RESENHA Literatura Colonial

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  • Carta do Achamento do Brasil por Pero Vaz de Caminha e Histria da Provncia de Santa Cruz, a que vulgarmente chamamos Brasil de Pero Magalhaes de Gandavo

    RESENHA CRITICA1

    Por:

    Nilson Barbosa dos Santos2

    Jamiltom Ferreira

    Considerando o incio do sculo XVI como o perodo histrico de nascimento da literatura

    brasileira, podemos apontar vrios autores cujas obras so objeto de estudo da chamada literatura de

    informao, escrita sob a forma de dirios, cartas, crnicas e tratados. Apesar dessa literatura no ser

    considerada nativa em razo de seus autores serem em sua maioria portugueses, contudo seu estilo

    influenciou as primeiras produes da literatura brasileira que recuperaram sob o olhar do escritor

    brasileiro novas identidades da terra e do nativo, a exemplo dos poemas de Pau-Brasil de Oswald de

    Andrade e da obra Macunama do autor Mrio de Andrade.

    Dentre os autores da literatura de informao, duas obras so selecionados para uma anlise

    crtica comparada, considerando suas motivaes de escrita, aspectos formais de produo, valores

    ideolgicos eurocntricos, representaes criadas em torno do nativo, a descrio da terra ou novo

    mundo e os interesses envolvidos na colonizao. A primeira obra a Carta do Achamento do Brasil

    de Pero Vaz de Caminha e a segunda Tratado da terra do Brasil: Histria da Provncia de Santa

    Cruz, a que vulgarmente chamamos Brasil de Pero Magalhes de Gandavo.

    Alm da abordagem literria caracterstica desse perodo e mencionada por autores como Jos

    Aderaldo Castelo no livro Manifestaes Literrias da Era Colonial, existem crticos como Kothe,

    que defendem que o texto no se trata apenas de uma fico literria, mas de uma fico jurdica que

    confere aos portugueses uma apropriao da terra. Tendo em vista essas duas vertentes podemos

    traar algumas comparaes tanto nos aspectos formais desses textos literrios, quanto refletir sobre

    os valores morais, religiosos e econmicos a envolvidos. Assim, cabe sintetizar particularmente cada

    obra antes de traar uma anlise comparativa que fundamente os ps e os contras do perodo colonial.

    A Carta de Achamento do Brasil escrita por Pero Vaz de Caminha o primeiro texto de carter

    informativo da colnia recm descoberta, escrita entre os meses de abril e maio de 1500 e

    endereada ao rei de Portugal, D. Manuel I. Escrivo da armada de Pedro lvares de Cabral, Caminha

    tem como objetivo informar ao rei a nova do Achamento, as primeiras impresses da terra e o contato

    1 Trabalho apresentado como requisito parcial para aprovao na disciplina de Literatura Colonial da professora Ana Lcia M. de Souza Neves, curso de letras, UEPB, 2015.1 2 Graduandos de Letras, (2015.1) /4 Perodo.

  • com os nativos, tendo em vista a colonizao, por isso utiliza uma linguagem clara e objetiva, porm

    com certos tons de ironia, o uso de anedotas e as ricas descries, caractersticas do discurso que

    justificam o olhar do europeu sob o outro.

    Quanto aos aspectos formais e literrios, o documento apresenta a narrao como um relato

    de viagem, um gnero caracterstico desse perodo, que estar presente em vrias obras da poca, a

    exemplo dos Lusadas de Cames. Nestes textos as grandes navegaes em busca do paraso e as

    lutas enfrentadas pelos heris aludem o imaginrio e enriquecem a narrativa literria. A carta

    comporta um remetente e destinatrios determinados como o discurso de quem tem a

    responsabilidade de ser um porta-voz do rei, apelando para recursos argumentativos de

    convencimento.

    Na carta, as primeiras descries envolvem as primeiras impresses sobre a terra e o contato

    com os nativos. A Terra de Vera Cruz, nome dado pelos portugueses, rica pelos rios de agua doce,

    pela grande extenso, com belas praias pela costa, com muito cho e muito formosa:

    Porm a terra em si de muito bons ares, assim frios e

    temperados como os de entre Douro e Minho, porque neste

    tempo de agora os achvamos como os de l. guas so muitas;

    infinitas. E em tal maneira graciosa que, querendo-a

    aproveitar, dar-se- nela tudo, por bem das guas que tem.

    J no primeiro contato com os ndios, o texto descreve:

    Eram pardos, todos nus, sem coisa alguma que lhes

    cobrisse suas vergonhas. Nas mos traziam arcos com suas

    setas. Vinham todos rijos sobre o batel; e Nicolau Coelho lhes

    fez sinal que pousassem os arcos. E eles os pousaram.

    ...

    A feio deles serem pardos, maneira de

    avermelhados, de bons rostos e bons narizes, bem-feitos. Andam

    nus, sem nenhuma cobertura.

    ...

    Ali andavam entre eles trs ou quatro moas, bem

    moas e bem gentis, com cabelos muito pretos, compridos pelas

    espduas, e suas vergonhas to altas, to cerradinhas e to

  • limpas das cabeleiras que, de as muito bem olharmos, no

    tnhamos nenhuma vergonha.

    Ali por ento no houve mais fala ou entendimento com

    eles, por a barbaria deles ser tamanha, que se no entendia nem

    ouvia ningum

    De acordo com os trechos descritos acima, podemos considera-los relevantes quanto aos

    detalhes que retratam o ndio quanto aos seus aspectos fsicos e a sua cultura. Mas para alguns crticos

    como Koch qual o seu modelo comparativo? Por que seriam bons os rostos? Seriam ruins os

    narizes grossos de certas tribos africanas? Ser que no necessrio questionar os critrios que fazem

    classificar certas feies como boas e outras como ruins? No est a embutida uma forma de

    racismo?.

    Alm disso, vrios fatores so descritos na carta para tentar justificar a necessidade da

    colonizao, dentre elas a passividade generalizada dos ndios em pousarem os arcos, que pode ser

    colocada em dvida, j que os portugueses enfrentaram vrias rebelies de diversas tribos indgenas.

    A carta deixa explicito tambm os interesses econmicos pela explorao dos recursos

    minerais e naturais da terra:

    Porm um deles ps olho no colar do Capito, e

    comeou de acenar com a mo para a terra e depois para o

    colar, como que nos dizendo que ali havia ouro. Tambm olhou

    para um castial de prata e assim mesmo acenava para a terra

    e novamente para o castial como se l tambm houvesse

    prata.

    Por fim, a religiosidade algo que permeia o contedo da carta, reforando o Achamento

    segundo uma vontade Divina e a necessidade de converso dos ndios igreja catlica, alegando

    que eles no tinham nenhuma idolatria ou adorao. Mas notvel que a religio para os europeus

    nesse perodo tinha um poder poltico, pois foi atravs dela que os jesutas disciplinaram os ndios e

    os usaram para expulsar outros domnios interessados na colnia como a Frana e a Holanda, cuja f

    era a calvinista protestante:

    Parece-me gente de tal inocncia que, se homem os

    entendesse e eles a ns, seriam logo cristos, porque eles,

    segundo parece, no tem, nem entendem em nenhuma crena.

  • E pois Nosso Senhor que lhes deu bons corpos e bons rostos,

    como a bons homens, por aqui nos trouxe, creio que no foi sem

    causa.

    A obra de Gandavo, ao contrrio da carta de caminha, dotada de uma erudio mais formal,

    prpria de uma crnica, por isso considerado um trabalho cientifico mais elaborado, o que lhe

    rendeu o ttulo de primeiro historiador do Brasil. Gandavo escreveu um Tratado da Terra do Brasil e

    uma Histria da Provncia de Santa Cruz, a que vulgarmente chamamos Brasil. O tratado foi escrito

    primeiro, antes de 1573, porem trataremos da Histria, pois esta retoma informaes gerais j contidas

    no Tratado.

    Histria da Provncia de Santa Cruz composta por 14 captulos que relatam o modo de vida

    na colnia aps 70 anos do descobrimento e endereada a Dom Lionis Pereira. A obra traz tona os

    detalhes do descobrimento presentes na Carta de Caminha no primeiro captulo, defendendo o nome

    de Provncia de Santa Cruz dado por Cabral e que havia sido substitudo pelos portugueses por Brasil,

    em razo da tinta vermelha retirada da explorao do Pau-Brasil ser utilizada para tingir tecidos.

    Nos segundo captulo, Gandavo traa as caractersticas geogrficas da terra, quanto ao seu

    posicionamento nas amricas, chegando a comparar o pais a figura de uma harpa, traando a

    orientao dos ventos a temperana dos ares e detalhando as principais riquezas da terra, dentre elas

    as fontes infinitas de aguas e os rios, mencionando os principais como os rios Amazonas, Maranho,

    So Francisco e Paraguai.

    No terceiro capitulo um breve comentrio dado para as oito capitanias hereditrias, tratando

    de suas povoaes, stios e povos e dos capites que as conquistaram. Assim, pela ordem as capitanias

    so citadas como: Tamarac, conquistada por Pero Lopes de Sousa. Pernambuco comandada por

    Duarte Coelho. A terceira capitania que adiante se segue, da Bahia de Todos os Santos, referenciada

    como sendo a terra de el-Rei nosso Senhor: na qual residem o governador, e bispo, e ouvidor-geral

    de toda a costa, tendo por capito Francisco Pereira Coutinho o qual foi vencido na guerra contra os

    ndios, mas restituda pelo primeiro Governado Geral Tom de Sousa. A quarta capitania a dos

    Ilhus, cujo capito foi Jorge de Figueiredo Correia, Fidalgo da Casa do Rei. A quinta Capitania,

    chamada de Porto Seguro conquistou Pero do Campo Tourinho. A sexta capitania a do Esprito

    Santo, a qual conquistou Vasco Fernandes Coutinho. A stima Capitania a do Rio de Janeiro: a qual

    conquistou Mem de S. A ltima Capitania a de So Vicente, a qual conquistou Martim Afonso de

    Sousa.

    No capitulo quarto, Sobre o modo como vivem os moradores da terra, cabe aqui ressaltar a

    construo das residncias com a arquitetura das existentes em Portugal, assim como as ruas

  • compridas e formosas. As terras eram dadas e repartidas pelos capites aos moradores que

    cooperavam em ajudar uns aos outros de modo que nenhum pobre na provncia chegava a mendigar,

    dando a entender que viver na colnia seria melhor do que no reino lusitano.

    Do quinto ao novo capitulo o autor relata de forma admirvel os recursos naturais da terra

    acerca das plantas, frutos e animais alm da alimentao a base de plantas, frutas e ervas, destacando

    alguns mais estimadas pelos portugueses pelo seu mantimento como: a mandioca para fabricao da

    farinha e do beiju, o aipim utilizado para fazer bolos melhores que o po fresco do Reino, bananas,

    abacaxis e cajus, alm de muitas outras frutas; as fazendas eram plantadas de cana-de-acar, algodo

    e a explorao do pau-brasil, outras arvores eram exploradas para a extrao de um blsamo utilizado

    para a cura de enfermidades, as arvores eram chamadas de copabas e caborabas. Alguns animais

    desconhecidos pelo reino portugus tambm so descritos como os tatus, tigres, preguia, tamandus,

    cobras enormes, variedades de peixes e aves.

    Do dcimo ao decimo quarto capitulo o autor descreve o modo de vida de algumas tribos

    indgenas, relatando seus costumes e dissenses entre si. Gandavo retrata o modo de vida dos

    indgenas como um povo muito descansado que s se preocupa em comer, beber e matar gente,

    chamando a ateno para a falta de trs letras na sua lngua: R, L e F, assim, segundo ele, um povo

    sem rei, sem lei e sem f. A cultura e a falta de uma religio e governo entre os ndios justificam,

    segundo o autor, a barbaria e a crueldade dos indgenas como povo que vive sem razo e os compara

    aos animais, sem apreo aos seus cativos e sempre procurando vingana contra os seus inimigos,

    dentre essas temidas tribos cita os aimors.

    Comparando os elementos da Carta de Caminha Histria de Gandavo, percebemos vrias

    semelhanas com relao a Terra, a o nativo e aos interesses da explorao. Em ambos os textos h

    uma propaganda de imigrao e conquista do novo mundo atravs das descries dos recursos

    naturais como as fontes infinitas de gua, a vasta dimenso territorial, a descrio das cidades e o

    conforto das casas, expectativas de entusiasmo e admirao que o cronista transmite para seus

    conterrneos. Tal apelao oferece para os mais pobres do reino de Portugal, que desejarem morar na

    provncia, terras emprestadas ou dadas pelos capites das capitanias. Na Histria, de acordo com os

    textos, as condies de vida na Provncia de Santa Cruz eram melhores que em Portugal, j que

    nenhum pobre anda pelas portas a mendigar como nestes reinos. Na Carta, embora com certo tom

    de ironia, Caminha tambm chega a traar comparaes entre as ndias e as mulheres portuguesas

    que a muitas mulheres da nossa terra, vendo-lhe tais feies, fizera vergonha, por no terem a sua

    como ela., como se as de l fossem inferiores.

  • A explorao de recursos naturais e minerais algo comum nos textos. Enquanto a Carta

    revela o interesse dos portugueses no ouro e na prata atravs das passagens j mencionadas acima, a

    Histria reserva o ultimo capitulo para falar das riquezas das terras do serto como o ouro, a prata, o

    cobre, as esmeraldas e os diamantes: sei que assim destas como doutras h nesta provncia muitas e

    mui finas, e muitos metais, donde se pode conseguir infinita riqueza.

    Uma diferena que pode ser notado nos textos a descrio dos nativos. Em Caminha os

    ndios encontrados a margem da costa so descritos como passivos e abertos a f catlica. Gandavo

    define algumas tribos, alm da costa, como sendo cruis, desonestos e que com qualquer dissuaso

    religiosa facilmente o tornam logo a negar a f recebida pelos padres catlicos, esta objetividade no

    a mesma vista na Carta. Para Jos Aderaldo Castelo, no podemos afirmar, no que diz respeito

    sua valorizao propriamente literria, que a sequer se vislumbre a simpatia que j notamos nas

    apresentaes anteriores do indgena americano.

    Concluindo, na carta temos uma viso geral do deslumbre dos recursos encontrados na terra

    e do contato com os nativos. Na Histria vemos esses elementos sendo tratados de forma mais

    detalhada e particular de acordo com as experincias vividas pelo autor. O texto de Gandavo refora

    a narrativa do descobrimento, em que persiste a ideia de povoar a provncia, assim como na carta o

    de conquistar a terra recm-descoberta. Os textos se reforam e revelam o olhar e as intenes do

    europeu sobre a descoberta do novo mundo, que podem ser descritas como econmicas e

    exploratrias em relao a terra e morais e de valor em relao aos ndios.

    Portanto tais reflexes sobre os textos so de muita relevncia para a compreenso do contexto

    poltico-social que se encontra o pais nos dias de hoje, levando tambm em considerao as questes

    relacionadas a educao, a moral e a produo de identidades culturais, vistas como construes

    histricas e to presentes na literatura de informao, vivas na atualidade atravs do preconceito

    racial, da acessibilidade de recursos, da formao de classes e dos gargalos no sistema educacional

    brasileiro. esse olhar crtico que nos permiti refletir sobre quem somos ou o que nos representa para

    podermos desconstruir, resignificar e quebrar paradigmas ainda to prximos do perodo colonial.