Resenha As Três Ecologias de Félix Guatari

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Resenha: As Trs Ecologias de Flix Guatari[Juliana Veiga *]

O autor inicia o livro narrando sobre as intensas transformaes tcnico-cientficas do Planeta Terra que acabam por engendrar fenmenos de desequilbrios ecolgicos. Ao mesmo tempo os modos de vida individuais e coletivos se encaminham para uma padronizao dos comportamentos, como ele cita. Alm de que a vida domstica vem sendo gangrenada pelo consumo da mdia.

Para a mudana desse quadro, Guattari prope a articulao tico-poltica, que ele chama de ecosofia, entre o que seriam os trs registros ecolgicos: o do meio ambiente, o das relaes sociais e o da subjetividade humana. Para ele, o que est em questo a maneira de se viver no planeta daqui em diante.

A resposta a essa crise ecolgica viria da revoluo poltica, social e cultural. Essa revoluo dever concernir, portanto, no s s relaes de foras visveis em grande escala mas tambm aos domnios moleculares de sensibilidade, de inteligncia e de desejo, ou seja, de subjetividade.

Porm, os Estados se impem cada vez menos como instncias mediadoras, se colocando a servio do mercado mundial e dos complexos militar-industriais.

Dessa maneira, o paradoxo est instalado: de um lado, o desenvolvimento de meios tcnico-cientficos com potencial de resolver e reequilibrar as problemticas ecolgicas dominantes, e de outro, a incapacidade das foras sociais e, portanto, subjetivas de se apropriar desses meios para torn-los positivos, funcionais, ou operativos como coloca o autor.

Apesar disso, alguns fatos nos levam a pensar que transformaes esto em curso. Guattari d o exemplo da designao de mulheres para cargos de chefia e reivindicao de paridade homem-mulher nas instncias representativas.

A nova referncia ecosfica indica linhas de recomposio das prxis humanas nos mais variados domnios (...) Trata-se, a cada vez, de se debruar sobre o que poderiam ser os dispositivos de produo de subjetividade, indo no sentido de uma re-singularizao individual e/ou coletiva, ao invs de ir no sentido de uma usinagem pela mdia, sinnimo de desolao e desespero.

Isso significa dizer que a ecosofia social se constitui a partir do desenvolvimento de prticas especficas que modifiquem e reinventem maneiras de ser no que diz respeito famlia, ao casal, ao contexto urbano, ao trabalho, etc. Um casal no mais necessariamente composto por homem e mulher, uma famlia no necessariamente composta por filhos biolgicos.

Ou seja, inconcebvel querer aplicar as mesmas frmulas do passado numa sociedade que, ao contrrio, deve se reinventar conforme as demandas e subjetividades de sua poca.

Nesse domnio, o autor comenta: No nos ateramos s recomendaes gerais mas faramos funcionar prticas efetivas de experimentao tanto nos nveis microssociais quanto em escalas institucionais maiores. Entendo nveis microssociais como locais de atuao dos grupos sociais, como a famlia, a escola, a igreja, os espaos culturais. Escalas institucionais maiores seria basicamente o Estado e suas formas de poder.

Aqui entendo que o autor prope agir nas brechas, partindo de uma micropoltica (escola, famlia, espaos culturais, etc) para reinventar a macropoltica e suas formas de engendrar o poder.

O autor sugere falar em componentes de subjetivao ao invs de sujeito, para reexaminar a interioridade do indivduo que se d no cruzamento de mltiplos componentes relativamente autnomos uns em relao aos outros e, se for o caso, francamente discordantes. Ou seja, essa interioridade composta por antagonismos que no so necessariamente complementares.

Sobre a psicanlise, Guattari fala da importncia de seus fantasmas serem desmascarados no sentido de uma no sustentao das nossas maneiras de pensar a sexualidade, a infncia, a neurose. A questo colocada por ele de re-orientar esses conceitos e prticas para dar-lhes outro uso, desenraizando-os de suas frmulas prontas, deterministas, enfim, dos esteretipos e repeties congeladas.

E para isso, ele cita a lgica das intensidades ou a eco-lgica, em oposio lgica dos conjuntos discursivos, que leva em conta o processo de se pr a ser, o movimento; rompendo com o que totalizante, pondo-se a trabalhar por conta prpria. algo que se coloca atravessado ordem normal das coisas.

O que o autor chama de Capitalismo Mundial Integrado (CMI) tende, cada vez mais, em tirar seu foco de poder das estruturas de produo de bens e servios para as estruturas que produzem signos; subjetividade. a produo de subjetividade por intermdio da mdia, da publicidade.

A questo que se coloca para o futuro a de cultivar a produo singular da existncia, ou o que ele chama de dissenso. Ou seja, o cultivo da diferena como algo positivo e possvel. a partir da que devem surgir frentes heterogneas para articular as novas prticas ecolgicas, ou seja, micropolticas e microssociais.

O que Guattari prope fazer com que a singularidade, a exceo, a raridade funcionem junto com uma ordem estatal o menos pesada possvel. A eco-lgica no se prope resolver os contrrios, mas os coloca em luta.

Essa nova lgica ecosfica, volto a sublinhar, se aparenta do artista que pode ser levado a remanejar sua obra a partir da intruso de um detalhe acidental, de um acontecimento-incidente que repentinamente faz bifurcar seu projeto inicial, para faz-lo derivar longe das perspectivas anteriores mais seguras.

a possibilidade da mudana, do fazer diferente, do re-significar, que permite o no-engessamento das prticas culturais.

* Graduanda em Produo Cultural na UFF