Resenha. cora. lições de comportamento feminino na bahia do século xix
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Reis, Adriana Dantas. Cora: lições de comportamento feminino na Bahia do século
XIX. Salvador: FCJA; Centro de Estudos Bahiano da UFBA, 2000.
Wagner Aragão Teles dos Santos1
Este é um livro que se debruça sobre os debates relacionados às propostas de
educação feminina na Bahia do século XIX. Dividida em 4 partes, a obra analisa as
polêmicas geradas pelas Cartas Sobre a Educação de Cora, publicadas na segunda
metade do século XIX, que estabelecia novos preceitos para educação da mulher da elite
baiana, de acordo com a perspectiva civilizadora, influenciada pelo pensamento
iluminista. Nessa perspectiva, a autora tenta entender o porquê do desencadeamento
dessas polêmicas entre os homens letrados da Bahia. Na introdução do livro, a autora
expõe as inúmeras fontes utilizadas e os arquivos visitados durante a pesquisa,
evidenciando assim, o exaustivo trabalho realizado e todo seu rigor metodológico.
No primeiro capítulo, a autora tem como objetivo, retratar os espaços sociais
ocupados pela mulher da elite feminina baiana antes e depois da chegada da Família
Real em 1808. Analisado assim, a partir do olhar dos viajantes europeus, o contraste dos
costumes femininos em Salvador, comparados com os das mulheres da Europa.
A partir dessa análise, a autora percebe que antes da chegada da Corte
portuguesa, os espaços lúdicos para as mulheres da elite baiana eram limitados,
basicamente, às festas religiosas. Como também, apesar de serem influenciadas, já nesse
período, pela cultura da moda francesa, percebe-se que os padrões de moda e de hábitos
de socialização não estavam em consonância com os da Europa do final do século
XVIII e início do século XIX. Assim sendo, as mulheres brasileiras ainda viviam num
mundo recluso onde a casa representava seu pequeno espaço de liberdade, pois, o
espaço público, revelava-se como espaço de aparência e ostentação.
Com a chegada da corte em 1808, a autora identifica que os espaços de
socialização da mulher começam-se ampliar, diante das festas promovidas,
1 Wagner Aragão Teles dos Santos é Especialista em História Social e Econômica do Brasil e Pós- graduando do curso de História da Bahia pela Faculdade São Bento da Bahia.
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principalmente, pela família Real, no Rio de Janeiro. Porém, na Bahia, identifica-se que
ainda havia uma sociabilidade limitada, mesmo nos anos do primeiro Reinado.
Durante o Segundo Reinado, os espaços lúdicos em Salvador se tornam mais
comum, transformando a cidade em um centro cultural deste período. No entanto,
Adriana Reis, deixa claro que mesmo com a ampliação desses espaços, as mulheres
eram sempre conduzidas por um “braço masculino” tendo seu comportamento vigiado
por todos, pois, qualquer deslize poderia comprometer a reputação da mulher, seja ela,
solteira ou casada.
Neste mesmo capítulo, há uma tentativa de reconstrução dos espaços de
socialização e dos hábitos cotidianos da mulher da elite do Recôncavo e do sertão
baiano. Nessa investigação, em linhas gerais, a autora percebe que as mulheres dessas
localidades estavam de uma maneira, ou de outra, sempre em contato com os hábitos e
costumes praticados pelas mulheres da elite de Salvador, demonstrando que estavam
atentas às mudanças sócio-culturais que aconteciam na capital baiana.
No segundo capítulo, Adriana Reis, de maneira muito lúcida, analisa a forma
com que a igreja tentou vincular a imagem da mulher com a da Virgem Maria, e de que
maneira a igreja reagiu contra as novas formas de socialização da elite feminina.
A igreja insistia que o cristianismo havia reabilitado a mulher do pecado
cometido por Eva, no Jardim do Éden. Acreditando assim, que a mulher ideal era
baseada na imagem da Virgem Maria.
Nesta perspectiva, a mulher deixava de ser escrava, para se tornar companheira
do homem. No entanto, essa mulher deveria ser submissa ao pai, ao marido e a Deus.
Sendo assim, educada dentro dos princípios cristãos e preocupada com a caridade aos
mais necessitados.
Dentro deste contexto, a autora nos conta que a luta contra a influência europeia
na educação da mulher da elite baiana, levou o arcebispo da Bahia, D. Romualdo
Seixas, a implementar a Ordem das Irmãs de Caridade na Bahia, com o objetivo de
cuidar da educação das mulheres baianas, pois, até a metade do século XIX, os
conventos eram praticamente, os únicos espaços educacionais para a mulher, limitando-
as dessa maneira, à reclusão.
Paralelo às ideias da igreja, e a partir da fundação da Faculdade Bahiana de
Medicina em 1808, os discursos médicos de higienização e de racionalismo iluminista,
pautados no progresso e na civilização, começam a ter grande influência na sociedade
baiana nesse período, tendo como objetivo, tentar padronizar e racionalizar o
comportamento feminino. Nesse sentido, o livro deixa claro que apesar do discurso
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iluminista dos médicos, as suas ideias de moral estavam alinhadas com as da igreja
católica.
Enquanto a igreja criticava os novos trajes, os bailes e a vaidade das “moças dos
sobrados”, tendo como justificativa, a moral cristã, os médicos os condenavam, a partir
de argumentos científicos e higienistas. Porém, ao tratar do celibato, os médicos se
colocavam inteiramente contra, argumentando que era uma prática que causava
problemas físicos e morais, contrariando assim, os preceitos da igreja e
consequentemente, do cristianismo.
No terceiro capítulo do livro, ao analisar o contexto em que as Cartas Sobre a
Educação de Cora foram publicadas, Adriana Dantas, reconstrói de forma sucinta, a
história do médico, José Lino Coutinho e de Ildefonça Laura Cezar, pais da menina
Cora. A partir disso, o livro mostra também, a influência do pensamento iluminista na
formação de Lino Coutinho, autor das cartas.
Ao analisar as cartas, a autora percebe que elas foram dividas em quatro fases, e
que foram enviadas em cada momento distinto da vida de Cora, para que fosse um
manual de educação da menina. Sendo que a 1ª fase, correspondia do nascimento aos 7
anos de idade, se preocupando assim, com uma educação física e moral, dando pouca
atenção para educação religiosa, enquanto que a 2º fase, que correspondia dos 7 ao 14
anos, tinha como objetivo uma educação que possibilitasse a diminuição do “fogo
natural da idade”. Nessa fase, diferentemente dos costumes da época, Lino
recomendava o aprendizado das letras: gramática; música; história e francês. A
educação religiosa, tinha como princípio, o conhecimento de Deus através da natureza,
baseado no pensamento iluminista.
As cartas enviadas para tratar da 3ª fase da educação de Cora, tinha como um
dos objetivos principais, dentre outras coisas, cuidar deste “tempo das paixões”, que
segundo Lino Coutinho, todo cuidado neste período era pouco. A quarta e última fase,
era a fase definida por Lino, como a fase da idade viril.
No último capítulo, o livro se debruça em torno do debate gerado pela
publicação das cartas, na sociedade baiana. Analisando os inúmeros periódicos que
foram publicados em Salvador neste período, a autora, demonstrando incrível rigor
metodológico ao analisar as fontes, nos proporciona um delicioso debate entre os
médicos da Faculdade Bahiana de Medicina e os representantes da igreja Católica, sobre
a educação feminina.
Nesse cenário, a autora chega a conclusão, de que apesar das propostas
inovadoras de José Lino Coutinho e de alguns representantes da classe médica local, os
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seus objetivos estavam em consonância com o pensamento da igreja, ao criticar alguns
dos novos costumes da elite feminina baiana. Dessa maneira, não havia a intenção de
mudar o papel feminino na sociedade baiana, e sim, o de dar novos padrões para regular
os seus espaços de socialização. Nesse sentido, a educação da mulher, tanto pelo viés
médico, quanto pelo olhar da igreja, tinha como objetivo principal, formar uma boa
mãe, esposa e dona do lar.
A partir de tudo que foi analisado, podemos afirmar, que este livro é obra
indispensável para os interessados em pesquisar o comportamento e a educação da
mulher baiana no século XIX, fornecendo inúmeras informações necessárias para a
discussão de gênero na área de História. Contribuindo assim, para o entendimento das
construções históricas referente à natureza feminina.
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