Resumo Do Curso de Processo Penal Pacelli

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Resumo do Curso de Processo Penal 3 edio Autor: Eugnio Pacelli de Oliveira Pginas: 5 a 64. Elaborado por: Alessandra de Abreu Minadakis Barbosa. Captulo 1 O Processo Penal Brasileiro. 1.1 O Cdigo de Processo Penal. Nossa primeira legislao processual penal codificada foi o Cdigo de Processo Criminal de Primeira Instncia, de 1832. Em 1941 entrou em vigor o atual Cdigo de Processo Penal, que teve por inspirao a legislao italiana da dcada de 30, pleno regime fascista. At a Constituio de 1988, apesar de ter sofrido grandes alteraes, especialmente na dcada de 70, o princpio fundamental que norteava o CPP era o da presuno de culpabilidade. Da retiram-se suas mais relevantes caractersticas, como uma preocupao quase que exclusiva com a tutela da segurana pblica em detrimento da liberdade individual, a legitimao de prticas autoritrias e abusivas pelo Poder Pblico na busca da vontade real (a ampliao ilimitada da liberdade de iniciativa probatria do juiz descaracterizou o perfil acusatrio da atividade jurisdicional), e a valorao do interrogatrio do ru como meio de prova, realizado em ritmo inquisitivo, sem interveno das partes. 1.2 A Constituio Federal de 1988 e o processo constitucional. A Constituio de 1988 instituiu um sistema de amplas garantias individuais, transformando o processo em um instrumento de garantias do indivduo em face do Estado, atento para a desigualdade material entre as partes. Um processo justo, construdo sob os rigores da lei, da tica e do Direito, a ser realizado sob instruo contraditria, perante o juiz natural da causa, com participao efetiva da defesa tcnica, como nica forma de construo vlida do convencimento judicial, sempre motivado. O MP passou a ser instituio independente, estruturado em carreira, com ingresso mediante concurso pblico, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurdica, e no dos interesses exclusivos da funo acusatria, devendo atuar com imparcialidade. 1.3 O sistema acusatrio brasileiro. Algumas dificuldades tm sido observadas na estruturao de um modelo efetivamente acusatrio. Em primeiro lugar h a questo da mutatio libelli do art. 384 do CPP, admitida pelos tribunais, que permite uma alterao substancial da pea acusatria, a partir de fatos e/ou circunstncias que o juiz julgue provados na instruo criminal. Assim, uma nova acusao formulada pelo prprio juiz, que antecipa a valorao que estar fazendo do material probatrio.

Acertadamente o STF decidiu pela impossibilidade do juiz requisitar de ofcio novas diligncias probatrias, quando o MP se manifestar pelo arquivamento do inqurito. No campo da distribuio do nus da prova tem-se admitido ampla liberdade de iniciativa probatria ao juiz, justificada pelo princpio da verdade real, como se houvesse verdade judicial que no fosse uma verdade processual. Referido princpio tem sido manipulado para justificar a substituio do MP pelo juiz no que se refere ao nus probatrio. Apenas uma leitura constitucional do processo penal pode afastar tais inconvenientes. A igualdade das partes s ser alcanada quando no se permitir mais ao juiz uma atuao substitutiva da funo ministerial no que se refere ao nus processual probatrio. O interrogatrio do ru constitui meio de defesa, e no de prova, no podendo, por fora do art. 5, LXIII, da CF, seu silncio ou nocomparecimento gerar prejuzos. Inclusive, o no-comparecimento do ru sesso de julgamento do Tribunal do Jri deve ser admitido como estratgia de defesa. 1.4 As leis e o processo penal no tempo e no espao. No final do governo FHC foi editada a Lei n 10.628, de 24.12.2002, que tem por objetivo estender o foro privativo para ex-ocupante das funes pblicas para as quais so previstas as aludidas prerrogativas, alterando o art. 84 do CPP. Referida lei obviamente inconstitucional, apesar do STF no ter reconhecido a inconstitucionalidade em sede de exame liminar em ao direta de inconstitucionalidade. Caso prevalea essa interpretao, a aplicao imediata. Aps a Constituio da Repblica, o CPP adotou, tambm, as normas previstas em tratados e convenes internacionais. Nosso Cdigo de Processo Penal no se aplica, seno subsidiariamente, s infraes polticas (crimes de responsabilidade) e ao Direito Penal Militar. Para essas matrias h legislao especfica, em ateno especificidade da jurisdio (poltica e militar). Quanto aplicao da lei processual penal no espao, aplicase o princpio da territorialidade, incluindo na definio de territrio o territrio por extenso (art. 5, 1, CP). J no que se refere s leis processuais no tempo, aplicam-se de imediato, desde a sua vigncia, respeitando a validade dos atos praticados sob o imprio da legislao anterior, incluindo seus respectivos efeitos e/ou conseqncias jurdicas. Tratando-se de normas de contedo misto, contendo disposies de direito penal e de direito processual penal, a regra a irretroatividade da norma penal desfavorvel ao acusado, que deve prevalecer sobre os comandos de natureza processual. Se, porm, mais favorvel, aplicase desde logo. No se deve admitir a separao da parte penal da processual, pois da resultaria uma terceira legislao. Havendo dvidas em relao benignidade, deve-se rejeitar sua aplicao imediata.

O art. 3 do CPP prev a possibilidade de aplicao de interpretao extensiva, analgica e da analogia, todas modalidades de interpretao situadas no processo de auto-integrao das leis e do direito. Porm, em se tratando de normas incriminadoras, no se pode falar em aplicao da analogia ou de qualquer processo extensivo de interpretao. Captulo 2 Princpios fundamentais. Princpios funcionam como normas fundantes do sistema processual, no cumprimento da tarefa de proteo aos direitos fundamentais. Quanto aos princpios constitucionais, deve-se reconhecer uma amplitude de suas vinculaes normativas, pela maior abstrao de seus comandos, de modo a se permitir o estabelecimento de critrios minimamente objetivos que possam resolver possveis e inevitveis conflitos entre direitos fundamentais. Diante de determinadas situaes, a equao a ser resolvida ser representada pela frmula: direitos fundamentais (dimenso coletiva) X direitos fundamentais (dimenso individual). Enquanto sistema jurdico de aplicao do direito penal, o processo penal, estruturado em slidas bases constitucionais, possui princpios absolutamente inafastveis, que se destinam a cumprir a rdua misso de proteo e tutela dos direitos individuais. 2.1 O justo processo: devido processo legal. 2.1.1 Juiz natural. Inicialmente concebido sobre a idia da vedao de tribunal de exceo (direito anglo-saxo), acrescido, posteriormente, da exigncia da regra de competncia previamente estabelecida ao fato (direito norte-americano), no direito brasileiro o princpio do direito natural foi adotado nessas suas duas vertentes fundamentais. A Constituio de 1988 fixou a competncia pelo critrio da especializao quanto matria e com ateno relevncia de certas funes pblicas (foros privativos). Estabelece, assim, a competncia ratione materiae, especializada, e a competncia ratione personae, em razo da funo. Da a flagrante inconstitucionalidade da Lei n 10.628/2002, por pretender instituir juiz natural pela via da legislao ordinria. O Princpio do Juiz Natural inafastvel por legislao infraconstitucional, em razo da distribuio da competncia estar estabelecida na prpria CF. 2.1.2 Direito ao silncio e no auto-incriminao. Esse princpio no s permite que o acusado ou aprisionado permanea em silncio durante toda a investigao e mesmo em Juzo, como impede que seja ele compelido a produzir ou contribuir com a formao da prova contrria ao seu interesse. Nesta ltima hiptese, a participao ao ru apenas pode ser exigida em casos excepcionalssimos, em que haja expressamente previso na lei e no afete os direitos fundamentais da pessoa. O direito ao silncio defluiu do art. 5, LXIII, da CF, e implicou na revogao dos arts. 186 e 198 do CPP. A Lei n 10.792/2003

veio para consolidar o que j era realidade na doutrina: o tratamento do interrogatrio como meio de defesa, assegurando-se ao acusado o direito a entrevistar-se com seu advogado antes do referido ato processual (art. 185, 2); o direito a permanecer calado e no responder perguntas a ele endereadas, sem que se possa extrair do silncio qualquer valorao em prejuzo da defesa (art. 186, caput e pargrafo nico). Inclusive a conduo coercitiva do art. 260 deve se ter por revogada, por manifesta incompatibilidade com a garantia do silncio. O inculpado pode, ainda, recusar-se a participar da reconstituio do crime (art. 7), fundado na garantia do direito ao silncio e da no-incriminao, na tutela da intimidade, privacidade e dignidade, e na garantia do estado de inocncia. 2.1.3 Contraditrio. O contraditrio no apenas representa a garantia ao direito informao de qualquer fato ou alegao contrria ao interesse das partes e o direito contrariedade, como tambm que a oportunidade da resposta possa se realizar na mesma intensidade e extenso. Constitui verdadeiro requisito de validade do processo, na medida em que a sua no-observncia passvel at de nulidade absoluta, quando em prejuzo do acusado. Isto porque, como clusula de garantia instituda para a proteo do cidado diante do aparato persecutrio penal, encontra-se solidamente encastelado no interesse pblico da realizao de um processo justo e eqitativo, nico caminho para a imposio da sano de natureza penal. 2.1.4 Ampla defesa. A ampla defesa se realiza por meio da defesa tcnica, da autodefesa, da defesa efetiva e por qualquer meio de prova hbil a demonstrar a inocncia do acusado. O interrogatrio meio de defesa, includo na denominada autodefesa, que consiste no desenvolvimento de qualquer ato ou forma de atuao em prol dos interesses da defesa. Como direito, encontra-se no mbito da disponibilidade do ru, cabendo a ele o juzo de oportunidade e convenincia do exerccio de tal direito. Diferentemente ocorre com a defesa tcnica, corolrio principal do princpio geral da ampla defesa, na qual exigida a participao efetiva de um defensor em todos os atos do processo (art. 261). Por isso decidiu a Suprema Corte que a manifestao da defesa, patrocinada por defensor pblico ou dativo, quando limitada ao pedido de condenao ao mnimo legal causa de nulidade do processo, pela ausncia de defesa efetiva. Infelizmente, o STF no adota o mesmo ponto de vista quando se trata de defensor constitudo, reconhecendo apenas hiptese de nulidade relativa. O princpio deve abarcar, ainda, o direito de aproveitamento, pelo ru, at mesmo de provas obtidas por meios ilcitos. A preocupao com o efetivo exerccio da ampla defesa levou o STF a elaborar duas novas smulas: a 705 (A renncia do ru ao direito de apelao, manifestada sem a assistncia do defensor, no

impede o conhecimento da apelao por este interposta.) e a 707 (Constitui nulidade a falta de intimao do denunciado para oferecer contra-razes ao recurso interposto da rejeio da denncia, no a suprindo a nomeao de defensor dativo.). A primeira privilegia o conhecimento tcnico do defensor. Que a nova orientao se estenda ao juzo de cautelaridade que se emite quando da decretao da priso antes do trnsito em julgado. A segunda inova ao considerar insuficiente a nomeao do defensor dativo para responder ao recurso interposto contra a rejeio da denncia. 2.1.5 Estado ou situao jurdica de inocncia. O princpio da inocncia impe ao Estado a observncia de duas regras especficas em relao ao acusado: uma de tratamento (o ru no pode sofrer restries pessoais fundadas exclusivamente na possibilidade de condenao), e outra de carter probatrio (estabelece que todos os nus da prova relativa existncia do fato e sua autoria devem recair exclusivamente sobre a acusao, restando defesa a demonstrao da eventual presena de fato caracterizador de excludente de ilicitude e culpabilidade). O estado de inocncia probe a antecipao dos resultados finais do processo, inadmitindo toda privao de liberdade antes do trnsito em julgado que no tenha natureza cautelar, com a imposio de ordem judicial devidamente motivada. Mesmo para o indiciamento possvel reclamar a presena de justa causa. 2.1.6 Vedao de reviso pro societate. Princpio de origem constitucional, mas que passou a receber tratamento legislativo expresso com a integrao ao ordenamento jurdico brasileiro (Decreto n 678/92) do Pacto de So Jos da Costa Rica, resultante da Conveno Americana de Direitos Humanos (art. 8, 4), impede que algum seja julgado mais de uma vez por fato do qual j tenha sido absolvido, por deciso (mesmo que errada) transitada em julgado. Fundamenta-se na necessidade de se preservar o cidado, atuando tambm como garantia de maior acuidade e zelo dos rgos estatais no desempenho das suas funes. Atua como norma de controle das atividades do poder pblico. No se aplica, porm, em hipteses em que a conduta posterior do acusado, ou em seu favor, tenha sido a nica causa do afastamento da pretenso punitiva, quando praticada criminosamente e quando comprovadamente tenha dela resultado a alterao de situao de fato ou de direito juridicamente relevante, sem que se possa atribuir qualquer responsabilidade ao Estado.1 Para o autor, na hiptese de um seqestro e manuteno em crcere de testemunhas oculares da autoria de determinado crime, uma eventual sentena absolutria passada em julgado no pode ser objeto de anulao do processo e reabertura da persecuo, pois se verifica ausncia de1

O STF j rejeitou a aplicao do princpio em processo cuja extino de punibilidade arrimava-se em falsa certido de bito.

servio pblico estatal, na medida em que o Estado no teria cuidado de proteger as testemunhas do crime. Captulo 3 A fase pr-processual: a investigao criminal. A polcia judiciria o rgo a quem a lei defere a competncia para a investigao da existncia e autoria dos crimes. A fase de investigao tem natureza administrativa. Busca a formao do opinio delicti do responsvel. Nesta fase o juiz deve permanecer absolutamente alheio, somente intervindo para tutelar violaes ou ameaas de leses a direitos e garantias individuais das partes, ou para resguardar a efetividade da funo jurisdicional. A formao do convencimento do encarregado da acusao pode decorrer de atividades de outras autoridades administrativas ou mesmo de atuao particular, tornando dispensvel o inqurito policial. O Cdigo denomina peas de informaes todo e qualquer conjunto indicirio resultante das atividades desenvolvidas fora do inqurito policial. 3.1 Inqurito policial. Tratando-se de ao penal pblica, o inqurito policial deve ser instaurado de ofcio pela autoridade policial, a partir do conhecimento da existncia do cometimento do fato delituoso. A notcia crime ou notitia criminis pode ser oferecida por qualquer do povo (art. 5, 3, do CPP).2 Na ao pblica condicionada manifestao (representao) do interessado (ofendido ou algum que o represente) ou requisio do Ministro da Justia, o inqurito policial somente poder ser instaurado a partir do respectivo requerimento ou requisio ( 4 do art. 5 do CPP). Tambm na ao penal privada, de legitimao do particular ou legitimado (art. 5, 5, do CPP). A autoridade policial pode recusar-se a instaurar o inqurito quando o requerimento no apresentar o conjunto indicirio mnimo abertura das investigaes ou faltar quaisquer dos elementos constitutivos do crime. Caber recurso ao rgo competente na estrutura administrativa da polcia (art. 5, 2, do CPP). Tratando-se de requisio do MP, a autoridade policial obrigada adoo das providncias requisitadas. O art. 5, II, do CPP, autoriza o prprio juiz a requisitar inqurito policial. Todavia, esse dispositivo no est em consonncia com a atual ordem constitucional. A Lei n 9.430/96 condiciona o encaminhamento, ao MP, de procedimento administrativo instaurado na Receita Federal, ao respectivo encerramento, em ltima instncia administrativa (art. 83). Todavia, referida lei2

A Lei n 10.466/2002 ampliou o leque de atribuies investigativas da Polcia Federal, para nelas incluir seqestro, crcere privado, extorso mediante seqestro, desde que o agente tenha sido movido por motivao poltica ou em razo do exerccio de funo pblica da vtima; formao de cartel; violao a direitos humanos decorrentes de infraes previstas em tratado ou conveno internacional; furto, roubo ou receptao de cargas, bens e valores, transportados em operao interestadual ou internacional, envolvendo quadrilhas ou bandos com atuao em mais de um Estado.

no instituiu condio de procedibilidade da ao penal pblica, de modo que o MP poder requisitar cpias de quaisquer procedimentos administrativos em tramitao, para, se for o caso, propor a ao penal. 3.1.1 Procedimento. O prazo para concluso do inqurito policial de dez dias, quando preso o indiciado, ou trinta, quando solto. Na Justia Federal, de quinze dias para o ru preso e trinta para o solto (Lei n 5.010/66). A Lei n 10.409/2002, que cuida do procedimento em matria processual relativa aos crimes de txicos, prev o prazo de quinze dias para o ru preso e trinta para o solto, sujeito duplicao mediante representao da autoridade policial (ou requisio do MP, acrescenta o autor). Nos crimes contra a economia popular o prazo de dez dias, estando solto ou preso o indiciado (Lei n 1.521/51). O prazo de encerramento de inqurito s tem relevncia se ru preso. Caso contrrio, deve o juiz prorrogar o vencimento tantas vezes necessrio (art. 10, 3, do CPP). Quanto ao advogado, se a investigao assim o exigir, aceitvel a restrio do acesso aos autos ao advogado, quando for a hiptese de realizao de provas de natureza cautelar. 3.1.2 Arquivamento. Encerradas as investigaes, a polcia judiciria no poder emitir qualquer juzo de valor, que no meramente opinativo, constante do relatrio de encerramento do procedimento, acerca dos fatos e do direito a eles aplicvel. Os autos sero encaminhados ao MP que poder adotar as seguintes providncias: a) oferecer denncia; b) devolver autoridade policial para realizao de novas diligncias; c) requerer o arquivamento do inqurito. Nesse ltimo caso, pode o juiz concordar com o pedido, que constitui arquivamento direto, com eficcia preclusiva tpica de coisa julgada formal. A reabertura das investigaes, nesse caso, dar-se- s com o surgimento de novas provas. Quanto qualidade da deciso judicial que determina o arquivamento do inqurito, nem todos lhe reconhecem a natureza de deciso judicial, tratando-lhe como despacho (o autor entende que deciso). O arquivamento do inqurito gera direito subjetivo ao investigado, em face da Administrao Pblica, pois sua reabertura est condicionada. Da deciso de arquivamento no cabe recurso, por parte do MP (de outro membro) ou de outro interessado, pois o juzo negativo do MP somente poderia ser confrontado por outro emanado de rgos especificamente previstos em lei, como o Procurador-Geral de Justia (mbito estadual) e as Cmaras de Coordenao e Recurso (MPF). Tambm no

poder recorrer o assistente, pois essa figura somente ter lugar no curso da ao penal (art. 268). Pode o juiz, ainda, discordar da manifestao ministerial, caso em que encaminhar os autos chefia da instituio (art. 28). Caso o Procurador-Geral de Justia entenda ser caso de denncia, ele mesmo dever oferec-la ou designar outro membro para, em seu nome, apresent-la. Vendo necessidade, determinar o retorno dos autos autoridade policial para nova colheita de provas. Mesmo nesse caso dever ser designado novo membro do parquet, preservando-se a independncia funcional do primeiro. O rgo designado age por delegao (longa manus) do procurador-geral, motivo pelo qual devem ser fixados expressamente os limites da delegao. Quanto ao mais, atuar com inteira liberdade. Se, por outro lado, o Procurador-Geral adere manifestao do rgo do parquet de primeira instncia, o juiz obrigado a determinar o arquivamento do inqurito. Diferente ocorre no mbito do MPF. Compete Cmara de Coordenao e Reviso Criminal manifestar-se sobre o arquivamento, exceo das hipteses de competncia originria do Procurador-Geral (art. 62 da LC n 75/93).3 A deciso de arquivamento do inqurito ou das peas de informao deve ser sempre explcita, para o fim de tornar indiscutvel a matria, a tanto no se prestando o simples recebimento da denncia em relao apenas aos indiciados includos pelo MP na pea acusatria. Quando houver indiciado no includo naquela, cumpre ao magistrado renovar a vista ao rgo do parquet para manifestao expressa sobre a excluso, no se admitindo arquivamento implcito. Se o MP entender inexistir a apontada co-autoria e/ou participao e no aditar a inicial, deve o juiz dar prosseguimento ao processo, remetendo cpia do expediente ao rgo de reviso do MP, para que no haja prejuzo persecuo. 3.1.2.1 Arquivamento indireto. Pode o MP manifestar-se no sentido da incompetncia do Juzo perante o qual oficia, recusando atribuio para a apreciao do fato investigado. Nesse caso, dever requerer ao juiz seja declinada a competncia, com posterior remessa ao juzo competente. Concordando o juiz, nenhum problema h. Do contrrio, surge um conflito entre rgo do MP e rgo da jurisdio. O STF elaborou construo terica a partir de parecer do Dr. Cludio Lemos Fonteles, criando o arquivamento indireto ou pedido indireto de arquivamento. O juiz deveria receber a manifestao do MP como se de arquivamento se tratasse, remetendo os autos ao rgo de controle revisional no respectivo MP.3

A LC 75/93, ao estabelecer atribuies do Procurador-Geral da Repblica para as aes penais originrias da competncia do STJ, quebra inteiramente a simetria de funes executadas pelo MPF perante o Judicirio Federal. Enquanto o PR atua perante o Juiz Federal, o PRR perante os TRFs e o PGR junto ao STF, por que os subprocuradores-gerais da Repblica no atuariam originariamente nas aes penais perante o STJ, fazendo-o somente por delegao do PGR?

3.1.2.2 Conflito de atribuies no mbito do Ministrio Pblico. Por conflito de atribuies deve-se entender a divergncia estabelecida entre membros do MP, acerca da responsabilidade ativa para a persecuo penal, em razo da matria ou das regras processuais que definem a distribuio das atribuies ministeriais, a partir do cometimento de fato supostamente definido como crime. Se o conflito de atribuies se estabelece entre rgos do MP do mesmo Estado, caber ao respectivo Procurador-Geral de Justia, ou Cmara de Coordenao e Reviso, com recurso para o PGR, se no mbito do MPF. Se o conflito for entre procurador da repblica e promotor de justia, poder-se-ia aplicar o art. 102, f, da CF, atribuindo ao STF a soluo, ou o art. 105, I, d, da CF, fixando a competncia no STJ. Para o autor, correta esta ltima, que inclusive j encontrou colhida na Suprema Corte. 3.1.3 Inqurito policial e extino da punibilidade. Na hiptese de prescrio pela pena em abstrato ou de quaisquer outras causas extintivas da punibilidade. O MP no deve requerer o arquivamento do inqurito ou das peas de informao, mas, sim, o reconhecimento judicial expresso da extino da punibilidade. A Lei n 9.249/95, art. 34, prev a extino de punibilidade dos crimes contra a ordem tributria, quando o pagamento integral do dbito ocorrer antes do recebimento da denncia. A Lei n 9.964/2000 criou a inacreditvel figura da suspenso da pretenso punitiva relativamente aos crimes previstos nos arts. 1 e 2 da Lei n 8.137/90 e 95 da Lei n 8.212/91 (este ltimo revogado pela Lei n 9.983/2000), enquanto a pessoa jurdica (ou fsica) relacionada com o agente estiver includa no REFIS Plano de Recuperao Fiscal. Ao final do parcelamento, decretar-se- extinta a punibilidade pelo pagamento integral do crdito fiscal. Recentemente, a Lei n 10.684/2003 estendeu tal suspenso da pretenso punitiva a quaisquer dbitos relativos aos crimes previstos nos arts. 1 e 2 da Lei n 8.137/90, e nos arts. 168-A e 337-A do CP, enquanto durar o parcelamento (independentemente de inscrio no REFIS). No curso do prazo de suspenso no correr o prazo prescricional. A Procuradoria-Geral da Repblica ajuizou ao direta de inconstitucionalidade do art. 9 da Lei n 10.684/03, na qual sustenta a existncia de vcios de ordem formal (no-observncia de legislao complementar, por se tratar de normas gerais de direito tributrio, e por tratarse de legislao decorrente de converso de medida provisria), e de vcio de fundo material, consistente na violao aos princpios da igualdade, da moralidade e da cidadania. Referida lei, e outras do gnero, fazem do MP mero agente de cobrana da Fazenda Pblica, com a ameaa de sano penal. Alm do mais, uma leitura mais flexvel da Lei n 10.684-03 permite a concluso que a suspenso da pretenso punitiva deve ocorrer at mesmo durante o curso da ao penal, quando possvel a aplicao de quaisquer dos regimes de dbitos fiscais.

Na tcnica processual, pretenso punitiva refere-se imputao penal a ser deduzida em juzo. Assim, a expresso indica que estar suspensa a ao penal j instaurada e a potencialmente dedutvel. Porm, nada obstar a autoridade policial de ultimar as investigaes em curso, sobretudo no que respeita coleta de prova urgente, no podendo, todavia, formalizar o indiciamento do suposto autor do fato, quando realizado o parcelamento junto ao respectivo rgo pblico. Dever abster-se, ainda, de adotar ou requerer quaisquer medidas atentatrias liberdade ou dignidade de quem se v em condies provveis de no ser julgado pelo aludido fato. Outras hipteses de extino da punibilidade pelo pagamento do dbito ocorrero em relao ao disposto nos arts. 168-A e 337-A do CP. Nesses casos, quando ausente a aplicao do art. 9 da Lei n 10.684-03, permanecer a exigncia de quitao antes do incio da ao fiscal ( 2, art. 168-A, CP), e de confisso do dbito antes da ao fiscal ( 1, art. 337-A, CP).4 3.2 Investigaes administrativas. Embora a Constituio assegure caber s polcias judicirias a investigao das infraes penais (art. 144), esta no lhe d exclusividade. O MP, por exemplo, tem legitimao para a apurao de infraes penais, nos termos do art. 129, VI e VIII, da CF, regulamentado pela LC n 75/93 (arts. 7 e 8). Tambm o art. 38 da mesma lei confere ao parquet a atribuio para requisitar inqurito e investigaes. Esse entendimento era reconhecido pelo STF, que vem alterando sua orientao. Curioso, porm, que o mesmo Supremo afirmou (deciso liminar em ADIn) que a Lei n 9.034/95 (que cuida da represso das organizaes criminosas), no ponto em que institui funes investigatrias aos juzes (art. 3), nada teria de inconstitucional. Se a ltima palavra acerca da existncia de um fato criminoso atribuda constitucionalmente ao MP, se a instituio ministerial pode rejeitar in totum o contedo das investigaes policiais e determinar que outras sejam realizadas, se pode constitucionalmente exercer o controle externo da atividade policial (art. 129, VII, CF), por que no pode investigar pessoalmente. Diante da atual posio da Suprema Corte de no reconhecer iniciativa investigatria ao MP, questiona-se as conseqncias jurdicas que podero advir de diligncias realizadas e ainda por realizar pelos membros do parquet. A primeira seria o trancamento de procedimentos administrativos investigatrios em curso, quando, ento, o interessado poderia se recusar a comparecer e/ou participar da investigao. Quanto influncia da diligncia j realizada em futura ao penal, sabe-se que, em regra, eventuais irregularidades praticadas na fase prprocessual no contaminam a ao penal. Se, no entanto, o MP se valeu de material indicirio recolhido diretamente por ele para o oferecimento da denncia, esta poderia ser rejeitada por ausncia de justa causa? Julgamento4

Sequer preciso o pagamento.

em curso no STF, suspenso em face do pedido de vista do Ministro Joaquim Barbosa, tem indicado que sim. Outra questo: se a prova colhida diretamente pelo MP encontra-se em desconformidade com o Direito, no seria ela ilcita e, por conseqncia, no contaminaria as investigaes futuras? Em tema de produo ilcita de provas, o que se quer proteger no apenas a tica do procedimento, mas, sobretudo, a violao a diretos fundamentais. Por isso a Constituio faz ressalva expressa da clusula da jurisdio, a impor que determinadas franquias violao de liberdades pblicas dependam exclusivamente de ordem judicial. Aceita-se que autoridades administrativas como as fazendrias (Receita) e as financeiras (Banco Central), realizem diligncias no exerccio do poder de polcia estatal, quando em menor risco a violao a direitos fundamentais. Se essas autoridades, funcionalmente administrativas, podem exercer determinadas intervenes no mbito dos interesses dos administrados, sem que se fale em violao a direitos fundamentais, o MP, que , do ponto de vista funcional, agente poltico, no pode constituir, se da mesma natureza que aquelas, maior gravame aos citados direitos. Assim, embora irregular a diligncia (admitindo-se a tese), no se poder falar em prova obtida ilicitamente. Mesmo porque, da leitura que atualmente se faz na Suprema Corte, extrai-se que o MP no poder apenas instaurar e presidir procedimento tipicamente policial, podendo requisitar documentos (art. 129, VII, CF, e art. 7, II, LC n 75/93, e art. 26, Lei n 8.625/93), quando em curso regular procedimento investigatrio (inqurito policial) ou judicial (ao penal). Recentemente o STF referendou e validou sindicncia civil instaurada e dirigida pelo MP, na qual, para fins de instruo de ao civil pblica, se diligenciou na busca de apurao de ilcitos praticados contra menores em determinada instituio. Referido material, inqurito civil pblico, serviu de base tambm instaurao de aes penais. O argumento apontado no julgado foi que o ECA autoriza o MP a instaurar sindicncias para apurao de infraes s normas de proteo infncia e ao adolescente (art. 201, VII, ECA). Porm, a LC autoriza o MPU a instaurar inqurito civil e outros procedimentos administrativos correlatos, e, ainda, realizar inspees e diligncias investigatrias (arts. 7 e 8). No s a tutela da criana e do adolescente que se instituiu necessidade da proteo a direitos fundamentais. Quanto participao do MP na fase de investigaes, o STJ reconhece, inclusive, a inexistncia de suspeio ou impedimento para oferecimento de denncia, conforme Smula n 234. O STF reconhecia, ainda, ao MP, a possibilidade de quebra de sigilo bancrio, entendimento alterado recentemente. As autoridades administrativas, em geral, tm competncia para a apurao de infraes penais, desde que as respectivas investigaes estejam relacionadas com o exerccio regular de suas atribuies. A LC n 105/2001 autoriza as autoridades e agentes fiscais tributrios da Unio, dos Estados, do DF e dos Municpios, a examinarem documentos, livros e registros de instituies financeiras, desde que haja procedimento administrativo instaurado ou procedimento fiscal em curso e seja tal exame absolutamente indispensvel, como nico meio de se obter as

informaes necessrias ao desenvolvimento das investigaes (art. 6). A respectiva Administrao dever manter e guardar sigilo dos dados obtidos (art. 6, pargrafo nico). Ao juiz da falncia, ainda, excepcionalmente, so atribudas funes investigatrias, por ocasio do inqurito judicial previsto na Lei de Falncias. A atuao do juiz falencial no retira o controle ministerial sobre a qualidade e suficincia do material probatrio a ser colhido na investigao, permanecendo com o parquet a valorao definitiva acerca do juzo de propositura da ao penal. As leis orgnicas do MP (LC n 75/93 e Lei n 8.625/93) e da magistratura (LC n 35/79) prevem que, constatado indcio de prtica de infrao penal por qualquer deles, a autoridade policial, civil ou militar, dever remeter imediatamente, sob pena de responsabilidade, os respectivos autos ao Procurador-Geral de Justia, ao Procurador-Geral da Repblica ou ao tribunal ou rgo especial do tribunal, conforme o caso. Primeiramente, cabe ressaltar que a Constituio atribui s polcias judicirias, ainda que no com exclusividade, a apurao de infraes penais, sem quaisquer ressalvas (art. 144). Logo, nenhuma das citadas leis pode afastar a legitimao, ainda que concorrente, das autoridades policiais. Principalmente no que tange LC n 35/79, no h como recusar a impossibilidade constitucional de se deferir autoridade judiciria a titularidade para a prpria investigao, e no somente para a presidncia do inqurito. A soluo da questo reside na identificao do juiz natural, bem como do rgo do MP que exera ali suas atribuies. Assim, se a autoridade pblica tem por foro privativo o STF, caber ao Procurador-Geral da Repblica a apreciao inicial dos elementos indicirios que apontam naquele sentido, devendo os autos do inqurito policial ter tramitao perante aquela Corte, a quem caber conceder a prorrogao dos prazos de sua concluso, bem como exercer o controle de tutela das liberdades pblicas. O mesmo se competente o STJ, TRFs ou TJs. Em todas as hipteses a investigao ser realizada pela autoridade policial da circunscrio a que couber a distribuio, na comarca onde se localiza a sede do tribunal competente.5 A imunidade parlamentar, em sentido formal, no impede a instaurao de inqurito policial, independentemente de qualquer licena, desde que estas medidas pr-processuais de persecuo penal sejam adotadas no mbito de procedimento investigatrio em curso perante o rgo judicirio competente. Tratando-se, porm, de foro privativo decorrente de prerrogativa de funo, vedado autoridade policial o indiciamento formal de quaisquer pessoas agentes polticos em razo de cujo cargo determinou-se a competncia jurisdicional. Por fim, quanto ao poder de investigao das CPI, o art. 58, 3, da Constituio da Repblica prev que as mesmas tero poderes investigativos prprios das autoridades judicirias. A Lei n 10.001/2000 determina que os procedimentos criminais instaurados a partir de relatrios das CPI tero prioridade sobre os demais, exceo do habeas corpus, do habeas5

A jurisprudncia do STF firmou-se no sentido de definir como crimes comuns todas as infraes penais, com exceo dos delitos eleitorais.

data e do mandado de segurana. A autoridade a quem for mandado aludido relatrio dever comunicar semestralmente o andamento das investigaes. Resumo do Curso de Processo Penal - 3 - Pacelli - Pgs. 65 a 115 Elaborado por: Andr Carlos de Amorim Pimentel Filho Optei por fazer o resumo com as palavras do autor, embora no estejam entre aspas. Achei que assim o risco de se perder a essncia de seu pensamento seria menor. Qualquer dvida meu e-mail [email protected]. P.S. Perdo por qualquer erro na configurao ou de portugus ( que a pressa, como vocs sabem, inimiga da perfeio). Captulo 4 Da ao penal 4.1 Ao e processo Os estudos acerca da ao e do processo remontam ao sculo XIX, sobretudo a partir da obra de Oskar Von Blow, em 1868, com o clssico Teoria das excees processuais e dos pressupostos processuais. Sobre a teoria do processo, neste captulo, no avanaremos mais que o necessrio para a compreenso do seu desenvolvimento histrico e de sua atual configurao. 4.2 Teorias da ao. Ao tempo da concepo privatstica do direito, em que a cincia processual no havia conquistado a sua autonomia, a ao no poderia ser outra coisa seno a imanncia (aspecto saliente) do prprio direito privado. A teoria imanentista no admitia qualquer autonomia entre direito material e direito processual. No campo das teorias da ao, o reconhecimento da autonomia do direito de ao, j sustentada na obra de Blow, ocorreu de modo mais sistematizado na teoria abstrata, iniciada por Degenkolb, e na teoria do direito potestativo, elaborada principalmente por Chiovenda, na Itlia, em 1903 (nota minha: autores de processo civil, como Dinamarco, dizem que a teoria do direito potestativo uma teoria autnoma e concretista). Para a teoria abstrata, a existncia ou no do direito material absolutamente irrelevante para explicar o direito ao. As teorias abstratas, que so aquelas de maior aceitao na doutrina, responderiam com vantagens algumas das indagaes no resolvidas pelas outras, tal como ocorre nas aes declaratrias negativas (como explicar a existncia do direito ao e a inexistncia de uma relao jurdica material, e de um direito, por conseguinte, luz da teoria imanentista ou luz das teorias da ao como direito autnomo porm concreto?!). A teoria concreta do direito de ao, desenvolvida especificamente por Adolph Wach, na Alemanha, em 1885, propugnava, em essncia, que o direito ao somente existiria quando procedente instaurada. de se registrar a valiosa contribuio de Chiovenda, cuja teoria, em sntese, reconhece para o autor de uma ao um poder de

provocao de jurisdio e tambm de submeter quem quer que seja ao processo, pelo simples exerccio da potestade. Da se chamar teoria postestativa da ao (ver nota acima). 4.1.2 Teorias do processo. O maior mrito de Blow, alm da conquista definitiva da autonomia entre direito entre direito de ao e o direito processual, foi o de consolidar o ru como titular de direitos no processo. Provocada a jurisdio, por meio da ao, instaura-se o processo, e, a partir dele, a chamada relao jurdica processual, que estaria completa com a citao e o ingresso do ru. Do ponto de vista operacional, a teoria do processo como relao jurdica bastante proveitosa, permitindo visualizao mais cmoda do interior do processo e facilitando a disposio das partes em relao ao seu objeto, isto , ao pedido ou pretenso. Nada obstante, pensamos que a teoria do processo como situao jurdica, desenvolvida por James Goldschmit no incio do sculo XX, responde com vantagens as vrias indagaes que podem ser feitas teoria da relao jurdica. No negamos, porm, a adequao do conceito de relao jurdica, sobretudo com referncia posio do autor em face do Estado, em que se verifica efetivamente o exerccio do direito provocao da jurisdio, ou mais especificamente, do direito de ao. 4.1.3 Pretenso e lide. No h quem, j iniciado os estudos de processo, no conhea a clssica concepo de Carnelutti, segundo a qual a lide seria um conflito de interesses qualificado por uma pretenso resistida. A transposio do referido conceito para processo penal oferece inegavelmente algumas dificuldades, a comear pela noo de conflito de interesses. Dizer que pode existir um conflito entre interesse pblico ligado segurana pblica e o interesse da liberdade pode ser verdadeiro ou falso, dependendo da forma como se examina a questo. O interesse na preservao da liberdade individual tambm um interesse pblico. At a idia de interesse no parece adequada ao processo penal, tendo em vista que esse, o interesse, normalmente revestido em favor do titular do direito material. No bastasse, o ru poderia at estar de acordo com a imposio da pena, com o que no haveria qualquer resistncia ao pedido condenatrio. Passaramos assim teoria que define a lide como pretenso insatisfeita, independentemente da resistncia do ru. Neste caso o conceito seria ainda menos relevante no processo penal, dado que, nesse, toda a pretenso punitiva h, necessariamente, de ser conduzida ao Judicirio, ou seja, a pretenso punitiva sempre insatisfeita.

No vemos, ento, qualquer razo para a utilizao da expresso lide penal, a menos que queiramos alterar substancialmente uma conceituao j consolidada. Aqui, no processo penal, trabalha-se com o que se convencionou chamar de pretenso punitiva. E por pretenso estamos a nos referir exigncia de subordinao do interesse alheio ao prprio. Fala-se, mais, em direito de punir, pertencente exclusivamente ao Estado, que, nas aes penais privadas, permitiria a substituio processual pelo ofendido. Rejeitamos inteiramente semelhante proposio. Como se sabe, a regra a persecuo penal a cargo do Estado, por meio da ao penal pblica, somente admitindo-se a iniciativa exclusivamente privada para crimes cuja publicidade, a partir da discusso judicial, seja particularmente gravosa aos interesses do ofendido. O fundamento do strepitus judicii no nos convence, embora seja preferido pela maioria esmagadora da doutrina. O propalado jus puniendi somente se realiza no campo material, ou seja, no poder estatal de impor restries de condutas coletividade, ou, de outro modo, de produzir normas incriminadoras. No mbito processual no h nenhum direito, ms sim dever. 4.2 Condies da ao. As condies da ao, no processo penal brasileiro, condicionam o conhecimento e o julgamento da pretenso veiculada na demanda. Certamente a exigncia conceitual de se fixar os contornos da distino entre direito de petio, histrica e constitucionalmente assegurado aos cidados em face do Estado, e o direito de ao, cuja elaborao terica remonta ao sculo passado, teve decisiva contribuio de Liebman no que se refere s condies da ao. Essas atuariam, ento, como uma necessria mitigao do direito, abstratamente assegurado a todos, provocao da jurisdio, independentemente da obteno de qualquer resultado favorvel (teorias do direito abstrato de ao). Constituiriam-se em condicionamentos ao direito ao julgamento da pretenso de direito material, isto , julgamento do mrito. Por mrito na ao penal condenatria h de entender-se: a existncia de um fato (materialidade); ser este fato imputvel ao acusado (autoria); constituir-se este fato numa ao tpica, antijurdica e culpvel. Para que seja possvel o exame de tais questes preciso a superao das outras (condies da ao). 4.2.1 Interesse de agir. De modo geral, na teoria do processo, afirma-se que o interesse de agir encontrar-se-ia intimamente ligado necessidade da escolha jurisdicional para a composio do conflito entre quem alega um direito e quem obsta seu exerccio. Se assim se d no processo civil, o mesmo no ocorre no processo penal, em que, a partir da processualizao da persecuo penal,

no se pode pensar em sano seno aps o devido processo legal. claro que nas aes penais no condenatrias o interesse de agir pode ser perfeitamente aplicvel. Tanto quanto no processo civil, desloca-se para o interesse de agir tambm a preocupao com a efetividade do processo. dizer, sob a perspectiva de sua efetividade, o processo deve se mostrar, desde a sua instaurao, aptos a realizar os diversos escopos da jurisdio, isto , revelarse til. Por isto fala-se em interesse-utilidade. No campo penal tal concepo bastante proveitosa, sobretudo no que respeita s hipteses de reconhecida e incontestvel probabilidade de aplicao futura da prescrio retroativa. Entendemos perfeitamente cabvel o requerimento de arquivamento de inqurito ou peas de investigao por ausncia do interesseutilidade. H autores que tambm fazem meno ao interesseadequao, que seria o ajustamento entre a providncia judicial requerida soluo do conflito subjacente ao pedido. No processo penal condenatrio essa adequao no tem qualquer utilidade. 4.2.2 Legitimidade. exceo do HC e da reviso criminal, o processo penal brasileiro, impe, como regra, a exigncia que somente determinadas pessoas possam promover a ao penal. Como regra, tal atividade privativa do Estado, por meio do MP (art. 129, CF), reservando-se a determinadas pessoas, em situaes especficas, o direito atividade subsidiria, em caso de inrcia estatal, e iniciativa exclusiva de particular. preciso que se faa, desde logo, uma distino: embora uno e indivisvel, no quer dizer que qualquer rgo do MP pode validamente postular a aplicao da lei penal. A distribuio de atribuies do parquet tem sede na prpria CF, e feita, tal como ocorre em relao ao juiz natural, segundo a matria e segundo a prerrogativa de funo do agente. Assim, a legitimao ativa para instaurao de ao penal perante a JF do MPF. Afora isto, no campo processual penal, tendo em vista que o tema da autoria diz respeito ao mrito da ao, somente oferece relevncia em relao ao plo ativo. Isto no se aplica s aes penais no condenatrias. bem de ver, ainda, que a legitimidade ad causam no pode ser tratada nos termos do processo civil, j que o MP em regra o legitimado ativo no pode ser considerado o titular da relao jurdica de direito material suscitada no juzo penal. 4.2.3 Possibilidade jurdica do pedido. Normalmente a doutrina processual penal se refere possibilidade jurdica do pedido como sendo a previso no ordenamento jurdico da providncia que se quer ver atendida. Ausente ela, o caso seria de carncia da ao penal. Entretanto, pelo menos na ao penal condenatria, bem de ver que ainda que se requeira a condenao do acusado pena de morte, por exemplo, nada impede que ao penal se desenvolva regularmente, porque ao

juiz se permite a correta adequao do fato norma penal correspondente, com a aplicao da sano efetivamente cominada (art. 383, CPP). Por isto, no se podendo extinguir o processo pela impossibilidade jurdica do pedido aviado, no se pode, tambm, aceitar tal hiptese como condio da ao penal condenatria. Questo diversa e mais complexa diz respeito s hipteses de atipicidade dos fatos imputados ao acusado, quando, ento, se cuida da causa de pedir. No nos parece, neste caso, ser hiptese de carncia de ao. Em nosso juzo, em tais situaes, ocorre verdadeiro julgamento antecipado do processo. Defere-se ao magistrado, em juzo antecipatrio, a possibilidade de se rejeitar de plano a pretenso punitiva por ausncia de conseqncia jurdico-penal dos fatos narrados, solucionando, desde logo, o mrito do processo. No nos parece possvel, assim, falar em carncia da ao, sobretudo porque a eficcia preclusiva de tal deciso de rejeio da denncia (art. 43, I, CPP) tpica de coisa julgada material, impedindo a rediscusso da matria limitada exclusivamente aos fatos e circunstncias tal como efetivamente descritos na inicial em qualquer outro processo. de ver a jurisprudncia do STF (HC 66.625/SP). 4.2.4 Condies de procedibilidade. Em determinadas situaes a lei exige o preenchimento de determinadas e especficas condies para o exerccio da ao penal. Nas aes penais pblicas condicionadas, o MP somente poder ingressar com a ao se j oferecida a representao do ofendido ou requisio do Ministro da Justia. No mbito das aes de iniciativa do ofendido, so tambm condies de procedibilidade, a deciso judicial de anulao do casamento passada em julgado para o ajuizamento da pretenso punitiva decorrente da prtica de crime de induzimento a erro essencial e ocultao de impedimento (art. 236, CP) e a decretao da falncia, nos crimes falimentares (art. 507, CPP). A doutrina, de modo geral, cuida das condies de procedibilidade como condies especficas da ao penal. Acompanhamos a doutrina de Afrnio Jardim, parece-nos que as chamadas condies de procedibilidade podem ser perfeitamente conduzidas categoria de possibilidade jurdica do pedido, e a efetivamente como condies da ao. Questo que cada dia se apresenta mais atual diz respeito s conseqncias da Lei 9.430/96, que, no mbito da Administrao Fazendria Federal, exige o exaurimento das vias recursais administrativas para a remessa de uma eventual notitia criminis de crime contra a ordem tributria ao MPF. Embora, poca, parte da doutrina tenha se inclinado a ali vislumbrar uma condio de procedibilidade para a ao penal, o fato que, evidentemente, semelhante argumentao no poderia ir adiante, como no foi. E isto por uma razo muito simples: a liberdade da opinio delicti do MP tem

assento na CF. Assim, no se poderia pensar em uma subordinao do parquet valorao jurdico-penal emanada da Receita Federal. Por essa razo, a Suprema Corte decidiu pela inexistncia de qualquer condio de procedibilidade na citada lei 9.430/96, reduzindo sua interpretao no mbito daquela administrao (recentemente o STF entendeu que nos crimes do art. 1 da Lei 8137/90 a deciso final na instncia administrativa condio de punibilidade sic posto que esses crimes so materiais salvo engano Info 333. A posio do Fontelles a respeito de que a comunicao no obsta a atuao do MP, sendo a deciso final no processo administrativo prejudicial heterognea). O que deve ocorrer com uma ao penal j em curso quando a Administrao proclama no ser devido o tributo ou mesmo no existir o crdito tributrio? A posio do STJ parece encaminhar-se no sentido de preservar a autonomia da valorao penal feita pelo MP. Reconheceu-se, ao fim e ao cabo, a independncia entre as instncias administrativas e judiciais. Todavia, permanece a questo (o que deve ocorrer com a ao penal...). Pensamos que a soluo de tal indagao passa, por primeiro, pela necessidade de exame de cada situao em concreto. A deciso da Administrao no bastar para afastar a conduta fraudulenta vislumbrada pelo parquet, ainda que deva, necessariamente, ostentar alguma conseqncia jurdica. Ao MP caber ento levar em considerao o contedo da deciso administrativa em relao ao falso eventualmente comprovado, sob o aspecto da finalidade sobretudo. A soluo poder apontar, assim, por exemplo, para a desclassificao (falsidade ideolgica ou documental, se potencialmente relevante), ou at mesmo para o afastamento da ilicitude em razo da possvel presena da causa de justificao. O que no nos parece possvel simplesmente afastar, a priori, tanto o MP quanto o Judicirio do conhecimento dos fatos que, em tese, a juzo de quem tem atribuio e competncia constitucionais para faz-lo, possam configurar delitos contra a ordem tributria. Ainda em relao a essa questo, mas sob perspectiva diversa, discute-se tambm se faltaria condio objetiva de punibilidade, no mbito do direito penal, ou se, no campo do direito processual faltaria justa causa para a ao penal tendo por objeto crime contra a ordem tributria, diante das ponderaes acerca da possvel inexistncia de crdito tributrio. Nesse sentido encontra-se recente deciso do STF, no julgamento do HC 81.611/DF. Ainda que no contrarie a anterior posio a respeito do tema, a conseqncia prtica a mesma: o no exerccio da ao enquanto no solucionada a questo na via administrativa. Pode-se objetar que a soluo mais adequada seria a suspenso do processo penal, se demonstrada a relevncia da questo, a ser revelada, por exemplo, com a deciso judicial (cvel) de suspenso de exigibilidade do tributo. Aplicar-se-ia, portanto, o disposto no art. 93 do CPP, que cuida da chamada questo prejudicial heterognea. A suspenso teria prazo certo (art. 116, I, CPP).

A nosso juzo a questo no passa pelo exame de qualquer condio objetiva de punibilidade, j que atinente prpria tipicidade da conduta (reduo do tributo), e nem tampouco pela ausncia de justa causa. Essa, como veremos, diz respeito existncia de suporte mnimo de prova para a instaurao da ao penal. E, como julgamos Ter demonstrado, nem sempre o reconhecimento da inexistncia do crdito tributrio afastar a presena de uma conduta fraudulenta, tendente a reduzir ou suprimir tributos, ao menos no que respeita a sua tipicidade. O que no se pode afastar ou subtrair ao MP a valorao jurdico-penal de fato que ostente dimenso delituosa. 4.2.5 A justa causa. Alm das j conhecidas condies da ao genricas e especficas -, Afrnio Silva Jardim enumera uma outra, que seria, ao seu aviso, a Quarta condio da ao: a justa causa. Sustenta o processualista que o s ajuizamento da ao condenatria j seria o suficiente para atingir o estado de dignidade do acusado. Por isso, a pea acusatria deveria vir acompanhada de suporte mnimo de prova, sem os quais a acusao careceria de admissibilidade. Tambm admite a justa causa como condio da ao, no como espcie distinta, porquanto ligada existncia de um legtimo interesse na instaurao da ao, apto a condicionar a admissibilidade do julgamento de mrito interesse de agir, pois -, Rogrio Lauria Tucci. Em sentido contrrio Jos Barcelos de Souza argumenta, dentre outras consideraes, no sentido da inexistncia de dispositivo legal a exigir tal providncia, alm do fato de que a matria relativa existncia de prova estaria ligada ao mrito da ao penal e no a uma condio de sua admissibilidade. A nosso ver, a questo de se exigir lastro mnimo de prova pode ser apreciada tambm sob a perspectiva do direito ampla defesa. Exigir do Estado que a imputao feita na inicial demonstre, de plano, a pertinncia do pedido, nada mais do que ampliar o campo onde ir se desenvolver a defesa do acusado, j ciente, ento, do caminho percorrido na formao da opinio delicti. Mas possvel ainda analisar sob perspectiva inteiramente diversa e rejeitar a justa causa como condio da ao. Admitir a rejeio da pea acusatria sob tal fundamento (justa causa) iria unicamente em favor dos interesses persecutrios, dado que permitiria o novo ingresso em juzo, aps nova coleta de material probatrio. Ora, se a acusao no tem provas e nem as declina na inicial, no deveria propor a ao. Pensamos que, seja como Quarta condio da ao, seja inserida no contexto do interesse de agir, a justa causa, enquanto lastro mnimo de prova, a demonstrar a viabilidade da pretenso deduzida, pode e deve ser includa entre as condies da ao penal. Do ponto de vista do exerccio do poder pblico, no se deve, com efeito, admitir o desenvolvimento de atividade jurisdicional intil.

Seja como for, tanto doutrina como jurisprudncia vm admitindo a justa causa tambm como condio da ao (como especfica ou genrica), j que, nos termos do art. 648, I, CPP, defere-se HC para trancamento da ao penal ou da investigao por ausncia de justa causa. At mesmo para impedir o indiciamento no curso do inqurito policial parece-nos possvel o manejo da ausncia de justa causa, quando absolutamente inexistentes indcios probatrios (neste sentido STF, Inq. 2.041/MG). Hiptese expressa de rejeio da denncia por ausncia de justa causa vem agora na Lei 10.409/02, que regula o procedimento no crime de trfico de drogas (Art. 39, II). 4.3 Pressupostos processuais. 4.3.1 Pressupostos de existncia. Pressuposto de existncia do processo , a nosso juzo, to somente o rgo investido de jurisdio, podendo-se at admitir a incluso tambm da exigncia de demanda (ato de pedir em juzo). Sustentando que o vcio de incompetncia absoluta causa de nulidade e no de inexistncia, deciso do pleno do STF (HC 80.263-0/SP). 4.3.2 Pressupostos de validade. Dizem respeito ora ao juiz e s partes, e por isso subjetivos, ora ao prprio objeto da ao penal (pretenso), caso em que se fala em pressupostos objetivos. Em relao aos primeiros: a) quanto ao juiz: competncia e imparcialidade; b) quanto s partes: b.1) capacidade processual ( a capacidade de estar em juzo); b.2) capacidade postulatria (representao de advogado, exceto no HC, reviso criminal, recursos e incidentes de execuo, nos quais a lei dispensa a atuao de advogado). Quanto aos segundos (requisitos objetivos): a) citao vlida (h autores que sustentam que a ausncia de citao causa inexistncia e no nulidade); b) observncia dos requisitos legais atinentes denncia e queixa. No falta tambm quem inclua entre eles a inexistncia de coisa julgada e litispendncia. 4.4 AO PENAL PBLICA INCONDICIONADA 4.4.1. Ao penal popular e crime de responsabilidade A lei 1079/50 dispe sobre os crimes de responsabilidade praticados pelo Presidente da Repblica, pelos Ministros de Estado, pelos Ministros do Supremo, pelo PGR e pelos Governadores e seus secretrios. Referida legislao prev que todo cidado tem legitimidade ativa para o oferecimento de denncia, a ser encaminhada posteriormente aos rgos de jurisdio poltica onde houver de ser realizado julgamento. A competncia poder ser do Senado Federal, na forma do artigo 52, I e II, CF, observando-se em relao ao Presidente e aos Ministros

de Estado, a competncia da Cmara para a admissibilidade e formalizao da acusao (art. 51, I e 86, CF e art. 20 e seguintes da Lei 1079/50). Em relao aos Governadores e Secretrios a competncia para o processo e julgamento atribuda s Assemblias Legislativas (art. 75, Lei 1079/50). No plano municipal, o decreto-lei 201/67 autoriza qualquer eleitor a propor a ao de cassao do Prefeito, em denncia a ser encaminhada Cmara dos Vereadores, competente para o julgamento em razo da prtica de infraes polticas-administrativas previstas no art. 4 da mencionada lei (art. 5, I, DL 201/67). Em todas as situaes antes mencionadas o que se estar exercitando a chamada jurisdio poltica, ainda quando a competncia para julgamento atribuda a rgo do poder Judicirio. Tais infraes, embora historicamente tratadas por crime de responsabilidade, no constituem, a rigor, infraes penais, abarcadas pelo Direito Penal. Releva notar que a sano prevista para os chamados crimes de responsabilidade limita-se a impor a pena de perda de cargo e a proibio de seu exerccio por prazo certo, no guardando pertinncia com a natureza da sano criminal. Os crimes de responsabilidade, quando no tipificados tambm como crimes comuns, no tm a dimenso coletiva e difusa prpria dos interesses do direito Penal, no que se refere aos bens selecionados para a necessria tutela. Relembre-se, como exemplo, o fato definido no art. 9, item 7, da Lei 1079/50, que estabelece ser crime de responsabilidade do Presidente da Repblica o proceder de modo incompatvel com a dignidade, honra e o decoro do cargo. Percebe-se aqui que a semelhante tipificao no ostenta nem sequer atributos mnimos daquela prpria do D. Penal, na medida em que deixa exclusivamente ao juzo poltico do Senado a fixao dos critrios para atender o decoro. Com isto, no se pode incluir as aes instauradas para apurar essas infraes entre as aes penais propriamente ditas, tratando-se, na verdade, de procedimentos realizados no mbito da jurisdio poltica. Por isso, no nos parece sustentvel o argumento no sentido de que, a partir da CF de 88, a persecuo dos crimes de responsabilidade seria tambm privativa do MP (art. 129, I, CF). Todavia, no julgamento da Pet 1954 o pleno do STF recusou a legitimidade popular para as aes de impeachment contra Ministros de Estado, ao fundamento de se tratar de questo de natureza penal (e no poltico-funcional), encaminhando os autos para a PGR, nos termos do art. 129, I, CF. 4.4.2 Obrigatoriedade. Do dever legal da persecuo penal resulta, como regra, que o MP obrigado a promover a ao penal, se diante do fato que, a seu juzo, configure um ilcito penal. Da a regra bsica da ao penal pblica incondicionada, o denominado princpio da obrigatoriedade. No se reserva ao parquet qualquer juzo de discricionariedade, isto , no se atribui a ele qualquer liberdade de opo acerca da convenincia

ou oportunidade da iniciativa penal, quando constatada a presena de conduta delituosa, e desde que satisfeitas as condies da ao penal. E da definio jurdico-conceitual de crime pe-se o primeiro problema relativo obrigatoriedade da ao penal. Estaria o rgo do MP compelido propositura da ao penal, ainda quando entendesse presente algumas causas excludentes da ilicitude, ou seja, as causas de justificao da conduta? O art. 411 do CPP autoriza o juiz, na fase de pronncia, a absolver sumariamente o acusado quando convencido da existncia de quaisquer causas excludentes da ilicitude e de culpabilidade. A razo da aludida regra de exceo funda-se na considerao da inconvenincia e mesmo da inutilidade prtica de se submeter o autor a tais fatos (lcitos ou no culpveis) ao constrangimento inevitvel do processo perante o jri. A nosso aviso, indo um pouco mais alm, se o prprio rgo de acusao reconhece a robustez da prova nesse sentido, sobretudo porque colhida na fase de investigao, na qual a defesa no contribui, o caminho que mais adequadamente se lhe abre o do requerimento de arquivamento do inqurito, j que obrigado iniciativa penal apenas quando diante de fato criminoso. Para aqueles que no incluem a culpabilidade entre os elementos do crime nada haveria a justificar tal opo do parquet nas hipteses de excludente de culpabilidade. A questo est longe de ser pacificada, diante das seguintes ponderaes pela exigibilidade da denncia: a) a coleta de material probatrio na fase de investigao, por mais completa que seja, no se realiza perante o juiz, da porque o seu exame por ocasio do requerimento de arquivo no oferece a mesma amplitude da fase judicial de absolvio sumria; b) o pedido de arquivamento poderia atingir tambm o interesse do ofendido e de seus sucessores, que, em tese, no curso da ao penal, poderiam contribuir decisivamente na produo das provas de inexistncia das excludentes; c) poder-se-ia, partindo das primeiras argumentaes dizer que somente a prova judicial poderia afastar a competncia do Tjri; d) a deciso judicial de arquivamento do inqurito no tem a mesma eficcia preclusiva daquela de absolvio sumria, permitindo nova iniciativa persecutria se motivada na existncia de prova nova. Parece-nos que nenhuma delas suficiente para infirmar o cabimento do requerimento de arquivamento pelo MP quando a prova da existncia das excludentes apresentar-se de modo indiscutvel e incontestvel. Tal seria, p.e., a hiptese de morte de assaltante, na posse de arma de fogo, ocorrida por ocasio da invaso noturna da residncia, evidenciando-se, s escncaras, a legtima defesa do morador. Em semelhante situao o processo penal seria intil. E mais, intil e perigoso, tendo em vista que o Tjri composto por representantes do povo que no decidem motivadamente. Entendimento contrrio obrigaria o rgo do MP, mesmo convencido desde o incio da inocncia do agente, a oferecer denncia contra este, imputando-lhe a prtica de fato que sabe no criminoso. A hiptese

configuraria inegvel violao ao princpio constitucional da independncia funcional do MP, a menos que se sustente que, na prpria denncia, o MP poderia fazer referncia expressa existncia de legtima defesa, arrolando testemunhas no interesse da defesa, o que convenhamos, um absurdo insustentvel. 4.4.3. Indisponibilidade e outras regras processuais. No que diz respeito ao pblica, vrias regras decorrem do princpio da obrigatoriedade. o que ocorre com o chamado princpio da indisponibilidade, traduzido na impossibilidade do MP dispor da ao penal a que era inicialmente obrigado. Parece-nos, em tais hipteses, que a apontada regra no vai alm de conseqncia fundamental do princpio da obrigatoriedade, que estaria irremediavelmente atingido se se permitisse ao MP, obrigado a propor a ao penal, dela desistir aps a propositura. A nica distino que se pode observar entre obrigatoriedade e indisponibilidade seria em relao ao momento processual do respectivo exerccio, sendo o primeiro aplicvel antes da ao penal e o segundo a partir dela. Ainda no que se refere ao pblica, o que a doutrina chama de princpio da oficialidade, consistente na atribuio a rgos do Estado da legitimao para persecuo penal, tambm no vai alm da aplicao do princpio da obrigatoriedade da ao penal. Se h obrigatoriedade da ao, somente o Estado pode responder por ela. Inimaginvel uma ordem jurdica que obrigue o particular a promover a ao penal contra quem quer que seja. No campo da oficialidade, menciona-se, ainda, as regras da autoritariedade e da oficiosidade, a primeira dizendo respeito ao exerccio das funes persecutrias por autoridades estatais e a Segunda explicitando o dever de procedimento de ofcio das apontadas autoridades. Todas essas regras encontram sua raiz comum no p. da obrigatororiedade. Outra classificaes doutrinrias no apresentam qualquer validade cientfica, na medida em que no vo alm da simples e mera reduo etimolgica de determinadas normas. Fala-se, p.e., no princpio da intranscendncia da ao penal, explicado como vedao de se pretender a aplicao da sano penal a quem no seja o autor do fato. Ora, referida regra unicamente a traduo do art. 5 XLV, CF. 4.4.4. Critrio de definio da legitimao ativa. Ao dispor que a ao penal privativa do MP, a CF nada mais fez que delinear os contornos do nosso modelo acusatrio pblico (pq deixada nas mos do Estado, como regra, a persecuo criminal), autorizando a possibilidade de a lei estabelecer excees regra geral. O critrio de atribuio de legitimao ativa para a ao penal decorre de lei. Por isso, atualmente, a ao penal pblica, salvo expressa disposio legal (art. 100, CP). 4.4.5. Discricionariedade regrada.

A Lei 9.099/95 instituiu os Juizados Especiais Cveis e Criminais. A lei 10.259/01 criou estes juizados no mbito da J. Federal. Conforme veremos mais amplamente, a menor potencialidade ofensiva de uma infrao penal no prerrogativa de nenhum rito ou de nenhuma jurisdio no que se refere aplicao do instituto de transao penal. Prevendo a transao penal exclusivamente para a ao penal pblica e orientando-se preferencialmente para a conciliao, a apontada legislao instituiu no pas uma nova modalidade de processo penal, qual seja, o modelo consensual de processo, voltado no para a imposio de pena, mas antes para uma soluo consensualizada. A doutrina logo tratou de classificar o modelo processual como instituidor de suposta discricionariedade regrada, que viria assim, mitigar o princpio da obrigatoriedade. O MP no mais se veria obrigado propositura da ao, podendo, antes, promover a soluo da questo penal pela via conciliatria, por meio da chamada transao penal (art. 76, Lei 9099/95). Entretanto, no nos parece que assim tenha efetivamente ocorrido. Por mais que a doutrina citada, sobretudo Ada Pellegrini, tenha se esforado na tentativa de visualizar a existncia de uma discricionariedade regrada, o fato que nenhum deles admite possa o membro do parquet escolher livremente qual a soluo mais adequada ou conveniente administrao da jurisdio. E assim porque: a) no existem diversas solues igualmente possveis; b) a lei taxativa ao enumerar os requisitos cabveis para a transao penal, no deixando qualquer margem discricionariedade do responsvel pela ao penal; c) at a exigncia constante do inciso III do 2 do art. 76 autoriza a adoo de critrios objetivos, fora do alcance do juzo de discrio, dado que a s superao das demais exigncias (incisos I e II) indicativa do preenchimento tambm dos requisitos referentes personalidade e conduta social. Impe-se observar que a prpria expresso regrada, acrescida ao termo discricionariedade, afasta o alcance do conceito de discrio tal como concebido pelo D. Administrativo. Cuida-se, portanto, do mesmo princpio da obrigatoriedade, agora da transao, quando presentes as condies da ao, os pressupostos processuais e os requisitos especficos para a transao (art. 76). de se observar que em recente deciso o E. STF, embora reconhecendo no se tratar de discricionariedade, exige que o MP participe da transao penal, isto , no poderia o juiz, que no tem iniciativa penal, propor a transao. Na hiptese de recusa do MP propositura da transao penal, a soluo aventada pelo mencionado julgado seria a aplicao subsidiria do art. 28 do CPP (art. 62 da LC do MPF). 4.5 AO PENAL PBLICA CONDICIONADA

Casos h em que outra ordem de interesses, que no relativos ao interesse pblico na persecuo criminal, mas tambm relevantes, devem ser tutelados pelo ordenamento processual. Trata-se da proteo da vtima de determinados crimes contra os deletrios efeitos que, eventualmente, podem vir a ser causados pela s divulgao pblica do fato. Por isso, em razo do que a doutrina convencionou chamar de strepitus iudicii (escndalo do processo), reserva-se a ela o juzo de oportunidade e convenincia da instaurao da ao penal. Tal medida de discricionariedade consiste no condicionamento da instaurao da ao penal manifestao explcita do ofendido. Aludida manifestao, embora necessria tanto para a instaurao da ao penal (art. 24, CPP) quanto do inqurito (art. 5, 4) no h que obedecer a qualquer regramento formal. Pode ser oferecida sem maiores formalidades, verbalmente ou por escrito, bastando a demonstrao clara do interesse do ofendido em ver apurada a autoria e a materialidade do fato, dele exigindo-se, apenas, e se for possvel, a narrao do fato (Art. 5, 1, CPP). A esta autorizao a lei penal d o nome de representao. O requerimento de instaurao de inqurito o que basta para a caracterizao da representao. H casos ainda em que surge interesses em razo da qualificao do ofendido. o caso, p. e., dos crimes contra a honra cometidos contra Presidente e Chefes de Estado. Nessas situaes o juzo de oportunidade e convenincia da instaurao da ao penal, diante das repercusses polticas que podem ocorrer a partir da divulgao do fato, fica discricionariedade do Ministro da Justia, consoante o disposto no art. 145, , CP. H previso similar, em relao a outras autoridades, na Lei de Imprensa (art. 40, I c/c art. 23, Lei 5.250/67). Pode ainda ocorrer que o interesse a ser tutelado no diga respeito ao strepitus iudicii, mas unicamente a relaes de direito internacional, tal como se d com referncia ao que estabelece o art. 7, 3, b, CP. H tambm hipteses em que o interesse protegido relacionado com a prpria constatao da lesividade da conduta (p.e. Arts. 147 e 151). Por fim, a lei 9.099/95 criou uma nova modalidade de ao penal condicionada representao (art. 88). Embora condicionada, a ao permanece pblica, isto , no s a legitimao ativa reservada ao MP mais tambm o juzo de propositura da ao. Assim, se o MP entende, ao contrrio da vtima, que o fato atpico, se deferido seu requerimento do arquivamento do IP, no poder a vtima opor qualquer obstculo postura ministerial. 4.5.1. Prazo decadencial da representao. O prazo decadencial, no podendo, assim, ser interrompido ou suspenso. O que se exige que haja representao dentro do prazo. A partir da representao irrelevante a demora da propositura da ao penal, respeitando-se a prescrio.

Em regra o prazo de 6 meses (art. 38, CPP). Entretanto, a Lei 5.250/67 (Lei de Imprensa) prev o prazo de 3 meses, contados da data da publicao ou da transmisso, podendo tal prazo ser interrompido pelo exerccio judicial do direito de resposta ou pedido de retificao ou pelo pedido judicial de declarao de inidoneidade do responsvel, at o seu julgamento (art. 41, 2, L. 5.250/67). No que se refere requisio do MJ, bem de ver que a lei (art. 38, CPP) no prev prazo para seu oferecimento, sendo ela possvel enquanto no prescrita a pretenso punitiva. Resumo do Curso de Processo Penal - 3 edio - Pacelli Pgs. 115 a 165 Elaborado por: Carlos Bruno Ferreira da Silva 4.5.2 Capacidade ou legitimao para representar Primeiramente deixe-se claro, como ser melhor explicado mais frente, que, com as modificaes introduzidas no tema maioridade pelo novo Cdigo Civil, Pacelli entende que, completados dezoito anos, cabe somente ao ofendido o oferecimento de representao. No caso de morte ou ausncia, judicialmente reconhecida, do ofendido, o direito de representao passar ao Cnjuge, ascendente, descendente ou irmo, nesta ordem (art. 24, 1., e art. 36, por interpretao analgica, ambos do CPP). Tratando-se de ofendido menor de dezoito anos ou incapaz, a representao haver de ser oferecida pelo seu representante legal (responsveis pelo poder familiar, nova designao dada ao antigo ptrio poder, consoante os termos do art. 1630 e seguintes do novo Cdigo civil, tutela ou curatela), se houver qualquer pessoa que o tenha sob sua guarda, definitiva ou temporria (se impossibilitado aquele, hiptese que pode ocorrer, por exemplo, no curso dos conhecidos intercmbios culturais), ou responsabilidade, e ainda que essa decorra do exerccio informal, provisrio, concorrente ou exclusivo do poder familiar. Na hiptese de conflito de interesses entre o menor e o seu representante legal, ou ainda, se inexistente este e quaisquer das pessoas antes mencionadas, o juiz, de ofcio ou a requerimento do Ministrio Pblico, dever designar um curador especial ao ofendido. 4.5.3 Retratao Dispe ainda o CPP que a representao ser irretratvel aps o oferecimento da denncia (art. 25, CPP). que, tratando-se de simples autorizao, deixada ao juzo de discricionariedade do ofendido ou seu representante legal, nada obsta que se altere a opo deste em relao convenincia e oportunidade de instaurao da ao penal. Esta poder dar-se informalmente, por escrito ou verbal, reduzida a termo. OBS: Discute-se, ainda, se, na hiptese de representao oferecida em razo da prtica de crime contra a honra de servidor pblico (art. 145, nico, do Cdigo Penal), quando seria relacionado com o exerccio das funes, tambm seria cabvel a retratao.

Pacelli entende que, inobstante o interesse da prpria Administrao, a soluo mais adequada a que permite a retratao, posto que o interesse pblico apenas mediato e reflexo, posto que se este fosse prevalecente certamente a lei imporia a ao penal pblica incondicionada ou excluiria a possibilidade de retratao. Isto se reafirma pela recente smula 714 do STF, que permite ao funcionrio pblico a propositura de ao penal (privada) contra o autor independente do posicionamento do MP. Mesmo que pelo arquivamento (STF AGRINQ 726/RJ Rel. Min. Seplveda Pertence). Finalmente, e embora no seja previsto expressamente no art. 25 do CPP, Pacelli no v como no aplicar a possibilidade de retratao tambm a requisio exercida pelo Ministro da Justia. 4.6. Ao Penal Privada

Nas aes penais privativas do ofendido o MP intervm somente como custos legis, zelando pela correta aplicao da lei penal. A justificativa da existncia deste tipo de ao, com o afastamento do MP da titularidade no pode ser justificado por uma suposta exclusividade do interesse individual, posto que a natureza fragmentria e subsidiria do Direito Penal s permite a existncia de tipos penais que ataquem condutas reprovadas pela comunidade e como ultima ratio, quando outras formas de interveno no se mostraram comprovadamente eficazes. A prpria existncia do instituto de assistncia acusao (CPP, art. 268) j permitiria o ingresso do ofendido na ao penal de modo a controlar o exerccio da funo pblica, no se sustentando a necessidade de um ao privativa da vtima. Igualmente o strepitus iudicii, a publicidade muitas vezes indesejada advinda da instaurao da persecuo penal, no poderia surgir como fundamento, posto que j existente quando se admite o perdo e a perempo. Mesmo que se diga que nessas hipteses a vontade da vtima atinge um dos fins do processo, qual seja o apaziguamento dos ofendidos, tal soluo no explicaria ainda a extino da punibilidade pela perempo pela morte da pessoa fsica (art. 60, II, CPP) ou extino da pessoa jurdica sem deixar sucessores. Pacelli entende, portanto, que o que justificaria a existncia da ao penal privada seria o interesse no-penal de que titular o ofendido em todas essas aes. A subordinao, em certos casos, ao juzo do MP, pode prejudicar o ofendido, seja pela espera do Parquet propor para poder entrar como assistente, seja pelo arquivamento, de inegvel influncia no juzo cvel. 4.6.1 Legitimao Ativa A regra geral que a legitimao ativa para a ao penal privada seja atribuda ao ofendido, quando capaz, a quem caber avaliar a discricionariedade da instaurao da ao penal. Sendo incapaz, dar-se- na forma do artigo 30 do CPP. Se o ofendido for maior de 18 anos e menor de 21 anos, diz o artigo 34 do CPP que ao penal poder ser instaurada pelo ofendido ou por

seu representante legal, em verdadeira legitimao concorrente, nada impedindo a formao de litisconsrcio. O artigo 2.034 do CC no teria alterado tal disposio, posto que expressamente preservou as regras de maturidade de natureza penal, processual ou administrativa quanto s disposies penais. Vale ressaltar que, embora a revogao do art. 194 do CPP, dispensando a nomeao de curador no interrogatrio do ru menor, parece ir em sentido contrrio, o melhor entendimento que a modificao legislativa deu razo smula 352 do STF, dispensando a nomeao de curador pela obrigatria presena de advogado (nova redao do art. 185 do CPP). Porm Pacelli entende que o problema outro: quando o CPP se refere ao representante legal do maior de 18 anos, ele se remete a instituto inexistente na sistemtica atual do nosso ordenamento e isso no est preservado pelo art. 2034 do nCC. Portanto, a legitimao do maior de 18 anos hoje exclusiva tanto para o exerccio do direito de queixa quanto para a renncia e o perdo. Esta capacidade processual no se confunde com a capacidade postulatria, que privativa de advogado, com procurao nos termos do artigo 44 do CPP (ressalte-se a expressa referncia ao fato criminoso). Sendo o ofendido pobre nomear-se- dativo onde no houver Defensoria Pblica organizada (art. 32, 1. CPP). No caso de morte ou ausncia, h legitimao anmala para aqueles referidos no art. 31 do CPP, devendo ser obedecida a ordem de preferncia. Entretanto, qualquer delas poder prosseguir caso o querelante que sucedeu desista ou abandone a instncia (art. 36, CPP). Lembre-se que caso o ofendido abandone dar-se- a perempo. 4.6 Disponibilidade Apresenta-se na ao penal privada atravs dos seguintes institutos: 4.6.1 Renncia a abdicao ou recusa do direito de propor a ao penal por manifestao de vontade no prazo previsto em lei, configurando causa de extino da punibilidade (art. 107, V, do Cdigo Penal). Pode ser expressa, por meio de declarao assinada pelo ofendido ou seu representante legal ou representante com poderes especiais (art. 50, CPP) ou tcita, atravs de ato incompatvel com a vontade de exercer a ao penal (art. 104 do CP), admitindo qualquer meio de prova para a demonstrao (art. 57, CPP). OBS: Note-se que como regra geral o recebimento de indenizao pelo dano causado pelo crime no configura renncia tcita (art. 104 do CP), salvo nas infraes de menor potencial ofensivo (art. 74 da Lei 9.099/95), inclusive aqui, como novidade em nosso ordenamento, admitindo-se tambm do direito de representao. Note-se que, com a construo de Pacelli sobre a influncia das regras no nCC sobre o CPP, muito perdeu a importncia a construo jurisprudencial de autonomia entre o direito de ao do ofendido e do seu

representante legal constante na smula 594 do STF, posto que excludentes ambos os direitos. Resumindo: a) se o ofendido menor de 18 anos, s seu representante legal pode propor APPrivada, renunciar e conceder perdo; b) ao completar 18 anos poder praticar tais atos se no tiver operado a decadncia ou sido efetuado o ato por seu representante legal, assumindo o prazo no restante que sobrar. 4.6.2.2 Perempo e desistncia

Esta se d quando, aps a propositura da ao penal, o querelante manifesta desinteresse pelo prosseguimento, independente de qualquer justificativa. As hipteses encontram-se previstas no artigo 60 do CPP, sendo a nica questo importante o posicionamento de Pacelli de que somente as faltas s audincias instrutrias, pela influncia no deslinde da causa, que podem causar a perempo, sendo irrelevante o no comparecimento s audincias conciliatria (tambm STF HC n. 71219/PA). 4.6.2.3 Perdo

Ao contrrio da renncia, o perdo ato bilateral, cuja eficcia depende, assim, da aceitao do querelado ou de quem tenha poderes para represent-lo, na hiptese de sua incapacidade (art. 53 do CPP). O perdo pode ser tcito ou expresso, dentro ou fora do Juzo, devendo o querelado ser intimado, quando declarado nos autos, para, no prazo de trs dias, manifestar-se sobre o mesmo, constando da intimao, necessariamente, que o seu silncio, no referido prazo, implicar aceitao (art. 58, CPP). O perdo tcito, nos termos do disposto no artigo 106, 1., do CP, o que resulta da prtica de qualquer ato incompatvel com a vontade de prosseguir na ao penal. A aceitao do perdo, quando feita fora do processo, deve constar de declarao assinada pelo querelado ou por procurador com poderes especiais (art. 50 e 59, CPP). Embora no conste regra expressa, acompanha Pacelli a doutrina de Tourinho Filho, no sentido de ser perfeitamente vlida e possvel a aceitao tcita do perdo, ainda que fora do processo. Tudo que se disse sobre a legitimidade do maior de 18 anos se aplica tambm aqui, portanto embora no tenha sido expressamente revogada a regra do artigo 53 do CPP quanto nomeao de curador especial ao ru sem representante legal, esta no se aplica mais a ele. Por certo, quando ambos forem incapazes civis sem representante, tanto a concesso quanto a aceitao dependem de curador (art. 33 e 53 do CPP). O perdo e a renncia guardam muitas semelhanas, tais como a extenso ao demais autores do fato, salvo quanto ao acusado que no tenha aceitado o perdo; necessidade de procuradores com poderes especiais para apresent-los; se feito por um dos ofendidos no prejudica os demais (art. 106, II, CP); e admitem quaisquer meios de prova quando tcitos. A diferena que a renncia se d antes da ao penal e o perdo posterior at o trnsito em julgado da sentena condenatria (art 106, 2. CP).

4.6.3

Indivisibilidade

Por indivisibilidade da ao penal deve-se entender a impossibilidade de se fracionar a persecuo penal, isto , de se escolher ou optar pela punio de apenas um ou alguns dos autores do fato, deixando-se os demais, por qualquer motivo, excludos da imputao delituosa. De modo geral, a doutrina e jurisprudncia majoritrias entendem que atuao do MP na APPrivada, ao velar pela indivisibilidade, deve se limitar a pugnar pelos efeitos da renncia, expressa ou tcita, ao demais querelados, posto que qualquer aditamento representaria forma transversa de se exercer titularidade em APPrivada. Porm Pacelli, seguindo Mirabete, se insurge contra tal posicionamento quando a situao em concreto mostrar ser difcil descobrir qual dos indiciados realmente encontrava-se envolvido no delito. Aqui caberia ao MP, como responsvel pela defesa da ordem jurdica, aditar a queixa. A legitimidade ad causam continuaria com o ofendido (tanto que vedado ao MP recorrer de sentena absolutria e Mantm-se os institutos antes estudados), porm evita-se que se considere como renncia tcita algo que realmente no o . OBS: Este tema da indivisibilidade no se aplica evidentemente s aes penais pblicas, pautadas pelo princpio da obrigatoriedade. Assim, sendo o rgo da acusao obrigado a faz-lo em relao a todos os autores do fato, desnecessrio o recurso regra da indivisibilidade. (tambm STJ, Resp n. 388.473/PR, rel Min. Paulo Medina). 4.6.4 Decadncia

Tal como ocorre com as APPblicas, tambm as aes privadas tm prazo certo para seu exerccio, sob pena do perecimento do direito a elas. Prev o CPP, como regra comum generalidade das aes privadas, o prazo de seis meses imparalisveis para o exerccio do direito de queixa, contados a partir da data em que o legitimado vem a conhecer a autoria do fato (art. 38, CPP). Obs: H prazos distintos em leis especiais e mesmo no Cdigo Penal, como ocorre, por exemplo, em relao ao crime de adultrio, previsto no art. 240 do CP, cujo prazo de um ms, e alguns crimes de imprensa contidos na Lei n. 5.250/67 (art. 41, 1.), para os quais previsto o prazo de trs meses, com a particularidade, excepcional, de possibilidade de interrupo, conforme se encontra no mesmo dispositivo (art. 41, 2). importante tambm assinalar que o que efetivamente importa no mbito da decadncia a manifestao de vontade persecutria por parte do querelante. Assim, mesmo que a queixa seja oferecida perante juzo incompetente, relativa ou absolutamente, estar superada a decadncia, se observado o prazo previsto em lei. 4.6.5 Crimes contra os costumes

Nos termos do art. 225 do CP, os crimes contra os costumes seriam processados por meio de APPrivada, exceo dos pargrafos 1. E 2. do dispositivo (APPblica Condicionada quando pobres a vtima e seus

familiares e APPblica incondicionada quando com abuso de poder familiar ou da qualidade de tutor, curador ou do varo que tiver contrado npcias com a me da vtima). Posteriormente, com a reforma da parte geral do CP em 1.984, a redao do artigo 101, ao atribuir a APPblica aos crimes complexos, abarcou os delitos de estupro e atentado violento ao pudor com violncia real (fsica), entendimento consagrado na smula 608 do STF, mas no moral (grave ameaa) devido especialidade da norma contida no artigo 225 do CP. Acrescente-se, inclusive, segundo o entendimento do STF (HC n. 82206/SP, Rel Min. Nelson Jobim), sequer o artigo 88 da lei 9.099/90, que exige representao nos crimes na ao penal quanto aos crimes onde ocorra leso leve e/ou culposa afasta a smula citada, posto que tais crimes sempre causam leses relevantes (ainda que psquicas). Porm Pacelli entende que com o atual entendimento do STF de que mesmo o estupro e o atentado violento ao pudor simples devem ser considerados hediondos tornou teratolgica a posio de no se estender a APPblica aos crimes contra os costumes com violncia moral. OBS: Observe-se que, no obstante prever a Lei n. 8.069/90 (ECA) que os crimes ali previstos, quando praticados contra a criana e o adolescente, seriam objeto de APPblica incondicionada (art. 227) isto no modificada o regramento acima disposto sobre crime contra os costumes, sendo, portanto, de ao privada estupro ou atentado violento ao pudor com mera violncia presumida (art. 224, CP). 4.7 Ao Privada Personalssima

Ainda na linha da discricionariedade, para determinados delitos a nossa legislao reserva exclusivamente ao ofendido o juzo de convenincia acerca da propositura da ao penal, no sendo facultada a ningum a substituio processual em caso de morte ou ausncia do interessado. o que ocorre nas hipteses dos crimes contra o casamento definidos no art. 236, CP e art. 240, CP, lembrando-se ainda que em relao ao segundo o prazo decadencial de apenas um ms. 4.8 Ao Privada Subsidiria da Pblica

A ao pena privada subsidiria da pblica nada mais que o reconhecimento explcito da existncia do interesse tambm privado na imposio da sano penal ao autor do fato criminoso. Pressuposto do exerccio de tal direito precisamente a desdia do MP, isto a ausncia de manifestao tempestiva de ato de ofcio. Portanto o no oferecimento de denncia no prazo legal desde que acompanhado da pugnao por novas diligncias da autoridade policial ou do arquivamento. Ressalte-se que ao penal PBLICA, regida pela obrigatoriedade, somente com possibilidade de propositura por parte do ofendido. O MP dever intervir em todos os termos do processo, fornecer prova, interpor recurso e retomar como parte principal em caso de negligncia do querelante (art. 29, CPP). Dever ainda incluir novos fatos e/ou autores ou partcipes se entender tal ampliao temtica necessria.

Em suma, o ofendido ou seu representante legal (menoridade ou incapacidade) ou aqueles do CPP, art. 31 (em caso de morte ou ausncia) podero ingressar em Juzo a partir do esgotamento do prazo do MP (em regra quinze dias quando solto e cinco dias com ru preso). OBS: Lembre-se que h prazos especiais em legislao especial, tal como na lei de imprensa, onde o prazo comea ao fim dos dez dias para propor a denncia (Lei 5250/67, art. 40, 1.) e legitimaes especiais, como a das associaes nos crimes contra o consumidor nos termos do art. 80 da lei 8078/90. 4.9 Denncia e Queixa

Segundo o disposto no artigo 41 do CPP, a denncia ou queixa ... conter a exposio do fato criminoso, com todas as suas circunstncias, a qualificao do acusado ou esclarecimentos pelos quais se possa identific-lo, a classificao do crime e, quando necessrio, o rol de testemunhas. As exigncias relativas ... exposio do fato, com todas as suas circunstncias... atendem necessidade de se permitir, desde logo, o exerccio da ampla defesa. Conhecendo com preciso todos os limites da imputao, poder o acusado a ela se contrapor o mais amplamente possvel, desde, ento, a delimitao temtica da pea acusatria, em que se ir fixar o contedo da questo penal. 4.9.1 Crimes Coletivos e individualizao de conduta O que deve ser observado, pois, a exigncia de individualizao da conduta, at mesmo porque, segundo o disposto no art. 29 do Cdigo Penal, os autores e partcipes incidem nas penas cominadas ao crime na exata medida das respectivas culpabilidades. 4.9.2 Acusao genrica e acusao geral

No incomum, sobretudo no mbito da jurisprudncia dos Tribunais Regionais Federais, encontrarem-se decises rejeitando a denncia nos crimes societrios, isto , nos crimes contra a ordem tributria (lei 8.137/90), financeira (lei 7.492/86) ou previdenciria (agora na parte especial do CP por fora da lei 9.983/2000), por inpcia da inicial, em razo de suposta imputao genrica. preciso, porm, distinguir o que vem a ser acusao genrica e acusao geral. Quando se diz que todos os scios de determinada sociedade, no exerccio de sua gerncia e administrao, com poderes de mando e deciso, em data certa, teriam ... deixado de recolher... (leia caput do art. 168-A do CP), est perfeitamente delimitado o objeto da questo penal, bem como a respectiva autoria. No h, em tais situaes, qualquer dificuldade para o exerccio da defesa ou para a correta capitulao do fato imputado aos agentes. A hiptese no seria de acusao genrica, mas GERAL. Acaso seja provado que um ou outro jamais exerceu qualquer funo de gerncia ou administrao na sociedade, ou que exerceu sem qualquer poder decisria, a soluo ser a absolvio, mas nunca de inpcia.

Questo diversa poder ocorrer quando a acusao, depois de narrar a ocorrncia de vrios fatos tpicos, ou mesmo vrios condutas de um ncleo de um nico tipo penal, imput-las, GENERICAMENTE, a todos os integrantes da sociedade, sem dizer quem fez o que. Aqui, pela dificuldade para o exerccio da defesa e para a individualizao das penas, a soluo seria a inpcia da inicial, posto que no especificadas as medidas da autoria e participao, assim como incerta a realizao dos fatos. Somente sob tal perspectiva pode ser admitida a orientao jurisprudencial no sentido de que, em crimes de autoria coletiva, admitida a imputao geral aos acusados, reservando-se a fase instrutria a delimitao precisa de cada uma delas (HC n. 22.265/BA STF DJ, I, 17.2.2003). 4.9.3 Aditamento

O aditamento da pea acusatria pode ocorrer tanto para fins de incluso de co-autores ou partcipes quanto para a incluso de fatos novos. No que se refere s aes penais pblicas, nenhuma dificuldade, j que, enquanto no prescrito o crime, a denncia poder ser aditada. Observe-se, ainda, que o prazo decadencial para o exerccio da ao penal privada somente tem incio na data em que o ofendido ou legitimado vem a saber quem o autor do fato. Por isso, se a autoria somente revelada na fase de ao j em curso, no haveria qualquer impedimento ao aditamento da queixa para a incluso do co-autor ou partcipe, se no prazo. No que se refere ao aditamento para a incluso de fatos novos, no h impedimento algum ao aditamento, desde de que se trate de fato cuja persecuo deva se feita por meio de ao privada e desde que no tenha operado, em relao ao mesmo, a decadncia do direito de ao. Por fim, de se anotar que a queixa poder ser aditada pelo Ministrio Pblico, no prazo de trs dias (art. 46, 2, CPP), conforme prev expressamente o art. 45 do CPP, para fins de incluso de dados no essenciais, mas importantes, para o julgamento da causa, no includos aqui, claro, fatos novos cuja persecuo s seja pos