Resumo A casa ou o mundo às avessas

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A casa ou o mundo às avessas – Bourdieu, Pierre. Análise de uma série de indicadores que sugerem feixes de oposições paralelas, que nada devem aos imperativos técnicos e as necessidades funcionais. Atividades naturais (comer, dormir, sexo, parto, morte) se opõe como a natureza a cultura as atividades propriamente culturais. A parte baixa e escura opõe-se a parte alta como o feminino ao masculino: além da divisão do trabalho entre os sexos (fundada no mesmo principio de divisão que a organização do espaço) confiar à mulher o encargo da maior parte dos objetos da casa... A oposição entre a parte alta e a parte baixa reproduz no interior do espaço da casa aquela estabelecida entre o dentro e o fora, entre o espaço feminino, a casa e o jardim, o sagrado e o interdito. A parte baixa da casa é o lugar do segredo mais íntimo no interior do mundo da intimidade (tudo que se refere a sexualidade e procriação.) A casa se organiza conforme um conjunto de oposições homólogas: fogo::agua, cozido::cru, alto::baixo. Luz::sombra, dia::noite, masculino::feminino, fecundante::fecundável, cultura::natureza. Considerada em sua relação com o mundo exterior, mundo propriamente masculino da vida pública e do trabalho agrícola, a casa, universo das mulheres, é o mundo da intimidade e do segredo.

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A casa ou o mundo às avessas – Bourdieu, Pierre.

Análise de uma série de indicadores que sugerem feixes de oposições paralelas, que nada devem aos imperativos técnicos e as necessidades funcionais.

Atividades naturais (comer, dormir, sexo, parto, morte) se opõe como a natureza a cultura as atividades propriamente culturais.

A parte baixa e escura opõe-se a parte alta como o feminino ao masculino: além da divisão do trabalho entre os sexos (fundada no mesmo principio de divisão que a organização do espaço) confiar à mulher o encargo da maior parte dos objetos da casa... A oposição entre a parte alta e a parte baixa reproduz no interior do espaço da casa aquela estabelecida entre o dentro e o fora, entre o espaço feminino, a casa e o jardim, o sagrado e o interdito.

A parte baixa da casa é o lugar do segredo mais íntimo no interior do mundo da intimidade (tudo que se refere a sexualidade e procriação.)

A casa se organiza conforme um conjunto de oposições homólogas: fogo::agua, cozido::cru, alto::baixo. Luz::sombra, dia::noite, masculino::feminino, fecundante::fecundável, cultura::natureza.

Considerada em sua relação com o mundo exterior, mundo propriamente masculino da vida pública e do trabalho agrícola, a casa, universo das mulheres, é o mundo da intimidade e do segredo.

Não há fundamento em se dizer que a mulher está presa à casa, a menos que se observe, simultaneamente, que o homem é excluído dela. Aquele que fica muito tempo em casa durante o dia é suspeito ou ridicularizado. O homem que se dá ao respeito deve se mostrar.

Entende-se que todas as atividades biológicas, comer, dormir, procriar, sejam banidas do universo propriamente cultural e relegadas ao asilo da intimidade e dos segredos da natureza que é a casa, mundo da mulher, voltada à gestão da natureza e excluída da vida pública.

Assim, a oposição entre a casa e a assembleia dos homens, entre a vida privada e a vida pública ou, se quiser, entre a plena luz do dia e o segredo da noite, recobre exatamente a oposição entre a parte baixa, escura e noturna da casa e a parte alta, nobre e luminosa.

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A oposição que se estabelece entre o mundo exterior e a casa não se apresenta em todo seu sentido se não percebermos que um dos termos desta relação, a casa, é ela mesma dividida de acordo com os mesmos princípios que a opõem ao outro termo. Portanto, é ao mesmo tempo verdadeiro e falso dizer que o mundo exterior se opõe à casa como o masculino ao feminino, o dia à noite, já que o segundo termo dessas oposições divide-se, por sua vez, em si mesmo e na sua oposição.

Microcosmos organizado de acordo com as mesmas oposições e as mesmas homologias que ordenam todo o universo.

Homem é a lâmpada de fora e mulher a lâmpada de dentro. O Homem está para o sol (luz verdadeira) assim como a mulher está para a lua.

A própria casa é dotada de um duplo significado, se é verdade que ela se opõe ao mundo público como a natureza à cultura, ela também é cultura numa outra relação.

A mulher, através de quem a fecundidade chega à casa, contribui com sua parte para a fecundidade do mundo agrário: votada ao mundo de dentro ela age também fora , assegurando a plenitude interna ao controlar, a titulo de guardiã da soleira, essas trocas sem contrapartida que apenas a lógica da magia pode conceber e através das quais cada uma das partes do universo espera receber da outra a plenitude apenas pela oferta do vazio.

Cada um dos universos tem o seu oriente e ambos os deslocamentos mais carregados de significado e de consequências mágicas.

Esses dois espaços simétricos e inversos não são intercambiáveis e sim hierarquizados, o espaço interior sendo exatamente a imagem invertida, ou reflexo num espelho, do espaço masculino.

A orientação da casa é primordialmente definida do exterior, do ponto de vista dos homens e, se pode dizer, pelos homens e para os homens, como lugar de onde saem os homens. “ Uma casa prospera através da mulher; seu exterior é belo por causa do homem.”

A casa é um império dentro de um império, mas permanece sempre subordinada, porque mesmo quando apresenta todas as propriedades e todas as relações que definem o mundo arquetípico, permanece um mundo às avessas, um reflexo invertido.

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