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UNIVERSIDADE SEVERINO SOMBRA COORDENADORIA GERAL DE PÓS-GRADUAÇÃO PROGRAMA DE MESTRADO EM HISTÓRIA RESISTÊNCIA OPERÁRIA: SINDIPETRO-CAXIAS/ PETROLEIROS DO BRASIL A EXPERIÊNCIA DA GREVE DE 1995 SAMUEL MAIA DOS SANTOS VASSOURAS 2009

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UNIVERSIDADE SEVERINO SOMBRACOORDENADORIA GERAL DE PÓS-GRADUAÇÃO

PROGRAMA DE MESTRADO EM HISTÓRIA

RESISTÊNCIA OPERÁRIA: SINDIPETRO-CAXIAS/

PETROLEIROS DO BRASIL A EXPERIÊNCIA DA GREVE

DE 1995

SAMUEL MAIA DOS SANTOS

VASSOURAS2009

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UNIVERSIDADE SEVERINO SOMBRA

COORDENADORIA GERAL DE PÓS-GRADUAÇÃO

PROGRAMA DE MESTRADO EM HISTÓRIA

RESISTÊNCIA OPERÁRIA: SINDIPETRO-CAXIAS/

PETROLEIROS DO BRASIL A EXPERIÊNCIA DA GREVE DE

1995

SAMUEL MAIA DOS SANTOS

VASSOURAS

2

2009

RESISTÊNCIA OPERÁRIA: SINDIPETRO-CAXIAS/

PETROLEIROS DO BRASIL A EXPERIÊNCIA DA GREVE DE

1995

SAMUEL MAIA DOS SANTOS

ORIENTADOR

PROF. DR. CLÁUDIO ANTONIO SANTOS MONTEIRO

Dissertação apresentada ao Programa de Mestrado em História da Universidade Severino Sombra pelo mestrando Samuel Maia dos Santos como um dos requisitos para a obtenção do título de Mestre, orientada pelo Prof. Dr. Cláudio Antonio Santos Monteiro.

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VASSOURAS2009

UNIVERSIDADE SEVERINO SOMBRA

COORDENADORIA GERAL DE PÓS-GRADUAÇÃO

PROGRAMA DE MESTRADO EM HISTÓRIA

EXAMINADORES:

______________________________________

Prof. Dr. Cláudio Antonio Santos Monteiro

ORIENTADOR

______________________________________

Profª Dra. Lucia Helena Pereira da Silva

1º EXAMINADORA

______________________________________

4

Prof. Dr. Dalton José Alves

2º EXAMINADOR

VASSOURAS2009

À Solange, minha companheira de sonhos, lutas e conquistas.

5

A Leonardo e Sofia, razões de tanto esforço.

Ao compadre, amigo e irmão, Alexandre, que incentivou e acredita no valor da nossa caminhada.

A todos que em algum momento de nossa vida colaboraram para a conquista de mais esta etapa.

Aos trabalhadores petroleiros, que com suas lutas inspiram a sociedade brasileira a acreditar na nação Brasil.

6

AGRADECIMENTOS

Ao corpo docente do Programa de Pós-Graduação do Mestrado em História na Universidade Severino Sombra, por ter transformado minha experiência na militância social em uma produção científica.

Ao Prof. Dr. Cláudio Antônio Santos Monteiro, pelas orientações cuidadosas, metódicas e incentivadoras, sempre na busca do aprofundamento do tema.

Às Coordenadoras do Curso, Profa. Dra. Surama Conde Sá Pinto e Profa. Dra. Lúcia Silva, pelo incentivo, contribuição e cobranças sempre construtivas ao longo desta jornada.

Aos colegas das disciplinas cursadas, pelas valiosas contribuições dadas dentro dos debates vivenciados.

7

RESUMO

O presente estudo teve como objetivo analisar a greve dos petroleiros ocorrida em

maio/junho de 1995, destacando a participação da Imprensa, governo FHC e atuação da

CUT e dos Sindicatos do ramo Petróleo. A dissertação está dividida em quatro capítulos.

No primeiro, buscou-se um posicionamento histórico, econômico e geográfico da cidade

de Caxias, no estado do Rio de Janeiro,com a intenção de mostrar que uma base sindical,

onde se estabelece um conflito de classes está articulado com os movimentos de luta de

classe do período analisado. O segundo foi dedicado ao projeto neoliberal e as

privatizações ocorridas no país. No terceiro capítulo abordou-se a trajetória sindicalista no

Brasil, no período que compreende 1964 a 2000. O último capítulo trata da greve dos

petroleiros de 1995, nos seus elementos conceituais e sua objetivação no Brasil. O estudo

demonstra todas as faces dessa greve, influenciada pelas mudanças ocorridas no Brasil a

partir da globalização neoliberal. Também evidenciou que o tratamento dado à greve pelo

então presidente Fernando Henrique Cardoso e pelas instituições do Estado brasileiro

expressaram a crise do capital em um país periférico, demonstrando que no novo arranjo

não caberia espaço ao dissenso. Pode-se constatar que as mudanças operadas por meio da

reestruturação produtiva do capital, fizeram retroceder o processo de organização e

conquistas, iniciado com as lutas sindicais operárias no fim dos anos 1970, concorrendo

para a precarização das condições e relações de trabalho dos petroleiros, especialmente

após a greve de 1995.

8

ABSTRACT

This study aimed to analyze the strike by operators of refinery that occurred in May / June

1995, highlighting the involvement of the press, the FHC’s government, the performance

of the CUT and the unions of the operators of refinery. The thesis is divided into four

chapters. The first part had a historical, economic and geographic position about the city

of Caxias, in the state of Rio de Janeiro, with the intention of showing that an association

which establishes a conflict of classes is linked to the movements of the class struggle of the

period analyzed. The second part was dedicated to the neo-liberal project and the

privatization that occurred in the country. The third part was about the trajectory

syndicalism in Brazil, which includes the period from 1964 to 2000. The final chapter

deals with the strike of the operators of refinery in 1995, in its conceptual elements and

their goals in Brazil. The study shows all sides of this strike, influenced by changes in

Brazil from the neoliberal globalization. It also showed that the treatment given to the

strike by the President Fernando Henrique Cardoso and the Brazilian institutions is the

result expressed by the crisis of the capital in a peripheral country, demonstrating that new

arrangement did not fit the space dissent. We can see that the changes made through the

restructuring of productive capital, did back the process of organizing and achievements,

began with the fight of the syndicalism workers at the end of the 70s, contributing to the

precariousness of the conditions and working relations of refinery operators, especially

after the strike of 1995.

9

SUMÁRIO

RESUMO................................................................................................... 7

ABSTRACT.............................................................................................. 8

INTRODUÇÃO........................................................................................ 11

CAPÍTULO I – A HISTÓRIA DA REDUC E DO SINDICATO EM DUQUE DE CAXIAS...................................................................... 16

1.1. HISTÓRICO DE DUQUE DE CAXIAS.......................................................... 16

1.2. CRESCIMENTO POPULACIONAL............................................................... 19

1.3. FÁBRICA NACIONAL DE MOTORES (FNM) ............................................ 20

1.4. EMANCIPAÇÃO DE DUQUE DE CAXIAS.................................................. 21

1.5. IMPLANTAÇÃO DO LEGISLATIVO............................................................ 22

1.6. A FUNDAÇÃO DA REFINARIA DE DUQUE DE CAXIAS (REDUC)........ 23

1.7. PANORAMA POLÍTICO E SINDICAL QUE PERMEAVA A FUNDAÇÃO DA REDUC............................................................................................................ 27

CAPÍTULO II – O PROJETO NEOLIBERAL E AS PRIVATIZAÇÕES.......................................................................................... 47

2.1. ANTECEDENTES HISTÓRICOS DO NEOLIBERALISMO......................... 47

2.2. O NEOLIBERALISMO E O TRABALHO...................................................... 55

2.3. O NEOLIBERALISMO E A GLOBALIZAÇÃO............................................. 57

2.4. O NEOLIBERALISMO NO BRASIL.............................................................. 60

2.5. O NEOLIBERALISMO NA ATUALIDADE.................................................. 73

CAPÍTULO III – O SINDICALISMO NO BRASIL (1964-2000).... 79

3.1. PERÍODO PÓS-64.......................................................................................... 79

3.2. PERÍODO DE 1978-1990................................................................................ 84

3.3. DÉCADAS DE 1990/2000.............................................................................. 96

3.4. O SINDICALISMO DO SETOR DE PETRÓLEO.......................................... 105

10

CAPÍTULO IV – A RESISTÊNCIA OPERÁRIA AO NEOLIBERALISMO DO SINDIPETRO-CAXIAS – A EXPERIÊNCIA DA GREVE DE 1995.............................................. 110

4.1. A ORGANIZAÇÃO SINDICAL..................................................................... 110

4.2. AS GREVES DOS PETROLEIROS................................................................ 113

4.3. A GREVE DOS PETROLEIROS EM 1995..................................................... 116

CONCLUSÃO..................................................................................... 148

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS........................................................... 152

FONTES SECUNDÁRIAS.............................................................................. 158

ANEXO................................................................................................................ 160

LISTA DE FIGURAS

Figura 1 – Barca chega ao Porto de Mauá.............................................................. 160

Figura 2 – O transporte ferroviário aos poucos substitui o hidrográfico na região.. 160

Figura 3 – Foto original da “Baronesa”.................................................................. 160

Figura 4 – A UPC, grupo formado por políticos, jornalistas e médicos, lutou pela emancipação da Cidade.........................................................................

160

Figura 4 – Estação de Caxias.................................................................................. 160

Figura 6 – Sede da Câmara na Av. Nilo Peçanha.................................................... 160

Figura 7 – Inauguração da nova sede...................................................................... 161

Figura 8 – Construção da FNM.............................................................................. 161

Figura 9 – A FNM produziu aviões de guerra......................................................... 161

Figura 11 – A Luxuosa Vila dos Engenheiros......................................................... 161

Figura 10 - Vista do centro do Município, na década de 40, em franco crescimento............................................................................................

161

Figura 12 – Caminhão feito em Caxias................................................................... 161

Figura 13 - A Reduc é a maior refinaria em complexidade do país......................... 161

11

INTRODUÇÃO

Uma das características do final do século XX é não valorizar os fatos históricos do

passado. Hobsbawm (1995) caracterizou como sendo uma “presentificação” que dissolve

a memória histórica. Homens e mulheres que ignoram o passado não projetam o futuro.

Por isso, seja importantes realizarmos eventos onde possamos nos lembrar – e discutir – a

nossa histórica, refletindo sobre o passado recente, da nossa geração. Mesmo para aqueles

que viveram o Brasil dos últimos 13 anos, alguns acontecimentos históricos parecem

distantes, e é urgente refletirmos sobre isso, pois, como diz o ditado: “aqueles que não

compreendem o passado estão condenados a repeti-lo”. Marx complementaria: primeiro

como tragédia, depois como farsa. E diz Hobsbauwm: “Quase todos os jovens de hoje

crescem numa espécie de presente contínuo, sem qualquer relação orgânica com o passado

público da época em que vivem”.1

Na presente exposição, iremos privilegiar alguns elementos para refletirmos sobre

o evento histórico que marcou nos últimos 13 anos a resistência dos Petroleiros do Brasil,

a greve da categoria em 1995, ou seja, o nosso passado recente, e que pode caracterizar

um momento de combate ao neoliberalismo do sindicalismo no Brasil o nosso objeto de

pesquisa – Petroleiros do Brasil. Essa é a idéia central: vivemos, nesse período, em 1995,

uma greve nacional dos petroleiros como movimento social e político no Brasil, e iremos

investigar como o foi nas refinarias da PETROBRÁS S.A e desenvolver este trabalho,

mostrando que o fator local (Duque de Caxias/RJ) e a categoria representada pelo

Sindipetro/Caxias, faz parte da trajetória histórica do movimento Sindical.

A trajetória do sindicalismo representado pelos petroleiros do Brasil e de Duque de

Caxias/RJ, nesse período, faz parte de um processo histórico que se caracteriza pela

fundação da PETROBRAS (1953) e REDUC (1960), pela organização de seus

trabalhadores nos vários sindicatos e no SINDIPETRO-Caxias (1961), pelo fim da

Ditadura Militar (1964-1985) e pela passagem (e consolidação) da Nova República

1 HOBSBAWM, E. Era dos extremos – o breve século XX (1914-1991). São Paulo: Companhia das Letras, 1995, p. 13.

12

(Período iniciado com o fim da Ditadura Militar de 1985, após a eleição de Tancredo

Neves no Colégio Eleitoral).

Ela se insere num cenário de crise do padrão de industrialização substitutiva, que

estruturou, nos últimos 30 anos, o processo de acumulação capitalista no Brasil moderno,

e que dá lugar, a partir de 1990, a uma inserção dependente da economia brasileira ao

capitalismo mundial. O ano significativo é 1995. Pois, foi neste ano que os petroleiros do

Brasil, funcionários do sistema Petrobrás S.A. se organizaram e fizeram a greve, chamada

por alguns autores de a “Greve do Fim do Mundo”. Greve esta de enfrentamento político

ao governo de Fernando Henrique Cardoso, ao seu modelo econômico neoliberal e à

ameaça de privatização do sistema Petrobrás. O nosso trabalho, além de versar sobre o

tema, fará uma cronologia do movimento sindical e seus posicionamentos políticos dos

anos de 1960 até 2000 e no capítulo que trata do tema, irá dissecar o posicionamento da

imprensa sobre a greve de 1995.

É a partir desta greve que tivemos um enfrentamento frontal, dos petroleiros, pelo

setor do chamado “novo sindicalismo”, que iria tornar-se a “ponta de lança” da resistência

operária a superexploração da força de trabalho, um dos pilares do padrão de acumulação

capitalista, ampliada e inserida de forma subordinada com a instauração do modelo

neoliberal e a integração à globalização, após a investida mais ousada, baseada no

Consenso de Washington.2

O Consenso de Washington constitui a articulação e implementação do projeto

neoliberal aplicado homogeneamente às sociedades latino-americanas a partir da década

de 1980, à exceção do Chile, onde foi adotado desde a década de 1970. O neoliberalismo

– doutrina econômica que se tornou uma nova forma de liberalismo econômico adaptado,

a partir do final dos anos 1980 e inicio dos anos 1990 do século XX, que correspondeu à

fase de desmonte do welfare state ou estado de bem-estar social.

A globalização do capital avançava nos países capitalistas centrais, impulsionada

pela política neoliberal. Nesses países, verificou-se uma crise do sindicalismo e dos

partidos de esquerda. O Brasil, um país capitalista importante na geopolítica do “Terceiro

Mundo” nos anos 1980, estava por fora da nova ordem mundial capitalista instaurada pela

2 Expressão criada por John Williamson, economista norte-americano pertencente ao Institute for International Economics, que a usou pela primeira vez em 1989, em um programa de ajuste e estabilização da economia latino-americana.

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globalização. O que viria a seguir, nos anos 1990, seria a aproximação da nova ordem

capitalista no Brasil com o que ocorria lá fora, inserindo-se, de modo dependente – e

subalterno – na globalização do capital, sob a batuta das políticas neoliberais. Foi essa a

atuação dos governos neoliberais dos anos 1990. É o novo tempo da era neoliberal que iria

dar um novo ritmo no movimento social e político no Brasil. Instaurou, na verdade, uma

descontinuidade importante.

A “explosão do sindicalismo” seria seguida, a partir dos anos 1990, com maior

intensidade, de uma crise do sindicalismo que assumiria diversas formas. O mundo do

trabalho estruturado – e integrado –, das indústrias e dos serviços, base do sindicalismo de

classe organizado no país, que lutou e construiu o “novo sindicalismo”, iria ser alvo de

uma ofensiva do capital na produção. Surgiria, a partir daí, um novo e precário mundo do

trabalho. Mas a efervescência política e social dos anos 1980 ocultou os primórdios de

algo que iria assumir novas proporções sob a era neoliberal – o desenvolvimento de uma

ofensiva do capital na produção. Na verdade, ocorriam mutações estruturais que

produziam impactos relevantes no mundo do trabalho, na própria base de organização

sindical da classe operária.

É nos anos 1980 que se instaura, de modo pleno, o pluralismo sindical na cúpula

sindical no país, o que demonstra o acirramento da luta político-ideológica na direção do

movimento sindical no Brasil. Entretanto, é no interior da própria Central Única dos

Trabalhadores (CUT) que ocorre o verdadeiro debate político-ideológico no sindicalismo

brasileiro, entre socialistas revolucionários e social-democratas. O seu ponto decisivo

ocorre no IV CONCUT (Congresso da Central Única dos Trabalhadores), quando é

discutido o modelo organizativo da CUT e vence a proposta da CUT-organização e não da

CUT-movimento. Enquanto o primeiro modelo privilegiaria a organização, o segundo

privilegiaria o confronto permanente com o capital.

Por um lado, a construção ideológica vigorosa, expressa nos investimentos em

estratégias de manipulação do consentimento operário, tais como os Programas de

Qualidade Total, Certificação de Controle de Qualidade – CCQ's etc. Por outro lado, mais

cruel ainda, a destruição do coletivo operário, através da terceirização, da descentralização

produtiva e da precarização da força de trabalho.

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A criação da Central Única dos Trabalhadores – CUT, em 1983, é o marco

histórico do sindicalismo brasileiro nos anos 1980. Em 1986, a CUT cria o departamento

nacional dos petroleiros, com o objetivo de conquistar todos os sindicatos de petroleiros

do Brasil, sendo que o SINDIPETRO-Caxias foi o último a ser conquistado em 1992.

Nessa época, por outro lado, surge a Central Geral dos Trabalhadores (CGT's),

oriundas da Conferência Nacional das Classes Trabalhadoras (CONCLAT), que adotaram,

no decorrer da década passada, posições políticas diversas da CUT. Mais tarde, nos

primórdios dos anos 1990, sob a era neoliberal, surgiria a Força Sindical, central sindical

do sindicalismo de resultados. O que veio a ser denominado “sindicalismo de resultado”

seria, naquela época, contraposto a um sindicalismo de confronto. Enquanto o

sindicalismo de resultado utilizava como eixo reivindicatório a greve por empresa, o

sindicalismo de confronto privilegiava as greves gerais por categoria – nos moldes das

greves metalúrgicas do ABC, entre 1978 e 1980 – cuja principal característica era o

sindicato agir como representante “geral” do conjunto dos trabalhadores, e não apenas de

suas bases associativas.

A derrota da candidatura apoiada pelo novo sindicalismo nas eleições presidenciais

de 1989 significou, em última instância, a derrota do sindicalismo classista de massas, e

de confronto – e, por conseguinte, a derrota política da prática sindical “obreirista” – seja

ela de caráter social-democrata ou socialista. É o seu revés político que contribuirá para

impulsionar, sob a era neoliberal, uma nova ofensiva do capital na produção. Sob o novo

complexo de reestruturação produtiva, num cenário de desemprego de massa e recessão da

economia brasileira, imposta pela política neoliberal, tornaram-se claros os limites

estruturais da prática sindical de confronto, de tipo classista.

Como uma débil resposta política à crise do sindicalismo classista, de massas e de

confronto, diante do novo “bloco histórico” instaurado pela era neoliberal – do qual é

parte importante o novo complexo de reestruturação produtiva –, desenvolvem-se as

estratégias sindicais propositivas, de viés neocorporativo. Elas surgem como uma

verdadeira capitulação política e ideológica do trabalho diante da nova ofensiva do capital

na produção.

O Partido Comunista Brasileiro (PCB), que tinha estado à frente do movimento

sindical dos petroleiros e, consequentemente do SINDIPETRO-Caxias no período da

15

Ditadura Militar e nos primeiros anos da redemocratização, tinha a avaliação de que o

momento era de refluxo no movimento sindical. Porém, a oposição denominada

Transparência Sindical, ligada ao Partido dos Trabalhadores (PT), aliada de sindicalistas

do Partido Democrático Trabalhista (PDT) e de setores independentes e trotkistas,

venceram as eleições de 1992, ampliando a influência nacional do novo sindicalismo neste

sindicato.

Nesses anos, a capacidade de resistência dos petroleiros foi responsável por

vitórias nos anos 1990 e estas se deram dentro de um projeto nacional de seus sindicatos e

da Federação Única dos Petroleiros. Depois de atravessar quatro anos de intervenção

política e econômica do governo FHC e do Tribunal Superior do Trabalho (TST), de 1995

a 1998, e ter o Congresso nacional votando uma anistia especifica, os petroleiros se

mantiveram mobilizados contra a privatização da sua empresa, a Petrobras. Estas lutas e

conquistas tinham, em alguns de seus personagens, um discurso messiânico.

16

“Precisamos manter a unidade e a disposição de luta. Há muitos desafios pela frente que vão requerer honestidade, coragem, compromisso com os ideais de defesa dos direitos dos trabalhadores, acima de tudo. Esse reconhecimento nós adquirimos. A Transparência Sindical foi apoiada pelos 20 sindicatos de petroleiros do país; pela Confederação Nacional dos Químicos, pela Federação Única dos Petroleiros (FUP), pela Central Única dos Trabalhadores (CUT) e por todos os movimentos organizados comprometidos com a luta”.3

No capítulo 1 estaremos contextualizando o momento da inauguração da Refinaria

Duque de Caxias (REDUC), bem como do Sindipetro-Caxias dentro de um período

histórico da cidade, porém, que tem como “pano de fundo”, uma década no cenário

internacional de guerra fria e no plano interno o acirramento dos conflitos que culminaram

com a Ditadura Militar (1964-1985).

No capítulo 2 apresentaremos os marcos históricos e, ideológicos, que permeiam o

neoliberalismo no mundo e no Brasil.

No capítulo 3 fizemos uma cronologia do sindicalismo no Brasil desde a década em

que se deu a fundação da REDUC e do Sindipetro-Caxias até a segunda metade do

governo de Fernando Henrique Cardoso, demonstrando as várias posições políticas,

ideológicas, táticas e estratégias de resistência no período de 1964-2000.

Finalmente no Capítulo 4 desenvolvemos o estudo do objeto de nossa Dissertação,

apresentaremos como se deu a greve de 1995 dos petroleiros de todo o Brasil e nas

Refinarias, as formas de repressão adotadas pelo governo FHC e a resistência da categoria

a esta repressão. Apresentaremos, neste capítulo, o olhar da imprensa sobre o movimento.

3 Depoimento retirado da página do site do Sindipetro-Caxias.

17

CAPÍTULO I

A HISTÓRIA DA REDUC E DO SINDICATOEM DUQUE DE CAXIAS

Antes que se possa tratar da fundação, propriamente dita da Refinaria Duque de

Caxias, assim como de todo seu movimento sindical, faz-se necessário um prévio histórico

do Município que a abriga, de forma a caracterizá-lo histórica, geográfica e politicamente

no cenário brasileiro.

Para tanto, deve-se relatar sua formação história, sua emancipação, construção

política, além de todo o movimento industrial que ali se estabeleceu; fatos estes

impossíveis de dissociar do tema central escolhido e, sem os quais, torna-se inviável a

perfeita e ampla compreensão do panorama de que trata esta dissertação.

1.1. HISTÓRICO DE DUQUE DE CAXIAS

Nos séculos XVII e XVIII, a divisão administrativa de Iguassú, hoje município de

Nova Iguaçu, seguia critérios eclesiásticos, ou seja, a igreja matriz assumia a

responsabilidade jurídica e religiosa, administrando as capelas secundárias: as freguesias.

Sendo assim, Pilar, Meriti, Estrela e Jacutinga, áreas que atualmente ocupam parte do

território de Duque de Caxias, pertenciam à Iguassú.

A região tornou-se importante ponto de passagem das riquezas vindas do interior: o

ouro das Minas Gerais, descoberto no momento de crise da lavoura açucareira, e o café do

Vale do Paraíba, que representou cerca de 70% de toda a economia do Brasil.

De acordo com Lacerda, com a implantação do transporte ferroviário, na metade do

século XIX, o quadro transformou-se radicalmente. 4 A estrada de Ferro D. Pedro II ligou

a capital do Império ao atual município de Queimados. A produção do Vale do Paraíba

4 LACERDA, Stélio. Uma passagem pela Caxias dos anos 60. Fragmentos de Memória e registro diversos. Duque de Caxias: Edição do Autor, 2001.

18

passou a ser escoada por esta via, os rios e o transporte terrestre deixaram

progressivamente de serem usados e os portos fluviais perderam importância. A região

iguassuana, então, entrou em franca decadência.

Meriti também ficou esquecido, nem a inauguração da Estrada de Ferro Leopoldina

(1886), ligando a cidade do Rio de Janeiro a Meriti apresentou mudança nesse quadro.

Para piorar, os rios foram assoreados pelo desmatamento e pela expansão da ferrovia,

transformando-se em pântanos, fazendo surgir focos de doenças como a malária. 5

Com a inauguração de novas estações, em 1911, pela Estrada de Ferro Leopoldina

multiplicaram-se as viagens, bem como o número de passageiros em Gramacho, São

Bento, Actura (Campos Elíseos), Primavera e Saracuruna. Nesta época, Meriti ainda era

distrito de Iguassú. Com a construção da Rodovia Rio - Petrópolis, em 1928, Meriti voltou

a prosperar. Na década de 1940, o governo federal promoveu a limpeza de mais de seis

mil quilômetros de rios e construiu mais de 200 pontes na Baixada Fluminense.

No século XVIII, o centro econômico brasileiro transferiu-se para Minas Gerais. O

ouro veio substituir a plantação canavieira em crise, mudando o panorama da sociedade

colonial. O Porto de Pilar era mais longo e de difícil acesso, fazendo com que muitas

cargas fossem perdidas. Com o caminho aberto por Bernardo Soares de Proença surgiu o

Porto da Estrela. Com subidas mais suaves e com um percurso menor em quatro dias,

Estrela assumiu a rota obrigatória de todas as riquezas que circulavam na região.

Entre 1761 e 17816, as minas de ouro tiveram uma queda sensível em sua

produção, mesmo assim, Estrela continuava sendo o principal caminho para o interior. A

inauguração da 1ª ferrovia brasileira (ver Figura 1, em Anexo), ligando o porto de Mauá

(ver Figura 2, em Anexo) à Estação de Fragoso, em Petrópolis, contribuiu para a mudança

da realidade local. Sem a conservação necessária, os rios foram assoreados, quase que

inviabilizando a navegação. Não tardou para que a região fosse transformada em área

propícia à proliferação de mosquitos, tornando-se praticamente inabitável para seres

humanos.

De acordo com Moraes, o primeiro grande cultivador de café foi o Rio de Janeiro.

Inicialmente foi plantado na Floresta da Tijuca, espalhando-se rapidamente por Angra dos

5 Idem.6 Idem.

19

Reis, Mangaratiba, Parati, Maricá, Itaboraí, Magé, Iguassú e Estrela7. Apesar de que

nestas duas últimas regiões o café não chegou a constituir-se em um ciclo, embora tenha

sido cultivado. Solo fértil, temperatura amena e chuvas regulares. Esses fatores

determinaram à região do Vale do Paraíba, como ideal para o cultivo do café. Foram 40

anos de superprodução (1830 a 1870), em que era comum ver os trens carregados ao

limite máximo fazendo o caminho Vassouras/Rio de Janeiro.

Associado ao capital inglês e aos produtores de café, em 1854, Irineu Evangelista

de Souza, o Barão de Mauá, construiu a primeira ferrovia brasileira com o objetivo de

dinamizar e baratear o transporte do produto. A Baronesa, nome dado à antiga locomotiva

(ver Figura 3, em Anexo), saía de Raiz da Serra, Petrópolis, com seus vagões repletos de

café e de outras mercadorias até chegar ao Porto da Estrela, de onde o transporte era feito

por barcos a vapor, através da Baia de Guanabara, até a cidade do Rio de Janeiro.

Segundo Pereira, em 1870, o Vale do Paraíba perdeu sua pujança. O solo

desgastado pelo uso contínuo do café transferiu-se para o Oeste paulista. O café era tão

importante para nossa economia que representava ao erário brasileiro, cerca de 70% de

toda a sua exportação. 8

Com o fim do trabalho escravo, em fins do século XIX, ocorreram modificações

expressivas na sociedade brasileira. O trabalho forçado deu vez ao profissional

assalariado. Foi no embalo dessas mudanças que surgiram as primeiras indústrias, dando

início ao crescimento econômico.

No governo de Nilo Peçanha, Meriti teve uma tímida melhoria na área do

saneamento básico, contando, inclusive, com a chegada da água, em 1916, na atual Praça

do Pacificador. Mas no governo de Getúlio Vargas, que criou a Comissão de Saneamento

da Baixada Fluminense, a região avançou muito. Até 1945, mais de seis mil quilômetros

de rios foram limpos retirando dos seus leitos 45 milhões de metros cúbicos de terra.

Os rios deixaram de ser criadouros de mosquito, diminuindo em muito o número de

doenças na região. Com a abertura da Rodovia Rio - Petrópolis, Meriti voltou a crescer.

7 MORAES, Dalva Lazaroni de. Esboço Histórico e Geográfico do Município de Duque de Caxias. Duque de Caxias: Arsgráfica, 1978.

8 PEREIRA, S. G. M. A trajetória do movimento negro em Duque de Caxias. uma análise em construção. In: Revista Pilares da História. Duque de Caxias: IHDC. CMDC. ASAMIH, ano III, n° 4, 2004, p. 75.

20

Inúmeras empresas compraram terrenos e se instalaram no município devido à

proximidade com o Rio de Janeiro.

1.2. CRESCIMENTO POPULACIONAL

Silveira (1998) relata que, em termos populacionais, Meriti, que em 1872 chegava

a 10.542 habitantes, em 1910 reduziu-se a aproximadamente 800. Sem uma agricultura

competitiva, esse sofria com a falta de saneamento, com as doenças epidêmicas como a

malária, a febre amarela, o impaludismo, a leptospirose e com as constantes enchentes.

Muitos de seus antigos moradores morreram, migraram para ouras regiões ou

simplesmente abandonaram suas terras, que, conseqüentemente, se desvalorizaram.

Aproveitando-se da crise agrícola e de mão-de-obra, outros se capitalizaram, adquirindo

propriedades de menor porte a preços muito baixos, visando especulação imobiliária, o

que já era uma realidade na Capital.

Para o autor:

“Essa incipiente infraestrutura, mesmo que precária aliada às transformações que a capital atravessava, principalmente com a reforma promovida por Pereira Passos e seus desdobramentos; a instalação de várias indústrias ao longo da The Rio de Janeiro Northern Railway, a crise agrícola ocorrida no norte fluminense e as perseguições ocorridas na Europa atraíram para a região diferentes povos para Meriti. Outro atrativo foi o baixo preço dos lotes, a flexibilidade de seu pagamento e sua proximidade com o Rio de Janeiro”. 9

De acordo com Cyrillo Marques (1993), as transformações então operadas

aumentaram o fluxo migracional para a região e foram fundamentais para atrair

investimentos privados e incentivar as mudanças políticas e sociais ocorridas nas décadas

seguintes. Segundo o autor, ocorreu um significativo aumento do número de loteamentos e

de habitantes, que em 1930 atingiu 28.756 habitantes. 10

9 SILVEIRA, J. L. R. da. Transformação na estrutura fundiária do município de Nova Iguaçu durante a crise do escravismo Fluminense. Niterói: Universidade Federal Fluminense, Mestrado em História, 1998, p. 56.

10 CYRILLO MARQUES, E. Transformações do espaço rural em urbano no município de Duque de Caxias – Rio de Janeiro: uma nova abordagem sinóptica. Monografia. Duque de Caxias: Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Duque de Caxias, 1993, p. 102.

21

A quantidade de lotes que até 1929 era de 3.320, na década seguinte chega a 9.169.

Já a população, que em 1930 era de 28.756 habitantes, como visto acima, chegou a 99.987

pessoas em 1940, dando um salto para 123.432 no final de 1950. 11

1.3. FÁBRICA NACIONAL DE MOTORES (FNM)

Em 1942, em pleno Estado Novo, a Fábrica Nacional de Motores (FNM) implantou

suas bases em Xerém, Duque de Caxias (ver Figura 8, em Anexo). O projeto ambicioso de

colonização e desenvolvimento industrial começou com a produção de motores de aviões

para fins militares (ver Figura 9, em Anexo). Era dado o primeiro passo para uma época

de ostentação, luxo e crescimento.

A fábrica deixou marcas profundas na localidade, que o tempo ainda não conseguiu

apagar. Ainda hoje é fácil notar a importância da FNM no crescimento do distrito. As

casas dos operários, as vilas luxuosas dos engenheiros, o hotel construído em estilo

italiano, a igreja e a delegacia são alguns exemplos do que representou a passagem da

fábrica para a região (ver Figura 10, em Anexo).

Na década de 1940, começou a construção da FNM. Os pioneiros encontraram pela

frente barreiras impostas pela própria natureza: mata densa e uma área pantanosa, que

criava condições propícias para a proliferação da malária. Isso obrigou a fábrica a

construir uma carpintaria, onde se confeccionavam caixões para os funcionários que

morriam contaminados.

Sob os horrores da II Guerra Mundial, começaram em ritmo intenso a produção dos

motores de aviões "Wright" (450 HP), os mais modernos fabricados no país. Um

aeroporto foi construído para pouso e decolagem dos aviões. Eles transportavam os

motores das aeronaves que abasteciam a guerra. Hoje, o mato encobriu a pista, mas o

velho hangar ainda resiste à ação do tempo.

Dois fatores contribuíram na transformação da fábrica em sociedade anônima, em

1947: o fim da II Guerra Mundial e a compra da Força Aérea Brasileira (FAB) de centenas

de aviões americanos, exatamente iguais aos produzidos em Xerém. Através do Decreto

11 ABREU, M de A. Evolução urbana do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: IPLAN-Rio e Jorge Zahar, 1988, p. 85.

22

Lei n.º 8.699, de 16 de janeiro de 1946, que entrou em vigor um ano depois, acabava o

período militar da FNM.

Começava uma nova era na indústria e no distrito. Uma romaria de trabalhadores

se dirigiu para a região em busca de emprego na estatal. A presença da FNM na vida do

operário era total. Foram construídas duas vilas para os funcionários: Santa Lúcia e Nossa

Senhora das Graças, além de um acampamento para os solteiros, no morro que ficava em

frente à entrada de Xerém. A fábrica dava aos funcionários toda a estrutura e facilidade.

Foi construído um posto médico, escola para os funcionários, uma granja, que fornecia

aves e porcos, além de criação e abate de gado na Fazenda São Lourenço.

Na Vila dos engenheiros o requinte e o luxo são marcantes (ver Figura 11, em

Anexo). São 13 casas que circundam uma área de vista privilegiada. Pedras decorativas

nas escadas, lampiões, lustres, quadra de futebol de salão e piscina completavam o cenário

vivido pelos engenheiros. A igreja e o hotel – em estilo italiano –, também são

construções que marcaram a fartura e a suntuosidade da época.

Em 1947, a FNM constrói os primeiros caminhões brasileiros (ver Figura 12, em

Anexo), após ter assinado um contrato com a fábrica italiana Isota Franchini, que cedeu

licença especial para a produção dos veículos. Quatro anos depois, a FNM firma contrato

com a Alfa Romeu, de Milão, na Itália, e substitui os modelos ultrapassados pelos

caminhões pesados. A queda na produção, a má administração e, principalmente, o

endividamento junto ao BNDES, levou a venda da estatal para a Alfa Romeu, em 1968.

Durante oito anos, a Alfa Romeu produziu carros de tradição, que levavam a sua marca.

Predominavam o arrojo e a elegância de suas linhas.

Em 1976, a Fiat comprou as instalações da Alfa Romeu e iniciou um processo lento

de modernização do parque industrial. Maquinários obsoletos foram substituídos por

equipamentos modernos. Começaram as demissões e a redução gradativa dos

funcionários. Em 1981, a Fiat mandou embora três mil funcionários e, em seguida, muda-

se para Betim, Minas Gerais, acabando com quase 40 anos de riqueza e crescimento

econômico da região.

1.4. EMANCIPAÇÃO DE DUQUE DE CAXIAS

23

O grande crescimento pelo qual passava Meriti levou o deputado federal Dr.

Manoel Reis a propor a criação do distrito de Caxias. Em 14 de março de 1931, através do

ato do interventor Plínio Casado, foi criado, pelo Decreto Estadual Nº 2.559, o distrito de

Caxias, com sede na antiga Estação de Meriti, pertencente ao então município de Nova

Iguaçu. Em 31 de dezembro de 1943, através do Decreto-Lei 1.055, elevou-se à categoria

de município recebendo o nome de Duque de Caxias. Já a Comarca de Duque de Caxias

foi criada pelo Decreto-Lei nº 1.056, no mesmo dia, mês e ano. 12

O município de Duque de Caxias emancipou-se de Nova Iguaçu em 1943 e a

primeira obra a apresentar a sua História foi a de José Lustosa, “Cidade de Duque de

Caxias: Desenvolvimento Histórico do Município de Duque de Caxias – Dados Gerais”. 13

Dentista, ligado à elite municipal, sua obra, com tiragem limitada de 300 exemplares, foi

lançada em 1958, em meio às comemorações dos quinze anos de emancipação da cidade e

à euforia nacional relacionada às realizações do governo Juscelino Kubitschek.

Com a emancipação, o município recebeu grande incentivo em sua economia.

Várias pessoas, oriundas principalmente do Nordeste do Brasil, chegavam ao Rio de

Janeiro em busca de trabalho e elegeu Duque de Caxias como residência.

Apesar de não participar de nenhum movimento pró-emancipação, foi graças à

iniciativa de José Luiz Machado, mais conhecido como “Machadinho” que Meriti passou

a se chamar Caxias. Morador da localidade desde o início do século XX, “Machadinho” e

um grupo de amigos foram à estação de trem, próximo a Plínio Casado, para retirar a

placa que tinha o nome de Meriti e trocá-la por Caxias, uma homenagem a Luiz Alves de

Lima e Silva, que nasceu na região (ver Figura 5, em Anexo).

1.5. IMPLANTAÇÃO DO LEGISLATIVO

Passados quatro anos de sua emancipação, políticos e integrantes do movimento

que a viabilizaram, mobilizam-se para implantar a primeira Câmara de vereadores no

município. Impulsionados pelo processo de renovação e de crescimento – na década de

1940, Duque de Caxias tinha uma população estimada em 100 mil habitantes, era preciso

12 Câmara Municipal de Caxias. História. Disponível em: http://www.cmdc.rj.gov.br/base.asp?area=historia , acesso em: 20/01/2008.

13 LUSTOSA, José. Cidade de Duque de Caxias: Desenvolvimento Histórico do Município de Duque de Caxias – Dados Gerais. Rio de Janeiro: Gráfica do IBGE, 1958, p. 32.

24

constituir na cidade o poder Legislativo, que pudesse tratar de forma efetiva e direta dos

problemas da população.

No dia 23 de outubro de 1947 aconteceu à primeira sessão de instalação da Câmara

Municipal de Duque de Caxias, na Avenida Rio - Petrópolis, 1.763, Centro, atual

Presidente Kennedy.

Santos de Souza relata que, por uma década, os poderes Executivo e Legislativo

atuaram juntos na Avenida Rio - Petrópolis. 14 Em agosto de 1958, a Prefeitura de Duque

de Caxias mudou-se para o bairro Jardim 25 de Agosto, local da antiga fábrica de

macarrão “Tupinambá”, na Praça do Riachuelo (atual Praça Governador Roberto Silveira).

A segunda sede da Câmara foi na Avenida Nilo Peçanha, onde o Legislativo atuou de

1957 a 1969 (ver Figura 6, em Anexo).

No dia 23 de outubro de 1969, tendo como presidente da Câmara, o vereador

Henrique de Oliveira Pessanha, foi inaugurado o novo prédio do poder Legislativo

Municipal no bairro Jardim 25 de Agosto (ver Figura 7, em Anexo). Através de Decreto

Legislativo n.º040, de 10 de dezembro de 1998, a Câmara Municipal de Duque de Caxias

passou a ser chamar Palácio Armando Maia de Oliveira.

A arrancada no desenvolvimento econômico da cidade teve origem com a

implantação da Refinaria de Duque de Caxias na década de 1960. A empresa atraiu

também outros gigantes do setor de petróleo: Shell, Texaco, Mobil, Petroflex,

contribuindo ainda mais para reforçar a economia da cidade.

Empresas de vários segmentos têm se instalado em Duque de Caxias, tais como, o

Jornal O Globo e o Carrefour, aproveitando a privilegiada posição do município, próximo

das principais rodovias brasileiras: Linha Vermelha, Amarela, Presidente Dutra,

Washington Luiz e Avenida Brasil, levando seus produtos facilmente para grandes centros

consumidores: São Paulo, Minas Gerais e Sul do Brasil.

1.6. A FUNDAÇÃO DA REFINARIA DE DUQUE DE CAXIAS (REDUC)

14 SANTOS DE SOUZA, M. A construção do poder local em Duque de Caxias. In: Cadernos de Textos de História Local e Regional da Baixada Fluminense. Duque de Caxias: FEUDUC/CEMPEDOCH-BF/APPH-CLIO, ano I, n° 01, abril, 1999, p. 25-26.

25

A maior refinaria do Brasil opera em Duque de Caxias: a Reduc. Ela foi instalada,

em Campos Elíseos, 2º distrito, no dia 20 de janeiro de 1961, e foi o terceiro investimento

feito pela Petrobras no país. 15 A Reduc ocupa uma área de 13 milhões de metros

quadrados e possui um faturamento anual de aproximadamente US$ 3 bilhões, sendo

responsável pelo recolhimento anual de impostos para o Estado do Rio de Janeiro de mais

de US$ 500 milhões.

Estrategicamente localizada entre as principais rodovias brasileiras, o que facilita o

escoamento da produção, a Reduc produz 52 produtos diferentes, decorrentes do

processamento de petróleo e gás natural, classificados como combustíveis, lubrificantes,

parafinas, petroquímicos etc. A unidade tem capacidade de refino de 242 mil barris/dia e

possui o maior conjunto para produção de lubrificantes do Brasil (80% da produção

nacional). Sua capacidade de tancagem é de 366 tanques, num total de 3 bilhões e 400

milhões de litros. A refinaria abastece todo o Estado do Rio de Janeiro, parte de Minas

Gerais e, por cabotagem (navios), Espírito Santo e o Rio Grande do Sul. As empresas que

se instalaram à sua volta, como a Petroflex e a Polibrasil, também são abastecidas pela

Reduc.

No dia 23 de julho de 1959, foi cravada a primeira estaca da obra. A construção da

Refinaria de Duque de Caxias reuniu a maior concentração de equipamentos da América

do Sul na montagem de uma unidade industrial e contou com mão-de-obra 100% nacional.

Na época, dentro do primeiro cálculo, feito em 1959, a obra foi orçada em 14 bilhões de

cruzeiros.

Reportando-se ao momento histórico-político em que se deu a fundação da Reduc,

Romão relembra que a ideologia do desenvolvimento propalada pelo governo de Juscelino

Kubitscheck, calcada no progresso e na ordem, lançou nos anos 1950 o que se considerava

o alicerce do futuro do país. Neste discurso, o presente se constituía apenas numa

passagem para um futuro grandioso, construído pela harmonia da sociedade brasileira. 16

De acordo com Gomes (2002), o estágio de subdesenvolvimento que o país

atravessava era apenas transitório para um futuro melhor. E assim descreve a autora o

momento vivido pelo país:

15 Idem, p. 42.16 ROMÃO, F. L. A greve do fim do mundo: petroleiros 1995: a expressão fenomênica da crise fordista no

Brasil. Tese de Doutorado, UNICAMP, Campinas, 2006, p. 72.

26

“(...) megalomanias à parte, o Brasil cresceu muito, e a proposta de que o desenvolvimento econômico caminhasse junto com o desenvolvimento político acabou por associar Brasil “moderno” a Brasil “democrático”. Mais ainda, a idéia de que tudo isso não se faz sem cultura, ou dito de maneira mais conforme aos anos 1950, sem que as forças do “atraso” sejam suplantadas, qualificou o tipo de esperança que se mobilizou na época como recurso político”. 17

Para Velloso (2002), neste contexto, tomou força à utopia nacionalista, era o fim

do atraso, a industrialização e a urbanização, era um Estado conciliador, apoiado até

mesmo por grupos opositores, como os intelectuais mais radicais que queriam o retorno de

práticas populistas modernas. O momento era de ampla mobilização política e social,

marcado no âmbito externo e interno pelas mudanças no processo produtivo, pelo

acentuado desequilíbrio populacional entre a cidade e o campo, pelo acelerado avanço

tecnológico e pela organização da classe trabalhadora. Neste panorama, Cardoso (1978)

afirma que: “O desenvolvimento e o progresso defendidos por Juscelino Kubitscheck

estavam ligados à paz política e social, ou seja, à ordem”. 18

As mudanças ocorridas no âmbito da produção em escala mundial, a recuperação

econômica da Europa e o processo industrial que vários países subdesenvolvidos

passavam no imediato pós-guerra incentivaram transformações sociais relevantes e

irreversíveis. Segundo Romão (2006), era necessário, então, qualificar mão-de-obra e,

para tanto, operar modificações na formação escolar e na cultura dos povos dos países

subdesenvolvidos.

Hobsbawm (1995, apud Romão, 2006) argumenta que:

“(...) o setor de serviços aumentou consideravelmente e as grandes empresas deslocaram-se para áreas de países subdesenvolvidos que, através da ampliação da rede de ensino e do controle sobre o operariado, oferecia melhores condições para que elas se instalassem. Dessa forma, tornava-se necessário modernizar toda a estrutura educacional, o que implicava, também, uma mudança cultural”. 19

Setores das camadas populares passaram a se preocupar com as questões nacionais

ligadas ao desenvolvimento industrial e à ampliação das conquistas sociais. Com forte

17 GOMES, A. de C. (org.) O Brasil de JK. Rio de Janeiro: FGV, 2002, p. 73.18 CARDOSO, M. L. Ideologia do desenvolvimento: Brasil: JK-JQ. Coleção Estudos Brasileiros. Rio de

Janeiro: Paz e Terra, 1978, p. 88-8919 HOBSBAWM, 1995, op. cit.

27

influência comunista e populista, procuraram se organizar em grupos diversificados, não

necessariamente em sindicatos ou associações de classes (ROMÃO, 2006).

Lacerda relata que, no caso do Brasil, esse panorama foi ainda mais acentuado pelo

modelo industrializante e o intenso processo migratório ocorrido nesta década, que

aumentou consideravelmente a concentração de pessoas nas cidades, principalmente nas

regiões suburbanas, constituindo uma massa trabalhadora analfabeta e sem consciência

política. 20 Dessa forma, o Estado e os grupos progressistas, que pretendiam transformar a

sociedade, disputavam o controle sobre essa massa.

Conforme relatado por Romão, como parte do projeto de desenvolvimento iniciado

no período varguista, e intensificado no governo de J.K., o município de Duque de Caxias

foi atingido pelas transformações e debates ocorridos no período. Como visto

anteriormente, o Estado passa a atuar na região com projetos de saneamento da Baixada

Fluminense nos anos 1930, a criação de Núcleos Coloniais Agrícolas, em 1938, e da

Fábrica Nacional de Motores, em 1942, que foram responsáveis por atrair novos

contingentes populacionais para a cidade em duas décadas.

O autor acima citado relembra que o parque industrial e os povoamentos que se

formaram no entorno da FNM e da Reduc, a quantidade de terras abandonadas e a

facilidade de se locomover para a Capital Federal, atraiu não somente migrantes, mas,

também, representantes do Estado e de militantes de grupos políticos que passaram a

disputar o controle sobre os trabalhadores da cidade e do campo. 21

De acordo com Cardoso (1978):

“Muitos destes migrantes eram filiados ao Partido Comunista Brasileiro, participavam da organização sindical das fábricas e camponesa muito organizada na região de Xerém e Capivari. Outros eram ligados às atividades progressistas na Capital Federal, participando dos debates universitários e culturais”.

Para o autor, mesmo tendo como orientação a concepção da luta de classes, alguns

deles se envolveram com grupos culturais e veículos de comunicação que defendiam a

organização e a transformação da sociedade capitalista sem, no entanto, confrontarem-se

diretamente com o capital. 22

20 LACERDA, 2001, op. cit., p. 86.21 ROMÃO, 2006, op. cit., p. 74.22 CARDOSO, 1978, op. cit., p. 102.

28

1.7. PANORAMA POLÍTICO E SINDICAL QUE PERMEAVA A FUNDAÇÃO DA

REDUC

Marques (2005) relata que uma das rupturas ocorreu no âmbito político, com a

eleição para a prefeitura municipal, em 1966, de Moacyr do Carmo e Ruyter Poubel. Se

por um lado a eleição significou uma ruptura com aqueles que dominaram a máquina

publica desde os anos 30, por outro o controle exercido pelo governo federal aumentou,

assim como as cobranças das promessas de campanha.

Dois anos após eleitos, o governo federal publicava a lei 5.499/68 que considerava

vários municípios áreas de segurança, entre eles Duque de Caxias. No entanto a

intervenção no município só ocorreu em 1971, com sua inclusão no rol dos que passavam

a merecer atenção especial da política de segurança nacional23 e, como conseqüência, seus

prefeitos passaram a ser nomeados pelo Presidente da Republica.

Segundo Marques (2005):

“De certa forma, a eleição de Moacyr do Carmo representou uma resposta local às ingerências do governo militar implantado em 1964 e um reagrupamento das forças progressistas cujos representantes ainda não haviam sido cassados. A vitória do MDB era também reflexo das mudanças urbanas que se processavam no município”. 24

Em 1960, a população da cidade era de 243.619 habitantes. Na década seguinte,

chegou a 431.348.25 Um crescimento de aproximadamente 77%, que pode ser atribuído a

diversos fatores já apresentados anteriormente. Esse crescimento exigiu um

redimensionamento das políticas públicas, principalmente no que se refere à qualificação

de mão-de-obra para trabalhar nas indústrias, que então se instalavam na região, e para o

setor de serviços.

Segundo o Plano de Desenvolvimento Local Integrado26, elaborado por aquele

governo, o parque fabril apresentava um crescimento que se destacava dentro do contexto

do país. Ao longo de apenas doze anos, o número de estabelecimentos industriais

23 Lei Federal N. 5.449/68.24 MARQUES, Alexandre dos Santos. Militantes da Cultura em uma área periférica – Duque de Caxias (1950-

1980). Dissertação de Mestrado. Vassouras, 2005, p. 106.25 Censo do IBGE: 1970.26 O Plano de Desenvolvimento Local Integrado de Duque de Caxias foi financiado pelo Serviço Federal de

Habitação e Urbanismo, órgão do Ministério do Interior, sendo o primeiro do gênero no Estado do Rio de Janeiro e responsável pelo Plano Diretor da cidade (Ver Marques, 2005, p. 106).

29

registrados no município mais que duplicou, passando de 172, em 1956, para 370 em

196827. O documento diz ainda que esse setor da economia caxiense “ocupou em 1965 o

primeiro lugar em valor de produção industrial, representando 24% do total do Estado”. 28

Portanto, este crescimento industrial e comercial aumentou a arrecadação tributária

e o conseqüente aumento, não só da classe trabalhadora, mas de seu poder de compra, que

incentivou o comércio local e a ocupação de lotes de terras. O levantamento

aerofotogométrico realizado pela Prefeitura possibilitou o levantamento de um número

maior de lotes que o registrado e o conseqüente aumento da arrecadação do Imposto

Predial e Territorial.

Outro fator que lhe beneficiou foi a aprovação da lei do Imposto sobre Circulação

de Mercadorias (ICM), que concedida uma maior autonomia de arrecadação para os

municípios. Rapidamente a cidade deixava de ter uma característica de dormitório para

uma cidade em desenvolvimento.

Mattos (2002) afirma que quando, em 1955, J.K. assumiu a presidência da

República, o país já vivenciava uma profunda transformação econômica que seu governo,

através de instrumentos de planejamento econômico centralizado, iria aprofundar de

forma rápida e violenta. Entre 1920 e 1960, o número de operários industriais saltou de

275 mil para cerca de 3 milhões.

E ressalta o autor:

“Os trabalhadores industriais passaram a representar, em 1960, cerca de 13% da População Economicamente Ativa (PEA) do país. Embora a agricultura ainda empregasse mais da metade desta população, seu percentual de participação na renda interna (22,6%) já era inferior ao do setor industrial (25,2%)”.29

Os dados da época demonstram também que crescimento econômico e superação

das desigualdades sociais não eram sinônimos, pois em 1960 os 70% mais pobres da

população brasileira detinham 20% da renda nacional, contra os 40% apropriados pelos

6% mais ricos da população.

27 Plano de Desenvolvimento Local Integrado. M. Roberto Arquitetos/Planorte. Rio de Janeiro: agosto de 1970. p. b4/4, apud Marques (2005, p. 106-7).

28 Idem. p. b.4/5.29 MATTOS, M. B. Trabalhadores e sindicatos no Brasil. Rio de Janeiro: Vício de Leitura, 2002, p. 55.

30

Entre meados da década de 1950 e o golpe de 196430, observa-se uma fase de

ascensão do movimento sindical. Vários são os índices que comprovam tal afirmação:

crescimento do número de greves; visibilidade dos sindicatos pela opinião pública;

participação das entidades sindicais na formulação de pautas políticas para o país e

constituição de organismos intersindicais, entre outros fatos.

Carbone (1984) observa que

“Neste aspecto, vale ressaltar o fator quantitativo dessas manifestações, no que se refere ao crescimento significativo do número de sindicatos criados, assim como o de trabalhadores que passam a ser sindicalizados. Nos primeiros anos da década de 1960, quando o percentual de trabalhadores sindicalizados era de 6,11% da PEA em todo o país, São Paulo despontava com 9,77% de trabalhadores sindicalizados. Tendo-se em conta que ainda não havia, nessa época, nenhum sindicato rural, toda a atividade representada pelo PEA encontrava-se nas zonas urbanas”.31

No estado do Rio de Janeiro, então Distrito Federal, à época, destaca-se um índice

de 27,99% de trabalhadores ligados a algum sindicato. Nesta região, três sindicatos

precisam ser destacados: o dos bancários, com 75% de sindicalização; o dos ferroviários

da Leopoldina (85%) e o dos metalúrgicos, que atingia 50% da categoria.32

Mattos (2002), ao mapear as tendências dominantes daquele momento, localiza

quatro agrupamentos de dirigentes sindicais: os católicos, reunidos nos círculos operários;

os auto-denominados “renovadores”, em geral de esquerda, mas críticos do PCB; os

dirigentes que se identificavam como “nacionalistas”, que agrupavam os comunistas e

trabalhistas de esquerda; e os que se proclamavam sindicalistas “democráticos”, que se

identificavam pelo anterior controle dos órgãos de cúpula da estrutura sindical.33

Naquela conjuntura, a atividade sindical, em especial no que diz respeito à eclosão

de greves, experimentou um rápido e expressivo crescimento. Embora não haja na

literatura qualquer homogeneidade nos dados sobre número de paralisações e de

trabalhadores em greve, o fato indiscutível, confirmado por todas as estatísticas é o do

crescimento contínuo das mobilizações grevistas entre o fim da década de 1950 e o ano de

1963.

30 MATTOS, 2002, p. 56.31 CARBONE, E. Movimento operário no Brasil (1964-1984). Coleção Corpo e Alma do Brasil. São Paulo:

Difel, 1984, p. 85.32 ROMÃO, 2006, op. cit., p. 72.33 MATTOS, 2002, op. cit., p. 57.

31

Além disso, não deixaram de acontecer as paralisações por empresas, em que

pautas centradas nas questões salariais e de condições de trabalho eram dominantes.

Alguns sindicatos, em que a organização por local de trabalho era forte, tenderam a

experimentar dezenas de greves desse tipo na década anterior ao golpe de 1964. No caso

do Rio de Janeiro, categorias como metalúrgicos, bancários, têxteis, operários navais,

entre outras, tinham nas “comissões sindicais” ou “comissões de empresas”34 um

importante instrumento de mobilização. Mesmo quando as diretorias sindicais apostavam

no caminho da negociação e evitaram as greves de categorias, as organizações de base

agiam de forma relativamente autônoma, convocando paralisações freqüentes.

Segundo Mattos:

“Era o caso dos metalúrgicos cariocas, que não fizeram greves gerais da categoria neste período, mas vivenciaram pelo menos 20 paralisações por empresas entre 1953 e 1964, graças aos “conselhos sindicais”. Em 1961, os conselhos eram 140, o que significava a presença desta forma de organização em 15% das empresas da base territorial do sindicato (935 indústrias em 1960). Mais presentes nas médias e grandes empresas, estes 140 conselhos representavam cerca de 50% da categoria”.35

A força política, a trajetória grevista ascendente e o crescimento no nível de

mobilização alcançado pelo sindicalismo entre 1955 e 1964 explicam-se, em grande parte,

pelo surgimento das organizações paralelas ao sindicalismo oficial. Organizações

paralelas de base (como as comissões sindicais por empresa), intersindicais, ou de cúpula

(como o CGT), que representavam a tentativa de criar canais de mobilização para além

dos limites da estrutura sindical montada pelo Estado nas décadas de 1930 e 1940.

Nesta mesma época, a relação do sindicalismo com as lideranças políticas também

era complexa, principalmente no período do governo João Goulart. Jango foi eleito Vice-

Presidente pelo PTB, numa eleição ganha pela oposição udenista, que tinha como

candidato Jânio Quadros, numa campanha de discurso voltado à moralização política.

Jânio Quadros, logo no início de seu mandato, enfrentou a oposição do PSD e PTB

(maioria no Congresso) e de setores da UDN descontentes com sua política externa.

Mesmo tendo tomado posse em março de 1961, em agosto do mesmo ano

encaminhou ao Congresso sua renúncia. Jango não tomou posse, pois os militares

34 MATTOS, 2002, op. cit., p. 60.35 Idem.

32

assumiram o controle do processo. Neste momento, o movimento sindical desempenhou

papel preponderante no que tange à legalidade das greves, garantindo a posse de Jango,

através de um acordo político que minimizou seus poderes e instaurou o parlamentarismo

no país, e, posteriormente, em 1963, a volta do presidencialismo.

Telles relata que, com uma carreira política marcada pela proximidade com as

lideranças sindicais do PTB e seus aliados, Jango seria entre os presidentes do período 45-

64 aquele que mais abriu espaço político para a discussão das propostas do sindicalismo,

em especial nos últimos meses de seu governo, em que pareciam fracassar suas tentativas

de conciliação com os setores mais à direita no espectro político.

E complementa o autor, afirmando que:

“Assim, quando as pressões do CGT pelas “reformas de base” (o grande tema político da época) tornaram-se mais fortes, com freqüentes ameaças de greves gerais e grandes mobilizações populares, Jango procurou esvaziar o Comando, prestigiando a União Sindical dos Trabalhadores (UST), recém-criado organismo de cúpula das lideranças reconhecidas como pelegas, e apoiando a chapa de oposição à aliança PCB-PTB nas eleições da CNTI de janeiro de 64”.36

Após o golpe militar de 1964, todas as vozes contrárias ao regime de arbítrio foram

caladas. Foram realizadas intervenções em entidades de classe, cassações de mandatos,

prisões, torturas e mortes. Os generais presidentes respondiam a qualquer contestação à

ordem com repressão. Esse foi o exemplo das greves de Contagem e Osasco, em 1968 e da

intervenção no Sindipetro-BA, no mesmo ano. Apenas em fins de 1973, com a anti-

candidatura a Presidente da República de Ulisses Guimarães, e do seu vice, Barbosa Lima

Sobrinho, a sociedade brasileira começa a encontrar caminhos para expressar sua

discordância àquele tipo de Estado.

Os “anticandidatos emedebistas” discursaram por todo o Brasil, denunciando as

práticas autoritárias e defendendo o retorno ao Estado de Direito. Nas eleições do ano

seguinte (1974), o Movimento Democrático Brasileiro (MDB) conquista uma grande

votação. É a primeira grande manifestação pública contra o regime. O partido de oposição

é “o desaguadouro do descontentamento social que, naquele momento, ganha maior

36 TELLES, J. O movimento sindical no Brasil. 2ª ed., São Paulo: Ciências Humanas, 1981, apud MATTOS, M. B. Trabalhadores e sindicatos no Brasil. Rio de Janeiro: Vício de Leitura, 2002, p. 62.

33

relevo, em função dos problemas econômicos resultantes, entre outras questões, da crise

do petróleo”.37

O impacto do golpe de 1964 sobre os sindicatos foi violento, e mais de uma década

foi necessária para que houvesse a retomada efetiva das mobilizações de trabalhadores e

jornadas grevistas. Porém, entre o golpe e o surgimento do “novo sindicalismo”, a partir

das greves de 1978, no ABC paulista, os sindicatos não deixaram de vivenciar conflitos e

os trabalhadores não deixaram de criar formas de resistência à exploração do trabalho e à

ditadura.

Entre 1964 e 1967, os sindicatos estiveram completamente amordaçados pelas

intervenções e pelas perseguições aos militantes mais conhecidos. Em fins de 1968, a

ditadura passaria por um processo de fechamento ainda maior, com a decretação do Ato

Institucional n.º 5 (AI5), que fechou temporariamente o Congresso Nacional, cassou

mandatos, instituiu a censura prévia à imprensa e suspendeu direitos civis. Com o AI5 e o

endurecimento do regime militar nos anos seguintes, os governos ditatoriais passaram a

dispensar aos sindicatos não só o “rigor da repressão, mas também uma preocupação com

a moldagem de um novo modelo de atuação sindical”.38

Mattos (2002) relata que a posição de mobilização com moderação, entretanto, não

era consensual entre os grupos de esquerda que atuavam no meio sindical. No quadro

interno às esquerdas o fracionamento era a marca, e diversas correntes e organizações

surgiram fazendo a crítica ao que consideravam uma posição imobilista e conciliatória do

PCB.

Para o autor:

“Se no plano da ação política defendiam a luta armada como estratégia de mobilização da sociedade contra a ditadura, no plano sindical, caracterizavam-se pela defesa do recurso às greves e pela busca de uma organização mais autônoma dos trabalhadores, a partir dos locais de trabalho, de forma a romper com a estrutura sindical corporativista”.39

Após nova leva de intervenções, os governos militares, em início dos anos 1970,

trataram de valorizar um novo modelo de atuação sindical, pautado pela ação

37 ROMÃO, 2006, op. cit., p. 122.38 TELLES apud MATTOS, 2002, op. cit., p. 71.39 MATTOS, 2002, op. cit., p. 70-71.

34

exclusivamente assistencial e afinada com as idéias de crescimento econômico como pré-

requisito para uma posterior política redistributiva. Este lado assistencial dos sindicatos

seria fortalecido pela injeção de recursos do governo, via financiamentos e doações, e

reforçado pela conjuntura de início da crise da saúde pública e fim dos institutos de

aposentadoria e pensões.

Via intervenções ou apoios “voluntários”40, o governo buscava adesões e

instrumentos para desenvolver uma política na área sindical que se pautasse não só pela

repressão ao sindicalismo reivindicativo, mas também pela revalorização do sindicato

como órgão auxiliar do Estado junto aos trabalhadores. Nesta fase, processou-se o grande

salto no número de sindicatos rurais no país. Autorizados no governo Goulart, em 1962,

na esteira do crescimento dos movimentos no campo, somavam 625 em 1968 e chegaram

a 1.745 em 1976. O número de sindicatos urbanos, entretanto, cresceu muito menos.

Ao fim da década de 1970, com o crescimento das evidências de crise do modelo

econômico da ditadura e a multiplicação das dissidências no interior do próprio bloco no

poder, os governos militares iniciaram uma transição lenta e gradual para a volta dos civis

ao poder. A intenção de controlar o processo ficava evidente na forma das medidas

“liberalizantes”41, como o fim do AI5, em 1978; a anistia política, em 1979 e a

reorganização partidária.

Para Sader, tal projeto de transição enfrentaria, entretanto, uma vigorosa tensão

contrária com o crescimento da ação organizada dos trabalhadores, através dos

movimentos sociais. Abalos que começaram em 1978, com as greves do ABC;

desdobraram-se na criação do Partido dos Trabalhadores (PT) em 1979, e da Central

Única dos Trabalhadores (CUT), em 1983; se fizeram sentir mais firmes em 1984, na

campanha pelas eleições diretas para presidente – as “Diretas Já!”42 – e repercutiram na

participação popular no processo Constituinte de 1988.

Segundo Negro (apud Rodrigues, 1999), as greves operárias, iniciadas em maio de

1978, em São Bernardo, alastrando-se em seguida pela grande São Paulo, não surgiram

como “uma coisa solta no ar”43; na verdade, demonstraria uma firme resistência dos

40 MATTOS, 2002, op. cit., p. 74.41 SADER, E. Quando novos personagens entraram em cena: experiência e lutas dos trabalhadores da

grande São Paulo: 1970-1980. São Paulo: Paz e Terra, 1995, p. 79.42 Idem, p. 81.43 NEGRO, A. L. Nas origens do novo sindicalismo: o maio de 59, 68 e 78 na indústria automobilística. In:

RODRIGUES, I. J. (org.). O novo sindicalismo vinte anos depois. Petrópolis: Vozes; Unitrabalho, 1999, p. 74.

35

trabalhadores. Assim, ocorre, em 1974, o primeiro congresso do Sindicato dos

Metalúrgicos de São Bernardo (SMSB), no qual são aprovadas as reivindicações de:

contrato coletivo, liberdade sindical e uma legislação trabalhista para a garantia dos seus

direitos fundamentais, entre outras reivindicações.

Nas imensas assembléias realizadas em fins dos anos 1970, em São Bernardo, viu-

se o nascedouro do movimento, onde se encontrava um grupo de novos dirigentes

sindicais, a saber: Luis Inácio da Silva (Lula), presidente do Sindicato dos Metalúrgicos

de São Bernardo (SMSB), Benedito Marcílio, presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de

Santo André, Henos Amorina, presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de Osasco,

Marcelo Gatto, e depois, Arnaldo Gonçalves, na presidência do Sindicato dos

Metalúrgicos de Santos e Jacó Bittar, presidente do Sindicato dos Petroleiros de Paulínia

(SADER, 1995).

Na campanha presidencial de 1977, Luís Inácio da Silva (Lula), então presidente

do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo, tornou-se nacionalmente conhecido e

passou a ser identificado como a mais importante liderança do grupo de sindicalistas que

se identificava como autêntico. Para estes, segundo Mattos (2002), um “novo

sindicalismo” dependeria da ruptura com a estrutura sindical, que atrelava os sindicatos ao

Estado e dificultava uma mobilização consciente dos trabalhadores.44

Rodrigues (1991) ressalta a importância da Igreja neste contexto histórico-político,

lembrando que a presença dos movimentos populares e dos setores de esquerda da Igreja

Católica, “instrumentalizados” com a teologia da libertação, foi importante na construção

do novo sindicalismo.45 O trabalho da Igreja progressista, por meio das Comunidades

Eclesiais de Base (CEBs), politiza o dia-a-dia dos trabalhadores em seus locais de

moradia, transforma os bairros em locais de articulação operária.

Segundo o autor:

“A politização dos bairros chega às fábricas e os problemas da superexploração e tirania nas fábricas chega aos bairros. Essa interação leva os trabalhadores ligados às CEBs a atuarem nos sindicatos normalmente como oposições. Conjuga-se uma articulação entre os

44 MATTOS (2002), op. cit., p. 93.45 RODRIGUES, L. M. As tendências políticas na formação das centrais sindicais. In: BOITO JR., A. (org.). O

sindicalismo brasileiro nos anos 80. São Paulo: Paz e Terra, 1991, p. 38.

36

diversos movimentos sociais: das donas de casa contra a carestia, dos operários e movimentos comunitários”.46

Em julho de 1978, na realização do V Congresso da Confederação Nacional dos

Trabalhadores Industriais, estão presentes Luis Inácio da Silva (Lula), do SMSB; João

Paulo Pires de Vasconcelos, do Sindicato de Metalúrgicos de João Monlevade; Arnaldo

Gonçalves, do Sindicato dos Metalúrgicos de Santos e Hugo Peres, da Federação dos

Metalúrgicos de São Paulo. Segundo Romão, esse grupo passa a ser conhecido como

grupo dos “autênticos” e, passa a se organizar, mantendo sempre diferença do grupo de

dirigentes sindicais, direta ou indiretamente vinculados a partidos políticos, em especial o

Partido Comunista Brasileiro (PCB).

Para o autor:

“À medida que os fóruns de discussão crescem, aprofundam-se também as diferenças já presentes entre os participantes do V Congresso da CNTI em 1978. Os sindicalistas ligados ao PCB, PCdoB, MR8 e antigos pelegos47 se unificam em torno da denominação ‘Unidade Sindical’ e os demais se articulam em torno de denominações como ‘Independentes, Combativos e Autênticos’”.48

Em paralelo às articulações pela fundação da Articulação Nacional dos

Movimentos Populares e Sindicais – ANAMPOS49, ocorriam encontros das oposições

sindicais. Na ponta desse movimento encontra-se a oposição sindical dos metalúrgicos de

São Paulo (OSMSP). Em meados de 1979, este último realiza seu primeiro Congresso.

Como desdobramento, realiza-se em maio do ano seguinte (1980), o Encontro Nacional

das Oposições Sindicais (ENOS).

46 Idem, p. 39.47 Termo pejorativo que identifica os trabalhadores a serviço dos patrões. Os assim denominados normalmente

não fazem greves nem participam das mobilizações articuladas pelos sindicatos ou trabalhadores. Ver: ROMÃO, 2006.

48 ROMÃO, 2006, op. cit., p. 110.49 Seus documentos destacam como imperativo: a necessidade de unificar as lutas dos trabalhadores no campo;

a criação de um partido político capaz de contribuir para a libertação das classes populares; defesa da reforma agrária; eleições diretas em todos os níveis; liberdades políticas; direito de greve. Esse encontro teve forte influência da Igreja que, por concepção, buscava construir uma organização que fosse capaz de articular o conjunto dos movimentos sociais e não apenas o sindical. Nessa articulação deveriam estar presentes os clubes de mães, associações de favelados, os grupos de loteamentos clandestinos, comunidades de base, grupos de luta pela terra, associações de bairros e sindicalistas (Rodrigues, 1991).

37

Em seguida, em novembro, em Nova Iguaçu, no Rio de Janeiro, realiza-se o I

Encontro Nacional dos Trabalhadores em Oposição à Estrutura Sindical (ENTOES). Dele

participam as oposições e direções de sindicatos combativos. A articulação dos ativistas

nas oposições sindicais foi causa importante no rompimento dos “autênticos” com os

militantes da “Unidade Sindical”, pois enquanto os últimos viam a organização das

oposições sindicais como fator de divisão do movimento, os primeiros, ao atuar junto ao

ENTOES e ANAMPOS, se fortaleceram enquanto bloco, o que viabilizou a fundação da

CUT.50

Mattos (2002) relata que, após um primeiro ciclo de crescimento no número de

greves, em 1978 e 1979, os primeiros anos da década de 1980 assistiram a uma contenção

das ações grevistas. Tratava-se de uma conjuntura marcada pelo desemprego, crise

econômica e com o empresariado e o governo já preparados para enfrentar as greves,

através do endurecimento nas negociações e do acionamento dos mecanismos repressivos

da legislação sindical.

Não há dúvidas de que a década de 1980 foi de efervescência social e política.

Basta relembrar os encontros e seminários que ocorriam em diversas partes do país,

sempre encabeçadas pelas fortes organizações sindicais do sudeste. Entre os anos de 1981

e 1982, apesar do recrudescimento da situação econômica, manteve-se na ordem do dia o

trabalho em busca da reconstrução de entidades representativas dos trabalhadores, de

cunho sindical ou político-partidário. Em 1981 ocorre a I Conferência Nacional da Classe

Trabalhadora (CONCLAT), em 1983 é fundada a CUT; em 1986 é fundada a CGT e em

1980 é fundado o PT.

Segundo Rodrigues (1991), a organização do I Conclat contou com a organização

prévia de 17 ENCLATS que ocorreram nos estados. Havia quatro grandes correntes em

disputa:

1) a primeira tendência se denominava unidade sindical, aglutinava militantes do

MR8, PCB e PCdoB. Defendiam moderação nas ações sindicais para não colocar em risco

a política de abertura dos generais, opunham-se à construção do PT e buscavam alianças

com os setores de oposição aglutinados em torno do Movimento Democrático Brasileiro

(MDB). No tocante às relações sindicais e trabalhistas, defendiam a autonomia frente ao

50 RODRIGUES, I. J. Igreja e movimento operário nas origens do novo sindicalismo no Brasil (1964-1978). História: Questões & Debates, Curitiba: Editora da UFPR, n. 29, 1998, p. 37-38.

38

Estado, mas não a liberdade sindical, opunham-se à Convenção 87 da OIT e ao fim do

imposto sindical;

2) O segundo grupo denominado de “autênticos” era composto por sindicalistas

independentes do ponto de vista partidário, sem experiência política no pré 64, mas que

vinham nos últimos anos organizando greves e se confrontando com o Ministério do

Trabalho, já tendo sido alguns deles, inclusive, cassados. Do grupo fazem parte Lula e

outros;

3) O terceiro grupo era composto pelas oposições sindicais com destaque para

OSMSP. De composição ideológica heterogênea, aglutinavam posições “obreiristas”

bastantes radicais. A maioria desses militantes tinha ligações com a igreja;

4) O quarto, e minoritário grupo, era formado por militantes de extrema esquerda,

ativistas que compunham pequenos grupos de ideologia leninista.

Romão (2006) relata que em agosto de 1981, acontece em Praia Grande, São Paulo,

a CONCLAT. Apesar das divergências, o evento elege, em chapa única, uma Comissão

Nacional Pró-CUT, formada por 56 sindicalistas rurais e urbanos, que teriam a

responsabilidade de convocar para o ano de 1982 um novo congresso, visando à criação da

CUT. Entretanto, as diferenças de posições adiam o congresso para agosto de 1983.Os

setores mais à esquerda da comissão Pró-CUT, discordando de mais um adiamento

resolvem manter a data, mudando o local de São Paulo para São Bernardo. O Primeiro

Congresso Nacional da Classe Trabalhadora, também denominado de CONCLAT, realiza-

se em 1983, em São Bernardo, onde acontece a fundação da CUT.

Com isso, são aprovadas também bandeiras como: rompimento dos acordos com o

FMI, reformulação da CLT, direito de greve, estabilidade no emprego, redução da jornada

do trabalho para 40 horas semanais sem redução de salário, direito à sindicalização dos

funcionários públicos, fim das leis de exceção, reforma agrária sob controle dos

trabalhadores, não pagamento da dívida externa; autonomia dos sindicatos frente ao

Ministério do Trabalho, liberdade de organização partidária, anistia, convocação da

Assembléia Nacional Constituinte; eleições diretas para Presidente; direito de organização

no local de trabalho.

Antunes (1995) relata que em janeiro de 1988, ao serem derrotados em uma

Plenária da CGT, os sindicalistas ligados ao PC do B abandonam a reunião e formam, em

39

abril do mesmo ano, a Corrente Sindical Classista (CSC), iniciando uma aproximação da

CUT, incorporando-se à mesma no IV Congresso dessa central, realizado no final de

1991.

Em maio de 1989, durante seu segundo congresso, a CGT sofre mais um racha e é

fundada a Central Geral dos Trabalhadores, mantendo a mesma sigla CGT. Como ainda

havia diferenças existentes na CGT, ocorre em março de 1991, em São Paulo, o congresso

de fundação de mais uma central, denominada Força Sindical (FS). Esta central parece

mostrar maior força do que as CGTs anteriores. Apesar de apoiada no sindicalismo de

Estado, assume-se como “moderna”51, como uma alternativa entre o conservador das

CGTs e do radicalismo da CUT.

Para Tropia (2002), a FS terá um “ativo papel no processo de constituição da

hegemonia neoliberal”; pois suas lideranças aderem à agenda neoliberal, defendem as

políticas de privatizações, de desregulamentações do mercado de trabalho e se posicionam

contrários às lutas sindicais que visavam resistir à voracidade do capitalismo neoliberal.

Exemplo desse comportamento foi a campanha desenvolvida pela FS contra a

greve dos petroleiros em 1995, onde os dirigentes assumiram a linha de frente nas críticas

e articulações contrárias à greve, alegando que pesquisa de opinião, realizada pelo SMSP,

demonstrava que 77,13% dos entrevistados eram contra aquele movimento. Segundo

Antunes (1995), a Força Sindical e o sindicalismo de resultados adotaram política

“perfeitamente inserida na onda neoliberal que penetrou também no movimento sindical

em nosso país”.52

É neste novo cenário que Romão (2006) constata:

“(...) O crescimento das atividades sindicais acontece de forma surpreendente, fruto entre outras questões de: a) um operariado de formação recente, sem os temores e vícios do pré-64; b) os novos ativistas sindicais, na sua grande maioria, não haver militado no período anterior ao golpe, portanto, eram menos visados pelos órgãos de repressão da ditadura; c) a estrutura sindical existente no pré-64 está intacta e é utilizada pelos novos atores; d) utilização de novos métodos de mobilização e relação com as bases”.53

51 TROPIA, P. V. A adesão da Força Sindical ao neoliberalismo. Idéias, n. 9, Campinas, IFCH/Unicamp, 2002.52 ANTUNES, R. Adeus ao trabalho? Ensaio sobre as metamorfoses e a centralidade do mundo do trabalho.

São Paulo: Cortez, 1995, p. 41.53 ROMÃO, 2006, op. cit., p. 82.

40

O autor relata que o novo sindicalismo centra o foco de suas ações sobre os

problemas existentes nas fábricas; busca soluções para as reivindicações imediatas da

classe, mobilizando a partir dos conflitos típicos do processo de trabalho. Combate o

despotismo gerencial, as relações discriminatórias entre gerentes e operários e a

exploração do trabalho. Os dirigentes sindicais realizam manifestações nos portões das

fábricas54, vão ao encontro dos trabalhadores nos seus locais de trabalho, compensando a

pouca presença desses nas sedes dos sindicatos. Fazem crescer o número de filiados,

buscando através desses a sustentação econômica e política de suas entidades. Defendem a

criação das Comissões de Fábrica, que deveriam se dedicar às Organizações por Local de

Trabalho (OLT).

O novo sindicalismo tenciona inovar nas suas ações. Dessa forma, abrem-se novos

meios de comunicação entre as bases e as direções. O uso de carros de som nas portas das

unidades industriais e a distribuição de boletins informativos às categorias se tornam

freqüentes. Algumas bases produzem informativos diários, trazendo notícias específicas

da categoria, abordando questões gerais e matérias de utilidade pública.

Além disso, incentivam que seus filiados entrem com ações na Justiça do Trabalho

de forma coletiva ou individual, visando avançarem os direitos. Também transformam

muitas sedes, nos fins de semana, em locais de apresentações artísticas e pontos de

encontro. Defendem métodos mais democráticos e transparentes nas relações das direções

sindicais com os trabalhadores. Tudo isso objetivando dotar os estatutos das entidades de

mecanismos que ampliassem a transparência e a democracia na relação com as bases;

procurando romper com as políticas salariais restritivas, negociando diretamente com os

patrões, utilizando-se para isso das greves como forma de obter negociações coletivas ao

nível das empresas.

Ainda segundo Romão (2006):

“Apesar de ser unânime, entre os pesquisadores, de que houve grandes transformações, alguns advogam que nem tudo foi inventado, mas tratou-se em alguns casos da reintrodução, a partir de um novo contexto histórico, de práticas já existentes, mesmo que as mesmas não tivessem a abrangência e profundidade que adquirem nesse novo momento. Para alguns analistas, o Novo Sindicalismo, apesar do grau de transformação que enseja, não pode ser entendido simplesmente com uma ruptura, como conceitos e práticas

54 Esse movimento também ocorre nas portas das agências bancárias, prédios públicos, etc. Ver ROMÃO (2006), op. cit., p. 103.

41

sindicais absolutamente inovadores em detrimento de outras existentes no pré-64, que seriam populistas, cupulistas e de Estado”.55

Para Rodrigues (1991), a CUT é a central que encarna essa série de novas

formulações e práticas do Novo Sindicalismo. Fundada no congresso de São Bernardo,

recebe a contribuição militante e intelectual dos “‘combativos’, (do ex-bloco dos

autênticos), das oposições sindicais, da esquerda católica, e dos pequenos grupos de

esquerda de orientação marxista leninista ou trotskista”.56

Para Almeida (1996),

“(...) a representatividade da CUT pode ser medida não apenas pelo número de filiações, mas também pelo papel representado pela central no debate político nacional e por sua capacidade de levar, ao longo dos anos 1980, milhões de trabalhadores a jornadas de lutas e mobilizações com destaque para as greves gerais”.57

A esse primeiro grupo se juntam militantes do PDT, PC do B, e independentes. A

CUT, dessa forma, tornou-se a maior e mais representativa central de trabalhadores do

Brasil; adotando uma postura claramente de esquerda, abrigou uma diversidade de

concepções, como pode ser constatado pelo resultado de seus congressos.

Segundo Romão (2006):

O I CONCUT se realiza em 1984, em São Bernardo do Campo, e contou com 5.620 participantes. Os participantes, entre outras questões, criticaram a pouca presença da central na campanha das “Diretas JÁ” e da necessidade de se radicalizar no enfrentamento a CONCLAT. O II CONCUT se realizou no Rio de Janeiro, entre os dias 31 de julho a 3 de agosto de 1986, no qual houve a presença de 5.564 delegados. O ponto alto desse congresso foi a CUT adquirir contornos claros anticapitalistas, assumindo-se como entidade de luta por uma sociedade socialista. Essa posição representou a força crescente da esquerda socialista no congresso.58

Galvão (2002) discute as ambigüidades e contradições na postura da CUT nos anos

1990. Na sua interpretação, a central mantém o discurso crítico e classista, em meio a

práticas que despolitizam e desmobilizam. Tal afirmação pode ser constatada pela

55 Idem, p. 263.56 RODRIGUES, 1991, op. cit., p. 3.57 ALMEIDA, M. H. T. de. Crise econômica e interesses organizados: o sindicalismo no Brasil nos anos 80.

São Paulo: Edusp, 1996, p. 85.58 ROMÃO, 2006, op. cit., p. 265.

42

realização do III CONCUT, ocorre entre os dias 7 e 11 de setembro de 1988, em Belo

Horizonte. O campo majoritário conseguiu efetivar muitas das alterações estatutárias que

não conseguiram no congresso anterior. As mudanças de estatuto em curso, desde o II

CONCUT, e de forma mais radical no terceiro congresso, refletiram na composição dos

delegados presentes e, por conseqüência, nas resoluções do IV CONCUT, realizado em

setembro de 1991. Para a autora: “esse congresso simbolizou o fim de um ciclo”.59

Corrobora Rodrigues (1998), afirmando:

“A trajetória da Central Única dos Trabalhadores desde sua fundação até o seu terceiro congresso nacional realizado em 1988, representou o período de sua construção e afirmação, cuja fase mais movimentista, libertária, socialista e conflitiva enfim, heróica, encerrava-se com o III CONCUT”.60

Para Noronha (2002), O processo através do qual os trabalhadores brasileiros

reconquistam direitos usurpados pela ditadura foi rápido, mas repleto de atalhos. No

princípio, os sindicatos sequer podem negociar salário; havia decretos-leis que na prática

impossibilitavam isso; as políticas estatais não consideravam os interesses dos

trabalhadores; os dirigentes sindicais nem eram recebidos com regularidade pelas

autoridades.61

Claro resta que desde novembro de 1977, quando os trabalhadores pedem

autorização para realizar o CONCLAT, a abril de 1987, quando os mesmos são

convidados a discutirem com o presidente José Sarney uma proposta de Pacto Social,

muita coisa havia mudado. Chauí (1995) ressalta que no fim dos anos 1980 “novos

sujeitos políticos coletivos haviam entrado em cena, reconquistado a fala”; e esclarece

que:

“Antes de mais nada, porque é criado pelos próprios movimentos sociais populares do período... (...) Em segundo lugar, porque se trata de um sujeito coletivo e descentralizado, portanto despojado das duas marcas que caracterizam o advento da concepção burguesa da subjetividade: a individualidade solipsista ou monádica (...) Em terceiro lugar, porque é um sujeito que, embora coletivo não se apresenta como portador da universalidade definida a partir de uma organização que operaria como

59 GALVÃO, A. Neoliberalismo e reforma trabalhista no Brasil. Tese de doutorado; UNICAMP, Campinas, 2003.

60 RODRIGUES, 1998, op. cit., p. 39-40.61 NORONHA, E. G. Greves na transição brasileira. Dissertação (Mestrado), UNICAMP, Campinas,

1992, p. 81.

43

centro, vetor e telos das ações sócio políticas e para a qual não haveria propriamente sujeitos, mas objetos ou engrenagens da máquina organizadora”.62

A autora ainda relata elementos que legitimam a afirmação de que os novos

sujeitos passaram a agir e entraram em cena a partir do momento em que a:

“Sociabilidade fundada na solidariedade de classe e pela qual as chamadas classes populares passaram a fazer parte da cena histórica, não como atores desempenhando papéis pré-fixados, mas como sujeitos criando a própria cena através de sua própria ação e, com isso, constituíram um espaço público além do sistema da representação política permitida, ou seja, o espaço da participação cívica e trabalhista”.63

A redemocratização do país, com a aprovação da Constituição de 1988 e as

eleições presidenciais de 1989, encerra, de certa forma, a era do novo sindicalismo

brasileiro. Mattos (2002) ressalta que, em relação às propostas apresentadas pelo novo

sindicalismo nos anos 1980, o projeto de uma mudança da estrutura sindical, em direção à

autonomia e liberdade plena de organização, foi frustrado.

A Constituição de 1988 garantiu o direito de organização dos funcionários

públicos, sacramentou a possibilidade de criação de Centrais Sindicais e, a conquista mais

importante, segundo o autor, extinguiu o poder de intervenção do Ministério do Trabalho

sobre os sindicatos. No entanto, permaneceram a unicidade sindical, o monopólio da

representação, o poder normativo da Justiça do Trabalho e o imposto sindical. Ou seja,

mantiveram-se as bases fundamentais da estrutura sindical corporativista.

Durante os trabalhos da Assembléia Nacional Constituinte, a presença dos

sindicatos foi fundamental para garantir a inclusão na Carta de novos direitos trabalhistas

(redução da jornada, regulamentação do trabalho em turnos, licença maternidade), apesar

de toda manobra dos conservadores reunidos no “Centrão”.64 Na discussão da estrutura

sindical, entretanto, a capacidade de pressão dos sindicatos foi muito menor. mesmo entre

o sindicalismo cutista, que defendeu o fim da estrutura, foi possível constatar que o pode

62 CHAUI, M. Prefácio. In: SADER, E. Quando novos personagens entraram em cena: experiência e lutas dos Trabalhadores da grande São Paulo: 1970-1980. São Paulo: Paz e Terra, 1995.

63 CHAUÍ, 1995, op. cit., Prefácio.64 Ver: MATTOS, 2002, op. cit., p. 89.

44

de mobilização neste caso foi bem mais reduzido que o apresentado nas votações

referentes à legislação trabalhista.

Conforme Romão (2006), o movimento crescente de mobilizações e conquistas que

resultaram na ampliação do espaço público para novos sujeitos coletivos, entre fins dos

anos 1970 até o final dos anos 1980, sob o Novo Sindicalismo, não se mantêm nos anos

1990. Segundo o autor: “A Era FHC consolida enormes perdas para a Classe Trabalhadora

no Brasil, seja no plano material ou imaterial”.65

De acordo com Oliveira (2003), o maior contingente eleitoral de Collor veio das

parcelas mais pobres da população, não somente os miseráveis, mas também os que

possuíam uma inserção periférica na economia, que enfrentavam as filas e os maus tratos

do serviço público; os que tinham motivos para verem nos “marajás”66 seus inimigos;

aqueles que trabalhavam, mas que não tinham carteira assinada.

O segundo contingente de eleitores seriam as frações das classes médias, um grupo

mais heterogêneo, composto por pequenos e médios empresários; setores temerosos da

proletarização. O último bloco de eleitores seria formado pela burguesia que, apesar de

possuir pequeno número de votos, abasteceram os cofres da campanha. Dele faziam parte

os grandes grupos econômicos que boicotaram os esforços anteriores para domar a

inflação.

De 15 de março de 1990 até o dia 02 de outubro de 1992, quando Collor e sua

esposa deixam o Palácio do Planalto, após ter sido votado no plenário da Câmara dos

Deputados seu afastamento, o Brasil conviveu diariamente com sobressaltos; no campo

político, a insegurança e o descontentamento circulavam da base aliada à oposição

(Romão, 2006).

Segundo Rodrigues (1998), em coletiva à imprensa, no dia 14 de fevereiro de 1990,

ao retornar de uma viagem de descanso ao exterior, Collor explicita a dubiedade e o

autoritarismo que serão as marcas do seu governo, ao tempo em que trata a inflação como

caso de polícia, afirmando não tolerar as livres remarcações de preços, declara que irá

promover a completa liberdade de mercado promovendo meios de estabelecer a livre

competição na economia. Nessa viagem ao exterior Collor reuniu-se com os principais

65 ROMÃO, 2006, op. cit., p. 271.66 OLIVEIRA, Francisco. O ‘reino’ de 20 anos, Folha de São Paulo, 13/10/1996. In: GALVÃO, Andréia.

Neoliberalismo e reforma trabalhista no Brasil. Tese de doutorado; UNICAMP, Campinas, 2003, p. 28.

45

líderes mundiais, demonstrando às economias centrais sua disposição em promover as

mudanças estruturais necessárias à inserção do Brasil no novo cenário internacional.

No dia seguinte à sua posse, Collor proclama seu primeiro plano econômico,

batizado de Plano Collor. Para Antunes (2004), nesse projeto Collor expressou a sua

disposição em reformar o Estado, reduzindo o seu tamanho e sua capacidade de

intervenção sobre a sociedade, sobre o aparato produtivo. O objetivo era abrir a economia

brasileira, fazendo-a interagir mais fortemente com o capital internacional.

Entretanto, o presidente Collor foi rapidamente perdendo legitimidade, fragilizado

por sua incapacidade de promover a estabilidade monetária, o governo era constantemente

atacado pelos empresários. Os seus esforços em buscar alianças, mesmo em setores como

o PDT e PSDB, apesar de reduzirem o comportamento oposicionista dessas siglas, não

redundavam em posições mais sólidas em defesa do governo, que não tinha garantia de

antemão do resultado das votações dos seus interesses no Congresso Nacional.

Agravando o quadro institucional, econômico e político, somava-se a oposição das

organizações trabalhistas, visto que a inflação, a recessão, a política de privatização e

demissões nas estatais e no serviço público atingiam por completo a classe trabalhadora.

O plano era reduzir 20% de trabalhadores ligados ao serviço público. Essa política faz

espocarem greves por todos os lados em 1990. Nos pólos mais avançados do operariado

no sudeste, particularmente no ABCD, a luta é contra a recessão, responsável por

demissão em massa. Nas estatais, eletricitários, economiários da CEF e petroleiros fazem

greves reivindicando reajustes e contra as demissões. O movimento social de esquerda e

progressista estava, então, em franca ascensão.

Sobre este panorama, Oliveira e Paoli (1999) relatam:

“Nenhuma política salarial e de preços passará sem atuação da CUT, por exemplo, e nenhuma gestão estatal, das empresas estatais, será possível sem a tecnocracia alinhada no PSDB; assim como nenhuma política científica passará sem consulta as sociedades científicas, cujos membros estão no PT e mais no PSDB; nenhuma política social poderá furtar-se do crivo das forças enquadradas tanto no PT quanto no PDT”.67

A então ministra da economia, Zélia Cardoso de Melo, buscando atenuar o

descontentamento das classes trabalhadoras, reedita o “pacto social” tentado por Sarney.

67 OLIVEIRA, F. de e PAOLI, M. C. (org.). Os sentidos da democracia: políticas do dissenso e hegemonia global. Petrópolis: Vozes, 1999.

46

A ministra senta-se à mesa com Jair Meneghelli, presidente da CUT, Luiz Antonio

Medeiros do SMSP e Emerson Kapaz do PNBE, em reuniões que se mostraram

infrutíferas e foram suspensas definitivamente no final do mesmo ano.

47

Sobre esse tema, Romão (2006) discorre que:

“Ao clima geral de descontentamento e preocupação com os rumos do governo, somavam-se as denúncias de corrupção que surgiam de todos os lugares, atingindo diversas estatais, seus dirigentes e ministros. Muitas das denúncias guardavam relação com Paulo César Farias, amigo e tesoureiro da campanha de Collor”.68

O ano de 1991 se inicia com o Plano Collor II, lançado em janeiro; e sofreu, como

o primeiro, críticas à forma autocrática de construção e implementação, além de conter

importantes elementos de inconstitucionalidade, tornando-se insuficiente para debelar a

inflação. Do ponto de vista do Congresso Nacional, a instabilidade permaneceu, apesar de

contar nesse momento com a boa vontade de setores da esquerda a exemplo de Brizola.

Continuaram surgindo denúncias de corrupção. Ganhou força em meio a toda essa

instabilidade a preocupação com a governabilidade.

Os trabalhadores, por sua vez, permaneceram organizando greves contra as

medidas governamentais; iniciam-se paralisações importantes, tais como: metalúrgicos em

São Paulo; portuários em Santos; funcionários do fisco no Rio de Janeiro e petroleiros

nacionalmente. Em 1991, a greve dos petroleiros ocorreu entre os meses de fevereiro e

março, portanto, fora da data-base e durou 24 dias.69 À medida que o ano de 1991

avançava, tornaram-se perceptíveis os efeitos das medidas do governo sobre a capacidade

de resistência dos trabalhadores:

“Claro que a mobilização dos sindicatos e centrais sindicais, aguçada em 1990, perdeu fôlego com a recessão forte, a retomada inflacionária e o desemprego crescente. Foi nesse clima que fracassou o movimento dos bancários, petroleiros e petroquímicos, sindicatos ligados a CUT, que haviam marcado para 11 de setembro de 1991 uma mobilização conjunta”.70

O ano de 1992 foi uma reedição dos anos anteriores. O governo não alcançou a

estabilidade monetária e seu programa de privatização e reestruturação da máquina estatal

não conseguiu avançar na velocidade desejada. Tomada por uma total desorientação, a

classe trabalhadora assim foi descrita por Antunes:

68 ROMÃO, 2006, op. cit., p. 93.69 A greve começa a zero hora do dia 6 de fevereiro, mas recua no dia seguinte por não ter força nacional. A

idéia era começar com as refinarias de Paulínia, Cubatão, São José dos Campos, Mauá e daí ir avançando. A greve recomeça dia 26 de fevereiro, contra a privatização, reintegração dos demitidos, etc. TST julga abusiva no dia 19 de março; dia 20 de março o comando indica fim da greve por estar esvaziando. Sindipetro-RJ se filia à CUT. Ver: ROMÃO, 2006, p. 289 – Resumo histórico de datas importantes na luta dos petroleiros.

70 RODRIGUES, 1998, op. cit., p. 42.

48

“Qualitativamente distinta do descontentamento de setores do capital, a rebeldia do mundo do trabalho encontrava-se, entretanto, moldada por uma ação ultradefensiva, que se deve também à incapacidade e paralisia dos seus organismos de representação sindicais e políticos, que não sabem por onde caminhar”.71

No Congresso Nacional e na sociedade o governo se mostrava cada dia mais

isolado; as denúncias de corrupção eram incessantes, o que tornavam insustentável a

situação. Na continuada preocupação de amplos setores com a questão da governabilidade,

passou-se a aventar a possibilidade do parlamentarismo, como forma de debelar a crise. O

propósito era manter Fernando Collor, enquadrando-o dentro de limites confiáveis.

Entretanto, nenhuma manobra foi capaz de impedir o processo de impeachment, após as

denúncias de Pedro Collor, do motorista Francisco Eriberto e do movimento das ruas

(Romão, 2006).

Atos políticos pelo impeachment do presidente começam a acontecer a partir de

meados de 1992. O impeachment se torna irreversível quando o movimento ganha as ruas

de todo o país; após a passeata de 11 de agosto, articulada pela UNE e UBES, na qual os

estudantes “caras pintadas” tomam o centro de São Paulo. A campanha ganha uma

dimensão de massas, e guardavam semelhança com a campanha pelas “Diretas Já”. A

palavra de ordem era “Fora Collor” pela “ética na política”. O desfecho foi o

impeachment do presidente e a posse de seu vice, Itamar Franco.

71 ANTUNES R. A desertificação neoliberal no Brasil: Collor, FHC e Lula. Campinas-SP: Autores Associados, 2004, p. 31.

49

CAPÍTULO II

O PROJETO NEOLIBERAL E AS PRIVATIZAÇÕES

2.1. ANTECEDENTES HISTÓRICOS DO NEOLIBERALISMO

O capitalismo internacional passou por mais uma das suas crises cíclicas no início

dos anos 1970, crise esta marcada pela elevação do preço do barril de petróleo. A nova

reconfiguração do capital adquiriu características específicas sob a alcunha de

neoliberalismo. O radical “neo” pressupõe a existência de uma idéia anterior que se

pretende atualizar (Romão, 2006).

Pressupostos básicos do liberalismo econômico são elaborados por Adam Smith,

em sua publicação “A Riqueza das Nações” de 1776.72 A sua tese central defende a

liberdade que devem ter os indivíduos nas suas atividades econômicas. Por seus

pressupostos, a produção da riqueza seria maior e melhor distribuída, caso não houvesse

restrições impostas, seja pelo Estado, seja pelas corporações.

A doutrina pregava a desregulamentação e desprivatização das atividades

econômicas. O Estado deveria ser mínimo e seu papel reduzido a três funções básicas:

garantir a segurança interna e externa; assegurar o respeito aos contratos e manter os

serviços públicos essenciais cujos custos fossem impeditivos ao capital privado.

Romão (2006) ressalta que, no conceito de Smith, a divisão do trabalho de acordo

inicialmente com os interesses particulares faz prosperar a economia, por fazer crescerem

72 A Escola Clássica ou Escola de Manchester desenvolveu idéias sobre o pensamento econômico que se tornaram dominantes na época do capitalismo industrial. O percussor foi Adam Smith, mas David Ricardo, Thomas Robert Malthus e Jean-Baptist Say tiveram papéis importantes na sua propagação por apresentarem contribuições em campos específicos. No entanto, o caráter “natural” das leis econômicas, como crítica ao mercantilismo, já havia sido defendido pelo médico de Luís XV, François Quesnais. Este médico com seu artigo “Tableau économique” (1758) inaugurou uma corrente de pensamento econômico denominada de fisiocrata, cujas teses centrais eram a defesa da agricultura como elemento fundante da vida econômica e a necessidade do Estado afastar-se do controle da economia sob o lema laissez-faire, laissez-passer, le monde va de lui-même (deixai fazer, deixai passar, que o mundo anda por si mesmo) (Aquino et al., 1988).

50

as habilidades dos trabalhadores, por diminuir a dispersão dos afazeres e facilitar a

produção de máquinas que se destinam a operações cada vez mais simplificadas. O avanço

da sociedade deixa de depender da ideação do Estado, do monarca ou do legislador,

surgindo a partir da confluência de interesses individuais aparentemente díspares.

“Uma vez eliminados inteiramente todos os sistemas, sejam eles preferenciais ou de restrições, impõe-se por si mesmo o sistema óbvio e simples da liberdade natural. Deixa-se a cada qual, enquanto não violar a lei da justiça, perfeita liberdade de ir à busca de seu próprio interesse, a seu próprio modo, e faça com que tanto seu trabalho como seu capital concorram com os de qualquer outra pessoa ou categoria de pessoas”.73

Para Smith, os movimentos do mercado substituem a regulação macroeconômica

do Estado ou das corporações. Essa mesma compreensão David Ricardo (1983) irá aplicar

ampliando-a para o funcionamento do jogo econômico entre as nações. A economia de

mercado era suficientemente capaz de se auto-regular. Para o autor, os instrumentos de

controle do mercado eram superiores aos da política.

“Num sistema comercial perfeitamente livre, cada país naturalmente dedica seu capital e seu trabalho à atividade que lhe seja mais benéfica. Essa busca de vantagem individual está admiravelmente associada ao bem universal do conjunto dos países. Estimulando a dedicação ao trabalho, recompensando a engenhosidade e propiciando o uso mais eficaz das potencialidades proporcionadas pela natureza, distribui-se o trabalho de modo mais eficiente e mais econômico, enquanto, pelo aumento geral do volume de produtos difunde-se o benefício de modo geral e une-se a sociedade universal de todas as nações do mundo civilizado por laços comuns de interesse e de intercâmbio. Este é o princípio que determina que o vinho seja produzido na França e em Portugal, que o trigo seja cultivado na América e na Polônia, e que as ferramentas e outros bens sejam manufaturados na Inglaterra”.74

Para Japiassú e Marcondes (1996), no essencial, o liberalismo econômico se

fundamenta na existência de uma ordem natural na economia. A economia, como as

ciências da natureza, estaria submetida a leis inerentes ao processo econômico. Portanto,

caberia aos indivíduos elucidar essas leis e não intervir no processo, pois naturalmente ele

tende ao equilíbrio. A economia, por essa construção teórica, deixará de ser resultado do

processo social e histórico para ser naturalizada.75

73 SMITH, A. A riqueza das nações: investigação sobre sua natureza e suas causas. São Paulo: Abril Cultural, 1983.

74 RICARDO, D. Princípios de economia política e tributação (1983). In: ROMÃO, 2006, op. cit., p. 123.75 JAPIASSÚ, H. e MARCONDES, D. Dicionário básico de filosofia. Rio de Janeiro: Zahar, 1996.

51

Corroborando tal linha de afirmação, Moraes (2000) ressalta que as teses liberais

vêm de encontro à organização mercantilista da sociedade. Esta organização predominou

durante os séculos XVI, XVII e XVIII; apesar de não ter um corpo doutrinário único, pois

variou seu foco durante o decorrer dos séculos, o mercantilismo, do ponto de vista da

relação do Estado com a economia, assentou as suas bases através do controle estatal

sobre a economia e viu crescer sob seus domínios as corporações de ofício.

Pela ótica liberal, esses dois elementos se tornaram responsáveis pela não

efetivação da “ordem natural das coisas”. O arcabouço legal mercantilista limitava as

ações do capital e impunha limites ao livre uso da força de trabalho. A proteção comercial

que inibia e limitava as livres forças do mercado ganharam:

“(...) extraordinária força com o desenvolvimento de grupos nacionais e o crescimento do chamado comércio exterior, com a passagem de algo como “a economia das cidades” para as economias nacionais”. Na Inglaterra, isso teria ocorrido sobretudo durante o século áureo dos Tudors. Do ponto de vista prático, a própria política mercantilista teria nascido nessa época, ainda que seu sistema doutrinário viesse a constituir-se mais tarde, com a defesa de extremado protecionismo, apoio às indústrias nacionais, reservas de mercado (...)”.76

A moeda estável, a concentração de riquezas, a contenção de gastos com as

funções sociais do Estado, o combate ao sindicalismo e a “taxa natural de desemprego”

são traços e, ao mesmo tempo, metas que atendem às necessidades do próprio capitalismo:

“(...) as raízes da crise estavam localizadas no poder excessivo e nefasto dos sindicatos que havia corroído as bases da acumulação capitalista com suas pressões reivindicativas sobre os salários e sua pressão parasitária para que o Estado aumentasse cada vez mais os gastos sociais”.77

Para o autor acima, a reação contra o Estado intervencionista e o Estado de bem-

estar social e a busca do Estado mínimo, emergiram também da crise fiscal do Estado.

Anderson (1996) sintetiza: “No entanto, Estado mínimo não significa Estado fraco”. O

Estado forte intervém na economia não mais como regulador das relações sociais, mas

principalmente, para possibilitar o modelo de acumulação neoliberal, que hoje privilegia o

capital financeiro.76 MORAES, R. C. C. de. Liberalismo clássico: notas sobre sua história e alguns de seus argumentos.

Campinas: IFCH/UNICAMP, 2000. Coleção: Textos Didáticos.77 ANDERSON, P. Balanço do neoliberalismo, (1996). Disponível em:

http://www.politica.pro.br/Cursos/curso_crises_aula1.htm, acessado em 10/07/2007, p. 10.

52

Historicamente, nesse momento, o capitalismo se expandiu economicamente,

comandado teoricamente pelas idéias liberais. A tecnologia impulsionava máquinas cada

vez mais eficientes. Era a produção em grande escala e a concorrência também se tornou

gigantesca. O capital maior abafa o capital menor. O grande capital controla oferta e

preços, a livre concorrência é substituída pelo monopólio, surgem os trustes; diversos

países, no afã de se protegerem, criam tarifas alfandegárias. Os trustes se transformam em

cartéis; nasce o sistema de crédito. À medida que avança, os monopólios industriais

avançam, concomitantemente os monopólios bancários. Os financistas se tornam cada vez

mais poderosos e o industrial dependia cada dia mais do sistema de crédito que se

hipertrofia (Aquino et al., 1988).

Segundo o autor, a eficiência das máquinas aumenta a produção e o desemprego,

mais produtos com menos operários trabalhando e, portanto, menos compradores. O

capital busca sair dessa crise se expandindo para “novos mundos”. As colônias, então,

tornam-se ao mesmo tempo, mercado para os produtos excedentes e fornecedores de

matérias-primas em larga escala. A conquista das colônias uniu banqueiros e industriais,

acarretando uma nova reordenação da divisão do trabalho no mundo.

Para agravar ainda mais a situação do mundo capitalista, em 1917 ocorre a

Revolução Russa que contribuirá para trazer à tona as contradições do capital. Em 1929 a

crise geral do capital entra em pane, causando o crack da bolsa de Nova York. O clima de

disputa acalmado pela Primeira Guerra Mundial, volta a se acirrar e, dá início à Segunda

Guerra Mundial. Ao mesmo tempo, o bloco socialista cresce a olhos vistos tanto em

produção, quanto em qualidade de vida.

O movimento, ou sua teorização, neoliberal tem raízes históricas na Europa, ainda

no período da II Guerra Mundial, quando Friedrich Hayek escreveu o livro intitulado “O

Caminho da Servidão”, em 1944, na Inglaterra. De acordo com Anderson (1996), este

texto tratava-se “de um ataque apaixonado contra qualquer limitação dos mecanismos de

mercado por parte do Estado, denunciadas como uma ameaça letal à liberdade, não

somente econômica, mas também política”.78

As teses neoliberais sistematizadas, inicialmente, por Hayek, encontraram as

condições de conquista da hegemonia nos anos 1970, como visto anteriormente, mais

78 ANDERSON, 1996, op. cit, p. 8.

53

precisamente a partir da grande crise de caráter mundial, na década de 1970. Entretanto, uma

delas deve ser destacada, aquela referente ao tema da desigualdade, considerada um valor

positivo.

Segundo Anderson (1996), “a concepção das desigualdades sociais como naturais e

definitivas constitui o princípio filosófico do qual parte o neoliberalismo”.79 Neste sentido, a

desigualdade social parece um valor positivo para gerar e manter o desenvolvimento

econômico. A desigualdade se mostra importante para a prosperidade, e a concentração de

riquezas beneficiaria toda a sociedade.

Esta alternativa ao Estado Previdenciário pode ser entendida principalmente pelo seu

descomprometimento com as políticas públicas econômicas e sociais, pela tentativa de

implantação do Estado mínimo. Do ponto de vista conjuntural, esta proposta surgiu para o

enfrentamento da crise financeira do modelo de Estado Social-Democrata. Esta reestruturação

global do capitalismo elegeu o mercado como o grande regulador econômico e social

(Anderson, 1996).

A partir dessa perspectiva, pode-se depreender a relação entre as concepções

neoliberais e a democracia. Para Borón (1996): “a sociedade neoliberal é inóspita para a

democracia porque divide cada vez mais a sociedade entre ricos e pobres”.80 A desigualdade,

como princípio filosófico que inspira e move o neoliberalismo, relaciona-se de forma estreita

com a absoluta supremacia do mercado como elemento sócio-econômico regulador. Baseada

em escritos de Hayek, Rummert (2000) assim afirma:

“(...) é o mercado que se constitui num mecanismo de ordenação, que através de certos sinais induz os homens a se adaptarem aos fatos que eles não conhecem. O caráter teleológico do mercado tem como contrapartida um indivíduo só e isolado, que não pode receber ajuda de outros indivíduos nem do Estado porque isso constituiria uma interferência. Nada parecido a uma justiça redistributiva pode ser aplicado; esta não tem lugar dentro do processo impessoal e abstrato com base no qual o mercado distribui bens e serviços, premia ou castiga. A redistribuição de rendas, em última instância, seria antinatural, coercitiva e conduziria ao socialismo”.81

79 ANDERSON, 1996, op. cit, p. 10.80 BORÓN, Os neoliberais fracassaram. Jornal do Brasil, Caderno Idéias. Rio de Janeiro, 28/09/1996, p. 8.81 RUMMERT, S. M. Educação e identidade dos trabalhadores: as concepções do capital e do trabalho. São

Paulo: Intertexto, 2000, p. 54.

54

Ainda segundo Rummert (2000), tanto a desigualdade quanto a supremacia das leis

de mercado fundamentavam os argumentos que visavam a explicar a crise dos anos 1970,

centrados na crítica ao que era considerado como o poder excessivo conquistado pelos

trabalhadores organizados. A esse poder “nefasto”82 do movimento operário era atribuído

papel decisivo na corrosão das bases de acumulação capitalista, gerando estruturas de

Estado dispendiosas e inadmissivelmente protecionistas.

Borón (1996) relata que, a partir dessa perspectiva, as teses neoliberais apontavam

como soluções para a situação de crise, três medidas fundamentais: a ruptura da estrutura

sindical, a partir de uma ação forte e conjunta dos capitalistas e do Estado, ou seja, a luta

acirrada contra as formas solidárias e coletivas de reivindicação; a simultânea e expressiva

redução do Estado, no campo de ação das políticas sociais que deveriam passar a ser

concebidas como prestação de serviços subordinadas à lógica de mercado; e a restauração

da taxa natural de desemprego, desencorajadora das reivindicações trabalhistas e

incentivadora dos mais diversos mecanismos de competição.

Para o autor:

“(...) na concepção neoliberal, o desemprego, longe de ser preocupante, passa a ter uma conotação positiva, representando um forte sinal de que a economia está se reestruturando, modernizando, tornando-se mais competitiva e, evidentemente, premiando os mais capazes”.83

Neste momento histórico, o alvo principal era o Partido Trabalhista inglês, que

finalmente venceria as eleições de 1945. Porém, sua formulação ficou restrita a uns

poucos teóricos – basicamente porque no período de 1950/70, as taxas de acumulação

capitalista estavam altas, as taxas de desemprego e inflação controladas.

Estes teóricos fundaram a “Sociedade de Mont Pèlerin”, que dedicava-se a

combater o keynesianismo e o estado do bem-estar social no mundo capitalista dos

Estados Unidos à Europa. Mas é somente a partir da grande crise deste modelo econômico

e político, em meados de 1973, que as teorias neoliberais começam a ganhar força

política.

Para Vizentini e Carrion84 (1998), a crise em si, pode ser explicada por diversos

fatores, dentre os quais o fato do capitalismo, à época, estar assentado nas indústrias 82 RUMMERT, 2000, p. 54.83 BORÓN, 1996, op. cit., p. 103.

55

motrizes com sua rigidez própria, pois se baseava no modelo keynesiano-fordista, que

garantiria pleno emprego e aumentos reais nos salários constantemente, diminuindo a taxa

de crescimento e dos lucros. Essa grave crise fez com que todo o mundo capitalista

desenvolvido – e com eles os países subdesenvolvidos – caíssem em uma longa e

profunda recessão, que combinou baixas taxas de crescimento com altas taxas de inflação.

Para os neoliberais não havia dúvidas de que as causas destes desastrosos índices

eram o poder excessivo dos sindicatos e a participação do Estado na economia, que

impediam o capital de crescer e prosperar com desenvoltura. A mensagem era muito clara:

deveria pôr fim à participação estatal na economia, destruir o poder dos sindicatos,

contrair a emissão monetária, elevar as taxas de juros, iniciar um programa de

privatizações, corte nos gastos com bem-estar social.85

Os Estados Unidos iniciaram as reformas escalonando, com seus parceiros da

OPEP, aumentos do petróleo, com vistas a atingir seus maiores rivais, ou seja, Alemanha e

Japão. Com o aumento do preço do petróleo, que afetava toda a economia mundial, os

Estados Unidos saíam com nítida vantagem em relação ao Japão e à Europa, pois não

necessitavam tanto da importação destes produtos.

Para Anderson (1995), estava então delineado o momento propício para a

implantação do neoliberalismo, tendo em vista a recessão que atingiria todo o mundo

capitalista. Neste período, observou-se também a chegada ao poder de políticos

ultraconservadores nos países desenvolvidos, talvez como conseqüência mais visível da

recessão, como Tatcher, na Inglaterra, Reagan nos Estados Unidos, Khol na Alemanha e

até mesmo na Dinamarca, com Schluter, considerada como modelo do bem-estar da

Escandinávia.

“(...) quase todos os países da Europa Ocidental “viraram à direita”, com exceção da Suécia e da Áustria. Importante observar que cada país adotou um tipo de neoliberalismo típico, a partir de suas próprias condições econômicas. Os Estados Unidos tinham sua variante que era centrada em uma competição militar com a ex-URSS, os países católicos da Europa eram mais cautelosos e centraram seus esforços na disciplina

84 VIZENTINI, P. G. F. e CARRION, R. K. M. (org.). Globalização, Neoliberalismo, Privatizações: Quem Decide Este Jogo?, 2a ed., Rio Grande do Sul: Editora da Universidade, 1998, p. 35.

85 Por exemplo, na Inglaterra: “Os governos Tatcher contraíram a emissão monetária, elevaram as taxas de juros, baixaram drasticamente os impostos sobre os rendimentos altos, aboliram controles sobre fluxos financeiros, criaram níveis de desemprego massivos, aplastaram greves, impuseram uma nova legislação anti-sindical, cortaram gastos sociais e se lançaram em um amplo programa de privatizações”. (ANDERSON, 1996).

56

orçamentária e reformas fiscais, enquanto a Austrália e Nova Zelândia atuaram com tendências bem mais radicais, impondo o ideário neoliberal de maneira mais consistente e rápida”.86

Portanto, o neoliberalismo se propôs a conter a grande inflação observada nos anos

1970, bem como a restauração de uma “taxa natural” de desemprego, culminando

posteriormente com a retomada do crescimento e recuperação dos lucros, com uma visão

bastante linear das variáveis possíveis dentro do processo. Alguns destes objetivos foram

alcançados, como a queda da inflação, a derrota dos sindicatos, aumento do desemprego e

um ligeiro aumento nos lucros das empresas.

Mas, seu objetivo final era uma realimentação do capitalismo mundial, fomentando

um crescimento estável nos anos posteriores à implantação do ideário. Neste caso, de

acordo com Anderson (1996), os resultados alcançados foram “decepcionantes, (...) não

mostrando nenhuma mudança nas taxas de crescimento dos países europeus”.87

Além disso, agravou os conflitos sociais e a xenofobia, agora alimentados pelo

desemprego massivo. Corroborando tal afirmativa, Belluzzo apud Vizentini e Carrion

(1998), enquanto no período de 1960-73, a acumulação capitalista cresceu “à taxa anual

de 5% nos países industrializados, caiu para 3% em meados da década de 80. No caso da

indústria manufatureira a queda foi ainda mais pronunciada: de 5,5% para 2%”.88

No contexto da América Latina, observa-se o desembarque das teorias neoliberais a

partir de meados dos anos 1980, inicialmente com a Bolívia de Victor Paz Estenssoro.89 A

eleição de Salinas no México, em 1988, Menem na Argentina, o segundo mandato de

Carlos André Perez na Venezuela, Fujimori no Peru e Collor, no Brasil, nos anos 1990

denotou a grande virada do continente na direção do neoliberalismo.

De acordo com Sader (2000), “o neoliberalismo na América Latina é filho da crise

fiscal do Estado. Seu surgimento está delimitado pelo esgotamento do Estado de bem-

86 ANDERSON, 1996, op. cit., p. 11.87 ANDERSON, 1996, op. cit., p. 15.88 VIZENTINI e CARRION, 1998, op. cit., p. 57.89 Anderson (1996) desenvolve uma discussão a este respeito, mostrando que o Chile foi o pioneiro na

implementação do ideário neoliberal, não só na América Latina, como em todo o mundo, pois o processo chileno iniciou-se uma dezena de anos antes da implantação na Inglaterra, no texto “Um Balanço do Neoliberalismo”.

57

estar social – onde ele chegou a se configurar – e, principalmente na industrialização

substitutiva de importações”.90

Não se observa na América Latina a implantação do welfare state europeu ou

americano. As tentativas sempre foram cerceadas pelas ditaduras e o Estado funcionava

mais com um caráter paternalista, sem a preocupação observada em governos europeus do

pós II Guerra. A industrialização substitutiva das importações foi uma tentativa de

desenvolvimento para a periferia, que em alguns momentos chegou a funcionar, mas como

sobrevivia de capitais internacionais, viu-se subordinada a interesses que ultrapassavam

suas fronteiras nacionais, aceitando a imposição de normas e regras de seus contratos de

empréstimos, ficando a mercê das idéias neoliberais que passariam a vigorar a partir de

então.

De um modo geral, praticamente todas as economias ocidentais capitalistas se

engajam nas formulações neoliberais, induzidas pelos Estados Unidos, que impõem uma

inserção, agora em uma economia dita “globalizada”, hierarquizada, na medida em que

“obriga” a periferia, principalmente a América Latina, a seguir os rumos da globalização.

Ela pretende ser a unificadora da economia mundial, onde todos os mercados estarão

abertos para o capital, sem barreiras alfandegárias ou nacionalistas, onde a “mão

invisível” do mercado dirigisse a economia, em benefício comum. Percebe-se, portanto, o

quanto estão ligadas as formulações neoliberais com a chamada globalização, como

veremos no próximo tópico.

2.2. O NEOLIBERALISMO E O TRABALHO

Para Pires e Reis, o neoliberalismo, a receita para recuperar o crescimento passa

pela estabilização da moeda, contendo os gastos com o estado de bem-estar social, pela

reforma fiscal que concentra riquezas, e com isso possibilita novos investimentos e

também pela restauração de uma taxa natural de desemprego.

E ressaltam os autores:

“O desemprego em massa produzido pelo neoliberalismo em todas as partes do mundo é o componente mais perverso da nova ordem. Partindo do pressuposto de que só o capital concentrado cria riquezas, isto é,

90 SADER, E. (org). Pós-neoliberalismo: as políticas sociais e o Estado democrático. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2000, p. 35.

58

aumento de capital significa investimentos, o desemprego, ou melhor, a taxa natural de desemprego, que faz diminuir os salários, garante maior taxa de lucro e, portanto, maior acumulação de capital. Desta forma o desemprego não é uma conseqüência indesejada da economia neoliberal, mas um de seus componentes estratégicos”.91

Na reestruturação do capitalismo, o avanço tecnológico e a automação se

apresentam como características dos atuais processos de produção, e são elementos

reestruturadores das relações de trabalho.

Antunes, discutindo as metamorfoses no mundo do trabalho, situa a discussão da

reestruturação como um processo mais complexo e contraditório do que o apresentado

pelos defensores do neoliberalismo e da nova organização do trabalho e das sociedades.

Neste sentido, afirma o autor que:

“(...) de um lado verificou-se uma desproletarização do trabalho industrial, fabril, nos países de capitalismo avançado, com maior ou menor repercussão em áreas industrializadas do Terceiro Mundo. Em outras palavras, houve uma diminuição da classe operária industrial tradicional. Mas, paralelamente, efetivou-se uma expressiva expansão do trabalho assalariado, a partir da enorme ampliação do assalariamento no setor de serviços; verificou-se uma significativa heterogeneização do trabalho, expressa também através da crescente incorporação do contingente feminino no mundo operário; vivencia-se também subproletarização intensificada, presente na expansão do trabalho parcial, temporário, precário, subcontratado, “terceirizado”, que marca a sociedade dual no capitalismo avançado, da qual os gastarbeiters na Alemanha e o laboro nero na Itália são exemplos do enorme contingente de trabalho imigrante que se dirige para o chamado Primeiro Mundo, em busca do que ainda permanece do welfare state, invertendo o fluxo migratório de décadas anteriores, que era do centro para a periferia”.92

Segundo Toledo, estas contradições confirmam a desigualdade entre os homens e

entre as sociedades. Neste cenário de reestruturação parcial das relações de trabalho,

aparece a especialização multifuncional (exigida principalmente pela automação dos

processos de produção).93

A economia mundial, com suas enormes diferenças, tende a exigir trabalhadores

qualificados, com nova base técnica e cultural. Esta exigência, somada ao desemprego

91 PIRES, M. F. C. e REIS, J. R. T. Globalização, neoliberalismo e universidade: algumas considerações. Interface Comunicação, Saúde, Educação, v. 3, n. 4, 1999.

92 ANTUNES, 1995, op. cit., p. 41.93 TOLEDO, C. N. (org). Ensaios sobre o Manifesto Comunista. São Paulo: Xamã, 1998, p. 33.

59

estrutural que atinge todos os países do mundo, inclusive os países de maior estabilidade

econômica, nos quais o neoliberalismo vem se instalando, traz para as relações de trabalho

a competitividade.

Kurz ressalta que:

60

“Nos anos 80 e 90, a base desse desemprego estrutural, de ciclo para ciclo, tornou-se cada vez maior em quase todos os países; em 1995, segundo números da Organização Internacional do Trabalho, 30% da população economicamente ativa de todo o mundo não possuíam emprego estável”.94

Segundo o autor, o desenvolvimento tecnológico que permitiria o aumento da

produtividade sem diminuir o número de empregos não encontra espaço no processo de

globalização capitaneado pelo neoliberalismo. A lógica da produção moderna, cujo

objetivo principal, e praticamente único, é originar lucro privado, cria uma situação

paradoxal. E explica:

“É por isso que, na história econômica moderna, a jornada de trabalho diminuiu numa proporção muito menor do que o aumento correspondente de produtividade. Hoje em dia, os assalariados ainda trabalham mais e durante mais tempo do que os camponeses da Idade Média. A diminuição dos custos, portanto, não significa que os trabalhadores trabalham menos mantendo a mesma produção, mas que menos trabalhadores produzem mais produtos. O aumento da produtividade reparte seus frutos de forma extremamente desigual: enquanto trabalhadores “supérfluos” são demitidos, crescem os lucros dos empresários. Mas, se todas as empresas entrarem nesse processo, há a ameaça de surgir um efeito com o qual não contavam os interesses obtusos da economia empresarial: com o crescente desemprego, diminui o poder de compra da sociedade. Quem comprará então a quantidade cada vez maior de mercadorias?”95

Pires e Reis (1999), então, concluem que desemprego pode vir a ser o limite na

expansão do mercado, criando este absurdo paradoxo: destruir o potencial de consumo da

enorme massa de desempregados, que o capitalismo vai ter que enfrentar. De qualquer

maneira, a produtividade como meta, e talvez como mito, difunde nas sociedades

modernas a busca da qualidade total em todos os seus níveis de organização.

2.3. O NEOLIBERALISMO E A GLOBALIZAÇÃO

Segundo Pires e Reis, hoje, é disseminada pelos grandes meios de comunicação a

idéia de uma nova ordem mundial. A conjunção de uma crescente internacionalização e

interdependência dos mercados com a formação de áreas de livre comércio e a chamada

94 KURZ, R. O torpor do capitalismo. Jornal Folha de São Paulo, São Paulo, 11/09/1998. Caderno Mais! p. 14.95 Idem.

61

Terceira Revolução Tecnológica96 caracterizam atualmente a globalização da economia. A

globalização tem aparecido como uma nova diretriz para a organização da economia dos

mais diferentes países do mundo, atingindo todos os setores da organização social.97

Na chamada Revolução Científico-Tecnológica, Vizentini e Carrion afirmam que

foi deixado de lado o modelo fordista, que requeria “produção em massa, mecanismos

rígidos, produção contínua e grandes séries de um mesmo produto”98, para um novo

modelo de produção, que combina os recursos mais avançados da robótica, comunicação,

biotecnologia, e produção em série de dezenas de produtos, sem a rigidez do antigo

modelo.

Algumas empresas – principalmente aquelas detentoras de capital e tecnologia

avançada – podem se adaptar rapidamente a um determinado “nicho” de mercado para

atendê-lo até a sua saturação e posterior readaptação. Neste caso, os trabalhadores

temporários são os mais requisitados e aqueles que hoje trabalham, amanhã não têm mais

função, por não conseguirem adaptar-se tão rapidamente quanto as empresas.

É comum observarmos cursos de reciclagem para executivos, operários, para

tornarem a ser inseridos no mercado de trabalho. Quanto ao livre mercado e a “mão

invisível” reguladora, percebem-se as fusões de grandes empresas, formando mega-

corporações, que atuam em milhares de segmentos, da agricultura à fabricação de

computadores, do vestuário até o turismo e especulação de terras, denotando grandes

monopólios de quase todos os segmentos de mercado.

96 Adam Schaff, em 1990, afirmou que o impacto das novas tecnologias na sociedade moderna seria percebido, principalmente, nas áreas do trabalho e da educação. Podemos observar que a teoria de Schaff não só se concretiza como também abrange com velocidade e de forma intensiva as áreas por ele destacadas. Nos últimos anos temos visto uma revolução tecnológica crescente e que tem trazido novos direcionamentos econômicos, culturais, sociais e educacionais à sociedade. A acelerada transformação nos meios e nos modos de produção, causada pela revolução tecnológica focaliza uma nova era da humanidade onde as relações econômicas entre as pessoas e entre os países e a natureza do trabalho sofrem enormes transformações. “Terceira Onda”, é assim que Alvin Toffler classifica o atual momento de transformação pelo qual passamos (sendo que a Primeira Onda foi a descoberta da agricultura e a Segunda Onda a Revolução Industrial). E essa atual conjuntura sócio-política-econômica e tecnológica aponta um caminho: a importância do conhecimento nas relações de produção e, “por conseqüência, na ordem e no poder mundiais”. Na Terceira Onda o conhecimento adquire importância extrema, o valor de conhecimento agregado aos produtos supera cada vez mais o do trabalho e da matéria-prima. Podemos dizer também que estamos na terceira revolução industrial, ou “revolução da inteligência”, onde a informação assume o papel de “moeda globalizante”: “as decisões tomadas no quotidiano das pessoas são avaliadas pelo acesso que se tem aos meios intermediários da informação”. (LÉVY, P. Cibercultura. 2a ed., Rio de Janeiro: Editora 34, 2000) (grifo do autor).

97 PIRES e REIS, 1999, op. cit., p. 75.98 VIZENTINI e CARRION, 1998, op. cit., p. 39.

62

As metáforas da globalização estão por toda parte. Em Ianni encontramos: “fim do

Estado, fim da Geografia, fim da História, mundialização, aldeia global, mercado único. No

entanto, é preciso lembrar que o capitalismo sempre foi internacional”.99 O movimento de

expansão é uma tendência inerente ao capitalismo. Já em 1848, Marx e Engels, no “Manifesto

do Partido Comunista”, entre outros escritos, apontavam a tendência à expansão do

capitalismo como uma característica deste modo de organização da produção:

“Essa revolução contínua da produção, esse abalo constante de todo o sistema social, essa agitação permanente e essa falta de segurança distinguem a época burguesa de todas as precedentes. Dissolvem-se todas as relações sociais antigas e cristalizadas, com seu cortejo de concepções e de idéias secularmente veneradas; as relações que as substituem tornam-se antiquadas antes de se ossificar. [...] Impelida pela necessidade de mercados sempre novos, a burguesia invade todo o globo. Necessita estabelecer-se em toda parte, explorar em toda parte, criar vínculos em toda parte. Pela exploração do mercado mundial a burguesia imprime um caráter cosmopolita à produção e ao consumo em todos os países. Para desespero dos reacionários, ela retirou à indústria sua base nacional. As velhas indústrias nacionais foram destruídas e continuam a sê-lo diariamente. São suplantadas por novas indústrias, cuja introdução se torna uma questão vital para todas as nações civilizadas, indústrias que não empregam mais matérias-primas autóctones, mas sim matérias-primas vindas de regiões mais distantes, e cujos produtos se consomem não somente no próprio país, mas em todas as partes do globo”.100

Os autores acreditavam que em lugar das antigas necessidades, satisfeitas pelos

produtos nacionais, nascem novas necessidades, que reclamam, para sua satisfação, os

produtos das regiões mais longínquas e dos climas mais diversos. Em lugar do antigo

isolamento de regiões e nações que se bastavam a si próprias, desenvolve-se um

intercâmbio universal, uma universal interdependência das nações. E isto se refere tanto à

produção material como à produção intelectual.

Então, a tendência à expansão, à globalização, acompanha o capitalismo desde que

este modo de produção, progressivamente, substituiu o modo de produção da “velha

sociedade”. O movimento de expansão é uma característica de sua trajetória em busca de

sua finalidade, de sua plena realização e seu estado atual explicita esta tendência histórica.

No entanto, a globalização pode ser entendida também como uma nova modalidade

de acumulação de capital. Em momentos anteriores, a principal estratégia de acumulação

99 IANNI, O. Teorias da globalização. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1997, p. 84.100 MARX, K. e ENGELS, F. Manifesto do Partido Comunista. São Paulo: Escriba, 1968, p. 26-27.

63

capitalista concentrava-se na extensão da produção de valor e de mais valia. Nesta nova

modalidade da acumulação, a apropriação de riquezas é resultado, principalmente, de

atividades especulativas do mercado financeiro.

Segundo Pires e Reis, este atual momento de expansão do capitalismo tem algumas

marcas específicas. A aceleração da automação da produção somada à agilização dos

processos de comunicação, os quais possibilitam afetar de forma imediata o mercado

financeiro, permitem a troca não de mercadoria, nem de moeda física, mas de

informação.101

Entre outras coisas, o que caracteriza mais claramente o processo de globalização é

a revolução tecnológica informacional. Não há, a rigor, troca de mercadorias nem de papel

moeda; há, sim, troca de informações sobre dinheiro, há troca de informações sobre papéis

que significam dinheiro. Há uma grande abstração da troca.

No próximo item, se fará uma análise do ideário neoliberal no Brasil e suas

conseqüências para a economia como um todo, tendo em vista, particularmente, a

implementação destas políticas com ênfase nas questões sindicais.

2.4. O NEOLIBERALISMO NO BRASIL

A implantação do neoliberalismo, na maioria dos países, coincidiu com um período

histórico de crise do capitalismo. Neste sentido, a visão neoliberal de mercado tomava

força, na medida em que a população se mostrava descrente com as formas correntes de

governo, principalmente aquelas calcadas no modelo do bem estar social.

Na chamada década perdida, o Brasil enfrentava estes problemas com a adoção de

medidas que funcionaram mais como paliativos do que propriamente como solução para

os seus verdadeiros problemas econômicos e sociais – como exemplo, os indexadores da

economia. Portanto, fica evidenciado que as raízes neoliberais brasileiras vêm a reboque

também de uma situação econômica desfavorável e um sentimento de impotência da

sociedade brasileira para resolução de seus problemas.

Se o grande capital bancário e financeiro sofreu derrotas importantes ao longo dos

anos 1970 e 1980, na tentativa de aprovar as reformas neoliberais no país, esse fato se

101 PIRES e REIS, 1999, op. cit., p. 87.

64

deve a algumas dificuldades ou obstáculos com que se defrontou a proposta neoliberal,

inviabilizando-se a sua implementação como política no âmbito federal nesse período,

bem como a sua difusão enquanto proposta hegemônica no seio da sociedade brasileira.

Martuscelli assim destaca tais obstáculos102:

a) a convocação da Assembléia Constituinte para elaboração e aprovação da

Constituição de 1988, configurando-se como um pólo de oposição às políticas neoliberais,

reservando importantes conquistas de direitos sociais aos trabalhadores;

b) o forte movimento grevista que se iniciou no final dos anos 1970 e prolongou-se

nos anos 1980; e

c) a criação de organizações que se tornaram instrumentos da luta dos

trabalhadores, tanto da cidade como do campo, como, por exemplo, o Partido dos

Trabalhadores (PT), a Central Única dos Trabalhadores (CUT) e o Movimento dos

Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), criados, respectivamente, em 1980, 1983 e 1984,

e reivindicando, em linhas gerais, a constituição de um Estado de bem-estar no país.

Entretanto, a partir da segunda metade da década de 1980, a resistência à

plataforma política neoliberal começou a perder fôlego. De acordo com Boito Jr., quatro

fatores teriam permitido o avanço da política neoliberal:

1) os acordos para a eleição indireta de Tancredo Neves e José Sarney, repondo na

ofensiva as classes dominantes, após o movimento pelas Diretas-Já;

2) o insucesso do Plano Cruzado no combate à inflação, enfraquecendo-se a

perspectiva desenvolvimentista que, até então, era arrolada nos planos de estabilização

monetária no Brasil;

3) a pressão do Governo Reagan pela abertura comercial, causando grande impacto

no seio da burguesia brasileira; e

4) a polarização das eleições presidenciais de 1989 entre Luís Inácio Lula da Silva

e Fernando Collor de Mello, resultando em vitória “apertada” deste e permitindo o avanço

das políticas neoliberais no poder federal.103

102 MARTUSCELLI, D. E. A crise do governo Collor e a tática do PT. Dissertação de Mestrado, UNICAMP, Campinas, 2005, p. 10.

103 BOITO JR., A. Política neoliberal e sindicalismo no Brasil. São Paulo: Xamã editora, 1999, p. 40-41.

65

Nos oito anos correspondentes ao governo de Fernando Henrique Cardoso a

política econômica foi marcada pela direção neoliberal. Também seus antecessores,

Fernando Collor de Mello e Itamar Franco, estavam orientados pelos países do centro do

capitalismo, através de suas agências multilaterais. Entretanto, entre 1995 e 2002 foi o

período em que a implementação das políticas neoliberais mais se consolidou em nosso

país.

De acordo com Oliveira: “(...) a destruição da esperança e a destruição das

organizações sindicais, populares e de movimentos sociais (...)”104 é a maior letalidade

conseguida pelo ideário neoliberal. Observemos, portanto, que mesmo antes da

implantação de políticas neoliberais propriamente ditas, já se anunciava um quadro

preparatório para a execução do mesmo.

Este quadro traduziu-se no governo de José Sarney que, segundo alguns críticos

mais severos, conseguiu segurar a economia brasileira, favorecendo a eleição de seu

sucessor, Fernando Collor de Mello, que efetivamente iniciou as transformações mais

significativas nos âmbitos sociais e econômicos. A partir da ascensão deste político ao

poder, percebe-se uma mudança de rumos para a economia nacional.

Ainda no Governo de José Sarney (1985-1989), vários planos econômicos foram

postos em prática, com o objetivo de preparar a economia brasileira para as

transformações que estavam por vir: Plano Cruzado (1985), que estabelecia uma nova

moeda, o Cruzado; o chamado gatilho salarial; a criação do seguro-desemprego; o fim dos

subsídios fiscais; a desindexação geral de preços e salários com a livre negociação;

projetos de privatização das empresas estatais, cujos recursos seriam destinados à redução

do déficit público; manutenção da moratória dos juros da dívida externa, abrindo em

contrapartida, o mercado nacional a economia mundial. Em seguida, os Planos Bresser

(1987) e Verão (1989).

Após estes planos e a chamada redemocratização do Brasil, temos a primeira

eleição direta para presidente após o período da ditadura. O candidato Luiz Inácio Lula da

Silva, do PT e Fernando Collor de Melo, do PRN, foram para o 2º turno das eleições. O

primeiro candidato, apoiava-se em um programa de governo com raízes socialistas e

sindicais, refletindo o passado de Lula – como ex-deputado federal e ex-líder sindical do

104 OLIVEIRA, 2003, op. cit., p. 28.

66

ABC paulista – e do próprio partido, que nasceu em fins dos anos 1970, nesta

efervescência política.

O segundo candidato, Collor de Melo, que fora governador do estado de Alagoas,

apoiava-se em um programa de governo chamado “Brasil Novo”. O seu partido, o da

Reconstrução Nacional (PRN), foi fundado especialmente para as eleições de 1989 e não

tinha praticamente nenhuma representação no cenário político nacional, o que poderia

evidenciar dificuldades em conduzir e aprovar projetos no Congresso.

A candidatura Collor encontrava-se na oposição à política de Sarney, uma vez que

visava romper com o modelo desenvolvimentista ainda executado por aquele e tencionava

colocar em seu lugar a política neoliberal. Além disso, como observa Singer:

“(...) entre 1987 e 1988, Collor vinha sendo projetado pela mídia como um jovem político moderno, impetuoso e decidido, frontalmente contrário a Sarney. Com base nessa imagem de “caçador de marajás”, já em março de 1989, depois de romper com o PMDB no ano anterior, (...) Collor declara-se candidato a presidente da República e atinge (...) 9% das intenções de voto”.105

No segundo turno, a polarização político-ideológica da disputa eleitoral atingiu

graus mais expressivos entre os dois candidatos concorrentes. Collor e Lula procuravam

responder a crise que o país atravessava a partir de perspectivas e de interesses de classe

distintos.

Do lado conservador, Collor apresentou um programa de caráter nitidamente

neoliberal, estruturando-se na tese do Estado mínimo como solução para a crise brasileira.

Em sua campanha, atacou os “privilégios” do alto funcionalismo público, o “Estado

cartorial”106, além dos monopólios, e sustentou um discurso populista, apoiando-se em

motes que tinham fácil penetração e aceitação no seio das classes trabalhadoras, tais

como: “caça aos marajás” e apelo aos “descamisados”. A proposta neoliberal apresentada

por Collor foi bem-sucedida nessa conjuntura eleitoral, conquistando apoio tanto dos

grandes empresários e das grandes empresas de comunicação, quanto angariando a

simpatia da população de baixa renda e de baixa escolaridade, como atestavam as

pesquisas de intenções de voto.107

105 SINGER, A. Esquerda e direita no eleitorado brasileiro. São Paulo: Edusp, 2000, p. 56.106 A denominação “Estado cartorial” designa um conjunto de práticas dos governos capitalistas, que fazem

uso de cargos, promoções e salários para a formação de clientelas políticas.107 SINGER, 2000, op. cit., p. 57.

67

Além disso, durante o processo eleitoral, os representantes de duas importantes

entidades da burguesia brasileira, a FEBRABAN e a FIESP, não hesitaram em declarar

apoio às “reformas orientadas para o mercado” presentes no programa de governo de

Collor, rechaçando a candidatura Lula, considerada um risco à estabilidade política do

país.108

No campo progressista, Lula apresentou um programa de oposição às reformas

neoliberais. As diretrizes principais do programa de governo de Lula, em linhas gerais,

consolidavam as propostas elaboradas pelo PT e pela CUT nas mobilizações políticas dos

anos 1980. Essas diretrizes orientavam-se pela defesa de um Estado de bem-estar no

Brasil, reservando, pois, ao Estado um papel importante no desenvolvimento econômico-

social do país.

Essa proposta articulou-se sob três eixos principais: distribuição de terra e de

renda, ampliação da democracia e defesa da autonomia nacional, demonstrando, portanto,

um posicionamento de resistência às teses neoliberais. A derrota de Lula nessas eleições

foi, portanto, uma resposta negativa à intenção de editar um Estado de bem-estar social no

país.109

Pires e Reis relatam que Fernando Collor venceu as eleições de 1989 e deu início

às reformas no Estado brasileiro. Neste sentido, o ideário neoliberal brasileiro seria

direcionado para os seguintes pontos: implantação de um amplo programa de

privatizações, controle dos gastos públicos, controle das taxas de inflação, aumento da

taxas de juros, desregulação dos mercados, estabilidade econômica e, como resultado, a

retomada do crescimento.

Para os autores:

“Neste início de governo, o primeiro pacote econômico já dava um duro golpe na economia, quando “seqüestrava” os saldos bancários acima de um determinado limite; aumentava drasticamente as taxas de juros, limitando a liberação de créditos e iniciava as privatizações, com o intuito de desacelerar a economia e conter a inflação, na base de decretos e medidas provisórias. A tão almejada estabilidade econômica, porém, veio a acontecer somente no governo de Itamar Franco (1992-1994), com a adoção do Plano Real, em meados de 1994”.110

108 Nessa conjuntura, o presidente da FIESP, Mario Amato, chegou a declarar que haveria fuga de 800 mil empresários do país, caso Lula vencesse as eleições presidenciais (MARTUSCELLI, 2005, p. 13).

109 MARTUSCELLI, 2005, op. cit., p. 15.110 Neste período, foi adotada a Unidade Real de Valor (URV), que indexava a economia e teoricamente,

abrandava os efeitos da inflação nos salários, na medida em que eram cotados em URV’s e não mais em

68

Estas medidas eram anunciadas como a “salvação” da economia brasileira, que em

tempos de globalização, necessitava inserir-se no mercado mundial, com o intuito de

recuperar a credibilidade do país no exterior, possibilitando a atração de capitais que

alavancariam a economia. As experiências de outros países eram usadas como exemplos

concretos da necessidade urgente destas reformas, contando com o apoio maciço dos

órgãos de imprensa.111

Este apoio foi preponderante para a adoção de medidas pouco populares e

principalmente na tentativa de descaracterizar as empresas estatais e transformar suas

vendas em meros artifícios para se realizarem os ajustes econômicos necessários, que

trariam extensos benefícios futuros.

O governo de Fernando Collor decolou o plano de privatizações, com a criação do

Plano Nacional de Desestatização – PND, e o leilão de grandes siderúrgicas logo no início

de seu mandato, para a implantação de todas as medidas anunciadas. Tal plano foi

estendido e ampliado nos governos subseqüentes.112

Entretanto, é relevante ressaltar que, neste caso, o neoliberalismo no Brasil faz

parte de um conjunto de reformas a nível mundial, sendo a sua implementação no país

apenas mais uma peça do importante “jogo” de forças do capitalismo mundial.113

Leve-se em conta, ainda, a pressão de organismos supranacionais sobre o Brasil,

como o FMI, BIRD, Banco Mundial, levada até o fim com a ameaça de supressão de

créditos internacionais e dos refinanciamentos da dívida externa, que colocava o governo

brasileiro na berlinda, obrigado a aceitar, sem contestações mais aprofundadas, todas as

imposições destes órgãos.

Ao final do período da ditadura militar o Brasil passou para uma nova fase política

– a democracia. Todavia, essa nova fase, trouxe consigo um governo que não tinha lastro

Cruzeiros Reais. Apesar de funcionar apenas enquanto estava nos bancos ou como salário não-recebido, pois a partir do momento em que o assalariado embolsava o dinheiro – Cruzeiros Reais – ele perdia gradativamente o seu valor, em função dos sucessivos aumentos do indexador.

111 ANTUNES, 2004, op. cit., p. 18.112 Idem.113 Como comentado anteriormente, a realimentação do capitalismo mundial dependia seriamente, da

implementação de todo ideário anunciado em todas as nações capitalistas do mundo. Sendo assim, o Brasil era considerado peça chave para a continuação das reformas e a eleição de um liberal, em 1989, apoiado por diversos setores da economia, inclusive mundial.

69

dentro do cenário político no país. Collor de Mello, após desacertos econômicos e

políticos, não conseguiu o apoio de setores da burguesia que, até então, o haviam apoiado,

sobretudo para fazer frente à coligação de centro-esquerda (PT/PDT), que saiu derrotada

na eleição presidencial de 1989, quando fora eleito presidente do país.

Como vasta bibliografia confirma:

“O governo Collor de Mello teve como característica uma forte centralização do Poder Executivo, bem como na própria figura do presidente da República, que ficou conhecido como “caçador de marajás”, numa alusão à suposta política de perseguição aos altos funcionários públicos”.114

O governo de Collor de Mello foi marcado por um afastamento de coligações

partidárias que pudessem lhe dar sustentabilidade. Foi um governo marcado pelo estilo

personalista do ocupante do Poder Executivo e alto distanciamento dos partidos políticos

que compunham o tabuleiro nacional, exceto do PFL, atual Partido Democrata, que foi “a

principal força congressual de apoio às decisões do governo federal”115.

Apenas em seu último ano, 1992, o governo federal tentou reconstruir as suas

alianças partidárias, mas já era tarde. Com o fracasso dos planos econômicos Collor I e II,

o governo já se encontrava extremamente fragilizado.

De acordo com Martuscelli, entre as principais diretrizes políticas do Plano Collor

I, posto em prática em março de 1990, constavam: a abertura da economia brasileira com

a redução das alíquotas de importações; a redução do quadro de funcionários públicos

com a imediata colocação de cerca de 40.000 funcionários em disponibilidade; a

privatização de empresas estatais, instituindo mais tarde, através da lei n. 8.031 de 12 de

abril de 1990, o Programa Nacional de Desestatização; a desindexação da economia; o

congelamento de preços e salários; e o confisco de ativos financeiros superiores a

cinqüenta mil cruzeiros, depositados nos bancos em conta corrente ou em cadernetas de

poupança, e acima de vinte e cinco mil cruzeiros, no caso dos ativos aplicados em

overnight116 – o que significou um bloqueio de um total de US$ 115 bilhões, por 18 meses,

no Banco Central do Brasil.117

114 ANTUNES, 2004, op. cit., p. 18.115 MENEGUELLO, R. Partidos e governos no Brasil contemporâneo (1985-1997). São Paulo: Paz e Terra,

1998, p. 114.116 As aplicações em overnight eram operações financeiras realizadas no mercado aberto num determinado dia,

para resgate no dia útil seguinte. Duravam não mais que 24 horas, isto é, eram de curtíssimo prazo.117 MARTUSCELLI, 2005, op. cit., p. 15.

70

A abertura comercial foi anunciada como uma política de competitividade, que

mobilizaria e modernizaria a produção industrial no país a partir da competição com os

produtos estrangeiros inseridos no mercado interno; a demissão do funcionalismo público

e as privatizações foram concebidas como instrumentos de contenção dos gastos públicos;

a desindexação econômica foi tomada como um “progresso” no campo das negociações

salariais, deixando “livres” das barreiras impostas pelo Estado brasileiro, trabalhadores e

patrões.

O conjunto dessas medidas conferiu o caráter neoliberal à política governamental

de Collor. Na prática, a aplicação dessas políticas produziu os seguintes efeitos: o ataque

aos interesses do funcionalismo público, que representava o principal setor nas estatísticas

de greves118, empurrou esse setor para uma postura defensiva; houve uma ampliação de

investimento do capital estrangeiro no país; desvalorizaram-se as estatais nos leilões,

permitindo a transferência do controle de empresas altamente rentáveis para o setor

privado; procedeu-se a uma maior concessão de poderes ao patronato nos processos de

negociação salarial, dificultando, dessa forma, a articulação dos sindicatos na luta por

direitos trabalhistas.119

Se essas medidas correspondiam aos pilares da política neoliberal, as políticas de

congelamento de preços e salários e de confisco dos ativos financeiros expressavam uma

reedição da política intervencionista.120 A política de congelamento de preços e salários

havia sido articulada em outros planos de estabilização durante os anos 1980 e seus efeitos

foram de pequena amplitude, por não conseguirem conter o crescimento inflacionário a

médio e longo prazo.

Segundo Filgueiras, o mesmo ocorreu com o Plano Collor I: se houve uma queda

abrupta da inflação – de 81,3% registrados, em março de 1990, para 11,3%, no mês de

abril do mesmo ano –, os índices inflacionários continuaram a subir no período

118 Durante os anos 1980, o número de greves foi maior no setor privado que no setor público. No entanto, o volume de jornadas não trabalhadas mostra que as paralisações dos servidores públicos foram mais “longas e abrangentes” nesse período. De acordo com Noronha (1992, p. 53), entre 1978 e 1987, o setor privado “foi responsável pela maioria das paralisações (67,9%), mas por apenas 22,3% das jornadas perdidas. Para o [setor público] o quadro é invertido: suas ‘poucas’ greves foram responsáveis por mais de 70% das jornadas não trabalhadas”. Essa tendência não se alterou nos dois últimos anos da década de 1980. (ALMEIDA, 1996, p. 42).

119 MARTUSCELLI, 2005, op. cit., p. 16.120 Em relação ao caráter intervencionista do Plano Collor I, ANDREI e SAMPAIO (1995, p. 13-4) sustentam

que esse Plano “[...] foi, em seu início, uma intervenção radical que pretendia estabilizar a economia em curto espaço de tempo através de um rápido saneamento financeiro do Estado e de uma recessão violenta”.

71

seguinte.121 Ademais, a política de congelamento de preços combinada com a abertura

comercial brusca – tal qual implementada pelo Governo Collor desde o primeiro ano de

mandato – impôs sérias dificuldades para o crescimento da indústria no país, a qual não só

foi posta em situação desigual de competição com os produtos de alta tecnologia advindos

do exterior, como ficou impedida de ampliar seus rendimentos, repassando o ônus para os

preços das mercadorias.

Por sua vez, o congelamento dos salários, diante de um período de alta

inflacionária, produz efeitos perversos sobre o poder aquisitivo das classes trabalhadoras

assalariadas. No que se refere ao confisco dos ativos financeiros anunciado no primeiro

dia de governo, essa medida consolidou-se como uma importante intervenção do governo,

representando um duro golpe nos interesses das classes médias brasileiras, que possuíam

investimentos de peso em poupança, conta concorrente e também em overnight. Essas

aplicações financeiras foram uma estratégia importante desses setores, nos anos 1980,

para escapar dos altos índices inflacionários que assolavam os seus rendimentos.

Filgueiras relata que, em 31 de janeiro de 1991, o governo federal anunciou as

diretrizes do Plano Collor II, dando continuidade à desindexação da economia, à política

de abertura comercial, ao congelamento de preços e salários e à política de privatizações.

Essa última diretriz ganhou grande impulso no segundo ano de mandato, lançando-se,

sobretudo, para os setores siderúrgico e petroquímico.122

Durante o Governo Collor, foram privatizadas 18 empresas estatais, perfazendo-se

um total de US$ 4 bilhões nas vendas. No entanto, com a permissão do uso de “moedas

podres”123 na compra das estatais, os processos de privatização – admitidos pelo governo

como alguns dos instrumentos de superação da dívida pública – representaram uma

arrecadação quase nula para os cofres da União.

Entre as “moedas podres”, foram empregados como forma de pagamento, Cruzados

Novos retidos no Banco Central, Certificados de Privatização, Títulos da Dívida Externa

121 FILGUEIRAS, L. História do Plano Real. São Paulo, Boitempo Editorial, 2001, p. 84.122 Idem.123 As “moedas podres” eram títulos da dívida pública negociados com desconto de até 50% do seu valor.

Assim, se uma empresa fosse vendida, por exemplo, por US$ 1,05 bilhão, e o comprador desse US$ 1 bilhão em “moedas podres”, apenas US$ 50 mil seriam pagos em dinheiro, sendo o restante recebido pelo governo como uma parcela de sua dívida em títulos que foram comprados pelo setor privado pela metade do preço. Na prática, isso significou a aquisição das estatais pela metade do preço anunciado.

72

Pública já vencidos, debêntures124 da SIDERBRÁS, Títulos da Dívida Agrária e

Obrigações do Fundo Nacional de Desenvolvimento.

Como relata Martuscelli:

“As privatizações realizadas pelo Governo Collor deram-se, principalmente, no setor siderúrgico e, de maneira menos expressiva, no setor petroquímico. Em ambos os casos, a presença do grande capital bancário e financeiro foi marcante na compra das principais empresas estatais – o que expressa uma tendência que se ampliou ao longo dos anos 1990, a da ampliação dos investimentos dos bancos no setor não-financeiro, iniciada com o controle das empresas estatais privatizadas, vindo a se materializar, posteriormente, no próprio controle das empresas privadas e, portanto, fortalecendo o processo de financeirização da economia brasileira”.125

Para Ruiz, o Plano Collor II editou medidas que visavam conter a especulação

financeira, atingindo principalmente os interesses do setor bancário e do capital financeiro

internacional.126 Entre essas medidas constavam as seguintes: a extinção das operações

financeiras em overnight; a criação do Fundo de Aplicações Financeiras (FAF), que

passou a centralizar as aplicações financeiras de curto prazo, dissolvendo, assim, o Bônus

do Tesouro Nacional fiscal (BTNf), instrumento utilizado para indexação de preços; a

utilização da Taxa Referencial Diária (TRD) com juros prefixados; e, por fim, o aumento

do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF).

Após o impeachment de Collor de Mello, assume a presidência do país Itamar

Franco, governo este que oscilou entre o discurso nacionalista e a prática neoliberal. Na

realidade, a interinidade que marcou o governo de Itamar permitiu que por dois anos estas

ambigüidades pudessem coexistir pacificamente.

O povo brasileiro estava em compasso de espera para as eleições de 1994, como se

o fantasma da ditadura militar pairasse sobre o campo da luta de classes e envolvesse

diferentes setores dos trabalhadores, bem como de representantes do capital no país,

permitindo a manutenção da democracia burguesa.127

124 A debênture é um título de crédito de longo prazo que uma companhia faz junto a terceiros e que assegura a seus detentores direito contra a emissora do empréstimo, nas condições previstas pela escritura de emissão.

125 MARTUSCELLI, 2005, op. cit., p. 17.126 RUIZ, M. A história do Plano Collor. Disponível em:

http://www..sociedadedigital.com.br/artigo.php?artigo=114tem=4, acesso em: 10/09/2007.127 ANTUNES, 2004, op. cit., p. 20.

73

Segundo Meneguello:

“(...) a equipe de governo constituído em outubro de 1992 abrigou um leque amplo de partidos, articulados em uma situação de cooperação imposta pelo impeachment do presidente. Esta foi uma equipe predominantemente partidária, com 66% das pastas ocupadas por um conjunto de legendas em que figuravam partidos considerados de centro (PMDB, PSDB), de direita (PFL, PTB) e de esquerda (PSB)”.128

Antunes complementa esse momento político brasileiro, afirmando:

“(...) O governo Itamar Franco assumiu o poder, (...) num quadro político que lhe era enormemente favorável. Amplos setores, até mesmo do espectro mais à esquerda, mostraram-se (equivocadamente) generosos em relação ao novo governo, o que ficou estampado no seu Ministério, que aglutinou desde o centro-direita, por meio de membros do PFL, até o centro-esquerda, chegando ao Partido Democrático Trabalhista (PDT) de Brizola e ao Partido dos Trabalhadores (PT) de Barelli”.129

O governo de Itamar Franco, apesar das características nacionalistas do presidente,

moldou-se ao projeto de modernização defendida pelo seu antecessor, projeto reivindicado

pela classe dominante no país. Tal governo, apesar do discurso nacionalista, não altera a

política econômica vigente. As eleições ocorridas em 1994 mudariam este quadro

ambíguo.130

Polarizada novamente entre duas candidaturas, a de Fernando Henrique Cardoso de

um lado e Luis Inácio Lula da Silva de outro, representando diferentes forças políticas –

PSDB/PFL/PTB e PT/PDT – a eleição presidencial de 1994, levou, enfim, o Brasil à

democracia burguesa e à lógica neoliberal de reprodução do capital. Com a vitória da

Frente Conservadora que elegeu Fernando Henrique Cardoso, a governabilidade parecia

garantida e os avanços na construção da política econômica de orientação externa no país

se deram a passos largos.

Para Assis:

128 MENEGUELLO, 1998, op. cit., p. 125.129 ANTUNES, 2004, op. cit., p. 20.130 Idem, p. 23.

74

“Sustentado pelo prestígio que auferiu com a implementação do Plano Real, à época que fora Ministro da Fazenda de Itamar Franco, Fernando Henrique Cardoso passou a ser o representante por excelência do Consenso de Washington no país. Buscava passar a idéia de equilíbrio tão caro à ordem. Político não vinculado à ditadura militar, ao contrário ex-membro da oposição institucional, representada pelo Movimento Democrático Brasileiro, com tradição acadêmica reconhecida e ex-exilado, o presidente eleito, ancorado em setores marcadamente de direita, foi um deleite para o grande capita”.l131

O candidato da frente conservadora para as eleições presidenciais de 1994 é

apresentado e se auto-intitula o “pai do Plano Real”. Após anos convivendo com altas

taxas de inflação, a população absorve rapidamente o discurso da estabilização monetária,

discurso que esconderia, num primeiro momento, as características do modelo neoliberal

em curso. Entretanto, para Assis, “o Plano Real foi a ‘cortina de fumaça’ que escondeu,

num primeiro momento, a verdadeira face do neoliberalismo”.132

A política de privatização, de desregulamentação financeira, de investidas contra a

legislação trabalhista, de altas taxas de juros, de reformas na administração do aparelho

estatal e da previdência, de políticas compensatórias focalizadas, dentre outras medidas,

foram as expressões econômicas e políticas da democracia em época de neoliberalismo.

Tais medidas atingiram os trabalhadores do setor privado e público da economia e

beneficiou, embora desigualmente, as diferentes frações da burguesia.133

Em Boito Jr. encontramos uma análise, representada por três círculos

concêntricos134, a fim de definir os ganhos que as diferentes frações da burguesia

obtiveram sob o neoliberalismo, a saber:

a) Círculo externo e maior representando a política de desregulamentação do

mercado de trabalho e supressão dos direitos sociais; onde estariam

contemplados os interesses de todas as frações burguesas, nacional e

internacional;

b) Círculo intermediário representando a política de privatização; contemplaria

a fração monopolista nacional e internacional; e

131 ASSIS, S. S. da. O Sindicalismo dos Trabalhadores do Setor Público e as Reformas Neoliberais de Fernando Henrique Cardoso (1995-2002). Tese de Doutorado; UNICAMP, Campinas, 2006, p. 82.

132 ASSIS, 2006, op. cit., p. 82.133 GALVÃO, 2003, op. cit., p. 75.134 BOITO JR., 1999, op. cit., p. 51.

75

c) Círculo menor e central da figura representando a abertura comercial e

desregulamentação financeira, contemplando os interesses do capital

bancário e internacional.

Sob essa ótica, observamos que apenas a burguesia imperialista se beneficia de

todas as medidas implementadas pelo governo neoliberal e a burguesia nacional beneficia-

se desigualmente destas medidas. Se o imperialismo é beneficiado por todas as medidas

neoliberais, os trabalhadores são prejudicados na aplicação de todas essas medidas.

Assis ressalta que esses são dois extremos excludentes. O discurso que alardeava a

falência do Estado e a crítica à administração pública sustentou a aplicação das políticas

de privatização, das reformas administrativa e da previdência e da focalização dos gastos

públicos. A “modernização”, a “produtividade”, a “competitividade” foram conceitos

utilizados com freqüência pelo governo federal. Seus idealizadores afirmavam estar

inserindo o Brasil na lógica do capitalismo “globalizado”.135

A defesa da superioridade da regulação da economia pelo mercado, transformou-se

num discursivo recorrente. Os neoliberais afirmavam que o Estado estava sobrecarregado,

que era preciso diminuí-lo. Para tanto, deveria se cortar os privilégios dos setores

organizados. Na realidade, o Estado, para alcançar a implementação das suas políticas,

precisou recriar as condições de acumulação capitalista sob novo modelo.

O processo de privatização no país causou três grandes prejuízos aos trabalhadores:

provocou a redução no número de trabalhadores nas empresas privatizadas; aumentou

significativamente o valor de serviços prestados à população, e precarizou as condições de

trabalho daqueles que se mantiveram empregados nestas empresas.

A política de elevação da taxa de juros e aumento das taxas cobradas pela

utilização de serviços bancários são duas medidas que atingem sobretudo os trabalhadores.

A política de focalização dos gastos sociais, ou seja, a substituição das políticas sociais

como direito universal por políticas compensatórias, atinge os trabalhadores das classes

baixas e os trabalhadores da classe média.136

135 ASSIS, 2006, op. cit., p. 84.136 Idem.

76

2.5. O NEOLIBERALISMO NA ATUALIDADE

Assiste-se atualmente reações contrárias ao neoliberalismo, mesmo nos países

desenvolvidos. Recentes conflitos nestes países, principalmente nas datas comemorativas

do 1º de Maio, revelam uma outra face daquilo que é chamado de globalização. As críticas

recaem principalmente nas questões relativas ao emprego e à reestruturação das

empresas.137

Para Santos, uma primeira crítica a este processo, afirma que a desregulamentação

dos mercados mostrou-se inadequado em vários sentidos, pois coloca cada vez mais os

países – principalmente os subdesenvolvidos – a mercê de capitais transnacionais

especulativos, que buscam o lucro fácil e certeiro, em qualquer parte do mundo. Para

atrair estes capitais, os governos locais desses países se vêem obrigados a aumentar as

taxas de juros, elevando conjuntamente as taxas de manutenção de suas dívidas internas e

desestimulando o investimento produtivo.

“(...) qualquer oscilação em outras economias reflete sensivelmente nas economias de todo o mundo – exponenciadas pelos avançadíssimos meios de comunicação, que permitem análises financeiras em tempo real. Neste caso, estes capitais de origem não-produtiva, ou seja, especulativa, procuram mercados mais confiáveis, como é o caso dos Estados Unidos, acarretando a chamada fuga de dólares, que os países em desenvolvimento tanto temem. A soberania nacional fica, evidentemente, seriamente ameaçada na medida que a condução de suas políticas econômicas e sociais ficam na dependência dos “humores” financeiros de uma aldeia global”.138

Encontramos em Fonseca (2001) outra crítica contundente aos rumos do

neoliberalismo, que diz respeito à participação estatal na economia. De acordo com o

autor, se por um lado o Estado deixa de atuar decisivamente nos rumos desta, devendo

preocupar-se apenas com o lado social, o capitalismo mundial não pode prescindir,

absolutamente, da participação do Estado para confirmar ou abrir novas possibilidades de

negócios e lucros ao redor do mundo.139

As leis de patentes e acordos de garantias fazem-se somente na hierarquia dos

estados nacionais e não de empresas privadas. Sem a influência política, e até mesmo

137 VIZENTINI e CARRION, 1998, op. cit., p. 59.138 SANTOS, M. A aceleração contemporânea: tempo mundo e espaço mundo. In: SANTOS, M., SOUZA, M.

A., SCALARTO, F. C., ARROYO, M. (Orgs). Fim do século e Globalização. São Paulo: Hucitec, 1995.139 FONSECA, V. L. B. Neoliberalismo e Privatizações: Os impactos sócio-espaciais da privatização da

Açominas no município de Ouro Branco, a partir da percepção de informantes-chave. Tese de Mestrado, UFMG, 2001, disponível em: http://br.geocities.com/madsonpardo/index.html, acessado em: 10/09/2007.

77

militar para garantia de seus interesses, as empresas não teriam supostamente como

resistir aos grandes custos e à concorrência cerrada de empresas sediadas nos mercados

pretendidos.

“Ao invés da vitória dos mercados, em que prevalece o automatismo da concorrência perfeita, estamos assistindo à reiteração da famigerada “politização” da economia. As transformações em curso não se propõem a reduzir o papel do Estado, nem enxugá-lo, mas almejam aumentar sua eficiência na criação de “externalidades” positivas para a grande empresa envolvida na competição generalizada”.140

Como se pode apreender, o neoliberalismo é um fenômeno controverso.

Entretanto, no seu caminho histórico ao redor do mundo, sobretudo nos contextos

marcados por situações econômicas desfavoráveis, quase sempre encontrou terreno fértil

para suas idéias. Isto se deve, em grande parte, pelo descontentamento quase geral que

aparece na população, com relação aos partidos comunistas e de esquerda – na Europa,

principalmente.

Junte-se a isso, o fato de que o mundo capitalista ocidental enfrentou uma severa

crise econômica, como dito anteriormente, fazendo com que a opinião pública se

mostrasse mais favorável às proposições neoliberais. A globalização da economia, sob o

neoliberalismo, atualmente produz o terror pela ameaça do desemprego para os ainda

empregados, e a crescente exclusão econômica e social da maioria da população. A

desigualdade social é cada vez maior e fica ainda mais evidente quando identificamos a

efetiva participação dos países no processo de globalização da economia.

Para Romão, são variados e diferentes os tempos e as concretizações das políticas

neoliberais nos diversos países em que o mesmo se apresenta. Em nenhum país se aplicam

rigorosamente os ditames dessa ou daquela escola. Esse fato autoriza o questionamento de

alguns analistas sobre o grau efetivo de corpo doutrinário próprio e coerente do

neoliberalismo.

140 VIZENTINI e CARRION, 1998, op. cit., p. 59.

78

Não obstante as diferenças, é possível apontar seus traços universalizantes141 sejam

econômicos, políticos e ideológicos. A reformatação do papel do Estado. Um estado fraco

frente aos interesses do capital e forte em oposição aos interesses dos trabalhadores. Uma

organização estatal que abandona a produção e o setor de serviço em função das

privatizações e reduz substancialmente os gastos sociais, reduzindo a força do welfare nos

países de economias fortes e esgarçando as poucas conquistas sociais dos países em

desenvolvimento.

Chauí afirma que:

“(...) trata-se de um Estado mínimo, mas forte no sentido de fazer restrições dos espaços democráticos quando necessário, usando o aparato legal com o fim de favorecer a competição; um aparato estatal focado o suficiente para quebrar o poder dos sindicatos e movimentos operários”.142

A abertura comercial é outro elemento característico encontrado no neoliberalismo.

Segundo este ideário, a falta de concorrência em função da elevada proteção tarifária e do

excesso de regulação provocava perda de dinamismo das economias, gerando uma

estrutura produtiva ineficiente e pouco competitiva.

Para Carneiro, a proposta é rebaixar de forma geral as tarifas e suprimir as

proteções não tarifárias, possibilitando o acesso de novos produtores aos mercados antes

protegidos. Vê-se a abertura como uma via de mão dupla, ao mesmo tempo em que

permite uma maior concorrência nos mercados locais, facilita também o acesso aos

mercados externos. O aumento da competitividade traria o crescimento da produtividade.

A atividade industrial e de serviços visaria o mercado global, a participação de cada um

nos setores se daria de acordo com suas vantagens comparativas.143

141 Trotsky contribui para a compreensão dessa questão ao tratar do bonapartismo. “Noções como a de liberalismo, de bonapartismo, de fascismo, têm um caráter de generalização. Os fenômenos históricos nunca experimentam uma repetição completa. [...] Mas, se se procurasse uma repetição de todos os traços do bonapartismo, concluir-se-ia que o bonapartismo foi um fenômeno único, impossível de repetir-se, isto é, que não existe um bonapartismo em geral, mas que houve uma vez um general Bonaparte vindo da Córsega. O caso não é muito diferente em relação ao liberalismo e a todas as outras noções gerais de história. Mas se fala do bonapartismo por analogia, será preciso mostrar, conseqüentemente, quais são, de seus traços, os que, em condições históricas dadas, encontraram a sua expressão mais completa” (Trotsky, 1979). Sobre a universalização de fenômenos históricos ver Gramsci, 1991.

142 CHAUI, M. Ideologia neoliberal e universidade. In: OLIVEIRA, F. de e PAOLI, M. C. (org.). Os sentidos da democracia: políticas do dissenso e hegemonia global. Petrópolis: Vozes, 1999.

143 CARNEIRO, R. M. Desenvolvimento em crise: a economia brasileira no último quarto do século XX. Tese de Mestrado, São Paulo: UNESP; 2002, p. 112.

79

Para o autor acima mencionado, como terceira característica marcante,

encontramos a desregulamentação financeira e do mercado de trabalho. A primeira está

assentada sob dois movimentos: pela liberalização financeira do ponto de vista doméstico

e por uma cada vez maior mobilidade dos capitais no plano internacional. Esses

movimentos significaram a financeirização dos muitos agentes econômicos sejam

empresas, famílias ou instituições financeiras, provocada pela crescente mobilidade dos

capitais no plano internacional e provocando também uma redução do grau de autonomia

dos países periféricos.

A desregulamentação ou flexibilização do mercado de trabalho vem se somar à

política do Estado mínimo, pois a proposta visa, em essência, a alienar o Estado,

transferindo para o capital e o trabalho como atores sociais, a definição dos seus destinos.

A desregulamentação suprime a política, como agente prioritário, na disputa dos

interesses, e insere o mercado. Nesse novo marco regulatório o agente mais forte – o

capital – dita suas regras.

Para Cardoso:

“A flexibilização no contexto neoliberal se torna um imperativo, seja para permitir uma maior rapidez na reconversão tecnológica da produção, seja pela interdependência que se cria entre os empregadores. Muitas vezes o patrão que negocia com os trabalhadores se tornou um simples fornecedor e, portanto, dependente das decisões do patrão comprador lá da ponta”.144

Por tudo que foi estudado neste capítulo, podemos concluir que o neoliberalismo

não possui uma fundamentação teórica única. Existem escolas diferentes nas quais os seus

operadores se baseiam. Essa constatação conduz-nos a outra que é a da não existência de

um neoliberalismo único.

A pragmática neoliberal possui, entretanto, alguns traços universalizantes que

guiam, orientam sua operacionalidade nos diversos Estados nacionais. O retorno à ênfase

no mercado e na livre concorrência; a prevalência dos interesses individuais sobre os

interesses coletivos; a construção de uma ambiência moral na qual o indivíduo se torna o

único responsável por sua sustentação e a dos seus dependentes; a recuperação sob

aspectos conservadores de valores tradicionais como família e nação.

144 CARDOSO, A. M. A década neoliberal e a crise dos sindicatos no Brasil. São Paulo: Boitempo, 2003.

80

Elementos autoritários, dentre os quais a reação do Estado contra os movimentos

sociais, particularmente, o sindical, prevalecem. Tudo isso se soma e interage com a

reformatação do papel do Estado, com a abertura comercial e a desregulamentação

financeira e do mercado de trabalho. Estes seriam os traços universalizantes do

neoliberalismo que variarão na sua expressão mais concreta de acordo com o contexto

sócio-econômico e histórico encontrado em cada país.

O movimento de consolidação da ideologia e pragmática neoliberal não se faz sem

contradições. Ao tempo em que recupera símbolos tradicionais por sua essencialidade na

solidariedade social, promove mudanças que corroboram com a sua desintegração. Precisa

do nacionalismo e da força do Estado, mas defende o fim das barreiras nacionais e do

protecionismo para servir a um capitalismo transnacional.

Defende a família, mas abandona-a à própria sorte, ao provocar mudanças que

desempregam os assalariados, deixando-os desprovidos, inclusive, da mínima segurança

das proteções sociais.

No caso do Brasil, centro de nosso estudo, um país capitalista importante na

geopolítica do “Terceiro Mundo”, nos anos 1980 estava por fora da nova ordem mundial

capitalista instaurada pela globalização. O que viria a seguir, nos anos 1990, seria a

grande sincronia histórica da ordem capitalista no Brasil com o que ocorria lá fora,

inserindo-se, de modo dependente – e subalterno – na mundialização do capital sob a

batuta das políticas neoliberais.

Foi essa a arquitetura política dos governos neoliberais dos anos 1990. É o novo

tempo da era neoliberal que veio trazer um novo ritmo no movimento social e político no

Brasil. Instaurou, na verdade, uma descontinuidade importante. A “explosão do

sindicalismo” seria seguida, a partir dos anos 1990, com maior intensidade, de uma crise

do sindicalismo que assumiria diversas formas.

O mundo do trabalho estruturado (e integrado), das indústrias e dos serviços, base

do sindicalismo de classe organizado no país, que lutou e construiu o “novo sindicalismo”,

veio a ser alvo de uma ofensiva do capital na produção. Surgiria, a partir daí, um novo e

precário mundo do trabalho.

Mas a efervescência política e social dos anos 1980 ocultou os primórdios de algo

que assumiu novas proporções sob a era neoliberal – o desenvolvimento de uma “ofensiva

81

do capital na produção”. Na verdade, ocorreram mutações estruturais que produziram

impactos relevantes no mundo do trabalho, na própria base de organização sindical da

classe operária.

Por um lado, a construção ideológica vigorosa, expressa nos investimentos em

estratégias de manipulação do consentimento operário, tais como os Programas de

Qualidade Total, CCQ's. Por outro lado, mais cruel ainda, a destruição do coletivo

operário, através da terceirização, da descentralização produtiva e da precarização da

força de trabalho.

A criação da Central Única dos Trabalhadores – CUT, em 1983, é o marco

histórico do sindicalismo brasileiro nos anos 1980. Em 1986 a CUT cria o departamento

nacional dos petroleiros, com o objetivo de conquistar todos os sindicatos de petroleiros

do Brasil, sendo que o SINDIPETRO/Caxias, foi o último a ser conquistado em 1992,

como veremos adiante em capítulo específico.

82

CAPÍTULO III

O SINDICALISMO NO BRASIL (1964-2000)

3.1. PERÍODO PÓS-64

Segundo Piolli, o regime instalado pós-64, com a implantação do regime de

exceção política por meio do golpe militar, veio colocar, no propósito de alavancar a

economia, uma série de ações planejadas para os diferentes setores da sociedade. No

campo sindical, estas recrudescem o controle restabelecendo o marco legal. Voltam as

percepções e o entendimento de que o movimento sindical deve ser um elemento

integrador na busca da harmonia entre as classes e da paz social e de proibição do

sindicato político.145

Para Martins, “o sindicato ressurge como instrumento do desenvolvimento

econômico do país”.146 Esses propósitos ficam evidenciados no Plano de Ação Econômica

do Governo (PAEG), voltado para a estabilização, desenvolvimento e reforma

democrática. O autor traz um trecho da fala do primeiro ministro do Trabalho, Arnaldo

Sussekind, após o golpe de 1964, bastante representativo daquela que seria a concepção

do novo Governo sobre a natureza jurídica do sindicato brasileiro. Na ocasião, o ministro

Arnaldo Sussekind prestava informações aos deputados sobre as intervenções nas entidades

sindicais, entre outros assuntos relativos à sua pasta:

145 PIOLLI, E. Educação e Sindicalismo: O Discurso Sindical no Contexto da Reestruturação Produtiva. Dissertação (Mestrado em Educação). Campinas, UNICAMP, 2004, p. 44.

146 MARTINS, H. H. T. de S. Estado e a burocratização do sindicato no Brasil. 2a ed., São Paulo: Hucitec, 1989, p. 90.

83

“Não é demais relembrar, neste ensejo, que o sindicato brasileiro possui uma natureza jurídica peculiar, visto que, além das atribuições de índole privada, participa da solução de problemas de interesse geral de categoria e exerce funções de caráter público que lhe são delegadas pelo Estado. Não chega a ser uma entidade paraestatal; entretanto, como o poder de representação legal da categoria e de tributação dos membros que compõem o grupo abstratamente representado – poderes que recebem do Estado com a carta de reconhecimento – o sindicato passa a exercer inquestionavelmente, encargos de ordem pública”.147

A nova política econômica vem acompanhada da Lei 4.330, que coloca como

prerrogativa do Estado a divulgação dos índices de reajustes salariais, que deixava de ser

feita pela livre negociação entre patrões e empregados, desfaz o regime de estabilidade no

emprego, instituindo o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço, que viria a dar a

liberdade necessária para que os patrões pudessem operar dispensas mais livremente.

Segundo Piolli:

“Como estratégia, setores da esquerda, ligados ao PCB, procuraram agir para a retomada dos sindicatos atuando dentro da estrutura sindical, opção manifestada no período pré-64, mesmo reconhecendo limitações impostas por essa estrutura. O PCB, juntamente com alguns outros setores do sindicalismo, tentam articular o Movimento Intersindical Antiarrocho (MIA – 1967-68) pretendendo uma negociação dentro dos limites tolerados pelo Ministério do Trabalho. Esses eram vistos com desconfiança por outros setores da esquerda”.148

O autor ressalta que se no período pré-64 havia divergências e disputas entre as

várias tendências do sindicalismo, no pós-64 isso não foi diferente. Visões distintas

novamente afloraram, e foram motivos de cisões e rupturas. Diversos grupos de esquerda

articulavam, de forma alternativa, a organização dos trabalhadores por fora da estrutura

sindical, e viam essa estrutura como um instrumento de controle dos trabalhadores.

Para se ter uma noção, basta, para isso, as inúmeras críticas feitas por esses setores

à postura do PCB, atribuindo a esses a responsabilidade sobre o golpe militar de 1964.

Piolli ainda relata que é importante frisar que muitos grupos vinham adotando essa postura

desde a implantação do sindicalismo oficial, durante o regime de 1937, com o Estado

Novo.

147 Arnaldo Sussekind apud MARTINS, 1989, p. 95.148 PIOLLI, 2004, op. cit., p. 45-46.

84

De acordo com Santana e Antunes, o golpe militar de 1964 foi um duro baque em

toda a estrutura organizacional comunista. A prisão de nomes importantes e a

desestruturação do trabalho nos sindicatos e nas fábricas desbarataram atividades que

levariam bastante tempo para se recompor.

Segundo os autores:

“No interior do movimento operário, o que se pôde presenciar, como tradicionalmente ocorre em situações similares, foi o trabalho pequeno e silencioso no chão de fábrica. Era preciso recompor forças e somar esforços para enfrentar a ditadura. O problema maior é que a implantação do regime militar abriu, no seio da esquerda em geral, e no interior do PCB em particular, um duro e sério debate acerca dos caminhos percorridos pelo partido antes e depois do golpe”.149 (grifos dos autores).

Com o golpe militar, a esquerda iniciou uma longa discussão pela busca de

responsáveis pela derrota dos chamados “setores progressistas”. Dada sua posição

proeminente no período pré-golpe, recaiu sobre o PCB toda a carga de responsabilidade

acerca dos supostos erros cometidos.

Neste período, o partido assinala a incorporação de outros setores à luta

antiditatorial, como no caso dos setores progressistas da Igreja católica, e a possibilidade

de o Movimento Democrático Brasileiro (MDB) – um dos partidos gerados pela extinção

daqueles anteriores a 1964 e pela implementação do bipartidarismo –, transformar-se em

um pólo importante na mobilização popular e na luta contra a ditadura.150

No que diz respeito ao campo sindical, as resoluções assinalam que este seria o

meio principal para a ativação do movimento operário. Os comunistas deveriam

concentrar suas atividades dentro das empresas. Com esse propósito, poderiam utilizar

todas as possibilidades de organização legais, como as delegacias sindicais, as Comissões

Internas de Prevenção de Acidentes (CIPAS) e outras organizações que reunissem

trabalhadores.

Os autores supramencionados ressaltam, ainda, que:

149 SANTANA, M. A. e ANTUNES, R. O PCB, os Trabalhadores e o Sindicalismo na História Recente do Brasil. Cap. 8. In: RIDENTI, M. e REIS, D. A. (orgs.) História do Marxismo no Brasil – Partidos e movimentos após os anos 1960. Campinas, SP: Editora Unicamp, 2007, p. 376.

150 Idem.

85

“(...) para estender o movimento sindical a toda a classe operária, seria também indispensável o fortalecimento dos sindicatos, com a elevação do número de sindicalizados. (...) Nesse sentido, na prática sindical a orientação do partido deveria dar-se, em conformidade com sua trajetória anterior, utilizando-se prioritariamente dos espaços legais, por dentro da estrutura sindical vigente, embora não se restringindo a eles”.151

O processo de intervenção nas entidades sindicais, assim como as demais medidas

adotadas pelo regime instalado em 1964, mantiveram calado o movimento sindical por um

bom período. Contudo, setores da esquerda, mesmo com as condições desfavoráveis à

organização, buscaram alternativas para a organização dos trabalhadores, focalizando a

política de arrocho salarial implantada pelo regime.

Tão logo o golpe se consolidou, o governo militar ordenou a intervenção em 422

entidades sindicais – sendo 383 sindicatos, 45 federações e 4 confederações. Internamente

aos sindicatos, a perseguição aos líderes e militantes das correntes de esquerda se fez

através de inquéritos instaurados pelos interventores, que buscavam reunir provas para

incriminar as antigas lideranças como subversivas, encaminhando o resultado de suas

buscas para os Inquéritos Policiais Militares instaurados pela ditadura.152

Segundo o autor, o resultado desta ação dos interventores seria logo sentido. Os

sindicatos se esvaziaram, perdendo rapidamente o contingente mais expressivo de

associados que haviam conquistado nos anos anteriores ao golpe. E acrescenta:

“Para os interventores, isto era pouco preocupante, pois não almejavam maior representatividade que a conferida pelos militares que lá os colocaram. Desprezando as reivindicações das categorias no plano político e econômico, dedicaram-se a ampliar o setor assistencial e o patrimônio físico dos sindicatos, valendo-se para isso das gordas somas vindas do imposto sindical”.153

O autor relata que o golpe sobre os sindicatos foi violentíssimo e foi necessária

mais de uma década para que uma retomada efetiva das mobilizações de trabalhadores e

jornadas grevistas pudesse acontecer. Entretanto, entre o golpe e o surgimento do “novo

sindicalismo”,154 a partir das greves de 1987, no ABC paulista, os sindicatos não deixaram

151 SANTANA e ANTUNES, 2007, op. cit., p. 379.152 MATTOS, 2002, op. cit., p. 69.153 Idem.154 Idem, p. 66.

86

de vivenciar conflitos e os trabalhadores não deixaram de criar formas de resistência à

exploração do trabalho e à ditadura.

“No período entre 1964 a 1967, os sindicatos estiveram completamente amordaçados pelas intervenções e pelas perseguições aos militantes mais conhecidos do período anterior. A partir de 1967, o Ministério do Trabalho passou a ter um discurso de liberalização progressiva das atividades sindicais e promoveu eleições em várias entidades. Apesar do controle sobre as candidaturas, em alguns sindicatos assumiram a direção militantes pouco conhecidos, mas identificados com as comissões por local de trabalho (novas ou sobreviventes ao golpe) e com os partidos de esquerda.”.155

No seu livro “Crise do Socialismo e Movimento Operário”, C. Frederico observa

que o caminho encontrado foi o da organização autônoma de classe centrada nas

comissões de fábrica que atuavam clandestinamente. Essas organizações dispunham de

poucos recursos e contavam com um número bastante restrito de operários nas células das

fábricas, por isso contavam até com a participação de militantes de origem pequeno-

burguesa que se “integravam à produção”.156

Entretanto, esta primeira fase de intervenções não conseguiu calar completamente a

voz dos ativistas mais combativos, nem tampouco apagar da memória das categorias os

avanços significativos do período anterior ao golpe, o que ficaria provado com a vitória

eleitoral de chapas oposicionistas, tão logo novas eleições fossem convocadas.

Nas greves de Contagem e Osasco, ocorridas em 1968, as distinções entre esses

movimentos organizados pela base e por empresa e o “sindicalismo de cúpula” do pré-64

ficam bastante evidentes. Segundo o autor em referência, as práticas que desprestigiavam

e subestimavam a ação dos “sindicatos oficiais” naqueles movimentos, lançariam as bases

para o que viria a se constituir os movimentos fundados pelos princípios da autonomia e

da independência que emergiriam no final dos anos 1970.

Nessa perspectiva, a evolução do sindicalismo e do movimento sindical no Brasil é

marcada por uma divergência permanente em torno da estrutura sindical. Porém, o ideal

de um sindicalismo independente e autônomo nunca se concretizou. Mesmo as tentativas

de efetivação de comissões de fábrica empreendidas por alguns setores da esquerda

155 MATTOS, 2002, op. cit., p. 66.156 FREDERICO, C. Crise do socialismo e movimento operário. São Paulo: Cortez, 1994, p. 38.

87

resistiram com muitas dificuldades e envolvidas de polêmicas sobre sua vinculação ou não

ao sindicato oficial.

Mobilizações operárias e greves, numa conjuntura de avanço da oposição à

ditadura, foram tomadas como ameaça ao regime e novas cassações e intervenções foram

feitas, esvaziando-se novamente as entidades de qualquer representatividade. Já a partir de

1970, o governo voltou a valorizar os sindicatos, mas apenas enquanto órgãos integrados

ao sistema oficial de previdência e assistência social.

Martins relembra que o plano do regime instaurado, calcado no planejamento e na

concepção de uma sociedade racionalmente estruturada por meio de instituições

vinculadas a esse projeto parece ter predominado, no que se refere ao sindicalismo, às

formas de resistência e ao ideário de construção de um sindicalismo independente e

autônomo.157

Nesse sentido, como “balcões de serviços”, os sindicatos poderiam servir melhor

também para veicular as “conquistas” do regime militar. No entanto, os trabalhadores não

se calaram. Muitas vezes, de forma clandestina, se organizavam nos locais de trabalho e

protestavam em pequenos movimentos por empresa, mantendo assim acesa – apesar da

limitação – a possibilidade de ação sindical.

A proposta sindical do Estado Novo foi revigorada no período ditatorial,

reconhecendo apenas a existência legal e fora da qual punições e perseguições ocorreriam.

Os sindicatos ficam restringidos a atuar, como já foi dito, na esfera do assistencialismo, e

seus dirigentes presos a funções burocráticas e administrativas. A atuação do sindicato

ficou afastada do conteúdo populista do período anterior e substituída por uma atuação

“baseada na racionalidade técnica e na qualificação profissional”.158

3.2. PERÍODO DE 1978-1990

Nova fase foi inaugurada em 1978 com o reinício da onda de greves, novamente

detonada a partir do ABC paulista; como será visto adiante, trata-se de uma fase de

afirmação das organizações coletivas dos trabalhadores no cenário político e social dando

início a uma nova etapa nas relações de trabalho e na dinâmica política brasileira.

157 MARTINS, 1989, op. cit., p. 184.158 Idem.

88

Entretanto, para Piollo, o que emerge a partir de 1978 no ABC paulista coloca em

cheque o padrão de acumulação empreendido pelos militares, e extrapola a esfera das

reivindicações econômicas restritas ao universo categorial, e que, entre outras coisas,

questionavam a política de arrocho salarial.159 Passa-se a exigir a democratização do país,

a ruptura com o FMI e o não pagamento da dívida externa. Esse movimento também

alavancará mobilizações em outras categorias e será uma referência aos movimentos

sociais na expressão de suas demandas.

Como esclarece Frederico, toda essa mobilização culminará na separação entre os

ativistas ligados ao PCB e o grupo que se alinha ao redor de Lula na direção e organização

do movimento sindical. De um lado, se agrupam os comunistas que defendiam a “Unidade

Sindical” abrangendo as correntes do movimento sindical, independentemente das

divergências políticas no seu interior. Enquanto de outro lado, o grupo ligado a Lula

defendia “a unidade apenas com setores combativos, descartando alianças com os pelegos

– quando a entidade não fosse combativa a unidade seria feita com as oposições”.160

Para o autor:

“O PCB e seus seguidores queriam formar uma central de trabalhadores estritamente sindical, enquanto que outros pretendiam a formação do partido dos trabalhadores abrangendo a participação de outros setores do “movimento popular” e da Igreja. Também as relações entre o partido e o sindicato constituem um ponto de discórdia entre as duas correntes. Ela se resume na questão de se é o partido que dará as diretrizes ao movimento sindical (PCB) ou se é o movimento sindical que deve dizer qual a postura que o partido deve adotar (Lula)”.161

Essas posições entraram em confrontação com o Congresso das Classes

Trabalhadoras (Conclat) em 1981, o que foi um importante marco na divisão orgânica do

movimento sindical. No ano de 1983 surge a Central Única dos Trabalhadores (CUT),

fundada pelos representantes do novo sindicalismo. Em 1986, é a vez da Confederação

Geral dos Trabalhadores (CGT), oriunda da continuidade do Conclat, que em 1989 se

divide com a formação da Confederação Geral dos Trabalhadores do Brasil (CGTB). E,

159 PIOLLI, 2004, op. cit., p. 56.160 FREDERICO, 1994, op. cit., p. 69.161 Idem.

89

em 1991, nasce a Força Sindical (FS). Outras centrais162 seriam ainda formadas, revelando

o grau de cisão bastante elevado dentro do movimento.

Nos anos 1980, quando praticamente todo o mundo já se encontrava imerso em

políticas de ajuste, o Brasil continuava ainda a seguir os mesmos padrões de

desenvolvimento adotados no período da industrialização por substituições das

importações, embora esses anos tenham sido caracterizados por um agudo processo de

crise, em que as altas taxas inflacionárias e as baixas taxas de crescimento econômico,

quando não de recessão aberta, foram sua marca principal. Uma década perdida do ponto

de vista econômico, mas que, em termos políticos e sociais, caminhava no sentido

progressivo, seja pelo ressurgimento dos movimentos sociais como pela redemocratização

do país.163

O autor ressalta que este panorama surge e se desenvolve a partir do mundo do

trabalho estruturado, resultado da expansão do capitalismo nos anos 1960 e 1970. Os

traços desse novo sindicalismo é baseado nos princípios do fordismo, com a elevada

concentração de trabalhadores em grandes centros urbanos, a exemplo do ABC paulista, e

o seu tecido industrial do setor automobilístico, de onde emergiram o novo sindicalismo e

as lutas sociais marcantes na década de 1980.

Segundo Heloani:

“É um período em que se consolida e se estrutura uma ofensiva empresarial em nível mundial, que se convencionou chamar de pós-fordismo e que recai sobre três pontos fundamentais: desindexação salarial, internacionalização da produção e redução do Estado-previdência. Entre as conseqüências mais importantes desse processo está o deslocamento dos investimentos para o setor de serviços, a fim de reduzir os custos de produção, gerando uma nova divisão do trabalho com conseqüências para a distribuição de renda na sociedade”.164

Leite afirma que, ao contrário das tendências mundiais o sindicalismo brasileiro

ganha um vigoroso processo de fortalecimento, ressurgindo, após o período da ditadura

militar em 1978, como um dos principais atores sociais nos processos de reorganização da

162 Central Autônoma dos Trabalhadores (CAT), 1995; Social Democracia Sindical (SDS), 1997; União Sindical Independente (USI) e a Central Geral dos Trabalhadores do Brasil (CGTB), também surgidas em meados dos anos 90 (PIOLLI, 2004, p. 48).

163 PIOLLO, 2004, op. cit., 60.164 HELOANI, R. Gestão e organização no capitalismo globalizado: história da manipulação psicológica no

mundo do trabalho. São Paulo: Atlas, 2003, p. 77.

90

sociedade civil e da transição democrática.165 Tendo no movimento grevista seu principal

meio de confrontação com o capital, os sindicatos cresceram em representatividade,

organizaram-se em centrais sindicais, federações e confederações fora da estrutura

sindical, e conseguiram incrementar substancialmente a negociação direta com o

patronato.

De acordo com a autora:

“Conquistaram, com a nova Constituição de 1988, a liberdade de greve e conseguiram limitar a interferência do Estado em suas atividades. Mesmo sem conseguir desmontar a estrutura sindical vigente desde os anos 1930, ou substituí-la por uma institucionalidade sindical mais democrática, baseada no contrato coletivo, derrotados por setores empresariais e do próprio movimento sindical mais conservador, suas lutam deixaram marcas no processo constituinte”.166

Além disso, há que se considerar ainda, nesse período, as tentativas de avanço da

organização sindical nos locais de trabalho, bem como o representativo aumento no

número de entidades sindicais principalmente do setor público. Porchmann, Barreto e

Mendonça, ao tratarem do sindicalismo nos anos 1980, afirmam que o processo hiper-

inflacionário e a inexistência de significativas alterações nas formas de gestão da

produção e da mão-de-obra contribuíram para a concentração da ação sindical em torno

das negociações coletivas de trabalho e da realização de greves como mecanismos

recorrentes de perdas salariais.167 Segundo os autores, a expansão das taxas de

sindicalização se revelou, muitas vezes, como resultado da maior expressão sindical,

mesmo num contexto de altas taxas de rotatividade no trabalho e de variação do

comportamento do emprego segundo o ritmo da produção.

Para Noronha, a ação sindical dos anos 1980 revelava:

“(...) um misto de demandas trabalhistas, descontentamento social e político, explosão de demandas reprimidas durante os anos de autoritarismo e estratégias de consolidação de novas lideranças sindicais, a evolução e o padrão dos conflitos esteve claramente marcada pelos principais momentos políticos da década, o que lhes dá outra dimensão além da corporativa”.168

165 LEITE, M. de P. (org.). Reestruturação produtiva e sindicatos: o paradoxo da modernidade, In: Trabalho em movimento: reestruturação produtiva e sindicatos no Brasil. Campinas: Papirus, 1999, p. 16.166 Idem.167 PORCHMAN, M; BARRETO, R. M; MENDONÇA, S. E. A. Ação sindical no Brasil: transformações e

perspectivas. Revista São Paulo em Perspectiva, vol. 12, n. 1., São Paulo: Fundação Seade, 1998, p. 11.168 NORONHA, 1992, op. cit., p. 97.

91

Dessa forma, pode-se apreender que o movimento sindical no Brasil durante a

década de 1980, contrariando as tendências internacionais de enfraquecimento, ganhou

projeção e conquistou poder de intervenção na esfera política; ou seja, conquistou uma

representatividade baseada na estratégia do confronto com o capital, que, em muitos

aspectos, superou a dimensão corporativa.

Contudo, no que se refere à estrutura sindical, mesmo com os avanços conferidos

no processo constituinte com respeito à participação popular e a outras áreas sociais, no

geral poucos avanços foram verificados. Mesmo com a conquista de maior autonomia com

relação à interferência do Estado na vida dos sindicatos a estrutura sindical foi mantida,

como também, o princípio da unicidade.

Boito Jr. acrescenta que essa estrutura que surge com a Constituição de 1988 é

ambivalente, pois, dependendo da correlação da luta de classes serviu tanto para o

controle quanto para a consolidação do poder sindical. Ou seja, a manutenção da estrutura

da Era Vargas é forma adequada, como já discutido anteriormente, às práticas populistas e

à ideologia populista que lhe corresponde.169

Para o autor, a ênfase recai sobre as determinações políticas para explicar o

desenvolvimento do sindicalismo no país, e a expressão dessas determinações no caso do

sindicalismo, é a estrutura sindical, entendida por ele como sistema de relações que

asseguram a subordinação dos sindicatos (oficiais) às cúpulas do aparelho de Estado – do

Executivo, Legislativo e Judiciário. Na estrutura sindical brasileira o elemento essencial é

a necessidade do reconhecimento oficial legal do sindicato na esfera do Estado.

E cita, ainda, o exemplo da unicidade, um dos elementos da estrutura sindical

brasileira que não mudou após a Constituição de 1988. Para o autor, a fragilidade do

sindicalismo dos anos 1980 reside no fato de não ter conseguido desfazer-se a estrutura

sindical corporativista, descentrada, fragmentada e dispersa, também incluídos aí o

desenraizamento do sindicato dos locais de trabalho, e os poucos avanços nessa direção.

Alves, ao fazer uma análise da explosão do sindicalismo no Brasil dos anos 1980,

salienta como uma das principais fraquezas do sindicalismo brasileiro a incapacidade de

169 BOITO JR., 1999, op. cit., p. 76.

92

contrapor-se às novas provocações do capital que surgiam com o novo (e precário) mundo

do trabalho.170

Segundo o autor, é possível discernir algumas das principais características da

estrutura sindical no Brasil. Em primeiro lugar, ela é “descentrada”, fragmentada e

dispersa por uma infinidade de sindicatos municipais, em sua maioria pouco expressivos e

com exígua capacidade de barganha.171 A partir de 1988, a nova Constituição favoreceu

tanto o aparecimento de novos sindicatos quanto a fragmentação de categorias já

organizadas, surgindo inclusive alguns sindicatos por profissão.

Em segundo lugar, a estrutura sindical brasileira é “descentralizada”, com parcas

iniciativas e formas de ação unificadas (apesar da constituição das centrais sindicais a

partir de 1983). Em terceiro lugar, ela é “desenraizada”, em virtude de não ter inserção

nos locais de trabalho, sendo uma estrutura externa às empresas. Desse modo, segundo

Almeida, “ela tem as limitações de um sindicalismo que, sendo de massas, organiza um

contingente minoritário dos assalariados e que está assentado em uma estrutura

organizativa em que o poder de comando é fragmentado e centrífugo”.172

Para Alves, finalmente, é uma estrutura sindical “verticalizada”, com imensas

dificuldades de articular, numa perspectiva horizontal mais ampla, a organização (e a

resistência) da classe, permanecendo vinculada à categoria assalariada.173 Sob o novo

complexo de reestruturação produtiva, que tende a promover a descentralização produtiva,

e com a nova (e radical) terceirização, assumindo uma maior intensidade, o padrão de

organização vertical encontra sérias dificuldades para instaurar a nova resistência da

classe à ofensiva do capital na produção.

Por outro lado, a vida sindical organizada no país ainda é uma experiência

compartilhada por um segmento minoritário da classe dos trabalhadores assalariados no

país. Comparado aos países capitalistas centrais, o Brasil possui uma taxa de densidade

sindical modesta.174 Mesmo no decorrer dos anos 1980, ocorreu uma pequena queda na

170 ALVES, G. Do “Novo Sindicalismo” à “Concertação Social” Ascensão (e crise) do Sindicalismo no Brasil (1978-1998). Rev. Sociol. Polít., Curitiba, 15, 2000, p. 113.

171 Segundo Alves (2000), a dispersão sindical no Brasil pode ser comprovada pelos seguintes dados: após a “década dos trabalhadores” (os anos 1980), o IBGE registrou a existência, no país, de 9.118 sindicatos de empregados e empregadores, 4.635 nas áreas urbanas e 4.483 nas áreas rurais.

172 ALMEIDA, 1996, op. cit., p. 130.173 ALVES, 2000, op. cit., p. 115.174 Por exemplo, a densidade sindical, em proporção à população ocupada em 1985 na Itália e Alemanha, era de

41,4% e 38%, respectivamente. Enquanto isso, no Brasil, ela atingia, em 1988, 16,0% (referente apenas à

93

densidade sindical no país. Tomando apenas a população urbana, exclusive trabalhadores

autônomos, de 1980 a 1985, por exemplo, segundo dados do IBGE, a densidade sindical

chegou a cair 0,6% (de 15,8% a 15,2% da PEA). Por outro lado, se tomarmos em conta a

população urbana e rural, exclusive a região Norte, a densidade sindical aumentou 3,6%

(de 21,9% a 25,5% da PEA), o que demonstra que o grande salto na densidade sindical

entre 1970 e 1988 deveu–se essencialmente à expansão do associativismo rural.

Segundo Almeida:

“É claro que a densidade sindical é apenas um dos indicadores do poder sindical. As características da estrutura sindical brasileira que contribuíram para a visibilidade do poder sindical nos anos 1980 foram, por exemplo, a capacidade de mobilização, os recursos materiais disponíveis, as prerrogativas legais – tais como o monopólio de representação e os trunfos políticos mobilizáveis, num cenário de redemocratização política do país, tão mais importantes que o número de associados”.175

Piolli corrobora, salientando que a fragmentação e a descentralização restringem a

possibilidade de ações unificadas e dificultam a atuação nos locais de trabalho.

Possibilitam o surgimento de novos sindicatos, inclusive por profissão, dissolvendo

categorias já organizadas. Outro aspecto é que a manutenção de um “sindicalismo

verticalizado, durante a década de 1980, gerou dificuldades para a articulação da luta

horizontal, fundamental para o enfrentamento no contexto da reestruturação produtiva”.176

A criação da Central Única dos Trabalhadores – CUT, em 1983, é o marco

histórico do sindicalismo brasileiro nos anos 1980, sendo ela considerada hoje “a mais

poderosa em número de entidades a ela filiadas e em capacidade de organização e

mobilização dos trabalhadores”.177 Segundo Boito Jr., o surgimento da CUT, “uma das

centrais mais duradouras e talvez com maior capacidade de mobilização da história do

sindicalismo brasileiro”178, seria um dado significativo da ampliação e fortalecimento do

sindicalismo nos anos 1980, cuja repercussão na cena política seria dada pela criação e

crescimento do Partido dos Trabalhadores (PT).

população urbana, exclusive trabalhadores autônomos) ou 25,8% (referente à população urbana e rural, exclusive a região Norte) (ALMEIDA, 1996, p. 131).

175 ALMEIDA, 1996, op. cit., p. 131.176 PIOLLI, 2004, op. cit., p. 51.177 RODRIGUES, 1991, op. cit., p. 39.178 BOITO JR., op. cit., p. 80.

94

Nessa época, por outro lado, surgem as CGT’s, oriundas da CONCLAT, que

adotaram posições políticas diversas da CUT. Mais tarde, no início dos anos 1990, sob a

era neoliberal, surgiria a Força Sindical, central sindical do “sindicalismo de resultados”.

Para Boito Jr., “A fundação da Força Sindical (que contou com o apoio de cerca de

trezentos sindicatos, duas confederações e vinte federações), no início de 1991, caminha

no sentido de consolidar o projeto neoliberal do sindicalismo de resultados”.179

Segundo Rodrigues:

“É nos anos 1980 que se instaura, de modo pleno, o pluralismo sindical na cúpula sindical no país, o que demonstra o acirramento da luta político-ideológica na direção do movimento sindical no Brasil. Entretanto, é no interior da própria CUT que ocorre o verdadeiro debate político-ideológico no sindicalismo brasileiro, entre socialistas revolucionários e social-democratas. O seu ponto decisivo ocorre no IV CONCUT, quando é discutido o modelo organizativo da CUT e vence a proposta da CUT-organização e não da CUT-movimento. Acelera-se, desse modo, o que alguns analistas indicam como sendo a “burocratização” da CUT”.180

Na passagem para os anos 1990, sob o novo complexo de reestruturação produtiva,

ele tende a se acirrar, quando a tendência política majoritária da CUT, a Articulação

Sindical, de caráter social-democrata, passa a incorporar, segundo seus críticos, “valores

neoliberais”.181

Para Alves, entretanto, mais do que a incorporação de valores neoliberais, a

tendência majoritária da CUT passa a adaptar-se à institucionalidade sindical vigente no

país, incorporando a sua inércia estrutural, que, sob o novo complexo de reestruturação

produtiva, tenderia a disseminar, como excreção ideológica, um novo tipo de

neocorporativismo setorial.182

Observamos, com maior amplitude e intensidade, nos anos 1980, o que poderia ser

denominado explosão das greves nas mais diversas categorias assalariadas no país – dos

operários industriais aos trabalhadores de “classe média”, ou ainda dos trabalhadores da

administração pública direta e indireta. De acordo com Boito Jr., o Brasil foi uma “espécie

de campeão em estatística de greve”.183

179 BOITO JR., 1999, op. cit., p. 69.180 RODRIGUES, 1991, op. cit., p. 83.181 BOITO JR., 1999, op. cit., p. 80.182 ALVES, 2000, op. cit., p. 117.183 BOITO JR., 1991, op. cit., p. 37.

95

Noronha, por exemplo, comprova, com vários dados estatísticos, a difusão e

amplitude das greves de trabalhadores ocorridas no país naquela década. O autor salienta

que: “Em 1978 foram deflagradas 118 greves, e dez anos depois elas passaram a somar

2.188. O número anual de grevistas aumentou sessenta vezes e, entre esses mesmos anos,

o número de jornadas não trabalhadas (o indicador síntese de greves) pulou de 1,8 milhão

para 132 milhões”.184

Antunes ressalta que, entretanto, o que é decisivo na análise das greves é perceber

não apenas seus “dados quantitativos”, como é comum ocorrer nas análises sociológicas,

mas sim a alteração nas “formas de ser” das greves (o que refletiria, de certo modo, a

mutação das estratégias sindicais no país). Para o autor, por exemplo, as greves assumiram

várias modalidades, ou ainda, formas de ser – greves por empresa, greves gerais por

categoria, greve geral, greves com ocupação de fábricas. Entretanto, a tendência mais

importante refere-se ao aumento das “greves por empresa” em oposição às “greves gerais

por categoria”. E resume o autor, afirmando que: “A partir de 1980, aumentou o número

de paralisações por empresas, chegando a representar 75,5% do total das greves

desencadeadas em 1984 e 60,8% em 1985”.185

De forma a esclarecer as conceituações, o que veio a ser denominado “sindicalismo

de resultado” seria, naquela época, contraposto a um “sindicalismo de confronto”.

Enquanto o “sindicalismo de resultado” utilizava como eixo reivindicatório a greve por

empresa, o sindicalismo de confronto privilegiava as greves gerais por categoria – nos

moldes das greves metalúrgicas do ABC, entre 1978 e 1980 – cuja principal característica

era o sindicato agir como representante “geral” do conjunto dos trabalhadores e não

apenas de suas bases associativas.

Nesse sentido, Alves esclarece que:

“Adotava-se, no caso da CUT, uma estratégia de confrontação, caracterizada por uma oposição sistemática às políticas governamentais e pela ênfase na mobilização de massas e na ação grevista. De certo modo, o cenário hiperinflacionário, de crise estrutural do Estado capitalista no Brasil, no contexto de redemocratização política, contribuiu para o predomínio do sindicalismo classista, de massas, de confronto, com as práticas “obreiristas”, seja socialista ou social-democrata, ocupando maior espaço político (o que veio, de fato, a caracterizar a CUT em seus primórdios)”.186

184 NORONHA, 1992, op. cit., p. 95.185 ANTUNES, 1995, op. cit., p. 17.186 ALVES, 2000, op. cit., p. 117.

96

Em suas análises do sindicalismo dos anos 1980, alguns autores elaboraram críticas

ao “sindicalismo de confronto”, chegando a salientar que, após uma década de explosão

de greves, a situação da classe trabalhadora não mudara “a explosividade das greves dos

anos 1980 não trouxe alterações substantivas na distribuição de renda entre os

assalariados, ainda que tenha evitado maiores perdas para os trabalhadores”.187

Para Almeida, o sindicalismo de confronto “revelou suas limitações como um

instrumento capaz de assegurar melhorias duradouras para os assalariados representados pelos

sindicatos”.188

Já de acordo com Mattoso e Oliveira:

“O aumento da mobilização sindical não se traduziu na superação da prática reativo-reivindicativa que certamente constitui um traço definidor da ação sindical em qualquer país, mas que no nosso caso passou a ser o único ponto de referência da ação sindical, indicando a ausência de definições no plano estratégico”.189

Os autores salientam também que, a despeito “da maior capacidade de pressão dos

trabalhadores, as ações no curto prazo nem sempre resultaram em conquistas: basta

observar os resultados da década”.190 Entretanto, o que esses autores não perceberam é que

poderia ter sido pior.

Entretanto, Alves alerta que o verdadeiro valor político (e moral) das lutas

sindicais dos anos 1980, na perspectiva classista, consistiu em constituir, pelo menos em

seu nível mais elementar, a consciência necessária de classe, e não um mero

reconhecimento da legitimidade do papel social dos sindicatos. E afirma:

“A busca de uma consciência necessária de classe pelos setores sindicais mais avançados da CUT e do PT teve o seu ápice e resultado político em 1989, com o apoio maciço dado à candidatura de Luís Inácio ‘Lula’ da Silva, da Frente Brasil Popular, à Presidência da República.191 Portanto, a ‘explosividade das greves’, ‘as ações de curto prazo’, ‘as práticas reativo-reivindicativas’ na perspectiva da consciência de classe não podem ser consideradas como tendo ocorrido em vão”.192

187 ALVES, 2000, op. cit., p. 119.188 ALMEIDA, 1996, op. cit., p. 32.189 MATTOSO, J. e OLIVEIRA, M. A. 1990. Desenvolvimento excludente, crise econômica e sindicalismo.

São Paulo em perspectiva, São Paulo, v. 4, n. 3-4, 1990, p. 119.190 Idem.191 Lula, que perdeu a eleição para o candidato neoliberal Collor de Mello, obteve, no 2º turno das eleições,

31.076.364 de votos, ou seja, 37,86% dos votos válidos (ALVES, 2000).192 ALVES, 2000, op. cit., p. 120.

97

Conforme relatam Mattoso e Oliveira, o amplo reconhecimento social do

sindicalismo nos anos 1980 decorreu de sua prática insubmissa e de confronto. Num

cenário de uma economia hiperinflacionária, o sindicalismo da CUT tornou-se, na

verdade, o principal baluarte de defesa imediata contra as perdas do padrão de vida dos

trabalhadores assalariados no país. Foi cultivando a postura reativo-reivindicativa,

intransigente e insubmissa, que conquistaram, contra a manipulação da mídia dominante,

um espaço na opinião pública.

Neste ponto, é fundamental compreender que a derrota da candidatura apoiada pelo

novo sindicalismo, nas eleições presidenciais de 1989, significou, em última instância, a

derrota do sindicalismo classista, de massas, e de confronto – e, por conseguinte, a derrota

política da prática sindical “obreirista” – seja ela de caráter social-democrata ou socialista.

É o seu revés político que contribuirá para impulsionar, sob a era neoliberal, uma nova

ofensiva do capital na produção.

Para Alves, sob o novo complexo de reestruturação produtiva, num cenário de

desemprego de massa e recessão da economia brasileira, imposta pela política neoliberal,

se tornariam claros os limites estruturais da prática sindical de confronto, de tipo classista.

Como uma frágil resposta política à crise do sindicalismo classista, de massas e de

confronto, diante do novo “bloco histórico” instaurado pela era neoliberal, desenvolvem-

se as estratégias sindicais propositivas, de caráter neocorporativo. Segundo o autor, “elas

surgem como uma verdadeira capitulação política – e ideológica – do trabalho diante da

nova ofensiva do capital na produção”.193

De acordo com Rodrigues, o que veio a ser denominado de “novo sindicalismo”

nos anos 1980 caracterizou-se por uma nova prática sindical, de organização da base, da

construção da intervenção operária nos locais de trabalho, considerada uma das principais

debilidades do sindicalismo brasileiro. O autor, ao tratar do sindicalismo nessa década,

observou a presença significativa na vida nacional da organização dos empregados nos

locais de trabalho, com a denominação de comissões de fábrica, comissões de empresa,

conselho de representantes dos funcionários, comissões de garagem etc.194

A partir do desenvolvimento do processo de reestruturação produtiva dessa década,

tornou-se claro, para as lideranças operárias das indústrias de ponta no país – tais como a

193 ALVES, 2000, op. cit., p. 123.194 RODRIGUES, 1991, op. cit., p. 85.

98

indústria automobilística –, que o campo da produção era um espaço decisivo da luta de

classes, com o capital procurando criar e desenvolver novos tipos de controle do trabalho.

O surgimento das novas organizações de base vinculava-se, no entanto, a uma

prática sindical de novo tipo, classista, de raiz socialista, que predominava na CUT dos

anos 1980. Por isso, a bandeira das comissões de fábrica tornava-se estratégica para as

mais diversas correntes político-ideológicas do movimento sindical da CUT, que atuavam

nas grandes indústrias.

Por um lado, correntes socialistas, que possuíam expressão política no novo

sindicalismo, colocavam a necessidade do controle da produção pela classe operária,

reconhecendo o campo da produção como um espaço da luta de classes. Por outro lado,

parcelas do novo sindicalismo, de raiz social-democrata, salientavam a necessidade de

apenas intervir – ou participar – num controle da produção sob a hegemonia capitalista.

Este debate político seria traduzido, mais tarde, na discussão sobre a prática

sindical a ser adotada diante do novo complexo de reestruturação produtiva e que

demarcaria as linhas político-ideológicas entre setores socialistas revolucionários e social-

democratas no interior da CUT. Foram as novas organizações de base, sediadas

principalmente no pólo industrial do ABC paulista, que permitiram, ao Sindicato dos

Metalúrgicos de São Bernardo, ensaiar novas estratégias grevistas que utilizavam os

potenciais de controle operário postos pelo complexo de reestruturação produtiva.195

Entretanto, segundo Oliveira:

“(...) apesar da explosão do sindicalismo nos anos 1980, a estrutura sindical no país ainda preservava, por diversos motivos, a fragilidade no plano organizativo. Continuavam a predominar os “sindicatos de porta de fábricas”, ou seja, sem qualquer acesso aos locais de trabalho e contando tão-somente com as campanhas salariais, os serviços assistenciais e as homologações para atrair os trabalhadores que pretendiam representar”.196

Uma das características do sindicalismo brasileiro nos anos 1980 é ter ampliado os

espaços de negociação coletiva. Numa perspectiva otimista, Barelli ressalta que os anos

195 ALVES, 2000, op. cit., 125.196 OLIVEIRA, M. A. Avanços e limites do sindicalismo brasileiro recente. In: OLIVEIRA, C. A. (org.). O

mundo do trabalho. Crise e mudança no final de século. Campinas: Scritta/CESIT-UNICAMP, 1994, p. 504.

99

1980 “historiam como o sindicato passa a ser interlocutor dos demais setores da sociedade

influindo cada vez mais nas decisões”.197

A ampliação dos espaços de negociação coletiva seria perceptível principalmente

nos pólos mais desenvolvidos do sindicalismo, tais como o dos metalúrgicos do ABC.

Surgiram, portanto, novas relações de trabalho, caracterizadas pelos novos espaços de

negociação entre capital e trabalho. O próprio reconhecimento de comissões de fábrica,

por exemplo, apontava para um novo tipo de relacionamento entre capital e trabalho,

caracterizado, apesar disso, pelo antagonismo latente diante das estratégias do capital.

3.3. DÉCADAS DE 1990/2000

Na verdade, o surgimento de “novas relações de trabalho”198 foi resultado da

prática sindical classista de confronto, de massas, pois, na medida em que se desenvolvia

o processo de reestruturação produtiva era interesse do próprio capital criar um novo tipo

de relação de trabalho de caráter cooperativo, adequado às exigências das novas

tecnologias.

Neste sentido, Alves avalia que:

“(...) as “novas relações de trabalho” (...) por um lado, representava uma conquista operária, capaz de dar suporte à consciência de classe; por outro, representava uma nova estratégia do capital, ciente do poder integrador da negociação coletiva e da necessidade de uma classe operária participativa, tal como exigiam os novos paradigmas industriais vigentes no mundo capitalista desenvolvido”.199

A permanência vinculada aos trabalhadores assalariados e com carteira assinada,

que constitui um segmento minoritário da classe trabalhadora, aparece como um dos

elementos da crise de representatividade dos sindicatos nos anos 1990, em função dos

processos de terceirização e segmentação no interior das empresas.

Para Piolli:

197 BARELLI, W. Trabalhadores influenciam nas decisões. São Paulo em perspectiva, v. 4, n. 1, p. 6-12, jan.-mar, 1990, p. 12.

198 ALVES, 2000, op. cit., p. 123.199 Idem, p. 124.

100

“Os anos 1990 podem ser caracterizados pela crise do sindicalismo no Brasil. O mundo do trabalho organizado e estruturado, que lançou e deu condições para a construção do novo sindicalismo, iria ser alvo da ofensiva do capital, dando surgimento a um inovado mundo do trabalho precarizado”.200

A abertura econômica e as políticas neoliberais, iniciadas no governo Collor em

1990, bem como a estratégia de estabilização do Plano Real, lançaram o país numa

profunda crise recessiva. Essas políticas foram responsáveis pela eliminação de mais de 3

milhões de postos de trabalho ao longo da década de 1990.201 A abertura econômica

abrupta forçou as empresas a desenvolverem programas de reestruturação produtiva,

relacionados à introdução de novas tecnologias e métodos de gestão da mão-de-obra,

gerando novos desafios para o movimento sindical, que, de maneira geral, não se

encontrava preparado.

Segundo Alves, já sob a era neoliberal, ocorreu uma mudança qualitativa na

direção social-democrata do novo sindicalismo, passando de uma orientação de confronto

para uma orientação propositiva.202 É o que indica o desenvolvimento de um tipo de

“sindicalismo de resultados” no interior da CUT, mais disposto ao diálogo que ao

confronto com o capital. É a adoção de um neopragmatismo sindical, com a incorporação

do discurso da “concertação social”, que apenas representa uma estratégia política de

sobrevivência de parcelas organizadas da classe diante da ofensiva do capital na produção,

cujo exemplo é o sindicalismo dos metalúrgicos do ABC.

O sindicalismo brasileiro dos anos 1990 tende a não demonstrar a mesma

vitalidade política ou de adesão de massas da década anterior, apesar de o índice de greves

ainda ser significativo. De acordo com Noronha: “Nos primeiros anos desta década de

noventa, houve queda do número de greves, mas, ainda assim, elas se mantiveram em

patamares relativamente próximos aos da média do período mais recente, isto é, a partir de

1985”.203

200 PIOLLI, 2004, op. cit., p. 51.201 O agravamento dos principais indicadores relacionados ao emprego é evidenciado pelos dados da Pesquisa

de Emprego e Desemprego (PED), realizada pelo Dieese, Fundação Seade e parceiros estaduais em seis regiões metropolitanas do país. A taxa média de desemprego da Grande São Paulo passa de 14,2%, em 1994, para 18,3%, em 1998, atingindo 20,1% no mês de julho de 1999. Em 1998 a maior taxa foi a de 24,2% na Região Metrolpolitana de Salvador (Dieese, 2001 apud PIOLLI, 2004).

202 Segundo Alves (2000), desde o III Congresso da CUT, em 1988, eram visíveis os potenciais neocorporativos no seio do setor dirigente do “novo sindicalismo”.

203 NORONHA, 1992, op. cit., p. 331.

101

O autor explica que uma das principais causas desse decréscimo nos primeiros anos

dos anos 1990 foi, sem dúvida, a profunda recessão e o desemprego crescente decorrentes

do Plano Collor I, que desarmaram o movimento sindical. Mas não se deve esquecer da

hipótese de que, a série de práticas inovadoras, de caráter organizacional, na indústria

brasileira, que constitui um importante aspecto do novo complexo de reestruturação

produtiva, e a livre negociação de salários, com a concessão de abonos e antecipações

salariais, de acordo com o espírito do toyotismo, tenham colaborado sobremaneira com o

recuo das greves. É o que observamos, com maior clareza, após o Plano Real, em 1995,

sob o governo Fernando Henrique Cardoso, no período de crescimento da economia

brasileira, principalmente no setor industrial, tal como a indústria automobilística.

Como nos relata Leite, os sindicatos tiveram que enfrentar significativas perdas de

suas bases, processos de ajuste que, além de provocar mais desemprego, investiram de

maneira generalizada contra o poder sindical, contribuem para precarização do trabalho,

que vem acompanhando a tendência de desverticalização das empresas e de terceirização

dos setores de suas atividades produtivas, acrescido da desregulamentação do mercado de

trabalho, principalmente pelo processo de flexibilização dos contratos e informalização do

trabalho.204

Esse processo de fragmentação e segmentação teve forte impacto sobre as relações

de trabalho e sobre as organizações sindicais, numa correlação de forças totalmente

desfavorável para o “coletivo de trabalhadores”.205 Verifica-se uma redução da quantidade

de greves, queda nas taxas de sindicalização e uma maior fragilidade nas negociações que

apontam para um quadro bastante distinto daquele assistido ao longo da década de 1980.

Piolli ressalta, com muita precisão, que um dos sinais desse movimento pode ser

visualizado pelo resultado da Pesquisa Sindical do IBGE. Segundo a referida pesquisa206,

realizada entre 1991 e 2001, o número de sindicatos de trabalhadores aumentou 43%,

passando de 7.612 para 11.354. Entretanto, a taxa de sindicalização dos trabalhadores

nesse período diminuiu 5,2% em relação à População Economicamente Ativa. Chama a

atenção ainda o fato de apenas 29% do total de entidades ter hoje mais de 1.000 filiados.

204 LEITE, 1999, op. cit., p. 16.205 Idem, p. 25.206 IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Pesquisa sindical (2001). In: PIOLLI, E. Educação e

Sindicalismo: O Discurso Sindical no Contexto da Reestruturação Produtiva. Dissertação (Mestrado em Educação). Campinas, UNICAMP, 2004.

102

A explicação mais plausível pode ser dada pela grande fragmentação e dissolução ocorrida

em categorias tradicionais, provocada pelo processo de reestruturação produtiva que

combina processos de terceirização e precarização do trabalho, os quais resultam no

surgimento de novas categorias.

O autor acima referido também acredita que a capacidade de mobilização é afetada

pelo temor do desemprego, pois os trabalhadores adotam uma postura mais defensiva e

deixam de responder aos sindicatos, preferindo a preservação do emprego. Assim, acordos

pouco vantajosos são aceitos pelos trabalhadores, o que acaba incentivando o patronato

em suas investidas pela redução de benefícios e pela desregulamentação e precarização

das relações de emprego. Nesse sentido, com muita clareza, afirma Antunes que as

transformações que ocorreram no âmbito da produção afetaram diretamente o operariado

industrial tradicional, acarretando:

“(...) as “metamorfoses no ser do trabalho” ou a forma de ser da classe trabalhadora que aparece agora heterogênea, complexificada e fragmentada. A crise atinge também intensamente, como se evidencia, o universo da consciência, da subjetividade do trabalho, das suas formas de representação. Os sindicatos estão aturdidos e exercitando uma prática que raramente foi tão defensiva”.207

De acordo com Heloani, há também que se destacar as novas formas de

organização do trabalho, envolvendo a aplicação de novas relações de poder no espaço

fabril e agregando, às formas tradicionais de gestão, elementos do modelo japonês

(toyotismo).

Segundo o autor:

“Essas constituem formas híbridas de organização do trabalho, cujo propósito estratégico é o de criar uma identificação dos trabalhadores com os objetivos das empresas, seja pela participação destes como “tomadores de decisão” e formuladores do sistema de regras. Esses mecanismos de “gestão do inconsciente” se tornam mais agudos com o aumento da competitividade, que gera maior pressão (intensificação do trabalho) e dependência cada vez mais crescente do trabalhador à organização, o que afeta sobremaneira o coletivo dos trabalhadores e “inibe a maturidade política do trabalho”.208

207 ANTUNES, 1995, op. cit., p. 35.208 HELOANI, 2003, op. cit., p. 92.

103

Dessa forma, pode-se afirmar que os imperativos da reestruturação produtiva no

Brasil promoveram uma fragmentação do operariado e o isolamento político da classe

trabalhadora a partir da quebra da resistência nos locais de trabalho.

Antunes ressalta que a introdução de novas tecnologias deslanchou um processo de

desproletarização de contingentes operários, assim como as propostas de

desregulamentação, flexibilização, privatização acelerada e desindustrialização tiveram,

no neoliberalismo de Collor, um forte impulso. Essa nova realidade acuou ainda mais o

novo sindicalismo, hoje representado pela CUT, frente ao sindicalismo neoliberal,

sintonizado com a onda conservadora mundial, representada pela Força Sindical (criada

em 1991), que preenche o campo sindical da “nova direita”, da preservação da ordem e da

sintonia com o desenho do capital globalizado.209 Segundo o autor, isso fica evidenciado

diante do posicionamento dessa Central sobre questões como privatizações, flexibilização

dos contratos de trabalho, entre outros.

O conjunto de transformações ocorridas nos anos 1990 contribuiu para enfraquecer

o movimento sindical, quebrar sua unidade e abalar o sistema articulado de barganha

coletiva. As mudanças vivenciadas pelo sindicalismo brasileiro podem ser verificadas na

diminuição das greves e no seu conteúdo, em função da dificuldade de mobilização dos

trabalhadores, com forte impacto nas negociações coletivas.

O poder regulatório dos sindicatos, ao longo dos anos 1990, foi fortemente abalado

pelo conjunto de transformações que apresentou as seguintes tendências210:

1) redução da abrangência das convenções coletivas, com a estagnação ou

diminuição das cláusulas negociadas;

2) intransigência do empresariado no que se refere à democratização das condições

de trabalho. Dos temas tratados nas negociações esse é um dos que encontram maior

resistência para inclusão nos documentos do Sistema de Acompanhamento de

Contratações Coletivas do Dieese para o período 1993-96;

3) introdução de questões que visam a flexibilização do trabalho e imprimem às

negociações uma dinâmica de descentralização para o âmbito das empresas.

209 ANTUNES, 1995, op. cit., p. 152.210 DIEESE/IPROS, 2001. In: PIOLLI (2004), op. cit., 95.

104

O sindicalismo já não se mobiliza em torno das negociações de data-base, dos

reajustes de salário, das greves de categoria e das grandes questões nacionais com a

mesma intensidade da década anterior. De acordo com Leite, agora, assume uma postura

mais defensiva, pois “(...) as motivações dos grevistas durante a década de 1990 dão-se

crescentemente em função da defesa de direitos desrespeitados, enquanto decrescem as

paralisações decorrentes de reivindicações”.211

Mesmo com tais tendências o autor acredita que o movimento sindical vem

convivendo com novos temas e novas práticas, que ampliam e complexificam sua agenda

e sinalizam para uma renovação da vida sindical.

“Elas vão desde iniciativas voltadas à integração de desempregados e trabalhadores sem registro até a participação em novos canais de negociação que abrem juntamente com a construção de novas institucionalidades e que envolvem a discussão de temas relacionados não apenas às relações de trabalho, mas também às iniciativas de investimento público e privado e do modelo de desenvolvimento”.212

Pelo balanço das greves no Brasil, entre 1990 e 1997, elaborado pelo DIEESE213

(que trabalhou com médias de janeiro a novembro de todos os anos, desde 1990)

percebemos um recuo acentuado sob o novo complexo de reestruturação produtiva a partir

do governo Cardoso. A constituição de um novo e precário mundo do trabalho,

representado pelo desemprego estrutural e pela precarização de emprego e salários, e a

instauração de um toyotismo sistêmico, principalmente nas grandes empresas,

contribuíram para o refluxo significativo do movimento grevista.

Alves ressalta que, se o número de greves ainda se mantém elevado (em 1996, por

exemplo, foram cerca de 112), observa-se que por outro lado a queda do número de

grevistas demonstra que as mobilizações gerais envolvendo categorias de trabalhadores ou

todos os trabalhadores de uma grande empresa tendem a não ocorrer com maior

freqüência, o que significa que tendem a predominar as greves por empresa e, de certo

modo, a diminuir a greve em grandes empresas, onde é clara a presença do novo complexo

de reestruturação produtiva.214

211 LEITE, 1999, op. cit., p. 96.212 Idem.213 DIEESE/IPROS, 2001. In: PIOLLI (2004), op. cit., 95.214 ALVES, 2000, op. cit., p. 130.

105

É nesse contexto de ofensiva do capital na produção que a estratégia de ação

sindical, baseada no confronto, tende a ser repensada. Impõe-se, cada vez mais, a

necessidade, para os sindicalistas brasileiros vinculados à corrente majoritária da CUT –

de instaurar novos procedimentos de negociação com o capital, inclusive procurando

repensar o instrumento da greve, como ocorreu com os metalúrgicos, no Congresso de

1997.

Rodrigues ressalta a grande transformação político-ideológica do sindicalismo no

Brasil a partir da década de 1990. O autor destaca a mudança no padrão de ação sindical

da CUT, de um sindicalismo da confrontação à cooperação conflitiva, explicando-a como

uma conseqüência inevitável da democratização do país.215

Por outro lado, Boito Jr. salienta o que seria a passagem de um sindicalismo de

massa e de confronto para um sindicalismo neocorporativo de participação, apontando a

trajetória da Central Única dos Trabalhadores (CUT) como exemplo dessa mudança:

“(...) a CUT, desde o seu surgimento como movimento de massa em 1978, transitou de um sindicalismo que tendia à ação unificada de amplos setores das classes trabalhadoras contra a política de desenvolvimento pró-monopolista e pró-imperialista do Estado burguês brasileiro – ou, pelo menos, contra a política salarial que era um aspecto fundamental da política de desenvolvimento – para uma ação sindical na qual os diferentes setores das classes trabalhadoras isolam-se em suas reivindicações específicas, desenvolvem uma nova segmentação corporativa, e procuram reduzir as perdas de seu setor particular numa conjuntura de crise, mesmo quando a redução das perdas implica a aceitação ativa da política de desenvolvimento pró-monopolista e pró-imperialista”.216

Alves ressalta que o que permanece central em tais análises do complexo de

causalidades das mudanças e desenvolvimento do sindicalismo no Brasil é a ênfase nas

determinações político-ideológicas, em detrimento da análise estrutural do processo de

produção capitalista no Brasil, das transformações produtivas no complexo capitalista, de

raiz tecnológico-organizacional, decorrentes do novo padrão de “acumulação flexível”.217

Assim, a transição de um sindicalismo de massa e confronto para um sindicalismo

marcado pelo neo-corporativismo e participação, segundo Boito Jr. ocorre principalmente

como resultado de acontecimentos políticos, desprezando a contribuição decisiva de um

215 RODRIGUES, 1999, op. cit., p. 40.216 BOITO JR., 1999, op. cit., p. 23.217 ALVES, 2000, op. cit., 72.

106

novo mundo do trabalho, que surge com o complexo de reestruturação produtiva, para o

desenvolvimento das práticas sindicais neocorporativas no Brasil.

E o autor exemplifica:

“(...) a promulgação da Constituição de 1988 e a vitória da candidatura Fernando Collor de Mello, em 1989, seriam os acontecimentos políticos que incrementaram a tendência à segmentação corporativa, latente em setores importantes do sindicalismo da CUT. A partir do governo Collor, as tendências neocorporativas de participação/negociação passaram a prosperar no sindicalismo brasileiro, a começar pela crise de perspectiva política da CUT, decorrente da nova conjuntura político-ideológica no país: a política econômica recessiva, a crise do socialismo e a ofensiva ideológica do neoliberalismo, em escala internacional atingiram, em cheio, a organização e a luta sindical no Brasil”.218

Deve-se chamar a atenção, entretanto, para as novas práticas destacadas por

diversos autores, que traduzem, inclusive, este movimento como uma nova experiência de

governança e regulação. Alguns desses espaços institucionais, dos quais o movimento

sindical vem participando, tiveram seu início ao longo dos anos 1990, como parte das

políticas estratégicas governamentais para gestão de algumas políticas setoriais e,

principalmente, as políticas públicas. Como principais experiências, deve-se dar destaque

às câmaras setoriais, grupos de trabalho do Mercosul, Fundo de Amparo ao Trabalhador

(FAT), Conselho Curador do FGTS, BNDS, Finep, câmara regional do ABC e os diversos

espaços que emergiram em torno das políticas públicas em geral e, particularmente, às

políticas públicas de emprego (comissões municipais e estaduais de emprego).

Vale ressaltar que as práticas institucionais surgem num momento em que se

verifica a redução do poder de mobilização dos trabalhadores, em função dos processos de

reestruturação produtiva que afetam, como visto anteriormente neste texto, o conjunto das

organizações do movimento sindical e a sua identidade quanto ao papel que deve

desempenhar na sociedade. É preciso verificar em que medida, ao buscar a

representatividade na participação institucional, cujo propósito é o consenso, o movimento

sindical pode estar distanciando-se dos interesses de classe para gerir a crise do capital e

legitimar o conjunto de políticas neoliberais nocivas aos próprios trabalhadores e suas

organizações.

218 BOITO JR., 1999, op. cit., p. 34.

107

Cabe aqui uma análise, como alerta Antunes, pois, neste caso, os riscos do

distanciamento dos dirigentes e das organizações da base sindical, cuja sincronia fica na

dependência da qualidade da discussão dos temas dentro das entidades e para o risco de

que o movimento sindical venha trocar sua ação junto aos trabalhadores pela ação nos

fóruns institucionais. Ou seja, o autor chama de “processo de burocratização do

movimento sindical”219, já que há o distanciamento dos movimentos sociais autônomos e a

opção por uma alternativa de atuação cada vez mais integrada à institucionalidade.

Nesse sentido, Piolli ressalta que há que se considerar também outras óticas e

perspectivas de atuação para o enfrentamento da reestruturação do capital; e destaca as

seguintes: ruptura com o corporativismo, quebra das barreiras que separam os

trabalhadores estáveis dos trabalhadores parciais, temporários, precários e da economia

informal; desenvolvimento do sindicalismo horizontal capaz de integrar o conjunto da

classe trabalhadora, aglutinando trabalhadores estáveis e que trabalham em tempo parcial

terceirizados e que seja capaz de superar as dificuldades em incorporar ao movimento

mulheres, empregados de escritório, do setor de serviços mercantis e de pequenas

empresas em tempo parcial”.220

Para Boito Jr., ainda que o sindicalismo tenha também se organizado em centrais

sindicais221 nas duas últimas décadas, e apesar de alguns avanços importantes expressados

na Constituição de 1988, este não conseguiu superar completamente as limitações da

estrutura sindical burocrática vinculada ao Estado e aos interesses dos grupos dominantes.

Para o autor, a modernização, concorrência, privatização e abertura ao capital

estrangeiro atingiam o desenvolvimento do sindicalismo brasileiro apenas enquanto

valores e idéias, que se fortaleciam, “em detrimento das bandeiras e concepções operárias,

populares e antiimperialistas, como luta de classes, reformas distributivas, soberania

nacional e independência econômica”.222

219 ANTUNES, 1995, op. cit., p. 83.220 PIOLLI, 2004, op. cit., p. 56.221 CARDOSO chama atenção, ao abordar o quadro de crise do movimento sindical, sobre as fontes de

financiamento do movimento sindical (sindicatos e centrais) e diz: “estas últimas (as centrais) dependem da contribuição voluntária dos primeiros. Estes (os sindicatos), por sua vez, dependem em parte de contribuições compulsórias (imposto sindical) de sua base territorial, em parte de contribuições ‘voluntárias’ aprovadas em assembléia (...). O que importa é que todas as formas de financiamento estão em crise devido ao desemprego crescente, ao aumento do setor informal e às novas instituições criadas nas brechas do texto constitucional” (CARDOSO, 2003, op. cit., p.48).

222 BOITO JR., 1999, op. cit., p. 26.

108

Portanto, sob a ofensiva do capital na produção, o movimento sindical brasileiro é

levado não só a repensar sua linha de ação, mas, principalmente, a reconhecer, cada vez

mais, os próprios limites intrínsecos da prática sindical convencional sob a mundialização

do capital: as corporações transnacionais tornam-se cada vez mais ágeis e capazes de

desconstituir os obstáculos de resistência do sindicalismo organizado, seja através das

inovações organizacionais e tecnológicas, seja através da descentralização produtiva.

Já para Alves:

“Pode-se dizer que existe uma crise do sindicalismo no Brasil, cujo principal sintoma político-ideológico é, por um lado, o desenvolvimento do sindicalismo neocorporativista de participação e, por outro lado, a ineficácia estrutural das estratégias sindicais “obreiristas”, de confronto, intrínsecas ao sindicalismo de classe. Na verdade, a crise do sindicalismo no Brasil é, na atual situação, o resultado político-ideológico da crise do mundo do trabalho (de caráter estrutural e não apenas conjuntural), caracterizado pelo surgimento de um novo (e precário) mundo do trabalho”.223

Por outro lado, Rodrigues, a partir de uma perspectiva liberal, reconhece os

desafios postos pelo novo cenário do capitalismo global – no qual o Brasil está integrado

–, e afirma que:

“(...) as lideranças sindicais brasileiras deverão, se estivermos certos, preparar-se para atuar num cenário novo e instável que lhes coloca muitos desafios numa conjuntura econômica particularmente difícil. (...) a mesma flexibilidade que se impõe aos empresários ante os requisitos trazidos pelas novas tecnologias e mudanças gerais do mercado, impõe-se às lideranças sindicais”.224

3.4. O SINDICALISMO DO SETOR DE PETRÓLEO

Bicudo e Tenório afirmam que o movimento sindical no setor petrolífero é

amplamente complexo devido aos diversos sindicatos existentes que foram se

fragmentando à medida que o processo de terceirização e privatização de empresas de

petróleo se acentuou. De acordo com os autores, no Rio de Janeiro, o panorama geral do

sindicalismo nesse setor abrange, além da Federação Única dos Petroleiros – de base

nacional –, as seguintes entidades:

223 ALVES, 2000, op. cit., p. 124.224 RODRIGUES, 1999, op. cit., p. 40.

109

“(...) os sindicatos ligados ao Sistema Petrobrás – os Sindipetro (Sindicatos dos Petroleiros) – que estão desta forma divididos: Sindipetro-RJ – que representa os trabalhadores das várias Unidades do Sistema Petrobrás no Município do Rio de Janeiro; Sindipetro-Caxias – que representa os trabalhadores da REDUC – e o Sindipetro-Norte Fluminense (NF) – que representa os trabalhadores da Unidade de Exploração e Produção da Bacia de Campos”.225

Além desses, há os sindicatos que representam os petroleiros de ex-empresas

estatais de petróleo que foram privatizadas (Petroflex Ind. e Com. S. A., Nitriflex Ind. e

Com. e Polibrasil Resinas), entre eles, destaca-se o Sindicato da Indústria Petroquímica de

Caxias. E existem também os sindicatos que representam as categorias que trabalham

dentro das empresas petrolíferas, mas que não são considerados pela legislação, como os

pertencentes aos grupos ou classes de petroleiros, que são os trabalhadores terceirizados.

É o caso do Sindicato da Construção Civil, Sindicato dos Metalúrgicos e Sindicato de

Asseio e Conservação. Os demais sindicatos lutam para representar também os

terceirizados, mas esbarram na legislação, que define a representatividade por categoria.

De acordo com Bicudo e Tenório, há uma disputa de base entre os sindicatos

considerados “pelegos” e os que têm maioria controlada pela Central Única dos

Trabalhadores (CUT). A partir de 1990, ocorreu um movimento de ascensão das correntes

pró-cutistas, terminando com a hegemonia dos “pelegos” no Sindipetro-RJ. Isso ocorreu

concomitantemente com o declínio da força dos movimentos sindicais que tiveram o seu

ápice na década de 1980.

No entanto, o predomínio da CUT na direção dos sindicatos dos petroleiros já não

é uma realidade nos dias atuais. No Rio de Janeiro somente o Sindipetro-RJ e o

Sindipetro-Caxias são dirigidos pela CUT, em um universo de 20 entidades sindicais

ligadas aos trabalhadores petroleiros. Nesse sentido, afirmam os autores acima que:

“O movimento dos empregados em estatais que, na década de 1980, jogou importante papel na luta sindical e política, encontra-se hoje pulverizado e enfraquecido. Os petroleiros, assim como outras categorias profissionais, atores de memoráveis greves, foram vivendo sob pressão, diante de ameaças de privatização. O espírito de corpo presente nessas empresas, símbolo de unidade na luta, rompe-se com a constituição de uma rede perversa, a terceirização predatória”.226

225 BICUDO, V. R. e TENÓRIO, F. G. Terceirização na Petrobras – Modernização e Exclusão sob o Paradigma de Rede: Desafios para o Sindicalismo Petroleiro. (Mestrado em Administração Pública) Fundação Getulio Vargas, 2001, p. 9.

226 BICUDO e TENÓRIO, 2001, op. cit., p. 10.

110

No governo Fernando Henrique Cardoso, os petroleiros fizeram uma greve geral

em 1995, considerada pelos próprios sindicalistas como uma greve política, cujo objetivo

foi a luta pelo cumprimento dos acordos realizados, entre a categoria e o governo Itamar

Franco, assinados em 1994, e que envolviam basicamente a recomposição salarial dos

trabalhadores da Petrobrás. No entanto, no momento de se implementar os acordos

firmados o governo se negou a cumpri-los, levando à realização da greve.

Um dos principais desafios que os sindicatos dos petroleiros enfrentavam era

quanto à legitimidade de sua representação em relação a determinadas categorias de

trabalhadores dentro da Petrobrás e de suas subsidiárias, visto que nem todos podem ser

considerados petroleiros, apesar de algumas lideranças sindicais considerarem que,

independentemente do tipo de serviço prestado pelo trabalhador, ele deve ser considerado

petroleiro, em virtude de trabalhar dentro do espaço da empresa.

Segundo Siqueira Neto, de acordo com a legislação a representação deve se dar por

categoria, embora adote o princípio da pluralidade sindical.227 O autor citado destaca o

artigo 80 da Constituição do Brasil, Título II, dos direitos e garantias fundamentais,

Capítulo II, dos direitos sociais, que assegura a liberdade sindical, proibindo porém, a

criação de mais de uma organização sindical representativa de uma categoria profissional

e econômica, em qualquer grau, na mesma base territorial. A ambigüidade da legislação é

mais um recurso que as empresas contratadas utilizam para questionar a legitimidade da

atuação dos sindicatos dos petroleiros junto a categorias de trabalhadores das áreas de

alimentação, transporte e terceirizados que atuam no setor de construção, mesmo que os

próprios trabalhadores optem pela representação dos sindicatos petroleiros.

Esta questão nos remete a uma das principais conseqüências do processo de

terceirização sobre o movimento sindical: a fragmentação dos trabalhadores e da

representatividade sindical. A grande discussão é que os trabalhadores terceirizados são

concebidos como uma categoria diferente da dos petroleiros e, por isso, a legislação não

confere legitimidade à representação dos terceirizados pelos Sindipetros. Esse problema vem

ocasionando divergências entre os sindicatos que se propõem a representar os contratados,

levando a uma competição pelo direito de representar as categorias de terceirizados.

227 SIQUEIRA NETO, 1999, apud BICUDO e TENÓRIO, 2001, op. cit., p. 10.

111

Santana relata que a disputa entre sindicatos, com constantes acusações de

“peleguismo”, remete à própria origem do chamado “novo sindicalismo”. Este último, como

visto anteriormente, surgiu no final dos anos 1970, propugnando práticas mais combativas e

mais radicais de ação, visando romper com as posições então correntes no sindicalismo

nacional, mais especificamente nos período entre 1945 e 1964. Segundo o autor:

“As principais características do novo sindicalismo, segundo o autor, referem-se a uma aproximação maior às bases, ao ataque ao imposto compulsório e a uma preocupação em participar ativamente dos arranjos políticos mais amplos, ao contrário do chamado “velho sindicalismo”, que se voltava mais para a reivindicação dos interesses mais imediatos da classe trabalhadora”.228

O autor ainda revela que o “velho sindicalismo” era visto, pelos que se propunham

a construir uma nova ação sindical, como responsável pelo atrelamento do movimento dos

trabalhadores aos liames da estrutura sindical corporativa, tornando-o mero apêndice do

jogo de dominação das elites. Em virtude disso, o “novo sindicalismo” posicionava-se

contra setores os quais classificava como “reformistas” e/ou “pelegos”, que através do

sindicalismo de “colaboração de classes”, impediam o desenvolvimento da luta dos

trabalhadores em busca de suas reivindicações.

No que diz respeito ao combate ao imposto/contribuição sindical, Rodrigues

afirma que, no período pré-64, era comum o fato de uma corrente assumir posição

contrária ao pagamento compulsório do imposto, quando era uma corrente minoritária,

mudando o discurso assim que se tornasse “situação” dentro do sindicato.

O autor, contudo, afirma que:

“(...) o “novo sindicalismo” não fugiu a essa regra, mesmo tendo incorporado um discurso radical contrário ao imposto que, segundo ele, significava um atrelamento ao Estado e à sustentação dos “pelegos”. Assim, os novos atores, à medida que conquistavam posições de comando dentro do sindicato acabavam adotando um menor radicalismo quanto à questão, reconhecendo as dificuldades da extinção do imposto compulsório”.229

Bicudo e Tenório, relatam que, quanto à questão das dificuldades de ação por parte

dos sindicatos representantes dos petroleiros, há que se destacar as diferenças existentes

228 SANTANA, M. A. Entre a ruptura e a continuidade: visões da história do movimento sindical brasileiro. In: XXII Encontro Anual da Anpocs. GT: Trabalhadores, sindicalismo e Política. Caxambu, 1998, p. 55.

229 RODRIGUES, J. A. Sindicato e Desenvolvimento no Brasil. São Paulo: Editora Difel, 1968, p. 35.

112

entre os efetivos e os terceirizados.230 Os sindicatos dos petroleiros vêm encontrando uma

grande barreira ao se aproximar dos contratados, principalmente porque os sindicatos são

vistos como representantes unicamente dos petroleiros, e os trabalhadores terceirizados

não se consideram petroleiros, por causa das enormes diferenças de direitos e de

condições de trabalho que os separam dos efetivos.

Os autores revelam em seu estudo que vários fatores, tais como: medo de perder o

emprego ou de entrar para a chamada “lista negra”, também têm colaborado para afastar

os trabalhadores terceirizados das ações dos sindicatos. Como os seus empregos são

precários e instáveis, o envolvimento em ações sindicais tem levado muitos contratados a

perderem seus postos de trabalho. A preocupação em preservar o emprego faz com que

muitos trabalhadores terceirizados adotem uma atitude passiva diante das condições de

trabalho e da falta dos principais direitos trabalhistas, pois têm consciência das

dificuldades que terão para encontrar uma nova colocação no mercado de trabalho.

Segundo Leite, o medo que os trabalhadores, de uma forma geral, têm de se

envolver em atividades sindicais mostra que a estratégia das empresas, preocupadas em

acompanhar o processo de modernização, tem surtido efeito. Parte dessa estratégia refere-

se a um projeto de incorporação individual, no qual não há lugar para qualquer forma de

representação dos trabalhadores enquanto categoria política e social.231

Nesse processo, a incorporação individual é vista como uma forma de afastar os

trabalhadores dos sindicatos, encarando-os como totalmente indesejáveis e desnecessários.

O autor alerta, afirmando que “pode-se dizer que a necessidade de manter o emprego leva

muitos terceirizados a uma posição de passividade diante da exploração a que são

submetidos, dificultando a atuação do sindicato”.232

Além de todas as dificuldades supracitadas, a terceirização estaria contribuindo

para fragmentar o impacto da ação sindical junto aos trabalhadores petroleiros –

terceirizados e efetivos. No caso de uma greve, por exemplo, os sindicatos conseguem

parar as atividades de operação, ainda exercidas por efetivos, mas não conseguem parar o

setor de manutenção, pela predominância de trabalhadores terceirizados.

230 BICUDO e TENÓRIO, 2001, op. cit., p. 35.231 LEITE, 1999, op. cit., p. 72.232 Idem.

113

CAPÍTULO IV

A RESISTÊNCIA OPERÁRIA AO NEOLIBERALISMO DO

SINDIPETRO-CAXIAS/ PETROLEIROS DO BRASIL - A

EXPERIÊNCIA DA GREVE DE 1995

4.1. A ORGANIZAÇÃO SINDICAL

A história e a luta dos trabalhadores petroleiros no Brasil se confunde com a

própria história política, econômica e social do povo brasileiro no século XX. Pela nossa

literatura é fácil perceber uma estreita ligação das greves e movimentações dos petroleiros

com a vida política do Brasil. Qualquer movimentação no cenário político brasileiro

repercute, em certa medida, na categoria petroleira e tem repercussão no tocante às suas

mobilizações. Segundo Romão, a maioria dessas lutas possui um “forte viés

autonomizador, visando à conquista da ‘fala’; contribuem para romper a heteronomia

imposta, desde sempre, pelo Estado do capital aos trabalhadores brasileiros”233, pois é

forte a capacidade que têm essas lutas em transbordar os seus efeitos para o conjunto da

classe trabalhadora no Brasil.

Vale ressaltar que os petroleiros no Brasil trabalham, praticamente todos, em uma

única empresa, a Petrobrás234; portanto, a história desses trabalhadores e de suas

organizações está ligada diretamente aos movimentos, pressões e desafios que são postos

a essa companhia.

A Petrobrás nasceu a partir de uma grande disputa política travada na sociedade

brasileira entre os setores que defendiam a continuidade da nossa dependência, em relação

233 ROMÃO, 2006, op. cit., p. 179.234 Há apenas duas refinarias privadas: Manguinhos no Rio de Janeiro e Ypiranga no Rio Grande do Sul.

114

ao capital internacional, no tocante aos projetos de infra-estrutura, e os nacionalistas, que

propugnavam soluções especialmente brasileiras.235

Para Yergin, essa polêmica mostrou forte relação com o movimento que acontecia

internacionalmente de nacionalização ou criação de empresas estatais de petróleo.236 O

processo pelo qual o Estado assume o comando do setor de petróleo no Brasil se inicia nos

anos 1930, com a criação, em 1934, do Departamento Nacional de Pesquisa Mineral. Em

1938 é criado o Conselho Nacional do Petróleo, onde a disputa estava muito sujeita a

acordos e barganhas políticos.

A partir de 1947, as discussões entre os que defendiam a presença do capital

estrangeiro e aqueles que preferiam o monopólio estatal, evoluíram para a criação do

Centro de Estudos de Defesa do Petróleo e da Economia Nacional (CEDPEN), com a

presença de intelectuais, estudantes e militares. Com o lema “O Petróleo é Nosso”, a

campanha pelo monopólio ganhou as ruas do país, impulsionada, fortemente, pela

presença da União Nacional dos Estudantes (UNE).

Araújo relata que a campanha do petróleo foi marcada por inúmeras manifestações

de massa, com passeatas e atos públicos Brasil afora, com debates nas escolas e ambientes

acadêmicos, mobilizando a nação237. Em 3 de outubro de 1953, o presidente Getúlio

Vargas sancionou a Lei 2.004, que instituiu o monopólio estatal do Petróleo e criou, para

executá-lo, a Petrobrás.

De acordo com os autores, o processo político envolvendo ampla participação

popular que culminou na criação da Petrobrás marcou, de forma definitiva, a empresa e

seus empregados.

“Por sua forma de criação, assume o caráter mitológico como patrimônio de todo o povo brasileiro. Daí para frente todo e qualquer óbice ao seu bom desempenho será lido pelas lideranças sindicais como ação dos seus inimigos a serviço do capital internacional. Os ataques a essa empresa serão vistos, de forma mais profunda, não apenas como agressão a mais uma empresa estatal, mas entendidos e trabalhados pelos sindicatos como uma agressão ao projeto de nação”.238

235 Segundo Romão (2006), o segundo grupo se subdividia entre os que defendiam a constituição da empresa com capital privado nacional e outro grupo que defendia o monopólio estatal.

236 YERGIN, D. O petróleo: uma história de ganância, dinheiro e poder. São Paulo: Scritta, 1992.237 ARAUJO, G. B. de. O movimento operário baiano nos anos 80: primeiras considerações. In: CASTRO, N.

A. (org.). Relações de trabalho e práticas sindicais na Bahia. Salvador: CED/UFBA, 1995, p. 210.238 Idem.

115

Pode-se compreender melhor tal sentimento ao estudar o relato de Oliveira:

“Durante toda a vigência do período populista, os trabalhadores das estatais, e principalmente da Petrobrás, jamais farão greves contra empresa: quando entram em greve, é para “defender as conquistas nacionais” e, sobretudo, a Petrobrás mesma, contra o imperialismo. Suas greves serão antes de tudo de caráter político: de apoio ao regime populista, contra o Fundo Monetário Internacional, de apoio a outras categorias de trabalhadores, contra a direita”.239

Tais valores sociais são fundamentais para entender a reação deles nas greves de

1994/1995. Em função da cultura incentivada ao longo de anos, o fato de acordos

assinados pelo governo do país e da empresa não serem cumpridos era algo que os

petroleiros não aceitavam. Segundo Romão, da mesma forma, as decisões dos tribunais

sempre tiveram um peso muito grande para a categoria, dificultando inclusive a

continuidade das greves, após os julgamentos negativos do TST.240 No caso das greves de

1994 e 1995, o significado era o inverso, os petroleiros se sentiam no direito de exigir o

cumprimento do acordo; para eles, quem descumpria, quem faltava com a palavra, quem

não queria se submeter às normas eram o governo e a empresa.

Como visto, são muito fortes os paralelos entre a vida política brasileira e as lutas

dos petroleiros. Do período que marca a criação da Petrobrás até 1964, os petroleiros

organizam suas entidades de classe e conquistam vitórias importantes. De 1960 até 1963,

ou seja, em apenas três anos, são criados mais oito sindicatos de petróleo241, que somados

aos outros quatro242 já existentes, totalizavam 12. No início dos anos 1960, portanto, a

maioria dos sindicatos de petróleo já havia sido criada. Nesse período, os petroleiros

conseguiram influenciar na indicação de presidentes e superintendentes da Petrobrás, além

de obterem importantes vitórias nas questões relacionadas a salários e condições de

trabalho.243

239 OLIVEIRA, 2003, op. cit., p. 84.240 ROMÃO, 2006, op. cit., p. 174.241 Sindipetro-SE/Al e Sindipetro-Mauá, em 1960; Sindipetro-AM, em 1961; Sindipetro-Caxias e STIEP-

PA/AM/MA, em 1962; Sindipetro-RS, Sindipetro-MG e Sindipetro-PR, em 1963, respectivamente.242 STIEP-BA, em 1957; Sindipetro-Cubatão, em 1958; Sindipetro-BA e Sindipetro-RJ, em 1959.243 De acordo com OLIVEIRA (2003, p. 91), em 1959 conquistam a obrigatoriedade do concurso público para

admissão na Petrobrás; conquistam, através de greve em 1960, a equiparação salarial pelos salários mais altos, que eram os de Cubatão. O processo de equiparação entre os estados é concluído em 1963; a Bahia e Cubatão conquistam através de greve turno de seis horas; em 1962, a Bahia vai preferir continuar trabalhando 8 horas.

116

Com a renúncia do Presidente da República Jânio Quadros, em 1961, o Sindipetro-

BA fez greve de dois dias pela legalidade e lançou nota pública, com o mesmo objetivo,

em conjunto com o STIEP-BA e o Sindipetro Cubatão244. No ano seguinte, em 1962, os

petroleiros fizeram greve junto com outras categorias, exigindo a nomeação de um

“Gabinete Democrático Nacionalista”.245 Nessa greve houve paralisação na Bahia,

Cubatão, REDUC, Refinaria de Manguinhos, terminal da Guanabara, escritório no Rio de

Janeiro e Belém.

Em 1964 os petroleiros participaram da tentativa da CGT em resistir ao golpe

militar. Os petroleiros, na Bahia, fizeram greve até o dia 4 de março. A maioria dos

sindicatos de petróleo sofreu intervenção, tendo muitos dos seus diretores cassados, presos

e torturados. Com as cassações, perseguições, torturas e fechamento de sindicatos, o

movimento sindical petroleiro, assim como o conjunto da classe trabalhadora no Brasil, é

tirado de cena, perde por completo o direito à “fala”.246

À medida que os trabalhadores brasileiros voltavam a se organizar, lutando contra

a superexploração do trabalho e exigindo o fim da ditadura, os petroleiros fazem o mesmo.

Em 1977, o Sindipetro de Paulínia e do Rio Grande do Sul elaboram um abaixo-assinado

contra a manipulação dos índices de inflação. Em Cubatão os petroleiros também retomam

seus movimentos. Por diversas vezes, nesses anos, os petroleiros de Paulínia fazem

arrecadação para o fundo de greve dos metalúrgicos do ABC.

Oliveira lembra que é importante destacar o papel dos petroleiros no processo de

redemocratização que viveu o país com o fim da ditadura, pois teve na sua luta um grande

aliado. Em todos os grandes eventos políticos dessa fase a categoria se fez presente,

ajudando a reconstruir o movimento sindical a partir das práticas do Novo Sindicalismo,

com suas ações políticas e de solidariedade. As estruturas dos sindicatos de petróleo

serviram para ajudar diversas outras entidades que nasciam.247

4.2. AS GREVES DOS PETROLEIROS

244 ROMÃO, 2006, op. cit., p. 174.245 ROMÃO, 2006, op. cit., p. 184.246 Idem.247 OLIVEIRA, 2003, op. cit., p. 28.

117

Desde o início de suas organizações os petroleiros lutam contra a superexploração

do trabalho e por melhores condições, associando, na maioria das vezes, as lutas

econômicas com as políticas. Segundo Romão, “são bastante diversificadas e criativas as

formas encontradas pelos petroleiros ao longo dos anos para protestar”: passeatas públicas

e no interior das unidades, tarjas pretas, inchaço no interior das unidades, crachás

invertidos, abaixo-assinados, distribuição de notas públicas, campanhas de mídia e os

diversos tipos de greve. As greves de fome foram um instrumento muito utilizado pela

categoria nas suas primeiras mobilizações e durante a ditadura militar.248

Castro relata que a primeira greve da categoria ocorreu na Bahia, em 1960. Essa

greve vitoriosa foi puxada pelo Sindipetro-BA e durou 3 dias. Ficou conhecida por sua

palavra de ordem: “Equipara ou Aqui Pára”.249 As reivindicações eram: equiparação com

Cubatão e melhores alojamentos. Pela primeira vez, então, o exército foi convocado para

reprimir os trabalhadores na Petrobrás. No ano seguinte, mais uma vez, os petroleiros da

Bahia inovaram, ao realizarem a primeira greve eminentemente política da categoria.

Após a renúncia de Jânio Quadros (em 1961), os petroleiros em conjunto com outras

categorias fizeram greve “pela legalidade”. Ainda no mesmo ano, a RPBC (Refinaria

Presidente Bernardes) entra em greve pelo turno de seis horas e os petroleiros de

Manguinhos e da REDUC organizam mobilizações exigindo melhores condições de

trabalho.

Segundo a autora, entre os anos de 1960 e 1964, diversos enfrentamentos

ocorreram, ora por questões específicas da categoria, ora por questões políticas.250 Com o

golpe militar e as conseqüentes intervenções nos sindicatos, o ímpeto grevista dos anos

1960 se reduz. A única tentativa de greve que ocorreu depois do golpe foi em setembro de

1968, quando os petroleiros baianos tentaram entrar em greve, sendo duramente

reprimidos. Do golpe em 1964 até o ano de 1983 os petroleiros usaram a greve de fome e

outras táticas como forma de protesto.

248 Durante a greve de fome os trabalhadores recusam a comida da empresa. Em 1967, greve de fome no RS; 1968, greve de fome na RLAM; 1978, greve de fome na REPLAN; 1980, greve de fome na REPLAN; 1981, greve de fome na RLAM e REPLAN durou quatro dias; 1982, greve de fome na REPLAN, REPAR, RPBC, RECAP. (Ver Romão, 2006).

249 CASTRO, N. A. et. al. Repensando uma década: a construção da CUT na Bahia nos anos oitenta. Salvador: UFBA/CEPAS/CEAS, 1994, p. 77.

250 Idem, p. 78.

118

Como visto anteriormente, em 1983, os petroleiros da RLAM (Refinaria Landulfo

Alves) e REPLAN (Refinaria de Paulínia) realizaram a greve contra o “Decreto das

Estatais”. É importante ressaltar que essa greve passará para a história por sua influência

na retomada das lutas do movimento sindical que se encontrava em refluxo desde 1981.

Toda a mobilização que ocorreu por conta da greve, bem como seus resultados, serviram

para despertar e/ou apressar a necessidade de ações maiores do ponto de vista da classe

trabalhadora. O resultado foi a realização da Greve Geral, que ocorre nesse mesmo mês de

julho, puxada pela CUT.

“Logo em seguida à nossa greve, ocorreu a greve geral. Depois da greve de 1983, a discussão passou a ser a necessidade de parar tudo, estava claro que paralisações isoladas não adiantariam, foi nossa greve que deu o pontapé para a largada”.251

Para Brant, diversas lideranças do movimento sindical já se faziam presentes,

principalmente aquelas ligadas à Comissão Nacional pró-CUT (organização que precedeu

a criação da Central Única dos Trabalhadores), que congregava as várias correntes do

sindicalismo brasileiro.252

Conforme relata Romão, ao passo que avançava o processo de unidade da

categoria, cresciam concomitantemente as greves, em número e coesão. A inovação das

táticas e do trabalho sindical advindas do Novo Sindicalismo, serviram para criar uma

unidade na categoria petroleira. Em 1987, a decisão da categoria em permanecer em

vigília no interior das unidades levou o exército a ocupar nove refinarias e seis outras

áreas.253 Em função da presença das forças armadas a mobilização foi suspensa. Entre os

anos de 1987 e 1995, à exceção de 1992, ocorreram greves todos os anos.

A história recente do país mostra que desde o final dos anos 1980 a categoria tem

dado prova de grande organização e unidade. Apesar da diversidade de pensamento

político de esquerda que existe na direção do movimento petroleiro, as forças políticas

têm sabido conviver e fazer crescer a luta a partir da pluralidade. O fato de a direção da

251 Germínio, Diretor do Sindipetro-BA, Entrevista In: Romão, 2006, op. cit., p. 193.252 BRANT, V. C. (coord.). Paulínia: petróleo e política. São Paulo: Sindipetro Campinas-Paulínea; CEBRAP,

1990.253 De 1960 até 1995 o exército e a polícia ocuparam por 6 vezes as instalações da Petrobrás: em 1960,

RLAM; 1963, REDUC; 1964, várias refinarias; 1983, RLAM, REPLAN, e REVAP; 1987, nove refinarias e seis áreas da Petrobrás; 1995, 4 refinarias (Ver Romão, 2006).

119

Federação Única dos Petroleiros (FUP) ser escolhida a partir da proporcionalidade

qualificada é prova dessa afirmação.

120

4.3. A GREVE DOS PETROLEIROS EM 1995

A greve deflagrada pelos trabalhadores da PETROBRAS S. A em 1995 é um

marco no confronto ao projeto neoliberal e o desejo de privatizar esta empresa. Para

Neves, a greve dos petroleiros entre maio e junho de 1995 é “uma greve paradigmática do

debate público sobre a economia e dos dilemas do movimento sindical brasileiro durante

os anos 1990”.254 Durante 31 dias, os trabalhadores da Petrobrás realizaram uma greve que

ameaçava paralisar completamente o país. As cadeias nacionais de televisão e todos os

jornais mostravam diariamente as imensas filas diante dos postos de revenda de botijões

de gás e dos postos de gasolina. Os industriais, de seu lado, sublinhavam, diante dos

microfones e gravadores da imprensa, os riscos que a greve trazia para a economia do

país; já os representantes do governo acusavam os petroleiros de manter todo um país

refém de seus interesses corporativistas.

De todo modo, a greve dos petroleiros de 1995 não pode ser compreendida a não

ser situando-a na conjuntura política e social da época. Os sindicatos dos trabalhadores do

petróleo haviam conseguido realizar – sob a influência da CUT (Central Única dos

Trabalhadores), braço sindical da esquerda brasileira – importantes movimentos grevistas

durante os anos 1980, tornando-se assim um dos segmentos operários mais importantes do

país, tanto em termos de repercussões políticas como econômicas. No início dos anos

1990, com a adoção de políticas liberais pelo governo Collor de Mello, inicia-se um

momento de grande tensão entre os sindicatos e a direção da Petrobrás e o governo

federal.

A queda de Collor em 1992, acompanhada da ascensão do seu vice, Itamar Franco,

teve como conseqüência o abrandamento dos conflitos trabalhistas dos petroleiros, em

consonância com igual tendência a nível nacional. Entretanto, com a aproximação das

eleições presidenciais de 1994 e com o agravamento da crise econômica – cujo principal

indício era o descontrole inflacionário255 –, o governo Itamar Franco tornou-se um dos

alvos principais da oposição de esquerda. Ainda mais que o candidato das esquerdas, o

sindicalista Lula – líder das greves dos metalúrgicos do final dos anos 1970, que tornara-

254 NEVES, P. S. C. O sindicalismo na indústria petrolífera no Brasil: tendências recentes. Scripta Nova, Revista Electrónica de Geografía y Ciencias Sociales, Universidad de Barcelona, vol. VI, nº 119 (101), 2002. Disponível em: http://www.ub.es/geocrit/sn/sn119101.htm, acesso em: 15/06/2008.

255 A inflação em 1993 atingiu a impressionante marca de 2.489 % ao ano.

121

se figura emblemática da luta pelo retorno à democracia no país –, aparecia em todas as

pesquisas de opinião como favorito na corrida à Presidência da República.256

Neste contexto, quando do lançamento do Plano Real257, os sindicalistas ligados à

CUT, inclusive os petroleiros, tentaram realizar uma Greve Geral entre os dias 5 e 6 de

julho de 1994. Apesar da pouca repercussão dessa estratégia, ela permitiu aos

trabalhadores do petróleo a retomada de seus preparativos de mobilização para a

negociação coletiva que se daria em setembro do mesmo ano.

De acordo com Bicudo e Tenório, nestas negociações, frente ao desacordo entre a

Petrobrás e os sindicatos, a Justiça do Trabalho determinou que a empresa deveria dar um

reajuste salarial de 13,74%, o que distava em muito aos 108% pedidos pelos

trabalhadores. Face ao impasse, os trabalhadores do petróleo realizaram, a partir de 27 de

setembro, uma greve nacional com duração de 10 dias.258 Esta greve chegou ao fim graças

a um acordo, intermediado pela presidência da CUT, entre os sindicalistas e o próprio

Presidente da República, Itamar Franco, onde o governo garantia a reabertura das

negociações com a Petrobrás em troca da suspensão da greve pelos sindicatos.

Segundo os autores, logo em seguida, representantes da empresa estatal e dos

sindicatos assinaram um acordo na presença do Ministro das Minas e Energias,

concedendo uma anistia aos sindicalistas demitidos em outras greves, a garantia de

emprego durante um ano e a aplicação de um plano de cargos e salários que, na prática,

significaria um aumento salarial. Entretanto, em razão da repercussão negativa deste

acordo na imprensa, a empresa voltou atrás e recusou-se a aplicar as cláusulas

acordadas.259

Isto levou os trabalhadores a uma nova greve em 23 de novembro de 1994. Após

sete dias de greve nacional e de intensa mobilização de parlamentares e do presidente da

CUT junto ao presidente da República, os trabalhadores e a empresa assinaram um novo

acordo, concedendo um aumento salarial escalonado entre 10 e 12% acima do índice dado

pelo TST e a readmissão dos sindicalistas demitidos.

256 NEVES, 2002, op. cit., p. 77.257 Plano de estabilização econômica inspirado no plano de estabilidade argentino e tinha como mote a paridade

entre a moeda nacional (o Real) e o dólar.258 BICUDO e TENÓRIO, 2001, op. cit., p. 15.259 Idem, p. 16.

122

Contudo, este acordo, firmado no final do governo Itamar Franco (dezembro de

1994), não foi respeitado pelo novo governo, que tomou posse em janeiro de 1995. De

fato, no programa de estabilização da economia adotado pelo governo Fernando Henrique

Cardoso, o controle dos salários dos empregados das empresas estatais – como estratégia

de redução do déficit público –, era um ponto importante. Assim, aproveitando-se das

fragilidades legais dos acordos assinados anteriormente entre a Petrobrás e os seus

empregados, o governo se recusou a reconhecer a validade dos mesmos.

Além disso, nos primeiros meses de seu governo, o presidente enviou ao

Congresso Nacional vários projetos de leis reformando a Constituição. Dentre estes

projetos, o do fim dos monopólios de estado, inclusive o do petróleo, era essencial para a

aplicação da política de privatização prevista no programa do Presidente.260

É neste contexto que a greve dos petroleiros tem início em maio de 1995. De

início, essa greve deveria ser o primeiro passo de um movimento que desembocaria em

uma greve geral dos trabalhadores do setor público contra as reformas constitucionais e

contra as privatizações anunciadas pelo governo.

Romão relata que a greve começou com muito espaço na mídia, foi notícia em

praticamente todos os jornais de grande circulação, onde se veiculava ser um movimento

dirigido pela CUT e por alguns sindicatos e federações filiadas a essa central. Em

documento protocolado no dia 27/04/1995 na Presidência da República, a CUT, e demais

entidades, explicitam suas reivindicações261:

a) faz inicialmente uma avaliação negativa das relações entre o governo e os

trabalhadores do setor público, pela não-existência de espaço de discussão e pelo

descumprimento dos acordos salariais;

b) reivindica reajuste mensal pelo Índice do Custo de Vida (ICV) do Dieese, em

função da perspectiva de inflação provocada pelas dificuldades vividas pelo Plano Real;

c) critica o tratamento especial dedicado ao grande capital, os juros altos, a

deterioração dos serviços públicos e pede a reintegração dos demitidos do Plano Collor;

d) denuncia a proposta de substitutivo da Lei de Diretrizes e Bases do Senador

Darcy Ribeiro;

260 NEVES, 2002, op. cit., p. 81.261 ROMÃO, 2006, op. cit., p. 156.

123

e) por fim, baseando-se na crise Mexicana, contrapõe-se ao modelo econômico que

se fazia implantar, acusando-o de ser gestado pelo Consenso de Washington.262

O documento é concluído com os seguintes termos: “estamos completamente

integrados à campanha da CUT em defesa dos direitos dos trabalhadores e da cidadania e

contra as reformas pretendidas pelo governo”. Em seguida, expõem de forma objetiva, em

seis pontos, as reivindicações de caráter geral da CUT e das demais entidades. Na pauta de

reivindicação havia questões gerais e específicas por categoria. Os petroleiros apresentaram

uma pauta específica com sete itens:

“1 – Cumprimento do Protocolo assinado em 25/11/94 (item 3): “Amparada na cláusula 105 da Sentença Normativa do Processo TST DC-131.024/94.0, a Petrobrás adequará a atual relação de interníveis, no prazo de 20 dias, visando a promover eventuais ajustes”. O prazo se expirou em 15/12, o pagamento deve ser retroativo a setembro de 1994.

2 – Reposição das perdas salariais pelo ICV-Dieese (estimativa de set/94 a abril/95) – 23,63%.

3 – Reintegração dos companheiros demitidos por participação em movimentos reivindicatórios.

4 – Cumprimento da Lei de Anistia aos companheiros demitidos durante o governo Collor, com a readmissão imediata.

5 – Efetivos mínimos, com uma política de contratações antecipadas, através de concursos públicos.

6 – Pagamentos dos passivos trabalhistas.

7 – Suspensão imediata da implantação do GDP, das flexibilizações de normas e multifunções (Jornal Primeira Mão, de 26.04.95)”.263

Além dos petroleiros, eletricitários, telefônicos, previdenciários, servidores

técnicos administrativos das Universidades Federais e da saúde que, comandados pela

CUT, iniciaram a greve no dia 3 de maio, havia outras categorias importantes em processo

de mobilização ou com greves já instaladas.

262 Consenso de Washington é um conjunto de medidas - que se compõe de dez regras básicas - formulado em novembro de 1989 por economistas de instituições financeiras baseadas em Washington, como o FMI, o Banco Mundial e o Departamento do Tesouro dos Estados Unidos, fundamentadas num texto do economista John Williamson, do International Institute for Economy, e que se tornou a política oficial do Fundo Monetário Internacional em 1990, quando passou a ser "receitado" para promover o "ajustamento macroeconômico" dos países em desenvolvimento que passavam por dificuldades. As dez regras básicas eram: (1) Disciplina fiscal; (2) Redução dos gastos públicos; (3) Reforma tributária; (4) Juros de mercado; (5) Câmbio de mercado; (6) Abertura comercial; (7) Investimento estrangeiro direto, com eliminação de restrições; (8) Privatização das estatais; (9) Desregulamentação (afrouxamento das leis econômicas e trabalhistas); e (10) Direito à propriedade intelectual.

263 O Primeira Mão é o Jornal da Federação Única dos Petroleiros (FUP), Disponível em: www.fup.org.br/. Acessos diversos entre: 2007/2008.

124

De acordo com Souza, a greve na Infraero com os aeroportuários começou dia 2 de

maio, e reivindicavam o cumprimento do acordo assinado pela Infraero em agosto de

1994, retroativo a maio, que previa reajuste mensal do vale-refeição, os aeroportuários

pararam em São Paulo e permaneceram trabalhando no Rio de Janeiro. Os metroviários de

São Paulo, categoria que também estava em campanha salarial, reivindicavam 70,43% de

reajuste e mais 15% de aumento real, o Metrô oferecia 29,55%.264

Além dessas categorias, havia outras que já estavam em processo de paralisação

anterior, a exemplo dos marítimos em greve desde o dia 15 de abril, os servidores da

saúde estadual de São Paulo, categoria com 78.000 na base, parados desde o dia 9 de abril,

reivindicando reajuste linear de 30% e rejeitando o reajuste diferenciado que foi dado e os

servidores da Universidade Estadual do Rio de Janeiro, também paralisados.

Romão relembra que nos boletins divulgados na época, os descumprimentos dos

acordos assinados efetivaram-se não por falta de condição da empresa, mas em função da

política de governo “visando à privatização e o sucateamento do serviço público e das

estatais”.265 Logo, a greve do dia 3 adquire também o caráter de “defesa do patrimônio

público e da soberania nacional”, permanentemente em risco com a continuidade do

processo de reformas caracterizado por um perfil neoliberal.266

A greve dos petroleiros, em 1995, está incluída dentro de uma luta mais ampla, os

boletins realçam o movimento grevista como ocorrendo em unidade com outros

trabalhadores de estatais e do serviço público federal. No primeiro dia de greve a adesão

entre os petroleiros foi muito abrangente, ficando de fora apenas a refinaria de Capuava

(RECAP), em Mauá-SP e a base de Pernambuco, que realizou assembléia no mesmo dia.

Mas, nas demais bases, a greve é aprovada.

A revista Gazeta Mercantil, de 04/05 daquele ano, declara que já nas suas primeiras

ações o governo dá demonstrações da sua disposição de enfrentar o movimento grevista. Na

primeira avaliação do movimento, o Presidente Fernando Henrique Cardoso, por meio de

seu porta-voz, Sérgio Amaral, afirmou que “a greve é um direito do trabalhador, desde que

não transgrida a lei”.267

264 SOUZA, H. C. A. de. A greve dos petroleiros de 1995: desafios impasses do sindicalismo brasileiro na década de 90. Dissertação de Mestrado em Ciências Sociais. São Paulo: PUC, 2001, p. 183.

265 ROMÃO, 2006, op. cit., p. 355.266 Idem.267 Revista Gazeta Mercantil, de 04/05/1995.

125

Nesse cenário, visando adequar a legislação às necessidades de governo, Fernando

Henrique Cardoso baixou o Decreto n.º 1.480, no dia 4 de maio, no qual estabelecia

punições para os servidores que aderissem à greve. Souza ressalta que Fernando Henrique

Cardoso já havia exposto claramente sua disposição de fazer enfrentamento a quem se

opusesse à sua política, quando no mês de março declarou não permitir divergências de

dirigentes de estatais às suas diretrizes.268

Reafirmou sua posição um dia antes da decretação da greve puxada pela CUT

quando saiu publicada no Diário Oficial da União a demissão do advogado José Machado

Sobrinho da direção da Petrobrás, que fora exonerado dia 28 de abril, por ter feito críticas

ao programa de privatização do governo, declarando, em artigo publicado no Jornal do

Brasil, que condenava as privatizações das empresas como Vale do Rio Doce, Eletrobrás,

Petrobrás e Telebrás.269

Segundo Bicudo e Tenório, no segundo dia da greve, em Paulínia (SP), os

petroleiros, já trabalhando mais de 24 horas ininterruptas no interior da refinaria,

começaram uma greve de fome para forçar as suas liberações pela direção daquela

unidade. Na Bacia de Campos, as informações apontaram para a paralisação da maioria

das plataformas. Mesmo havendo diferenças de números entre os divulgados pelos

trabalhadores e os divulgados pela empresa e/ou governo, a paralisação dos petroleiros foi

muito grande e ocorreu em todo o território nacional.270

Em todas as matérias jornalísticas estudadas da época é possível observar que se

mantinha a avaliação positiva para o movimento grevista durante a primeira semana de

greve; e a mídia continuou tratando-a como uma greve encabeçada pela CUT contra as

reformas de Fernando Henrique Cardoso, mas que no seu bojo também estariam incluídas

as reivindicações econômicas da categoria e a cobrança do cumprimento do acordo por

parte do governo, oficializado anteriormente.

A Folha condenou a greve dos trabalhadores da Petrobrás por considerá-la abusiva e

contra os interesses nacionais. No editorial Afronta, em 12/05/1995, o jornal afirma: “A

decisão da maioria dos petroleiros de dar progressivamente à greve, radicalização mesmo o

movimento, é gravíssimo e merece a mais veemente condenação”.271

268 SOUZA, 2001, op. cit., p. 233.269 Idem.270 BICUDO e TENÓRIO, 2001, op. cit., p. 122.271 Jornal A Folha, Afronta, 12/05/1995.

126

O Globo se manifestou contra a greve dos petroleiros considerando que a quebra

do monopólio do petróleo era um bom resultado para combater as ações “abusivas” dos

grevistas. Para o jornal carioca, a flexibilização da exploração das riquezas energéticas e

as privatizações descentralizariam a produção, não ficando refém dos trabalhadores de

uma única empresa. O editorial Proteção contra a greve, de 24/05/1995, expressa essa

opinião:

“A greve dos petroleiros certamente está contribuindo para acabar com as dúvidas de muitos congressistas sobre a necessidade de se rever o monopólio estatal do petróleo através de emenda constitucional e de legislação ordinária posterior. Se a União tivesse flexibilizado na execução do monopólio, o país dificilmente estaria hoje sendo chantageado por um grupo de sindicalistas capaz de transformar a vida pessoal de milhões de brasileiros e pôr em risco toda a atividade produtiva.(...). São tantas as amarras estabelecidas pelo monopólio da Petrobrás que o Brasil, dentro de um ambiente de democracia, acaba sujeito a situações como a atual em que os dirigentes sindicais das estatais afrontam a Justiça, ignorando suas decisões. A correção dessa anomalia está na mão do Congresso, que nas próximas semanas votará a proposta de emenda constitucional encaminhada pelo Presidente Fernando Henrique Cardoso. A escolha é entre a racionalidade e a irracionalidade”.272

De acordo com Romão, a mídia tratava a greve dos petroleiros como mais uma em

meio a tantas greves que ocorreriam à época, mas disponibilizaram a ela um espaço maior

nos noticiários.

“(...) a greve na Petrobrás, por suas peculiaridades, é colocada em destaque, seja pela responsabilidade com o abastecimento de gás, gasolina e óleo diesel, seja pela abrangência nacional da categoria, pelos custos vultuosos da paralisação, seja por ser a que consegue maior adesão da categoria. As matérias trazem sempre a questão da queda da produção e o desabastecimento, mas este último é sempre negado pela empresa, que explica, inclusive, ter se preparado para a grave com compras e estoques adicionais de combustíveis e GLP”.273

No conjunto do movimento o clima permanece de ascensão, apesar de começar a

apresentar os primeiros problemas. Entre eles, os eletricitários e telefônicos não

conseguem fazer o movimento crescer como divulgado, apresentando, ao contrário, certo

recuo. Os telefônicos praticamente suspendem a greve no seu segundo dia. Entre os

eletricitários, os trabalhadores de Furnas suspenderam a greve com indicativo de retornar

272 Jornal O Globo. Proteção contra greves, 24/05/1995.273 ROMÃO, 2006, op. cit., p. 363.

127

no dia 8 de maio. O dia 9 de maio foi marcante para o movimento grevista, em função da

perspectiva de adesão de categorias importantes como ferroviários, nacionalmente, e

metroviários de São Paulo. Essa última categoria teve audiência de conciliação no dia 5 e

no dia 8, mas não se chegou a um acordo.

Além das categorias paralisadas desde o dia 3, como os aeroportuários e

previdenciários, outras categorias também se mobilizavam para entrar em greve. Os

funcionários da SABESP, responsáveis pelo tratamento e distribuição de água e esgoto do

estado de São Paulo, fizeram assembléia no dia 8 e resolvem parar a partir do dia 9. Estes

reivindicavam reajuste real e o repasse total do IPC-r (Índices de Preço ao Consumidor

Reduzido).

Os trabalhadores da CETESB-SP (Companhia de Tecnologia de Saneamento

Ambiental), também discutiam em assembléia a possibilidade de aderir à greve. Os

trabalhadores do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) decidem parar a partir

do dia 10. Nas Universidades Federais os professores, que até então estavam fora da greve,

também fizeram assembléias para discutir sua incorporação ao movimento a partir do dia 9 de

maio.

Entretanto, esta estratégia não era aceita sem resistências pelo conjunto dos

sindicatos brasileiros. A legitimidade do novo governo, eleito com 54,28% dos votos, já

no primeiro turno das eleições presidenciais, tornava receosos certos líderes sindicais

ligados à CUT de entrar em conflito direto com o governo naquele momento.

Para Boito Jr., em sentido oposto ao da CUT, a Força Sindical, segunda maior central

sindical do país, preparava para o dia 11 de maio uma greve na zona leste da capital paulista,

de apoio às reformas de Fernando Henrique Cardoso, e contra as greves organizadas pela

CUT. Durante todo o processo de greve os dirigentes daquela central fizeram

pronunciamentos contrários aos paredistas e às estatais, argumentando que os funcionários

públicos e trabalhadores das empresas estatais eram privilegiados.274 Segundo o autor, “a

Força Sindical defendia abertamente as privatizações e a política neoliberal”.275

Assim, desde março de 1995, durante a reunião da direção da CUT, não havia um

consenso sobre a estratégia a ser adotada para impedir as reformas da Constituição

anunciadas. Em entrevista ao jornal A Folha de São Paulo, de 13 de março de 1995, por

274 Jornal A Folha de São Paulo, de 02/05/1995.275 BOITO JR., 1999, op. cit., p. 112.

128

exemplo, o secretário geral da Central propunha que a CUT participasse das negociações

políticas sobre as reformas, apoiando aquelas que parecessem importantes para o país e

combatendo as que iam de encontro aos princípios da Central – principalmente as

privatizações e as modificações nos direitos dos trabalhadores.

Entretanto, para outros líderes sindicais cutistas – sobretudo os de trabalhadores do

setor público, entre os quais os petroleiros – o único meio de se evitar a reforma

constitucional pretendida pelo governo seria a organização de grandes greves e

mobilizações populares.

Segundo Bicudo e Tenório:

“Desta forma, quando as principais categorias do setor público276 entram em greve em 03 de maio de 1995, o que estava em jogo verdadeiramente eram as políticas que o governo pretendia por em prática. No caso dos petroleiros, a esta vontade geral se juntava a frustração dos acordos feitos com a empresa no ano anterior e até então não postos em prática. O que explica o fato de que, quando os outros trabalhadores decidem por fim às suas greves por falta de mobilização das bases, os petroleiros decidem continuar sozinhos no movimento”.277

Conforme ressaltam os autores, esta greve tinha dois objetivos distintos: um, ao

nível interno das relações trabalhistas da Petrobrás, o de fazer valer acordos não

respeitados pela empresa; e, outro, o de mobilizar a sociedade civil contra as reformas

propostas pelo governo, especialmente contra o fim do monopólio estatal do petróleo.

Desta forma, os interesses que gravitavam em torno da greve dos petroleiros não eram

apenas de ordem econômica ou de gestão de trabalho de uma empresa; eles eram também

interesses de cunho político.

No entanto, todas as manchetes do dia 9 de maio alertavam para a possibilidade de

desabastecimento de gás. Segundo Romão (2006), as informações eram dúbias, distintas

conforme o estado da federação de onde provinham. O fato é que a mídia começou a

manifestar este aspecto da greve; até então as matérias e artigos de jornais já levantavam a

preocupação com o desabastecimento; não obstante, o problema era tratado enquanto tese,

como uma possibilidade, mas já apontava para a possibilidade de estar faltando gás e

combustíveis em alguns locais.

276 Sobretudo os petroleiros, os eletricitários, os trabalhadores das telecomunicações, etc. (Ver BICUDO e TENÓRIO, 2001).

277 Idem, p. 18.

129

Apesar disso, no dia 9 de maio a greve entre os petroleiros está consolidada, e

problemas isolados, tais como algumas demissões, foram negociadas em troca da

manutenção da cota de produção de GLP278 em 30%. Além dos petroleiros, muitas

categorias representativas em todo o país estavam paradas; e é nesse clima que no mesmo

dia 9 a greve dos petroleiros foi julgada pelo TST, quando na véspera já havia julgado

abusiva a greve dos marítimos, parados desde 15 de abril daquele ano. Num julgamento

que levou menos de três horas, a greve é julgada abusiva por 11 votos contra 1. Além

disso, na mesma seção, por 9 votos contra 3, desconhecem a legalidade do Protocolo

firmado em 25 de novembro de 1994.

Como relatado anteriormente, tratava-se do acordo, ainda no governo Itamar

Franco, que foi o responsável pela suspensão da segunda greve dos petroleiros havida

naquele ano. O TST decidiu ainda que os petroleiros deveriam retornar ao trabalho a partir

das 12 horas do dia 10, estipulando para os sindicatos multa de R$ 100 mil por cada novo

dia de greve.

A decisão permitiu à Petrobrás descontar os dias parados com todos os seus

reflexos sobre férias, promoções, aposentadoria, etc., sem garantir qualquer estabilidade

aos grevistas, deixando a critério da empresa a possibilidade de demissão.

Para Romão:

“Esse julgamento era aguardado com muita ansiedade pelos dirigentes da CUT; ele seria um referencial para todas as outras categorias em luta desde o dia 03. O julgamento dos marítimos no dia anterior evidenciou certa sinalização; mas os marítimos (...) não tinham toda a simbologia envolvida na greve dos petroleiros e seu processo era diferenciado. A rapidez do julgamento e o teor das argumentações dos diversos ministros julgadores deixaram claro para o movimento sindical e as categorias em luta o horizonte esperado daquele órgão”.279

A decisão deixou a categoria revoltada, o que pode ser constatado na fala do então

presidente da CUT, Vicentinho, no jornal Folha de São Paulo, publicada no dia seguinte à

decisão:

“(...) a decisão do TST foi lamentável e mostrou que a Justiça do Trabalho não existe mais, está podre. (...) A coisa vai se complicar. Os petroleiros saíram revoltados. Trabalhador não é besta. Quem morre

278 Gás liquefeito de petróleo.279 ROMÃO, 2006, op. cit., p. 372-3.

130

calado é sapo em pé de boi (...) A CUT vai apoiar os petroleiros até as últimas conseqüências”.280

Ainda no início da noite, a Federação Única dos Petroleiros (FUP) envia para os

sindicatos um Boletim com o resultado do julgamento indicando, ao final, a continuidade

da greve. Mas durante a noite do dia 9, antes mesmo do prazo limite dado pela FUP,

manhã do dia 10, algumas bases já tomam posição de permanecer em greve. As bases da

REFAP (Refinaria Alberto Pascoalini), REVAP (Refinaria do Vale do Paraíba), RLAM

(Refinaria Landulfo Alves), RPBC (Refinaria Presidente Bernardes) e a REDUC

(Refinaria Duque de Caxias) decidem continuar o movimento.

A maioria das bases petroleiras optou por manter a greve, algumas de forma mais

radicalizada, como foram os casos da ASFOR (Fábrica de Asfalto Fortaleza), REDUC, e

da RPBC, onde aprovou-se cortar qualquer tipo de relação com as gerências no sentido de

manter pequenas unidades funcionando, efetivos mínimo e/ou negociações similares. Em

Pernambuco aprovou-se a idéia de demissão coletiva, caso a empresa demitisse algum

empregado; ocorrendo o mesmo em São Sebastião, no Tebar (Terminal Marítimo

Almirante Barroso).

Diante da radicalização do movimento petroleiro, a presidência da Petrobrás

demite nesta mesma noite, por justa causa, 25 empregados281, entre eles alguns dirigentes

sindicais. Segundo Antunes, com esse ato de força o Presidente da Petrobrás deixou claro seu

completo alinhamento com as diretrizes do governo, já que notícias davam conta de haver

descontentes na direção da estatal com a decisão do TST; e tais comentários deixavam o

presidente da empresa em situação desconfortável junto a Fernando Henrique Cardoso.282

No Jornal Folha de São Paulo, de 11/05/1995, podia-se ler que as demissões

pareciam ter surpreendido a própria FUP. Apesar de alguns dos seus diretores terem dado

entrevistas falando em demissão coletiva caso a empresa demitisse alguém, bem como

afirmando que nesta condição haveria como resposta uma maior radicalização da

categoria, no jornal Primeira Mão distribuído com data do dia 11/05, nada é dito sobre as

demissões. As 25 demissões só são anunciadas no Primeira Mão seguinte, distribuído no

280 Jornal Folha de São Paulo, de 10/05/1995.281 Jornal Folha de São Paulo, de 11/05/1995.282 ANTUNES, 2004, op. cit., p. 18.

131

dia 12/05; e mesmo assim, o boletim trata apenas das 25 demissões anteriores, quando no

final do dia 11 já estavam sendo anunciadas mais 34 demissões.

Observando o endurecimento por parte do governo e do Judiciário, a Federação

Única dos Trabalhadores, no mesmo Boletim Primeira Mão, de 11/05/1995, responde com

o chamamento para radicalizar ainda mais, orientando o corte total da produção, mas

deixando claro que onde houvesse desabastecimento de gás de cozinha e gás natural para a

população, “os petroleiros deveriam discutir em assembléia como fazer o atendimento de

emergência; afinal a comunidade é como nós, vítima deste governo”.283

Como nos relata Romão, neste momento a orientação dada é para a implementação

das listas de demissão coletiva sugeridas pelas bases de Pernambuco e São José dos

Campos, como instrumento contra as arbitrariedades da empresa. Em Cubatão, durante a

assembléia do dia 11/05, quando tiveram conhecimento das primeiras demissões, os

operários resolveram ocupar a refinaria.284

Essa ação já havia sido discutida anteriormente no comando, mas teve sua decisão

adiada. Entretanto, durante a assembléia, o clima de revolta com as demissões acirrou os

ânimos e a ocupação foi aprovada. No primeiro momento ela contou com algo como 250 e

depois mais 100 trabalhadores foram incorporados à ocupação.285 Ao final do dia 12/05 já

eram 59 os demitidos, entre trabalhadores, dirigentes sindicais e supervisores de

operações.286

Após ser julgada abusiva pelo TST, a greve dos petroleiros entra em uma nova fase; o

indicativo da FUP vai além da manutenção da greve nos moldes conhecidos até então. Na

situação anterior, pequenos acordos foram feitos com a empresa; a orientação era manter a

produção/distribuição localizada de alguns derivados e garantir os efetivos mínimos. Depois

do julgamento, a orientação que se lia nos boletins da FUP era da parada total da produção.

Ainda no Jornal do Brasil, de 12/05, percebe-se que o sentimento transmitido pela Federação

Única dos Petroleiros era de “radicalizar o movimento”.287

Neste sentido, conclui-se pela exigência de fazer retornar à greve as bases que

saíram e, onde ela se manteve radicalizá-la ainda mais; ou seja, o esforço tornou-se maior

283 Jornal Primeira Mão, de 12/05/1995.284 ROMÃO, 2006, op. cit., p. 257.285 Idem, p. 377.286 Jornal do Brasil, de 12/05/1995.287 Idem.

132

do que simplesmente manter a greve. O comando orientou a radicalização da greve depois

de uma decisão judicial totalmente adversa ao movimento, após a empresa ter iniciado as

demissões, fatos novos para a categoria em seu 10º dia de greve.

Até então, os petroleiros só haviam convivido com demissões em massa em 1990,

quando houve em torno de 1.100 demissões no governo Collor. Em 1988 e em 1994 o

TST julgou as respectivas greves abusivas e elas continuaram; o novo elemento, nesse

caso, seria o ter de enfrentar as duas situações somadas: a decisão do TST e as demissões.

Além disso, segundo Romão (2006), havia problemas anteriores; pois a categoria não

havia conseguido até então zerar efetivamente a produção, refino ou distribuição.288

O quadro geral da greve dos petroleiros até aquele momento era o seguinte: as

refinarias em Betim, Manaus e Mauá continuaram operando mesmo após o corte de

rendição; em Mauá, a situação foi sempre muito instável; lá a greve só foi aprovada

depois das outras, e, assim que o TST julgou a greve abusiva, a base decidiu retornar ao

trabalho; na Bacia de Campos, entre 5 e 9 plataformas de um total de 33, também

mantiveram a produção; em algumas regiões de produção terrestre, como em Sergipe e no

Rio Grande do Norte, havia problemas sérios de adesão; no Ceará houve uma retomada

negociada da produção da ASFOR. No setor administrativo, as adesões sempre foram

menores e proporcionais à adesão dos turnos em cada região.

No jornal Gazeta Mercantil, de 15/05, pode-se verificar que, mesmo depois do

TST ter julgado a greve dos petroleiros abusiva, a disposição da CUT foi de continuar

fortalecendo o movimento; cobrando dos seus 2.300 sindicatos filiados um maior apoio às

categorias em greve. A CUT orientava aos seus sindicatos “a realização de paralisações,

passeatas, comícios, e ajuda material para manter o movimento e seus 59 demitidos”.289

Além dos petroleiros, servidores e professores das Universidades Federais, as

outras categorias passam por diversos problemas nos estados para gerir seus movimentos.

Nos estados de São Paulo, Rio de Janeiro e no Distrito Federal, as adesões são maiores em

algumas dessas categorias. O jornal A Tarde, de 13/05, noticia que, em Salvador, um ato

convocado para o Campo Grande, com todas as categorias em luta, no dia 12/05, só

contou com a presença dos petroleiros e de mais alguns dirigentes da CUT.290

288 ROMÃO, 2006, op. cit., p. 377.289 Jornal Gazeta Mercantil, de 15/05/1995.290 Jornal A Tarde, de 13/05/1995.

133

No relato de Romão, encontra-se que, apesar de não continuar havendo um clima

de ascensão, do ponto de vista numérico, a forma e o conteúdo do movimento grevista

manteve um clima de tensão no país. Segundo o autor, o tensionamento social foi gerado

por diversos motivos: “pela divulgação de problemas no abastecimento de combustíveis,

especialmente gás de cozinha, pela cobertura sensacionalista da mídia, bem como pelo

envolvimento e enfrentamento com e aos poderes constituídos”.291

E ressalta que as 59 demissões impingidas aos petroleiros, advindas de uma

pressão governamental, ou surgidas dentro da própria Petrobrás, tornaram visível a

disposição do governo e da direção da empresa em não ceder frente às reivindicações dos

grevistas. Fernando Henrique Cardoso, através do seu porta-voz, expressa como “falta

grave”292 a continuação da greve, sujeitando os petroleiros às penalidades previstas em lei.

Assim, explicam-se por essas avaliações as negativas de Fernando Henrique

Cardoso, expressas via o seu porta-voz, da rejeição do governo em negociar qualquer

acordo de saída para a greve.

“A senha era a decisão do TST, depois dela o governo passou a afirmar, recorrentemente, nada poder fazer até o retorno dos grevistas ao trabalho, como determinado pela sentença do TST. Daí para frente, diversas e infrutíferas tentativas de saídas são buscadas, encontrando sempre a negativa do governo”.293

No dia 12/05, o jornal O Estado de São Paulo declara que os números divulgados

pela empresa referentes à produção e refino denotam um recuo da greve, apesar de serem

incapazes de negar a sua força. Ao mesmo tempo, o governo veicula oficialmente os

riscos iminentes de falta de combustíveis e a possibilidade de racionamento. Diariamente

eram divulgados os prejuízos causados pela greve; sempre muito altos, na ordem de R$

200 milhões de reais.294

Esse foi um forte elemento de desgaste dos petroleiros junto à população. Tais

informações, na maioria das vezes contraditórias, ajudavam a criar um clima de

insegurança na população quanto ao abastecimento.

291 ROMÃO, 2006, op. cit., p. 381.292 Jornal do Brasil, de 12/05/1995.293 Jornal Gazeta Mercantil, de 16/05/1995.294 Jornal O Estado de São Paulo, de 15/05/1995.

134

Segundo Antunes, como forma de tornar reais as informações prestadas quanto ao

esvaziamento da greve, as superintendências de diversas refinarias tentaram colocar em

funcionamento algumas unidades. Para isso, utilizaram engenheiros e os poucos

operadores que não estavam paralisados. Outra tática aplicada foi impedir a saída de

operadores dos efetivos mínimos e colocar a polícia para reprimir o movimento, como

ocorreu de forma mais ostensiva na REVAP (Refinaria do Vale do Paraíba) e na REGAP

(Refinaria Gabriel Passos).295 Também chegaram a veicular a possibilidade de contratação

de técnicos e abertura de concurso público, no caso da efetivação da proposta de demissão

coletiva pelos petroleiros.

Começa a ser ventilada na imprensa a possibilidade de intervenção das forças armadas

nas refinarias e hidrelétricas, possibilidade sempre negada pelo governo. Apesar das

negativas, o exército entra de prontidão em 5 regiões militares. O jornal O Estado de São

Paulo, no dia seguinte, 13/05, divulga que os comandos militares do Leste (no Rio de

Janeiro), Sudeste (em São Paulo), Sul (em Porto Alegre), Nordeste (em Recife) e na

Amazônia passaram a reter um contingente de tropas nos quartéis por ordem do ministro

do exército.296

A cada dia em que a greve avança, a mídia trata de forma diferenciada a greve dos

petroleiros. Vale destacar que, desde o inicio do movimento, os petroleiros tinham um

destaque maior do que o dado às outras categorias em greve; tal desproporção aumentou

cada dia mais. Os grandes veículos de comunicação começam a assumir cada vez mais

uma postura parcial; evidenciando-se a defesa do governo, de suas ações, e mostram-se

deliberadamente contrários aos grevistas.

Logo após ter sido decretada a abusividade da greve, os noticiários televisivos se

incorporam à política do governo e da empresa, no sentido de construir a imagem de fim

da greve, enquanto os sindicalistas passaram a travar uma luta no sentido de desfazer a

imagem passada pelos noticiários.

A mídia dava ênfase diária à questão do desabastecimento de combustíveis e gás de

cozinha, tratada desde o inicio da greve, e passou a ganhar maior destaque, apresentando fotos

de filas quilométricas de populares em busca de botijão. No jornal O Povo, já em 09/05, era

possível ver pessoas em bicicletas transportando botijões; depoimentos de cidadãos falando da

295 ANTUNES, 2004, op. cit., p. 12.296 Jornal O Estado de São Paulo, de 13/05/1995.

135

dificuldade de comprar o gás de cozinha; a possibilidade de racionamento, as cotas de botijão

por pessoa, e botijões sendo vendido com ágio de quase 100%.297

Para Carvalho, a vinculação da condenação do movimento grevista pela ameaça de

abastecimento de gás e combustível e a quebra do monopólio da exploração do petróleo faz

parte da ação política de parte dos grandes jornais em aproveitar o momento e cobrar rapidez

nas mudanças estatais. A posição política de O Globo é uma clara sinalização do embate

contra a oposição ao governo e o reforço do apoio às medidas propostas por Fernando

Henrique Cardoso298.

Como visto, com a radicalização do movimento e a persistência dos trabalhadores em

manter a greve, começaram a faltar os produtos provenientes das refinarias como combustível

e gás de cozinha. O governo, em atitude inédita e também radicalizada, resolveu intervir com

a ocupação do exército nas refinarias Replan (Paulínia), Recap (Mauá), Revap (São José dos

Campos), Repar (Araucária). A atitude contou com a simpatia e o apoio da Folha,

demonstrada no editorial Ocupação de Refinarias, do dia 25/05/1995: “A intervenção

militar na greve dos petroleiros é uma medida dura. Do ponto de vista estritamente

técnica, o governo está correto. A categoria ignorou a decisão da justiça que determinou a

volta do trabalho”.299

O Globo também demonstrou apoio às ocupações nas refinarias e propôs mudanças

nas relações sindicais, para diminuir a força do que o jornal carioca chamou de minorias, que

são as direções dos movimentos grevistas. Oferece como exemplo, no editorial Greve e

democracia, de 30/05/1995, as greves dos mineiros britânicos, no período Margareth

Thatcher, em que o governo obrigou os sindicatos a realizarem consultas por voto secreto para

decidir os rumos dos movimentos, como forma democrática de preservar a opinião de uma

maioria de trabalhadores.

Romão salienta que, inicialmente, a greve dos petroleiros estava circunscrita ao

ambiente da própria greve e dos seus interlocutores mais diretos, fossem eles sindicalistas,

diretores da Petrobrás ou membros do governo. À medida que o tempo passava a greve

297 Jornal O Povo, de 09/05/1995.298 CARVALHO, R. de. A imprensa escrita na era FHC: análise dos editoriais dos jornais Folha de São Paulo

e O Globo no período 1995-2002. Dissertação de Mestrado, São Paulo, 2006, p. 142.299 Jornal A Folha. Ocupação de refinarias, 25/05/1995.

136

adquiria uma maior publicização.300 Ampliava-se a sua rede de relações, cresciam os seus

efeitos e condicionantes, abria-se o leque de personagens envolvidos.

Importante ressaltar que, no Congresso Nacional, parlamentares dos partidos de

oposição e mesmo da base de sustentação do governo dão depoimentos favoráveis à saída

negociada. Essa foi a postura do Líder do PFL na Câmara e do Líder do PSDB. O jornal

Primeira Mão, no dia 12/05, dá conta de que Luiz Inácio Lula da Silva, presidente

nacional do Partido dos Trabalhadores (PT), enviou à FUP uma carta do próprio punho de

apoio à greve, após ter participado de ato público, em Macaé, com os petroleiros no dia

11/05. Em reunião de sua executiva, no dia 13/05, o PT resolve declarar publicamente seu

apoio à greve dos petroleiros.

O partido decide buscar, entre outras medidas, formar no Congresso Nacional uma

frente parlamentar de apoio ao movimento. Em coletiva conjunta com a direção dos

petroleiros no Congresso Nacional, Lula criticou a intransigência do governo, acusou-o de

querer jogar a sociedade contra os grevistas e cobrou do governo a abertura de

negociações.

No dia 17/05, o jornal Gazeta Mercantil publica que Lula “questionou se o

interesse do governo era quebrar a espinha dorsal do movimento sindical”301, chamando

atenção para o risco de acontecer fatos tão graves como os ocorridos na greve da CSN em

1988, quando morreram três operários na invasão do exército. Essa menção já havia sido

feita também pelo presidente da CUT, e publicada na Folha de São Paulo, de 13/05,

quando afirmou que “a greve pode se transformar num conflito sangrento”.302

A revista Veja foi demonstrando o andamento do confronto, informou que o

governo convocou 1.630 soldados do Exército e determinou a ocupação de quatro das

onze refinarias e registrou: “a mensagem política foi clara: transmitir, via televisão –

chamada a registrar a chegada dos soldados a uma das refinarias”303; num tom de

aprovação ao uso do Exército e da mídia para causar impacto na repressão da greve.

A propósito do uso do exército na ocupação das refinarias, a revista acrescentou: “o

recurso militar se explica pelo objetivo político do presidente Fernando Henrique Cardoso:

300 ROMÃO, 2006, op. cit., p. 378.301 Jornal Gazeta Mercantil, de 17/05/1995.302 Jornal A Folha de São Paulo, de 13/05/1995.303 FHC encara a CUT. Veja. São Paulo: Abril, Edição 1393, ano 28, nº 21 p. 34, 24, mai. 1995.

137

vencer, de maneira acachapante, a única oposição organizada ao governo, a CUT”.304 A

revista Veja apoiou explicitamente o projeto do governo e avalizou a intervenção militar por

motivos políticos imediatos, sem problematizar o desvio de função do Exército. A

Constituição reservava tal recurso, como exceção, para casos de ameaça à ordem pública –

argumento, de resto, também político – mas não chegava a ser este o caso.

Segundo Carvalho, “o governo continuou merecendo entusiasmados elogios da

revista Veja pelo enfrentamento da greve”.305

“O governo mostrou firmeza, coerência e até competência para acabar com uma greve (...) uma vitória que pode iniciar a ruptura do equilíbrio de forças que subiste desde o fim do governo Figueiredo, quando se criou um movimento sindical forte e todos os governos foram obrigados, dessa ou daquela forma, a sentar para negociar com o outro lado”.306

Barbosa Lima Sobrinho, presidente da Associação Brasileira de Imprensa (ABI), envia

em 13/05 uma carta à FUP, endereçada a Fernando Henrique Cardoso, na qual pede abertura

de negociação, criticando a sentença do TST e lembrando ao presidente que os acordos

reivindicados pelos petroleiros foram assinados por um governo do qual ele pertenceu. Além

disso, Deputados Federais do PT e do PCdoB, e demais partidos, tentam construir saídas. A

partir de então, a greve sai do marcos inicial e passa a envolver o conjunto da sociedade de

forma efetiva.

Uma vez que toda a sociedade já estava envolvida, do ponto de vista das ações

externas, os petroleiros passaram a centralizar suas ações prioritariamente em duas

frentes: aumentar suas ações de rua, chamando atenção da sociedade e intensificando a

busca de contatos dentro da mesma, visando pressionar o governo à negociação. Além

disso, manifestações de rua ocorrem em diversos locais sob a coordenação dos petroleiros

e da CUT, buscando envolver a sociedade.

No dia 14/05, os petroleiros conquistaram uma grande vitória, pois a base da RECAP

(Refinaria de Capuava), que havia retornado ao trabalho depois do julgamento, aprovou em

assembléia o retorno à greve e iniciou o processo de paralisação das unidades. Dia 16/05, dentro

da orientação de pressionar por negociação, petroleiros de várias partes do Brasil realizaram, na

304 O Planalto sacou primeiro. Veja. São Paulo: Abril, Edição 1394, ano 28, nº 22, p.20, 31, mai. 1995.305 CARVALHO, V. S. Imprensa e neoliberalismo no Brasil (1995-1998): o posicionamento da revista Veja no

primeiro governo FHC. Dissertação de Mestrado. Campinas, SP, 2004, p. 63.306 O Planalto sacou primeiro. Veja. São Paulo: Abril, Edição 1394, ano 28, nº 22, p. 23, 31, mai. 1995.

138

porta do Edifício sede da administração central da Petrobrás no Rio de Janeiro, um ato público

com a presença de parlamentares do PT e do PC do B.307

Mais uma vez o impasse estava estabelecido. O governo se mantém inflexível e a

greve dos petroleiros, diante das ameaças, demissões e boicotes da mídia, especialmente

das redes de televisão, continua forte. O jornal Folha de São Paulo, de 17/05/95 noticia

que, numa decisão polêmica, a FUP decide recorrer da decisão do TST, “por sugestão do

Procurador-Geral do Ministério Público do Trabalho”.308 Neste mesmo dia a FUP dá

entrada no TST com um “Embargo Infringente”, recorrendo da decisão que julgou a greve

abusiva.

Assim se desenhava o mapa da greve naquele momento e as posições em disputa.

De acordo com Romão, “o governo/empresa não podia ceder, pois caso o fizesse,

demonstraria fraqueza e criaria muitas dificuldades com o TST”.309 O TST já havia

julgado a greve abusiva, não tendo nada mais a fazer nesse momento; a FUP, por sua vez,

também não poderia defender o fim da greve, retornar sem ganhos, pois se colocaria numa

posição muito difícil junto aos petroleiros.

A Federação Única dos Petroleiros, ao dar entrada no recurso, demonstrava

disposição em reconhecer os poderes constituídos, levando a discussão de volta para os

espaços legais. Com essa decisão a federação abria alguns espaços para possíveis saídas,

dentre as quais, o autor destaca:

“a) governo poderia apresentar propostas, sem ir de encontro à decisão do TST, tendo em vista que a questão estaria novamente em discussão nesse órgão; b) o próprio TST, a partir de entendimentos prévios, envolvendo governo, Ministério Público e sindicalistas, tinha condição de apresentar no novo julgamento uma proposta que significasse uma saída mediana para todos os envolvidos. Com o recurso da FUP abria-se a possibilidade de uma saída pactuada”.310

Com o recurso no TST, uma nova etapa da greve se inicia. A situação das bases em

greve era de relativa estabilidade, apesar dos problemas advindos imediatamente após o

julgamento do TST, quando algumas bases retornaram ao trabalho; a direção nacional dos

petroleiros tinha razoável controle sobre o movimento. Um fato simbólico é que, algumas

307 Jornal O Estado de São Paulo, de 16/05/1995.308 Jornal A Folha de São Paulo, de 17/05/1995.309 ROMÃO, 2006, op. cit., p. 394.310 Idem, p. 394-5.

139

vezes, a própria direção da greve, quando percebia o movimento fraquejando em alguma

base, defendia a suspensão do movimento naquele local específico. A greve era suspensa

ali e, em seguida começava-se um novo trabalho de convencimento para o retorno à greve.

Com ações desse tipo, as direções conseguiam evitar o fim da greve por esvaziamento.

Essa tática permitiu comprovadamente uma grande flexibilidade no movimento.

Essas iniciativas colocaram os grevistas nesse momento em situação de vantagem

em relação ao governo. Entretanto, a pressão contrária da mídia aumentava a cada dia; as

outras greves praticamente não eram mais noticiadas, falava-se apenas nos petroleiros e na

falta de gás. Com a entrada em cena de diversos setores da sociedade civil, preocupados

com os desdobramentos da greve, e buscando saídas, as demonstrações dadas pela FUP

em querer negociar ganharam aliados importantes. Em 19/05 foi anunciada outra coletiva

da FUP, contando com a presença de Aureliano Chaves e de José Machado Sobrinho, ex-

diretor da Petrobrás, demitido por Fernando Henrique Cardoso.

“De um lado havia todas essas articulações da FUP, legais e políticas, demonstrando boa vontade para negociar, com capacidade de envolver até elementos da base de sustentação do governo; do outro lado permanecia o governo na sua posição estanque de não negociar enquanto durasse a greve. O presidente Fernando Henrique Cardoso nega-se até mesmo a receber parlamentares. Configurando-se assim, o estereótipo da intransigência!”311

A manchete do Primeira Mão, de 17/05 estampa: “Greve unificada mobiliza

Congresso”. As convocações de apoio e mobilizações da CUT, a presença dos partidos de

esquerda e as ações no Congresso são um somatório de eventos que ajudaram a desenhar

um clima positivo para os trabalhadores grevistas. A categoria petroleira estava

conseguindo sair do isolamento, transferindo o estigma de intransigente para o governo.

Apesar de, neste mesmo dia, o deputado do PMDB, Germano Rigotto ter afirmado

o presidente acenara para a comissão de parlamentares a possibilidade de rever as

demissões e os descontos dos dias parados caso a greve encerrasse; nessa mesma noite, a

Petrobrás divulgou nota oficial afirmando que manteria entendimentos com os sindicatos

após a suspensão da greve, tudo conduzido dentro das orientações governamentais e sem

ferir as decisões já tomadas pelo TST.

311 ROMÃO, 2006, op. cit., p. 398.

140

O jornal Gazeta Mercantil, de 19/05 ressalta que, ao ter conhecimento da proposta,

a FUP não aceita, pois considerava que tal proposta não estaria atendendo a nenhuma das

reivindicações econômicas. Segundo os dirigentes da FUP, depois de três acordos

assinados e não cumpridos, eles seriam “apedrejados”312 caso propusessem uma saída sem

nenhum ganho econômico.

Nessa mesma data, o jornal noticia que, Fernando Henrique Cardoso, após tomar

conhecimento da recusa dos sindicalistas, afirma, por meio do vice-líder do governo na

Câmara que: “o Fórum para as negociações é a mesa da Petrobrás, no Rio de Janeiro, e

não o Congresso, os partidos políticos e muito menos o gabinete da Presidência da

República”.313 Com essa posição o governo retorna à condição anterior de só negociar com

o fim da greve, e passa a divulgar que os salários não seriam depositados no dia 25.314

No mesmo dia, o jornal O Estado de São Paulo estampa em sua manchete:

“Fracassa primeira tentativa de acordo”. Em sua matéria, o jornal ressalta que a posição

do governo de aceitar discutir as demissões e os descontos dos dias parados, embora sem

tocar na questão do reajuste salarial, teve como resposta a negativa da FUP. Dessa forma,

o impasse volta se instalar e o governo volta à sua posição anterior de só negociar

mediante o fim da greve.

Para Carvalho, se o governo parecia hesitante diante dos protestos, a greve dos

petroleiros, iniciada em maio de 1995, permitiu-lhe apresentar medidas de força e

demonstrar disposição para o confronto com os opositores. Para a revista Veja, a greve

marcou o início de uma cobertura mais contundente e a oportunidade de expor seu

compromisso com o projeto reformista. Com chamadas de capa como “FHC encara a

CUT”, “O Planalto sacou primeiro” e “Derrotados e quebrados”; a revista analisou a

ação do governo no enfrentamento de uma das maiores greves do período, senão a maior,

e registrou com entusiasmo uma das ações mais truculentas do governo contra a classe

trabalhadora.315

312 Jornal Gazeta Mercantil, de 19/05/1995.313 Jornal Gazeta Mercantil, de 19/05/1995.314 Como o salário na Petrobrás era pago em duas parcelas, os trabalhadores já haviam recebido os

primeiros 40% no dia 10/05/1995; fato que gerou críticas por parte do governo, obrigando a empresa a explicar como tinha efetuado o pagamento mesmo após o julgamento da abusividade. Segundo a explicação dada à época pela empresa, o pagamento foi efetuado por conta da folha já estar pronta, e não haver tempo hábil para confecção de outra até o dia 10 (ROMÃO, 2006, op. cit., p. 399).

315 Carvalho, V. S. Imprensa e neoliberalismo no Brasil (1995-1998): o posicionamento da revista Veja no primeiro governo FHC. Dissertação de Mestrado. Campinas, SP, 2004, p. 61.

141

“Desde o final do governo João Figueiredo, sempre que os trabalhadores cruzam os braços, o Planalto acaba cedendo algum benefício (...) quando a greve completou seu 17º dia (...) quem estava irredutível era o presidente da República, Fernando Henrique Cardoso. E quem fazia apelo por uma negociação eram os sindicalistas, que não sabiam de que forma sair sem humilhação de uma greve que agrediu a lei e o cidadão comum”.316

Na semana seguinte, o país já apresentava o risco de desabastecimento de gás e

combustível; pois a greve dos tanqueiros, ocorrida durante a semana anterior nas cidades

do Rio de Janeiro e Duque de Caxias, aumentou ainda mais o problema de

desabastecimento. Apesar da suspensão da greve no dia 19/05, os problemas de

desabastecimento ainda duraram todo o fim de semana. Os jornais noticiaram falta de

combustível por todo o Brasil, mas principalmente na região sudeste. As empresas

reduziram suas produções, e a reclamações de prejuízos financeiros aparecem por toda

parte, tornando o clima totalmente apreensivo.

Segundo Romão, nesse momento da greve propaga-se a idéia de resistir em nome

da dignidade, em nome de acordos assinados e não cumpridos. O Primeira Mão de 23/05

ressalta: “Se recuarmos agora, voltaremos ao trabalho sem nada...”.317 Apesar de

efetivamente não terem conseguido zerar a produção e implementar a lista de demissão

conforme haviam anunciado, os trabalhadores começam uma nova semana dando provas

da força da categoria em resistir ao tempo e ao cansaço de 21 dias de greve, não obstante,

já terem sido confirmadas 67 demissões com justa causa.

Por outro lado, as tentativas da Petrobrás de contratar funcionários aposentados,

como realizado na REMAN (Refinaria de Manaus), mostraram-se insuficientes. Na RPBC

(Refinaria Presidente Bernardes), a superintendência pede a cassação da liminar que

determinava a saída dos grevistas da refinaria. Na Bahia, a Petrobrás recruta operários

para operar a refinaria, mas também não apresentou resultados concretos. Na Bacia de

Campos, os petroleiros respondem à ocupação de três plataformas com engenheiros e

vigilantes, ameaçando fechar poços que ainda se encontravam produzindo, já que 27 das

33 plataformas de Campos encontravam-se paralisadas.318

316 FHC encara a CUT. Veja. São Paulo: Abril, Edição 1393, ano 28, nº 21 p. 32, 24, mai. 1995.317 Primeira Mão, de 23/05/1995.318 ROMÃO, 2006, op. cit., p. 174.

142

Nos dias que se seguiram a perspectiva de alteração do quadro não se modificou, e

as atenções se voltaram para o julgamento do “Embargo Infringente”, interposto pela

FUP, no dia 17/05, no TST, pois se tratava de uma chance real de encontrar uma saída

negociada. O julgamento ficou inicialmente previsto para o dia 29/05. Entretanto, com o

objetivo de reduzir o prazo do julgamento, o então ministro do trabalho, Paulo Paiva,

pediu pessoalmente para o ministro do TST o apressamento do julgamento. Diante dessas

pressões, o julgamento é adiantado para o dia 26/05.

“O julgamento torna-se, portanto, a única porta de saída, desde que refluíram as negociações no Congresso Nacional e caíram por terra as tentativas de acordo encetadas pelo Procurador-Geral do Ministério Público do Trabalho, Pedro Paulo Ferraz. Anunciara o procurador que os petroleiros aceitavam negociar, mas não suspendiam a greve, e, contrariamente, a Petrobrás só negociaria com a suspensão da greve”.319

Apesar de ter esse novo julgamento como uma possibilidade de saída, a FUP

reconhecia as limitações da ação, quando então seu advogado declara: “essa é mais uma

necessidade de esgotar todas as possibilidades jurídicas do que qualquer coisa”.320 Nesse

meio tempo, apesar das tentativas da empresa de continuar passando informações de

refluxo da greve, o edição do dia seguinte, 24/05, notícia em primeira página: “A

Petrobrás reduz ainda mais a produção”.321

A mídia, no cumprimento de seu papel, permanece mobilizando a sociedade civil;

realiza pesquisas de opinião e toma depoimentos de personalidades a respeito da greve. A

sociedade se mostra dividida. Lula, em ato na Ford, afirma que: “(...) a falta de gás de

cozinha é de responsabilidade da insensibilidade do governo”.322 A discussão central,

então, passa a ser sobre o Estado de Direito, e em que medida a greve dos petroleiros o

colocava em risco. A esse respeito, a mídia ouve diversas personalidades do campo

jurídico, econômico, político e social do país.

Entretanto, a mídia começa a divulgar artigos e informações apenas sobre a greve

dos petroleiros, deixando de lado as outras categorias em greve; estas, quando tinham

alguma notícia publicada, era de forma bastante resumida, voltando toda a sua atenção às

críticas à greve da CUT, em particular a dos petroleiros.

319 Jornal Gazeta Mercantil, de 23/05/1995.320 Idem.321 Jornal Gazeta Mercantil, de 24/05/1995.322 Jornal O Estado de São Paulo, de 25/05/1995.

143

Um bom exemplo disso é a revista Istoé, que nas suas edições de 17 e 24/05 trata a greve dos petroleiros como um caso de guerra. A greve é mostrada como se estivessem avaliando a disputa entre dois exércitos inimigos. A revista traz, de um lado, o “exército grevista” e, do outro, as “tropas oficiais”. Os títulos estampados revelam, respectivamente nestas datas: “Greve vai ou racha”323 e “Querem parar o país”.324 Na revista, os bonés da CUT são mostrados como capacetes militares; aparece fotos de pessoas carregando botijões, charges de grevistas com os braços cruzados, tanques e tiros em torno dos poços de petróleo.

Nesse clima “belicoso”, as manchetes do dia 25/05 de quase todos os jornais do

país noticiavam que quatro refinarias do país haviam sido ocupadas pelo Exército. De

acordo com Bicudo e Tenório, a ocupação começou pela REPAR (Refinaria do Paraná),

no dia 24/05, com cerca de 500 soldados. Depois foi a vez da REVAP (Refinaria do Vale

do Paraíba); a Refinaria Henrique Lages foi ocupada por 300 homens da infantaria de

Caçapava. As refinarias de Paulínia e Mauá também foram ocupadas na mesma manhã. Na

ocupação de Paulínia a mídia foi mobilizada antes da ocupação e tudo foi transmitido ao

vivo325.

Mediante a informação da ocupação do exército326, a FUP orienta os sindicatos a

evitar provocações e conflitos com os militares, convoca os sindicatos a manterem os

efetivos mínimos sob seu controle, no sentido de impedir que a Petrobrás colocasse em

funcionamento as unidades. O documento ainda defende a continuidade da greve e

convoca o Conselho Consultivo para uma reunião em Brasília no mesmo dia.

Souza relata que, como resultado da orientação do Conselho Consultivo, as bases

realizam assembléias e aprovam a continuidade do movimento. A CUT e o comando

unificado da greve publicam notas criticando a ação do governo. A direção da central

conclama as categorias para realizarem no dia 26/05 atos e paralisações de apoio aos

petroleiros. A questão da convocação de uma greve geral para o mês seguinte volta a ser

323 Revista Istoé, de 17/05/1995.324 Revista Istoé, de 24/05/1995.325 BICUDO e TENÓRIO, 2001, op. cit., p. 89.326 De acordo com o estudo de Romão (2006), ocupações do exército em movimentos grevistas, após a

ditadura militar, ocorreram em: a) 1986, quando o exército ocupou a CSN, no dia 27/09, e acabou com a greve dos metalúrgicos; b) 1987, quando os petroleiros estavam em estado de greve, o exército ocupou 9 refinarias e 6 campos de produção, a pedido do então Ministro das Minas e Energia, Aureliano Chaves. A intervenção militar durou 48 horas; c) 1988, quando o exército ocupou novamente a CSN, no dia 27/05, acabando rapidamente com o movimento grevista; d) Em novembro do mesmo ano, os metalúrgicos da CSN retomaram a greve no dia 8, contra as perdas do Plano Bresser e pelo turno de seis horas. No dia 10/09 o exército ocupou a CSN com 1.000 militares e 300 homens da polícia militar, ocasião em que a ocupação deixou três operários mortos e 46 feridos.

144

considerada e a executiva nacional da CUT marca reunião de avaliação com a FUP para o

dia 28/05, já anunciando uma ação de inconstitucionalidade no STF contra as

ocupações.327

A ocupação do exército dá início a uma nova etapa na greve dos petroleiros.

Novamente a greve é dada como esvaziada, como já ocorrido das outras vezes. A mídia

divulga o fim da greve e o retorno dos trabalhadores à produção. Segundo os noticiários,

apenas na RPBC (Refinaria Presidente Bernardes) a greve continuava. Os números

apresentados apontavam o crescimento e a normalização da produção.

Mais uma vez, como tática explícita da empresa, claramente tentava-se demonstrar

que com a ocupação do exército a greve havia acabado. Da mesma forma, a mídia

anunciava a falta de gás, os transtornos causados à população, de forma a isolar o

movimento.

Romão ressalta que a ocupação do exército foi uma ação bem diferente das saídas

negociadas que o movimento grevista vinha construindo, através da busca de vários

interlocutores. Segundo o autor, “esse ato de força do governo deixou clara a continuada

disposição de Fernando Henrique Cardoso para o confronto”.328 Permanecia, portanto,

apenas o caminho do TST, que poderia manter a abusividade da greve, porém acenando

para que a Petrobrás promovesse a revisão nos acordos assinados. A questão passou a ser

uma saída honrosa para os petroleiros.

Mesmo diante de tanta expectativa, no dia 26/05 o resultado do julgamento do TST

não aponta para uma saída. Por 10 votos a 2, a validade do Protocolo não foi reconhecida.

A abusividade da greve foi reafirmada de forma unânime; e, de igual forma, foi mantida a

multa. A categoria desconhece o julgamento e aprova novamente, em suas bases, a

continuidade da greve.

Nesse momento, os sindicalistas acreditavam que somente a continuidade da greve

seria a forma de pressão necessária para a solução do impasse, capaz de abrir canais de

negociação. A categoria dava sinais de cansaço, a mídia fechava o cerco e a população

expressava de diversas formas sua revolta contra a greve.

327 SOUZA, 2001, op. cit., p. 252.328 ROMÃO, 2006, op. cit., p. 410.

145

Nos informativos da FUP começa a ficar clara a magnitude dos problemas a serem

enfrentados. Em bases como a de Mauá, dão conta do risco de isolamento em função dos

ataques da mídia. Na usina de xisto, no Paraná, é aprovada a suspensão da greve; os

trabalhadores suspendem a greve e aprovam permanecer fazendo atrasos na entrada.

No dia 26/05, a Petrobrás acena com a possibilidade de diálogo. Em comunicado

aos sindicatos, afirma estar autorizada a retomar as negociações, ao mesmo tempo faz

publicar notícias de demissão em massa a partir do 30º dia de greve, com a justificativa de

abandono do emprego. Essas ameaças ganham força no dia 28/05, quando a REPLAN

(Refinaria de Paulínia) demite mais 26 petroleiros, por não terem respondido à

convocação da empresa.

De acordo com Bicudo e Tenório, a FUP responde a essas ações convocando os

trabalhadores para assumirem controle total da produção e acelerar as listas de demissão

em massa. Uma vez mais a FUP apela para ações que até aquele momento a categoria não

havia conseguido realizar, mesmo com todos os seus apelos. Em realidade, nem as listas

conseguiram a adesão necessária nem a categoria tinha conseguido ter o controle total da

produção e distribuição.329

Romão relata que, em Sergipe, a Unidade de Processamento de Gás Natural

(UPGN) voltou a operar, iniciando seu processamento; em Pernambuco, base que oscilou

muito durante todo o movimento, a greve é suspensa.330 Na FAFEN Bahia, reduziu-se a

capacidade das unidades, mas não conseguiram pará-la completamente. No Espírito Santo,

a greve também foi suspensa.

Nesse sentido, diferentemente da FUP, que ainda buscava saídas negociadas, a

Presidência da República, a partir dia 29/05, cobra da Petrobrás e do Ministério da Justiça

as medidas judiciais cabíveis contra os responsáveis pela greve. Assim, são acionadas a

Procuradoria-Geral da República, a Procuradoria-Geral do Trabalho e a Polícia Federal.

Nesse mesmo dia, o ex-presidente Itamar Franco comunica-se com a FUP, revelando que

manteve contato com Fernando Henrique Cardoso, reafirmando a validade dos acordos

assinados.331

329 BICUDO e TENÓRIO, 2001, op. cit., p. 92.330 ROMÃO, 2006, op. cit., p. 410.331 GALVÃO, 2003, op. cit., p. 75.

146

A autora afirma que, com a entrada do deputado Franco Montoro e o retorno das

ações de Tarso Jereissati nesse cenário, as possibilidades de negociação voltaram a se

evidenciar junto a Fernando Henrique Cardoso; mas nada foi alcançado, pois todas as

propostas esbarravam na questão das demissões. No 29º dia de greve a questão das

demissões em massa por abandono do emprego, divulgada de forma massiva pela mídia,

pressionava as bases petroleiras.

Dia a dia a disputa entre os petroleiros e o governo se confirmava cada vez mais

uma batalha desigual. No dia 31/05 a FUP lançou um documento que deveria ser enviado

por cada sindicato às gerências da Petrobrás; onde afirmava que os trabalhadores não

abandonaram o emprego e que voltariam ao trabalho assim que os acordos com a FUP

fossem efetivados.

Além disso, a FUP propõe, no mesmo dia, um documento intitulado “Carta da FUP

ao Congresso Nacional”. Nele eram explicitadas algumas condições para o retorno ao

trabalho. Segundo relata Romão, esse documento deveria ser assinado pelos congressistas

constando “um apelo aos petroleiros para que retornem ao trabalho e à Petrobrás que

retome imediatamente as negociações”.332 Nesse mesmo dia, mais 11 petroleiros são

demitidos por não responderem à convocação da empresa.

O informe da FUP de 01/06 trata das negociações que estariam se desenvolvendo

junto ao governo; já que, em Brasília, uma comissão de parlamentares teria se reunido

com o ministro da Minas e Energia, que ficara de dar uma resposta sobre a Carta da FUP,

especialmente em relação às demissões. Entretanto, o próprio informe traz de forma

explícita: “não podemos ter nenhuma expectativa de que o retorno do ministro reflita

alteração na posição do governo”.333 Isto porque, se em condições adversas o governo

nunca aceitou negociar, não seria nesse cenário em que o movimento dava sinais

concretos de exaustão que o governo cederia, mesmo porque, a própria FUP reconhecia

que: “a greve permanece forte nas refinarias e tem problemas nas áreas de

exploração/produção”.334

332 ROMÃO, 2006, op. cit., p. 415.333 Primeira Mão, de 01/06/1995.334 Idem.

147

Os sinais de enfraquecimento chegavam de toda parte. Neste mesmo dia, os

informes traziam que em Sergipe as plataformas já estavam ocupadas com pessoal da

gerência; que no Ceará o mesmo ocorria, e em Guararema, no Rio de Janeiro, o turno da

manhã havia entrado para trabalhar. No Rio Grande do Norte a greve havia sido suspensa.

Assim, não era apenas uma base ou unidade que resolvia sair da greve, mas todo um

conjunto de unidades em terra e mar. Na Bahia, funcionários do administrativo da Calçada

e Itaigara resolvem suspender a greve.

Na RLAM (Refinaria Landulfo Alves), o informe aponta que, apesar do clima

desfavorável, os trabalhadores resolveram ocupar a refinaria, mas permaneciam de braços

cruzados. No Paraná, o clima era de acirramento, no dia anterior a base rejeitara o

documento da FUP aos parlamentares e defendia a radicalização do movimento; assim

como na REVAP (Refinaria do Vale do Paraíba) foi provado em assembléia que a FUP

deveria esgotar todas as possibilidades de negociação, após o que entregaria a lista de

demissão coletiva deixaria Brasília, passando a se instalar em Cubatão.

Em Neves, encontra-se o relato de que, ainda no dia 01/06, a FUP permaneceu

orientando a continuidade da greve e explicando como cada sindicato deveria proceder

quanto à cobrança das multas.335 De acordo com Romão, a FUP aguardava posição de um

grupo de parlamentares para dialogar com Fernando Henrique Cardoso; ou seja, os

sindicalistas ainda trabalhavam com a possibilidade de serem recebidos pelo presidente,

mesmo decorridos tantos dias de paralisação.336

Entretanto, no dia 02/06, já percebendo que não haveria mais nenhuma chance de

negociação, e reconhecendo que a cada hora que passava mais bases suspendiam a greve,

a FUP comunica às suas bases:

“De posse do quadro nacional de hoje, onde apesar de ainda haver muita disposição em algumas refinarias, a realidade da maioria das bases aponta um caminho que não marca para a continuidade de uma greve forte na categoria, e de que é necessário mantermos a nossa unidade nacional para que não haja divisão, e ainda de que não vemos perspectiva de que possamos encontrar negociação por dentro da greve. A análise da direção da FUP, por unanimidade, é de que devemos SUSPENDER O MOVIMENTO, MANTER O ESTADO DE GREVE e indicar a 3ª feira (06/06) para data de início das negociações com a companhia”.337

335 NEVES, 2002, op. cit., p. 133.336 ROMÃO, 2006, op. cit., p. 417.337 In: ROMÃO, 2006, op. cit., p. 417.

148

Chegava ao fim, então, uma das maiores manifestações de luta da classe

trabalhadora no Brasil em todos os tempos. Nas refinarias o retorno não foi imediato, pois

houve negociações e resistências. Na RECAP (Refinaria de Capuava) e REPLAN

(Refinaria de Paulínia) aprovou-se o fim da greve, mas exigiu-se a saída do exército para

que os trabalhadores retornassem ao trabalho. Na REVAP (Refinaria do Vale do Paraíba)

e REFAP (Refinaria Alberto Pasqualini), a proposta de fim da greve foi rejeitada no

primeiro momento; mas aprovado posteriormente. Na RPBC (Refinaria Presidente

Bernardes) o retorno ao trabalho só ocorreu no dia seguinte. Nessa refinaria, após várias

horas de assembléia, os trabalhadores abandonaram a refinaria cantando o Hino Nacional,

e voltando logo após para o trabalho.

Tudo isto tornava esta greve um evento importante sob o plano político e

simbólico. Para o governo se tratava de quebrar definitivamente as resistências do

movimento sindical às medidas liberalizantes da economia, projeto do presidente

Fernando Henrique Cardoso. Não era por mera coincidência que a imprensa fazia a

comparação entre a greve dos petroleiros no Brasil e a greve dos mineiros no final dos

anos 1970 na Inglaterra, em oposição às medidas tomadas por Margaret Tchatcher338,

enquanto que para os sindicalistas ela significava um meio de impor limites a este projeto.

De acordo com Antunes, com Fernando Henrique Cardoso, mais uma vez o Estado

brasileiro faz uma importante inflexão; abandonando por completo qualquer vestígio do

nacional desenvolvimentismo, eixo através do qual o país vinha se pautando desde os anos

1930, e adota de forma organizada a pragmática neoliberal, na qual não cabia a presença

da “fala”.339 Como ocorreu no início dos anos 1960, no golpe militar, em 1968 e na

reconstrução democrática dentro das ações do Novo Sindicalismo, a greve dos petroleiros

em 1995 refletiu e significava a resistência dos trabalhadores à grande mudança

conservadora, a serviço da espoliação capitalista, que consolidava-se na vida política,

econômica e social do país.

338 ANTUNES, 2004, op. cit., p. 12.339 Idem.

149

São estes interesses contraditórios que podem explicar a radicalização das partes

envolvidas durante o movimento grevista. Os petroleiros, como visto, após o julgamento

do TST declarando o caráter abusivo da greve, paralisaram quase que completamente a

produção de petróleo e de derivados, ameaçando seriamente o abastecimento de

combustíveis do país. De seu lado, o governo, aproveitando-se do caráter impopular do

movimento enviou o Exército às principais unidades da empresa, procurando, desta forma,

obrigar o retorno dos petroleiros ao trabalho.340

Nesta queda de braço, o governo, apoiado pela opinião pública, saiu largamente

vitorioso: não somente obrigou os trabalhadores a por fim à greve, após 31 dias, sem que

alguma de suas reivindicações tenham sido aceitas, como conseguiu aprovar no Congresso

Nacional o fim dos principais monopólios estatais, inclusive o mais importante de todos

sob o plano simbólico, o monopólio estatal do petróleo.

Para Neves:

“O resultado desta greve mostrou claramente os limites, durante os anos 1990, da ação sindical baseada exclusivamente no conflito. Malgrado o impressionante poder de organização e mobilização interna demonstrado pelos sindicatos dos petroleiros, a greve termina, após 31 dias de paralisação, com uma flagrante derrota dos trabalhadores”.341

O autor ressalta que, de outra maneira, os trabalhadores do petróleo não

conseguiram transformar o seu poder de pressão, fruto da mobilização da categoria, em

simpatia popular, haja vista a imagem negativa do movimento junto à população342: o

movimento deixa a imagem de uma greve corporativista de um grupo de trabalhadores

privilegiados que não temiam prejudicar todo o conjunto da população na defesa de seus

privilégios. Para o autor, não resta dúvida que foi esta imagem pública negativa o ponto

frágil do movimento dos petroleiros.

A última reportagem da série produzida pela revista Veja sobre a greve dos

petroleiros foi, na verdade, um balanço comemorativo dos acontecimentos e do desfecho.

340 O que para muitos significava um retorno a certas práticas vigentes durante a ditadura militar.341 NEVES, 2002, op. cit., p. 22.342 Segundo uma pesquisa de opinião realizada pelo DATAFOLHA e publicada pelo jornal A Folha de São

Paulo, em 24/05/95, a maioria absoluta da população da cidade de São Paulo era contrária à greve (60%), enquanto apenas 21% dos entrevistados apoiavam totalmente as reivindicações dos trabalhadores; Idem, p. 23-24.

150

De um lado, o balanço crítico do fracasso dos petroleiros e a desmoralização das

oposições, especialmente CUT e PT, sobretudo na figura de suas principais lideranças. De

outro lado, elogios ao presidente Fernando Henrique Cardoso que impôs uma expressiva

derrota aos sindicatos.

“Com o fim da greve dos petroleiros, o Planalto merece um brinde (...) mantendo-se numa posição de firmeza diante dos grevistas, mobilizando o ministério, as estações de televisão e até a Justiça do Trabalho, Fernando Henrique Cardoso aplicou uma derrota avassaladora sobre a única oposição organizada a seu governo – os sindicalistas da CUT”.343

Interessante notar que a revista Veja assumiu que os meios de comunicação

(estações de televisão) e até mesmo a Justiça do Trabalho, foram mobilizados para a

operação que tinha o propósito de aplicar uma derrota avassaladora à única oposição

organizada às reformas do governo344.

Após o fim da greve, A Folha emitiu opinião sobre o movimento sindical, através

do editorial CUT pós-greve, de 05/06/1995:

“Apesar de fortemente abalada, a CUT ainda é a principal central sindical do país, e não existe nenhuma outra corrente em condições de substituí-la. É de se esperar que, passada a ressaca provocada pela derrota, a CUT volte a ocupar o seu espaço, mas agora com mais experiência e responsabilidade. (...) Essas considerações são suficientes para que as lideranças do PT e da CUT avaliem, como já vinham fazendo antes do caso dos petroleiros, outras formas de reivindicação salarial que não coloquem a população como o grande prejudicado. É preciso seguir o caminho inverso e tentar obter a simpatia da opinião pública. Se o pleito for justo e a população se convencer disso, um governo democrático certamente terminará por ceder”.345

A Folha buscou reconhecer que a CUT é uma central importante e estabeleceu um

diálogo com uma parcela mais moderada da entidade. Outro movimento importante

explorado neste editorial foi demonstrar que greves radicalizadas em que ameaçaram o

abastecimento de produtos estratégicos não contariam com o respaldo da opinião pública.

Esta greve mostrou a importância da informação e da mídia na formação da

opinião pública no país; além disso, ficou evidente o quanto o movimento sindical

343 FERRAZ, Silvio. Derrotados e quebrados. Veja. São Paulo: Abril, Edição 1395, ano 28, nº 23, p. 38, 07, jun. 1995.

344 CARVALHO, 2004, op. cit., p. 64.345 Jornal A Folha. Editorial CUT Pós-Greve, de 05/06/1995.

151

necessita de aliados no interior da sociedade civil nos seus conflitos com o empresariado

e, sobretudo, com o Estado. O fim traumático desta mobilização operária significou

também uma derrota das tendências sindicais que pregam a radicalização dos conflitos do

trabalho como meio de fazer avançar a consciência de classe dos trabalhadores.346

Bicudo e Tenório ainda chamam a atenção para o fato de que esta greve mostrou os

limites do sindicalismo de inspiração revolucionária em uma sociedade democrática. Para

os autores, os petroleiros foram vencidos não no interior da empresa petrolífera onde, até

o fim do movimento a participação dos trabalhadores permaneceu elevada. Eles foram

vencidos ao nível da sociedade civil brasileira, ao nível das representações sociais sobre a

legitimidade da greve e das demandas dos trabalhadores. O que explica que mesmo o

presidente do Partido dos Trabalhadores, Lula, acabou tomando suas distâncias com

relação à greve dos petroleiros:

“Defendo o direito de greve para as categorias essenciais também. Mas as greves não podem ser as mesmas. Se paro uma metalúrgica ou uma gráfica, não estou mexendo numa categoria essencial ou no material chamado ser humano. Se paro uma sala de aula, estou mexendo com o ser humano. Tenho que pensar de qual forma vou fazer a greve para prejudicar politicamente o governo sem prejudicar minha base de apoio. É o grande desafio para pensar greves de condutores, metroviários, saúde, professores”.347

Assim, dentro desta perspectiva, o sindicalismo, para sobreviver, deve demonstrar

não só uma grande capacidade de organização dos trabalhadores nos locais de trabalho,

mas também de uma capacidade de passar uma boa imagem de suas reivindicações para a

sociedade civil. Ou seja, estas reivindicações devem ser vistas não apenas como simples

reivindicações corporativas, mas como reivindicações de ampliação da cidadania plena no

país.

346 BICUDO e TENÓRIO, 2001, op. cit., p. 19.347 Jornal A Folha de São Paulo, de 06/08/1995.

152

CONCLUSÃO

O estudo ora apresentado buscou:

1º) analisar o contexto de atuação de um Sindicato local (Sindipetro-Caxias de uma

empresa estatal, porém de alcance mundial, no caso a PETROBRÁS S.A. e sua unidade de

produção, a REDUC (Refinaria Duque de Caxias), de modo a verificar a possibilidade de

interpretá-los como projetos de disputa entre as forças econômicas de mercado e a

resistência operária articulada em torno de dois temas básicos: resistência operária e o

projeto neoliberal, tendo como marco desta disputa a greve dos petroleiros de 1995;

2º) investigar o desenvolvimento histórico das linhas de pensamento e atuação dos

trabalhadores, nos contextos políticos e econômicos, desde a inauguração da REDUC nos

anos 1960. Contextualizar o movimento sindical no período da ditadura militar (1964-

1985), até a tentativa de implementação do neoliberalismo, no Brasil, nos anos de 1990,

sob a hipótese de que, diferentemente de outros setores, a organização dos petroleiros e

sua greve de 1995, mesmo nas várias bases e regiões do país, sempre tiveram uma

dimensão de confronto macro-político e macro-econômico, não se prendendo à lógica das

disputas locais, como a base de nosso objeto de estudo, o Sindipetro-Caxias, localizado

cidade de Duque de Caxias;

3º) retomar contribuições teóricas voltadas ao debate das correntes sindicais para,

em seguida, reexaminar os projetos apresentados pelo denominado “novo sindicalismo”

aglutinado em torno da Central Única dos Trabalhadores e da Federação Única dos

Petroleiros, supondo tanto a existência de influências relativas dos primeiros sobre o

segundo, como também uma melhor condição, utilizando este pano de fundo, de olhar em

profundidade o sentido geral e ideológico dos projetos de desenvolvimento nacional e de

poder político apresentados por determinados setores sindicais, notadamente os sindicatos

dos petroleiros.

4º) demonstrar, utilizando a imprensa como fonte de pesquisa, que esta posicionou-

se claramente a favor do governo FHC no enfrentamento da greve de 1995, demonstrando

em seus editoriais e matérias sobre o tema um alinhamento com o projeto do governo.

Em cada um dos capítulos anteriores estabelecemos conclusões parciais que agora

sintetizamos.

153

Os movimentos organizados pelos trabalhadores do ramo do petróleo e seu

instrumento de luta podem ser lidos como projetos de desenvolvimento nacional

combinados a uma determinada perspectiva de transformação ou alteração do poder

político. São, evidentemente, genéricos e não têm a formalização que se poderia esperar,

sobretudo se os enfocarmos tendo em mente uma influência tão poderosa como foi – e

talvez continue sendo ainda – da década de 1960 a 1980, do Partido Comunista Brasileiro,

e de 1990 em diante, do Partido dos Trabalhadores. São também parciais e incompletos,

quando vistos de forma desagregada, com tratamentos desiguais para os vários elementos

mais salientes que o conformam, com resoluções muitas vezes ambíguas para os mesmos.

Mas se o ângulo de observação for o adotado neste texto, o de encontrar uma

singularidade no equacionamento de respostas aos problemas cruciais enfrentados pela

sociedade brasileira naqueles momentos, e mais ainda, o de perceber que estas respostas

tentam estabelecer uma ligação com o passado e com as possibilidades da sociedade

brasileira, aí sim, pode-se considerar que estamos diante de um projeto de

desenvolvimento nacional. Procurou-se mostrar, além disso, continuidades e cortes entre

os dois momentos de elaboração.

Estes projetos procuram articular potencialidades abertas pela crise do final dos

anos 1980, que faz confluir para um período concentrado em duas grandes interrogações e

disputas que polarizam as forças políticas e sociais: a prolongada interrupção do

desenvolvimento econômico, obtido ao longo de décadas de pós-guerra, exigia novas

definições de curso (em meio a profundas pressões internacionais) e de orientação

estratégica e, simultaneamente, a carência de uma direção política e de instituições

adequadas para resolver os profundos problemas de uma substituição inconclusa do

regime militar.

Mas a emergência do projeto de desenvolvimento nacional e de poder político da

Central Única dos Trabalhadores (CUT) só é possível porque, além desta circunstância

especial e não-duradoura na sociedade, a própria CUT e os sindicatos sobre sua influência,

dentre estes os dos Petroleiros, passou a reunir crescentemente ao longo do período,

condições políticas e sociais para se apresentar como protagonista em um momento

decisivo.

Se for possível afirmar que este projeto só se manifestou porque havia uma crise

no movimento sindical com a instalação da ditadura militar (1964-1985), parece também

154

plausível afirmar que na ausência desta – ou se quisermos ser mais precisos, quando os

sinais de sua evolução se alteram radicalmente, como foi à passagem de 1974 a 1980 –

quando o projeto da ditadura perde densidade, aparecem suas contradições internas e o

próprio regime (e seu projeto) sofre um intenso deslocamento com a forte, rápida e

desfavorável alteração da correlação de forças na sociedade. O movimento articulado pelo

chamado novo sindicalismo, inicia um novo posicionamento no mundo sindical,

culminando com o surgimento do Partido dos Trabalhadores e da CUT.

Uma melhor compreensão do projeto da CUT foi possível pelo recurso ao

contraponto com contribuições teóricas desenvolvidas em períodos diferentes e em épocas

históricas diferentes. Por isso mesmo, registramos uma cautela necessária para não

enxergar na elaboração da CUT, da tomada dos sindicatos dos petroleiros e da fundação

da Federação Única dos Petroleiros um prolongamento de experiências de caráter e

natureza diversas e que sofreram, ao longo do tempo, fortes descontinuidades. Mas este

contraponto nos permitiu salientar laços de aproximação e, portanto, relativizar bastante a

singularidade da contribuição do Sindipetro-Caxias, e aprofundar a análise do sentido

geral e ideológico do projeto da resistência operária no setor petróleo.

Ao longo desta dissertação nos referimos a este projeto ora no singular ora no

plural, expressando tanto continuidades básicas, como também cortes e alterações

significativas. Entre 1990 e 1995, do início do projeto neoliberal e seu confronto com o

projeto de desenvolvimento nacional e de poder político os trabalhadores da

PETROBRÁS S.A, através de seus sindicatos, no caso de nosso objeto de estudo o

Sindipetro-Caxias e os petroleiros do Brasil, apresentam uma perspectiva de resistência à

privatização da empresa e de suas reservas de petróleo e combinam suas lutas aos demais

setores de enfrentamento ao projeto neoliberal. Vale ressaltar, mantém sob foco os dois

grandes temas – desenvolvimento nacional e poder político – distribuídos em três grandes

objetivos: manutenção do monopólio do petróleo e suas reservas pela PETROBRÁS S.A.,

a manutenção da empresa como estatal e de seus funcionários como servidores públicos.

Os enfrentamentos realizados pelos petroleiros do sistema PETROBRÁS S.A. e

seus sindicatos, em nosso caso, o Sindipetro–Caxias, desde o período da eleição de

Fernando Collor em 1989 até a greve de 1995, no governo Fernando Henrique Cardoso,

expressam mesmo que em sindicatos de base municipal, como os trabalhadores da

REDUC, uma resistência global ao modelo neoliberal.

155

Assim, também podemos ver cortes e orientações significativamente diversas do

projeto neoliberal no movimento sindical e nos partidos de esquerda entre 1989 e 1995.

Ele não pode ser compreendido sem o contextualizarmos desde a década de 1960.

Esta conclusão talvez ficasse incompleta se não indicássemos algumas linhas

temáticas, de caráter mais geral, por onde prosseguir uma pesquisa sobre o tema dos

projetos de privatização e implementação do projeto neoliberal e a resistência operária.

1. Primeiramente vale a interrogação: como a luta local se articula com a luta

global a partir dos sindicatos municipais em um ambiente de mudanças internacionais e de

novos condicionantes nacionais? A partir de quais premissas analisaremos com

profundidade o efeito das transformações, no sentido liberal, do Estado? É possível a

hipótese de uma reconstrução nacional do Estado (de caráter não liberal)? Enfim, como

articular estas questões com as grandes contribuições teóricas deste século sobre o tema

do desenvolvimento na periferia? Que atualidade ou validade continuariam tendo? Como

os trabalhadores de uma empresa estatal, a PETROBRÁS S.A, que atua como

multinacional na economia global, pode construir elementos de resistência à exploração

capitalista em um cenário neoliberal?

2. O maior problema contido neste assunto é que o um projeto de natureza nacional

é um tema que parece não ter mais lugar na teoria, embora cresça a desigualdade entre

países e regiões. Assim sendo, não assistimos mais ao destaque teórico e político – uma

característica da dupla natureza do tema – que o tema já teve. Por exemplo, no período do

pós-guerra, sobretudo no campo da teoria econômica, em grande medida influenciado pelo

keynesianismo.

O que, sim, pode se apresentar como uma necessidade teórica é a retomada do

estudo de fundamentos das várias correntes que se acercam do tema da resistência

operária e a luta contra o neoliberalismo e sua política de privatização, principalmente

durante os oito anos do governo Fernando Henrique Cardoso.

Buscar diálogo com as pesquisas mais recentes, procurando investigar

continuidades e rupturas. Assim propomos um duplo movimento, tomando novas

referências teóricas e retomando antigas. E a partir desta base procurar respostas às

questões que formulamos no início.

156

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ANEXOFonte das Fotos: CÂMARA MUNICIPAL DE DUQUE DE CAXIAS.

Figura 1 – Barca chega ao Porto de MauáFigura 2 – O transporte ferroviário aos poucos

substitui o hidrográfico na região

Figura 3 – Foto original da “Baronesa”Figura 4 – A UPC, grupo formado por políticos, jornalistas e médicos, lutou pela emancipação da

Cidade

Figura 4 – Estação de Caxias Figura 6 – Sede da Câmara na Av. Nilo Peçanha

165

Figura 7 – Inauguração da nova sede Figura 8 – Construção da FNM

Figura 9 – A FNM produziu aviões de guerra Figura 11 – A Luxuosa Vila dos Engenheiros

Figura 10 - Vista do centro do Município, na década de 40, em franco crescimento.

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Figura 12 – Caminhão feito em Caxias Figura 13 - A Reduc é a maior refinaria em complexidade do país

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