Reserva de Administração
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Este contedo est protegido pela lei de direitos autorais. permitida a reproduo do contedo, desde que
indicada a fonte como Contedo da Revista Digital de Direito Administrativo. A RDDA constitui veculo de
excelncia criado para divulgar pesquisa em formato de artigos cientficos, comentrios a julgados, resenhas de
livros e consideraes sobre inovaes normativas.
REVISTA DIGITAL DE DIREITO ADMINISTRATIVO
FACULDADE DE DIREITO DE RIBEIRO PRETO
UNIVERSIDADE DE SO PAULO
Seo: Artigos Cientficos
Reserva de administrao: delimitao conceitual e aplicabilidade
no direito brasileiro
Public administration reserve: conceptual definition and applicability in Brazilian
Law
Paulo Henrique Macera
Resumo: O presente trabalho traz um estudo a respeito da reserva de
administrao, compreendendo-a sob dois aspectos: a reserva de administrao
em sentido estrito e a reserva de regulamento. A primeira est implcita na prpria
noo de separao de poderes, enquanto a segunda, consolidada na Constituio
da Frana e de Portugal, de existncia polmica no direito brasileiro, sobretudo
aps a edio da Emenda Constitucional n 32/2001. Para tal, sero abordados
alguns temas correlatos ao instituto, a conceituao e a aplicabilidade da reserva
de administrao em suas duas espcies e o modo como a Constituio de alguns
pases europeus disciplinam a reserva de administrao. Tambm sero abordadas
as espcies regulamentares no Brasil e a maneira como o Supremo Tribunal Federal
encara o instituto em ambas as suas espcies. Ao final, ser proposta uma anlise
do instituto no Brasil aps a edio da mencionada Emenda.
Palavras-chave: reserva de administrao; reserva de regulamento; regulamento
autnomo; princpio da legalidade; separao de poderes.
Abstract: This paper presents a study about the Public Administration reserve,
understanding it from two aspects: the Public Administration reserve in the strict
sense and regulation reserve. The first is implicit in the notion of separation of
powers, while the existence of the second, consolidated in the French and Portugal
Constitutions, is controversial in Brazilian law, especially after the issuance of
Constitutional Amendment n 32/2001. To this end, it will be discussed some topics
related to the institute, the conceptualization and applicability of the reserve
administration in its two species and how the Constitution of some European
countries disciplines the Public Administration reserve. Regulatory species in Brazil
will also be discussed and how the Supreme Court views the institute in its both
species. Finally, it will be proposed an analysis of the institute in Brazil after the
issue of that Amendment.
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Este contedo est protegido pela lei de direitos autorais. permitida a reproduo do contedo, desde que
indicada a fonte como Contedo da Revista Digital de Direito Administrativo. A RDDA constitui veculo de
excelncia criado para divulgar pesquisa em formato de artigos cientficos, comentrios a julgados, resenhas de
livros e consideraes sobre inovaes normativas.
Keywords: public administration reserve; regulation reserve; autonomous
regulations; legality principle; separation of powers.
DOI: http://dx.doi.org/10.11606/issn.2319-0558.v1i2p333-376
Artigo submetido em: fevereiro de 2014 Aprovado em: maro de 2014
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REVISTA DIGITAL DE DIREITO ADMINISTRATIVO, vol. 1, n. 2, p. 333-376, 2014.
RDDA, vol. 1, n. 2, 2014
RESERVA DE ADMINISTRAO: DELIMITAO CONCEITUAL E
APLICABILIDADE NO DIREITO BRASILEIRO
Paulo Henrique MACERA* Sumrio: 1 Introduo; 2 Questes inerentes reserva de administrao; 3 Reserva de administrao e suas classificaes; 4 Breve abordagem da reserva de administrao no Direito europeu; 5 reserva de administrao e reserva de regulamento no Brasil; 6 Concluso; 7 Referncia bibliogrfica.
1 Introduo
A separao de poderes, embora seja mais desenvolvida no direito constitucional e na
teoria do Estado, tema igualmente relevante para o direito administrativo. A busca
pela limitao do poder estatal e pelo equilbrio de foras no jogo poltico entre os
Poderes, aspectos tpicos do constitucionalismo, foram fatores que tambm
colaboraram para a evoluo, sobretudo em uma etapa embrionria, da cincia jus
administrativa. O objeto desse ensaio um tema afeto separao de poderes.
A reserva de administrao um instituto do direito constitucional e administrativo,
com o qual os sistemas jurdicos de alguns pases europeus esto mais familiarizados
do que o brasileiro. Envolve questes ligadas separao de poderes (tendo por foco o
Poder Executivo), s funes tpicas e atpicas dos poderes, ao princpio da legalidade,
reserva de lei, ao poder regulamentar, organizao da Administrao, etc.
Um dos principais temas ligados reserva de administrao refere-se chamada
reserva de regulamento. Se, por um lado, bastante polmica a existncia de uma
eventual e restrita reserva de regulamento no sistema constitucional brasileiro, por
outro, pacfico que no h que se falar desses institutos da mesma forma que se faz
em alguns pases europeus. Todavia, a reserva de administrao no se restringe a
esse instituto. Assim, objetiva-se com esse artigo1 trazer uma abordagem conceitual a
respeito da reserva de administrao, verificando sua abrangncia, espcies, formas de
manifestao e assuntos correlatos.
Optou-se por uma diviso do desenvolvimento do tema em quatro partes. A primeira
visa abordar, de maneira sucinta e direcionada, alguns temas de direito administrativo
e constitucional que orbitam o assunto em comento. A segunda tem por fim
desenvolver um estudo conceitual e taxonmico sobre a reserva de administrao, a
* Bacharel em Direito e Mestrando em Direito Administrativo pela Universidade de So Paulo. Advogado. 1 O presente artigo foi formulado a partir do aprofundamento e adaptao para artigo do trabalho de
concluso do curso da graduao da Faculdade de Direito da Universidade de So Paulo. Registra-se o agradecimento ao professor Fernando Dias Menezes de Almeida, orientador do trabalho, pelo apoio e valiosos comentrios que contriburam para sua formulao.
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MACERA, Paulo Henrique. Reserva de administrao (...). 336
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reserva de regulamento, o regulamento autnomo e demais espcies regulamentares.
A terceira abordar, de maneira geral e sinttica, como a reserva de administrao
tratada na Frana, em Portugal, na Itlia e na Alemanha, no intuito de complementar a
segunda parte e fornecer um suporte de apoio para a quarta. Por fim, a ltima objetiva
discorrer sobre a reserva de administrao no direito brasileiro, visando, sobretudo,
analisar as alteraes trazidas pela Emenda Constitucional n 32 de 2001. Para tal,
sero abordados: a evoluo histrica recente do tratamento constitucional da
matria; as posies doutrinrias de juristas brasileiros acerca da admissibilidade do
instituto da reserva de regulamento; o panorama da jurisprudncia do Supremo
Tribunal Federal sobre a reserva de administrao; e, enfim, uma proposta uma
interpretao desses institutos em face da atual sistemtica constitucional brasileira.
2 Questes Inerentes Reserva de Administrao
Considerando a relevncia para o desenvolvimento do instituto da reserva de
administrao, importante se mostra a realizao de uma breve anlise dos temas da
separao de poderes, funes tpicas e atpicas dos Poderes do Estado, princpio da
legalidade e reserva de lei, no intuito de estabelecer algumas premissas iniciais.
2.1 Separao de poderes
Mais do que um critrio funcional de repartio do exerccio das funes estatais, a
separao de poderes um mtodo de limitao do poder estatal e, sobretudo,
daqueles que o exercem. Consequentemente, ela cumpre importante papel na
garantia dos direitos fundamentais, notadamente os de primeira gerao.
Historicamente, apresenta um sentido de superao das monarquias absolutistas, que
caracterizavam o chamado Estado de Polcia, e adquire um contedo poltico de
proteo dos indivduos em relao aos abusos dos que exercem as funes estatais.
sempre vlido destacar que a expresso separao dos poderes apresenta uma
impropriedade tcnica. O poder uno e indivisvel e, em um Estado de Direito, emana
do povo. A diviso que efetivamente ocorre a da manifestao desse poder por meio
de rgos que exercem funes (BASTOS, 1997, p. 340).
Uma das teorias sobre separao de poderes mais influente foi a proposta por
Montesquieu, que conjugou uma diviso funcional e orgnica do poder em uma
metodologia tripartite.2 A grande contribuio do autor no foi a constatao da
necessidade de diviso de funes para exerccio do poder percepo essa j
identificada em tericos antecessores, como Aristteles mas sim a proposio,
amplamente aceita na estruturao dos Estados Ocidentais, de que tais funes
deveriam estar conectadas a trs rgos distintos e independentes entre si.
2 Evidentemente que outras teorias tiveram enorme importncia na evoluo terica do tema, tais
como as teorias de Aristteles e Locke.
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MACERA, Paulo Henrique. Reserva de administrao (...). 337
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Embaladas por essa teoria, grande parte das Constituies desses Estados adotou uma
sistemtica de separao de poderes baseada no chamado sistema de freios e
contrapesos, prevendo, ao lado da repartio de competncias entre poderes,
mecanismos de mtuo controle, visando garantir tanto a independncia como a
harmonia entre eles. Conforme DALLARI (2002, p. 219-220), esse sistema, associado
ideia de Estado Democrtico, subdividiu os atos do Estado em gerais e especiais.
Os gerais deveriam ser editados principalmente pelo Poder Legislativo e ter a natureza
de normas gerais e abstratas, de modo que, ao serem editadas, afetariam destinatrios
desconhecidos. J os atos especiais s poderiam ser emitidos com a presena de um
ato geral que o autorizasse. Esses, emitidos em regra pelo Poder Executivo, dar-se-iam
por mecanismos concretos disponibilizados a esse poder e encontrariam limites nos
atos gerais. Enfim, o Poder Judicirio atuaria para corrigir qualquer exorbitncia no
exerccio de tais poderes.
Contudo, pacfico o descabimento de uma interpretao rgida acerca das teorias da
separao dos poderes, sendo rejeitada qualquer premissa voltada a compreender as
divises das funes estatais entre os Poderes Legislativo, Executivo e Judicirio como
absolutamente estanques. A necessidade de harmonia entre os poderes,3 voltada
viabilizao do prprio exerccio da funo estatal, incompatvel com tal rigidez.
SILVA (2008, p. 111) aponta que, especialmente entre o Poder Legislativo e o
Executivo, a harmonia um pressuposto para um bom desempenho de suas funes.
Essa no significa o domnio de um Poder pelo outro ou usurpao de atribuies, mas
sim a criao de um sistema de colaborao e controle recprocos para evitar
distores e desmandos por parte de um deles.
A opo poltica4 de diversos pases, dentre os quais certamente se inclui o Brasil, por
um modelo de Estado regulador em substituio de um modelo estatal de
interveno direta na prestao de servios pblicos, que, por sua vez, havia
substitudo modelos mais liberais ampliou o papel da atividade normativa da
Administrao Pblica. Nesse contexto, o Poder Legislativo cede espao ao Poder
Executivo na produo de normas jurdicas embora continue sendo o ator principal.
Desse modo, a formulao clssica do princpio da separao de poderes, bem como
do prprio princpio da legalidade, passam por uma releitura.5
Ao utilizar o princpio da separao de poderes, portanto, o jurista deve ter em mente
que ele no pode ser interpretado de maneira rgida, tampouco como um fim em si.
H de se considerar a necessidade de limitao ao exerccio de cada um dos poderes,
sem que isso inviabilize a atuao institucional desses. Deve-se buscar um equilbrio
salutar na relao dos poderes visando sempre o bom desempenho dos objetivos e
3 Explicitada no ordenamento ptrio no artigo 2 da Constituio.
4 Boa ou ruim do ponto de vista poltico, econmico ou social, o fato que ela existe.
5 Sobre tal reformulao do princpio da separao de poderes: CORREIA (2007, p. 578-579).
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MACERA, Paulo Henrique. Reserva de administrao (...). 338
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funes Estado sem indevidos desvios essas sim podem ser consideradas as
finalidades da separao de poderes.
2.2 Funes e relaes do Poder Legislativo e Executivo
O Brasil adotou, conforme apontado, a tcnica de independncia e harmonia entre os
poderes. Privilegiou, assim, a interao, colaborao e o mtuo controle entre eles.
Nessa toada, repartiu as funes estatais bsicas entre os poderes, sendo uma (ou
algumas) predominante e outras duas de carter secundrio. Assim, diz-se que cada
Poder tem a suas funes tpicas e atpicas.
As funes tpicas do Legislativo so as de legislar e fiscalizar.6 J o Poder Executivo o
rgo constitucional responsvel pela prtica de atos de chefia de Estado, de Governo
e de Administrao.7 Assim, possvel dizer que suas funes tpicas so a de
administrar o Estado e conduzir a poltica, pautado nas leis aprovadas pelo Legislativo.8
No que tange s funes, segundo SEABRA FAGUNDES (2006, p. 6-7), a legislativa
identificada como a funo de formao do direito. Citando Duguit, aponta que essa
ocorre mediante a edio do direito positivo posterior Constituio, estabelecendo
normas gerais, abstratas e obrigatrias. J a funo administrativa, que para o autor ,
junto com a funo judiciria, espcie da funo executiva, configura-se pela
determinao pelo Estado de situaes jurdicas individuais, concorrendo para a sua
formao, por meio da prtica de atos materiais.
A edio de regulamentos de execuo pelo Presidente, apesar de ser um ato
normativo, est inserida dentro das funes tpicas do Poder Executivo, uma vez que
viabiliza a execuo da lei, sem inovar significativamente na ordem jurdica. O poder
regulamentar, portanto, no perde seu carter administrativo pelo fato de ser, em
regra, pautado na edio de atos gerais e abstratos.
J entre as funes atpicas do Executivo, a que merece mais destaque para fins deste
estudo o exerccio de funo legislativa. Aponta a doutrina, basicamente, que o
Poder Executivo legisla ao editar medidas provisrias, editadas conforme o artigo 62
da Constituio, e ao exercer seu poder de sano e veto.9 Caso se admita, entretanto,
a existncia de um campo, em benefcio do Executivo, de inovao na ordem jurdica
com a possibilidade de edio dos chamados atos normativos primrios (sobretudo se
esse espao for exercido em carter de exclusividade, sem a incidncia do princpio da
primazia da lei), estar-se- ampliando o campo da sua funo legislativa atpica.
6 Nesse sentido: MORAES (2008, p. 408).
7 Nesse sentido: MORAES (2008, p. 463).
8 Evidentemente, no se pretende aqui alargar as discusses a respeito das funes do Estado, cuja
delimitao e taxonomia, seguramente, no pacfica. Para uma abordagem mais aprofundada das funes estatais e sistematizao das diversas classificaes, vide: MIRANDA (2002, p. 335-370). 9 Por exemplo, MORAES (2008, p. 463).
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2.3. Princpio da legalidade administrativa
O princpio da legalidade, mais do que um mero aspecto de um Estado de Direito, um
de seus pressupostos. Esse mandamento consolida da ideia de que a Administrao
Pblica deve se submeter e exercer suas atividades conforme a lei. De acordo com
BANDEIRA DE MELLO (2010, p. 100), a traduo jurdica da ideia poltica segundo a
qual aqueles que exercem o poder em concreto esto submetidos a um quadro
normativo que vede favoritismos, perseguies ou desmandos nessa definio do
autor, percebe-se uma maior aproximao do carter material de legalidade, que, em
ltima anlise, aproxima-se do princpio da impessoalidade.10
Assim, diz-se que o Estado de Direito aquele governado pelas leis, e no pelos
homens. A lei consagra a noo de soberania popular e cidadania, no apenas pela
limitao de quem exerce o poder, mas tambm pela carga de legitimidade que ela
traz consigo: , por excelncia, o ato normativo representante da vontade popular.
Evidentemente, no se objetiva aqui esmiuar o estudo da legalidade administrativa.11
Todavia, importante o estabelecimento de algumas premissas.
O agir conforme a lei presente na legalidade no pode ser compreendido com base
no sentido formal de lei. Deve ser entendido como o agir conforme o direito, que
engloba todo o bloco normativo ao qual a Administrao se submete: leis formais,
regulamentos, outros atos normativos emanados pela prpria Administrao, e, acima
de todos esses, a Constituio. Nesse sentido, MARRARA (2010, p. 232) destaca que o
Estado no age sem o suporte no Direito (relao de juridicidade necessria) e,
sobretudo, na Constituio (relao de constitucionalidade necessria). A partir dessa
ideia, alguns autores passam a falar em um princpio da juridicidade administrativa.12
Evidentemente, para se extrair uma norma aplicvel a determinado caso concreto,
deve-se levar em conta esse bloco normativo como um todo sistmico, considerando
toda a hierarquia normativa entre os diplomas. Curioso, nesse ponto, notar que a
Administrao Pblica, ao mesmo tempo em que se submete a este bloco normativo,
auxilia na sua construo, notadamente por atos normativos de menor hierarquia.
Como a Administrao tem a funo de atuar na busca da concretizao dos interesses
pblicos e direitos cosagrados pelo ordenamento, incorreta a leitura segundo a qual
o princpio da legalidade apenas permite a atuao administrativa quando houver
autorizao legal escrita e especfica embora isso seja exigido em alguns casos.
10
Sobre a proximidade das noes de legalidade material, impessoalidade e isonomia: ALMEIDA (2012). 11
At porque seria pretencioso tentar abordar de maneira aprofundada esse complexo tema, de modo incidental e em poucas linhas. Alguns interessantes estudos sobre o tema: MARRARA (2006); GUERRA (2008); SCHIRATO (2008); DI PIETRO (2012); MOREIRA (2012); etc. 12
Sobre o princpio da juridicidade administrativa: BINENBOJM (2009, p. 34-38).
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MACERA, Paulo Henrique. Reserva de administrao (...). 340
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Conforme destaca MEDAUAR (2008, p. 123), a compreenso prtica do princpio da
legalidade administrativa, em seu significado operacional, no tarefa simples.
Apoiada na doutrina de Eisenmann, aponta quatro possveis significados da legalidade
administrativa: a possibilidade de realizao, pela Administrao, de todos os atos e
medidas que no sejam contrrios lei; a dependncia de uma norma autorizadora
para a Administrao praticar seus atos e medidas; o condicionamento da permisso
de atos administrativos cujo contedo seja conforme a um esquema abstrato fixado
por norma legislativa; e, por fim, a possibilidade da Administrao apenas realizar atos
ou medidas que a lei ordenar fazer. Quanto maior a interveno da medida
administrativa nos direitos e liberdade individuais, mais estrita dever ser a vinculao
dessa atuao norma legal. Trata-se da noo de legalidade fraca pautada em uma
relao de compatibilidade da conduta administrativa com a lei e legalidade forte
pautada em uma noo de conformidade , essa ltima sempre presente quando a
atuao administrativa se mostrar mais afeta a direitos e liberdades.13
Conforme j alertado, o atual panorama da separao de poderes redefiniu o papel
das fontes do Direito, notadamente o administrativo. O fenmeno da
constitucionalizao do Direito, o aumento da demanda regulatria do Estado e, ainda,
a inviabilidade14 do Poder Legislativo normatizar todas as situaes foram fatores que
contriburam para a ampliao da atuao normativa da Administrao Pblica. Nesse
sentido, OTERO (1995, p. 539) aponta para um aumento da legitimidade poltico-
democrtica para as estruturas de deciso da Administrao.
Em sntese, possvel dizer que o princpio da legalidade sofreu adaptaes, tendo
como principal escopo o prprio aumento do carter democrtico que o caracteriza.
Entretanto, seu protagonismo em um Estado de Direito e sua importncia como
legitimador da conduta administrativa, inegavelmente, ainda subsiste.
2.4 A reserva de lei
A reserva de lei, se compreendida em um sentido mais amplo, sequer precisaria ser
tratada em um tpico a parte. As noes complementares de que o Estado no pode
atuar sem o suporte na lei e que a atuao estatal somente ser considerada vlida
se no contrariar a lei compreendido o conceito de lei, conforme j apontado,
como o direito consubstanciam as regras da reserva legal (em sentido amplo) e
13
Para um estudo clssico e originrio dessas noes, vide: EISENMANN (1959). 14
Inviabilidade essa decorrente: a) da impossibilidade prtica do legislador prever todas as situaes; b) dificuldade tcnica de o legislador normatizar todas as situaes possveis, ainda que fossem previsveis; e c) da acentuada desvantagem, do ponto de vista da tutela do princpio democrtico, da propositura exaustiva de normas pelo Legislativo, uma vez que sedimentaria toda a margem de manobra da atuao do Poder Executivo e da Administrao, causando um desequilbrio perigoso na separao de poderes.
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MACERA, Paulo Henrique. Reserva de administrao (...). 341
RDDA, vol. 1, n. 2, 2014
supremacia da lei que juntas formam a base central do princpio da legalidade.15
Todavia, reserva de lei, em sentido restrito, deve ser encarada de outra maneira.
Os pases cujo ordenamento constitucional consagrou um campo subsidirio de
matrias a ser tratado pelo regulamento autnomo campo residual de reserva de
regulamento a expresso reserva de lei adquire um contedo diferente. Designa
justamente todas as matrias que, por fora constitucional, podem e devem ser
tratadas por meio de lei formal. Fora desse campo, as matrias s podem ser tratadas
por meio de regulamento. Nesse sentido, RIVEIRO (1981, p. 68) afirma que o domnio
da lei um espao em que o legislador simultaneamente senhor e prisioneiro.
No Brasil, a reserva de lei em seu sentido mais restrito possui contedo um pouco
diferente se comparado com esses pases. Embora tambm designe matrias que
somente podem ser normatizadas16 por meio de lei (ordinria ou complementar),
perfeitamente possvel a edio de lei fora desse campo. Se em pases como a Frana a
reserva de lei demarca tanto o campo em que obrigatria a normatizao da matria
por meio de lei como o campo em que possvel o tratamento da matria na via legal,
no Brasil ela demarca somente o campo da obrigatoriedade da edio de lei.
Assim, fora do campo da reserva de lei em sentido estrito e desde que no invada
determinado campo de reserva de regulamento, para aqueles que o admitem ser
possvel o tratamento da matria na via regulamentar (desde que preenchidos alguns
requisitos), subsistindo a ideia de supremacia da lei, caso ela seja futuramente editada.
Em linha semelhante, GRAU (2002, p. 184) entende que a existncia de matrias que
s podem ser tratadas por lei possibilita que as demais sejam tratadas por
regulamentos, uma vez que a Constituio no pode ter disposies inteis. Em outras
palavras, como a Constituio deixou expresso que algumas matrias devem ser
tratadas pela lei formal em uma relao de obrigatoriedade, as demais matrias se
sujeitariam ao princpio da legalidade, mas no reserva de lei em sentido estrito,
podendo ser tratadas por regulamento. Concorda-se com a posio do autor, todavia
com uma ressalva: existem reservas de lei no expressas na Constituio.
H, entretanto, autores que entendem no existir no direito brasileiro uma reserva
legal, com base no artigo 48, caput, da Constituio.17 aparentemente o
entendimento de BANDEIRA DE MELLO (2010, p. 99-106). Tratando da legalidade,
sequer faz meno a essa reserva legal, apontando que toda a atividade
15
Nesse sentido: MARRARA (2010, p. 231-234). 16
Evidentemente, fala-se aqui em normatizao de matrias em sede primria. A edio de regulamentos de execuo normatizao secundria em relao Constituio perfeitamente possvel em campo de reserva de lei. 17
Art. 48. Cabe ao Congresso Nacional, com a sano do Presidente da Repblica, no exigida esta para o especificado nos arts. 49, 51 e 52, dispor sobre todas as matrias de competncia da Unio, especialmente sobre: (...).
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MACERA, Paulo Henrique. Reserva de administrao (...). 342
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administrativa se sujeita lei. Assim, todas as matrias estariam sujeitas a lei, no
fazendo sentido designar um campo em que a edio dela seria obrigatria. De
qualquer forma, seja qual o entendimento adotado, no possvel se falar no Brasil
em reserva de lei como contraponto de uma reserva de regulamento.
3 Reserva de administrao e suas classificaes
Segundo CANOTILHO (2001, p. 739), reserva de administrao definida como um
ncleo funcional de administrao resistente lei, ou seja, um domnio reservado
administrao contra as ingerncias do parlamento. J JUSTEN FILHO (2005, p. 150-
151), ao no admitir tal instituto no Direito ptrio, compreende a reserva de
administrao como uma vedao s ingerncias do Poder Legislativo em alguns
temas administrativos e a presena de limites disciplina legislativa. Nota-se que o
administrativista compreende o instituto como a vedao da edio de atos
normativos pelo Parlamento dentro de determinado campo reservado ao Poder
Executivo. Embora seja um dos principais aspectos da discusso acerca da reserva de
administrao, parte-se aqui de uma noo conceitual mais ampla. Em obra especfica
sobre a reserva de administrao, CORREIA (2007, p. 584-585) a define como um
espao autnomo e, por isso, insubordinado de exerccio da funo administrativa,
normativa e concretizadora da tutela dos direitos fundamentais.
com uma amplitude mais prxima dessa ltima base conceitual apresentada que se
compreende o instituto. Entende-se aqui reserva de administrao como o conjunto
das formas de proteo estruturado na Constituio, de maneira explcita e implcita,
em benefcio do Poder Executivo e da Administrao Pblica como um todo, para que
esses possam realizar suas funes administrativas e prerrogativas correlatas, para o
bom cumprimento dos respectivos papeis institucionais.
Segundo PIARRA (1990, p. 335-336), h duas espcies de reserva de administrao:
uma geral e outra especfica. A primeira, associada ideia de separao de poderes,
pauta-se na vedao s invases de um Poder no ncleo essencial das funes tpicas
de outro. Decorre da reserva geral a proibio voltada ao Legislativo e ao Judicirio
para que esses Poderes, a pretexto de atuar no mbito de suas funes tpicas, no
adentrem no campo da funo administrativa, notadamente no mrito administrativo.
Por sua vez, a reserva especfica de administrao configura-se quando o ordenamento
jurdico sobretudo, a Constituio destacar determinada matria da seara do
Parlamento, atribuindo a competncia para normatiz-las exclusivamente ao Poder
Executivo. a ideia da criao de um domnio normativo de regulamento, ainda que
restrito em termos de abrangncia, ao lado do domnio da lei.
Em classificao tambm dicotmica, CORREIA (2007, p. 585-596) divide a reserva de
administrao (lato sensu) em reserva de administrao stricto sensu e reserva de
regulamento. A primeira destinada a proteger exerccio da funo administrativa em
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MACERA, Paulo Henrique. Reserva de administrao (...). 343
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seu contedo essencial e concreto, a englobar tanto atos administrativos unilaterais
(formais ou materiais) quanto bilaterais, bem como procedimentos administrativos,
que no poderiam ser substitudos nem pelo legislador, tampouco pelo rgo
jurisdicional. Quanto reserva de regulamento, a autora subdivide em mais duas
categorias: a reserva de regulamento autnomo, semelhante reserva especfica de
administrao de Piarra, e reserva de regulamento de execuo, destinada a
resguardar um espao para o bom desempenho do poder regulamentar o que,
segundo a classificao de Piarra, estaria inserido na reserva geral de administrao.
Prope-se uma classificao nos moldes de Piarra, que leve em conta uma reserva de
administrao que tutele o ncleo essencial da funo administrativa a princpio
destinada ao Executivo, porm extensvel aos demais poderes quando exercerem tal
funo e outra que resguarde ao Executivo a exclusividade para exercer a funo
legislativa em determinado campo. Contudo, ser adotada a terminologia reserva de
administrao em sentido estrito e a reserva de regulamento.
3.1 Reserva de administrao em sentido estrito
A reserva de administrao em sentido estrito tem por funo a proteo da
Administrao Pblica, visando resguardar o ncleo central da funo administrativa
contra indevidas ingerncias. Tutela, assim, o mrito administrativo.
Desta forma, vedam-se indevidas ingerncias tanto de entidades do Legislativo como
do Judicirio nesse campo atribudo Administrao para o exerccio da funo
principal. Tal proteo no favorece somente ao Poder Executivo, mas sim
Administrao Pblica como um todo.
Alerte-se, mais uma vez, que na classificao de CORREIA (2007, p. 596) a reserva de
administrao stricto sensu referia-se apenas aos atos concretos e especficos,
excluindo os chamados atos administrativos normativos. Contudo, na definio ora
adotada, incluem-se os atos normativos (gerais e abstratos) que tambm podem ser
editados no mbito da funo administrativa, viabilizando a execuo da lei, afinal o
poder regulamentar funo tpica do Poder Executivo.
Essa modalidade de reserva de administrao pode ser oposta tanto em relao
funo legislativa, quanto em relao jurisdicional.
3.1.1. Em Relao Funo Legislativa
Por meio dessa reserva, defeso ao Poder Legislativo (ou quem exera atipicamente a
funo legislativa) invadir o campo da execuo de lei, prprio da Administrao
Pblica. Em outras palavras, no possvel, a pretexto de se exercer a funo
legislativa, a invaso do espao da funo administrativa, seja pela utilizao
desnecessria e abusiva de leis de efeito concreto ou leis de carter especfico
(afastando-se do carter geral e abstrato dos atos legislativos), seja pela
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regulamentao legal exacerbadamente minuciosa nos campos em que se requer
maior margem de atuao da Administrao por atos abstratos ou mesmo concretos.
Nessa toada, CORREIA (2007, p. 597) destaca que o parlamentar no poderia, a
pretexto de legislar, administrar. Aponta ainda que o Legislativo no poderia adentrar
em um domnio de execuo, de modo a executar legalmente a lei.
Logo, extrai-se da reserva de administrao em sentido estrito um impedimento ao
legislador de editar uma lei com descrio normativa excessivamente detalhada a
ponto de inviabilizar o exerccio da funo administrativa, seja engessando
indevidamente a atuao da Administrao Pblica em concreto (no dando abertura
para a atuao do poder discricionrio, quando recomendvel), seja por perder a lei,
sem motivo justificvel, seu carter material de ato geral e abstrato, ou ainda por
restringir o campo do poder regulamentar, quando esse for recomendvel.
Evidentemente, a tarefa de saber se a lei ultrapassou esses limites apresenta-se
bastante complicada. Alm da subjetividade do interprete, tem-se uma ausncia de
critrios prvios para anlise ou mesmo inviabilidade ou dificuldade prtica em
estabelec-los. uma tarefa a ser desenvolvida, em boa parte, casuisticamente. Essa
funo de controle poder ser exercida pelo Judicirio, rgo alheio ao conflito,
inclusive no mbito do controle de constitucionalidade.
Decorre tambm dessa reserva de administrao a vedao de que o Poder Legislativo
funcione como instncia revisora de atos administrativos que tenham sido editados
pelo Poder Executivo no desempenho de suas privativas atribuies institucionais. No
pode, por exemplo, o Legislativo anular uma licitao ou condicionar a celebrao de
um contrato ou convnio sua ratificao.18
Por fim, a atribuio constitucional da iniciativa, ao Chefe do Poder Executivo, do
processo legislativo em determinadas matrias tambm uma modalidade dessa
reserva. Embora se refira funo legislativa, so matrias de fortes interesses
administrativos, ou mesmo de interesse do prprio Poder Executivo.
3.1.2 Em relao funo jurisdicional
Em um Estado de Direito, alm da submisso ao princpio da legalidade, os atos
administrativos se sujeitam ao controle judicial quando se tratar do sistema de
unidade de jurisdio consoante DI PIETRO (2008, p. 708). Os juzes dispem, para
tal, de prerrogativas para garantir suas imparcialidade e iseno.
18
H, todavia, hipteses na Constituio que submetem alguns atos ou contratos apreciao do Poder Legislativo, como o artigo 49, inciso XII, que submete apreciao do Congresso Nacional os atos de concesso e renovao de concesso de emissoras de rdio e televiso. Evidentemente, tais atos no configuram violao dessa forma de reserva de administrao.
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Entretanto, conforme destaca SEABRA FAGUNDES (2006, p. 179-180) esse controle
est sujeito a restries. O Poder Judicirio no poder funcionar como instncia
revisora de decises administrativas. O que se veda, assim, no o controle dos atos
administrativos pelo Poder Judicirio, mas sim a sub-rogao jurisdicional.
No se objetivando o aprofundamento no tormentoso tema dos limites do controle
judicial, cabe tecer algumas consideraes. H tempos no se aceita mais a concepo
de que o controle judicial dos atos, processos e decises administrativas esteja restrito
a aspectos de legalidade. A partir disso, alguns autores19 sustentaram a possibilidade
de controle do mrito administrativo. Com a devida vnia, discorda-se de tal posio.
De fato, amplamente possvel que o Pode Judicirio realize controle em aspectos
muito mais amplos do que meramente pela conformao da conduta administrativa e
a lei formal. Atualmente, os princpios norteadores do direito administrativo
moralidade, impessoalidade, eficincia, etc. podem ser amplamente utilizados.
Todavia, o princpio da legalidade, conforme j abordado, no mais compreendido
tendo por referncia simplesmente a lei formal, mas sim o direito como um todo.
Assim, a prpria expresso controle de legalidade, se tomada nessa acepo,
propiciar esse controle jurisdicional mais amplo. Do mesmo modo, o campo do
mrito administrativo (demarcador dos limites da discricionariedade administrativa),20
se compreendido como o espao conferido pelo direito para que o administrador atue,
no poder ser invadido por esse controle.21 Logo, no se pode falar que a reviso de
um ato imoral ou claramente ineficiente implicaria na invaso de mrito pelo Poder
Judicirio. Em nenhum momento o direito conferiu ao administrador a possibilidade de
adotar um ato imoral ou um ato manifestamente ineficiente.
Aqui se encontra, portanto, o contedo dessa espcie em comento. Emergem,
entretanto, dois problemas. O primeiro a imensa dificuldade de delimitao precisa
do campo destinado deciso de mrito administrativo e, a partir desse, o campo no
qual possvel a interveno jurisdicional.
Como exemplo, basta imaginar a anulao judicial de um ato administrativo por
violao ao princpio da eficincia. Se, em um caso concreto, a prpria determinao
19
Nesse sentido, GRINOVER (2011, p. 127) sustenta que a permisso de anulao de ato administrativo por violao da moralidade previsto na Lei da Ao Popular, por exemplo permite o controle de atos no eivados de ilegalidade. Consequentemente haveria uma abertura para que o Poder Judicirio analisasse questes relacionadas ao mrito. 20
Acerca do conceito, dos limites, das espcies e dos vcios da discricionariedade, bem como dos efeitos da boa-f como limitadora da discricionariedade, ver: MARRARA (2012a). 21
Em concluso semelhante, DI PIETRO (2008, p. 208) sustenta que *e+ssa tendncia que se observa na doutrina, de ampliar o alcance da apreciao do Poder Judicirio, no implica invaso na discricionariedade administrativa; o que se procura colocar essa discricionariedade em seus devidos limites, para distingui-la da interpretao (apreciao que leva a uma nica soluo, a interferncia da vontade do interprete) e impedir as arbitrariedades que a Administrao Pblica pratica sob o pretexto de agir discricionariamente..
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de qual medida eficiente adotar pode se mostrar uma tarefa complicada, at que
ponto poderia um juiz que em alguns casos tem conhecimento especfico menor que
o administrador , por esse princpio, anular uma deciso administrativa (ou mesmo
substitu-la por outra deciso, como ocorre em aes envolvendo polticas pblicas).
Uma das possveis sadas a utilizao do princpio da razoabilidade e da
proporcionalidade.22 Esses funcionariam mais propriamente como um juzo que um
princpio propriamente dito. Todavia, o juiz, ao apreciar a anulao de deciso
administrativa com base nesses princpios, deve afastar somente as que se mostrem
desproporcionais ou desarrazoadas de uma maneira mais clara, deixando aos
administradores o juzo de convenincia e oportunidade quando a prpria escolha da
deciso mais razovel (dentre as decises aceitveis) estiver implcita no mrito
administrativo sobretudo em campos mais tcnicos. Do mesmo modo, o controle
jurisdicional com base no princpio da eficincia deve ser realizado de modo a afastar
aquelas decises cuja ineficincia esteja mais patente.
Se o primeiro problema refere-se delimitao do campo de proteo da reserva, o
segundo est relacionado com a competncia para exerccio do controle. No mbito da
reserva de administrao em sentido estrito oposta ao exerccio da funo legislativa,
afronta-se uma situao de confronto de atribuies entre o Poder Legislativo e o
Poder Executivo (em regra), que poder ser dirimida pelo Poder Judicirio. J em
relao reserva de administrao oposta em face da funo jurisdicional, ser o
prprio Poder Judicirio o responsvel por analisar tal questo.
Ou seja, a delimitao, em determinado caso concreto, da fronteira entre a funo
administrativa e a jurisdicional ser determinada pelo prprio Poder que exerce essa
ltima funo.23 Assim, o prprio magistrado dever, em um exerccio de
autoconteno, policiar-se para no invadir a esfera reservada Administrao.
3.2. A Reserva de regulamento
A reserva de regulamento pode ser compreendida como um campo de competncia,
reservado pela Constituio ao Poder Executivo (notadamente na figura de seu Chefe),
para a edio de atos normativos, com fundamento direto na Constituio (primrias,
portanto), sendo vedada a edio de lei formal pelo Parlamento em relao s
matrias submetidas a tal campo. Nesse sentido que se passa a compreender a reserva
de regulamento. Cumpre, assim, debater algumas noes ligadas ao instituto.
3.2.1. Atos normativos primrios e secundrios
22
No se pretendendo aqui discorrer sobre esses princpios, recomenda-se as seguintes leituras: OLIVEIRA (2006); MARRARA (2012b); NOHARA (2009, p. 51-54); dentre outras. 23
Problema esse, relativo ao tema da separao de Poderes, digno de um estudo monogrfico prprio.
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comum na doutrina a distino entre atos normativos primrios e atos normativos
secundrios levando-se em conta o fundamento de validade da norma tomando por
referncia a Constituio. Os primeiros so aqueles cujo fundamento de validade
encontrado na prpria Constituio, enquanto atos normativos secundrios tm o
fundamento de validade em atos normativos primrios.24
FERRAZ JNIOR (2003, p. 125) apresenta uma distino de normas, quanto
hierarquia, em normas-origens, que so as primeiras de uma srie, e normas-
derivadas, todas as demais oriundas dessa norma-origem. Assim, dos atos normativos
primrios se extrairiam normas-derivadas (as primeiras da serie) com fundamento em
uma norma-origem retirada da Constituio. Dos atos normativos secundrios se
extrairiam normas-derivadas (as segundas da srie) fundadas em normas-derivadas
extradas de um ato normativo primrio. J se a referncia for norma do ato primrio,
essa ser a norma origem das secundrias.
3.2.2 Regulamento e suas classificaes
Segundo ALMEIDA (2006, p. 127-128), regulamentao, no Brasil, espcie de ao
estatal, envolvendo exerccio do poder normativo, de carter geral e abstrato, inerente
Administrao, de competncia privativa prpria do Presidente da Repblica. Pelo
princpio da simetria, estende-se aos chefes do Poder Executivo dos demais entes da
Federao. Destaca ainda que, a despeito do carter materialmente legislativo, trata-
se de ato do Executivo. Pode-se dizer que esses se distinguem dos atos administrativos
comuns devido a sua abstrao e generalidade.
Outros autores acrescentam mencionada definio a finalidade operacional de que
tais atos so destinados execuo das leis.25 Entretanto, tendo em vista que o
acrscimo desta expresso limita os regulamentos a uma nica espcie, o de execuo,
prefere-se aqui a definio apontada acima.
H, entretanto, entendimento no sentido de que os regulamentos no so editados
exclusivamente pelo Chefe do Poder Executivo, podendo esses ser editados por outras
entidades ou rgos administrativos dotadas de poder normativo, como por exemplo,
as agncias reguladoras.26 So os denominados regulamentos setoriais.27 Por simples
24
Alguns autores, a exemplo de AMARAL JNIOR (2009, p. 529-531), adotam essa mesma dicotomia, utilizando, todavia, as expresses normas primrias e normas secundrias. Todavia, para no se confundir com outras classificaes das normas jurdicas (como as que distinguem normas primrias e secundrias tendo por referncia a sano), bem como por ser aparentemente mais adequada a utilizao da expresso ato normativo vez que norma prescrio de conduta e no o diploma em si prefere-se aqui utilizar a terminologia mencionada. 25
Nesse sentido: BANDEIRA DE MELLO (2010, p. 343). 26
Nessa linha: BINENBOJM (2008, p. 153). 27
No se adentrar nas discusses acerca da hierarquia entre regulamentos e atos normativos setoriais. Sobre o tema, vide: MARRARA (2010, p. 243-245); BINENBOJM (2008, p. 152-155); DI PIETRO (2011, p. 188-198), dentre outras leituras.
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opo terminolgica,28 mencionar-se- aqui o termo regulamentos somente para os
atos normativos dos Chefes do Poder Executivo nas diversas esferas da federao.
3.2.2.1 Regulamentos de Execuo
Esta espcie de regulamento a que desperta menos controvrsias na doutrina ptria,
no que tange sua existncia e a sua funo. O principal fundamento do regulamento
de execuo o artigo 84, inciso IV, da Constituio.29
Consoante BANDEIRA DE MELLO (2010, p. 343), que praticamente restringe o
regulamento no Brasil ao executivo, tal modalidade consiste no ato geral e (de regra)
abstrato, de competncia privativa do Chefe do Poder Executivo, expedido com a
estrita finalidade de produzir as disposies operacionais uniformizadoras necessrias
execuo de lei cuja aplicao demande atuao da Administrao Pblica.
Conforme o publicista, so dependentes de lei anterior, uma vez que sua funo
justamente viabilizar sua execuo. Diz-se, assim, que esses no inovam na ordem
jurdica (significativamente) e esto estritamente vinculados ao princpio da legalidade.
3.2.2.2 Regulamentos autorizados ou delegados
difundida a noo de que podero ser editados regulamentos autorizados ou
delegados, pela Administrao Pblica de um modo geral, sempre que lei formal
autorizar a disciplina de determinado ponto da matria por atos normativos
administrativos. Evidentemente, na linha terminolgica adotada, no faz muito sentido
falar nessa modalidade regulamentar. Primeiramente porque, se editado por demais
rgos e entidades da Administrao Pblica, no se poder falar em poder
regulamentar e sim em regulao. Em segundo lugar, porque quando editados pelo
Presidente da Repblica, estar-se- no mbito dos regulamentos de execuo pouco
importando se a lei conferiu autorizao expressa ou implcita para sua edio.
Pode-se falar, portanto, em atos normativos administrativos autorizados ou delegados
(regulao autorizada ou delegada).30 Esses, diferentemente dos regulamentos
28
Evidentemente, no h que se falar em opo terminolgica certa ou errada. Contudo, definida a opo, importante manter a coerncia terminolgica. Assim, na linha doutrinria adotada, a edio de atos normativos por demais rgos da Administrao incompetentes para edio de regulamento, poder ser chamada de regulao. 29
Art. 84. Compete privativamente ao Presidente da Repblica: (...) IV - sancionar, promulgar e fazer publicar as leis, bem como expedir decretos e regulamentos para sua fiel execuo;. 30
Evidentemente, a mencionada expresso regulao autorizada s faz sentido caso se admita uma acepo bastante ampla e menos tcnica do termo regulao, diferente do sentido normalmente empregado no Direito Administrativo DI PIETRO (2009, p. 22) define regulao em mbito jurdico como o conjunto de regras de conduta e de controle da atividade econmica pblica e privada e das atividades sociais no exclusivas do Estado, com a finalidade de proteger o interesse pblico. Assim, compreendendo o termo simplesmente como a edio de atos administrativos normativos (gerais e
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independentes, tero natureza de atos normativos secundrios. Assim, somente ser
possvel falar em controle de legalidade desses atos, ou, no mximo, de controle de
constitucionalidade da lei que delegou ou autorizou sua edio.
3.2.2.3 Regulamentos autnomos
Primeiramente, importante registrar que parte significativa da doutrina no traa
uma distino entre regulamento autnomo e independente, como, por exemplo,
GRAU (2002, p. 253) e BANDEIRA DE MELLO (2010, p. 341). Todavia, alguns autores
adotaram tal distino conceitual.
Regulamento autnomo aquele que tem seu fundamento diretamente dado pela
Constituio (primrios). Mais do que isso, o regulamento trata de matria cuja
normatizao vedada ao Legislativo. Ou seja, apesar de ser ato normativo do Poder
Executivo, esse, por disposio constitucional, assume a funo de lei em sentido
formal dentro daquele campo de competncia, somente podendo ser revogado por
ato de mesma natureza. exatamente no campo da reserva de regulamento que h
espao para o surgimento desse regulamento. A existncia ou no de tal modalidade
de regulamento no direito ptrio tema bastante controvertido na doutrina.
MARRARA (2010, p. 248) tratando do poder regulamentar autnomo em uma
acepo mais tcnica e do poder normativo geral da Administrao, destaca que a
diferena entre eles no est na possibilidade de agir diretamente com base na
Constituio, mas sim no fato de que o poder regulamentar autnomo configura um
campo de atuao do Executivo protegido contra ingerncias do Legislativo.
A despeito de ser difundida a nomenclatura decreto autnomo, prefere-se no
adot-la. Isso porque o termo decreto diz respeito forma tpica pela qual os
regulamentos so editados. Assim, ALMEIDA (2006, p. 129) aponta que o sentido do
regulamento diz respeito ao contedo e que a forma tpica, no Brasil, de que se
reveste o regulamento o decreto. Prova de que tais conceitos no coincidem o
fato de que o decreto pode ser usado como instrumento para que o Chefe do Poder
Executivo edite atos especficos e concretos, que no tem contedo regulamentar.
3.2.2.4 Regulamentos independentes
Conforme proposta terminolgica de CYRINO (2004, p. 110-111), os regulamentos
independentes, ou praeter legem, so aqueles existentes no campo de matrias das
quais o legislador ainda no exerceu sua funo legislativa. Ou seja, tal modalidade
regulamento tem carter supletivo em relao lei formal, mas podem,
eventualmente, no ser recepcionados em face de uma supervenincia de lei. Assim,
os regulamentos independentes possuem um carter residual e transitrio.
abstratos), a expresso regulao autorizada ou delegada poderia abranger inclusive atos normativos da esfera disciplinar (praticados em universidades ou presdios, por exemplo).
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CORREIA (2007, p. 586), por sua vez, reconhecendo divergncias terminolgicas
quanto ao regulamento independente, afasta tal classificao e adota a dicotomia
existente entre regulamentos autnomos e de execuo, sendo a diferena pautada na
distino entre atos normativos primrios e secundrios.
ALMEIDA (2006, p. 129), admitindo somente as modalidades de regulamento
executivo e independente no Direito brasileiro, afasta a existncia dos regulamentos
autnomos nos moldes do direito francs. Para o administrativista, regulamentos
independentes so aqueles que no dependem da existncia de lei sobre a matria.
Aponta, como exemplo, tanto os regulamentos que se referem organizao
administrativa, como os que tratam de matrias, excepcionalmente previstas na
Constituio, referentes a direitos e obrigaes dos indivduos como, por exemplo,
os que determinam o estado de defesa, estado de stio e a interveno federal. Nota-
se, assim, divergncia conceitual significativa para tal modalidade regulamentar.
3.2.2.5 Proposio Terminolgica
Reconhecendo-se, aqui, a divergncia terminolgica doutrinria, passa-se a adotar a
seguinte distino entre regulamentos autnomos e independentes: os primeiros so
aqueles editados pelo Chefe do Poder Executivo, de natureza primria, insubordinados
lei formal e atuantes no campo de matrias da reserva de regulamento. Sujeitam-se,
entretanto, Constituio e aos princpios gerais do Direito.
Nesse sentido que alguns autores, ilustrativamente, apontam que no campo dos
regulamentos autnomos, ocorre uma inverso entre a camada da lei e dos atos
administrativos normativos da pirmide de Kelsen. Todavia, aparenta ser mais precisa,
para fins ilustrativos, a supresso dessa camada da lei uma vez que esta sequer pode
invadir o campo do regulamento autnomo e elevao, em seu lugar, do
regulamento permanecendo abaixo os demais atos administrativos normativos.
J os independentes sero aqui conceituados como aqueles que prescindem de lei
para existirem, mas que esto submetidos ao princpio da legalidade e da preferncia
da lei em caso de supervenincia de lei em sentido formal disciplinando o assunto.
Tal modalidade perfeitamente compatvel com o Direito brasileiro e decorre do
poder normativo geral da Administrao Pblica. Ora, se a Administrao deve atuar
para realizao suas incumbncias constitucionais, no se mostra plausvel imaginar
que essa apenas possa atuar quando houver uma autorizao legal expressa nesse
sentido (ainda que tal atuao se refira normatizao de determinada matria).31
Nesse sentido, MARRARA (2010, p. 247) destaca que *a+ ausncia de lei jamais
poderia impedir que a Administrao Pblica agisse a fim de concretizar os objetivos
31
Pertinente, em relao a esse ponto, a discusso sobre o real teor do princpio da legalidade levantada anteriormente.
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do Estado. De maneira precisa, destaca ainda que a ausncia de lei especfica no
impediria a prtica de atos administrativos e atos da Administrao, inclusive os
normativos, desde que esses atos sejam aptos a concretizar os fins do Estado
(estampados nos artigos 1 a 4 da Constituio) e estejam balizados pelos princpios
basilares de direito administrativo (principalmente os do caput do artigo 37 da
Constituio). Alm disso, h dois pressupostos negativos que impediriam a atuao da
Administrao em face da ausncia de lei especfica: a existncia de uma reserva legal
estrita (seja de lei complementar, seja de lei ordinria) ou a existncia de uma reserva
no escrita de lei. Essa ltima reserva implcita que emerge sempre que se referir a
situaes que implicam em restries significativas a direitos e liberdades.32
Para fins distintivos, passa-se a denominar tal espcie de: regulamento de execuo
independente.33 Independente por no estar condicionado existncia de lei anterior
(ato normativo primrio). De execuo por ter o escopo de concretizar mandamentos
constitucionais, sobretudo os ligados aos fins do Estado. Nota-se, contudo, que a
supervenincia de lei (em sentido formal) converte tal espcie, desde que seu
contedo seja recepcionado, em regulamentos de execuo (ou seja, o converte em
norma secundria, retirando sua provisria independncia).
Acrescenta-se a esses os regulamentos, tambm independentes de lei, criados em
situaes excepcionais para atender a situaes de urgncia. So os regulamentos
ligados, por exemplo, ao estado de stio e a interveno federal. Cumpre ressaltar,
entretanto, que esses atos cumprem um vis poltico, no se tratando propriamente
de atos de administrao, consoante CARVALHO FILHO (2013, p. 65). Assim, tais
modalidades de regulamentos independentes esto excludas do campo de proteo
da reserva de administrao, uma vez que se referem s atribuies da chefia do Poder
Executivo em sua funo poltica. Esses podero ser classificados como regulamentos
independentes de necessidade,34 de urgncia ou simplesmente regulamentos polticos.
Quanto admissibilidade de tal espcie regulamentar, que configuram excees ao
princpio da legalidade e ao prprio regime democrtico nas situaes de estabilidade
institucional, deve haver previso constitucional clara e explcita das situaes de
urgncia ou extrema necessidade que justifiquem sua edio (contendo rigorosos
pressupostos e requisitos desencadeadores, e normas procedimentais de edio e
controle). So automaticamente revogados ao cessar tais circunstncias excepcionais.
3.2.3 A Abrangncia da Reserva de Regulamento
32
Mostra-se pertinente aqui a anterior discusso acerca dos sentidos da legalidade. 33
Embora tal abordagem tenha por escopo a anlise do regulamento, tais raciocnios se aplicam, evidentemente, aos demais atos normativos da Administrao Pblica. 34
CARRAZA (1981, p. 13) define regulamento de necessidade como aqueles por meio dos quais o Chefe do Poder Executivo, para atender a uma situao de fato grave, se apropria das faculdades do Poder Legislativo, cuidando de matrias que s poderiam ser veiculadas mediante lei.
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A classificao de reserva de regulamento em executivo e autnomo proposta por
alguns doutrinadores. Para quem a admite,35 a reserva de regulamento de execuo
consiste no campo reservado ao Executivo para editar atos normativos gerais e
abstratos, no plano infralegal (norma secundria), visando viabilizar a execuo da lei.
Como decorrncia dessa reserva, impe-se lei que deixe margem mnima para que o
Poder Executivo possa, no exerccio de sua funo tpica (ainda que no se trate de
atos concretos), editar atos normativos visando dar disposies operacionais
uniformizadoras para dar execuo s leis. Em outras palavras, um espao reservado
ao Executivo para este dar operatividade funcional lei, por meio do exerccio da
competncia regulamentar de execuo (OTERO, 2003, p. 752).
Ocorre que, pela classificao ora proposta, essa modalidade de reserva est inserida
no mbito da reserva de administrao em sentido estrito oposta funo legislativa.
Deste modo, o que se denomina aqui de reserva de regulamento justamente o
espao destinado edio de regulamentos autnomos, ou seja, o campo delimitado
pela Constituio destinado edio de regulamento com fora de lei em sentido
formal, no havendo que se falar no princpio da primazia da lei.
As matrias destinadas ao campo da reserva de regulamento se referem geralmente a
reas de grande interesse administrativo ou de interesse do Poder Executivo. Mesmo
nas reservas delimitadas residualmente em relao ao campo da lei, as matrias
insertas nesse espao so de interesse eminentemente administrativos ou, ao menos,
matrias de menor importncia e menos afetas a direitos. Assim, se no jogo da
distribuio de poderes de determinado pas optou-se por destina-las exclusivamente
ao Executivo, a reserva de regulamento ser uma espcie de reserva de administrao.
4 Breve Abordagem da Reserva de Administrao no Direito
Europeu
Tendo em vista a maior familiaridade do ordenamento constitucional de pases
europeus e mesmo da doutrina de tais pases com instituto da reserva de
administrao e, sobretudo, reserva de regulamento, passa-se a abordar sucintamente
algumas caractersticas do instituto em alguns desses pases, sem a pretenso de
realizar um estudo do direito estrangeiro, tampouco de direito comparado.
O sistema constitucional francs destacado como um dos principais, seno o
principal, exemplo de desenvolvimento da reserva de regulamento. A Constituio
francesa de 1958 apontada como importante marco do instituto. Todavia, conforme
aponta BINENBOJM (2008, p. 159-161), a Lei de 17 de agosto de 1948 j havia previsto
a existncia do campo do domnio da lei e do regulamento.
35
Nesse sentido: CORREIA (2007, p. 585-588).
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So os artigos 3436 e 3737 da mencionada Constituio que, especialmente, delimitam esses dois campos. Conforme esclarece FERREIRA FILHO (1966, p. 31-34), trata-se de metodologia de determinao de competncia normativa de cunho residual. Enquanto o artigo 34 elenca uma srie de matrias reservadas ao Poder Legislativo, o artigo 37 estabelece que as demais matrias no elencadas no artigo 34 tm carter regulamentar. Aponta o constitucionalista que, a despeito de ser residual o campo do
36
Article 34:
La loi fixe les rgles concernant:
- les droits civiques et les garanties fondamentales accordes aux citoyens pour l'exercice des liberts publiques; la libert, le pluralisme et l'indpendance des mdias; les sujtions imposes par la dfense nationale aux citoyens en leur personne et en leurs biens;
- la nationalit, l'tat et la capacit des personnes, les rgimes matrimoniaux, les successions et libralits;
- la dtermination des crimes et dlits ainsi que les peines qui leur sont applicables; la procdure pnale; l'amnistie; la cration de nouveaux ordres de juridiction et le statut des magistrats;
- l'assiette, le taux et les modalits de recouvrement des impositions de toutes natures; le rgime d'mission de la monnaie.
La loi fixe galement les rgles concernant :
- le rgime lectoral des assembles parlementaires, des assembles locales et des instances reprsentatives des Franais tablis hors de France ainsi que les conditions d'exercice des mandats lectoraux et des fonctions lectives des membres des assembles dlibrantes des collectivits territoriales;
- la cration de catgories d'tablissements publics;
- les garanties fondamentales accordes aux fonctionnaires civils et militaires de l'tat;
- les nationalisations d'entreprises et les transferts de proprit d'entreprises du secteur public au secteur priv.
La loi dtermine les principes fondamentaux:
- de l'organisation gnrale de la Dfense Nationale;
- de la libre administration des collectivits territoriales, de leurs comptences et de leurs ressources;
- de l'enseignement;
- de la prservation de l'environnement ;
- du rgime de la proprit, des droits rels et des obligations civiles et commerciales;
- du droit du travail, du droit syndical et de la scurit sociale.
Les lois de finances dterminent les ressources et les charges de l'tat dans les conditions et sous les rserves prvues par une loi organique.
Les lois de financement de la scurit sociale dterminent les conditions gnrales de son quilibre financier et, compte tenu de leurs prvisions de recettes, fixent ses objectifs de dpenses, dans les conditions et sous les rserves prvues par une loi organique.
Des lois de programmation dterminent les objectifs de l'action de l'tat.
Les orientations pluriannuelles des finances publiques sont dfinies par des lois de programmation. Elles s'inscrivent dans l'objectif d'quilibre des comptes des administrations publiques.
Les dispositions du prsent article pourront tre prcises et compltes par une loi organique." 37
"Article 37:
Les matires autres que celles qui sont du domaine de la loi ont un caractre rglementaire.
Les textes de forme lgislative intervenus en ces matires peuvent tre modifis par dcrets pris aprs avis du Conseil d'tat. Ceux de ces textes qui interviendraient aprs l'entre en vigueur de la prsente Constitution ne pourront tre modifis par dcret que si le Conseil constitutionnel a dclar qu'ils ont un caractre rglementaire en vertu de l'alina prcdent. (grifos nossos)
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regulamento (muito em conta das aspiraes autoritrias de Charles de Gaulle poca da edio da Constituio), abarca um leque bastante significativo de matrias.
Contudo, BINENBOJM (2008, p. 161-162) ressalta que, embora muitas matrias estivessem elencadas no artigo 34, a doutrina e jurisprudncia francesa acabaram por relativizar a separao entre os dois domnios, dando uma interpretao ampliativa ao domnio da lei restringindo, na prtica, o campo do regulamento. Com essa relativizao, restaram ao Poder Executivo, basicamente, questes relacionadas organizao e funcionamento interno dos servios pblicos.
Por fim, extrai-se do sistema francs que as leis anteriormente editadas no campo reservado ao regulamento perdem status legal, podendo ser modificadas ou ab-rogadas por meio de regulamento.38 Esse fenmeno consiste na chamada deslegalizao de matrias, conforme aponta AMARAL JNIOR (2009, p. 538-539).
Curiosamente, em sentido contrrio, o ordenamento italiano39 criou expressamente uma reserva de lei para tratar de assuntos pertinentes organizao administrativa. Tal fato, conforme relata MONCADA (2002, p. 600-606), alm de aprioristicamente colocar o Poder Executivo italiano em posio relativamente enfraquecida (se comparado a outros pases do velho continente), imps em um primeiro momento restries ao reconhecimento dogmtico da figura da reserva de administrao noo essa fortalecida com base no artigo 77 da Constituio do pas.40
38
Alterao essa que requer consulta ao Conselho de Estado. Alm disso, necessrio que o Conselho Constitucional declare que essas leis anteriores Constituio tenham adquirido carter regulamentar. 39
Conforme dispe o artigo 97 da vigente Constituio Italiana: Art. 97. (Testo applicabile fino allesercizio finanziario relativo allanno 2013) I pubblici uffici sono organizzati secondo disposizioni di legge, in modo che siano assicurati il buon andamento e l'imparzialit dell'amministrazione. Nell'ordinamento degli uffici sono determinate le sfere di competenza, le attribuzioni e le responsabilit proprie dei funzionari. Agli impieghi nelle pubbliche amministrazioni si accede mediante concorso, salvo i casi stabiliti dalla legge. (Testo applicabile a decorrere dallesercizio finanziario relativo allanno 2014) Le pubbliche amministrazioni, in coerenza con lordinamento dellUnione europea, assicurano lequilibrio dei bilanci e la sostenibilit del debito pubblico. I pubblici uffici sono organizzati secondo disposizioni di legge, in modo che siano assicurati il buon andamento e l'imparzialit dell'amministrazione. Nell'ordinamento degli uffici sono determinate le sfere di competenza, le attribuzioni e le responsabilit proprie dei funzionari. Agli impieghi nelle pubbliche amministrazioni si accede mediante concorso, salvo i casi stabiliti dalla legge. (grifos nossos) 40
Art. 77. Il Governo non pu, senza delegazione delle Camere, emanare decreti che abbiano valore di legge ordinaria. Quando, in casi straordinari di necessit e durgenza, il Governo adotta, sotto la sua responsabilit, provvedimenti provvisori con forza di legge, deve il giorno stesso presentarli per la conversione alle Camere che, anche se sciolte, sono appositamente convocate e si riuniscono entro cinque giorni. I decreti perdono efficacia sin dallinizio, se non sono convertiti in legge entro sessanta giorni dalla loro pubblicazione. Le Camere possono tuttavia regolare con legge i rapporti giuridici sorti sulla base dei decreti non convertiti. (grifos nossos)
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Contudo, conforme relata o publicista portugus, tal fato no impediu inclusive no mbito jurisprudencial e doutrinrio o reconhecimento de uma reserva em sentido puramente funcional, partindo-se de uma noo de que o poder normativo do parlamento no ilimitado. O compartilhamento da responsabilidade do poder de direo (indirizzo) com o Parlamento, bem como a posio constitucional do Poder Executivo italiano, fez reconhecer ao Legislativo somente o exerccio de um poder de direo em matria organizatria de carter inicial, porm um poder de contedo mnimo, no totalizante, limitado aos princpios e critrios fundamentais, dos quais o poder regulamentar bastante amplo nesse mbito deve se subordinar.
Essa reserva em sentido puramente funcional reconhecida no direito italiano nada mais do que um dos importantes aspectos da aqui denominada reserva de administrao em sentido estrito (oposta em face da funo legislativa).
O Tribunal Constitucional Alemo desenvolveu na dcada de 70 a chamada teoria da essencialidade.41 De maneira bastante sucinta, extrai-se dela que a lei deveria disciplinar apenas um ncleo de matrias restrito quilo que fosse essencial especialmente a liberdade, a vida, os direitos fundamentais, etc. ficando as demais matrias a cargo de outras fontes. A essencialidade no teria um contedo imutvel, podendo essa sofrer alteraes ao longo do tempo. O que certo, entretanto, a concluso de que, quanto maior a importncia da carga axiolgica da matria regulada, maior deveria ser a intensidade da reserva da lei.
MONCADA (2002, p. 375-381) relata que o ordenamento constitucional alemo nem autoriza explicita ou implicitamente nem encerra a possibilidade de existncia de uma reserva material de administrao.42 A partir disso, a doutrina daquele pas se dividiu, basicamente, em trs posies a respeito da reserva de administrao.
A primeira no admitia tal instituto sob o argumento de que no h previso na Constituio alem, de maneira que no se extrai nenhuma deciso fundamental favorvel a uma reserva de administrao. Alm disso, argumentam que o principio democrtico e princpio do Estado de Direito vedariam a existncia de tal campo. Tal corrente compreende a teoria da essencialidade no como a criao de um ncleo de competncia prpria do Executivo a ttulo reservado ou originrio, mas sim como um impedimento de que a lei v alm do que aquilo que lhe compita por natureza (seja em qualquer campo material).
A segunda entendia ser possvel a reserva de administrao no direito alemo com base em um entendimento institucional e funcional do Poder Executivo. Considera-se a reserva de administrao como uma figura geral de contedo dogmtico e com proteo constitucional expressa. Trata-se do carter constitutivo da atribuio constitucional das competncias objetivamente definidas na Constituio, e no atribuda subjetividade do interprete do Poder Executivo que trazia correspondentemente consigo uma proibio de usurpao de poderes (na exata medida das competncias previstas). Tal reserva de administrao, segundo essa
41
Sobre o desenvolvimento de tal teoria, vide: MONCADA (2002, p. 171-185). 42
Infere-se do contexto da obra que o conceito de reserva material de administrao aproxima-se do que aqui se denominou de reserva de regulamento.
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corrente, manifestar-se-ia de formas particulares, como uma reserva de administrao autrquica local, reserva de regulamentos executivos e complementares, reserva de organizao interna da administrao e reserva de normas autrquicas institucionais.
Por fim, uma terceira viso admitia apenas reservas especiais de administrao, em oposio a uma figura geral proposta pela segunda corrente. Tais reservas no seriam necessariamente absolutas. Ao contrrio, seriam predominantemente relativas e sujeitas preferncia da lei, no campo em que a lei quiser intervir. Ou seja, haveria reservas especiais de administrao decorrentes da prpria vontade do legislador.
Percebe-se, portanto, que a doutrina alem, a exemplo do que ocorre tambm no direito italiano, desenvolve o instituto da reserva de administrao em um significado no coincidente com o da reserva de regulamento. Assim, o instituto no pode ser compreendido como uma mera oposio reserva de lei como ocorre de maneira mais clara no direito francs.
O direito portugus, por sua vez, estabeleceu um campo residual consagrado no artigo 198 (mais precisamente em seu item 1, alnea a), da Constituio do pas, que estabelece a competncia legislativa do Governo.43 Trata-se, inclusive, da mesma tcnica utilizada pelos franceses, de estabelecer primeiramente o campo da lei (no caso portugus, tanto um campo de matrias indelegveis como de matrias delegveis),44 com atribuio residual de um campo legislativo destinado ao Governo.
43 Segundo o mencionado dispositivo: 1. Compete ao Governo, no exerccio de funes legislativas: a) Fazer decretos-leis em matrias no reservadas Assembleia da Repblica; b) Fazer decretos-leis em matrias de reserva relativa da Assembleia da Repblica, mediante autorizao desta; c) Fazer decretos-leis de desenvolvimento dos princpios ou das bases gerais dos regimes jurdicos contidos em leis que a eles se circunscrevam. 2. da exclusiva competncia legislativa do Governo a matria respeitante sua prpria organizao e funcionamento. 3. Os decretos-leis previstos nas alneas b) e c) do n. 1 devem invocar expressamente a lei de autorizao legislativa ou a lei de bases ao abrigo da qual so aprovados. (grifos nossos) 44
Artigo 164.
Reserva absoluta de competncia legislativa
da exclusiva competncia da Assembleia da Repblica legislar sobre as seguintes matrias:
(...)
Artigo 165.
Reserva relativa de competncia legislativa
1. da exclusiva competncia da Assembleia da Repblica legislar sobre as seguintes matrias, salvo
autorizao ao Governo:
(...)
2. As leis de autorizao legislativa devem definir o objecto, o sentido, a extenso e a durao da autorizao, a qual pode ser prorrogada. 3. As autorizaes legislativas no podem ser utilizadas mais de uma vez, sem prejuzo da sua execuo parcelada. 4. As autorizaes caducam com a demisso do Governo a que tiverem sido concedidas, com o termo da legislatura ou com a dissoluo da Assembleia da Repblica. 5. As autorizaes concedidas ao Governo na lei do Oramento observam o disposto no presente artigo e, quando incidam sobre matria fiscal, s caducam no termo do ano econmico a que respeitam.
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Todavia, essa possibilidade de edio de decretos-leis nos campos no reservados ao Parlamento no configura um campo de reserva de regulamento propriamente dito, haja vista que no h vedao para a atuao da lei nesse campo. Embora os decretos-leis editados tenham natureza de ato legislativo, conforme o artigo 112, item 1,45 a Assembleia da Repblica possui, conforme o artigo 161, alnea c,46 competncia legislativa geral salvo as matrias reservadas pela Constituio ao Governo. Assim, aparentemente esse um campo para edio de regulamentos independentes.47
Determinou expressamente a Constituio portuguesa, contudo, no item 2 do mencionado artigo 198, a competncia legislativa exclusiva do Governo a respeito de matrias relativas sua prpria organizao e funcionamento.48 Esse campo sim configura uma reserva de regulamento considerando o sentido aqui adotado.
Percebe-se, portanto, da anlise do instituto no mbito dos ordenamentos de alguns
pases europeus, que a reserva de administrao discutida tanto em seu aspecto de
reserva de regulamento como em seu sentido estrito. Portanto, no estudo desse
instituto no Brasil, importante ter em vista esses dois aspectos conceituais.
5 Reserva de administrao e reserva de regulamento no Brasil
Com base nessas premissas conceituais e na abordagem do instituto no direito de alguns pases europeus, analisa-se o instituto da reserva de administrao no Brasil.
45
So actos legislativos as leis, os decretos-leis e os decretos legislativos regionais. 46
Artigo 161. Competncia poltica e legislativa Compete Assembleia da Repblica: (...) c) Fazer leis sobre todas as matrias, salvo as reservadas pela Constituio ao Governo; 47
Deve-se ter cuidado em utilizar a expresso regulamento independente no contexto do direito portugus, uma vez que tal expresso apresenta um significado mais especfico do que o ora estabelecido. A Constituio portuguesa prev expressamente o regulamento independente no artigo 112, item 6 (Os regulamentos do Governo revestem a forma de decreto regulamentar quando tal seja determinado pela lei que regulamentam, bem como no caso de regulamentos independentes). Regulamentos independentes seriam aqueles editados no mbito da competncia administrativa do Governo, sem se referir a alguma lei especfica, visando dinamizar a ordem jurdica em geral. Todavia, embora o alcance do regulamente independente seja tema muito polmico, bastante aceita a ideia de que esse regulamento deve se conformar e se submeter hierarquicamente com o conjunto de atos legislativos nesse sentido, VAZ (1996, p. 483-484) e MONCADA (2002, p. 987-1027). Alias, esse ltimo autor ressalta que a competncia legislativa geral do Governo (de edio de decretos-leis em espaos no reservados ao Parlamento), que cercada de garantias (notadamente a fiscalizao preventiva de constitucionalidade, a apreciao parlamentar e aprovao pelo Conselho de Ministros), faz com que a utilizao do regulamento independente simplesmente como mecanismo de preenchimento de lacunas de lei seja incompatvel com o contexto constitucional. Assim, o regulamento independente, embora no tenha uma estrita vinculao com a legalidade, segue a regra de necessidade de fundamentao legal do poder regulamentar. Deste modo, as prprias expresses reserva de regulamento e regulamento autnomo mostram-se terminologicamente inadequadas ao contexto portugus ao menos nos significados adotados neste ensaio uma vez que o Governo detm uma competncia legislativa por meio dos decretos-leis distinta da competncia regulamentar. 48
Competncia legislativa do Governo essa relativizada somente no tocante aos servios de apoio do
Presidente da Repblica (que englobam tanto a Casa Civil como a Casa Militar), conforme o artigo 164,
v, da Constituio Portuguesa.
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Quanto reserva de administrao em sentido estrito, aparentemente inquestionvel o reconhecimento de sua existncia nos moldes em que foi definida neste estudo vez que decorre da separao de poderes. Alias, inclusive um pressuposto de um Estado de Direito da maneira como esse concebido atualmente. Evidentemente que o simples reconhecimento de sua existncia no exime os imensos desafios de se reconhecer, sobretudo em situaes concretas, a dimenso do seu campo de proteo.
Como os problemas ligados reserva de administrao em sentido estrito j foram desenvolvidas no item 3 do presente, passa-se a analisar a reserva de administrao sob o enfoque da reserva de regulamento e sua (eventual) existncia no Brasil.
5.1 Histrico do instituto
As polmicas a respeito da existncia da reserva de regulamento, consubstanciados nos regulamentos autnomos e independentes, no Brasil, no so novidade trazidas pela Emenda Constitucional n 32/2001, tampouco pela Constituio de 1988. Desde que o instituto se consolidou na Frana na dcada de 50, doutrinadores do Direito Pblico brasileiro discutem a pertinncia do tema em face do nosso Direito.
5.1.1 O posicionamento da doutrina antes da constituio de 1988
Os diversos doutrinadores que combatiam a existncia da reserva de regulamento afirmavam que no havia no Brasil norma semelhante ao artigo 37 do direito francs.49 BINENBOJM (2008, p. 159) relata que Geraldo Ataliba afirmou ser at ridculo que um brasileiro, tratando da faculdade regulamentar, luz do nosso direito, abra um tpico sob tal designao (regulamento autnomo), e continua parafraseando o discurso *t+o ridculo como seria criar um captulo sobre as inspiraes de Alah na ao dos seus delegados governantes.
Entretanto, com o advento da Emenda Constitucional n 01/1969, parte da doutrina, com fundamento no artigo 81, inciso V, da mencionada Constituio de redao semelhante redao atual do artigo 84, inciso VI, alnea a, da atual admitiam a reserva de regulamento. Esse posicionamento pode ser buscado em publicaes anteriores Constituio de 1988 de alguns doutrinadores como SILVA (1987, p. 572).
Ocorre que, a despeito de parte da doutrina defender os regulamentos autnomos, muitos deles tratavam os regulamentos como sinnimos dos independentes. O Supremo Tribunal Federal ao apreciar o mencionado dispositivo na Representao n 1508-4,50 admitiu a possibilidade de regulamento autnomo na ocasio, desde que esse no invadisse espao destinado reserva de lei e no afete direitos individuais.
Ocorre que no julgamento da mencionada Reclamao,51 o Supremo Tribunal no partiu da distino aqui proposta entre regulamento autnomo e independente. No
49
Vide, por exemplo, BANDEIRA DE MELLO (1969, p. 313). 50
Representao n 1.508-4/MT, Rel. Min. Oscar Correa, Julgamento: 29/09/1988. 51
Alias, o parecer do Procurador-Geral da Repblica poca, mencionado na ntegra no inteiro teor do julgamento, conta com uma vasta gama de citaes doutrinrias acerca do tema (relativos, evidentemente, ao perodo anterior Constituio de 1988).
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apreciou-se a questo da possibilidade da lei adentrar no campo do regulamento contido artigo 81, inciso V, da EC 01/1969, tampouco a aplicabilidade do princpio da primazia da lei nesse campo. Assim, aparentemente foi aceito a existncia dos regulamentos independentes, mas no a questo do regulamento autnomo.
5.1.2 A Constituio de 1988
O texto original da Constituio Federal 1988 no possua nenhuma disposio que privilegiasse uma posio favorvel existncia de uma reserva de regulamento. Deste modo, praticamente todos os adeptos da reserva de regulamento tiveram que recuar em suas posies, reconhecendo a inexistncia do instituto no direito ptrio.
Hely Lopes Meirelles, por sua vez, continuou a sustentar a existncia de regulamentos autnomos no Brasil. Entretanto, ao se referir ao regulamento autnomo, o autor aproximava-se mais ao conceito aqui utilizado para regulamento independente.
Segundo o administrativista, o poder de regulamentar a lei e suprir as omisses legislativas oriundas tanto da impossibilidade de se prever todas as situaes e fatos, como das omisses propriamente ditas esto implcitos no prprio ofcio de se chefiar a Administrao Pblica, haja vista o reclamo por providncias imediatas, desde que no se invada os domnios das chamadas reservas de lei, existentes, sobretudo, nos campos que afetem direitos e garantias individuais assegurados pela Constituio (MEIRELLES, 1991, p. 107). Assim, haveria a aplicao do princpio da primazia da lei. Portanto, considerando o conceito de reserva de regulamento ora adotado, a prpria doutrina, de modo praticamente unssono, no o admitia.
Interessante observar que DI PIETRO (1999, p. 142), em obra anterior edio da Emenda Constitucional 32/01, a despeito de no reconhecer (at ento) a existncia do regulamento autnomo no Direito brasileiro, criticava esse aspecto da Constituio, pois entendia ser necessria, no mbito da organizao interna da Administrao, alguma previso nesse sentido. Conforme a autora nem mesmo os regulamentos autnomos em matria de organizao administrativa existem no direito brasileiro, o que lamentvel porque esse poder atribudo aos demais Poderes.
Contudo, com a posterior edio da Emenda Constitucional n 32 de 2001, reascendeu-se as discusses a respeito da existncia de uma reserva de administrao.
5.1.3 Emenda Constitucional 32/2001
Dentre as modificaes trazidas pela emenda em comento, destaca-se a alterao das redaes do artigo 48, XI, e do artigo 84, inciso VI, da Constituio.52 Conforme a nova redao desses dispositivos, a competncia para dispor sobre a organizao e funcionamento da administrao federal, quando no implicar aumento de despesa
52 Art. 84. Compete privativamente ao Presidente da Repblica: (...) VI - dispor, mediante decreto, sobre: (Redao dada pela Emenda Constitucional n 32, de 2001) a) organizao e funcionamento da administrao federal, quando no implicar aumento de despesa nem criao ou extino de rgos pblicos; (Includa pela Emenda Constitucional n 32, de 2001) b) extino de funes ou cargos pblicos, quando vagos; (Includa pela Emenda Constitucional n 32, de 2001). (grifos nossos)
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nem criao ou extino de rgos pblicos, passou a ser privativa do Presidente da Repblica, que a exerce mediante decreto. Foi retirada, assim, a necessidade do Poder Legislativo tratar de matrias relacionadas estruturao e atribuies dos Ministrios, assim como dos demais rgos da Administrao Pblica.53
Cumpre observar, desde j, que a nova redao do artigo 84, inciso VI, alnea b no interfere ou no deveria interferir nas discusses a respeito da existncia de uma reserva de regulamento, uma vez que se refere a atos administrativos concretos ainda que veiculados por meio de decretos. O que se pode discutir, no mximo, so questes ligadas s reservas de administrao em sentido estrito.
Desta maneira, discute-se na doutrina se a mencionada alnea a, do inciso VI, do artigo 84, da Constituio brasileira de 1988 trouxe baila a figura da reserva de regulamento, naquele campo restrito.
5.2 Posies doutrinrias a respeito da reserva de regulamento no
Brasil
Conforme as informaes bibliogrficas levantadas, atualmente identifica-se no Brasil ao menos duas correntes acerca da admissibilidade dos regulamentos autnomos.
A primeira delas, negando sumariamente a existncia no Brasil dos regulamentos autnomos, funda-se em uma compreenso rgida do princpio da legalidade. Adepto dessa corrente, BANDEIRA DE MELLO (2010, p. 103-104 e p. 342-343), com bastante repulsa ao instituto, afirma que a nova redao dada ao artigo 84, inciso VI, alnea a, configura-se como um mero arranjo intestino de rgo, j criados por lei. Por conta disso, aponta o autor que essa atribuio conferida ao Chefe do Poder Executivo no configura um regulamento autnomo conforme os moldes europeus.
Nesse mesmo sentido, CARVALHO FILHO (2013, p. 63-65), entende que o dispositivo no se configura como exceo ao princpio da legalidade. Isso porque, ao contrrio das medidas provisrias, tais atos tm natureza regulamentar e no de normatividade primria, estando esses submetidos lei.
A segunda corrente entende que a referida emenda criou um campo, ainda que pequeno, consistente em uma reserva de regulamento, uma vez que a lei que violar tal dispositivo estar eivada de inconstitucionalidade formal.
53 Para ilustrar tal alterao, interessante transcrever a redao, anterior EC 32/2001 e atual, do inciso XI, do artigo 48 da Constituio: Art. 48. Cabe ao Congresso Nacional, com a sano do Presidente da Repblica, no exigida esta para o especificado nos arts. 49, 51 e 52, dispor sobre todas as matrias de competncia da Unio, especialmente sobre: (...) XI - criao e extino de Ministrios e rgos da administrao pblica; (Redao dada pela Emenda Constitucional n 32, de 2001) XI - criao, estruturao e atribuies dos Ministrios e rgos da