Resenha a Constituição Social Do Desenvolvimento

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Daniele Bruno Santana Nº USP 5940102 Resenha: BRAGA, E. S. A constituição social do desenvolvimento - Lev Vigotski: Principais teses. In: Revista Educação - Lev Vigotski. O artigo escrito por Elizabeth dos Santos Braga, pós-doutora pela Universidade de Oxford, professora da Faculdade de Educação da USP e pesquisadora do Grupo de Pesquisa Pensamento e Linguagem da Unicamp, traz as principais teses de Lev Vigotski, em seus estudos de psicologia e desenvolvimento humano. Pensador este que contrapôs-se ás "visões naturalistas, mecanicistas e idealistas da época", criou uma analise completa, com diversas referência e cruzando estudos de outras perspectivas, focando-se na problemática da linguagem e conceitualizando o desenvolvimento como processo que se dá de maneira histórica e cultural. Após breve apresentação contextual do tempo em que viveu e escreveu Vigotski, assim como apresentação dos parâmetros gerais dos pensadores da época e da sua posição em relação a eles e sua forte influência por Marx e Engels, introduz-se a ideia de que "a pesquisa psicológica nunca deveria limitar-se a uma especulação sofisticada e a modelos de laboratório divorciados do mundo real". O primeiro subtítulo trata da "Cultura e história na constituição do psiquismo humano" nos mostra como o comportamento humano é muito mais dependente da cultura em que se insere que de fatores genéticos. Baseando-se nos escritos de Marx e Engels, Vigotski fala acerta da evolução biológica - que trataria das funções elementares - e a história humana, à qual estão ligadas as funções superiores ou culturais. Essa distinção nos permite perceber que o comportamento humano é fundamentado "nas relações sociais, as quais se desenvolvem no interior da cultura (ao mesmo tempo em que constantemente a produzem) e num processo histórico. Assim como cultural e histórico fundem-se, os fenômenos psicológicos humanos que deles resultam são também históricos e constantemente em mudança. O que nos torna humanos não é, portanto, nossa configuração genética, enquanto que mais o desenvolvimento em meio cultural que nos leva a conquistar as funções superiores, sendo caracterizados pela "mudança do controle do ambiente para o indivíduo; a realização consciente de processos mentais; a origem e natureza social; e a mediação por signos". Desenvolvendo o raciocínio de Vigotski em "A superação do dualismo" vemos que as funções culturais emergem das biológicas, entretanto não desaparecem, incorporam-se na história humana - se o desenvolvimento humano é cultural, logo o é histórico, em constante transformação e criação, constante mudança, fazendo do homem "artífice de si mesmo". As diferenças culturais são o que, finalmente, nos distingue do homem pré-histórico e dos animais, é um fenômeno histórico que abrange a totalidade das produções humanas, é a mediação pela cultura que define o funcionamento psicológico humano.

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Daniele Bruno Santana Nº USP 5940102

Resenha: BRAGA, E. S. A constituição social do desenvolvimento - Lev Vigotski:

Principais teses. In: Revista Educação - Lev Vigotski.

O artigo escrito por Elizabeth dos Santos Braga, pós-doutora pela Universidade

de Oxford, professora da Faculdade de Educação da USP e pesquisadora do Grupo de

Pesquisa Pensamento e Linguagem da Unicamp, traz as principais teses de Lev

Vigotski, em seus estudos de psicologia e desenvolvimento humano. Pensador este que

contrapôs-se ás "visões naturalistas, mecanicistas e idealistas da época", criou uma

analise completa, com diversas referência e cruzando estudos de outras perspectivas,

focando-se na problemática da linguagem e conceitualizando o desenvolvimento como

processo que se dá de maneira histórica e cultural.

Após breve apresentação contextual do tempo em que viveu e escreveu Vigotski,

assim como apresentação dos parâmetros gerais dos pensadores da época e da sua

posição em relação a eles e sua forte influência por Marx e Engels, introduz-se a ideia

de que "a pesquisa psicológica nunca deveria limitar-se a uma especulação sofisticada e

a modelos de laboratório divorciados do mundo real".

O primeiro subtítulo trata da "Cultura e história na constituição do psiquismo

humano" nos mostra como o comportamento humano é muito mais dependente da

cultura em que se insere que de fatores genéticos. Baseando-se nos escritos de Marx e

Engels, Vigotski fala acerta da evolução biológica - que trataria das funções elementares

- e a história humana, à qual estão ligadas as funções superiores ou culturais. Essa

distinção nos permite perceber que o comportamento humano é fundamentado "nas

relações sociais, as quais se desenvolvem no interior da cultura (ao mesmo tempo em

que constantemente a produzem) e num processo histórico. Assim como cultural e

histórico fundem-se, os fenômenos psicológicos humanos que deles resultam são

também históricos e constantemente em mudança. O que nos torna humanos não é,

portanto, nossa configuração genética, enquanto que mais o desenvolvimento em meio

cultural que nos leva a conquistar as funções superiores, sendo caracterizados pela

"mudança do controle do ambiente para o indivíduo; a realização consciente de

processos mentais; a origem e natureza social; e a mediação por signos".

Desenvolvendo o raciocínio de Vigotski em "A superação do dualismo" vemos

que as funções culturais emergem das biológicas, entretanto não desaparecem,

incorporam-se na história humana - se o desenvolvimento humano é cultural, logo o é

histórico, em constante transformação e criação, constante mudança, fazendo do homem

"artífice de si mesmo". As diferenças culturais são o que, finalmente, nos distingue do

homem pré-histórico e dos animais, é um fenômeno histórico que abrange a totalidade

das produções humanas, é a mediação pela cultura que define o funcionamento

psicológico humano.

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Nossas ações não são diretas, mas mediadas por signos e instrumentos, pelo

outro. Enquanto outros animais são capazes de utilizar instrumentos, o homem tem a

capacidade de criá-los - o que significa o planejamento, a noção de uso futuro. A

preparação dos instrumentos que usaremos para agir, para realizar nossas atividades,

combinada à coletividade do trabalho humano, nos levou à desenvolver a linguagem,

modificando a história, tornando-a cultura, alterando o foco da nossa história como

humanos.

Enquanto inúmeros pensadores da época baseavam as análises na interação entre

estímulo e resposta, Vigotski coloca como ele intermediário na relação o instrumento ou

signo. Instrumento possuindo uma função mediadora externamente orientada e o signo

uma função internamente orientada, para a comunicação e autorregulação. Toda a

utilização de símbolos refere-se não apenas ao uso feito por um indivíduo, mas ao uso

feito por um grupo cultural, compartilhado entre eles.

O "Instrumento e o Signo", ao serem controle externo e interno, não são

distintos, mas mutuamente ligados, uma vez que forma-se um ciclo em que a

transformação da natureza transforma o homem, seu psiquismo, e a transformação do

seu psiquismo transforma como irá relacionar-se com o mundo e utilizar o instrumentos.

O outro está sempre presente, ainda que não fisicamente participando da interação no

momento em que ocorre, porém sempre há o outro presente "incorporado no processo

de apropriação de signos e instrumentos". Diferenciando os conceitos de "mediação

explícita" - aquela em que quem conduz a atividade introduz um estímulo-meio na

dinâmica - e "mediação implícita" - tratando-se de mediações transitórias e efêmeras,

envolvendo também signos e linguagem, estes são parte de uma corrente que já existia,

Vigotski conclui que "mesmo a linguagem interior é mediada pela linguagem social; o

pensamento pela palavra".

A "Internalização" para Vigotski, como citado no texto, é "a reconstrução interna

de uma operação externa", em uma perspectiva em que interno e externo se vinculam

geneticamente. Uma vez que processos externos são sociais, e processos interno o

individual, do sujeito, a internalização é o processo pelo qual a partir do plano social

emergem funções psicológicas, e estas se internalizam e constituem o sujeito. Todas as

funções superiores, portanto, iniciam-se no nível social para então constituir o

indivíduo. A incorporação da cultura é a internalização que ocorre nos indivíduos, e que

irá novamente se manifestar em interação social.

Pensando no início da história humana, Luria destaca a linguagem como fator

decisivo, destacando: "1. a discriminação dos objetos, a atenção dirigida para eles e sua

conservação na memória [...] 2. a possibilidade de abstração de propriedades dos objetos

e de generalização [...] 3. a possibilidade de transmissão de informações, ao longo do

desenvolvimento histórico-social". Para Vigotski a fala em uma criança não deve ser

analisada isoladamente pelo uso de signos, mas como produto da história do seu

desenvolvimento, sendo fundamental na organização das funções psicológicas

superiores. As funções psicológicas interagem entre si e com a fala, e conforme a

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criança se desenvolve altera-se primordialmente a maneira como estas funções se

relacionam. Da infância à vida adulta o significado no uso das palavras distingue-se

muito, por ser fenômeno da palavra assim como do pensamento, ele escolhe o

"significado da palavra como a unidade de análise das funções psicológicas culturais".

A noção de "instrumento psicológico" evoluiu em Vigotski para uma direção

semiótica, sob as influências da poesia russa, estudos literários e filológicos. Ele

distingue sinalização e significação, sendo a significação o que nos difere dos animais,

"é a criação e o uso de signos, isto é, de sinais artificiais". Utilizando o exemplo do

gesto de apontar de um bebê, ele exemplifica claramente como a tentativa de uma ação

por parte de um bebê transformação num signo, numa forma de comunicação ao

perceber a reação do outro ao seu gesto. Passamos por três estágios "em si, para outros,

para si", havendo a ação do sujeito em sua relação social, mas o que este irá internalizar

não é a ação que pratica em si, mas a significação que haverá para o outro, e esta

internalização guiará suas próximas ações, num movimento histórico, contínuo.

O texto é capaz de nos trazer as linhas principais do pensamento de Vigotski e

desenvolvê-las de uma maneira que somos capazes de nos sentir co-criadores das

teorias, à medida que vemos o desenvolvimento e a interligação do pensamento. Aos

professores, pesquisadores, pais e indivíduos é essencial a leitura de algo que pode ser

tão simples e tão transformador. Conhecer os processos que ocorrem na nossa formação

como indivíduo e como sociedade, perceber as sutis e permanentes ligações entre

sociedade e indivíduo, são indispensáveis para pensar no ato de educar. Deveria também

ser indispensáveis para pensarmos o ato de agir, de ser, para que nos lembremos sempre

no impacto das interações sociais em nós, para pensarmos sempre na nossa capacidade

de agentes históricos, presentes, de transformar e recriar constantemente a cultura, os

indivíduos, a sociedade.