responsabilidade internacional
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COMMUNITAS – Revista de Direito | v. 1, n. 2 | jul./dez. | 2010 – ISSN 2179-5231 36
A RESPONSABILIDADE INTERNACIONAL DO ESTADO À LUZ DO DIREITO
INTERNACIONAL PÚBLICO CONTEMPORÂNEO
Vilma Aparecida Moreira Bartasson*
SUMÁRIO INTRODUÇÃO.1 BREVES CONSIDERAÇÕES HISTÓRICAS ACERCA DA
RESPONSABILIDADE INTERNACIONAL DO ESTADO. 2 CONCEITO DE RESPONSABILIDADE INTERNACIONAL. 3 FUNDAMENTOS DA RESPONSABILIDADE INTERNACIONAL. 4 TEORIAS DA RESPONSABILIDADE INTERNACIONAL. 4.1.Responsabilidade subjetiva. 4.2. Responsabilidade objetiva. 5 ELEMENTOS DA RESPONSABILIDADE INTERNACIONAL. 5.1. Fato internacionalmente ilícito. 5.2. Imputabilidade. 5.3. Dano. 6 CIRCUNSTÂNCIAS QUE EXCLUEM A ILICITUDE DO FATO. 6.1. Legítima defesa. 6.2. Estado de necessidade. 6.3. Força maior e caso fortuito. 6.4. Perigo extremo. 6.5. Contramedida. 6.6. Consentimento do sujeito passivo. 7 CONSEQUÊNCIAS DA RESPONSABILIDADE INTERNACIONAL DO ESTADO. 7.1. Restituição. 7.2. Indenização. 7.3. Satisfação. 7.4. Sanções unilaterais. CONSIDERAÇÕES FINAIS. REFERÊNCIAS.
RESUMO A responsabilidade internacional tem como princípio a defesa da igualdade soberana dos Estados, ao estabelecer que o Estado que praticar um ilícito segundo o Direito Internacional deve reparar o dano decorrente da prática ilícita. Este estudo objetiva investigar o instituto da responsabilidade internacional do Estado em face do Direito Internacional Público contemporâneo, através de pesquisa bibliográfica de autores nacionais e estrangeiros que abordaram o tema, bem como documentos e jurisprudência internacional. Palavras-chave: Responsabilidade Internacional. Ilícito internacional. ONU.
ABSTRACT
International responsibility is to defend the principle of sovereign equality of States, to establish the rule that a practice illegal under International Law, must repair the damage resulting from the unlawful practice. This study investigates the institute of the State's international responsibility in the face of contemporary Public International Law, through bibliographic search of national and foreign authors who have addressed the topic as well as documents and international jurisprudence. Keywords: International responsibility. International illicit. UN.
INTRODUÇÃO
A importância da responsabilidade internacional do Estado se manifesta nos
sucessivos esforços para a sua codificação. Em 1924, a Sociedade das Nações (SDN)
convocou um Comitê de especialistas incumbidos de elaborar uma lista de temas de Direito
Internacional para posterior codificação. Dentre os temas relacionados, encontrava-se o da
* Mestre em Direito das Relações Econômico-Empresariais (ênfase em Direito Internacional) pela Universidade de Franca; Especialista em Direito Empresarial pela Universidade Federal de Uberlândia; Professora dos Cursos de Direito da Faculdade Politécnica de Uberlândia e Faculdade Católica de Uberlândia.
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responsabilidade internacional do Estado. A Comissão foi nomeada para discipliná-la e
preparou um projeto de dez artigos, que não chegou a ser apresentado, devido às amplas
divergências acerca do instituto.
Após a Segunda Guerra Mundial, com o surgimento da Organização das Nações
Unidas, a questão da responsabilidade internacional revestiu-se novamente de importância. A
Resolução 799 (VIII) adotada pela Assembléia Geral requereu à Comissão de Direito
Internacional (CDI) da ONU estudos que levassem à codificação da matéria.
Na fase inicial do ambicioso projeto de codificação (1956-1961), a Comissão centrou-
se na responsabilidade por danos causados a estrangeiros. A CDI passou a considerar que seu
trabalho deveria englobar as regras gerais sobre a responsabilidade dos Estados no âmbito
internacional. Somente em 1987 é que foi apresentado um projeto de convenção sobre a
responsabilidade internacional. Em 1996, um novo projeto foi apresentado, fundado nos
trabalhos de Roberto Ago. Todavia, não prosperou devido às críticas dos países mais
desenvolvidos.
Em 2001 finalmente foi aprovado o projeto de convenção (draft) sobre
responsabilidade internacional do Estado. Tal projeto foi encaminhado à Assembleia Geral da
ONU para que, oportunamente, analisasse a conveniência de adotar o texto de convenção, que
ficaria à disposição dos Estados para fins de assinatura e ratificação. Nosso estudo baseia-se,
sempre que possível, no teor desse projeto de Convenção das Nações Unidas, tanto que os
artigos aqui citados, salvo disposição em contrário, referem-se a esse projeto.
De fato, a relevância desse documento para a disciplina do instituto em questão pode
ser verificada na Jurisprudência. O projeto da Comissão de Direito Internacional de
codificação da responsabilidade internacional de 1996 (modificado pelo de 2001) foi citado
pela Corte Internacional de Justiça “como fonte fidedigna do estágio contemporâneo da teoria
da responsabilidade internacional do Estado” (RAMOS, 2004, p. 21).
Vale destacar, consoante Valério Mazzuoli (2006, p. 281) que o instituto da
responsabilidade internacional “é extensível às Organizações Internacionais
intergovernamentais, que podem reclamar direitos, mas também serem demandadas por
eventual violação de normas internacionais que acarretem prejuízos a terceiros”.
Não obstante a codificação da matéria, ainda há uma fronteira a ser considerada: o da
efetividade.
1 BREVES CONSIDERAÇÕES HISTÓRICAS ACERCA DA RESPONSABILIDADE
INTERNACIONAL DO ESTADO
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Conforme sustenta Pereira (2000, p. 33), a teoria da responsabilidade internacional é
relativamente nova, sendo que esta expressão surge apenas nas últimas décadas do século
XIX. No entanto, a noção de responsabilidade pode ser encontrada em diversos povos, em
tempos longínquos.
Na Grécia Antiga utilizava-se das represálias, que eram admitidas somente se o autor
da infração se recusasse a proceder à reparação. Nesse período, os súditos ofendidos deveriam
apresentar suas queixas ao seu governo, com o objetivo de obter dele autorização para utilizar
aquelas medidas. Através da carta de represália que os soberanos outorgavam aos seus súditos
lesados por uma outra Nação, os bens de estrangeiros poderiam ser tomados através da força,
para efeitos de ressarcimento de um dano anteriormente causado.
Em Roma, os delitos que atingiam interesses privados poderiam ser ressarcidos através
de ação própria promovida pelo indivíduo lesado. Os delitos públicos, ou seja, que atentavam
contra o Estado, geravam responsabilidade de cunho pecuniário e até corporal, como por
exemplo, a perda da liberdade.
Na Idade Média era comum o uso do direito de represália com o propósito de obter
uma reparação em face de estrangeiros. Consistia em fazer justiça com as próprias mãos, em
nítida expressão de vingança. Nesse período, todo o grupo social era solidário ao infrator.
A responsabilidade do grupo teve tamanha aceitação na sociedade medieval, que
represálias consistentes no seqüestro de bens eram realizadas sem qualquer autorização.
Conforme Mello (1995, p. 52), “os súditos de um príncipe lesados pelos súditos de outro
príncipe, perseguiam seus direitos contra todos os súditos deste último por todas as espécies
de vias de fato, se não lhe fosse dada uma satisfação”.
A responsabilidade nesses períodos não era estatal, mas uma relação entre particulares.
Pode-se dizer que tanto na Antigüidade, passando pela Grécia, Roma e Alta Idade Média,
prevalecia a irresponsabilidade, que só começou a declinar a partir da Revolução Francesa.
(PEREIRA, 2000, p. 38)
Com efeito, Sonia Sterman (1992, p. 14) relata que essa Revolução alterou a teoria da
responsabilidade do Estado. O fato é que a turbação da ordem e ações da multidão enfurecida
causou danos à propriedade de particulares, os quais procuraram acionar o Estado para obter
um ressarcimento. Para proteger o erário francês das inúmeras ações, “criou-se a distinção
entre atos de império e atos de gestão, atribuindo somente a estes últimos a possibilidade de
obter o ressarcimento dos danos sofridos”. Este fato marca o início da responsabilidade
pública e repercutiu na Constituição Francesa pós-revolução, elucida a autora (1992, p. 14):
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O art. 75 (daquela Constituição) escampou o princípio da irresponsabilidade do Estado, mas acolheu a responsabilidade dos seus funcionários, em decorrência de atos danosos que praticassem em propriedade de particulares, desde que atendidas determinadas hipóteses: culpa grave ou dolo e necessidade de autorização prévia do Estado, para promover ação contra o agente que tivesse praticado o dano a particular e estivesse agindo nessa condição (de funcionário/agente público).
A responsabilidade estatal ganhou impulso em nome da manutenção da paz.
Hodiernamente, a interdependência entre os Estados tem como conseqüência a relativização
do conceito clássico de soberania, condição indispensável para o desenvolvimento do
instituto.
2 CONCEITO DE RESPONSABILIDADE INTERNACIONAL
Conforme salienta Ramos (2004, p. 57), a evolução do instituto da responsabilidade
jurídica demonstra que seu conceito, fundamento e conseqüências dependem do grau de
coesão social e da visão do justo em cada comunidade humana. Não obstante, o autor
considera que a responsabilidade jurídica consiste na imputabilidade de efeito do
ordenamento jurídico a um sujeito de Direito, na ocorrência de determinado acontecimento
que importe na vulneração da esfera jurídica de outrem, não importando a fonte da imputação
de conseqüências jurídicas, nem as conseqüências do momento.
Para Rui Stoco (1999, p. 59) "a noção de responsabilidade pode ser haurida da própria
origem da palavra, que vem do latim respondere", que transmite a idéia responsabilizar
alguém por seus atos, ou seja, no direito de oferecer uma resposta em face da violação de uma
norma jurídica.
A respeito, o jurista português Jorge Miranda (2002, p. 305) sintetiza:
Sempre que um sujeito de Direito viola uma norma ou um dever que está adstrito em relação com outro sujeito ou sempre que, por qualquer forma, causa-lhe um prejuízo, incorre em responsabilidade; fica constituído em dever específico para com o lesado. Nisto consiste, muito em resumo, a responsabilidade.
Para Hildebrando Accioly (1961, p. 62), a responsabilidade pode ser entendida como o
compromisso oriundo de ação ou omissão, culposa ou dolosa, que acarrete danos materiais ou
morais a outrem. Toda pessoa a quem o ilícito é imputado, torna-se juridicamente obrigada a
reparar os danos daí originados. Trata-se de ocorrência que se faz registrar não somente no
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âmbito do direito interno. Na ordem jurídica internacional a responsabilidade se apresenta
como um dos temas mais relevantes.
Assim, as condutas dos sujeitos de DIP podem ser consideradas sob o ponto de vista
de sua consonância ou dissonância com o ordenamento jurídico vigente. Neste último caso,
tomando-se o direito das gentes como referência, ocorrerão os chamados fatos ilícitos,
geradores de conseqüências jurídicas para o sujeito a quem tais fatos são imputados. Dentre
essas conseqüências, encontra-se a responsabilidade internacional.
“Responsabilidade internacional é um sistema internacional para o ressarcimento do
prejuízo causado por um sujeito do DI (Direito Internacional) a outro sujeito do DI através do
ato ou omissão contra o DI”, afirma Hee Moon Jo (2000, p. 391).
Tem-se definido a responsabilidade internacional também como obrigação de
reparação em face de violação de norma de direito das gentes. Neste sentido, Paul Reuter
(1981, p. 62) entende que a responsabilidade internacional aparece sob a forma de obrigação
de reparar, em face de violação da norma internacional.
Hubert Thierry, Combacau, Sur e Vallée (1979, p. 669, tradução nossa) consideram
que “a responsabilidade em Direito Internacional, como em outros sistemas jurídicos, consiste
na obrigação de reparar o dano causado”.
Para o jusinternacionalista brasileiro Francisco Rezek (2010, p. 282) “o Estado
responsável pela prática de um ato ilícito segundo o direito internacional deve ao Estado a que
tal ato tenha causado dano uma reparação adequada”. Esta seria a idéia tradicional de
responsabilidade internacional.
Accioly (1959, p. 23) inicia seu brilhante curso sobre o assunto, afirmando que a
responsabilidade internacional consiste em uma situação jurídica que indica que na
comunidade das nações, em suas relações recíprocas, devem ser observadas regras de justiça e
de respeito mútuo. A conseqüência da violação dessas normas internacionais cria para o
sujeito de Direito Internacional a obrigação justificada de reparar a falta cometida ou o
prejuízo causado.
O diplomata e jurista russo Gregory Tunkin (1986, p. 211) considera que, por
responsabilidade internacional "entendem-se as conseqüências jurídicas que recaem sobre o
sujeito do Direito Internacional como resultado da infração jurídica internacional por ele
cometida".
Antoine Favre (1974, p. 627) ao dispor sobre a noção de responsabilidade
internacional declara que “é um princípio geral de direito que toda violação de uma obrigação
comporta, como conseqüência jurídica, o dever de reparar” (tradução nossa).
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Oppenheim e Lauterpacht (1961, p. 366, tradução nossa), recorrendo à teoria do abuso
de direito em Direito Internacional, afirmam:
A responsabilidade do Estado pode entrar em jogo como resultado do abuso de um direito reconhecido pelo Direito Internacional. Isso ocorre quando um Estado exerce seu direito de uma maneira arbitrária, de tal modo que causa um prejuízo a outro Estado..
O jurista português Fausto de Quadros (1998, p. 370) sustenta que, atualmente,
"constitui um princípio geral do Direito Internacional consuetudinário que o Estado responde
pelos seus atos ou omissões que infrinjam o Direito Internacional".
Flávia Piovesan (2002, p. 35) considera que “a violação de uma obrigação
internacional pelo Estado, seja em razão de ação ou omissão, implica em responsabilização
internacional” do Estado violador.
Charles Rousseau (1966, p. 352) entende a responsabilidade internacional como um
instituto jurídico em virtude do qual todo Estado a que seja imputável um fato ilícito à luz do
Direito Internacional, deve uma reparação ao Estado prejudicado.
O projeto de convenção internacional adotado em 2001 não se preocupou em definir a
responsabilidade internacional. Antes, tratou de determinar a sua origem, bem como suas
conseqüências. Desta forma, estabelece o art. 1º que todo fato internacionalmente ilícito do
Estado acarreta a responsabilidade internacional do mesmo. Cumpre ressaltar que essa regra
não é produto do engenho da CDI e dos juristas, apenas. Ao contrário, há fundamentos sobre
os quais repousa o instituto e orientam o seu desenvolvimento, conforme demonstraremos na
seqüência.
3 FUNDAMENTOS DA RESPONSABILIDADE INTERNACIONAL
Para Charles Rousseau (1966, p. 352), o estudo dos fundamentos da responsabilidade
do Estado visa “determinar as razões remotas que subjazem aos diversos casos específicos de
responsabilidade estatal”.
A responsabilidade internacional, consoante a lição de Celso Mello (1995, p. 6), pode
fundamentar-se no campo da moral. Neste sentido, cita Louis Le Fur, que a fundamenta no
"princípio geral da justiça" de que todo dano injustamente causado deve ser reparado por
quem o causou. Logo, apesar de tratar-se de um princípio geral do direito, também pertence à
Moral.
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Georges Scelle (apud MELLO, 1995, p. 6), por seu turno, observa que, paralelo ao
aspecto técnico da responsabilidade, permanece seu conteúdo ético. "A noção de
responsabilidade atende a uma necessidade de equilíbrio social, de retribuição, de justiça, e
isto porque o seu fundamento é ético".
Para Accioly (1947, p. 40), a questão do fundamento da responsabilidade dos Estados
é puramente teórica, não apresentando interesse prático, "uma vez que todos se acham de
acordo sobre o próprio princípio da responsabilidade". Todavia, pondera:
Assim, pois, ou se considere, como nos parece exato, que esta (a responsabilidade internacional) tem como fundamento a necessidade da observância das regras de justiça nas relações entre os membros da comunidade internacional, ou que ela se baseia nas obrigações implicitamente assumidas pelos Estados ao serem admitidos na dita comunidade, ou que é uma conseqüência da igualdade dos Estados - o fato é que todas essas doutrinas concordam em que a prática de um ato ilícito, isto é, a violação de um compromisso ou de uma obrigação internacional, por parte de um Estado, impõe a este o dever de uma reparação. (ACCIOLY, 1947, p. 40)
A idéia de reparação é também exposta na doutrina de Michel Virally (apud
MELLO, 1995. p. 6.). Para ele, a concepção de reparação repousa na noção de justiça
distributiva.
Paul Reuter (1981, p. 40) entende que a violação de uma norma jurídica é o
fundamento da responsabilidade internacional. Jean Touscoz (1993, p. 377),
semelhantemente, afirma que "o fundamento da responsabilidade é a ilegalidade, a qual se
manifesta numa ação ou omissão que viole uma obrigação internacional". O autor reconhece,
porém, uma tendência em se admitir a responsabilidade por ato lícito, de forma objetiva.
Para Fausto de Quadros (1998, p. 370) "a responsabilidade do Estado tem como
fundamento a violação pelo Estado de uma obrigação imposta pelo Direito Internacional e
gera o dever de reparar esta violação".
A responsabilidade internacional é ainda considerada como corolário do princípio da
igualdade. Portanto, "se os Estados são iguais, eles devem admitir simultaneamente que o são
em matéria de direitos assim como de deveres". (DINH; DAILLIER; PELLET, 1999, p. 680)
Nesse sentido, Ramos (2001, p. 50) observa que “essa responsabilidade é característica
de um sistema jurídico como pretende ser o sistema internacional de regras de conduta, tendo
seu fundamento na igualdade soberana entre os Estados”.
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Ramos (2004, p. 61) ainda complementa que a responsabilidade internacional decorre
da imputação de conseqüências ditadas por uma norma jurídica, constituída pela ocorrência de
evento danoso provocado por outrem, a quem é imputado o dever de reparação em favor da
pessoa lesada. O instituto possui feição essencialmente garantidora da ordem jurídica, onde a
exigência de reparação é imposta em face daquele que descumpriu o dever de não violar a
esfera jurídica alheia. Esse dever universal de não-vulneração da esfera jurídica de outrem sob
pena de sanção, objetiva proteger os interesses de todos. Em Direito Internacional, continua o
autor, a responsabilidade consiste em uma garantia da ordem jurídica como um todo, uma vez
que “possibilita à manutenção do equilíbrio e da equivalência entre os Estados-membros da
comunidade internacional, o que mantém possível a cooperação em um mundo de Estados
interdependentes".
Alfred Verdross (1967, p. 301) considera que, a própria estabilidade do direito das
gentes encontra-se apoiada no princípio da responsabilidade internacional, pois "sua negação
implicaria na destruição do Direito Internacional". (tradução nossa).
No estudo dos fundamentos da responsabilidade internacional, há ainda em sede
doutrinária, considerações que pendem ora para a responsabilidade subjetiva, ora para a
responsabilidade objetiva, conforme veremos a seguir.
4 TEORIAS DA RESPONSABILIDADE INTERNACIONAL
Duas teorias procuram explicar a responsabilidade internacional: uma é a teoria da
responsabilidade subjetiva ou teoria da culpa, e outra, a teoria da responsabilidade objetiva.
4.1 Responsabilidade subjetiva
A responsabilidade do Estado no sistema da responsabilidade subjetiva ou teoria da
culpa (vinda dos romanos – a culpa aquiliana) decorre de uma ação ou omissão culposa, tida
por ilícita, atribuível ao Estado e que se constitui na causa de uma obrigação de reparar.
Fatores históricos são apresentados para explicar a adoção da teoria da culpa pelo
Direito Internacional. O mais importante deles está relacionado com a formação do Estado
Moderno e consistia em uma reação à teoria medieval da solidariedade do grupo. Com efeito,
ela se apresentava como uma rebelião ao costume medieval de responsabilizar a cidade ou
feudo pela conduta privada de um de seus súditos, independentemente de qualquer ação
estatal. Através das represálias, todos os súditos de um determinado príncipe eram
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considerados responsáveis pela transgressão realizada por um deles e a transgressão praticada
contra um particular era considerada praticada contra toda a Nação.
A teoria da falta, ou ausência, ou violação do Direito adotada por Hugo Grotius
desde 1625, estabelece que o fato que gera a responsabilidade internacional deve se basear
não somente na quebra da obrigação internacional anteriormente assumida, mas, também,
deve constituir uma falta ou uma ausência, fundada na omissão, dolo, negligência,
imprudência ou imperícia. Portanto, o Estado incidiria em responsabilidade apenas na
presença de uma ação ou omissão culpável de sua parte. Através dessa teoria, Hugo Grotius
combatia o já mencionado costume medieval de responsabilizar a cidade ou feudo pela
conduta ilícita de particulares.
Para a ocorrência da responsabilidade internacional através dessa teoria, é
imprescindível a demonstração da culpa do Estado infrator, “uma vez que a culpabilidade, não
pode ser presumida deve ser provada”. (MELLO, 1995, p. 52).
A respeito da responsabilidade subjetiva, Levy (1961, p. 750, tradução nossa)
considera ser extremamente difícil, senão impossível ao Estado que sofreu o dano, demonstrá-
la:
Com efeito, cabe à vítima fazer prova de todos os elementos necessários à questão da responsabilidade. A prova de uma intenção, a prova de algo subjetivo é sempre difícil de se fazer. Em direito internacional, a realização desta prova, muitas vezes, pode ser impossível, em virtude do controle territorial exclusivo exercido pelo ofensor..
Ponderações desta natureza reforçam a tese de que a discussão sobre a culpa do
agente, por vezes dificulta a caracterização da responsabilidade estatal. Dessa forma, a
responsabilidade internacional subjetiva começa a dar sinais de exaustão, conforme a seguir
se verá.
4.2 Responsabilidade objetiva
Para o Professor Vazquez (Apud PEREIRA, 2000, p. 103), a teoria da culpa apresenta
dificuldades práticas e às vezes muito graves, porque
[...] supõe que a determinação da ocorrência da falta é fácil ou possível. Entretanto, a realidade nos mostra que essa determinação não é fácil, muito menos possível. Com o intento de apresentar uma solução, alguns têm sustentado que o fato ilícito não é nada mais que a violação de um obrigação internacional, o que apenas desloca o problema, que será determinar qual é essa obrigação internacional.
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Na lição de Charles Rousseau (1966, p. 357), a teoria da culpa, apesar de tradicional e
ter se prestado para fundamentar a responsabilidade internacional em diversos casos,
apresenta algumas objeções: a) está impregnada de elementos subjetivos de difícil análise e
valoração; b) procede do direito privado e não pode ser aplicada sem modificações nas
relações entre Estados. Para ele, a responsabilidade objetiva apresenta evidentes vantagens:
encontra-se mais afinada com o verdadeiro propósito da responsabilidade internacional
consistente na manutenção da estabilidade das relações interestatais e comporta a
responsabilidade internacional do Estado por atos praticados por funcionários incompetentes.
Trata-se da teoria mais aceita hodiernamente. Para os seus adeptos, “a
responsabilidade estatal adere-se às conseqüências do ato delituoso praticado,
independentemente de ser o Estado culpado da sua prática” (ANDRADE, 1975, p. 85).
A responsabilidade objetiva fundamenta-se na conduta estatal que fere normas de
Direito Internacional. Assim, para a caracterização da responsabilidade faz-se necessário
apenas o nexo de causalidade entre o ato ilícito e o Estado, relata Florisbal Del’Olmo (2002,
p. 31). A comprovação da culpa é prescindível. O Estado pode ser responsabilizado ainda que
seu agente, ao praticar o fato ilícito, não tenha agido de forma culposa.
O pioneiro desta corrente teria sido Triepel, que deu ao tema um tratamento
independente e especializado, além de apresentar os óbices inerentes à teoria da culpa. Para
Grotius, o Estado é responsável quando ele tem pleno conhecimento dos atos que podem
causar danos a outros Estados, ou então não impede sua ocorrência, quando pode e deve fazê-
lo. Triepel contesta esta teoria. Considera que o Estado também deve ser responsabilizado
internacionalmente, mesmo quando não possui meios de evitar o ilícito praticado em seu
território contra outro ente estatal, o que evidencia a aceitação de uma responsabilidade
ausente de culpa.
Dionisio Anzilotti (Apud PEREIRA, 2000, p. 107), o maior defensor e difusor da
responsabilidade objetiva, a sintetizada da seguinte forma:
Se houve a efetiva violação de normas tidas e aceitas como de Direito Internacional, causando danos injustos a outrem, o Estado é responsável internacionalmente, sem se apurar o elemento culpa (mais incisivamente o elemento psicológico da culpa), devendo reparar o dano causado.
A Comissão de Direito Internacional adotou a teoria objetiva no draft de convenção,
ao indicar que o fato ilícito desencadeador da responsabilidade internacional, é composto por
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uma conduta do Estado (comissiva ou omissiva), que representa uma violação de obrigação
internacional.
Um episódio relevante relatado por Tânia Mota (2001, p. 158), que auxiliou na
sedimentação dessa teoria, é caso das explosões nucleares experimentais realizadas pelos
Estados Unidos, em 1954, nas Ilhas Marshall, que expôs à radiação os ocupantes de uma
traineira japonesa. O governo do Japão apresentou provas da existência de danos provocados
pelos experimentos americanos. Em virtude do incidente e de forma objetiva, os Estados
Unidos tiveram que pagar dois milhões de dólares a título de indenização.
Para os defensores da teoria da responsabilidade objetiva, o dever de reparar decorre
da violação da norma internacional, onde a prova de qualquer elemento volitivo ou psíquico
do agente se faz desnecessária. É suficiente a ocorrência de nexo de causalidade entre o fato
ilícito e o agente.
Não há que se confundir a responsabilidade objetiva com a teoria do risco. Embora
haja entendimentos de que se trata de expressões sinônimas (MATTOS, 2002, p. 103), a
teoria do risco é tida como uma inovação, "merecedora de estudo especial da Comissão de
Direito Internacional em separado do projeto de convenção sobre a responsabilidade do
Estado comum", conforme Ramos (2004, p. 94). Ela tem sido encontrada em casos especiais e
tópicos disciplinados por convenções recentes. Assim, atividades consideradas extremamente
perigosas, ainda que lícitas, como a nuclear, transporte e uso de hidrocarbonetos e
lançamentos espaciais têm recebido um tratamento diferenciado acerca da responsabilidade
internacional. Vejamos a observação de Rezek (2010, p. 283):
Igualmente certo, contudo, é que não se admite em direito das gentes uma responsabilidade objetiva, independente da verificação de qualquer procedimento faltoso, exceto em casos especiais e tópicos disciplinados por convenções recentes.
A responsabilidade nestes casos é absoluta, pois não depende da ilicitude do fato nem
da tomada de precauções, pois parte do pressuposto de que o agente é responsável. Tem na
base convencional a sua fundamentação.
5 ELEMENTOS DA RESPONSABILIDADE INTERNACIONAL
Discutem-se, abaixo, os elementos implicados na responsabilidade internacional, ou
seja, o fato internacional ilícito, a imputabilidade e o dano.
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5.1 Fato internacionalmente ilícito
Conforme declara Brigitte Stern (2001, p. 4), ninguém ignora que, tradicionalmente, a
responsabilidade internacional repousa sobre três pilares: o fato internacionalmente ilícito, o
dano ou prejuízo e um vínculo de causalidade entre os dois. Discorreremos a princípio, sobre
o “primeiro pilar”.
A responsabilidade internacional do Estado ou Organização Internacional resulta,
necessariamente, de uma conduta ilícita. A responsabilidade internacional decorre, portanto,
de um procedimento ilícito, tomando-se o Direito Internacional como referência.
"O fato ilícito é a conduta que infringe uma obrigação estabelecida pela ordem
jurídica, o que acarreta conseqüências jurídicas para o autor do mesmo [...], dentre as quais a
mais comum é a obrigação de reparar o dano". (RAMOS, 2004, p. 108).
Nos termos do artigo 1º do projeto de convenção de 2001, todo fato
internacionalmente ilícito do Estado gera sua responsabilidade internacional.
O artigo 2º identifica o fato ilícito estatal como uma ação ou omissão atribuída ao
Estado pelo Direito Internacional, que constitua uma violação de uma obrigação internacional.
O fato ilícito é composto, portanto, por um elemento subjetivo, consistente na
identificação da conduta omissiva ou comissiva imputável a um Estado, e um segundo
elemento dito objetivo, que importa na violação de uma norma ou obrigação internacional.
Esta obrigação pode decorrer, conforme expõe Favre (1947, p. 627), de um tratado, de um
compromisso unilateral, de um costume, de uma decisão judicial ou arbitral, de uma decisão
de outro organismo internacional, etc. Assim, a responsabilidade subsiste ainda que a conduta
estatal seja considerada lícita perante o Direito interno.
Há casos em que a responsabilidade internacional independente da verificação de
qualquer ilícito, por decorrer tópicos especiais disciplinados por tratados recentes, como já
observamos anteriormente.
Todavia, o fato ilícito por si só, não costuma bastar para responsabilização
internacional um sujeito de DIP, conforme demonstraremos no próximo passo.
5.2 Imputabilidade
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Jean Touscoz (1993, p. 376) condensa com bastante precisão a noção de
imputabilidade: “como em todo sistema de responsabilidade, o fato gerador deve ser
imputável ao sujeito de Direito responsável”.
O processo de globalização tem determinado conseqüências diretas nas relações
internacionais, e conseqüentemente, na responsabilidade internacional, ao ampliar o rol de
seus atores, admitindo-se, em certas circunstâncias, os indivíduos, os movimentos de
libertação nacional, etc. Todavia, a doutrina tem apontado o Estado e as organizações
internacionais como entes dotados de aptidão para figurar no âmbito da responsabilidade
internacional.
A imputabilidade ou atribuição na linguagem do draft de Convenção “é o nexo que
liga o ilícito a quem é responsável por ele” (JO, 2000, p. 393). Não se confunde com a autoria,
uma vez que nem sempre o autor do ilícito é responsável por este perante a ordem
internacional. Desse modo, o ilícito praticado pelos funcionários do Estado, gera
responsabilidade internacional para este e não àqueles.
A responsabilidade é considerada indireta quando o Estado responde pelo ilícito
praticado por dependência sua, como nos casos de mandato, protetorado e nos modelos
federativos.
Diz-se direta a responsabilidade de um sujeito de Direito Internacional Público pelos
fatos praticados por seus órgãos de qualquer natureza ou nível hierárquico. O Estado pode
responder pelo ilícito decorrente do exercício de competências administrativas, legislativas ou
judiciárias.
5.3 Dano
No estudo dos elementos constitutivos da responsabilidade internacional, não
poderíamos deixar de arrolar o dano, pois como afirma Cretella Júnior (1998, p. 8) "em
nenhum caso, a responsabilidade das pessoas físicas ou jurídicas pode prescindir do evento
danoso".
Fausto de Quadros (1998, p. 381) classifica o dano como pressuposto da
responsabilidade internacional. Reuter (19981, p. 149) o considera como um dos seus
elementos constitutivos. Para Manuel Diez de Velasco (2002, p. 699), trata-se de um elemento
autônomo da responsabilidade internacional.
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De qualquer forma, a dano possui lugar de destaque nessa matéria e não será
necessariamente material. Segundo Favre (1974, p. 628, tradução nossa), “o fato ilícito pode
lesar os direitos de um Estado sem causar danos materiais”. .
Todavia, a inclusão do dano dentre os elementos essenciais da responsabilidade
internacional não é pacífica. Para algumas doutrinas, o dano não configura pressuposto da
responsabilidade internacional (QUADROS, 1998, p. 381). Com efeito, conforme esclarece
Brigitte Stern (2001, p. 4), a CDI, em seu projeto de codificação, eliminou toda referência ao
dano e no mesmo golpe, por implicação necessária, o vínculo de causalidade como condição
de aparição da responsabilidade internacional.
Portanto, na visão da CDI, o dano somente se reveste de importância na fixação da
reparação, ou seja, no quantum debeatur, o que se dá após a instauração da responsabilidade.
Nos termos do artigo 31, o prejuízo compreende todo dano material ou moral, causado pelo
fato internacionalmente ilícito do Estado.
Brigitte Stern (2001, p. 34) entende que o conceito de dano é um conceito
eminentemente operatório e vê como um problema a sua eliminação do âmbito da teoria da
responsabilidade internacional.
A doutrina mais recente tem se posicionado nesse sentido, considerando que o
inadimplemento de obrigação internacional é elemento necessário, mas sem a demonstração
do dano, não é suficiente para caracterizar a responsabilidade internacional. (SOARES, 1995,
p. 205).
Dinh, Daillier e Pellet (1999, p. 701) consideram que a posição da CDI neste caso é de
uma lógica irrefutável, mas permanece extremamente abstrata. “Se o fato internacionalmente
ilícito não causou qualquer dano, a responsabilidade permanece ideal e não poderá dar lugar à
reparação”.
6 CIRCUNSTÂNCIAS QUE EXCLUEM A ILICITUDE DO FATO
Nos próximos passos, a legítima defesa, o estado de necessidade, a força maior e o
caso fortuito, o perigo extremo, a contramedida e o consentimento do sujeito passivo serão
objetos de análise.
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6.1 Legítima defesa
A Carta das Nações Unidas, assinada em São Francisco a 26 de junho de 1945,
condenou a ameaça ou o uso da força, em seu artigo 2º, § 4º. Ao considerar ilegal a ameaça o
uso da força, estabeleceu uma exceção quanto ao direito à legítima defesa, no artigo 51.
Caracterizada a legítima defesa, o fato perde seu caráter ilícito e se transforma no
exercício de direito reconhecido. A sua configuração pressupõe sempre, “uma agressão ou
ataque ilícito e uma reação determinada pela necessidade imediata da defesa, reação
adequada, proporcionada ao ataque ou ao perigo iminente" afirmam ACCIOLY e SILVA
(2002, p. 167). Assim, “para exercer legitimamente a legítima defesa, um Estado deve
cumprir todos os requisitos estabelecidos no artigo 51 da Carta das Nações Unidas” (SILVA,
2002, p. 293).
O projeto da CDI de 2001 fez previsão da legítima defesa no artigo 21.
6.2 Estado de necessidade
O artigo 25 do projeto da CDI prevê a exclusão da ilicitude em face de estado de
necessidade, quando for a única maneira do Estado salvaguardar um interesse essencial contra
um perigo grave e iminente.
Dionizio Anzilotti (1964, p. 414, tradução nossa) caracteriza o estado de necessidade
da seguinte forma: ”um Estado, constrangido pela necessidade de se salvar de um perigo
grave e iminente, para o qual não tenha dado voluntariamente causa e que não pode de outra
forma evitar, realiza um ato contrário ao direito de outro Estado”.
Dinh, Daillier e Pellet (1999, p. 698) consideram que o estado de necessidade não
poderá apagar a ilicitude de uma violação do direito, salvo se a violação do direito era o único
meio utilizável. Esta violação também não deve produzir ofensa a um interesse também
essencial do Estado vítima, dentre outros.
6.3 Força maior e caso fortuito
Nos termos do Artigo 23 do Projeto de Convenção, a ilicitude de fato de um Estado
que não está em conformidade com uma obrigação internacional desse Estado resta excluída
se esse fato se deve a uma força maior, ou seja, a uma força irresistível ou a um
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acontecimento imprevisto, alheios ao controle do Estado, que torna materialmente impossível,
nas circunstâncias do caso, cumprir com a obrigação.
6.4 Perigo extremo
O artigo 24 estabelece que a ilicitude de fato de um Estado que não está em
conformidade com uma obrigação internacional desse Estado resta excluída se o autor desse
fato não tem, razoavelmente, outro modo, em uma situação de perigo extremo, de salvar sua
vida ou a vida de outras pessoas que estejam confiadas aos seus cuidados.
6.5 Contramedida
A expressão “contramedida” tende a substituir outras expressões, nem sempre precisas
de autodefesa, sanções, medidas de reação, retorsão e represália. Embora seja clássica a
divisão das contramedidas em retorsão e represálias, a CDI considera como contramedida
apenas estas.
Contramedida é o termo adotado pela CDI, que pode ser entendida como sanção
unilateral ou represália. O art. 22 estabelece que a ilicitude de fato de um Estado que não está
em conformidade com uma obrigação internacional sua para com outro Estado resta excluída
no caso e na medida em que esse fato constitua uma contramedida tomada contra esse outro
Estado, de acordo com o disposto no capítulo II da terceira parte.
As contramedidas constituem-se em atos ilícitos em si mesmo, mas que se justificam
como único meio de se combater outros atos igualmente ilícitos praticados por outro Estado, e
que por esta particularidade perde o caráter ilícito e passa a ser lícito. Portanto, justifica-se a
contramedida ou sanção unilateral como uma reação a uma violação prévia de obrigação
internacional, reação que em essência, seria ilícita nos termos do Direito Internacional.
6.6 Consentimento do sujeito passivo
Nos termos do artigo 20, o consentimento válido de um Estado dado em face de outro
Estado a respeito de um fato determinado, exclui a ilicitude de tal fato em relação ao primeiro
Estado, à medida que o fato permanece dentro dos limites do dito consentimento.
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O professor espanhol Salcedo (1994, p. 183) cita como exemplo o envio de forças por
um Estado ao território de outro, para reprimir uma atividade terrorista em curso, a pedido ou
com o consentimento deste.
7 CONSEQUÊNCIAS DA RESPONSABILIDADE INTERNACIONAL DO ESTADO
A conseqüência fundamental da responsabilidade internacional consiste na
obrigatoriedade de reparação. Neste sentido, afirma Antoine Favre (1974, p. 661) que “a
responsabilidade do Estado acarreta a obrigação de reparar os danos [...]”. Este princípio
restou consagrado no artigo 31 do projeto de convenção da CDI, ao prescrever que “O Estado
responsável é obrigado a reparar integramente o dano causado pelo fato internacionalmente
ilícito”.
O termo "reparação" é gênero que comporta várias espécies, para melhor se ajustar
ao dano. Nesse sentido, na sentença proferida no Caso Suárez Rosero (JURISPRUDÊNCIA,
1999, p. 1), a Corte Interamericana de Direitos Humanos reconheceu que, "reparação é o
termo genérico que compreende as diferentes formas como um Estado pode enfrentar a
responsabilidade internacional em que tenha incorrido”.
Vejamos a seguir as diversas formas de reparação, que podem ser adotadas em
separado ou cumulativamente.
7.1 Restituição
De acordo com o artigo 35, o Estado responsável por um ilícito está obrigado a
proceder à restituição in integrum, ou seja, deve restabelecer o status quo ante.
A restituição é considerada a melhor forma de reparação, pois permite o
restabelecimento da situação que existia antes da prática do ilícito. Albino Soares (1998, p.
324) exemplifica: "se o Estado ocupou um território alheio, deve restituí-lo. E se promulgou
uma lei contrária aos seus deveres internacionais, [...] deve revogar a lei". No primeiro
exemplo, a restituição é considerada material. Envolve a devolução tanto de pessoas como de
bens detidos de forma ilícita. No segundo caso, a restituição é considerada jurídica, pois "visa
fazer desaparecer um fato jurídico ilícito ou, pelo menos, as suas conseqüências" (REUTER,
1981, p. 151).
A função da restauração natural se constitui em um princípio geral do direito das
gentes e numa regra do costume internacional (QUADROS, 1990, p. 416).
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7.2 Indenização
Nos termos do artigo 36 do projeto, não sendo possível o retorno ao status quo ante,
o Estado responsável por um fato internacionalmente ilícito deverá indenizar a vítima pelos
danos causados. A indenização é modalidade de reparação pecuniária, que deve ser acolhida
se não for possível a restituição na íntegra. É considerada a forma mais usual de reparação. É
que, como diz Grotius (DINH; PELLET; DAILLIER, 1999, p. 716), "o dinheiro é a medida
do valor das coisas".
A respeito assevera Jaume Ferrer Lloret (p. 1998, p. 120, tradução nossa):
A indenização [...] possui caráter subsidiário frente à restituição; não obstante, a própria CDI considera que a indenização é o remédio ao qual se recorre com mais freqüência na prática judicial e diplomática, quando se comete um fato ilícito..
A doutrina contemporânea tem admitido a indenização em face de danos morais.
Conforme Danielle Annoni (2003, p. 59), "a indenização pelos danos morais é aceita pela
prática recente dos Estados, como demonstra o caso da reparação a indivíduos pelos danos
sofridos pela invasão do Kuwait pelo Iraque". De fato, Comissão de Indenização da ONU
definiu casos de danos morais passíveis de indenização. O dever de indenizar restou
confirmado na Resolução 687 do Conselho de Segurança da ONU.
7.3 Satisfação
A responsabilidade internacional pode gerar danos tanto materiais como imateriais.
A satisfação se constitui na modalidade de reparação, no caso de ilícito praticado pelo Estado
que não tenha provocado danos materiais. Assim, "sempre que os danos são de natureza moral
ou política, a forma de reparação adquire o nome de satisfação", afirma o mestre português
Albino Soares (1998, p. 324).
Esta modalidade de reparação é prevista no art. 37 do projeto da ONU.
A extensão da satisfação esbarra em determinados limites, visto que “a maioria dos
membros da CDI se mostraram contrários em afirmar o caráter retributivo ou punitivo da
satisfação [...] no Projeto de artigos” (LLORET, p. 124, tradução nossa).
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Outrora sinônimo de obrigação de reparar, a responsabilidade internacional é hoje
multiforme e comporta, nos termos do projeto da CDI, outras conseqüências, tais como:
manutenção da obrigação de respeitar a regra violada (artigo 29); cessação da violação (artigo
30, 1); segurança e garantia de não-repetição (artigo 30, 2); e até mesmo a autorização dada
ao Estado lesado de adotar contramedidas (artigo 49).
7.4 Sanções unilaterais
Denomina-se sanção toda medida tomada em face do descumprimento anterior de
obrigação internacional. Essa medida, em sentido amplo, engloba o conceito de sanção stricto
sensu e as contramedidas.
Para a Comissão de Direito Internacional, as sanções stricto sensu são as decisões
das Organizações Internacionais, tomadas em face do descumprimento de normas
internacionais. As contramedidas, por seu turno, consistem em sanções unilaterais. Estas, ao
serem dotadas de caráter coercitivo, figuram no projeto de convenção sobre responsabilidade
internacional da CDI.
Cumpre ressaltar que dois tipos de sanções podem ser consideradas: as coercitivas e
as punitivas.
As sanções coercitivas são medidas que visam compelir o Estado infrator a cumprir
uma norma internacional (RAMOS, 2004, p. 315). As sanções punitivas, por seu turno,
servem para designar medidas de punição a Estados por seus comportamentos passados.
Constitui-se, portanto, em medida de punição do Estado que tenha transgredido uma
obrigação internacional. Estas não são acolhidas pelo Direito Internacional, mas tão somente
as coercitivas.
Nos termos do artigo 49, só pode haver o recurso às sanções, ou seja, às
contramedidas, para induzir o Estado infrator a cumprir suas obrigações internacionais.
Portanto, à luz do projeto da CDI, não poderá haver contramedida punitiva.
O referido projeto dispõe sobre as contramedidas não só como uma excludente de
ilicitude há pouco citada, mas como uma opção de reação do estado lesado, que se vê diante
da ocorrência de um fato ilícito. Porém, estabelece limites à aplicação da contramedida. O art.
49 dispõe que o Estado lesado somente poderá tomar contramedidas contra o Estado
responsável pelo fato internacionalmente ilícito com o objetivo de induzi-lo a cumprir as
obrigações que lhe incumbem em virtude do disposto na segunda parte.
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Para sua admissão faz-se necessária a observância de algumas condições. Em
primeiro lugar, ela deve ser praticada como reação a um comportamento estatal ilícito. A
segunda condição é que ela deve ser proporcional à gravidade da infração cometida pelo
Estado provocador, princípio consagrado no artigo 51 daquele projeto.
Conforme esclarece o professor Hafner (2002, p. 3), também não se admite
contramedidas que impliquem no uso da força.
Guido Soares (1995, p. 391) faz um alerta quanto à sanção:
Acreditamos que o exercício de medidas ilícitas, que se tornem lícitas porque tomadas em face da ilicitude de outrem, são por demais excepcionadoras dos princípios gerais do Direito, para que possam ser utilizadas sem grandes reservas e condicionamentos. O grande perigo de permitirem-se ilícitos de maneira não limitada e sobretudo de maneira unilateral por parte dos Estados, poderia servir de pretexto para a comissão de ilícitos, sob a capa de proteção de outros valores menos nobres que o princípio da não intervenção.
Nos termos do artigo 52 do projeto, na ocorrência de um fato ilícito, o Estado lesado,
preliminarmente, deve requerer ao Estado infrator que cumpra suas obrigações internacionais.
Se não atendido, o Estado lesado, conforme sustenta Marco Sassòli (2002, p. 15), “pode
tomar contramedidas para induzir o Estado infrator a cumprir suas obrigações [...]” (tradução
nossa). Antes, porém, deve notificá-lo a respeito de qualquer decisão nesse sentido. De
qualquer maneira, o Estado lesado deve propor uma negociação, como procedimento
inaugural.
Sobre os procedimentos de sanção internacional é interessante destacar as que vigoram
no âmbito da União Européia, para a defesa dos direitos do homem no mundo. Conforme
ensina a professora francesa Josiane Auvret-Finck (2003, p. 1), as contramedidas representam
uma reação unilateral dirigida contra um Estado, emanando de outro Estado que considera o
comportamento daquele não amistoso ou contrário aos seus compromissos internacionais.
No âmbito da União Europeia verifica-se dois tipos de mecanismos de sanção para a
defesa internacional dos direitos humanos.
Os primeiros não se constituem, propriamente, procedimentos de sanção, mas podem
ser utilizados para este fim. Eles são introduzidos através de um suporte convencional e
conduzem à suspensão ou à denúncia de convenções concluídas pela União com países
terceiros. Os segundos referem-se especialmente à adoção de contramedidas.
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Historicamente, a Comunidade Européia adotou em 1967 as primeiras sanções em
face da Grécia, em decorrência de um golpe de Estado, o que se deu através da cessação de
acordo de associação e suspensão de ajuda financeira.
Em 1991, foram adotadas sanções contra a Iugoslávia, impondo-lhe uma série de
medidas restritivas sob a fundamentação humanitária.
Porém, ressalta Josiane Auvret-Finck (2003, p. 1) que a União Européia não tem
dispensado um tratamento igualitário aos Estados faltosos, para fins de aplicação de sanção,
sendo influenciada por interesses econômicos e estratégicos.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Tradicionalmente, considera-se que a responsabilidade internacional decorre de um
fato ilícito danoso imputável a um sujeito de Direito Internacional Público.
A Comissão de Direito Internacional das Nações Unidas, desde meados da década de
50, tem se debruçado sobre a responsabilidade estatal, imbuída do propósito de codificá-la, ou
seja, de transformar normas costumeiras em normas escritas. Finalmente, o projeto de
convenção sobre responsabilidade internacional foi aprovado em definitivo em 2001.
Ressalta-se que esse projeto não se preocupou em definir a responsabilidade internacional,
mas em determinar o seu nascimento. Nos termos do artigo 1º, todo fato internacionalmente
ilícito do Estado gera sua responsabilidade internacional. Logo, o primeiro elemento essencial
à geração de responsabilidade se constitui no fato ilícito, questão pacífica na doutrina
internacionalista.
De acordo com Ramos (2004, p. 108), o fato ilícito nasce da realização de um
comportamento comissivo ou omissivo, imputável ao Estado de acordo com o Direito
Internacional, sendo esse comportamento uma violação de uma obrigação internacional
previamente existente.
O artigo 2º do projeto da CDI identifica o fato ilícito nas seguintes circunstâncias: a)
um comportamento consistente em uma ação ou omissão, atribuível ao Estado segundo o
Direito Internacional; b) que esse comportamento constitua uma violação de uma obrigação
internacional do Estado.
O referido projeto prevê a possibilidade de adoção de contramedidas, as quais podem
ser definidas como medidas unilaterais que objetivam forçar o Estado violador de norma
internacional a adimplir suas obrigações decorrentes da violação.
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Todavia, o Direito Internacional não acolhe as sanções de cunho repressivo, mas tão
somente aquelas dotadas de caráter coercitivo. Portanto, as “represálias” que visam punir o
pretenso infrator configuram ilícito internacional. Mesmo aquelas que são consideradas
lícitas, devem se pautar no princípio da proporcionalidade, conforme expressa o artigo 51 do
projeto da CDI aprovado em 2001. O art. 49 não deixa dúvida ao dispor que somente pode
haver o recurso às sanções, ou seja, às contramedidas, para induzir o Estado infrator a cumprir
suas obrigações internacionais. Portanto, para serem lícitas, elas devem ser desprovidas de
caráter punitivo.
Além disso, à luz daquele projeto, a exemplo da Carta da ONU, encontra-se proscrito
a ameaça ou o uso da força. Conseqüentemente, não se admite contramedidas que impliquem
na utilização desse artifício, sob pena de caracterização de ilícito internacional. A respeito, o
professor Hafner (2002, p. 3) estabelece que
as contramedidas não podem afetar nem as obrigações de solução pacífica de controvérsias nem as normas de Direito diplomático, a fim de que, em situações de tensão, como resulta habitual quando se ameaça com a adoção de contramedidas, os canais de comunicação permaneçam sempre abertos. (Tradução nossa).
Esse dever subsiste ainda que a conduta estatal seja considerada lícita perante o
Direito interno do Estado infrator. Portanto, não há escusa para o fato internacionalmente
ilícito no argumento de sua licitude ante a ordem jurídica interna.
A violação de uma norma internacional criará para o sujeito de Direito Internacional a
obrigação justificada de reparar a falta cometida ou o prejuízo causado, aponta Accioly,
(1959, p. 23). Isso porque “a obrigação de reparar toda a infração ao direito está implícita em
toda a norma jurídica e apresenta um caráter automático” (DINH; DAILLIER; PELLET,
1999, p. 715). Assim, “a obrigação de reparar é, em Direito Internacional Geral, o corolário da
responsabilidade internacional”. (PEREIRA, 2000, p. 382).
Hee Moon Jo (2000, p. 401) sintetiza: “é princípio geral do direito a obrigação de
reparação por dano causado contra o direito”.
O projeto de 2001 consagra esse dever no artigo 31, ao dispor que o Estado
responsável está obrigado a reparar integralmente o prejuízo causado pelo fato ilícito
internacional. Ressalta-se que, nos termos desse draft de convenção, reparação é gênero que
comporta diversas espécies, a saber: restituição (restabelecimento do status quo ante),
indenização (reparação pecuniária), satisfação (compensação a danos imateriais), além da
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garantia de não repetição, todas pertinentes no caso em tela, podendo inclusive haver
combinação entre elas.
O uso de contramedida enquanto instrumento de autotutela contribui para a efetividade
das regras de convivência entre os Estados. Conforme salienta Andrea de Guttry (Apud
MELLO, 1995, p. 171), “ela só poderia desaparecer se houvesse reais alternativas para
garantir o respeito concreto das normas internacionais”.
Segundo Ramos (2001, p. 51), trata-se do caso onde o Estado dito ofendido afirma ter
ocorrido violação de seu direito e exige reparação do Estado dito ofensor, podendo, se não
atendido, sancionar unilateralmente esse Estado. Para ele, nas contramedidas “o Estado dito
ofendido transforma-se em juiz e parte”. Todavia, o Estado pretensamente ofensor pode
entendê-las como injustas e ilícitas e também impetrar contramedidas em desfavor do Estado
dito inicialmente ofendido. Por fim, conclui: “nem é preciso dizer sobre os perigos que tais
‘escaladas de sanções’ ocasionam para a paz mundial”.
Ponto crítico da responsabilidade internacional não se encontra, a nosso ver, na teoria
geral desse instituto, nem em seus desdobramentos específicos. Seu principal obstáculo
esbarra-se ainda na questão da efetividade do instituto, somada à discrepância de sua
aplicação, que tem sido variável conforme as partes envolvidas.
Josiane Auvret-Finck (2003, p. 14) apresenta críticas a esse respeito, em especial, no
que se refere à adoção de sanções pela União Europeia. Em primeiro lugar, considera que a
prática não parece preocupada com a igualdade de tratamento aos Estados faltosos. Segundo
ela, a União Europeia se mostra muito mais exigente e insistente quando se encontra diante de
países pobres e em situação de solicitantes, e bem mais moderada quando interesses
estratégicos ou econômicos são considerados. Esta prática tem beneficiado países como a
Rússia e China, por exemplo. Citaríamos ainda os Estados Unidos. Em outras palavras, se o
ofensor for um país frágil política, estratégica ou economicamente, a posição da União
Europeia tende a ser dura. Porém, quando há países ricos, em face dos quais ela tem interesses
econômicos, por exemplo, sua posição tende a ser bem mais amena.
Levy (1961, p. 745) relata o fato ocorrido em águas albanesas em 1946 – o Caso
Corfu. Em maio de 1946, uma esquadra britânica atravessou a parte norte do estreito de
Corfu, localizado em águas albanesas. À altura da Baía de Saranda, um dos navios chocou-se
com uma mina de explosivos e foi danificado gravemente. Outro navio da esquadra
incumbido de resgatá-lo, também sofreu danos. Mesmo assim, conseguiu chegar ao porto de
Corfu e resgatar o primeiro navio avariado. Em virtude dos danos causados pelas minas às
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embarcações britânicas em 1946, uma ação foi aparelhada pelo Reino Unido em face da
Albânia, perante a Corte Internacional de Justiça.
Após apreciar o caso, a Corte decidiu pela responsabilidade do Estado albanês, apesar
de não existir participação direta deste, mediante a aplicação da responsabilidade objetiva.
Não prevaleceu a defesa albanesa de que as embarcações haviam navegado em seu mar
territorial, sem a prévia autorização. Também não se levou em conta a alegação da Albânia de
que as minas foram colocadas em suas águas, como defesa, em virtude de um conflito em
potencial com a Grécia. Nos termos da decisão da Corte, a obrigação da Albânia consistia em
fazer conhecer, atendendo aos interesses da navegação em geral, a existência de minas em
suas águas, bem como advertir os navios de guerra britânicos, quando estes se aproximavam,
sobre o perigo a que estavam expostos, em conformidade com a Convenção de Haia de 1907.
Esta grave omissão desencadeou a responsabilidade da Albânia. A Corte julgou o caso de
forma justa, nos termos da legislação internacional vigente. Todavia, questiona Pereira (2000,
p. 61): se fosse o contrário, ou seja, se fosse a Inglaterra que colocasse minas, afundando
navios da Albânia, sob a alegação de que estava em situação beligerante com um país
vizinho? “Nesta hipótese, tenho certeza que a Corte iria julgar a favor do Reino Unido,
baseando-se, neste fato que serviria de excludente de ato ilícito internacional (Será? Nunca
saberemos!).”
Pereira (2000, p. 124) ainda relata evento ocorrido nos anos 90, em que a França
realizou vários testes nucleares em um atol, o que lhe rendeu censuras e críticas de vários
países e organizações internacionais, além de ONG’s e mídia internacional. Não obstante tais
críticas, ela continuou realizando testes, não se importando com eventuais conseqüências
imediatas ou futuras. Nem precisava mesmo se preocupar. Não se tem notícias de punições à
França em decorrência desses testes. Em caso idêntico, a Índia também realizou testes
nucleares e sofreu uma avalanche de boicotes internacionais, além do repúdio internacional.
Por fim, conclui:
A diferença (de tratamento) está numa combinação do grau de importância sociocultural do Estado e sua importância econômica e estratégica. A responsabilidade internacional no final deste século (XX) é dosada conforme o doente e não conforme a doença.
Nosso trabalho revela que o Direito Internacional prevê a ocorrência e as
conseqüências da responsabilidade internacional, matéria esta já sedimentada. Assim, o
Direito Internacional reconhece a responsabilidade em questão como conseqüência de ilícito
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internacional imputável a um Estado e o conseqüente dever de reparar. Espera-se, no entanto,
que o Estado infrator proceda a tal reparação espontaneamente. Caso não o faça, nos termos
daquele Direito, o conflito deve ser solucionado pacificamente, conforme estabelece a Carta
da ONU. Todavia, conforme assevera Trindade (2002a, p. 76), nesta seara, “permanece o
problema básico da ausência de jurisdição estritamente obrigatória” e o voluntarismo ainda
predominante no Direito Internacional Público. Além disso, a matéria ainda não alcançou um
estágio de objetividade capaz de estabelecer que um ilícito internacional gere o mesmo tipo de
sanção, independentemente do país envolvido.
Faz-se necessário o aperfeiçoamento e desenvolvimento dos mecanismos de solução
pacífica capazes de atender as necessidades da comunidade internacional contemporânea,
como a maior utilização de métodos não contenciosos, tais como o entendimento direto, as
consultas, o fomento da conciliação e de métodos mais flexíveis de mediação, a aceitação da
jurisdição internacional obrigatória da Corte Internacional de Justiça para matérias
previamente acordadas, a expansão da função consultiva desta Corte e o fomento de pesquisas
e maior empenho das Nações Unidas nesse sentido, conforme expõe Antonio Augusto
Cançado Trindade (2002b, p. 1056). O próprio Conselho de Segurança da ONU enquanto
instância de solução de conflitos deve ser reformulado, primordialmente quanto a sua
representatividade permanente, assim como a própria CIJ. A Assembleia Geral da ONU por
sua vez, prima pelo princípio democrático, se considerarmos que cada Estado tem direito a
voto nesse âmbito. O problema é a ausência de executoriedade de suas resoluções.
No que pese as críticas às contramedidas, diante da recusa do Estado violador de
reparar danos decorrentes de sua responsabilidade internacional através dos meios
diplomáticos, parece-nos oportuna a aplicação dessas sanções meramente coercitivas.
Todavia, entendemos que elas devem ser estabelecidas no âmbito de Organizações
Internacionais intergovernamentais competentes, tal qual a ONU. O uso unilateral pelo Estado
ofendido, embora aplicável na prática, gera grave risco à estabilidade das relações
internacionais, sem falar do perigo dos eventuais abusos.
Na ponderação perceptiva de Tunkin (1986, p. 211), a relevância da responsabilidade
internacional é condicionada pelo fato de ser um meio jurídico indispensável para garantir o
respeito das normas do Direito Internacional. A responsabilidade dos sujeitos desse Direito
“está ligada ao cumprimento rigoroso da legalidade internacional [...]. Ela é um instrumento
da regulação jurídica nas relações internacionais e estimula o funcionamento do Direito
Internacional”.
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Soma-se a estas ponderações o fato de que o reconhecimento da responsabilidade
internacional está intimamente ligada à seguridade dos povos (OLIVEROS, 1998, p. 22) e à
estabilidade da própria ordem jurídica internacional. Portanto, sua efetivação prática através
do aperfeiçoamento de mecanismos eficazes e pacíficos de solução de controvérsias é um
imperativo do Direito Internacional contemporâneo, pois não basta que a responsabilidade
internacional seja reconhecida. É fundamental que o instituto alcance os seus fins.
O estabelecimento de organismos internacionais novos ou o aperfeiçoamento dos já
existentes, como a ONU e seus órgãos, OEA, etc., é ponto-chave para que possamos antever o
instituto da responsabilidade internacional gerando seus efeitos de forma satisfatória. Para os
céticos, trata-se de utopia, já que interesses econômicos e estratégicos sobrepõem-se aos
reclames de uma justiça eficaz no âmbito da comunidade internacional.
No entanto, assim não nos parece. A globalização e seus efeitos, o acesso e a
divulgação da informação, o clamor por uma ética universal, dentre outros fatores
contemporâneos, impõem uma nova ordem mundial, antes impensada. A criação e
funcionamento do Tribunal Penal Internacional instituído pelo Tratado de Roma de 1998 é um
exemplo. Há poucas décadas, a efetividade de um tribunal internacional nascido do consenso
apto para processar, julgar e condenar acusados das mais graves violações de Direito
Internacional Humanitário, também parecia algo utópico. Hoje, é uma realidade. Obviamente,
não cabe no espaço reduzido dessa pesquisa tratar dos desafios que ainda pairam sobre esse
tribunal. Porém, a impunidade para crimes de guerra, genocídio, crime contra a humanidade já
não é mais uma realidade absoluta.
Obviamente, não podemos desmerecer a evolução extremamente positiva do instituo
ao longo da História, onde já vigorou a irresponsabilidade absoluta. Dinâmica como tem se
apresentado, a responsabilidade estatal por ilícito internacional pode e deve ser cabalmente
implementada. Porém, a questão não pode ficar na seara do voluntarismo estatal, que tende a
ser substituído pela objetivação. A atuação eficaz dos órgãos da ONU, da Corte Internacional
de Justiça, dentre outros organismos internacionais intergovernamentais, são ferramentas
imprescindíveis para transformar a teoria da responsabilidade internacional em prática a
serviço da paz e segurança global.
Por fim, parece-nos oportuna uma reflexão sobre o pronunciamento do então
secretário-geral das Nações Unidas, Javier Pérez de Cuellar (1996, p. 15):
Para alcançar [...] uma ordem jurídica internacional justa e duradoura, ideal sobre o qual abundam sábias idéias e nobres intenções, é preciso encontrar a
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forma de preencher o largo trecho que sempre existe entre a palavra e a ação, pois não basta que o ideal se converta em Direito, é indispensável que o Direito se converta em realidade.
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