Resistencia a Teoria
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Universidade do Porto Faculdade de letras
Mestrado em Teoria da Literatura Confronto de Paradigmas
2003 / 2004
(Resistindo ) A Resistncia Teoria
de
Paul de Man
Marivalda Lucienne da Cruz Gonalves
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0. Introduo:
O presente texto surge como uma tentativa de leitura do ensaio A Resistncia Teoria, de
Paul de Man, almejando uma compreenso dos princpios subjacentes ao texto damaniano,
iniciaremos por uma reflexo acerca da sua concepo de linguagem (e literariedade) em
articulao com a radicalidade da leitura (a necessria tenso interna entre os constituintes:
gramtica e retrica), passando para a anlise do(s) sentido(s) da resistncia teoria, e,
por ltimo, a respectiva articulao da literatura com o conhecimento do mundo (a arremetida
epistemolgica da dimenso retrica).
Porqu o ttulo (Resistindo ) A Resistncia Teoria?
Como refere Goldzich a resistncia uma propriedade do referente (...) que permite a este
referente tornar-se o objecto de conhecimento do sujeito que somos1. Tomamos assim a acepo
tcnica do termo (resistindo) como forma de enunciar o nosso propsito que , fundamentalmente
cognitivo (compreensivo). Assim, a resistncia que o prprio ensaio nos oferece surge como
elemento constitutivo da nossa leitura enquanto processo cognitivo que subjaz a qualquer
tentativa de compreenso. Resistindo, numa primeira instncia resistncia que advm do facto
de falarmos da linguagem com linguagem2 e, numa segunda instncia, resistindo prpria
resistncia que nos oferece a linguagem damaniana, partiremos da sua concepo de linguagem
literria em articulao com a sua proposta de uma leitura retrica. Seguidamente passaremos
anlise do(s) sentido(s) da resistncia teoria, e por fim, veremos qual a relao da
literatura com o conhecimento do mundo (e do homem), o que pressupe, desde logo que,
contrariamente a algumas crticas feitas sua teoria, Paul de Man no nega a dimenso
referencial da linguagem (contedo semntico).
De acordo com Paul de Man as metodologias lingusticas so aquelas que melhor se conseguem
ajustar verdade do seu objecto sendo por isso mesmo que ambas compartilham algo que se
define como literariedade3 (e que se tornou o objecto da teoria literria). o que acontece
com o estruturalismo e a semiologia, cujas abordagens assumem um mrito reconhecido,
considerando-as como teorias literrias genunas, na medida em que fundamentam as suas anlises,
no em consideraes de carcter histrico ou esttico mas sim nos princpios da lingustica de
raiz saussuriana com a respectiva introduo da terminologia lingustica4 nos estudos
literrios, acontecimento que, nas suas palavras inaugura o advento da teoria (...) e que a
aparta da histria literria e da crtica literria5.
Por outro lado, a sua refutao das metodologias estruturalistas, advm da reduo que as mesmas
efectuam dos textos literrios ao seu cdigo, estrutura, ou gramtica, procurando atingir uma
explicao sistemtica e globalizante, passando (sem dificuldade aparente) das estruturas
1 Cf. A Resistncia Teoria, Introduo de Wlad Godzich, (1989:13)
2 Como refere de Man, a resistncia da linguagem linguagem que fundamenta todas outras formas de resistncia.
3 Da que Paul de Man, nas suas investigaes no estabelea uma diferenciao entre a linguagem crtica
(terica) e literatura. 4 Cf. A Resistncia Teoria, Por terminologia lingustica entende-se uma terminologia que designa a referncia antes de designar o
referente (...) considera a referncia como uma funo da linguagem e no necessariamente como uma intuio., (1979:28/29) 5 Ibidem, (1979:28)
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gramaticais para as estruturas retricas como se no existisse discrepncia entre elas6. Por
oposio, as metodologias de tipo ps-estruturalista, nomeadamente o tipo de anlise proposta
por Paul de Man, partem da conscincia de que os mecanismos do prprio texto subvertem qualquer
tentativa de se atingir um conhecimento sistemtico e totalitrio. Neste sentido todo o processo
de leitura retrica tem em ateno as contradies internas do texto, a tenso entre os dois
plos: a gramtica (sentido literal) e a retrica (sentido figural), gerando uma oscilao,
uma indeterminao permanente em todo o processo de leitura. este ndice de disrupo
interna que inviabiliza a percepo do texto como uma unidade orgnica.
Paul de Man postula e adopta uma abordagem pragmtica, j que, no seu entender se a condio de
existncia de uma entidade em si mesma crtica, ento a teoria desta entidade cai forosamente
no pragmtico7, em outros termos, se a prpria dimenso ontolgica do seu objecto (o que a
literatura?) j por si problemtica, a teoria (que tem uma funo cognitiva da literatura) ir
comportar necessariamente uma dimenso pragmtica que a pode enfraquecer como teoria, mas que
acrescenta um elemento subversivo de imprevisibilidade e a torna um pouco como uma carta
desemparelhada no srio jogo das disciplinas tericas8. Este carcter subversivo de
imprevisibilidade da teoria gerador de ansiedade e, como tal tende a ser evitado (ignorado)
pela adopo de estratgias diversas, como por exemplo a reduo da dimenso figural gramtica
(que no instaura qualquer ruptura entre a lgica e consequente articulao com o mundo
fenomenal) ou ainda, e convocando Derrida, uma estratgia que passa pela reduo ou
neutralizao da estruturalidade da estrutura que consiste na sua atribuio de um centro ou em
referi-la a um ponto de presena, a uma origem fixa, (fechamento da estrutura) como forma de
dominar essa ansiedade que resulta sempre de um certo modo de estar envolvido no jogo, de
estar, por assim dizer, desde o princpio em jogo no prprio jogo9. Entende-se nesta mesma
linha, o apagamento do sujeito pelas metodologias estruturalistas, a favor de um ponto de vista
enquanto estratgia que garanta ao mtodo a sua permanncia no mbito da racionalidade10.
Assim sendo, o propsito de Paul de Man , no propriamente o de apresentar uma metodologia que
venha colmatar as dificuldades e cegueira apontadas s metodologias anteriores (o que parece
ser prtica corrente entre os tericos da literatura), mas sim em determinar o que no
empreendimento terico em si, o cega para a radicalidade da leitura11.
6 Cf. Alegorias da Leitura (1979:17/35)
7 Cf. Resistncia Teoria (1989:25)
8 Ibidem, (1989:28)
9 Cf. Estrutura, Signo e Jogo no Discurso das Cincias Sociais, In A Controvrsia Estruturalista (1970: 260/284)
10 Estratgia que segundo de Man se revela falaciosa na medida em que impossvel falar de um texto como funcionando estrategicamente
sem projectar nele a metfora de um sujeito ou de uma conscincia intencional. (1971:309) 11 Cf. Resistncia Teoria, introduo (1989:11)
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1. Linguagem e literariedade:
(A radicalidade da leitura)
A linguagem no pode falar das leis da linguagem seno em linguagem que se desqualifica como conhecimento
no momento em que se postula como linguagem. (Hillis Miller, In A tica da Leitura, p.77)
As abordagens lingusticas do texto literrio, particularmente a partir dos estudos de Saussure
(e, posteriormente de Benveniste), como o caso da semiologia, destacam-se pela sua crtica da
linguagem, entendida, desta feita como um sistema de signos e de significao em vez de um
modelo estabelecido de sentidos, o que concorre para a superao das limitaes referenciais
que caracterizavam as teorias mimticas (representativas) e expressivas da literatura (como
expresso de uma interioridade), passando as anlises da literatura a fundamentar-se em aspectos
lingusticos, o que releva de uma forte conscincia da discrepncia entre a linguagem e o mundo
fenomenal12. Destaca-se neste mbito, os estudos de Benveniste que, ao debruar-se sobre o
funcionamento da dexis, enquanto mecanismo que permite a ancoragem do discurso, acabou por
desmascarar o mito da referencialidade lingustica, isto , ps em relevo a mencionada
discrepncia entre a linguagem e o mundo fenomenal. Tal no significa que se passe a negar a
dimenso referencial da linguagem, o que importa compreender que, numa primeira instncia a
linguagem referencia ela mesma, sendo este acto de referncia inaugural que abre um espao que
permite todas as outras formas de referncia 13.
Contudo, como assinala Paul de Man, a dificuldade e problemtica inerentes tentativa de
teorizao da linguagem (verdadeiro enigma) sempre se manifestou ao longo da histria das
teorias da linguagem, podendo ser localizada, desde logo, no modelo lingustico do trivium
clssico (cincias no-verbais). J aqui se manifesta um ndice de tenso e desequilbrio, onde
as dificuldades, diz-nos de Man se estendem s articulaes internas entre as partes
constituintes (lgica, gramtica e retrica), bem como articulao do campo da linguagem com o
conhecimento do mundo em geral (cincias naturais). Ou seja, se o elo de ligao entre a lgica
e as cincias naturais (quadrivium) pacfico, que dizer relativamente relao dos
constituintes do trivium, isto , a relao entre gramtica, lgica e retrica? Quanto lgica
e a gramtica14 mantm-se o equilbrio do modelo dado que a gramtica encontra-se ao servio da
lgica, que, por sua vez, permite a passagem ao mundo do conhecimento.
A tenso e desequilbrio interior do modelo surge quando se quebra esta relao de supremacia da
lgica, o que acontece sempre que estejamos face utilizao da linguagem que pe a funo
retrica acima da gramatical e da lgica15, isto , a literatura (e crtica), ou mais
especificamente a literariedade.
12 Refira-se a este propsito que Paul de Man postula que apenas uma lingustica no-fenomenal poder
libertar o discurso sobre a literatura de oposies ingnuas entre fico e realidade (1989:16/17) 13 Cf. a este propsito Resistncia Teoria, introduo, (1989:16/17)
14 A gramtica um istopo da lgica, ou seja funcionam segundo os mesmos princpios, assim as
metodologias de base gramatical partilham as pretenses de universalidade que a lgica possui em comum com
a cincia. Ibidem, (1989:35) 15 Ibidem, (1989:35)
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Segundo de Man a literariedade no se identifica com a resposta esttica (a literariedade no
uma qualidade esttica), nem com uma qualidade mimtica16. Quanto confuso que se estabelece
entre resposta esttica e literariedade decorre de leituras que tendem a confundir a
materialidade do significante com a materialidade daquilo que ele significa17 o que releva de
uma conscincia cratiliana da linguagem em que os signos so percepcionados como sinais
motivados, particularmente na linguagem potica. Isto , confunde-se a fenomenalidade do signo
(o som, ou a grafia) com a sua funo significante, quando este efeito de facto conseguido
graas dimenso figural da linguagem, tratando-se de um mecanismo retrico, da mesma forma que
a mimese no mais do que uma figura em que a linguagem imita uma entidade no-verbal.18
Assim, as premissas fundamentais a partir das quais Paul de Man assenta a sua proposta de uma
leitura retrica podem ser enunciadas nos seguintes termos: por um lado, no existe uma
convergncia entre o mundo fenomenal e o campo da linguagem, existe um hiato entre o signo e o
seu referente, dado que toda a linguagem refere primeiramente ela mesma, isto , toda a
linguagem uma linguagem sobre a denominao, ou seja, uma metalinguagem conceptual, figurativa
e metafrica19 por outro lado, a linguagem e, mais especificamente, a literatura (que pe a
funo retrica acima da gramtica e da lgica), determinada por uma tenso interna entre
gramtica (o sentido literal) e a retrica (o sentido figural), no existindo como tal, qualquer
possibilidade de se estabelecer uma leitura unvoca, uma leitura abrangente e totalizadora, dado
que no momento em que apreendemos um dado sentido (literal), este de imediato subvertido pela
dimenso retrica (figural) do prprio texto.20
Gramtica e retrica comparticipam em qualquer processo de leitura e saber ler, no sentido
damaniano, pressupe o reconhecimento das tenses internas entre os dois plos. neste sentido
que Paul de Man aponta a fuga leitura dos estruturalistas que, na sua nsia pela
descodificao plena da estrutura, uma leitura globalizante, acabam por proceder
gramaticalizao da retrica, entendendo as figuras do texto como um sentido figurado que
deriva de denominao literal ou prpria21 ou ento, entendendo-as esteticamente como ornamentos
lingusticos (hermenutica tradicional), sem considerar a possibilidade de tenses internas que
frustram qualquer possibilidade de fuso entre as duas dimenses22.
A leitura (genuna), implica o reconhecimento de que a literatura no uma mensagem
transparente, bem como a conscincia de que toda a descodificao gramatical de um texto deixa
um resduo que no pode ser resolvido por meios gramaticais. Se a gramtica estabelece uma
relao pacfica com a lgica (que, por sua vez, viabiliza uma articulao com o mundo
16 O que se articula com o facto de toda a sua proposta metodolgica (leitura retrica) se insurgir contra
as abordagens de orientao esttica ou mimtica da literatura. 17 Ibidem, (1989:31)
18 Ibidem, (1989:30)
19 Ideia que se articula com a rejeio damaniana de uma subordinao da teoria literria filosofia, mais
especificamente esttica. 20 So estes os momentos perversos e aporticos do texto a serem considerados numa leitura retrica.
21 Cf. Alegorias da Leitura (1979:127)
22 Propsito que se revela pelo recurso de conceitos como paradoxo ou ambiguidade como uma unidade
conceptual que permite a fuso (ilusria) do sentido literal e figural de um texto.
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fenomenal23 sem qualquer ndice de disrupo), no texto literrio (em que a funo retrica se
sobrepe gramatical e lgica) este equilbrio (gramtica/lgica/mundo fenomenal)
completamente destrudo, visto que a retrica suspende radicalmente a lgica e abre
vertiginosas possibilidades de aberrao o referencial24. Assim se entende a assumpo de que a
leitura desfaz a continuidade entre o retrico e o fenomenal, obrigando ao reconhecimento da
incompatibilidade da linguagem e da intuio (domnio do fenomenal). Gramtica e figurao
afirmam-se como elementos constitutivos da leitura atravs de uma relao dialctica de
inscrio (momento de iluso referencial) e apagamento (momento em que a retrica desfaz a
presuno de referncia) e, como tal, saber ler (no sentido damaniano), pressupe o
reconhecimento da necessria indecibilidade o momento em que no mais possvel decidir entre
sentido literal e figurativo, sendo este o lugar da aporia que nos confronta com a radicalidade
da leitura: verdadeiro processo negativo no qual a cognio gramatical destruda pela sua
deslocao retrica25.
Os princpios enunciados, acabam por constituir-se como os pressupostos de base da proposta
metodolgica de De Man, a leitura retrica ou, segundo a terminologia de Hillis Miller, a
deconstructive reading, em que a interpretao surge no como um ponto atingido, mas permanece
um movimento incessante que advm da oscilao entre gramtica (host) e retrica (parasite).
Trata-se enfim, do reconhecimento do mecanismo retrico do texto que nos convida a uma leitura
em que, nas palavras de Miller, se assume como princpio tcito a noo de que: () On the one
hand, the obvious and univocal reading always contains the deconstructive reading as a
parasite encrypted within itself as a part of itself. On the other hand, the deconstructive
reading can by no means free itself from the metaphysical reading it means to context.26 Uma
formulao que refora (e se articula com) a ideia avanada por Goldzich, isto , a conscincia
de que toda a leitura implica o movimento entre um momento de inscrio ( the obvious and
univocal reading) que de imediato subvertida por um momento de apagamento (ou seja, pela
deconstrtuctive reading).
Em suma, uma leitura retrica (verdadeira leitura) pressupe a capacidade de se aceitar sentidos
plurais e incompatveis, uma vez que o sentido referencial de um texto altamente instvel,
todas as nossa expectativas referenciais so, em determinado momento goradas pelo prprio
mecanismo retrico do texto. Parece-nos oportuna, neste mbito, a reflexo de Jonathan Culler
relativamente a esta problemtica, atravs da introduo do par dicotmico leitura e
desleitura, entendimento e desentendimento enquanto mecanismos constitutivos da leitura:
Leitura e entendimento preservam ou reproduzem um contedo ou sentido, mantm sua identidade,
enquanto desentendimento e desleitura o distorcem; eles produzem ou introduzem uma diferena.
Mas pode-se argumentar que, de facto, a transformao ou modificao do sentido, que caracteriza
23 Refira-se que de Man postula a necessidade de uma lingustica no fenomenal (lingustica da
literariedade) como a melhor ferramenta para desmascarar as ideologias dado que estas no passam de uma
confuso da lingustica com a realidade natural. 24 Cf. Alegorias da Leitura (1979:25)
25 Cf. Resistncia Teoria (1989:38)
26 Cf. Miller, Hillis, In Deconstruction and Criticism (1979:224/25). A este propsito ainda, veja-se a
segunite observao: The poem (The Trimph of Life), lihe all texts, is unreadable, if by readable
one means a single, definite interpretation. In fact, neither the ovious reading nor the
desconstrctionist reading is univocal. Each contains, necessarily, its eneny within itself,is itself
both host and parasite. (1979:226)
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o desentendimento age tambm no que chamamos de entendimento.27 Est em causa a complexidade do
texto, a respectiva reversibilidade dos tropos que torna as operaes interpretativas (i.e. a
leitura) uma espcie de pndulo em permanente oscilao entre: inscrio/apagamento,
leitura/desleitura, gramtica/retrica: verdadeira vertigem que desconcerta e inviabiliza o
fechamento da estrutura, fazendo-nos sentir, de certo modo, em jogo no prprio jogo
(Derrida).
Sentido(s) da resistncia teoria:
A resistncia teoria uma resistncia utilizao da linguagem sobre a linguagem. (R.T., p.33)
Nada pode vencer a resistncia teoria visto que a teoria em si a resistncia. (R.T. p. 41)
Propomos como incio deste tpico, duas citaes do ensaio em anlise (R.T), em que a primeira
se reporta a uma das primeiras definies do autor relativamente s diferentes acepes (e
sentidos) de resistncia teoria. Assim, atentemos no segmento sublinhado: (a resistncia)
uma resistncia , isto , est patente uma relao antittica, uma espcie de contra-fora
entre dois plos, (resistncia teoria), que, nas ltimas linhas do ensaio (segunda citao) se
transmuda para teoria resistncia (fuso dos plos apresentados como antitticos na parte
inicial do argumento). esta a mestria discursiva utilizada por Paul de Man que, atravs de uma
argumentao solidamente construda nos vai guiando atravs das vrias formas de resistncia
teoria, desmascarando padres recorrentes na forma de se conceber a teoria literria28 at
constatao final de que teoria e resistncia so concomitantes. Tentemos pois acompanhar o
movimento argumentativo que subjaz estruturao do ensaio, de forma a verificarmos quais os
sentidos (e formas) da resistncia teoria.
Em que medida que a resistncia teoria uma resistncia utilizao da linguagem sobre a
linguagem? Retomamos a acepo tcnica do termo resistncia a que recorremos como forma de
fundamentar o ttulo do nosso texto: a resistncia uma propriedade do referente (...) que
permite a este referente tornar-se o objecto de conhecimento do sujeito que somos. Logo, tendo
a teoria um propsito cognitivo em relao linguagem29 (a literatura), apenas pela resistncia
que esta exerce face ao sujeito do conhecimento, que a mesma se pode instaurar como objecto de
conhecimento. Por outro lado, aceitar o facto de a linguagem referenciar o lugar da linguagem,
antes de estabelecer qualquer outro tipo de relao referencial30, significa pr em causa o
princpio subjacente de todos os modelos cognitivos e estticos, dado que a constatao da
necessria divergncia entre o mundo fenomenal e a linguagem mina por completo as pretenses da
linguagem (trivium) a estabelecer uma construo epistemologicamente estvel, uma vez que no
mais possvel ignorar o carcter convencional, metafrico e figurativo da linguagem31, a
27 Tanto a leitura quanto a desleitura, o entendimento e o desentendimento so casos de incorporao e
penetrao. (traduzido por mim) Cf. Culler, Jonathan (1983:176) 28 Tendencialmente oscila entre dois padres recorrentes na histria da teoria: por um lado, atitudes que
revelam um optimismo metodolgico (como o caso de Greimas) exacerbado, caractersticos das metodologias
com pretenses universalistas, ou ento, pela simples rejeio da teoria, entendendo-se a literariedade
como uma forma de verbalismo puro. 29 Como evidente referimo-nos a uma forma de linguagem particular, parafraseando de Man, a
literariedade, isto , uma utilizao da linguagem em que a funo retrica predomina sobre a gramtica e a
lgica. 30 A este propsito Paul de Man conclui que se toda a linguagem sobre a linguagem, ento o modelo
lingustico paradigmtico aquele de uma entidade que se confronta consigo mesmo. (1979:177) 31 Toda a formulao damaniana acerca da linguagem segue a esteira do pensamento nietzschiano, figura
paradigmtica das teorias literrias ps-estruturalistas.
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conscincia de que toda a linguagem se apresenta como um simulacro, uma representao
(convencional) e nunca a prpria coisa. Segundo Paul de Man, a partir desta forma seminal de
resistncia ( utilizao da linguagem sobre a linguagem) a partir da qual se iro instaurar
todas as outras formas de resistncia.
Paul de Man avana e eis que nos apresenta uma outra formulao (definio): A resistncia
teoria uma resistncia leitura. Entenda-se leitura no sentido damaniano de leitura
retrica (a genuna leitura). Esta fuga, diz-nos de Man pode assumir diferentes verses entre
os tericos da leitura, seja pela adopo de modelos gramaticais da leitura, seja pelos modelos
hermenuticos tradicionais (teorias de orientao esttica no sentido damaniano), ou ainda (de
forma mais astuta), pelas teorias da leitura do acto de fala.
Como tivemos oportunidade de documentar, a fuga leitura praticada pelos tericos que adoptam
um modelo gramatical da leitura consiste, essencialmente, numa leitura que tende
gramaticalizao de elementos figurativos (i.e. da retrica), tendo em vista viabilizar uma
descrio (tendencialmente) totalizadora dos mecanismos do texto. Inscreve-se, neste mbito
algumas prticas da semiologia literria (como por exemplo, Barhtes, Todorov, Genette e Greimas)
cujas anlises integram, sem qualquer tipo de descontinuidade, estruturas gramaticais e
estruturas retricas. De facto, diz-nos de Man, medida que o estudo das estruturas
gramaticais se aperfeioa nas teorias contemporneas da gramtica gerativa, transformacional e
distributiva, o estudo dos tropos e das figuras (que como o termo retrica utilizado aqui, e
no o sentido derivado de comentrio, ou da eloquncia ou da persuaso) se transforma numa mera
extenso de modelos gramaticais, um subconjunto especial de relaes sintcticas32.
Est assim salvaguardado o equilbrio do modelo do trivium e respectiva articulao com o mundo
fenomenal, atravs de uma estratgia que passa pela reduo do mecanismo retrico do texto a
uma estrutura gramatical. Assim, Paul de Man ir concluir que, desde que se fundamente na
gramtica, nenhuma teoria literria ter algo de ameaador, neste sentido, estes tericos da
leitura evitam, resistem leitura que preconizam, o que equivalente a afirmar que esta
resistncia leitura acaba por corresponder, efectivamente a uma forma de resistncia
dimenso retrica ou tropolgica da linguagem33.
Quanto s teorias da leitura do acto de fala, diz-nos de Man, repetem, de maneira muito mais
eficiente, a gramaticalizao do trivium custa da retrica34, acabando por levar a efeito uma
reduo dos operantes a um mero cdigo gramatical.
Assim, no caso da metodologia de Richard Ohmann35, o elo de ligao entre perfomance, gramtica,
lgica e sentido referencial estvel estabelecido pela adopo de uma distino terminolgica
entre efeito ilocutrio (objecto de estudo da teoria dos actos de fala) e efeito
perlocutrio (excludo do mbito de estudo). O efeito ilocutrio ser considerado como
convencional (de acordo com os pressupostos de uma dada comunidade), enquanto que o efeito
32 Cf. Alegorias da Leitura 1979:20)
33 Cf. Resistncia Teoria (1989:38)
34 Cf. Resistncia Teoria (1989:40)
35 Cf. How to Do Things With Austin and Searle, In. Is There a Text in This Class, de Fish, Stanley
(1980: 197/245))
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perlocutrio ser contingente (no havendo forma de ser previsto por pertencer ao domnio
afectivo36). Por outro lado, a sua metodologia assegurar uma articulao (continuidade)
pacfica entre os actos de fala e a gramtica ao propor uma classificao dos actos de
fala de acordo com os princpios (regras) da gramtica: As regras dos actos ilocucionrios
determinam se o desempenho de um dado acto bem executado, exactamente da mesma maneira como as
regras gramaticais determinam se o produto de um acto ilocucionrio uma frase bem
formado...37 Estamos, mais uma vez face a uma estratgia de evaso leitura, isto , uma
resistncia ao mecanismo retrico do texto.
O que podemos concluir relativamente a este padro, este evitar sistemtico da leitura por parte
de quem, supostamente preconiza a necessidade da leitura (literatura)?
Toda a argumentao do ensaio nos conduz constatao final de que toda a manifestao de
resistncia teoria ( leitura, retrica) constitui, no uma mera contingncia histrica38 (a
ser superada, corrigida por teorias futuras), mas constitui s por si um constituinte
incorporado no discurso da teoria literria (i.e. a teoria em si a resistncia). Alis, j em
O Ponto de Vista da Cegueira Paul de Man avanava que o evitar sistemtico do problema da
leitura, do momento interpretativo ou hermenutico, um sintoma geral partilhado por todos os
mtodos de anlise literria, quer sejam estruturais, temticos formalistas ou referenciais39.
Mas, como se explica este fenmeno no seio da crtica (teoria) literria? Qual a sua origem?
Como Paul de Man refere a resistncia radica no prprio discurso da teoria literria. Por outro
lado, sabemos que na perspectiva damaniana linguagem crtica e linguagem potica partilham de
algo que as aproxima, i.e. a literariedade, sendo como tal, qualquer distino entre ambas
puramente ilusria. Dever ainda ser considerado que, tal como de Man propusera: toda a
linguagem uma linguagem sobre a denominao, ou seja, uma metalinguagem conceptual, figurativa
e metafrica. Como tal ela partilha da cegueira da metfora, quando esta literaliza sua
indeterminao referencial numa unidade especfica de significado40. Ou seja, estamos
precisamente face ao fundamento de todas as formas de resistncia, de evaso leitura
(retrica), atravs de estratgias que passam pela gramaticalizao da retrica do texto.
Contrariamente, a leitura retrica, ou recorrendo terminologia de Hillis Miller, a
deconstructive reading prope uma abordagem dos textos em que finds in the text it interprets
the double antithetical patterns it identifies (...). It does not claim them as universal
explanatory structures (). Deconstruction attempts to resist the totalising and totalitarian
tendencies of criticism.41
36 Que, segundo estes tericos pertence ao domnio da retrica entendida exclusivamente como persuaso e
no como figura intralingustica ou tropo. Cf. Alegorisa da Leitura (1979:22) 37 Richard Ohman citado por Paul de Man, Ibidem, p. 23
38 Como refere de Man O evitar sistemtico da leitura no um fenmeno temporal ou espacialmente
determinado (...). O duplo movimento da revelao e recuo ser sempre inerente natureza de um discurso
crtico genuno. Cf. O Ponto de Vista da Cegueira (1971:311) 39 Ibidem, (1971:304)
40 Cf. "Alegorias da Leitura" sublinhado nosso (1979:177)
41 Cf. Ob. Cit. , ((1979:252)
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Assim, uma leitura retrica (que necessariamente, tem de continuar a resistir a essa tendncia
totalitria da crtica, dado que no est completamente imune em relao cegueira que
detecta nos outros mtodos de leitura), acabaria por se instituir como a destruio metdica da
construo gramatical e, na sua desarticulao sistemtica do trivium (...), acabaria por se
permitir a construo de um modelo universal da impossibilidade da linguagem ser uma linguagem
modelo42.
Em suma, compreender a radicalidade da leitura, aceitar que a resistncia , afinal de contas
um constituinte do discurso da teoria (a teoria em si a resistncia): impe-se como condio
sine qua non ao empreendimento terico em si, um projecto que floresce quanto mais se lhe
resiste, o que se explica porque, afinal de contas a linguagem que (a teoria) fala a
linguagem da auto-resistncia.43
3. Dimenso cognitiva da retrica:
(literatura e o conhecimento do mundo)
A literatura fico no porque recuse de algum modo reconhecer a realidade, mas porque no a priori
certo que a linguagem funcione de acordo com princpios que so os, ou que so como os, do mundo fenomenal.
No pois, certo a priori que a literatura seja uma fonte fidedigna de informao acerca seja do que for
seno da sua prpria linguagem. (1989:31)
Eis que nos confrontamos com a inevitvel questo que pressupe, mas no se detm na
interrogao que dit lnonc mtaphorique sur la ralit?44, podendo ser expandida
(fragmentada) para: qual a relao da literatura (enquanto linguagem que pe a funo retrica
acima da gramatical e da lgica) com o conhecimento do mundo? Porqu a necessidade da
literatura? O que que a literatura nos diz? Sem ter qualquer pretenso de dar resposta (um
projecto messinico) a estas questes, interessa debruarmo-nos sobre a verso e o alcance desta
indagao na base da leitura retrica damaniana. Assim, em jeito de concluso, retomaremos
alguns dos pontos cruciais do nosso texto, procurando discernir em que medida possvel
percepcionar (atribuir) uma dimenso cognitiva na retrica ou se esta apenas nos confronta com
um nihilismo absoluto, a necessria constatao acerca da impossibilidade da linguagem ser uma
linguagem modelo.
Sabemos desde j que, na ptica damaniana, o critrio fundamental de uma teoria literria
genuna assenta em pressupostos de natureza lingustica, o que significa que o contedo
semntico dos textos no o seu objecto de questionao. Contudo, isto no equivalente a
negar qualquer relao da literatura com o mundo, ou, em ltima instncia com o prprio homem.
Como pudemos verificar, Paul de Man no contesta a funo referencial da linguagem, pe em
causa a sua autoridade para se estabelecer como modelo do nosso conhecimento do mundo, dado que,
como ele refere, no podemos assegurar que o mundo fenomenal e a linguagem funcionem segundo os
mesmos princpios, sendo neste aspecto que radica a grande liberdade referencial da literatura,
ou seja, a fora semitica da literatura (Barthes).
42 Cf. Resistncia Teoria" (1989:41) 43 Ibidem 44 Cf. Ricoeur, Paul (1975:274)
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Retomamos (segmentando) a questo crucial: que dit lnonc mtaphorique?, isto , o que nos
diz a literatura? Convocando toda a reflexo efectuada ao longo do nosso texto, diramos (em
unssono com Benveniste, de Man, e muitos outros) que a literatura diz-nos ela prpria, ou,
tomando desta feita as palavras de Greimas, la litrature soccupe se denoncer elle-mme.
Como revelam os estudos de Benveniste sobre a dexis (e j tivemos oportunidade de referir),
toda a linguagem referencia ela mesma antes de estabelecer qualquer outra forma de referncia.
Da a consequente concluso (tautolgica): o que a literatura nos diz : eu sou linguagem.
Mas estar assim justificada a necessidade da literatura para o homem? De Man responde-nos: O
Eu humano experimenta o vazio dentro dele prprio e da fico inventada e, em vez de preencher o
vazio, afirma-se a si prprio como puro nada, o nosso nada afirmado e reafirmado por um
sujeito que o agente da sua prpria instabilidade. Assim, segundo de Man, a necessidade da
literatura nasce a partir da experimentao do vazio pelo homem, mas essa vivncia do vazio
prolonga-se na literatura (na fico inventada).
Contudo existe uma afirmao o nosso nada afirmado e reafirmado por um sujeito que o agente
da sua prpria instabilidade. Estamos em definitivo no domnio da retrica, o mecanismo por
excelncia que (nos) desmascara as (nossas) pretenses da linguagem atingir uma verdade
metafsica, um sentido (do texto e, por extenso o nosso prprio sentido enquanto leitores)
determinado. A literatura/leitura, assim entendida, no nos devolve ou permite reconstituir uma
suposta identidade do texto, ou a nossa prpria identidade (seja ela qual for), mas confronta-
nos com a instabilidade (a da linguagem e, como tal a nossa prpria), a contingncia e finitude
que se assumem, no como mera contingncia (passe a redundncia), mas como elementos
constitutivos do ser humano. com efeito neste ponto que radica a necessidade da literatura
sentida pelo homem, uma necessidade que, j Aristteles afirmava ser congnita ao homem. A
literatura (retrica) refere - refere ela prpria (linguagem), confrontando-nos com a
impossibilidade da linguagem ser uma linguagem modelo e por isso mesmo, em ltima instncia,
refere aquilo que de mais essencial existe no homem: a contingncia, a finitude, e, em
simultneo, a diversidade (no h sentidos/leituras unvocas), a pluralidade, a divergncia
(entre textos, entre homens45), em suma, a alteridade irredutvel (do texto e do homem). Assim,
aquilo que a literatura nos diz a sua prpria linguagem mas/e tambm o grande emaranhado
de linguagem que (os homens) manipulam e que os manipula46 , uma verdadeira experincia de
linguagem que, como tal acaba, inevitavelmente por conduzir a uma experincia da realidade
enquanto espao de interrogao dessa mesma realidade.47
Sendo a literatura o lugar onde se d o conhecimento negativo acerca da segurana da elocuo
lingustica e, se o mecanismo retrico por excelncia, o catalisador deste conhecimento
negativo, compreende-se que a retrica acabe por assumir uma dimenso cognitiva que desconcerta.
por um lado, este conhecimento negativo e por outro, este nomear do vazio que o ser
45 E do homem para o prprio homem, isto porque cada homem diverso em si prprio. Tal como nunca lemos o
mesmo texto duas vezes da mesma forma, assim a alteridade que nos define enquanto seres humanos. 46 Cf. Barthes, Roland (1977:20)
47 Ainda a propsito da relao que se estabelece entre a literatura (linguagem potica) e a realidade Paul
Ricur postula que: La stratgie de langage propre la posie cest--dire la production du pome,
parat bien consister dans la constitution dun sens qui intercepte la rfrence, et la limite, abolit la
ralit. (1975:280)
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humano experimenta dentro de si (e na fico inventada) que constitui a matria-matriz da
literatura, ou, nas palavras de de Man a linguagem potica nomeia este vazio com uma
compreenso sempre renovada, (...) nunca se cansa de o nomear de novo, (sendo) este persistente
nomear aquilo a que chamamos literatura.48
No temos pois como negar uma dimenso cognitiva da retrica (literatura). Refutamos assim uma
atribuio de um nihilismo radical teoria damaniana, partilhando da posio de autores como
Wlad Godzich que defende que a investigao retrica de Paul de Man, ao pressupor o
reconhecimento da finitude do texto e revelar o seu mecanismo retrico, acaba por no abandonar
questes mais elevadas da verdade e da falsidade, do eu e da experincia, do sentido e do
significado pelas quais os textos so ostensivamente lidos49. Como adianta Godzich, tal acontece
porque o mecanismo figurativo que de Man investiga no constitui um simulacro de um simulacro,
mas sim a inscrio da simulacridade de um simulacro. Em outros termos, a linguagem assume-
se como um simulacro (vale por), uma representao de algo ausente numa relao em que o
objecto engendra o signo por representao50. Todavia, a literatura (i.e. o mecanismo figurativo
que de Man investiga), no corresponde a um simulacro/imitao (teorias mimticas) desse
simulacro primrio51, mas sim inscrio dos processos pelos quais o homem engendra a
linguagem (ou o modo como a linguagem engendra o homem), ou, convocando Peirce, diramos que
estamos face a uma inscrio dos mecanismos pelos quais um signo d luz um outro52.
Como refere de Man, apenas pela rejeio das funes figurativas tropolgicas (como forma de
preservar o elo dos elementos do trivium retrica, gramtica e lgica - assegurando uma
articulao pacfica com o domnio do fenomenal) que se torna possvel ignorar o impacte
epistemolgico da retrica.
Em sntese, Paul de Man ter, em nosso entender, lanado as sementes de um projecto que ficou em
aberto, numa fase larvar, um convite que se vai insidiosamente anunciando, particularmente em
passagens como a seguinte: distinguir a epistemologia da gramtica da epistemologia da retrica
uma tarefa formidvel. Em um nvel inteiramente ingnuo, concebemos habitualmente os sistemas
gramaticais como tendendo para a universalidade e como meramente gerativos, ou seja, como
capazes de derivar uma infinidade de verses de um nico modelo (...) sem a interveno de um
outro modelo que perturbaria o primeiro53. Talvez de Man j o tivesse delineado, quem sabe no
seria o rumo da sua investigao, um projecto cujos alicerces metodolgicos passaria,
necessariamente por uma lingustica da literariedade. Resta-nos a especulao se haver nos
crculos intelectuais a audcia, vontade e engenho suficiente para dar corpo a um projecto cujo
alcance e potencialidades tericas se adivinham deveras produtivos no seio da teoria literria e
das cincias humanas em geral.
48 Cf. O Ponto de Vista da Cegueira, (1971: ) 49 Cf. O Ponto de Vista da Cegueira, Introduo (1971:32)
50 Cf. Alegorias da Leitura (1979:23)
51 Tomamos aqui o termo primrio por analogia com a teoria de Iuri Lotman, relativamente sua distino
entre sistema modelizante primrio (lnguas naturais) e sistema modelizante secundrio (literatura). 52 Peirce, citado por de Paul de Man, In Alegorias da Leitura (1979:23)
53 Cf. Alegorias da Leitura (1979:22)
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