Resposta Escrita à acusação - Maria da penha

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EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DA VARA CRIMINAL DA COMARCA DE MACAÍBA Autos n° 0103172-63.2014.820.0121 CÍCERO BRITO DE FILHO, devidamente qualificado nos autos em epígrafe, por intermédio de seu advogado na qualidade de defensor dativo que aceita este encargo e subscreve in fine, vem, respeitosamente à presença de Vossa Excelência, apresentar RESPOSTA ESCRITA À ACUSAÇÃO, conforme art. 396 e 396-A do Código de Processo Penal. 1. DOS FATOS Segundo o relato fático contido na peça acusatória, na data de 17 de novembro de 2014, às 03:30 da madrugada, o acusado adentrou a residência da senhora Maria Cristina Januário da Costa, contra a vontade desta, com quem conviveu maritalmente durante aproximadamente 08 anos. A exordial acusatória também destaca que, na data do fato, o ora denunciado ameaçou atear fogo na residência da suposta vítima, incorrendo desta forma, em Descumprindo das medidas protetivas anteriormente importas através do processo de nº 0102648-66.2014.820.010, tendo sido sua prisão em flagrante determinada neste ato.

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EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DA VARA CRIMINAL DA COMARCA DE MACAÍBA

Autos n° 0103172-63.2014.820.0121

CÍCERO BRITO DE FILHO, devidamente qualificado nos

autos em epígrafe, por intermédio de seu advogado na qualidade de defensor

dativo que aceita este encargo e subscreve in fine, vem, respeitosamente à

presença de Vossa Excelência, apresentar RESPOSTA ESCRITA À ACUSAÇÃO, conforme art. 396 e 396-A do Código de Processo Penal.

1. DOS FATOS

Segundo o relato fático contido na peça acusatória, na data

de 17 de novembro de 2014, às 03:30 da madrugada, o acusado adentrou a

residência da senhora Maria Cristina Januário da Costa, contra a vontade

desta, com quem conviveu maritalmente durante aproximadamente 08 anos.

A exordial acusatória também destaca que, na data do fato,

o ora denunciado ameaçou atear fogo na residência da suposta vítima,

incorrendo desta forma, em Descumprindo das medidas protetivas

anteriormente importas através do processo de nº 0102648-66.2014.820.010,

tendo sido sua prisão em flagrante determinada neste ato.

No local, a vítima alegou que o acusado vinha perturbando

o seu sossego desde que se separaram, bem como já havia o alertado das

medidas protetivas.

Por sua vez, em sede policial, o acusado nega ter

ameaçado a suposta vítima e diz ter ciência das medidas protetivas, no entanto

que teria ido à casa da vítima a pedido desta.

Ao final, o Ilustríssimo Representante do Ministério Público

pugnou pela condenação do acusado nos termos dos artigos 147, 150 e 330 do Código Penal c/c os arts. 5º e 7º da Lei 11.340/06.

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Cabe salientar que até a presente data o acusado

encontra-se preso no Centro de Detenção Provisória da Zona Norte, Natal/RN.

2. DO DIREITO

2.1 CRIME DE AMEAÇA – DA NÃO OCORRENCIA

No que tange ao crime de ameaça descrito no artigo 147

do Código Penal Brasileiro e imputado ao acusado pelo Ministério Público, não

merece prosperar tal acusação, diante do estado emocional sob o qual se

encontravam o acusado e a Sr. Maria Cristina, pois conforme se extrai do

depoimento de ambos, o momento era de uma briga, cabendo a ressalva de

que neste momento os ânimos estavam acalorados, não podendo dessa forma

ser tido como ameaça as palavras proferidas pelo acusado.

O crime de ameaça tem como tipo subjetivo o elemento

doloso, qual seja a intensão de aterrorizar a vítima através da promessa do

cometimento de um crime, no entanto prevalece o entendimento doutrinário de

que quando tais palavras são proferidas em meio a discussão ou momento de

raiva, não existe a ameaça, haja vista as palavras proferidas não alcançarem o

fim previsto no tipo.

Em uma discussão, quando os ânimos estão alterados, é possível

que as pessoas troquem ameaças sem qualquer concretude, isto é,

são palavras lançadas a esmo, como forma de desabafo ou bravata,

que não correspondem à vontade de preencher o tipo penal. “

(NUCCI, Guilherme de Souza. Código penal comentado. 13ª Ed. São

Paulo: RT, 2013, p. 741)

Cabe ainda a ressalva de que em relação ao suposto crime

de ameaça não estava presente nenhuma testemunha que venha a

comprovara a existência de tal conduta. Neste diapasão, o acusado em sede

de inquérito policial negou completamente tal imputação, conforme se verifica à

fl. 07 dos autos.

Desta forma, resta impossibilitada a certeza da veracidade

de tal acusação, já que ausentes elementos probatórios suficientes. Assim,

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pugna o acusado pela absolvição no que concerne a prática do crime de

ameaça.

2.2 CRIME DE VIOLAÇÃO DE DOMICÍLIO – ATIPICIDADE DA CONDUTA

Em relação ao tipo descrito no artigo 150 do Código Penal

Brasileiro, descreve o Ilustríssimo representante do parquet na peça

acusatória, que o acusado adentrou a residência da Senhora Maria Cristina

Januário da Costa sem o seu consentimento expresso. No entanto, é possível

extrair realidade divergente pela mera leitura dos autos, haja vista não constar

na declaração da vítima feita as únicas testemunhas do fato, que o acusado

adentrou em sua residência sem seu consentimento, senão vejamos:

“(...) que a vítima explicou que todo o fim de semana que ele lhe

perturba o sossego, ocorrendo isso pois ele não aceita terem terminado

o casamento e hoje de madrugada ele ameaçava colocar fogo na sua

residência, quando por medo chamou a polícia (...) ” (Fls. 03 e 04 do

Inquérito Policial). ( grifo nosso )

O acusado, instado a expor sua versão no inquérito policial,

disse ter ido até a casa da vítima porque a mesma pediu que ele fosse.

É de se ressaltar que, quando os policiais chegaram até a

residência da vítima o acusado estava do lado de fora, e não foi relatado em

nenhum momento que constavam na porta de entrada da referida residência

sinais de arrombamento, restando pois evidente a não ocorrência do crime de

violação de domicílio.

Cabe ainda a ressalva de que em seu depoimento a

autoridade policial, a vítima em nenhum momento disse que o acusado forçou

a entrada em sua residência ou o fez de forma a violar qualquer obstáculo que

impedisse a sua entrada naquele momento, descaracterizando assim os

elementos significativos do tipo penal incriminador ora em análise, devendo

pois, prosperara a tese de atipicidade da conduta.

Pelo exposto, requer seja declarada a atipicidade da

conduta diante da ausência de pressupostos do tipo penal descrito na

denúncia, neste sentido a consequente absolvição do réu.

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2.3 DO CRIME DE DESOBEDIÊNCIA

Além das demais imputações aqui discutidas, o acusado foi

denunciado pelo crime de desobediência, pelo fato de ter descumprido

medidas protetivas anteriormente impostas através do processo de nº

01022648-66.2014.

O artigo 330 do Código Penal define o delito como sendo

desobedecer ordem legal de funcionário público.

No entanto, o descumprimento injustificado de medida protetiva

imposta judicialmente, com base na Lei 11.340/06, não configura o delito de

desobediência previsto no CP.

Acerca do tema, o ilustre doutrinador Nelson Hungria

(Comentários ao Código Penal, vol. IX, p. 420, 1958, Forense) sustenta o

seguinte:

“Se, pela desobediência de tal ou qual ordem oficial, alguma lei comina determinada penalidade administrativa ou civil, não se deverá reconhecer o crime em exame, salvo se a dita lei ressalvar expressamente a cumulativa aplicação do art. 330.”

É de suma importância ressaltar que já há na Lei Maria da

Penha previsão de sanção para quem descumpre tais medidas protetivas.

Ademais, com o advindo da Lei 12.403/11, que alterou o

inciso III do art. 313 do CPP, ficou autorizada a prisão preventiva como medida

que visa garantir o cumprimento das medidas protetivas de urgência.

Desta Forma, em caso de descumprimento de medida

protetiva de urgência, existe uma sanção criminal, qual seja a prisão preventiva

do agente que descumpriu esta ordem judicial, ou seja, entender de modo

contrário seria caracterizar o bis in idem na aplicação Direito Penal.

Nesse sentido, segue para conhecimento o recente

entendimento do Superior Tribunal de Justiça exposto no Recurso Especial nº

1.374.653, o qual reconheceu por unanimidade a inaplicação do crime de

desobediência pelo descumprimento de medida protetiva de urgência, senão

vejamos:

PENAL E PROCESSO PENAL. RECURSO ESPECIAL. CRIME DE DESOBEDIÊNCIA. DESCUMPRIMENTO DE MEDIDA PROTETIVA DE URGÊNCIA PREVISTA NA LEI MARIA DA PENHA. COMINAÇÃO

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DE PENA PECUNIÁRIA OU POSSIBILIDADE DE DECRETAÇÃO DE PRISÃO PREVENTIVA. INEXISTÊNCIA DE CRIME. 1. A previsão em lei de penalidade administrativa ou civil para a hipótese de desobediência a ordem legal afasta o crime previsto no art. 330 do Código Penal, salvo a ressalva expressa de cumulação (doutrina e jurisprudência). 2. Tendo sido cominada, com fulcro no art. 22, § 4º, da Lei n. 11.340/2006, sanção pecuniária para o caso de inexecução de medida protetiva de urgência, o descumprimento não enseja a prática do crime de desobediência. 3. Há exclusão do crime do art. 330 do Código Penal também em caso de previsão em lei de sanção de natureza processual penal (doutrina e jurisprudência). Dessa forma, se o caso admitir a decretação da prisão preventiva com base no art. 313, III, do Código de Processo Penal, não há falar na prática do referido crime. 4. Recurso especial provido.(STJ , Relator: Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, Data de Julgamento: 11/03/2014, T6 - SEXTA TURMA)

Em suma, para a caracterização da figura típica do delito de

desobediência é necessário a inexistência de consequência legal para o não

entendimento da ordem judicial, ou quando a possibilidade de punição, também, pelo

crime de desobediência, decorra de expressa determinação legal.

Impõe-se, no entanto a caracterização da atipicidade da conduta, em

relação ao descumprimento da medida protetiva de urgência da Lei Maria da Penha.

Desta forma, pugna pela absolvição do denunciado, quanto ao crime

previsto no artigo 330 do Código Penal.

3. DO PEDIDO

Espera-se, pois, o recebimento desta Resposta à Acusação, onde,

com supedâneo no art. 397, inc. III, do Código de Processo Penal, pleiteia-se a

ABSOLVIÇÃO SUMÁRIA do acusado, em face da atipicidade dos fatos narrados na

peça acusatória. Não sendo este o entendimento, o que se diz apenas para

argumentar, reserva-se o direito de proceder em maiores delongas suas justificativas

defensivas nas considerações finais, protestando, de logo, provar o alegado por todas

as provas em direito admitidas, valendo-se, sobretudo, do depoimento das

testemunhas já arroladas na denúncia.

Termos em que,

pede deferimento.

Macaíba, 11 de maio de 2015.

Vanessa Silva AlvesOAB/RN nº 13.316

Scarlatt Rhyane Silva CamposOAB/RN – 13.492