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UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA-UnB Faculdade de Arquitetura e Urbanismo – FAU Departamento de Teoria e História da Arquitetura e Urbanismo – THAU Brasília, 20 de abril de 2011. Disciplina: Arquitetura e Urbanismo da Atualidade Professora: Elane Ribeiro Peixoto Acadêmico: Adriano Felipe Oliveira Lopes (10/0131662) Resenha: SEVCENKO, Nicolau. A Corrida para o Século XXI: no Loop da Montanha Russa. São Paulo: Companhia das Letras, 2001, 4º edição. O livro apresenta níveis, digamos, de lucidez e êxtase, ao passear pelo século XX, apresentando-o como em um percurso em uma montanha russa, sua expressão no ato da comparação é tão detalhada e cheia de “radicalismos” verbais que nos faz visualizar perfeitamente o que nos é proposto. Nicolau Sevzcenko o introduz de modo bastante imagético ao descrever a experiência da montanha russa, posteriormente transpondo à realidade do século XX e a transição para o século seguinte. Sua divisão didática em três fases é tão contundente que serve até mesmo para quem nunca experimentou deste passeio, imprimindo uma percepção dos relatos históricos de forma bastante abrangente ao abordar todos os acontecimentos que pontuaram a alucinante corrida para o século XXI. O autor posteriormente se vê em um momento de lucidez extremo ao apresentar a crítica como modo da sociedade não se alienar diante da precipitação das transformações tecnológicas, tornando-se passível de dialogar com as mesmas. Seu discurso prossegue, nos três próximos capítulos, com a “dissecação” da trajetória, de certo modo caótica e ao mesmo tempo sinfônica, até a passagem do século. Ele apresenta a aceleração tecnológica ocorrida logo no início do século XX e posteriormente afirma que a tendência contínua e acelerada de mudança tecnológica é o que o distingui dos demais, responsável por uma série de mudanças drásticas, agentes de imensas transformações sobre praticamente todos os campos da experiência humana. Mais uma vez Sevcenko divide dados históricos, no caso o surto

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UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA-UnBFaculdade de Arquitetura e Urbanismo – FAU

Departamento de Teoria e História da Arquitetura e Urbanismo – THAU

Brasília, 20 de abril de 2011.Disciplina: Arquitetura e Urbanismo da AtualidadeProfessora: Elane Ribeiro PeixotoAcadêmico: Adriano Felipe Oliveira Lopes (10/0131662)

Resenha: SEVCENKO, Nicolau. A Corrida para o Século XXI: no Loop da Montanha Russa. São Paulo: Companhia das Letras, 2001, 4º edição.

O livro apresenta níveis, digamos, de lucidez e êxtase, ao passear pelo século XX, apresentando-o como em um percurso em uma montanha russa, sua expressão no ato da comparação é tão detalhada e cheia de “radicalismos” verbais que nos faz visualizar perfeitamente o que nos é proposto. Nicolau Sevzcenko o introduz de modo bastante imagético ao descrever a experiência da montanha russa, posteriormente transpondo à realidade do século XX e a transição para o século seguinte. Sua divisão didática em três fases é tão contundente que serve até mesmo para quem nunca experimentou deste passeio, imprimindo uma percepção dos relatos históricos de forma bastante abrangente ao abordar todos os acontecimentos que pontuaram a alucinante corrida para o século XXI. O autor posteriormente se vê em um momento de lucidez extremo ao apresentar a crítica como modo da sociedade não se alienar diante da precipitação das transformações tecnológicas, tornando-se passível de dialogar com as mesmas.

Seu discurso prossegue, nos três próximos capítulos, com a “dissecação” da trajetória, de certo modo caótica e ao mesmo tempo sinfônica, até a passagem do século. Ele apresenta a aceleração tecnológica ocorrida logo no início do século XX e posteriormente afirma que a tendência contínua e acelerada de mudança tecnológica é o que o distingui dos demais, responsável por uma série de mudanças drásticas, agentes de imensas transformações sobre praticamente todos os campos da experiência humana. Mais uma vez Sevcenko divide dados históricos, no caso o surto de transformações, em duas fases que englobam a ocorrência e expressão da Revolução Científica-Tecnológica e a posterior intensificação de seus resultados no pós-guerra. Em seu discurso não há dúvidas quanto ao impacto, em proporções inéditas, causado pela indústria, principalmente sobre a economia principalmente dos EUA que se apresenta como a grande nova potência mundial.

Ainda na primeira parte do livro Sevcenko elucida o motivo do século XX e XI serem pertencentes à era da globalização, como sendo a resposta à novas relações cambiais e relações comerciais mais dinâmicas a partir da necessidade de investimentos que necessitavam de ultrapassar fronteiras. Daí então uma expansão comercial se processa ao ponto de gerar uma especulação que posteriormente responsabiliza-se pela desmontagem do Estado de bem-estar social, já que a intenção das Empresas era de submeter tanto Estado quanto sociedade aos seus interesses e ao seu exclusivo benefício, fazendo com que o Estado abandone o exercício do papel de protetor social.

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O poder que a classe empresarial adquiriu é tamanho que interfere ao curso que as coisas estavam destinadas a andar, barrando a ascensão classe operária através da piora de sua qualidade de vida. Isto gerou uma corrida armamentista e tecnológica entre os mundos capitalista e comunista, que resultou na vitória do capitalismo, que teve na primeira-ministra Margareth Thatcher, da Grã-Bretanha, a sua primeira grande heroína, responsável por afirmar que não havia e nem nunca haveria “essa coisa chamada de sociedade”, havendo apenas indivíduos. A partir daí que há a intensificação do livre fluxo de capitais e a ordem em que os mais individualistas e mais expedientes prevaleciam, gerando um mundo extremamente desigual e regido pelo conceito de “presentismo” e pelo “império da irresponsabilidade”, como o próprio autor disserta em que ele apresenta o grande problema da responsabilidade em relação ao futuro, citando, por exemplo, Barbara Krugman, pois esta foi autora do slogan em que resumia a máxima da filosofia ocidental: “Eu consumo, logo existo”. Sevcenko finaliza o primeiro capítulo como forma de uma certa reflexão sobre a magnitude do pensamento consumista gerando um momento de novas atitudes humanitárias a favor do restabelecimento do equilíbrio, na tentativa de enfrentar interesses políticos e econômicos estabelecidos.

Em seguida ele deixa de se ater às transformações tecnológicas e suas ações sobre a economia e passa a abordar como estas mudanças se projetaram no cotidiano, condicionando à definição das mudanças históricas. Nicolau começa mostrando como o surgimento dos grandes complexos industriais promove o crescimento e concentração dos contingentes de operários o que leva à formação dos primeiros movimentos e partidos operários e/ou multiclassistas, alterando o quadro político, ensejando o surgimento de regimes baseados nas organizações operárias ou de massa. O autor explica que com o surgimento destes complexos há a ocorrência de um êxodo coletivo em direção às cidades e o surgimento de multidões de bairros residenciais facilmente acessados pelas novas possibilidades de transporte rápido. É neste contexto que se nota o poderio industrial sobre o hábito humano, ou como o próprio autor afirma:

“Assim, numa metrópole tudo se insere em sistemas de controle, até o passo com que as pessoas se movem nas ruas, dependente da intensidade dos fluxos de pedestre e do trânsito de veículos. [...] Nessa sociedade altamente mecanizada, são os homens e mulheres que devem se adaptar ao ritmo e à aceleração das máquinas e não o contrário”.

Esta submissão ao ritmo da máquina acabou por gerar uma mudança nos valores da sociedade, tornando impraticável a avaliação das pessoas por suas características pessoas, sua bagagem culturas, etc, sendo substituída por uma mera identificação através do modo que se vestem e da maneira que se comportam. Esta vulgarização social, passaram a categorizar as pessoas pelo que consumiam, tendo sua visibilidade social e seu poder de sedução, diretamente proporcionais ao poder de compra.

A partir desta nova conformação no ritmo de vida das pessoas e da invasão dos novos aparatos tecnológicos, a interpretação visual e a sensibilidade também passam por uma grande transformação a fim de acompanhar o rápido fluxo de informações. As técnicas publicitárias se desenvolvem e difundem forçando à supervalorização do olhar. O autor ainda deixa claro que a sofisticação das habilidades além de favorecer à comunicação visual no controle do trânsito, por exemplo, também se tornou extremamente eficiente ao instigar as

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mentes à busca de novas qualidades científicas mais complexas. Foi neste período que o cientista Albert Einsten exemplifica esta interação com modelos mais complexos resultantes desta nova qualidade de percepção. Outra personalidade importante foi o designer Raymond Loewy descobre o conceito de estilo, utilizando as mudanças na percepção a fim de capturar a imaginação dos consumidores.

As mudanças na percepção abrangem, como não deixaria de ser, as artes, quando diversos artistas, incluindo Picasso, “decidem elaborar uma nova estética”, transpondo experiências do cinema e parque de diversões, por motivo dos novos recursos permitidos pela eletricidade, para o mundo artístico, que a partir de agora nada tem a ver com as tradicionais “belas-artes”, mas é uma reflexão acerca dos novos potenciais e seu impacto transformador sobre a percepção, esta nova estética foi intitulada cubismo.

A exploração visual teve um impacto tão grande sobre a sociedade e seu comportamento que foi responsável por uma drástica mudança na indústria do entretenimento e até mesmo no mercado imobiliário. Na primeira por conta dos novos modos de diversão que exploravam novas sensações através dos sentidos, sem muita atividade física, como no caso do cinema, que Sevcenko resume em ficar sentado por um período determinado sendo exposto à emoções mirabolantes. No segundo, com a figura do especulador George Cornelius Tilyou inaugurando em Coney Island o complexo Steeplechase Park, em que estão assiciados num mesmo ambiente todo um lote de diversões elétricas, vários cinemas e uma montanha russa. Temos posteriormente também a reunião de vários cineastas europeus que desafiam as convenções de percepção ao abrir novas possibilidades de compreensão e interpretação dos fatos e processos, através da transposição da estética cubista às telas do cinema. A chamada “Revolução do Entretenimento”, tendo nos anos 30 o modelo de sua expressão, acontece em todos os âmbitos destes novos modos de vista, com as músicas da indústria fonográficas tocando em todas as rádios e a televisão, criatura-chave do século XX, se torna o mais novo membro da família moderna. Todas as mídias, inclusive a impressa, se inserem em um estado de espírito, dominado pela devoção ao prazer, à felicidade, à dança, ao esporte, às delicias do país, ao riso e a todas as formas de alegria.

Este período foi responsável por gerar o que o autor intitulou “ditadura publicitária” em um contexto de generalizações, passando pela reformulação política instaurado pela Guerra Fria, pelo Marcarthismo e stalinismo e pela rebelião dos anos 60, que posteriormente gerou uma ambivalência amor/guerra explorada pelo mercado, que impõe uma atitude cultural baseada na rebelião juvenil, no hedonismo e liberdade. Esta atitude foi responsável por ditar moda, estilo e consumo, segundo o autor, baseados numa multiplicidade crescente e opressiva de opções, substituindo a lógica dual da Guerra Fria, cujo ato final, assinalado sintomaticamente por um carnaval de imagens, se deu com a queda do muro de Berlim em 1989.

Apesar das transformações intensas terem gerado em grande parte um mundo de culto aos prazeres, elas foram responsáveis por gerar um mundo menos agradável e cada vez mais carente de laços afetivos e de coesão social, potencializadas pela Revolução Microeletrônica e digital, fundamentada na ascensão desta cultura imagética e consumista, pela retração do Estado e pela desmontagem de mecanismos de distribuição e apoio social.

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Próximo ao fim de seu discurso, Nicolau Sevcenko, passa a abordar o impacto das novas tecnologias sobre o meio ambiente, corpos e comunidades. Ele começa falando de duas Inglaterras distintas, a “Verde” onde não haviam fábricas instaladas e a “Cinza” coberta por uma névoa de poluição. O que ele quis mostrar foi a degradação ambiental resultante do desenvolvimento tecnológico, por razão da grande quantidade de produtos químicos que são liberados ao meio. A complexidade desta situação motivou o sociólogo Anthony Giddens a elaborar uma lista de precauções a serem tomadas, com apoio de resultados estatísticos, a partir daí que estabeleceu a idéia de “Princípio de Precaução” em oposição ao espírito “presentista”. Este princípio foi aperfeiçoado por ONGs e grupos de pressão social, principalmente por conta da ameaça da engenharia genética e dos alimentos transgênicos e baseia se no zelo pela segurança ao invés de se lamentar pelas conseqüências (“better safe than sorry”).

Não por acaso houve a modernização dos Jogos Olímpicos visando a compatibilização à cultura da máquina, ou seja, os esportes agora eram vistos como uma forma de recondicionar os corpos à preponderância das máquinas, por este motivo é que houve a inserção do cronômetro medindo o desempenho físico. A música também participou desta nova manifestação cultural, a partir das experiências de Stravinsky e dos Balés Russos de Diaghliev, marcando um novo “zero” ao código musical. A música se recria não somente no meio da elite, mas principalmente na esfera popular, quando temos o surgimento do jazz com um ritmo pulsante sintonizado às cadências mecânicas das cidades e à intensidade emocional da vida moderna. A tecnologia também foi responsável à digitalização dos recursos analógicos e pela manipulação de sons previamente gravados, gerando o recurso do “sampleamento”, responsável pelo surgimento do hip-hop.

O teatro-dança também foi um elemento cultural de bastante expressão, pois revelou uma forma de se deixar falar através do corpo, muitas vezes de um modo bastante radical e com caráter de ruptura, já que os movimentos agora seguiam o ritmo da máquina.

Sevcenko conclui retornando à questão da percepção visual, citando Michel Certeu, que através de seu discurso imagético afirma que a nossa sociedade caracteriza por um crescimento canceroso da visão, em que as imagens, e com elas as opiniões, nos invadem de modo alarmante, gerando, nas palavras do autor, um entretenimento superficial, sensacionalismo de baixo instinto, ao festival aliciante do consumo e à mais mesquinha manipulação política.