e de insero na vida social. Existir e estar includo socialmente aparecem como sinnimos de acessar informaes, que so pro-duzidas em um ritmo intermitente; de produzir contedos, com a emergncia de softwares livres que permitem editar gratuitamente blogs e do que alguns pesquisadores tm chamado de jornalismo cidado, ou seja, os registros em cmeras de celular que so envia-dos para redaes jornalsticas, entre outros; e a participao em redes sociais. Um movimento repleto de paradoxos, em especial para a juventude, como pontua Martin-Barbero:

    1 Entrevista concedida por A.S. no dia 08 de janeiro de 2010, na cidade de Nova Olinda, Cear.

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    Estamos diante de uma juventude que possui mais oportunidade de alcanar a educao e a informao, porm muito menos acesso ao emprego e ao poder; dotada de maior aptido para mudanas produtivas, mas que acaba sendo, no entanto, a mais excluda desse processo; com maior afluncia ao consumo simblico, mas com forte restrio ao consumo material; com grande senso de protagonismo e autodeterminao, enquanto a vida da maioria se desenvolve na precariedade e na desmobilizao; e por fim, uma juventude mais objeto de polticas do que sujeito-ator de mudanas (MARTIN-BARBERO, 2008, p.12).

    Caracterstica do atual paradigma de sociedade, as redes sociais tecnolgicas, virtuais, presenciais ou comunitrias es-to presentes no cotidiano de quase toda a populao mundial, mas a dinmica de negociao de sentidos e os usos de bens materiais e culturais so campos de disputa entre hegemonia e contra-hegemonia, resignificaes e rejeies. Segundo Castells, a adaptabilidade das redes dissoluo dos antigos conceitos de tempo e espao parece ser sua mola motriz:

    A morfologia da rede parece estar bem adaptada crescente complexidade de interao e aos modelos imprevisveis do desenvolvimento derivado do poder criativo dessa interao. () Essa lgica de redes, contudo neces-sria para estruturar o no estruturado, porm preservando a flexibilidade, pois o no estruturado fora motriz da inovao na atividade humana (CASTELLS, 2009, p.108).

    So elementos caractersticos das redes, a auto-regulao e a no-linearidade. A capacidade de capilarizao presente nos fluxos informacionais e de amplificao sem fronteiras das vozes e ideolo-gias de determinados grupos podem exemplificar tais ponderaes.

    A rede, como qualquer outra inveno humana, uma construo social. Indivduos, grupos, instituies ou firmas desenvolvem estratgias de toda ordem (polticas, sociais, econmicas e territoriais) e se organizam em rede. A rede no constitui o sujeito da ao, mas expressa ou define a escala das aes sociais. As escalas no so dadas a priori, porque so construdas nos processos. Como os objetos so conflituosos, as escalas so ao mesmo tempo objeto e arena de conflitos (DIAS, 2007, p.23).

    O desenvolvimento das novas tecnologias e do funcionamento dos mercados financeiros impulsionou os estudos sobre as redes.

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    O tema ganhou relevncia na dcada de 70, na qual se estrutu-rou um campo de estudo intitulado social network analysis. Esse paradigma de anlise de redes parte do pressuposto de que a vida de cada indivduo depende em grande medida da forma que se encontra ligado a um amplo espectro de conexes sociais dentro de uma estrutura sistmica (SCHERER-WARREN, 2007, p.33).

    De acordo com Martin-Barbero, o mundo atual constitu-do por redes e fluxos. Se por um lado, o fenmeno das redes enfraquece as fronteiras nacionais, por outro promove pontos de contato e interaes globais que, a sua vez, terminam por ativar capacidades locais.

    O novo sentido que o local comea a ter nada tem de incompatvel com o uso das tecnologias comunicacionais e das redes informticas. Hoje essas redes no so unicamente o espao no qual circulam o capital, as finanas, mas tambm um lugar de encontro de multides de minorias e comunidades marginalizadas ou de coletividades de pesquisa e trabalho educativo ou artstico. Nas grandes cidades, o uso das redes eletrnicas tm permitido a criao de grupos que, virtuais em sua origem, acabam territorializando-se, passando da conexo ao encontro e do encontro ao (MARTIN-BARBERO, 2003, p59). As redes sociais, pelas suas capilaridades, acentuam os pro-

    cessos globalizadores, mas considerando os aportes de Boaventura de Sousa Santos, tais processos no so homogneos ou isentos de conflitos. Cada sociedade se apropria, recria ou rejeita smbo-los e bens hegemnicos, fazendo com que no exista uma nica globalizao e sim, globalizaes (SANTOS, 2003).

    Em uma sociedade cada vez mais interconectada, o local funciona como caixa de ressonncia do global. o que Canclini chama de reordenamento das diferenas e desigualdades sem sua supresso. Trata-se de apropriaes e usos de ferramentas globais, as quais podem ser refuncionalizadas para atender a uma demanda local ou utilizadas em uma lgica identitria prpria.

    Localizados em uma cidade onde os resqucios da cultura patriarcal reveza no poder poltico o mesmo cl familiar h mais uma dcada, eles vivenciam a escassez de intervenes governa-mentais em prol do desenvolvimento local e da ampliao de suas

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    oportunidades de crescimento pessoal. Apesar de explorarem as possibilidades das convergncias tecnolgicas, de tentarem pro-mover a mobilizao social, via estratgias de Comunicao para o desenvolvimento local e incluso em redes sociais internacionais, os jovens de Nova Olinda convivem ainda com uma contrastante realidade de desfavorecimento em relao ao acesso riqueza do mundo, como acesso educao, informao e ao lazer criativo.

    nesse sentido que a pesquisa se volta anlise das apropria-es que os jovens da Fundao Casa Grande fazem das propostas da Rede de Criana e Adolescentes de Lngua Portuguesa a partir das seguintes perguntas de pesquisa:

    1. Como se d a interao social desses jovens mediada pe-las tecnologias e envolvendo jovens rurais de realidades distintas (Brasil, Moambique e Angola)?

    2. Se e de que maneira o trabalho de Comunicao em rede destes jovens se articula com estratgias de Comunicao para o desenvolvimento local?

    1. A pesquisa

    A fundamentao terico-metodolgica do presente estudo est focada na perspectiva dos estudos culturais latino-americanos que privilegia as culturas populares nos processos de hibridizao com a cultura de massas e a cibercultura. A nfase dada aos usos e as apropriaes que fazem as culturas populares em relao s prticas miditicas hegemnicas. Tal itinerrio se faz necess-rio para a apropriao da amplitude do tema das redes sociais, principalmente quando so globais e se utilizam das mediaes tecnolgicas para promover a integrao de sujeitos de realidades distintas. Como destaca Tauk Santos: a pesquisa de recepo no se limita a apenas processos diretamente ligados s mdias. A re-cepo entendida como um processo em que existe um contrato de Comunicao proposto por organizaes governamentais, no governamentais ou a mdia e uma determinada populao (TAUK SANTOS, 2006, p.110).

    Nos anos de 1980, os estudos de recepo estavam centrados na anlise do impacto dos produtos mediticos nos receptores, na

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    eficincia dos veculos de Comunicao (canal) e das mensagens para convencer as audincias. Na dcada seguinte, ampliado o olhar sobre o receptor, o qual se desloca do histrico papel pas-sivo e passa a ser considerado como sujeito ativo do processo de decodificao dos significados das informaes veiculadas e das interaes mediticas. Orozco considera que na atualidade os estudos de recepo esto centrados no debate epistemolgico, abrindo o leque de temas para compreender a diversidade e a complexidade da contemporaneidade:

    Del mero inters por conocer lo que sucede frente a las pantallas o las gra-tificaciones individuales de los receptores, se ha pasado a una bsqueda por entender los usos sociales de la comunicacin y la produccin de sentido en general y de manera pormenorizada. La creacin simblica y la produccin de sentido en general y de manera pormenarizada. La creacin simblica y la produccin cultural en general y en especial la conformacin de las culturas polticas de los receptores, han sido vetas de especial atencin en los ER contemporneos. Ms recientemente se han empleado ER para conocer la conformacin y la reconstitucin de identidades de los sujetos receptores, dentro de un esfuerzo por explorar la constitucin de la sociedad contem-pornea y la creacin cultural global y localizada (GMEZ, 2002, p.20).

    Os estudos de recepo, como destaca Maria Immacolata Vas-sallo de Lopes, se constituem em uma perspectiva de investigao, articuladora do conjunto do processo da Comunicao:

    A recepo , antes de mais nada, uma perspectiva de investigao e no uma rea de pesquisa sobre mais um dos elementos que compem o processo de Comunicao, neste caso, o pblico. No se trata de substituir a anlise da produo, da mensagem ou do canal pela da recepo. Firmamos aqui uma perspectiva integradora e compreensiva do estudo da recepo, uma vez que todo o processo de Comunicao articulado a partir das mediaes (LOPES, 1997, p.152).

    Gmez (2002) ainda destaca que destas preocupaes se des-dobram mltiplas mediaes. Isto porque a construo do sentido de uma determinada mensagem depende de fatores diversos como a subjetividade, as crenas, as relaes de classe, de gnero, entre outras. No paradigma da sociedade da informao, a diversidade de interaes sociais mediatizadas por novas tecnologias de in-

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    formao e Comunicao requer uma aproximao do objeto de estudo. Assim, so as circunstncias do objeto que oferecem as pistas para que o pesquisador capte a mediao por excelncia, isto , aquela ou aquelas cuja interferncia afeta de maneira sin-gular o processo de Comunicao. Nesta perspectiva, a mediao algo construdo em cada caso (TAUK SANTOS, 2006, p.110).

    H que se considerar que a perspectiva das mediaes cul-turais, mesmo em tempos de cibercultura se mantm atual, pois como assinala Knewitz: (...) com o reconhecimento das mediaes culturais e com o surgimento de novas tecnologias, mdias e novas formas de subjetivao, restaura-se o interesse acerca do receptor, e emerge a necessidade de revisitar conceitos e mtodos utilizados em sua compreenso (KNEWITZ, 2009, p.02).

    Silvaldo Pereira Silva (2007) situa os estudos de recepo a partir de vetores-chaves recorrentes nas pesquisas empricas em cibercultura e Comunicao. So eles: design, contedo, apro-priao e fluxo comunicativo. Esta pesquisa localiza-se no vetor da apropriao que, conforme a concepo de Silva, diz respeito a como o conjunto de indivduos consome o contedo ordenado no mdium e quais as repercusses sociais disto (SILVA, 2007, p. 10 apud KNEWITZ, 2010, p.06).

    No caso em estudo, que se insere numa perspectiva de ciber-cultura, h que se considerar que as apropriaes da proposta da Rede de Crianas e Adolescentes Comunicadores de Lngua Portu-guesa se d no mbito de uma trama comunicacional que se esta-belece entre os jovens de Nova Olinda, a Fundao Casa Grande e os jovens africanos, na qual existem diferentes nveis de mediao, dentre as quais tem que ser levado em conta as caractersticas do novo modelo de sociabilidade engendrado pela cibercultura e as condies concretas de existncia dos jovens de Nova Olinda. Os jovens de Nova Olinda, oriundos de contexto popular, eles trazem em suas vivncias cotidianas caractersticas da desigualdade e da contingncia no acesso aos bens de consumo culturais e materiais. Alm destas contingncias, Os jovens africanos, por sua vez, alm destas contingncias enfrentam resduos do medo advindo das re-centes guerras recentes presentes na cultura afro-contempornea. A Fundao Casa Grande que tenta neutralizar estas diferenas,

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    contornando a realidade cotidiana em que acham-se envolvidas estas populaes, propondo caminhos diferentes muito alm das possibilidades reais que, tradicionalmente enquanto populaes de contextos populares rurais, poderiam adotar. Desta forma, as mediaes que se evidenciaram, desde o incio do estudo, foram a contextual, as condies concretas do contexto onde vive e atuam estes jovens, e a institucional, expressa na filosofia de trabalho da Casa Grande cuja proposta parece uniformizar as percepes sobre a produo cultural e a prpria viso de mundo destes jovens a um patamar de cultura mundializada. Tal processo visa a promoo da cultura local desde que incorpore elementos que atendam a uma esttica mundializada.

    Assim, esta pesquisa tem carter qualitativo e analtico. Trata--se de um estudo de caso que incluiu tcnicas combinadas de coleta de dados, anlise documental, bibliogrfica e observao de cunho etnogrfico. Para tal se realizou pesquisa bibliogrfica, an-lise documental dos projetos da Rede de Crianas e Adolescentes Comunicadores de Lngua Portuguesa e da Fundao Casa Gran-de, elaborao de dois roteiros de entrevista semi-estruturadas, transcrio das entrevistas e sistematizao do material adquirido.

    O primeiro roteiro foi direcionado aos jovens e se dividiu em quatro blocos. O primeiro, voltado identificao e caracteriza-o scio-econmica; o segundo abordou os conhecimentos dos entrevistados em relao s propostas da Fundao Casa Grande e da Rede de Crianas e Adolescentes Comunicadores de Lngua Portuguesa; o terceiro voltou-se s percepes e participao destes jovens na rede internacional; e o quarto, buscou compreender as suas percepes acerca da sua participao no desenvolvimento local de Nova Olinda.

    O segundo roteiro de entrevista foi direcionado ao coorde-nador da Fundao Casa Grande e se dividiu em trs blocos: a identificao do entrevistado; a misso e o trabalho da Fundao Casa Grande, assim como a proposta do trabalho em redes sociais; alm das estratgias de Comunicao para o desenvolvimento local coordenadas pela Organizao.

    A pesquisa foi desenvolvida entre janeiro de 2010 e janeiro de 2011.

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    2. Nova Olinda, o lugar da pesquisa

    A cidade de Nova Olinda, lcus desta pesquisa, est situada na Chapada do Araripe, no Cear, compondo o conjunto de municpios que fazem parte da Regio Metropolitana do Cariri (Juazeiro do Norte, Crato, Barbalha, Caririau, Farias Brito, Misso Velha, Jardim, Nova Olinda e Santana do Cariri). De acordo com os dados iniciais do Censo 2010 (RESULTADOS..., 2010), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica (IBGE), a cidade possui 14.256 habitantes, distribudos em 284 Km de rea territorial.

    A cidade convive com um cenrio de marcante desigualdade e concentrao de renda. Segundo o Instituto de Pesquisa Eco-nmica do Cear (IPECE), a Populao em Idade Ativa (PIA), constituda por pessoas residentes de 10 anos e mais, correspondia em 2000, a 76,88% do total dos moradores. Cerca de 85,29% destes se encontravam inseridos nas classes de rendimento de at um salrio mnimo, em contraponto participao dos extratos de rendimento mais elevados com faixas entre 10 a 20 salrios mni-mos, correspondente a 0,47% e que recebem mais de 20 salrios mnimos, referente a 0,3% da PIA.

    Dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domiclio (IBGE-2007) aponta que 24,88% dos residentes eram jovens entre 15 e 29 anos. valido salientar que o conceito de juventude que utilizamos nesta pesquisa coincide com o da Cepal (15 a 29 anos).

    neste contexto que foi inaugurada em 1992, a ONG Fun-dao Casa Grande. A sua criao est vinculada ao resgate histrico das populaes que habitavam a cidade de Nova Olinda e tambm memria das famlias tradicionais do local. A ideia inicial dos seus diretores e fundadores, o casal Alemberg Quin-dins e Rosiane Limaverde, msico e historiadora, respectivamen-te, limitava-se criao e manuteno de um museu composto por um acervo de registros arqueolgicos da tribo karis-kariris, doados por universidades ou por donos de propriedades do local, assim como pela catalogao de lendas e mitos tpicos da regio. De acordo com Limaverde: Nosso primeiro objetivo era, e ainda , preservar viva a memria do povo do Cariri. O reconhecimento

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    de quem somos importante para valorizar o nosso territrio (LIMAVERDE, 2010)2.

    3. Os jovens em estudo

    Atualmente, a ONG desenvolve aes de Comunicao que esto subdivididas por laboratrios: Web, televiso, rdio, msica, teatro e editora. Tambm mantm a Cooperativa de Pais e Amigos da Fundao Casa Grande (Copagran) responsvel pelo gerencia-mento de uma lojinha e de pousadas domiciliares.

    O grupo de entrevistados sobre o qual nos debruamos nesta pesquisa composto por seis jovens integrantes da Fundao Casa Grande, sendo cinco do sexo masculino e uma do sexo feminino, com faixa etria entre 17 e 26 anos. Apesar de atuarem no mes-mo projeto social, o grupo heterogneo no que diz respeito s atividades desenvolvidas no interior da organizao no governa-mental, assim como nos seus interesses e perspectivas profissionais. Dois coordenam as atividades de produo musical da Banda que possui nomenclatura homnima; um atua na Rdio Casa Grande FM; um coordena o laboratrio de informtica e a Editora Casa Grande, responsvel pela produo e atualizao das peas de Comunicao institucionais; um responsvel pelo laboratrio de TV, o qual produz documentrios, vdeos e clipes. A entrevistada desta amostra, no final do ano passado (2010), saiu da ONG para trabalhar em uma grfica local, mas tambm atuava na Editora. Todos esto envolvidos nas atividades da Rede de Crianas e Adolescentes Comunicadores de Lngua Portuguesa.

    vlido salientar que, apesar de estarem ocupando os espaos de coordenao dos citados laboratrios, os jovens transitam pelos outros espaos no interior da Fundao. Por exemplo, elaboram documentrios, mas tambm produzem programas de rdio; com-pem trilhas musicais e ministram capacitaes de informtica. A similaridade que todos produzem e apresentam programas na Rdio Casa Grande FM. Este o primeiro veculo de Comunicao acessado pelos jovens ao entrar na organizao no governamental,

    2 Entrevista concedida por Roseane Limaverde no dia 08 de janeiro de 2010, na cidade de Nova Olinda, Cear.

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    alm de ser, ao que parece, o mais conhecido pelos moradores da localidade. Como narrou o jovem H.F: Aqui, a rdio a boca da Casa Grande e a meninada daqui quer estar na rdio3. Reitera--se que a ONG se apresenta como uma escola de Comunicao. Deste vis, surge a multidirecionalidade das produes dos jovens.

    No que diz respeito escolaridade, quatro entrevistados es-to cursando o ensino superior nas reas de Artes, Educao e Engenharia, tendo dois interrompido temporariamente, o curso universitrio pela incompatibilidade de horrio com o trabalho. Os outros dois jovens concluram o ensino mdio. Ambos pretendem cursar uma universidade futuramente. Durante as entrevistas, fo-ram apontadas como principais dificuldades para a juventude de Nova Olinda se inserir e se manter na universidade: a necessidade de trabalhar para complementar a renda familiar; a distncia das unidades universitrias, que ficam em outros municpios vizinhos, estando o mais prximo a 25 km da cidade; e o que denominaram de desestmulo para seguir estudando.

    O cenrio de contingncias particular a esta parcela da populao, intitulada de juventude rural.

    O estudo da juventude rural supe a compreenso de uma dupla dinmica social. Por um lado, uma dinmica espacial que relaciona a casa (a famlia), a vizinhana (a comunidade local) e a cidade (o mundo urbano-industrial). Mais do que espaos distintos e superpostos, trata-se essencialmente dos espaos de vida que se entrelaam e que do contedo experincia dos jovens e sua insero na sociedade. Por outro lado, nestes espaos a vida cotidiana e as perspectivas para o futuro so imbudas de uma dupla din-mica temporal: o passado das tradies familiares que inspira as prticas e as estratgias do presente e do encaminhamento do futuro; o presente da vida cotidiana centrado na educao, no trabalho e na sociabilidade local e o futuro que se expressa, especialmente, atravs das escolhas pro-fissionais, das estratgias matrimoniais e de constituio patrimonial, das prticas de herana e sucesso e das estratgias de migrao temporria ou definitiva. As relaes sociais se constroem no presente, inspiradas nas tradies familiares e locais o passado e orientam as alternativas possveis ao futuro das geraes jovens e reproduo do estabelecimento familiar (WANDERLEY, 2007, p.23).

    3 Entrevista concedida pelo jovem H.F. no dia 06 de janeiro de 2011, na cidade de Nova Olinda, Cear.

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    No que concerne ao mercado de trabalho, foi possvel obser-var que a maioria est ocupada em alguma atividade laboral, no entanto nenhum deles o principal mantenedor da casa em que moram, e apenas um possui uma relao trabalhista formal, com carteira assinada e direitos assegurados. Apesar de alguns terem familiares prximos, como pais, tios ou avs, atuando na agricul-tura e criao de animais, nenhum dos jovens tem vnculos diretos com estas atividades, e nem mesmo, pelas respostas ao roteiro de entrevista aplicado, planejam desenvolver trabalhos nestas reas.

    As atividades remuneradas que desenvolvem esto relacio-nadas intrinsecamente s atividades que executam na Fundao Casa Grande e os conhecimentos adquiridos neste local. Metade dos entrevistados possui como principal fonte de renda uma bolsa concedida pela ONG, por meio de financiamento do Ministrio da Cultura, para serem educadores e mobilizadores do ponto de cultura4, sediado pela organizao. Um trabalha como freelancer, diagramando peas de Comunicao para estabelecimentos comer-ciais da cidade; h uma jovem que trabalha fora da organizao, em uma grfica, e um que no possui renda mensal, mas atua na Rdio Casa Grande FM e passa todo o dia na instituio.

    Um trao marcante o fato das atividades estarem vinculadas a novas mdias e tecnologias. Os trs jovens que so bolsistas da Fundao tambm atuam como freenlancer, produzindo eventos, documentrios, trilhas sonoras e montagem de espetculos para contratantes como SESC e Banco do Nordeste do Brasil (BNB), que tm sede em cidades prximas como Crato e Juazeiro do Nor-te. Os outros dois desenvolvem trabalhos de design e programao visual. Nenhum, no entanto, relata planos de ir morar em outro lugar, apesar de ser recorrente, em seus discursos, a vontade de conhecer novos pases e mesmo outros estados do pas. Desejo ampliado pela participao nas redes sociais internacionais, das quais a ONG integra.

    4 O Ponto de Cultura faz parte do Programa Cultura Viva, desenvolvido pelo governo federal, atravs do Ministrio da Cultura. Tratam-se de entidades que recebem apoio institucional e financeiro para coordenar a realizao de aes de impacto scio-cultural em um conjunto de comunidades.

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    A Fundao faz com que a gente tenha acesso ao mundo com todas as fer-ramentas para uma boa formao pessoal e coletiva, no s profissional. Os trabalhos do a possibilidade de fazer o que a gente gosta e ter visibilidade sem precisar sair daqui (S.S., 2011)5.

    4. Os jovens e a participao na Rede de Crianas e AdolescentesComunicadores de Lngua Portuguesa

    No ano de 2002, um dos principais financiadores da Fundao Casa Grande, o UNICEF, props um projeto de integrao entre experincias do Brasil, Moambique e Angola, na rea de Comu-nicao e desenvolvimento, geridas por crianas e adolescentes. A proposta inicial previa intercmbios de saberes entre os jovens produtores de contedos para rdios comunitrias ou educativas, apoiadas pela agncia de cooperao internacional. A troca de conhecimentos, ademais de incrementar a qualidade dos produtos comunicacionais, previa o fortalecimento da autoestima dos envol-vidos, os quais, excetuando-se as especificidades histrico-polticas dos pases, convivem em um cenrio de similares contingncias.

    O objetivo principal da rede promover e fortalecer experi-ncias de Comunicao coordenadas por crianas, adolescentes e jovens. Mais especificamente, pretende estimular a formao de uma rede solidarstica de sujeitos sociais e comunidades que, tendo o idioma como principal elo e as incipientes condies estruturais, possam manter os jovens envolvidos em atividades protagonsticas, de ativismo social e cultural. vlido salientar que, a formao desta rede foi impulsionada pelo UNICEF. Se envolveram na em-preitada trs organizaes da sociedade civil, uma de cada pas.

    Seis jovens de Nova Olinda esto envolvidos diretamente com seu funcionamento desde o incio, estabelecendo contatos e produzindo materiais. Os demais participam de forma indireta e passiva, acompanhando a elaborao de peas de Comunicao ou mesmo atravs dos repasses de informaes em reunies ins-titucionais peridicas.

    5 Entrevista concedida pelo jovem S.S. no dia 06 de janeiro de 2011, na cidade de Nova Olinda, Cear.

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    Os seis jovens entrevistados para esta pesquisa atuaram de formas distintas ao longo dos oito anos de existncia da rede internacional. Dois estiveram a cargo da produo de vdeos--documentrios que mostram semelhanas e diferenas entre os trs pases; dois, por atuarem na Rdio Casa Grande FM, so responsveis pela produo dos programas que so remetidos para Moambique e Angola; os outros dois, por estarem na Editora, onde se desenvolvem as aes de Comunicao institucional, ti-veram mais contatos com jovens de outros pases, estabelecendo dilogos via ferramentas virtuais de Comunicao, a fim de manter a rede em funcionamento. Atualmente, as interaes so quase inexistentes por motivos que, mais adiante, detalharemos.

    Os contatos presenciais da Rede so escassos. As respostas ao roteiro de entrevistas nos apontam que apenas o coordenador da Fundao, Alemberg Quindins, esteve em Moambique e Angola, onde ministrou oficinas de rdio e TV para os jovens africanos. Dois representantes de Moambique tambm estiveram em Nova Olinda para conhecer presencialmente a experincia desenvolvida na cidade cearense. Assim, a Comunicao entre os jovens, desde o incio, foi mediada pelas Tecnologias de Informao e Comu-nicao, assim como, pelos contatos e informaes repassados pelos coordenadores das instituies envolvidas que conheceram a realidade dos outros pases presencialmente.

    Mdias sociais e programas de conversao so os meios de Comunicao mais utilizados para as interaes entre os jovens Nova Olindenses, de Moambique e de Angola. Os mais citados foram o Skype, o MSN e o e-mail. Os primeiros do suporte aos dilogos pr-agendados. O ltimo utilizado, principalmente, para envio de dados como pequenos programas, trilhas e mesmo para contatos interpessoais. As interaes na Rede de Crianas e Adolescentes Comunicadores de Lngua Portuguesa aparecem in-seridas no contexto da cultura da Internet e balizadas pelo modelo comunicacional contemporneo vigente, o qual est vinculado s relaes que tem na sua base componentes associados globaliza-o comunicacional, a ligao em rede dos media e s crescentes formas de interatividade. Nos dilogos via Skype e MSN, segundo as respostas, os recursos disponveis eram utilizados em sua com-

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    pletude: udio, vdeo e texto. Para o jovem H.F., as ferramentas virtuais de Comunicao so fundamentais para a rede:

    Se no tivesse essas ferramentas no teria acontecido nada. Cada vez mais a Internet tem se apresentado para ns como importante, por isso tambm j temos pgina no youtube, estamos no twitter e queremos colocar a nossa rdio na Web, mas a Internet por satlite aqui muito ruim. Muitos dos meninos no sabiam utilizar bem a Internet, mas agora as coisas esto mudando (H.F., 2011)6.

    A cultura da Internet se expande, em um movimento cont-nuo, em escala global, desde a dcada de 1990. Seu uso estabelece novas formas de interao, de linguagens e de prticas sociais. H uma quebra de paradigmas tradicionais, expandindo as noes de territrio e tempo, assim como, de relaes de poder, visto que todos podem ser produtores de contedo.

    Foi possvel perceber que o uso das tecnologias comunica-cionais, de redes sociais virtuais e da convergncia meditica faz parte do cotidiano dos jovens de Nova Olinda em diversas esferas. Quatro possuem computadores em casa e manejam dife-rentes sistemas operacionais (Mac, Linux e Windows); todos tm acesso dirio Internet, via Fundao ou alguma lan house; os seis possuem blogs e perfis no Orkut e Facebook, alm de utilizarem o MSN e o Gtalk para trocas instantneas de mensagens. O uso do Skype, em especial, foi incentivado pela participao na Rede, mas no muito popular, tendo sido utilizado poucas vezes pelos entrevistados.

    5. Contingenciamento no uso das TICs

    Nem as tecnologias e nem mesmo as redes so redentoras. O fato dos jovens possurem determinados bens materiais hi tech no significa que possuam plenas condies de uso. Ou seja, os celulares multifuncionais citados anteriormente, por exemplo, per-mitem acesso Internet e infindas possibilidades de interao via udio, vdeo e mensagens, no entanto os planos para estes servios,

    6 Entrevista concedida por H.F. no dia 06 de janeiro de 2011, na cidade de Nova Olinda, Cear

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    disponibilizados pelas operadoras de telefonia mvel so caros, o que os torna proibitivos para alguns contextos, em especial os populares. Assim, as novas configuraes sociais estabelecidas no bojo da cultura da Internet tambm criam condies de excluso.

    La sociedad, concebida antes en trminos de estratos y niveles, o distin-guindose segn identidades tnicas o nacionales, es pensada ahora bajo la metfora de la red. Los incluidos son quienes estn conectados, y sus otros son excluidos, quienes ven rotos sus vnculos al quedarse sin trabajo, sin casa, sin conexin. Estar marginado es estar desconectado () (CAN-CLINI, 2008, p.73).

    na prpria tecnologia que est a primeira dificuldade de Comunicao com os jovens de outros pases apontadas pelos entrevistados: so incipientes as condies de acesso Internet em Nova Olinda. Na cidade, a Internet via satlite e apresenta problemas de conexo. H.F., ao falar sobre as formas de troca de produtos na Rede, aponta a fragilidade:

    Eles nos enviam alguns programas pela Internet, ns sempre enviamos pro-dues de vdeo mas, no incio, o contato era maior. Na maioria das vezes, agendvamos para que entrassem pela Internet, ao vivo, no Papo Cabea. Muita gente daqui passou a entender melhor a realidade dos pases africanos e muito da nossa histria, que tambm a histria dos negros africanos que vieram para o Brasil. Mas muito difcil. A Internet cai muito e depois a gente vai perdendo o nimo (H.F., 2010)7.

    A Rede de Crianas e Adolescentes Comunicadores de Lngua Portuguesa ao apostar nas TICs como a nica forma de Comuni-cao entre os jovens se tornou susceptvel a descontinuidades e a problemas de funcionamento. A conjuntura de desigualdades no acesso bens e servios que envolve os jovens dos trs pases foi um ponto de mobilizao uma vez que o objetivo da articulao fortalecer experincias para superao deste quadro, estimulando o protagonismo juvenil -, mas tambm de disperso e enfraqueci-mento da iniciativa, visto que a requerida incluso digital no plena por empecilhos estruturais.

    7 Entrevista concedida por H.F. no dia 06 de janeiro de 2011, na cidade de Nova Olinda, Cear.

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    As respostas dos entrevistados reiteram que as mediaes tec-nolgicas so importantes, mas cumprem um papel complementar. As estratgias presenciais de interao parecem ser imprescind-veis para a formao de laos de solidariedade e cooperao que caracterizam as redes sociais.

    Para alguns momentos as tecnologias so boas, mas os encontros presenciais so mais importantes, eu acho. Trocar figurinhas de perto mais fcil e mais legal (H.F., 2011)8.Eu acho que a Internet no substitui os encontros presenciais, acho que complementa. Voc pode conversar com uma pessoa pela Internet, mas nunca saber se ela como realmente quer dizer que . Por uns minutos ou por um chat qualquer um pode mentir, fingir ser outra pessoa que nunca saberemos qual a verdade. O fato da Internet nos deixar menos distantes no significa que estejamos perto (J.A., 2011)9.

    Concluses

    A cultura da Internet promoveu uma redefinio dos padres de interao entre diferentes partes do mundo, estimulando a adoo de novas linguagens e alterando os conceitos de tempo e espao. Neste contexto, as redes so consideradas as mais ade-quadas metforas do atual sistema: um conjunto de ns interco-nectados, flexveis e adaptveis s constantes mudanas, mas que apresentam dificuldades de funcionamento na medida em que sua composio se diversifica.

    As aprendizagens e apropriaes de ferramentas oriundas da dinmica da Rede de Crianas e Adolescentes Comunicadores de Lngua Portuguesa observadas parecem estar organizadas em trs nveis que se complementam e se fundem em grande parte das respostas: o pessoal, vinculado s prticas cotidianas e perspectivas de futuro dos jovens; o profissional, fortemente associado s aes na Fundao Casa Grande; e o comunitrio, que diz respeito ao impacto no desenvolvimento local de Nova Olinda. Dentre os achados de pesquisa esto: 8 Entrevista concedida por H.F. no dia 06 de janeiro de 2011, na cidade de Nova Olinda, Cear.9 Entrevista concedida por J.A. no dia 08 de janeiro de 2011, na cidade de Nova Olinda, Cear.

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    A participao em uma rede social global, que adotou a Comunicao virtual como principal forma de dilogo entre seus participes, ampliou os usos das Tecnologias de Informao e Comunicao nas esferas pessoal e profis-sional dos jovens;

    Apesar do cenrio de desigualdade no acesso s tecno-logias, os entrevistados nesta pesquisa ampliaram, nos ltimos oito anos, a sua rede de relacionamentos e inte-raes sociais mediadas tecnologicamente. Isto se deve insero em redes sociais virtuais como Orkut e MSN, assim como, pela participao em outras redes movimen-talistas internacionais;

    Os jovens esto trabalhando diretamente com as TICs, operando diversas linguagens operacionais (Windows, Li-nux, Mac) e softwares para produzir programas de rdios e documentrios, entre outros;

    A insero na Rede de Crianas e Adolescentes Co-municadores de Lngua Portuguesa ampliou o desejo de conhecer novas culturas e viajar, influenciando na deciso de continuar atuando com produes na rea de Comunicao;

    No manejo da programao da Rdio Casa Grande FM tam-bm foram inseridas novos programas virtuais que permitam maior interatividade e entrevistas, como o uso do Skype;

    A grade de programao radiofnica, a qual est muito associada s msicas, em especial a MPB, Jazz e Blues, ampliou o repertrio musical atravs da incorporao de gneros de Angola e Moambique;

    A partir da experincia de intercmbio com outros pases, os jovens utilizam a Internet como forma de divulgao de suas produes e trabalhos principalmente via Youtube, Twitter e Site institucional;

    O conjunto das apropriaes possibilita identificar que as mudanas empreendidas a partir da experincia esto mais vinculadas s formas de interatuar com outros jovens e com o mundo do que aos contedos que estes contatos proporcionam.

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    As apropriaes dos jovens e os novos usos que fazem das in-teraes com outros pases tambm impactou na comunidade em que vivem. Os jovens relatam que o estabelecimento de uma linha de trabalho com foco na participao em coletivos internacionais incentivou a realizao de eventos em Nova Olinda, como mostras artsticas, que ampliaram a visibilidade do municpio e o nmero de turistas. Este dado fez com que o Ministrio do Turismo conce-desse, em 2009, o ttulo de Cidade Indutora do Turismo Social e Comunitrio. Por sua vez, disto derivam mais recursos para a gesto local investir na organizao de espaos para comercializao de artesanato e em investimentos para dar visibilidade regio.

    possvel, no entanto, observar que isto no resultado apenas dos trabalhos com a Rede de Crianas e Adolescentes Comunicadores de Lngua Portuguesa. Trata-se de um movimento processual de articulao de foras da comunidade e de fora dela. A Rede abriu caminhos para este fantstico mundo novo, mas no a nica responsvel pelos resultados alcanados.

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    Recebido: 22.05.2012Aceito: 30.09.2012