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“Pensamos que o mais interessante em arquitectura não é resolver problemas, é resolver problemas criticamente. De uma forma que questione as práticas correntes da construção e, se é permitida esta ambição, da sociedade em que vivemos.” Plano B Arquitectos Junho 2007 CASA EM ARRUDA DOS VINHOS . PLANO B ARQUITECTOS

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“Pensamos que o mais interessante em arquitectura não é

resolver problemas, é resolver problemas criticamente. De uma forma

que questione as práticas correntes da construção e, se é permitida

esta ambição, da sociedade em que vivemos.”

Plano B Arquitectos

Junho 2007

CASA EM ARRUDA DOS VINHOS . PLANO B ARQUITECTOS

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A casa em Arruda dos Vinhos, do gabinete de arquitectura Plano B, parece ser um exercício perfeito desta arquitectura crítica.

Desta atitude de questionar a sociedade.

Após ponderar a análise de uma obra de Tadao Ando, decidi fazê-la em relação a esta casa. Isto por dois motivos: ao pesquisar outro tema qualquer, deparei-me com o blog que descreve toda a sua edificação, com spots da evolução do próprio conceito arquitectónico e com muitas imagens.

Mais do que isso, porém, apresentou-se-me uma outra grande vantagem: é obra nacional, em território português, de arquitectos tão nossos.

O site do Plano B não apresenta obras do último par de anos. Parecem, no entanto, ainda existir em espírito; dei com um post relativamente recente sobre esta sua Casa em Arruda noutro qualquer sítio cibernáutico, cujo autor se desfazia em louvores sobre a “arquitectura verde” e a “sustentabilidade” da coisa.

Ele(s) também, e responderam; agradeceram a simpatia pelo texto, mas que não, não era nada de “sustentável” ou “verde”, citando Souto Moura na sua visão de que sustentável tem de ser a arquitectura - é uma das condições da sua qualidade. Que o que fizeram naquela obra fora um reflexo do que pensavam na altura; que era na articulação de materiais orgânicos - leia-se taipa, madeira - com industriais - betão, metal - que centravam o seu fazer.

Creio que é um fazer arquitectura, um saber fazer aliás, que esta casa demonstra. Claro que o desenho é minimalista, contemporâneo, clean, articulado com a paisagem. Desenho de arquitecto.

Mas a construção da casa passou também pela sensibilidade do material e pela construção eficaz. Pelo apelo a voluntários que ajudassem a amassar e a construir paredes de terra e de palha, voltando ao sentido comunitário que a construção em tempos teve. Por partilhar, até hoje, os vários momentos desde deitar abaixo as ruínas até aos acabamentos.

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DADOS TÉCNICOSPROGRAMA . uma casa em Arruda dos Vinhos

CONDICIONANTES . local de implantação em reserva ecológica . área de implantação de 60 m2 . respeito pelos antigos limites de ocupação, altura e nº de pisos

ESTRUTURA . Madeira de eucalipto (idoso, de cerne alargado) . Tabique de terra . Fundações e laje maciça em betão armado

IMPERMEABILIZAÇÃO . Laje de fundação

- tela asfáltica . Cobertura - flintkote, tela asfáltica sobre OSB com pendente de 4%

ISOLAMENTOS TÉRMICOS . Paredes exteriores

- aglomerado de cortiça em placas de 5cm esp. (100 m2) . Paredes interiores

- ripado em madeira de pinho, enchimento com terra . Laje; Paredes das vigas de fundação

- Floormate com 40 mm espessura- betuminoso e poliestireno extrudido com 30 mm esp.

. Cobertura - poliestireno extrudido com 5 cm esp.

VÃOS . de batente; dois vãos fixos com caixilharia híbrida em aço

. vidros duplos; vidro duplo: folha temperada baixo-emissiva - 8 mm esp., caixa de ar - 10 mm esp., e laminada e foscada a ácido - 11 mm esp.

. Área total dos envidraçados: 33,22 m2

ACABAMENTOS . Paredes interiores

- reboco a cal e areia, MDF hidrófugo colorido sobre OSB . Paredes exteriores

- chapas de policarbonato ondulado (100 m2)- madeira de pinho

. Cobertura- soalho em deck reciclado sobre estrutura de chapa galvanizada

. Tecto- tecto falso em gesso cartonado

. Soalho- betonilha afagada protegida com resina acrílica

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LOCALCasal de Santo António, Santiago dos VelhosArruda dos Vinhos

CLIENTERui Pedro Bargado Lérias

PROJECTO DE EXECUÇÃOMarço de 2007

ARQUITECTURAPlano B Arquitectura

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A casa de Arruda dos Vinhos, do atelier Plano B arquitectos, é um exercício de adaptação de materiais e de técnicas, de moldagem do conceito de habitação ao sítio e ao tempo.

Foi um projecto de uma casa que teria de seguir a outra que já lá houvera. Se a ruína foi o passaporte para o licenciamento, os seus sessenta metros quadrados de implantação, o seu piso térreo e a sua altura foram lei – literalmente. Sendo uma reserva ecológica, as restrições legislativas ao projecto foram exponenciais.

Fazer mais como, se era um problema que estavam com ele? O projecto trocou a ordem natural das coisas. Se o que já existia tinha de ser utilizado, fizeram-no literalmente.

A era da ecologia, da construção sustentável, das paredes trombe, da reutilização de materiais e dos painéis solares é esta, e era, em 2007, a do Plano B. Construir verde, construir sustentável, construir para as gerações futuras, reduzir a pegada ecológica - slogans publicitários, reclames de produtores, cartilha moral, legislação solar. Norman Foster com a sua torre sustentável, ditando a moda do alto da sua tecnologia de ponta; no extremo oposto da moeda, propagam-se os workshops de construção em taipa, os laboratórios de casas eficientes, os colectores solares. Going green é fashion.

Fashion continua a ser, também, o betão, o vidro, o metal. Os materiais industriais, os traços modernos à Mies van der Rohe, a tecnologia.

O projecto para a casa de Arruda dos Vinhos, como qualquer projecto de boa arquitectura, é um produto do seu tempo. Mas tem a grande particularidade de estar num patamar de maturidade muito além da arquitectura-verde-laboratório ou da arquitectura-umbiguista-de-autor.

É inegável estarmos num ponto de viragem na abordagem à arquitectura porque, se ela tem de ser eficaz e sustentável, devê-lo-ia ser de forma natural e esta naturalidade deveria ser parte integrante do projecto que a gera.

O arquitecto Eduardo Souto de Moura, respondendo à pergunta que a imprensa lhe fazia sobre a sustentabilidade do seu Estádio Municipal de Braga, disse não crer haver uma ‘arquitectura sustentável’; haveria, sim, uma boa ou uma má eficácia de um bom ou de um mau projecto arquitectónico.

Este impasse é problemático porque não há, ainda, formação académica suficientemente sustentada para nos dar, futuros arquitectos, as bases técnicas suficientes para desenhar com eficácia. E talvez seja por isso que o “verde” é ainda berrante, destoa do “projecto de arquitectura” e é uma especialidade. De projectista ou de engenheiro, de legislação e de RCCTE; quanto muito, de arquitecto que foi à procura e desmontou a informação.

O que os arquitectos do Plano B fizeram foi pegar na sustentabilidade tal como pegaram nas restrições de área de implantação ou na paisagem; foi um dado, uma componente do programa a resolver. Não tomando como adquiridos os pilotis de betão armado e a alvenaria de tijolo de 11 do mesmo modo como não deram como adquirido o como resolver materialmente a dicotomia conceptual entre o volume do edifício e a base (de contenção, de terraplanagem) sobre a qual ele assenta.

A sua forma de resolver estes problemas criticamente foi, na pior das caracterizações, arquitectónica.

Desenharam um volume simples a partir da orientação da paisagem, reutilizando o reutilizável da ruína e reinventando-a com o que a era moderna tem para acrescentar.

E se queriam questionar a sociedade em que vivemos - pois conseguiram.

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A CASA E O LOCAL

O projecto consiste na articulação de dois elementos base: um volume de habitação, assente numa base asfáltica permeável a 40% às águas pluviais, que cobre o piso exterior. Os muros de contenção e de delimitação, em betão armado, foram deixados sem revestimento; a planta é extremamente simples - um quadrado com área mais técnica na sua extremidade Norte. A área da cozinha faz a transição entre este espaço e a grande sala/quarto de dormir.

A casa está orientada pelos vértices, sensivelmente num eixo Norte-Sul. Esta decisão prende-se com a morfologia do terreno, com uma criação de relação com a paisagem rural e com uma maior liberdade de abertura de vãos - de que os arquitectos tiraram pleno partido. Os vãos são muitos e grandes; ocupam cerca de 33% da área de parede, e concentram-se naturalmente nas fachadas Sudeste e Sudoeste que iluminam e ventilam a zona mais habitada da casa.

Arruda dos Vinhos, com clima tipo temperado, reflecte a influência atlântica, reforçada pela presença do rio Tejo. A região apresenta um clima temperado (temperatura média anual (TMA) de 16,1 ºC), moderado (variação da TMA de 16,5ºC), seco (U média anual 77%, às 9h e 59%, às 15h) e moderadamente chuvoso (P média anual 587mm). Não é particularmente ventosa (a velocidade média do vento, predominantemente Norte e Nordeste, é de 17,6 km/h); a elevação do terreno, a Norte, protegerá a habitação na maioria dos dias.

Depreende-se, portanto, que não haverá necessidade de sistemas construtivos altamente sofisticados, dada a amenidade do clima. O maior problema potencial que se apresenta, de facto, é de haver um sismo.

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PLANTA E AXONOMETRIAPLANO B ARQUITECTOS

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LAJE E FUNDAÇÕESA casa assenta numa laje maciça de betão armado, com sapatas, vigas de fundação e com toda a parafernália de isolamentos a que a eles estão associados.À partida, a decisão de betonar a laje e as fundações e revesti-las com os materiais escolhidos é uma opção padrão e comum; não necessariamente mas, em princípio, seria uma solução construtiva eficiente ao nível térmico.Entre telas asfálticas e Floormate, e partindo do pressuposto de que a aplicação dos isolamentos é tão eficaz quanto o que os testes de laboratório

ditam, a laje maciça de betão armado não apresenta grandes riscos de desconforto ou de pontes térmicas. Todas as paredes e as vigas foram revestidas por um betuminoso e por poliestireno, que lhes conferirão uma maior capacidade de manobra contra as pontes térmicas. Aliás, com um coeficiente de transmissão térmica de 0,55, o contacto com o solo está bem dentro do que é considerado eficaz.

Não contei, para efeitos de cálculo, com a espessura dos lintéis ou com o desnível do reservatório de águas pluviais - sabendo, no entanto, que este representa um foco de incidência de humidade e um potencial abismo para uma ponte térmica. Mas a construção é de 2007; o processo construtivo foi amplamente acompanhado; a casa encontra-se ligeiramente afastada do plano do terreno. Haverá diferenças nos resultados da análise das perdas para a envolvente mas, com todos os factores pesados, creio que a solução construtiva das fundações, reservatório e laje é perfeitamente capaz e ajustada ao propósito de habitação.

Poder-se-ia argumentar que os custos de produção, transporte e aplicação do betão, do ferro e dos vários compostos dos isolamentos incorporaram uma quantidade de energia muito superior à que seria economizada com a sua aplicação. Que estão longe de serem ecológicos. Acaba por ser esta a discussão da construção sustentável, hoje em dia; os prós e os contras da era da industrialização e da técnica versus os prós e os contras da economia de recursos e a ecologia das soluções.

Neste caso, a indústria prova ser sólida. E eficaz.

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Tipo Espessuraλ

Condutibilidade térmica

R Resistência térmica

U Coeficiente de

transmissão térmica

Perdas para a envolvente (Wh/m².ano)

Fundações e laje

ImpermeabilizaçãoIsolamentos

Soalho

Betão armado 0,2 1,75 0,11 0,550 413,280

Tela asfáltica 0,006 0,23 0,03Floormate 0,04 0,035 1,14

Betuminoso epoliestireno extrudido 0,03 0,13 0,23

Betonilha afagadacom resina acrílica 0,05 0,35 0,14

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MAP

A DE

BET

ONA

GEN

SPL

ANO

B A

RQUI

TECT

OS

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PAREDES

É aqui que a construção se torna original.A escolha de uma estrutura de madeira de eucalipto foi assumidamente arriscada,

devido às características estáticas e de resistência ao empeno; contudo, para efeitos de sustentabilidade, é uma escolha interessante. O eucalipto é utilizado como material construtivo mas, geralmente, noutras aplicações.

A sua utilização, aqui, é interessante sobretudo por se fazer acompanhar de um sistema construtivo pouco comum: o espaço intersticial dos elementos de madeira de eucalipto é preenchido por terra amassada com palha. No interior, é sustida por um fasquiado de pinho e rebocado a cal aérea e areia; no exterior, placas de aglomerado negro de cortiça isolam o conjunto que é, então, revestido por chapas de policarbonato alveolar.

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MAPA DE ESTRUTURAS - MADEIRA (PORMENOR)PLANO B ARQUITECTOS

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A cortiça é, aqui, o elemento-chave. A taipa apresenta, obviamente, grandes vantagens ao nível da redução de energia incorporada no seu fabrico e aplicação - até por as paredes terem sido erguidas com pela mão-de-obra que respondeu ao apelo online por voluntários. Não é tão comum assim haver, hoje, um empenho de uma comunidade, sobretudo cibernáutica, em se reunir por uma causa comum.

Por incorporar menos energia, a terra é à partida uma escolha “verde”. A terra e a palha não têm características térmicas fabulosas por si mas, associadas a cinco centímetros

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de cortiça e a uma camada impermeabilizante de policarbonato, obtém-se uma boa estabilidade térmica, com um coeficiente de transmissão térmica de 0,47.

Os acabamentos interiores dependem, obviamente, da área da casa; nas zonas húmidas (instalação sanitária e cozinha), o tabique é revestido a MDF hidrófugo negro sobre placas de Oriented Strand Board (OSB). Na área de estar / dormir, aplicou-se um reboco de cal aérea e areia - citando os Plano B, “pelas suas características de permeabilidade ao vapor de água (um factor importante numa parede de terra) e, igualmente, de ductilidade que evite a sua fendilhação (uma vez que todos os suportes são em madeira e consequentemente muito susceptíveis a dilatações e contracções provocadas pelas variantes do clima)”.

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Tipo Espessuraλ

Condutibilidade térmica

R Resistência térmica

U Coeficiente de

transmissão térmica

Perdas paraa envolvente(Wh/m².ano)

ParedesExteriores

Isolamento

ParedesInteriores

Chapas depolicarbonato

ondulado0,004 2,9 0,0014 0,472 397,892

Estrutura metálica detubos galvanizados 0,025x0,025 -- 0,16

Madeira (Pinho) 0,10 0,23 0,43Placas de

aglomerado negrode cortiça

0,05 0,045 1,11

Ripado em madeira de pinho;

tabique de terra0,20 0,92 0,22 2,421

Reboco a cal e areia 0,025 0,7 0,04

MDF hidrófugo 0,008 0,5 0,016 2,230OSB 4 0,011 0,20 0,055

SISTEMA CONSTRUTIVO DAS PAREDESPLANO B ARQUITECTOS

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VÃOS ENVIDRAÇADOS

Os panos de vidro foram decididos com cuidado. Se, por um lado, permitem uma generosidade privilegiada tanto da entrada da luz natural como da paisagem para o interior, por outro lado representam, tipicamente, o ponto de maior desequilíbrio térmico numa habitação.

Os arquitectos optaram pelo desenho dos caixilhos, descritos como híbridos e feitos especificamente para a casa. Todos os vidros são duplos e, naturalmente, temperados. Os maiores - fixos - são baixo-emissivos: compõem-se por uma folha temperada baixo-emissiva de 8 mm de espessura, caixa de ar com 10 mm, e outra folha laminada e foscada a ácido, de 11 mm de espessura. É interessante notar que os vidros fixos, por serem tratados para evitar grandes trocas de energia com o exterior, apresentam características térmicas semelhantes às das paredes interiores, com vinte centímetros de espessura e rebocadas; de uma forma geral, todos eles comportam-se de forma eficaz, sobretudo tendo em conta a percentagem de

área que ocupam, que com 35,64% é muito acima do que é comum e corrente em Portugal. Tem também a vantagem de, por se tratar de uma habitação com todas as fachadas desimpedidas e com vãos, permitir ventilação cruzada - um factor crucial de conforto. O facto de a maior parte dos vãos ter sido colocada na orientação Sul - Sudoeste e Sudeste - faz com que, a nível de ganhos solares, se rentabilize a entrada de radiação, pois é nesta orientação que contabilizam os ganhos solares úteis na estação de aquecimento. Já no Verão, o risco de excesso de entrada de raios solares, é colmatado pelo tratamento dado aos vãos foscados já que, assim, parte da radiação é absorvida antes de chegar ao interior. Apresentando índices baixos de perdas energéticas, aparentemente, a generosidade dos vãos e de luz natural não envolve perdas de conforto pela dissipação ou excesso de calor.

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Tipo Espessura Área doenvidraçado

Factor Solar

U Coeficiente de transmissão

térmica

Perdas paraa envolvente(Wh/m².ano)

Vãos

Vidros duplosfolha transparente

Vidro duplofolha translúcida

Caixilharia híbrida (aço) --

-- 0,025 16,45 0,75 3,7 791,005

Vidro temperadobaixo-emissivo 0,008

Caixa-de-ar 0,01Vidro laminadofoscado a ácido 0,011

0,029 16,78 0,35 2,5 545,1881.336,192

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MAPA DE VÃOS ENVIDRAÇADOS SIMPLIFICADOPLANO B ARQUITECTOS

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COBERTURA

A casa de Arruda dos Vinhos é coberta por material reciclado.

O deck utilizado consiste em pinho de cofragem, vulgar, reutilizado num projecto efémero e aplicado definitivamente nesta cobertura, após três anos de armazém e os devidos tratamentos impermeabilizantes e fungicidas.

A ideia de reutilizar madeira é sempre boa - até pela metáfora da reutilização madeira de cofragem e das múltiplas associações conceptuais que se lhe podem fazer.

A madeira, nesta cobertura, é visível do plano térreo, e conjuga-se com os elementos deslizantes que cobrem os vãos envidraçados. Arquitectonicamente, fala-se a mesma língua; termicamente, também.

Ao tecto falso em gesso cartonado, sustido por uma estrutura metálica, sobrepõe-se a estrutura metálica, onde assenta uma camada de Oriented Strand Board com pendente de 4%. Sobre esta, isolamento em cobertura invertida: Flintkote em pasta e telas asfálticas para a impermeabilização; o poliestireno extrudido com cinco centímetros de espessura faz o tampão térmico que torna esta cobertura sólida contra trocas térmicas (0,38 de coeficiente de transmissão térmica). Tendo em conta que a cobertura é dos pontos críticos da eficiência dos edifícios, um valor tão baixo reduz em muito as necessidades energéticas na estação de aquecimento - o parâmetro que tem vindo a ser calculado.

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Tipo Espessuraλ

Condutibilidade térmica

R Resistência térmica

U Coeficiente de transmissão

térmica

Perdas paraa envolvente(Wh/m².ano)

Tecto

Cobertura

Impermeabilização

Isolamentos

Tecto falso em gesso cartonado 0,04 0,35 0,11 267,835

Estrutura de chapagalvanizada -- -- -- 0,387

Soalho em deckreciclado 0,10 0,23 0,43

OSB 4, pendente 4% 0,015 0,20 0,075Flintkote 0,006 0,23 0,03

Telas asfálticas (2 camadas) 0,08 0,23 0,35

Poliestireno extrudido 0,05 0,035 1,43

267,84

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A POSTERIORI

O conjunto das componentes da casa - laje e fundações, paredes, vãos envidraçados e cobertura - apresenta coeficientes de transmissão térmica bons ou muito bons, para todos os sistemas construtivos. Isto significa que, no papel, a casa funciona bem a nível térmico, parecendo não apenas cumprir os regulamentos mínimos mas ser verdadeiramente eficiente.De igual modo, dada a homogeneidade dos elementos construtivos e a sua aplicação, à partida o risco de pontes térmicas é baixo, fazendo com que problemas como condensações internas

seja improvável (e daí, dada a materialidade do reboco, talvez mesmo que as houvesse, o edifício incorporá-las-ia e canalizá-las-ia para o exterior).

O desenho resolve questões importantes, como a ventilação cruzada - o que ajuda a garantir as renovações de ar necessárias e a potenciar o arrefecimento da casa, nos meses quentes -, a colocação lógica dos vãos e a integração com a paisagem.

Por outro lado, o ‘linguarejar’ estético de arquitecto é, neste projecto, uma escolha de materiais que une o conceito e a construção.

Apesar de não ter calculado um potencial efeito térmico do asfalto (permeável a 40%) com que o Plano B cobriu o acesso à casa e os muros de contenção, é óbvio que a constância da membrana que rodeia a casa choca com o verde e as referidas vinhas que, provavelmente, fizeram com que Rui Pedro Lérias decidisse construir ali, em Arruda dos Vinhos, a sua casa.

E se calhar foi pela sensibilidade dos Plano B que a eles recorreu para o desenho.Porque funcionar no papel ou na fotografia não são suficientes individualmente mas

para mim, que lá não fui, o facto de esta casa funcionar nas duas, o facto de o “levantar” a casa do chão ter sido público em todos os sentidos, o facto de a casa ter sido pensada ao ponto de não se ter partido de dados adquiridos em nada - tudo parece levar-me a crer que a casa funciona.

Como objecto eficaz onde viver.Como peça que encaixa na paisagem.Como resultado de um processo de aprendizagem - se não para os arquitectos ou

para o dono de obra, pelo menos para quem lê o blog, vê as fotografias e percebe um raciocínio metódico de que este projecto é um produto.

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BIBLIOGRAFIA SÍTIOS INTERNET CONSULTADOS

PINA DOS SANTOS, C. A.; DE PAIVA, JOSÉ A. VASCONCELOS COEFICIENTES DE TRANSMISSÃO TÉRMICA DE ELEMENTOS DA ENVOLVENTE DOS EDIFÍCIOSLABORATÓRIO NACIONAL DE ENGENHARIA CIVIL, LISBOA, 1990

VÁRIOSA GREEN VITRUVIUS - PRINCÍPIOS E PRÁTICAS DE PROJECTO PARA A ARQUITECTURA SUSTENTÁVELORDEM DOS ARQUITECTOS, 1999

GABINETE DE ARQUITECTURA PLANO B HTTP://WWW.PLANOB.COMBLOG DA CONSTRUÇÃO HTTP://PLANOB-ARRUDA.BLOGSPOT.COM/

APOIO À EXECUÇÃO E LEITURA DAS TABELAS DO LNEC HTTP://WWW.ENAT.PT/PT/ HTTP://WWW.LABEEE.UFSC.BR/CONFORTO/TEXTOS/TERMICA/T2-TERMICA/ HTTP://WWW.A2A.PT/FICHAS/DR/DR40-90-1.HTM HTTP://PAGINAS.FE.UP.PT/~EM00003/CENTRO/RCCTE.HTM HTTP://WWW.ACEPE.PT/RCCTE/RCCTE_CT.ASPDADOS BIOCLIMÁTICOS DE ARRUDA DOS VINHOS HTTP://WWW.CM-ARRUDA.PT/_UPLOADS/PDM_II_SIST_BIOF.PDF

Outros sítios online, sobretudo fóruns de arquitectura e engenharia, foram consultados mas, à data da elaboração da bibliografia, foi impossível redescobrir os seus endereços.

Todas os esquemas, desenhos, mapas e fotografias da casa de Arruda dos Vinhos, com a excepção das tabelas de análise dos materiais, encontram-se disponíveis online no sítio HTTP://PLANOB-ARRUDA.BLOGSPOT.COM/ e foram utilizadas com o conhecimento do gabinete.

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JOANA PINTO COELHO20091393

2º D - ARQUITECTURA

FÍSICA DAS CONSTRUÇÕES E AMBIENTEFACULDADE DE ARQUITECTURA

UNIVERSIDADE TÉCNICA DE LISBOA

JANEIRO DE 2010

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