Resenha_templos de Civilização

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SOUZA, Rosa Fátima de. Templos de civilização: a implantação da escola primária graduada no Estado de São Paulo (1890-1910). São Paulo: UNESP, 1998. Ricardo Carneiro Antonio A partir de 1890, entre as várias medidas de reforma da instrução pública no Estado de São Paulo, foram criados os então chamados Grupos Escolares que viriam a provocar profundas modificações no sistema educacional brasileiro através de inovações nas práticas de ensino. Baseada nas experiências de países europeus e principalmente dos Estados Unidos, esta iniciativa fazia parte de um projeto mais amplo pretendido pelo recém-instituído regime republicano. Através de transformações profundas nos objetivos, na concepção educacional e na organização da escola, pretendia-se atingir a universalização do ensino e alinhar a nação, no que dizia respeito a um projeto educacional, com as propostas avançadas de outros países, nos quais esta experiência já era uma realidade. A implantação desta nova forma de escola provocou um entusiasmo na sociedade da época pois, além de satisfazer a necessidade de novas vagas escolares, dava resposta a um anseio de modernidade que identificava a democratização do ensino com a prosperidade do país. Os idealizadores das reformas educacionais acreditavam que seria imprescindível a renovação do ensino primário para atingir a pretendida reforma social. Esse é o tema do livro Templos de civilização, no qual a autora, Rosa Fátima de Souza, analisa a estrutura e a forma da escola primária criada no estado de São Paulo pelo projeto educacional republicano. Através do conceito de representações culturais observados em Roger Chartier, Rosa Fátima reconstrói a institucionalização de um modelo que, através da introdução de diversas inovações na escola primária, marcou uma nova realidade no Brasil, ajudando a legitimar o recém-inaugurado regime republicano. Baseando-se em fontes documentais como jornais, periódicos, atas de congressos e ofícios, a autora estuda o processo de implantação deste novo modelo, relacionando o estudo da Escola com o momento político que a criou. Considerando o desejo republicano de legitimar o novo regime rompendo definitivamente com o Império, e a intenção de conduzir o país a um estágio comparável aos “povos civilizados” que já adotavam modelos educacionais considerados revolucionários, o trabalho de Rosa Fátima constata que a escola gradua-da, mesmo introduzindo inovações educacionais, não chegou a atingir a propalada democratização do ensino. Ainda assim, ocorreram realmente modificações marcantes no universo escolar no Estado de São Paulo, como demonstra o primeiro capítulo, no qual é abordada a participação dos professores no processo de instalação das novas práticas. Chama a atenção a concretização da participação das mulheres como professoras, instituindo assim uma das primeiras profissões “respeitáveis” que empregaria o trabalho feminino. Apesar de todas as dificuldades encontradas na instalação das reformas, desde a falta de espaço físico e material didático até a formação inadequada dos professores, a autora identifica na atuação destas primeiras gerações de professores da escola graduada uma contribuição decisiva para a dignificação da profissão e para a criação de novas práticas dentro e fora da sala de aula, reconhecendo neles a postura de verdadeiros “artífices da moral, dos valores cívicos e da civilização”. Um dos pontos interessantes nesta análise é a relação entre a memória que ficou dos grupos escolares e a identidade visual das escolas. Com a necessidade de registrar um novo momento para a escola primária brasileira, surgiu uma nova concepção arquitetônica dos edifícios escolares. Rosa Fátima demonstra como a introdução de novas práticas determinou a distribuição dos espaços no interior dos prédios além de alterar as atividades do professor e a hierarquização da direção nos grupos escolares. Salienta que todas as modificações arquitetônicas introduzidas nos edifícios tinham a importante função de fixar a nova visão da escola primária trazida pelo regime republicano. Se, por um lado, a experiência republicana ajudou a construir o valor social da escola, tornando-a uma imagem importante da memória nacional, por outro, sua proposta pedagógica esbarrava em dificuldades denunciadas pelos próprios inspetores e autoridades de ensino e que iam desde a impossibilidade dos professores em cumprir o currículo até a permanência de práticas já abolidas, como a memorização. Tais contradições revelam, segundo Rosa Fátima de Souza, as finalidades políticas de um projeto conservador que perpetuava uma visão do povo brasileiro como “massa amorfa, degenerada e indolente” e que necessitava ser moralizada e civilizada através da educação disciplinadora.

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LIVRO QUE FALA SOBRE A CRIAÇÃO DOS GRUPOS ESCOLARES NO BRASIL

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  • SOUZA, Rosa Ftima de. Templos de civilizao:a implantao da escola primria graduada no Estado de So Paulo (1890-1910). So Paulo:UNESP, 1998.

    Ricardo Carneiro Antonio

    A partir de 1890, entre as vrias medidas de reforma da instruo pblica no Estado de So Paulo,foram criados os ento chamados Grupos Escolares que viriam a provocar profundas modificaes no sistemaeducacional brasileiro atravs de inovaes nas prticas de ensino. Baseada nas experincias de paseseuropeus e principalmente dos Estados Unidos, esta iniciativa fazia parte de um projeto mais amplopretendido pelo recm-institudo regime republicano. Atravs de transformaes profundas nos objetivos, naconcepo educacional e na organizao da escola, pretendia-se atingir a universalizao do ensino e alinhar anao, no que dizia respeito a um projeto educacional, com as propostas avanadas de outros pases, nos quaisesta experincia j era uma realidade.

    A implantao desta nova forma de escola provocou um entusiasmo na sociedade da poca pois, almde satisfazer a necessidade de novas vagas escolares, dava resposta a um anseio de modernidade queidentificava a democratizao do ensino com a prosperidade do pas. Os idealizadores das reformaseducacionais acreditavam que seria imprescindvel a renovao do ensino primrio para atingir a pretendidareforma social.

    Esse o tema do livro Templos de civilizao, no qual a autora, Rosa Ftima de Souza, analisa aestrutura e a forma da escola primria criada no estado de So Paulo pelo projeto educacional republicano.Atravs do conceito de representaes culturais observados em Roger Chartier, Rosa Ftima reconstri ainstitucionalizao de um modelo que, atravs da introduo de diversas inovaes na escola primria,marcou uma nova realidade no Brasil, ajudando a legitimar o recm-inaugurado regime republicano.

    Baseando-se em fontes documentais como jornais, peridicos, atas de congressos e ofcios, a autoraestuda o processo de implantao deste novo modelo, relacionando o estudo da Escola com o momentopoltico que a criou. Considerando o desejo republicano de legitimar o novo regime rompendodefinitivamente com o Imprio, e a inteno de conduzir o pas a um estgio comparvel aos povoscivilizados que j adotavam modelos educacionais considerados revolucionrios, o trabalho de Rosa Ftimaconstata que a escola gradua-da, mesmo introduzindo inovaes educacionais, no chegou a atingir apropalada democratizao do ensino.

    Ainda assim, ocorreram realmente modificaes marcantes no universo escolar no Estado de SoPaulo, como demonstra o primeiro captulo, no qual abordada a participao dos professores no processo deinstalao das novas prticas. Chama a ateno a concretizao da participao das mulheres comoprofessoras, instituindo assim uma das primeiras profisses respeitveis que empregaria o trabalhofeminino. Apesar de todas as dificuldades encontradas na instalao das reformas, desde a falta de espaofsico e material didtico at a formao inadequada dos professores, a autora identifica na atuao destasprimeiras geraes de professores da escola graduada uma contribuio decisiva para a dignificao daprofisso e para a criao de novas prticas dentro e fora da sala de aula, reconhecendo neles a postura deverdadeiros artfices da moral, dos valores cvicos e da civilizao.

    Um dos pontos interessantes nesta anlise a relao entre a memria que ficou dos grupos escolares ea identidade visual das escolas. Com a necessidade de registrar um novo momento para a escola primriabrasileira, surgiu uma nova concepo arquitetnica dos edifcios escolares. Rosa Ftima demonstra como aintroduo de novas prticas determinou a distribuio dos espaos no interior dos prdios alm de alterar asatividades do professor e a hierarquizao da direo nos grupos escolares. Salienta que todas as modificaesarquitetnicas introduzidas nos edifcios tinham a importante funo de fixar a nova viso da escola primriatrazida pelo regime republicano.Se, por um lado, a experincia republicana ajudou a construir o valor social da escola, tornando-a uma imagem importanteda memria nacional, por outro, sua proposta pedaggica esbarrava em dificuldades denunciadas pelos prprios inspetorese autoridades de ensino e que iam desde a impossibilidade dos professores em cumprir o currculo at a permanncia deprticas j abolidas, como a memorizao. Tais contradies revelam, segundo Rosa Ftima de Souza, as finalidadespolticas de um projeto conservador que perpetuava uma viso do povo brasileiro como massa amorfa, degenerada eindolente e que necessitava ser moralizada e civilizada atravs da educao disciplinadora.