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284 Estilos da Clínica, 2010, 15(2), 284-305 RESUMO Trata-se de um levantamento bibliográfico no intuito de conhe- cer o que foi produzido no cam- po das articulações entre psica- nálise e educação a partir de 1980 no Brasil. As fontes pes- quisadas foram o Banco de Te- ses CAPES, a revista Esti- los da Clínica, sites de editoras, anais dos Colóquios do LEPSI (IP/FE – USP) e o Diretório de Grupos de Pesquisa no Bra- sil do CNPq. Encontraram-se 277 trabalhos, entre teses de doutorado, artigos, livros e apre- sentações em colóquios. Foram ainda localizados 43 grupos universitários de pesquisa regis- trados no CNPq. A pesquisa pretende fornecer ao leitor um primeiro panorama dos rumos, interesses e principais linhas de força impressas ao campo por esses trabalhos. Descritores: levantamento bibliográfico; psicanálise; educa- ção. Dossiê A PRODUÇÃO BRASILEIRA NO CAMPO DAS ARTICULAÇÕES ENTRE PSICANÁLISE E EDUCAÇÃO A PARTIR DE 1980 Maria Cristina Machado Kupfer Beethoven Hortencio Rodrigues da Costa Delia Maria De Césaris Flávia Fló Cardoso Maria de Lourdes Ornellas Marise Bartolozzi Bastos Nicole Crochik Odana Palhares Docente do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (IPUSP) Doutorando do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (IPUSP) Doutoranda do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (IPUSP) Psicóloga, Psicanalista, integrante do Trapézio – Grupo de apoio à escolarização Docente da Universidade do Estado da Bahia (UNEB) Doutoranda do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (IPUSP) Mestranda do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (IPUSP) Doutora em Educação na Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP)

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RESUMO

Trata-se de um levantamentobibliográfico no intuito de conhe-cer o que foi produzido no cam-po das articulações entre psica-nálise e educação a partir de1980 no Brasil. As fontes pes-quisadas foram o Banco de Te-ses CAPES,  a revista Esti-los da Clínica, sites de editoras,anais dos Colóquios do LEPSI(IP/FE – USP) e o Diretóriode Grupos de Pesquisa no Bra-sil do CNPq. Encontraram-se277 trabalhos, entre teses dedoutorado, artigos, livros e apre-sentações em colóquios. Foramainda localizados 43 gruposuniversitários de pesquisa regis-trados no CNPq. A pesquisapretende fornecer ao leitor umprimeiro panorama dos rumos,interesses e principais linhas deforça impressas ao campo poresses trabalhos.Descritores: levantamentobibliográfico; psicanálise; educa-ção.

Dossiê

A PRODUÇÃOBRASILEIRA NO CAMPO

DAS ARTICULAÇÕESENTRE PSICANÁLISE EEDUCAÇÃO A PARTIR

DE 1980

Maria Cristina Machado KupferBeethoven Hortencio Rodrigues da Costa

Delia Maria De CésarisFlávia Fló Cardoso

Maria de Lourdes OrnellasMarise Bartolozzi Bastos

Nicole CrochikOdana Palhares

Docente do Instituto de Psicologia daUniversidade de São Paulo (IPUSP)

Doutorando do Instituto de Psicologia daUniversidade de São Paulo (IPUSP)

Doutoranda do Instituto de Psicologia daUniversidade de São Paulo (IPUSP)

Psicóloga, Psicanalista, integrante do Trapézio –Grupo de apoio à escolarização

Docente da Universidade doEstado da Bahia (UNEB)

Doutoranda do Instituto de Psicologia daUniversidade de São Paulo (IPUSP)

Mestranda do Instituto de Psicologia daUniversidade de São Paulo (IPUSP)

Doutora em Educação na UniversidadeEstadual de Campinas (UNICAMP)

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NApresentação

o intuito de conhecer o que foi produzido no campo dasarticulações entre psicanálise e educação a partir de 1980 no Brasil,o grupo de autores signatário deste artigo realizou um levantamen-to de teses de doutorado, de livros e de artigos nos quais figuravamas palavras-chave psicanálise e educação. As fontes pesquisadas fo-ram o Banco de Teses CAPES,  a revista Estilos da Clínica, sites deeditoras, anais dos Colóquios do LEPSI (IP/FE – USP) e o Diretóriode Grupos de Pesquisa no Brasil do CNPq.

Desse trabalho, resultou uma base de dados1, que reúne infor-mações sobre os trabalhos que se podem considerar como produ-ções brasileiras nesse campo. O banco inclui resumos dos traba-lhos, bem como sua procedência, nome do autor, uma classificaçãotemática (1 a 5) e uma anotação que aponta a direção da articulaçãoque foi privilegiada no trabalho (A ou B).

Para a revisão crítica dos trabalhos, foram adotados os seguin-tes eixos temáticos:

1. A transferência no campo educativo2. Psicanálise, discurso pedagógico e educação na contemporaneidade.3. Alunos e professores na relação com o saber4. Tratar e educar5. Formação de professores e psicanálise

Na pesquisa realizada, encontraram-se 2772 trabalhos, entre tesesde doutorado, artigos, livros e apresentações em colóquios. Foramainda localizados 43 grupos universitários de pesquisa registradosno CNPq, assim distribuídos em relação aos temas:

Temas 1 e 5: 7 gruposTema 2: 13 gruposTema 3: 11 gruposTema 4: 8 grupos

O presente artigo buscou realizar uma apresentação crítica ini-cial dos trabalhos agrupados em torno dos temas indicados, feita apartir do exame dos resumos recolhidos, de modo a fornecer aoleitor um primeiro panorama dos rumos, interesses e principais li-nhas de força impressas ao campo por esses trabalhos.

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A pré-história do campo eseu ressurgimento nadécada de 80

Desde que Freud fez ver a seuscontemporâneos de 1937, em Análiseterminável e interminável, os limites deuma aplicação da psicanálise à educa-ção, o campo dessas articulações co-nheceu uma retração significativa dequatro décadas (Freud, 1937/1976).Aquela data, 1937, marcou tambémo fechamento da Revista de PedagogiaPsicanalítica, editada em Viena entre osanos de 1926 e 1937 3.

É verdade que o campo das arti-culações entre Psicanálise e Educaçãonunca deixou de produzir trabalhos.Durante esse período de retração,psicanalistas de crianças comoMelanie Klein (1936/1973, 1945/1981), Anna Freud (1968), Winnicott(1964/1979) e mais recentementeFrançoise Dolto (1998) não deixaramde dirigir-se aos pais, transmitindo-lhes as contribuições da psicanálise.Mas a marca dessas contribuições éainda aquela deixada por Freud em1937. Sua filha Anna afirma, em 1968:“Não obstante numerosos progressosparciais, a educação psicanalítica nãoconseguiu tornar-se a arma preventi-va em que devia constituir-se.... Nãoexiste, no conjunto, prevenção daneurose” (Freud, 1968, p. 5).

O Brasil acompanhou os iníciosda construção do campo das articu-lações entre psicanálise e educação.Havia, já na década de 30, teóricos

brasileiros entusiasmados com a pers-pectiva de aplicar a psicanálise à edu-cação. Arthur Ramos (1934) fez ecoa autores como Aichhorn e Pfister,que escreveram respectivamente em1925 e 1921 (Aichhorn, 1925/1973;Pfister, 1921/1959). Ramos abordou,porém, o problema de uma perspecti-va higienista, o que não fazia jus aoespírito da psicanálise freudiana(Patto, 1980).

Depois da década de 30, tambémno Brasil os trabalhos nesse campoperderam a aceleração e o entusias-mo inicial, inicialmente alimentadopor Freud e posteriormente abando-nado por ele.

Mas uma vez terminado o perío-do de latência, ressurgiram com vi-gor, como um retorno do recalcado,alguns trabalhos que trouxeram devolta a discussão.

No Brasil, os inícios desse res-surgimento podem ser localizados nadécada de 80. Mokrej (1986) escre-veu seu doutorado sobre a divulga-ção das primeiras ideias psicanalíticasno Brasil, dando atenção às contribui-ções da psicanálise para a educação, epublicou em 1993 um livro sobre apsicanálise no Brasil.

A publicação de Freud e a educa-ção (Kupfer, 1989) chama, de formaparadoxal, a atenção dos educadores.O livro seguia de perto as considera-ções de Millot (1967/1987) a respei-to da inaplicabilidade da psicanálise àeducação, mas provocou, porém, ointeresse dos educadores sobretudopelo fenômeno da transferência. Es-

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tes passaram a apoiar-se nele para darnome ao mal estar que reina na edu-cação. Mais que isso: conhecer a trans-ferência dava ao educador uma ilusãode domínio sobre ela. Passaram a de-mandar crescentemente o saber e oscursos sobre teoria psicanalítica. Comisso, impulsionaram por sua vez ocampo das articulações entre psica-nálise e educação.

Lajonquière também começou apublicar seus trabalhos na mesmaépoca. O artigo “A clínica psicopeda-gógica entre o saber e o conhecimen-to” foi publicado em 1989 (Lajonquiè-re, 1989), mas é em 1992 que elepublica De Piaget a Freud: para repensaras aprendizagens (Lajonquière, 1993),um livro definitivamente comprome-tido com a discussão do campo dasconexões psicanálise e educação.

Sandra Francesca Conte de Al-meida e Rinaldo Voltolini começama apresentar suas produções poucodepois; em 1996, Voltolini apresen-tou um trabalho sobre psicanálise eaprendizagem, e em 2001, marcou suaentrada no campo com o artigo “Mal-estar na educação: do contrato peda-gógico ao ato analítico” (Voltolini,2001); Sandra Francesca Conte deAlmeida escreve sobre transmissão erelação com o saber em artigos pu-blicados em 1997 e 1998.

Eliane Marta Teixeira Lopes tam-bém pode ser apresentada como umautor que contribuiu para esse ressur-gimento. No texto Da sagrada missãopedagógica, de 1991, essa autora faz aconexão psicanálise, educação e his-

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tória, e aborda a constituição da “mis-são pedagógica”, analisando-a a par-tir desses três campos (Lopes, 2003).

As notas de síntesefrancesas

Também na França, pode-se di-zer que houve um ressurgimento dotratamento do tema na década de1980. Em 1987, um grupo de pesqui-sadores da Universidade Paris 10 pu-blicou, na Revue Française de Pédagogie,uma primeira nota de síntese, na qualJean Claude Filloux testemunhavasobre a constituição do campo dasrelações entre pedagogia e psicanáli-se na França. Este artigo, uma espé-cie de balanço da produção francesa,foi traduzido e publicado no Brasil(Filloux, 1997).

Em uma outra vertente teórica,Millot publicou seu livro em 1967, enele prosseguiu negando as possibili-dades de articulação. Mas ao atacarfortemente a ideia de aplicação, o li-vro chamou a atenção novamentepara o tema. A recusa das articulaçõesentre os dois campos trouxe de voltao exame do problema. E o fez renas-cer. Provocou reações vigorosas, comoa de Mireille Cifali (1982), que via emFreud, ao contrário de Millot, um au-tor capaz de “inflamar” o campo daeducação.

Em 2005, Claudine Blanchard-Laville, Philippe Chaussecourte,Françoise Hatchuel e Bernard

Pechberty realizaram na França umasegunda nota de síntese, na qual sepropuseram a realizar uma revisãocrítica do que foi publicado na Fran-ça a partir de 1987. Nesta nota, osautores circunscreveram as pesquisasrelativas à educação e à formação quereceberam uma abordagem clínica deorientação psicanalítica. Esses auto-res buscaram, em primeiro lugar, si-tuar esse campo de pesquisas no qua-dro mais amplo da evolução social eno da evolução da clínica psicanalíti-ca. Em seguida, agruparam a produ-ção do campo em três temas: “o in-fantil”, “a relação com o saber” e otríptico “grupos-organizações-insti-tuições” (Blanchard-Laville, Chausse-courte, Hatchuel e Pechberty, 2005).

O exame dessa nota de síntesemostra que a direção tomada pelogrupo francês não é exatamente amesma daquela tomada pelo grupobrasileiro que se formou no mesmoperíodo. Se no início dos trabalhos docampo, lá nos idos de 1934, o Brasiladotava as direções propostas pelosgrupos psicanalíticos europeus, o gru-po brasileiro que começou a trabalharno fim da década de 80 parece terbuscado um rumo próprio, ditadoprovavelmente pela inflexão que ocampo sofreu a partir dos estudos deautores lacanianos sobre as relaçõesentre psicanálise e cultura (Kupfer,1999).

A nota de síntese francesa des-pertou no grupo brasileiro o desejode conhecer melhor o que se fez noBrasil nesse período, e principalmen-

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te, precisar as direções escolhidas por essa produção. No presenteartigo, algumas aproximações com a produção francesa serão reali-zadas, no intuito de seguir com o diálogo já iniciado em ocasiõesanteriores com o grupo francês signatário da nota de síntese men-cionada4.

Uma visão panorâmica atual dos trabalhosbrasileiros

O que caracteriza o campo das articulações da psicanálise coma educação? De que modo os pesquisadores do campo têm apre-sentado essa conexão?

Na literatura levantada, encontram-se variadas maneiras deencarar essa articulação. Há os que não fazem senão uma justaposi-ção entre os dois campos. Colocam-nos de forma paralela, e fazemconsiderações em torno de noções dos dois campos, sem extrairconsequências ou fazer cruzamentos conceituais. Uma relação dejustaposição, em paralelo. Há ainda aqueles que realizam uma leitu-ra marcada por um viés ideológico: a psicanálise comparece, nessaleitura, como uma ditadora de normas e prescrições sobre aquiloque deve ou não dever ser realizado no campo da educação. Umarelação típica de colonizador-colonizado. A psicanálise coloniza aeducação. Há também os que designam para a psicanálise a tarefade iluminar processos subjacentes ao campo educativo; nesses ca-sos, privilegia-se o pensar sobre, o olhar sobre o educativo. A psica-nálise sobrevoa e interpreta o educativo, em uma relação de tipototal que tudo sabe: uma relação de mestria. Todas elas estão sen-do consideradas relações de exterioridade de um campo em relaçãoao outro.

No presente trabalho, será dado destaque a um tipo de abor-dagem de pesquisa que apresenta uma outra forma de entender aconexão psicanálise-educação. Nessa conexão, a psicanálise não ilu-mina, não fala ou pensa sobre a educação, nem se coloca em posi-ção de exterioridade. Esta abordagem entende que a conexão é fru-to da colocação do psicanalítico no âmago do educativo, em seu nó,em seu caroço. Desta perspectiva, não se trata de ler o subjacente àcriança, no sentido de buscar nela os determinantes inconscientesde seus comportamentos. Aqui, trata-se de supor a criança-sujeito

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como um só, e de ampliar o ato edu-cativo de modo a incluir sua dimen-são libidinal, constitutiva e implicadana construção do sujeito do desejo,ato que se dá ao mesmo tempo emque se dá o ato pedagógico.

Essa ampliação do ato educati-vo transforma o campo educativo emoutra coisa. Mais que isso: propõe umcampo educativo marcado pela psi-canálise e o recria. O campo se trans-forma e recebe outro nome. A edu-cação atravessada pela psicanálisepassará a ser chamada de Educação parao sujeito.

A conexão agora não é mais ape-nas uma justaposição, não é uma in-tersecção, mas uma associação de doiscampos que dá origem a um terceiro.O campo educativo que resulta des-sa associação é uma educação voltadapara o sujeito do desejo e ampliadade forma a conceber seu ato comosendo mais abrangente que o ato pe-dagógico.

As duas grandes tendências daprodução brasileira podem ser resu-midas com os termos utilizados porVoltolini (2002): a primeira pode serentendida como uma relação de apli-cação, e a segunda, de implicação. Nobanco de dados construído, os traba-lhos que se encaixam na primeira ten-dência receberam a letra B; na ten-dência de implicação, a letra A.

Encontram-se 212 trabalhos queseguem uma orientação teórica pró-xima ou semelhante à do LEPSI. Osdemais – 65 – enveredaram por umaorientação de iluminação ou de apli-

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cação. Assim, revela-se atualmente noBrasil um crescimento significativo docampo, sendo que dentro dele regis-tra-se uma tendência impressa peloLEPSI, nos termos discutidos no pre-sente artigo.

Tema 1: A transferência nocampo educativo

A transferência é o centro dasdificuldades de aplicação dos conhe-cimentos psicanalíticos à pedagogia,afirma Janine Filloux (2002) em seusapontamentos sobre a transferênciano campo pedagógico. A abordagemdos fenômenos transferenciais na prá-tica pedagógica permite esclarecer anatureza dessa prática, mas não ope-rar sobre ela.

Da perspectiva freudiana, a trans-ferência não é encontrada só no âm-bito da clínica. Políticos, educadores,líderes, médicos, todo tipo de pessoastem que enfrentar problemas trans-ferenciais em suas vidas diárias. “Namedida em que a transferência é sem-pre uma questão de acreditar no sa-ber de seu legítimo representante, sejaele político, professor, médico ou psi-canalista” (Gueguen, 1997, p. 95).

No capítulo 12 de O seminário,livro 11, Lacan (1998) define a trans-ferência como “a atualização da rea-lidade sexual do inconsciente, refe-rindo-se à categoria de ato, colocaçãoem ato, na medida em que a transfe-rência é um processo de produção do

inconsciente na relação analítica” (p.143, tradução nossa).

Pode existir transferência sempsicanálise, mas não psicanálise semtransferência (Brousse, 1997). Estaafirmação abre uma interrogação so-bre o surgimento da transferência emoutros campos, especialmente no daeducação, em que os laços transferen-ciais são uma evidência, mas não fun-damentam a ação educativa.

Filloux (2002) observa que nasdescrições sobre a natureza dos laçosentre o professor e seus alunos, o edu-cador e a criança, o formador e ossujeitos em formação, fala-se de fe-nômenos transferenciais, de transfe-rências, e não da transferência no qua-dro da prática analítica. Acrescentaainda que a ruptura com a sugestão ea hipnose, existente na psicanálise,marca o ponto específico de dificul-dade para uma aplicação da psicaná-lise à pedagogia.

Em seu texto Sobre la psicologia delcolegial (1914/1981), Freud trata dastransferências, de sua natureza e desua função no campo pedagógico, edestaca: “Não sei o que nos solicitoumais fortemente e foi para nós o maisimportante, o interesse pelas ciênciasque nos ensinaram ou o que tínha-mos pelas personalidades de nossosmestres. Em todo caso, em todos nósuma corrente subterrânea jamaisinterrompida dirigia-se a estes últi-mos, e em muitos o caminho para asciências passava unicamente pelaspessoas dos mestres; vários dentrenós ficaram retidos nesse caminho

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que, desse modo, foi, inclusive para alguns – por que não o confes-saríamos? – barrado de forma duradoura” (p. 1892, tradução nos-sa). E acrescenta: “Sem referência ao quarto de crianças e à casafamiliar, nosso comportamento em relação a nossos mestres nãopoderia ser compreendido, mas tampouco escusado” (Freud, 1914/1981, p. 1892, tradução nossa).

Para Janine Filloux (2002), reconhecer a existência da transfe-rência é reconhecer a existência dos processos psíquicos incons-cientes e das leis que os governam; no entanto, somente no quadrodo tratamento é possível conhecer “a natureza real da transferên-cia” que, fora dele, “permanece secreta” (p. 57), e é nesse segredomesmo que reside uma condição essencial de socialização: a trans-ferência, “fenômeno afetivo normal, governado pelo mecanismoinconsciente do deslocamento, é destinado a promover a adaptaçãosocial” (p. 71).

No contexto da pesquisa sobre o estado da arte do campo dasrelações psicanálise e educação no Brasil, não há trabalhos que apre-sentam o tema à luz da discussão sobre a sua aplicação. Sobre otema da transferência, encontram-se 18 trabalhos que giram em tornodos seguintes eixos de discussão: a necessidade que o professor temde ser amado, suas ilusões sobre a escola e o profissional da educa-ção do passado, as dificuldades na relação escola-pais, a ambivalên-cia do professor atual em relação aos objetos de cultura presentesna escola, as motivações que regem sua escolha e o uso das meto-dologias de ensino.

Os trabalhos analisados apresentam diferentes abordagens so-bre o fenômeno da transferência no campo da educação, assim comodiferentes fundamentos de teoria psicanalítica para proceder à sualeitura. Por exemplo, aparecem trabalhos onde está presente o con-ceito de contratransferência, próprio da escola inglesa e, em outros,as noções lacanianas de mudança subjetiva e sujeito suposto saber.Em todos os trabalhos analisados existe a aceitação de que o fenô-meno aparece em toda relação social, tal como o manifestava Freude o confirma Janine Filloux. Em alguns casos parece haver a aceita-ção de uma perspectiva segundo a qual se poderia trabalhar a trans-ferência na relação professor-aluno, e em outros só se expressa des-critivamente o fenômeno como interveniente na relaçãoprofessor-aluno e produzindo efeitos nos resultados pedagógicos.

Não é possível extrair conclusões gerais devido à diversidadede abordagens do problema. Pode-se observar, porém, que os tra-

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balhos seguem utilizando o termo“relação” quando abordam o temaprofessor-aluno. O campo não absor-veu, então, as observações de Lajon-quière (1999). Esse autor faz notarque não existe a relação professor-alu-no, da mesma forma como não exis-te a relação sexual, a partir da refle-xão de Lacan sobre a noção de ratio,proporção, impossível de alcançarquando se trata da relação entre su-jeitos. Essa discussão também se en-contra em Voltolini (2007a, p. 122),que precisa: é justamente porque nãohá relação que se cria o laço social eos laços “entre professores e alunosreais, relações essas sempre marcadaspela incompletude e pelo impossível”.

Tema 2: A psicanálise, odiscurso pedagógico e acontemporaneidade

Este tema reúne os trabalhos quebuscaram discutir as relações entre odiscurso pedagógico e os problemascolocados pelo mundo contemporâ-neo, utilizando-se para isso de instru-mentos conceituais da psicanálise.Dentro desse tema, foram encontra-dos 83 trabalhos, e portanto um quin-to5 do total do banco de dados. Umaproporção considerável, que nos levaa pensar que o interesse maior nessecampo é o da dimensão de leitora dacultura trazida pela psicanálise.

Para examinar os trabalhos reu-nidos neste tema, elegeu-se o instru-

mento dos quatro discursos, propos-to por Lacan (1992) em O seminário:livro 17, e particularmente o discursodo capitalista, do qual lançaram mão,ao refletirem sobre a educação nacontemporaneidade, muitos dessestrabalhos.

No intuito de transformar tudoe todas as relações em negócio – agrande ambição do capitalismo – odiscurso do capitalista expõe um cír-culo que se fecha, tendo começado eterminado no objeto. A relação entreo indivíduo e o mais-de-gozar nãopassa mais pela dialética dos laçossociais (Alemán e Larriera, 1996), epode-se notar uma escravidão do ob-jeto, na qual o sujeito é possuído, enão o contrário como poderia se pen-sar. De acordo com Voltolini (2007b,p. 211), estaríamos vivendo uma “per-da de rumo que se processa pelo apa-gamento do sujeito em prol do bri-lho do objeto”.

Esta lógica evidenciada pelo dis-curso do capitalista há muito já em-briaga a ciência. Podemos verificar otriunfo da dimensão técnica e a pri-mazia da eficácia neste campo, comose nada houvesse entre o sujeito quepensa e o objeto que é pensado, alémdas regras da lógica a serem domina-das (Voltolini, 2007b).

O capitalismo produz, portanto,uma ciência superespecializada, quevisa a dominar o objeto esgotando-ode sua investigação, bem como a al-cançar “o máximo de controle sobreo mínimo problema” (Voltolini,2007b, p. 202). Consequentemente,

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ficam de fora desta lógica o sujeito, acontingência e “as coisas do amor”.(Askofaré, 2005). Aforisma lacaniano:“a ciência foraclui o sujeito”.

E o que produziria o discurso docapitalista no âmbito das conexões dapsicanálise com a educação? Quais asconseqüências de uma lógica queforaclui o sujeito em campos que tra-balham essencialmente a partir dapalavra e tratam do destino de sujei-tos?

A lógica que norteia a ciênciaopõe-se radicalmente àquela nortea-dora da psicanálise: é o confrontoentre a máxima objetalização e a má-xima subjetivação, respectivamente.

Para Voltolini (2007b), “a educa-ção é uma atividade eminentementepolítica, uma vez que é por meio delaque se calcula e se prepara em bomtermo os indivíduos de que cada so-ciedade precisa para perenizar seustatus-quo” (p. 198).

Vê-se, portanto, um paradoxoentre uma lógica que norteia a socie-dade atual e aquilo que estaria na basedo campo da educação (a ética). E aEducação não seria a base para umasociedade?

Se o campo da educação se ren-der à lógica capitalista, pode perderde vista sua dimensão ética. Tanto apsicanálise como a educação não po-dem parar de rever seus métodos emfunção de seus objetivos, e não reverseus objetivos em função de seusmétodos.

Das 83 publicações levantadasdentro deste tema, a grande maioria

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(80%) foi classificada na perspectiva da implicação, tal como foidefinida na introdução do presente trabalho, muito embora o ter-mo “leitura” seja bastante frequente entre os títulos dos trabalhos.Ou seja, são 67 trabalhos que situam a conexão psicanálise-educa-ção na perspectiva que recusa a iluminação de uma pela outra epropõe uma leitura em que a relação proposta é estrutural. São tra-balhos em que a psicanálise comparece no campo da educação paraoperar como “um lembrete crônico daquilo que o conhecimentorecalca para erigir-se como tal” (Voltolini, 2007b, p. 203).

Deste universo, podemos destacar: leitura contemporânea so-bre a adolescência, leitura política do ambiente escolar, leitura daviolência na escola e leitura da criança enquanto produção discursi-va que torna emblemático o contemporâneo. Também é significati-va a presença de trabalhos que criticam o discurso educacional que,de alguma forma, privilegia a consciência – seja por deixar de ladoos aspectos inconscientes que estão em jogo na educação, ou mes-mo pela ideia clássica do controle e da previsão. Encontram-se, afi-nal, trabalhos sobre o desgaste e a desqualificação da figura do edu-cador, o declínio da imago social do pai na cultura e a diferenciaçãoentre infância e o infantil.

Na perspectiva da aplicação, foram classificados 16 trabalhos(20% dentro deste tema) que se propõem a estudar aspectos diver-sos da educação a partir de um “instrumento” psicanalítico – comoa escuta dos educadores, com ou sem intervenção, por exemplo. Oque há em comum entre estes trabalhos é a intenção de lançar luzsobre a educação por meio do “instrumental” psicanalítico, ou, comose pode ler em uma das publicações, aplicação do saber psicanalítico nofazer educativo.

Apenas três trabalhos foram considerados fora do campo, pelatentativa de articular conceitos psicanalíticos de maneira moralista(por exemplo, condutas sexuais desviantes).

Tema 3: Alunos e professores na relação com osaber

Esse eixo temático compreende 27 teses de doutorado, 16 arti-gos e 14 livros, totalizando 57 trabalhos dentre os 277 pesquisados.Portanto, o tema “A relação com o saber” corresponde a 20,57%

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do material bibliográfico levantado efigura entre onze grupos e onze li-nhas de pesquisa apontadas pelos qua-renta e três grupos existentes no in-terior desse campo. É importantenotar que nos Colóquios do LEPSInão foi encontrada nenhuma mesa-redonda que tenha tratado dessetema. Da mesma forma, a maioria dostrabalhos levantados nesta pesquisa,que têm relação com o tema, não ofazem diretamente, ou seja, esse temaé sempre abordado em conexão comoutros temas.

Na análise dos trabalhos classifi-cados dentro do tema “relação como saber”, podem-se ainda localizaralguns subtemas: relação professor-aluno (14 trabalhos); desejo de sa-ber (7); inibição e fracasso escolar (7);transmissão de conteúdo (5); o saber(5).

Observa-se que o tema recorren-te no levantamento realizado é o darelação professor-aluno, o qual é ana-lisado de diversos pontos de vista, nãohavendo um eixo aglutinador para taistrabalhos. O desejo de saber é con-templado por cinco teses, um livro eum artigo. É o único tema em quehá uma congruência entre os traba-lhos levantados. Tema espinhoso,pois o desejo de saber é, para Lacan,inexistente.

Inibição e fracasso escolar sãoabordados por duas teses. Os outrostrabalhos referentes a esses temas seconstituem em desdobramentos dasteses, em forma de livros ou artigos.O tema transmissão de conteúdo con-

sidera apenas o aprendizado de con-teúdos específicos. Por último, o sa-ber é elevado à categoria de sabercomo saber inconsciente ou sabercomo conhecimento.

Os trabalhos em torno do dese-jo de saber situam a psicanálise comoum operador de leitura das questõeseducacionais. Essa posição é diver-gente da posição dos colegas france-ses signatários da segunda nota de sín-tese mencionada no presente artigo,e que tratam dos mesmos temas comuma posição que converge para a es-cola inglesa de psicanálise.

Tema 4: Tratar e educar

Esse tema foi focalizado por 66dentre os trabalhos levantados nestapesquisa, e figura entre 8 linhas depesquisa apontadas pelos 43 gruposde pesquisa existentes no interior docampo das conexões psicanálise eeducação no Brasil.

Este tema comparece desde oinício entre as preocupações freudia-nas em torno da aplicação da psica-nálise à educação. Ao definir, porexemplo, a psicanálise como uma pós-educação, Freud já buscava sinalizaro que haveria de educativo no atopsicanalítico (Gavioli, 2009). Mas aliteratura psicanalítica pós-freudianapreocupou-se fundamentalmente empor o acento na radical diferença en-tre educar e tratar psicanaliticamen-te, fazendo silenciarem trabalhos nes-

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sa direção nas últimas décadas do sé-culo vinte.

O grupo francês da Universida-de Paris 10 trouxe de volta a discus-são das relações entre “soin et éducation”(Blanchard-Laville, 2005), tendocomo tônica os trabalhos em tornodo sofrimento psíquico dos profes-sores, a ser tratado pelos grupos Balint(Pechberty, 2009). Deve-se, porém,notar que o tratamento proposto paraos professores não difere daquele pro-posto para enfermeiros, profissionaisde saúde etc. Nesse sentido, a educa-ção é tomada como um campo deaplicação que não se distingue de qual-quer outro.

O exame dos trabalhos brasilei-ros em torno do tema revela, porém,que a direção da discussão em tornodo tratar e educar é diversa.

Alguns trabalhos focalizam oscuidados com a primeira infância dan-do ênfase à dimensão do cuidar nocampo da clínica e da educação, in-vestigando o papel da creche e suasimplicações na constituição do sujei-to.

Nota-se uma tendência expres-siva em focalizar os trabalhos a partirdo campo teórico-prático chamado deEducação Terapêutica. Dentre os 66trabalhos localizados, 57 discutem-noà luz desse campo. Os demais estãodispersos entre temas variados e nãoconstituem um campo de pesquisaspropriamente dito.

A Educação Terapêutica é umaproposta de tratamento e de inclusãode crianças autistas e psicóticas, ou das

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ditas crianças com Distúrbios Globais de Desenvolvimento. Ela seinclui no campo das conexões da psicanálise com a educação e parao qual a noção de sujeito do inconsciente se apresenta como umdos principais fundamentos.

A Educação Terapêutica é definida como um conjunto de prá-ticas interdisciplinares de tratamento, com especial ênfase nas práti-cas educacionais, que visa tanto à retomada do desenvolvimentoglobal da criança, quanto à retomada da estruturação do sujeito doinconsciente, e à sustentação do mínimo de sujeito que uma criançapossa ter construído (Kupfer, 2000).

Na base da construção da Educação Terapêutica está o pressu-posto de que as práticas analíticas e educacionais com crianças psi-cóticas caminham na mesma direção, diferentemente do que ocorrequando se trata de crianças neuróticas. Quando estamos diante dapsicose e do autismo, o tratamento e a educação podem convergir.Educar essa criança na escola seguirá os mesmos princípios de seutratamento. Mais que isso: no campo da educação terapêutica, tratare educar estão mais próximos do que no campo da educação regu-lar. Colocá-la na escola fará parte de seu tratamento. Educar serátratar, e tratar será educar.

Tema 5: Formação de professores e psicanálise

Na pesquisa realizada sobre o estado da arte em psicanálise eeducação (EAPE), encontramos 32 trabalhos que abordam ques-tões relacionadas com a formação no campo da educação e suaspossíveis interseções com a psicanálise.

Dunker (2002) lembra que o termo formação (Bildung) desig-na genericamente o trabalho de apropriação da cultura e o cultivode si. Mas para esse autor, o destino desta questão na psicanálise éincerto, pois Freud não acreditava em um ideal de formação, jáque o incluía entre as ilusões humanas, enfatizando os limites daeducabilidade e do autodomínio. Isto seria contrário à figuracordata, erudita e enriquecida em sua experiência que se almeja dosujeito engajado na formação. Desta maneira, o ideal freudianoestaria mais próximo do despojamento e da renúncia do que dasoma fecunda de experiências edificantes, fonte de enaltecimentonarcísico.

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Assim, caberia separar, segundoDunker (2002), a formação, entendi-da como processo educativo particu-lar do espírito, da formação entendi-da como lógica da alteridade, centradana identificação, já que Freud opõe aexperiência analítica e a experiênciada formação no sentido de Bildung,prática cultural educativa.

Faltaria às perspectivas centradasna formação um programa críticosobre o sujeito; mas essa vertente pa-rece ter sido contemplada nos traba-lhos encontrados na pesquisa sobreo estado da arte em Psicanálise e Edu-cação no Brasil.

A leitura dos trabalhos dentro dotema da formação de professores per-mite indicar que estes seguiram qua-tro direções: a) a leitura psicanalíticado processo de formação do profes-sor (13 trabalhos); b) a formação empsicanálise de profissionais da área deeducação (12 trabalhos); c) a leiturapsicanalítica da formação de forma-dores (4 trabalhos) e d) espaços deescuta psicanalítica de professores emserviço (2 trabalhos).

Nos trabalhos pesquisados,emerge com frequência a preocupa-ção com as diferentes figuras ou ma-nifestações do que foi chamado de “asubjetividade do professor”, o que fazpensar que, em última análise, o usoda psicanálise na educação acaba nãosendo senão uma “extensão do divã”,de forma predominante. Nesses tra-balhos, afirma-se, por exemplo, que adimensão subjetiva do professor écondição para a realização de qualquer

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projeto educacional; que a subjetividade do professor tem funçãofacilitadora ou impeditiva da aprendizagem do aluno; que o profes-sor deve reconciliar-se com a criança que nele habita, na esteira daafirmação de Freud (1914/1981).

Quando se trata de refletir sobre o ensino da psicanálise paraeducadores, aparecem outras linhas de força, sugerindo articulaçõesque ultrapassam a simples transformação do professor em mais umanalisante.

Três trabalhos se destacam nessa proposta de novas direções.O primeiro deles conclui que o ensino da psicanálise na universida-de não a desfigura; ao contrário, seu embate com outros saberes arevigora.

O segundo sublinha a dimensão ética que se pode incluir naformação de professores feita à luz da psicanálise. Essa dimensãosurge quando a formação em questão leva o professor a sustentar aincômoda posição daquele que exerce uma profissão impossível.

O terceiro subverte a conhecida afirmação segundo a qual oinconsciente do professor, por ser fonte de desconhecimento, é umobstáculo ao trabalho de formação. Sugere que o inconsciente tam-bém é pista preciosa em uma formação: trata-se então de ouvi-lo enão de fazê-lo silenciar.

As experiências relatadas com professores em serviço não con-figuram, stricto sensu, trabalhos de aplicação da psicanálise à educa-ção, pois são de fato escutas psicanalíticas, feitas por psicanalistas,em grupos de profissionais. Ainda que se trate de grupos com quei-xas específicas, como é o caso do trabalho com professores inclusi-vos, o que está descrito nos trabalhos pesquisados é uma escuta quepoderia ser feita a todo tipo de profissional trabalhando com a crian-ça-sujeito.

Dentre os trabalhos dessa vertente, destaca-se aquele que enun-cia o que pode ser, de outra perspectiva, um trabalho de psicanáliseaplicada, e nesse sentido interessa ao campo das intersecções entrea psicanálise e a educação. Esse trabalho parte do seguinte princí-pio: o que se aplica da psicanálise é o desejo do analista. Assim, aaplicação é uma consequência possível da implicação do praticantecom a causa da psicanálise em sua formação. Essa consequênciaestará presente quando ele estiver em posição de ouvinte nas práti-cas de formação, seja de professores, seja de profissionais de saúde.

Uma outra direção aparece no banco de dados: alguns traba-lhos realizam uma articulação entre a psicanálise e o campo dos

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cuidados com bebês em creches. Tra-ta-se de um campo em crescimento,tendo em vista a importância atribuí-da pela psicanálise aos primeiros me-ses de vida.

O levantamento sobre o estadoda arte das conexões da psicanálise eda educação no Brasil, apresentado nopresente artigo, é inicial; os pesquisa-dores nele envolvidos esperam queoutros prossigam no exame do ban-co de dados criados para esse fim. Tallevantamento impôs-se aos pesquisa-dores do campo como um primeiromovimento, necessário para fazê-losolhar para trás, ver de onde vieram, eem seguida perguntar: para onde va-mos?

ABSTRACTS

This is a bibliographic survey in order to know whatwas produced at the field joints between psychoanalysisand education from the 1980s in Brazil. The searchwas the CAPES theses database, the journal Estilosda Clínica, publisher sites, Proceedings of the SymposiaLEPSI (IP / FE – USP) and the Directory ofResearch Groups in Brazil CNPq. We found 277works, including doctoral theses, articles, books andpresentations at seminars. Were also located 43university research groups registered in CNPq. Theresearch aims to provide the reader a first overviewof the course, interests and main lines to the fieldprinted by the works.

Index terms: bibliographic survey; psychoanalysis;education.

RESUMEN

Se trata de un levantamiento bibliográfico realizadocon el objetivo de conocer lo que se produjo en Brasildesde 1980 en el campo de las articulaciones entre elps icoanálisis y educación. Las fuentes  fuer on

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el Banco de Tesis CAPES, la Revista Estilos daClínica, sitios de editoras, publicaciones de losColoquios  de l LEPSI (IP / FE – USP) yel Directorio de los Grupos de Investigación en elBrasil del CNPq. Se encontraron 277 trabajos,entre tesis de doctorado, artículos, libros y presen-taciones en coloquios. Fueron también localizados43 grupos universitarios  de investigación registradosen el CNPq. La investigación tiene por objetoproporcionar al lector una primer panorama de loscaminos, intereses y  principales líneas de fuerzapertenecientes al campo.

Palabras clave:  levantamiento bibliográfico;psicoanálisis; educación. 

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NOTAS

1 O banco de dados pode ser encontrado e consultado no site do LEPSI-IP/FE-USP: www. lepsi.fe.usp.br

2 O levantamento realizado não cobriu a totalidade do campo; muitos traba-lhos significativos talvez não figurem no banco de dados. Este banco deverá ser,porém, constantemente alimentado no decorrer dos próximos anos.

3 Trata-se da Zeitschriftfür Psychoanalytische Pädagogik (Revista para uma pe-dagogia psicanalítica), editada em Viena e Stuttgart, entre os anos de 1926 e 1937.

4 Claudine Blanchard-Laville e Bernard Pechberty, dois dos autores da segundanota de síntese integram, com os membros do LEPSI, a Ruepsy – Rede Universi-tária de Estudos sobre Psicanálise e Educação.

5 As porcentagens e proporções aqui apresentadas são aproximativas e têm ointuito de dar ao leitor uma noção de como se configura o peso relativo das linhasde força e interesses atuais de pesquisa no campo em estudo.

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Recebido em setembro/2010 Aceito em novembro/2010