Resenha Ikenberry

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18/11/2012 Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais Disciplina: Política Internacional Professor: Felipe Amin Filomeno Mestrando: Vicente Pchara Palavras neste trabalho: 1.173 RESENHA CRÍTICA: O Leviatã Liberal, entre Hegemonia global e Império internacional. Em seu livro Ikenberry traça o argumento do que ele chama de "uma ordem liberal hegemônica" que começa a partir do final da Segunda Guerra Mundial, quando os Estados Unidos se encontravam em uma posição exclusiva no sistema internacional, e tiveram os recursos necessários para moldar uma nova ordem internacional, que cobriria quase todo o globo. Misturando teoria das relações internacionais com a história, Ikenberry busca explicar a lógica do comportamento dos EUA nos assuntos mundiais até então. Empregando sempre um ponto de vista mais amplo da natureza das relações globais e fugindo de interpretações temporais, como as diferenças entre períodos presidenciais ou fatos históricos específicos, ele busca explicar o contexto após a Segunda Guerra Mundial quando os Estados Unidos se tornaram um "Leviatã Liberal". Dessa forma, os EUA se mantiveram no centro do sistema internacional orientando seus aliados IKENBERRY, G. J. Liberal Leviathan : the origins, crisis, and transformation of the American world order. Princeton, N.J.:

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18/11/2012

Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC)

Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais

Disciplina: Política Internacional Professor: Felipe Amin Filomeno

Mestrando: Vicente Pchara

Palavras neste trabalho: 1.173

RESENHA CRÍTICA:

O Leviatã Liberal, entre Hegemonia global e Império internacional.

Em seu livro Ikenberry traça o argumento do que ele chama de "uma ordem liberal hegemônica" que começa a partir do final da Segunda Guerra Mundial, quando os Estados Unidos se encontravam em uma posição exclusiva no sistema internacional, e tiveram os recursos necessários para moldar uma nova ordem internacional, que cobriria quase todo o globo.

Misturando teoria das relações internacionais com a história, Ikenberry busca explicar a lógica do comportamento dos EUA nos assuntos mundiais até então. Empregando sempre um ponto de vista mais amplo da natureza das relações globais e fugindo de interpretações temporais, como as diferenças entre períodos presidenciais ou fatos históricos específicos, ele busca explicar o contexto após a Segunda Guerra Mundial quando os Estados Unidos se tornaram um "Leviatã Liberal". Dessa forma, os EUA se mantiveram no centro do sistema internacional orientando seus aliados através de declarações consensuais com acordos como: a Carta do Atlântico, os acordos de Bretton Woods, a Carta das Nações Unidas, o Plano Marshall, e o Tratado do Atlântico Norte. Ao invés de impelir o domínio americano a seus limites e riscos e afastar potenciais aliados, buscou sempre um estratégia milieu, pelo qual trocou concessões com o intuito de garantir comportamentos previsíveis dos outros Estados clientes dessa ordem.

O autor começa sua construção teórica retomando o equilíbrio de poder da multipolaridade, no período pós Paz de Vestefália, e sua eventual mudança para bipolaridade com a Guerra Fria. Para ele a erosão do poder soviético, e a subsequente unipolaridade dos Estados Unidos, com seu incomparável poder militar, acabaram garantindo uma ordem irracional do sistema internacional, por um lado não é mais factível um balanceamento de poder contra o Estado dominante, mas por outro lado essa mesma ordem estável está garantida por uma ordem liberal ocidental, democrática e capitalista.

IKENBERRY, G. J. Liberal Leviathan : the origins, crisis, and transformation of the American world order. Princeton, N.J.: Princeton University Press, 2011. xviii, 372 p.

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Hoje, no entanto, ironicamente, essa ordem tornou se vítima de seu próprio sucesso, uma vez que a estrutura de acordos multilaterais começa a ameaçar o domínio dos EUA e, com a crescente regulamentação da intervenção nos assuntos internos dos estados, corrói as normas Vestefálianas de soberania. Ikenberry argumenta que é tempo de reconstruir a ordem, que o cenário de unipolaridade já não é mais possível, e que os tempos exigem rearranjo do sistema. A forma específica da ordem liberal reformulada, explica ele, vai depender de muitos fatores, incluindo as preferências de outros Estados aquém os EUA, mas também na China e na Índia. Apesar de reconhecer que o futuro da ordem internacional é difícil de se prever, o autor aponta algumas trajetórias e dilemas a serem enfrentados em um amanhã próximo.

Apesvar de reconhecer brechas entre possíveis futuros, Ikenberry busca construir uma posição de policy Norte Americana através da elaboração de um paradigma da atual ordem internacional. Para ele essa ordem liberal atual é aberta e governa com base no consentimento, tendo como base as instituições internacionais e um elemento mais abstrato: a civilização ocidental e democrática. Em sua análise existe uma linha tênue entre um realisto Waltziano e um neoinstitucionalismo Keohaniano, uma vez que o autor não descarta os elementos como a balança de poder nem a institucionalização do sistema internacional e sua subsequente amenização dos efeitos do reequilíbrio automático das forças. No entanto para lidar com essa contradição o autor apresenta a conceituação entre hierarquia e hegemonia do SI. A hierarquia teria como sua posição mais aguda o império, enquanto a hegemonia representaria forma mais tênue de hegemonia na qual haveria alinhamento dos principais greatpowers com hegemon. É surpreendente o autor não ter citado a obra de Gramsci uma vez que essa perspectiva se assemelha em muito á perspectiva que Robert Cox transportou às relações internacionais.

A parte mais interessante do livro advém da apresentação dos dilemas e possíveis trajetórias do atual sistema internacional. As categorias apresentadas demonstram capacidade de reconhecer os atuais dilemas do sistema, mas mereceriam ser mais desenvolvidas. Por outro lado, das trajetórias apontadas fica clara a intenção do autor em influenciar a policy dos EUA, com o intuito de apontar os erros do passado e dos dilemas do futuro. Ao acusar o governo da gestão anterior, Bush 2001-2009, de tentar reformular o sistema internacional a favor de uma hierarquização do sistema em benefício dos EUA, o autor ainda teme proclamar as intenções imperiais dessa postura. Ainda que, quando aponta a sua trajetória predileta, a de uma estratégia milieu, pouco faz para tentar trabalhar o conceito de hierarquia do sistema. Nessa mesma linha, sua percepção de recursos internacionais é muito mal trabalhada, ele escreve policy sem entrar em contato com as reais capacidades materiais dos EUA. Problemas que podem ser apontados estão ligados a: liderança monetária (estabilidade do sistema e capacidade de agir como credor de ultimo recurso); liderança econômica de forma geral (decrescente no depósito de patentes e diminuição do tamanho de seu mercado em relação a outras economias); além da predisposição do autor em tomar como certa a supremacia da capacidade militar dos EUA (quadro atual de redução do orçamento em 1/3 além de dificuldades em lidar com as novas ameaças).

Com base nessa percepção abstrata das capacidades materiais, parece que Ikenberry vê a distribuição de funções no sistema internacional como via David Ricardo

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com as vantagens comparativas. Os EUA ofereceriam ao sistema internacional os bens no qual possui primazia, em troca receberia concessões em outras áreas, principalmente um papel ativo na governança global. Essa percepção é míope no sentido de subdimensionar as questões relativas da real capacidade de concentração dos recursos necessários para reformular o sistema internacional. A forma que o autor trabalha essa questão é diminuindo essas assimetrias através da crença no formato das instituições que formam a atual ordem liberal democrática e ocidental, uma ordem aberta e baseada no consenso com liderança dos EUA. Cenário que aumentaria a capacidade de renegociar os termos da hegemonia norte americana através do elemento consensual. O que autor esquece, que em seu livro After Hegemony, Keohane aponta para essa questão, abre o debate para a pergunta sobre a capacidade da manutenção das instituições internacionais mesmo após o fim da hegemonia que formou essas instituições. Keohane não tentou responder essa questão com claridade. Já Ikenberry acreditou ter realizado essa conceptualização, mas deixou muitas brechas no caminho para podermos concordar, mesmo porque sua construção está mais interessada em escrever policy e mudar os rumos da política externa dos EUA. Apenas a história poderá responder essa questão com segurança sobre a relação entre instituições e hegemonia, já que nunca antes o sistema internacional esteve sob a atual configuração.

Conclui-se, de forma geral, que Ikenberry buscou conceituar todo o cenário de hegemonia norte americana na história atual e apontar os rumos dessa hegemonia. Apontando três opções para o futuro ele embarca em um exercício de criação de teoria, mas o qual não buscou trabalhar durante sua obra. Sua principal conquista foi estabelecer conceitos bem definidos do que se trata a ordem liberal internacional que está baseada em regras abertas e consenso além de sua relação com a unipolaridade do sistema e a hegemonia do sistema internacional.