resumo discurso

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3. Dois sistemas de enunciação Privilegiar o sistema sobre os elementos Para determinar se um enunciado pertence ou não ao plano embreado, o que importa é o sistema enunciativo em que ele se desenvolve e não a presença de tal ou qual elemento. Nada impede, por exemplo, que encontremos em eu + verbo no passé simple, pois, neste caso, o eu não funciona realmente como um embreante que se aporia a um você: o eu se explica porque o personagem da história coincide com o enunciador-narrador e poderia sem dificuldade ser substituído por uma não-pessoa. Do mesmo modo, acontece de se construir um enunciado não embreado com verbos no presente. É o que se constata nas duas resenhas de filmes a seguir: BABE, o porquinho atrapalhado (1995). Numa fazenda onde os animais conversam entre si, um porquinho tenaz e ambicioso, educado por uma cadela de pastor, enfrenta os melhores cães de guarda de rebanhos. L’Officiel des Spectacles, nº 2607, 1996 Nesse texto curto, os verbos estão no presente do indicativo, mas não se trata de um presente dêitico, trata-se de um presente subtraído ao tempo: os fatos são evocados fora da oposição passado/presente/futuro. Aliás, o texto transcrito não comporta embreantes: nem “eu” nem “você”, nem dêiticos de tempo ou de lugar. Esse presente não dêitico é geralmente empregado em legendas de fotografias ou títulos de artigos. Um “nivelamento” do texto O emprego do presente não dêitico como compartimento de base de uma narração não embreada tem seus inconvenientes: ele provoca uma espécie de “nivelamento” do texto, uma vez que se colocam no presente todas as formas verbais, em vez de distribuí-las em formas do primeiro plano e formas do plano de fundo, como acontece quando se empregam o passe simple e o imperfeito: “Joga-se [on joue] o 82° minuto da partida entre o Milan e o AC- Bolonha e os campeões da Itália vencem [mènent] por 1 a 0 (...)”

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Page 1: resumo discurso

3. Dois sistemas de enunciação

Privilegiar o sistema sobre os elementos

Para determinar se um enunciado pertence ou não ao plano embreado, o que importa é o sistema enunciativo em que ele se desenvolve e não a presença de tal ou qual elemento. Nada impede, por exemplo, que encontremos em eu + verbo no passé simple, pois, neste caso, o eu não funciona realmente como um embreante que se aporia a um você: o eu se explica porque o personagem da história coincide com o enunciador-narrador e poderia sem dificuldade ser substituído por uma não-pessoa.

Do mesmo modo, acontece de se construir um enunciado não embreado com verbos no presente.

É o que se constata nas duas resenhas de filmes a seguir:

BABE, o porquinho atrapalhado (1995). Numa fazenda onde os animais conversam entre si, um porquinho tenaz e ambicioso, educado por uma cadela de pastor, enfrenta os melhores cães de guarda de rebanhos.

L’Officiel des Spectacles, nº 2607, 1996

Nesse texto curto, os verbos estão no presente do indicativo, mas não se trata de um presente dêitico, trata-se de um presente subtraído ao tempo: os fatos são evocados fora da oposição passado/presente/futuro. Aliás, o texto transcrito não comporta embreantes: nem “eu” nem “você”, nem dêiticos de tempo ou de lugar.

Esse presente não dêitico é geralmente empregado em legendas de fotografias ou títulos de artigos.

Um “nivelamento” do texto

O emprego do presente não dêitico como compartimento de base de uma narração não embreada tem seus inconvenientes: ele provoca uma espécie de “nivelamento” do texto, uma vez que se colocam no presente todas as formas verbais, em vez de distribuí-las em formas do primeiro plano e formas do plano de fundo, como acontece quando se empregam o passe simple e o imperfeito:

“Joga-se [on joue] o 82° minuto da partida entre o Milan e o AC-Bolonha e os campeões da Itália vencem [mènent] por 1 a 0 (...)”

Se esse texto tivesse o passé simple como compartimento de base, os verbos “joga-se”, “vencem”, seriam colocados no imperfeito, porque expressam fatos que não fazem progredir a ação.

O imperfeito narrativo

Pode-se encontrar até mesmo textos narrativos não embreados no imperfeito, especialmente nos artigos sobre esporte. Esse imperfeito narrativo é útil quando se deseja criar um efeito de “suspense”, pois, do ponto de vista aspectual, o imperfeito designa processos apreendidos enquanto se desenrolam.

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A mistura dos planos de embreagem

É raro um texto se desenvolver num único plano de embreagem; geralmente o que se vê é a alternância, num mesmo texto, dos planos embreado e não embreado