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Universidade Federal Fluminense Mestrado em Antropologia Disciplina de Teoria Antropológica Clássica Professor Júlio Tavares Alunxs: Clara Mª Abdo Guimarães; Herson Herbster Chaves de Oliveira Bastos. Resenha dos Capítulos 1 a 5 do livro “Aprender Antropologia”, de François Laplantine. François Laplantine introduz o capítulo 1 abordando os marcos da história que deram início ao pensamento que seria, mais tarde, a construção da antropologia enquanto ciência. Ele os trata como fatos da pré-história da antropologia e aponta a origem dos discursos sobre povos “distantes”, que surgiram entre os séculos XIII e XVII. Os primeiros relatos, vindos de viajantes e missionários, questionavam se esses povos pertenciam à humanidade e se a eles poderia ser atribuído um estatuto humano. O contexto no qual surgiram essas questões permeava o campo religioso, sendo então a religião, um dos critérios utilizados para pautar a humanidade dos selvagens. Em meados do século XIV, duas ideologias começam a ser estabelecidas sobre a posição em que esses povos estariam compreendidos nesse estatuto humano. Ambas baseavam-se nos princípios da sociedade europeia daquele período – aparência física, comportamentos alimentares, linguagem, moral, razão, leis -, mas discordavam quando comparavam

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Universidade Federal Fluminense

Mestrado em Antropologia

Disciplina de Teoria Antropolgica Clssica

Professor Jlio Tavares

Alunxs: Clara M Abdo Guimares; Herson Herbster Chaves de Oliveira Bastos.

Resenha dos Captulos 1 a 5 do livro Aprender Antropologia, de Franois Laplantine.

Franois Laplantine introduz o captulo 1 abordando os marcos da histria que deram incio ao pensamento que seria, mais tarde, a construo da antropologia enquanto cincia. Ele os trata como fatos da pr-histria da antropologia e aponta a origem dos discursos sobre povos distantes, que surgiram entre os sculos XIII e XVII. Os primeiros relatos, vindos de viajantes e missionrios, questionavam se esses povos pertenciam humanidade e se a eles poderia ser atribudo um estatuto humano.

O contexto no qual surgiram essas questes permeava o campo religioso, sendo ento a religio, um dos critrios utilizados para pautar a humanidade dos selvagens. Em meados do sculo XIV, duas ideologias comeam a ser estabelecidas sobre a posio em que esses povos estariam compreendidos nesse estatuto humano. Ambas baseavam-se nos princpios da sociedade europeia daquele perodo aparncia fsica, comportamentos alimentares, linguagem, moral, razo, leis -, mas discordavam quando comparavam esses pontos com os povos distantes, sendo uma propensa a recusa dos selvagens e a outra condescendente e paternalista a eles.

nesse cenrio que surge a figura do i) mau selvagem e do bom civilizado, em contraponto figura do ii) bom selvagem e do mau civilizado. Laplantine inicia o tpico i), trazendo a designao da expresso brbaro, que na antiguidade grega, era visto como aquele que no fazia parte da helenidade. Essa diferenciao entre humanidade e aquele que no pertence a ela, sendo associado selvagem ou naturais permanece, na realidade, at os dias de hoje, segundo o autor, mas com outras variaes de nome.

Como j falamos anteriormente, era com base nos critrios comparativos dos princpios da sociedade que se estabeleciam as diferenas entre selvagem e civilizado: no tendo acesso linguagem, sendo assustadoramente feio e alimentando-se como um animal, o selvagem apreendido nos modos de um bestirio (Laplantine, p. 28, 1943). O autor ainda cita trechos da Histria da Espcie Humana, de Cornelius de Pauw, e Introduo Filosofia da Histria, de Hegel, mostrando como esses discursos preconceituosos e colonialistas ainda eram fomentados nos sculos XVIII e XIX. No tpico ii), Laplantine discorre sobre a perspectiva que trata o selvagem como um ser feliz, que vive e desfruta da natureza. Ele ressalta que a diferena entre civilizado e selvagem ainda permanecia, mas, neste caso, o civilizado era aquele cujas crticas eram direcionadas. A ideia do bom selvagem ser melhor trabalhada com Rousseau, no sculo XVIII. No entanto, ela no deixa de estar presente em alguns relatos anteriores a esse perodo, como o caso de Lry e de Montaigne, no sculo XVI, que elogiam a ingenuidade original do estado da natureza e criticam a civilizao.A ideia associada ao selvagem como um ser livre, prximo natureza, comea a ser difundida nos sculos XVII e XVIII, ingressando os campos da filosofia e da arte. Em consonncia, outros aspectos passam a ser tambm observados nos relatos, como as paisagens e seus encantos, comparando-as a parasos. Laplantine pontua que esse imaginrio de viagem aproxima a aceitao do pblico aos povos estranhos e etnologia. Os questionamentos advindos com as experincias dos viajantes contriburam para o fazer antropolgico. Um fazer ainda embrionrio que o autor chamar de um saber pr-antropolgico.

A partir do sculo XVIII, o projeto antropolgico comea a ser desenvolvido. neste perodo que a compreenso do homem comea a ser trazida por outro ngulo. O captulo 2 iniciado trazendo as suposies desse projeto sob o ngulo ao qual o homem comea a ser pensado. Passou-se a consider-lo no apenas sujeito, mas objeto do saber: o sujeito que observa o objeto, que por si s tambm sujeito; a observao assume um papel importante no processo da cientificizao da antropologia. Assim comea a constituio dessa positividade de um saber emprico (e no mais transcendental) sobre o homem enquanto ser vivo (biologia), que trabalha (economia), pensa (psicologia) e fala (lingustica) (Laplantine, p. 40, 1943).Consideramos importante relembrar o ponto em que o autor contextualiza essa poca, como momento em que a sociedade vive uma crise da identidade do humanismo. A questo da diferena entre os povos traz novas noes sobre esse padro civilizado, que era disseminado na Europa como o caminho que levaria ao progresso. com Rousseau, a partir do seu Discurso sobre a Origem e os Fundamentos da Desigualdade, que surge o mtodo indutivo, caracterstico por ser feito atravs de observao e anlise.Os grupos sociais, considerados como sistemas naturais, deveriam ser estudados empiricamente. O intuito era que princpios gerais fossem extrados dessas observaes realizadas. Os filsofos que adotavam esse mtodo ficaram conhecidos como naturalistas, pois procuravam fundar uma moral natural, um direito natural, ou at uma religio natural. O naturalismo, movimento que se instaura na Inglaterra com Adam Smith e, antes dele, com David Hume, consistia em estudar o homem atravs da sua experincia sensorial. neste movimento que surgem os primeiros traos do que viria ser a antropologia social e cultural e, ainda, uma ruptura com o monoplio da antropologia fsica desenvolvida mais fortemente na Frana.Questes de como coletar e como organizar o que foi coletado passam a ser preocupaes desse novo mtodo, o qual Chavane, em 1789, chamar de etnologia. Neste perodo, viajantes e filsofos passam a trabalhar juntos, sendo o primeiro responsvel pela coleta e o ltimo pela anlise. Alguns conflitos de ideias surgem, quando por exemplo, Rousseau comenta que seria interessante se os viajantes fossem filsofos, pois havia a valorizao da apreenso da tcnica analtica dos dados coletados. Em contraponto, Bougainville afirma que seria melhor se os filsofos fossem viajantes.A Sociedade dos Observadores do Homem (1799-1805) criada na transio do sculo XVIII para o XIX. Formada pelos idelogos, que eram filsofos, naturalistas, moralistas, mdicos, vemos delinear-se o que deveria ser considerado o campo. De Geraldo, em 1800, publica a primeira metodologia de viagem, reforando quem deveria realizar as observaes: os cientistas naturalistas. No entanto, seu projeto no posto em prtica. Laplantine afirma que o sculo XVIII foi importante para a formao da cincia humana, mas, o conceito do homem ainda permanecia na esfera filosfica. O discurso antropolgico desse perodo ainda est vinculado ao discurso histrico, que concebe a histria natural, desvinculada da teologia e caminhando em busca de um progresso universal. no captulo 3, que vemos primeiramente o autor, Laplantine, nos alertar que pela primeira vez na histria, nesse caso no sculo XIX, teremos enfim o estabelecimento verdadeiro e reconhecido da cincia que conhecemos como antropologia, possuindo essa, uma caracterstica prpria; a cincia do chamado primitivo, dos povos que possuiriam agora estudos de suas estruturas sociais/culturais (biologia, economia, poltica). Em contrapartida, a sociedade ocidental, evoluda, caminha para uma maior diferenciao e separao entre essas categorias.

Posterior a isso, teremos obras antropolgicas, de autores famosos como Tylor, que tero um objetivo principal obter o estabelecimento do chamado corpus etnogrfico, ou seja, a legitimao da etnografia como mtodo necessrio e desejvel no fazer antropolgico. Contudo, a partir desse esforo, que teremos conscincia de que a antropologia fica sendo, assim, a cincia de nossa origem humana. No uma cincia desprovida de preconceitos, mas sim, elaborada ainda por meio de um pensamento que prev a existncia de estgios mais simples, primitivos, chegando at os estados mais avanados da civilizao humana, no caso, o modelo europeu de vida e cultura. A palavra de ordem nesse perodo civilizao.

Religio e parentesco, cada um com suas comparaes e afastamentos, ficam sendo assim, nesse perodo primeiro da antropologia, as duas pedras-de-toque no que se refere ao esforo para entender as ditas sociedades primitivas. No interior dessas grandes reas ditas, categorias como mitos, magia, vo funcionar como ativadoras e facilitadoras para o entendimento dessas sociedades antigas, por meio daquela corrente intelectual que denominamos de evolucionismo. No obstante, o evolucionismo, em seu interior, ir considerar as sociedades ditas arcaicas como meros estgios de evoluo para um perodo superior, sendo que o objetivo final a ser alcanado por elas, ser como dito, a civilizao europeia, bem como todas as suas caractersticas de comportamento, de economia, produo, entre outras coisas.

Pela tentativa de no impregnar-se das categorias mentais, e mesmo, de ter contato direto com os indivduos no civilizados, o sculo XIX e a teoria evolucionista, acaba por estimular seus tericos, a no manter contato com os povos estudados, devendo assim, colher dados por meio de expedies de outras pessoas, o que acabava por limitar o papel e a funo da etnografia, pois nesse cenrio, a compreenso profunda das sociedades, inseridas em um determinado tempo e espao, superior a reflexo sobre como o mtodo etnogrfico pode ser importante para o estabelecimento da antropologia como cincia recm legitimada.

Algo totalmente positivo, e por uma questo temporal, irnica, em relao ao evolucionismo, que para ele a evoluo, o desenvolvimento de uma sociedade estava necessariamente amarrada a fatores tcnicos, econmicos, e sendo assim, no caindo no reducionismo preconceituoso de acreditar que o progresso dependia da existncia e prevalncia de determinadas raas humanas nos mais diversos locais do globo terrestre. Sendo assim, o evolucionismo , com todas as palavras possveis, claramente anti-racista.

Outro ponto ressaltado que para estabelecer uma cincia, paradigmas so necessrios. Nesse sentido, a teoria da evoluo advinda de Darwin se constitui como a base fundamental para pensarmos e entendermos o surgimento da antropologia como cincia. De forma irnica mais uma vez, veremos que mesmo se utilizando em um primeiro momento dessa teoria, a prpria antropologia a primeira a buscar se livrar desse conceito de evoluo.

No captulo 4, ao seu incio, o autor nos mostrar uma mudana totalmente fundamental para a antropologia: o antroplogo percebe que mais importante do que o acesso s informaes, advindas de viajantes, missionrios, est a necessidade de conviver com os povos estudados, deve-se ento abandonar o famoso gabinete, e assim, ir a campo, adquirir intimidade com o objeto de pesquisa, entender e aprender se possvel, sua lngua. Como vai nos dizer Malinowski, a antropologia vai se tornar uma atividade de natureza imensa, virgem e aberta.

Nesse momento, surge um nome de extrema importncia para a antropologia, no s pelo seu modo de fazer etnografia, (vivendo de fato entre os nativos, entendendo suas vidas, conflitos, lngua), mas tambm pelo modo de teorizar, relativizando as lgicas das culturas, atribuindo a elas, uma importncia nica. Franz Boas seu nome. Para ele, o antroplogo por excelncia aquele cientista capaz de escrever uma monografia acerca de uma micro sociedade, e assim, dar conta de sua totalidade e assim, reunir o terico e o lado observador. Em acrscimo a tudo, Boas vai nos dizer que dentro da cincia, no podemos pensar em objetos dignos e indignos, mas apenas objetos em si.

Outro ponto importante, e que no passou vazio por ele, foi a de o etnlogo, ou seja, a pessoa que visa teorizar sobre uma sociedade, deve possuir o interesse e o acesso a lngua do povo que por ele ser estudada.

Por fim, deve-se a ele o surgimento da chamada antropologia americana, na qual, por meio de seus esforos intelectuais, outros estudiosos viro a se destacar e assim, igualmente ao seu mestre, entrar para a histria da antropologia. Nesse sentido, nomes como Kroeber, R. Benedict e M. Mead, fazem-se ressaltar.

Outro grande autor, j citado, Malinowski, igualmente como Boas, entrou para a histria da antropologia, menos por sua capacidade terica (esse era adepto do funcionalismo, que pouco contribuiu para a explicao minimamente suficiente das sociedades da poca), mas sim, por sua capacidade etnogrfica, descritiva, tendo como obra fundamental Os Argonautas do Pacfico Ocidental. Para tanto, o autor passou um tempo entre seus informantes, na Oceania, em um conjunto de ilhas, nas quais ele pode observar rituais, como por exemplo o Kula, que mobilizava toda a sociedade do local. Alm disso, foi possvel observar pelo estudioso que um costume nico, pode se apresentar como algo conjunto dentro de uma sociedade.

Outras questes so levantadas por Malinowski, como por exemplo, a relao que se deve fazer necessria, entre o social, biolgico e psicolgico dos indivduos, sendo que nesse sentido, seu apego funcionalista volta-se a questo do biolgico, entendendo que a sociedade um corpo com funes. Outro ponto tocado pelo autor, visando combater em parte o carter preconceituoso do perodo, atenta-se a questo da alteridade, ou seja, a identificao do antroplogo com seu objeto de pesquisa, e com isso, no diz Laplantine sobre ele: Malinowski inverte essa relao: a antropologia supe uma identificao (ou, pelo menos, uma busca de identificao) com a alteridade, no mais considerada como forma social anterior civilizao, e sim como forma contempornea....

No captulo 5, o autor nos falar sobre dois nomes de grande importncia tanto para a antropologia como para a sociologia: mile Durkheim e Marcel Mauss, sendo o primeiro, tio do seguinte. Durkheim, pai da Sociologia, entende que o ponto principal para entender uma sociedade, no se d no indivduo em si, mas sim, nas estruturas sociais que permeiam as sociedades, sendo assim, elabora a teoria dos fatos sociais, que so eventos, coisas, dentro da sociedade que possuiriam trs caractersticas principais: exterioridade, coercitividade e generalidade.

Mauss por sua vez, estende esse conceito, elaborando a teoria do fato social total, em que determinados acontecimentos, estariam ligados as mais diversas estruturas sociais, como o jurdico, econmico, religioso. Alm disso, com essa teoria aspectos denominados de fsicos e psicolgicos, acabam assumindo uma importncia dentro desse tipo de estudo antropolgico.