Resumo Livro a Apresentação Do Eu Na Vida de Todos Os Dias

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“A apresentação do eu na vida de todos os dias”, Erving Goffman O presente livro tem por objectivo estudar, do ponto de vista sociológico, a vida social tendo em conta a organização num quadro físico determinado (nomeadamente um prédio, uma fábrica…). Ou seja, num quadro de referência que se pode aplicar a qualquer configuração social concreta. Toda esta situação assentando numa perspectiva de representação teatral obedecendo, obviamente, aos princípios da ordem dramática. No fundo, apresenta a forma como o indivíduo se apresenta a si próprio e à sua actividade perante os outros, como se orienta e como controla a impressão que os outros formam dele, as diferentes coisas que poderá ou não fazer aquando do seu desempenho. Capítulo I Desempenhos “Acreditar no próprio desempenho” Sempre que alguém desempenha um determinado papel, exige que os seus espectadores levem a sério a impressão que neles procura suscitar. Tal como se verifica no antigo ditado popular português “não é preciso só sê-lo, é preciso parecê-lo”.

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trabalho efetuado no âmbito do Mestrado em Ciências da Educação

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A apresentao do eu na vida de todos os dias, Erving Goffman

A apresentao do eu na vida de todos os dias, Erving Goffman

O presente livro tem por objectivo estudar, do ponto de vista sociolgico, a vida social tendo em conta a organizao num quadro fsico determinado (nomeadamente um prdio, uma fbrica). Ou seja, num quadro de referncia que se pode aplicar a qualquer configurao social concreta. Toda esta situao assentando numa perspectiva de representao teatral obedecendo, obviamente, aos princpios da ordem dramtica.

No fundo, apresenta a forma como o indivduo se apresenta a si prprio e sua actividade perante os outros, como se orienta e como controla a impresso que os outros formam dele, as diferentes coisas que poder ou no fazer aquando do seu desempenho.

Captulo I

Desempenhos

Acreditar no prprio desempenho

Sempre que algum desempenha um determinado papel, exige que os seus espectadores levem a srio a impresso que neles procura suscitar. Tal como se verifica no antigo ditado popular portugus no preciso s s-lo, preciso parec-lo.

Assim, o indivduo organiza o seu desempenho e a sua exibio em inteno de outras pessoas, ou seja, em funo dos outros.

Contudo, podemos perguntar: de que princpio partimos? Sobretudo da crena do prprio indivduo na impresso de realidade que tenta incutir naqueles entre os quais se encontra.

Relativamente a essa situao, o actor pode tomar duas atitudes distintas. Por um lado, poder ser tomado pela sua prpria aco, quer dizer, a realidade que ele encena a realidade real, isto , quando a audincia tem esta mesma noo apenas algum exterior a este grupo duvidar da realidade apresentada. Por outro lado, o actor pode no estar plenamente convencido da realidade da sua prtica de rotina. Neste caso, o actor no tem um particular interesse em fazer convencer os outros da sua realidade e quando ele no se convence dela mesma, podemos cham-lo de nico. Neste caso, -lhe gratificante iludir algum.

Porm, nem todos esto interessados nesta iluso, na medida em que existe o indivduo apanhado pelo seu prprio desempenho, bem como o indivduo nico em relao a este ltimo. Por isso mesmo, temos finais de continuum, pois cada um fornece ao indivduo uma posio dotada das suas prprias proteces e defesas, pelo que tm uma certa tendncia para levar a lgica at ao fim.

Assim, a mscara o eu mais verdadeiro, j que representa a concepo que formamos de ns prprios e com ela que ns nos quereramos parecer e ela quem quereramos ser.

Ento, a concepo do nosso papel na sociedade torna-se uma segunda natureza e parte integrante da nossa personalidade. Da que nasa um indivduo que depois detm determinadas caractersticas, pelo que, finalmente, se torna num pessoa.

Fachada

Tem-se vindo a falar de desempenho. Mas, como se pode defini-lo? Basicamente, qualquer actividade de um indivduo que se verifique durante um determinado perodo marcado pela sua presena contnua perante um conjunto de observadores e com alguma influncia sobre estes. Esta parte do desempenho poder, assim, ser designada como fachada.

Esta o equipamento expressivo de tipo padronizado, utilizado quer intencional, quer inconscientemente pelo indivduo durante o desempenho.

No entanto, s a poderemos perceber se tivermos bem presentes os elementos constantes da fachada, nomeadamente o quadro e a fachada pessoal.

No que concerne ao quadro poderemos dizer que se trata do cenrio e dos alicerces do palco que permitem o desenrolar da aco humana que nele ser representada, como o sejam o mobilirio, a decorao, a disposio fsica, quer dizer, os alicerces de fundo. Por isso mesmo, o quadro tende a ser imvel, estvel e permanente.

Quanto fachada pessoal no so mais do que os distintivos que indicam a profisso ou categoria profissional, como o vesturio, o sexo, a idade, as caractersticas raciais. Poder-se-ia dizer que so as dimenses fsicas e apresentadas, a atitude, a maneira de falar, as expresses e os movimentos do corpo. Por oposio ao quadro, na fachada pessoal alguns dos sinais so transitrios ou mveis como, por exemplo, a expresso facial que pode mudar at o mesmo desempenho.

Ainda relativamente fachada pessoal, deveremos distinguir a aparncia (estmulos cuja funo comunicar o estatuto do actor) e o modo e/ou maneiras (estmulos que, momentaneamente, funcionam informando do papel que o actor conta em desempenhar na interaco da situao que se aproxima). Entre ambas, espera-se uma relao consistente entre os termos mas, no entanto, podem tentar contradizer-se. Por outro lado, tambm se prev uma certa coerncia entre as vrias partes da fachada social, pelo que ser importante ter presente as noes de abstraco e de generalidade.

Assim, por vezes, e apesar de muito especializada e nica que uma rotina seja, a sua fachada social ter tendncia para afirmar factos que podem ser afirmados ou invocados por outras prticas de rotina, muito diferentes. Depois diferentes papis de rotina podem utilizar a mesma fachada. Uma determinada fachada social tende a institucionalizar-se nos termos das expectativas abstractas e estereotipadas a que d lugar. Ento, a fachada transforma-se numa representao colectiva e numa realidade por direito prprio.

Desta forma, um actor recebe um determinado papel social definido acabando por descobrir que j foi tambm definida uma fachada para esse mesmo papel. Descobre ainda que para um mesmo desempenho de determinado papel existem vrias fachadas definidas disponveis, pelo que ter de optar por uma delas. Desta forma, uma fachada de uma determinada actividade nunca ser algo de novo, pois j foi anteriormente definida ou inventada. O problema ser agora o da seleco e no o da criao. Por isso mesmo, poder haver rupturas quando um indivduo que desempenha uma determinada tarefa obrigado a seleccionar para si prprio uma fachada mais conveniente dentro de uma variedade de fachadas disponveis e que so bastante diferentes das outras.

Uma fachada social pode, ento, ser dividida em vrios componentes tradicionais como o quadro, as aparncias, os modos e que, na medida em que so todas diferentes, no descobrimos uma coincidncia entre o carcter concreto de um desempenho e a maneira como se nos apresenta.

Concluir-se, desta forma, que os aspectos de fachada social de um papel de rotina concreta surgem s nas fachadas sociais duma gama global de prticas de rotina e que a gama completa de prticas de rotina poder ser diferente do conjunto de prticas de rotina em que descobrimos um outro elemento da mesma fachada social.

Realizao dramtica

Quando um indivduo est na presena de outros recheia caracteristicamente a sua actividade com sinais que evidenciam e configuram factos confirmatrios que, de outra forma, seriam ignorados ou obscuros.

Porque razo? Porque ter de mobilizar a sua actividade no intuito de que esta expresse aquilo que ele pretende transmitir durante a interaco. Isto revela-se importante, pois o actor tem de exprimir as capacidades que afirma ter durante a interaco e faz-lo, por norma, numa fraco de segundos. As, nem sempre a interaco acarreta consigo problemas.

A dramatizao do trabalho implica muito mais do que tornar os encargos visveis.

Idealizao

A idealizao outra das formas atravs das quais o desempenho socializado. Mas, o que se entende por idealizao? uma tendncia dos actores para proporcionarem aos seus espectadores uma impresso a vrios nveis idealizada. muito frequente que um desempenho apresente uma imagem idealizada de uma determinada situao.

Assim, quando o indivduo surge perante os outros, o seu desempenho tender a integrar e a ilustrar os valores oficialmente reconhecidos pela sociedade. Desta forma, um desempenho pode ser considerado como uma cerimnia como, alis, era defendido por Durkheim. Um exemplo disso a idealizao das camadas sociais superiores e uma aspirao daqueles que ocupam lugares inferiores a ascender a uma posio superior: a idealizao da mobilidade social.

Se um indivduo pretender representar um modelo ideal durante o seu desempenho, ter de ignorar qualquer aco que seja inconsciente relativamente aos critrios correspondentes.

Frequentemente, os actores procuram dar a impresso que possuem motivos, ideais para a aquisio do papel que esto a desempenhar. Para reforar estas impresses ideais, as universidades, as associaes comerciais exigem que os seus membros assumam uma postura mstica e um perodo de formao que o coloca parte em relao aos outros seres humanos.

Porm, os actores tentaro incutir a impresso de que a sua ponderao e competncia so algo que sempre possuram, sem terem o tal perodo de formao.

Nesta atitude, o actor conta com a ajuda do quadro em que o seu desempenho se desenrola.

Muitas vezes, o actor gera entre os seus espectadores a convico de ter com eles uma relao mais ideal do que ela na realidade. o que, no raras vezes, denominado, no mbito popular de jeito ou de lbia.

Manuteno do controlo expressivo

Neste caso, os actores tentam promover uma espcie de responsabilidade por sindoque, isto , garantem que os aspectos menores do desempenho ocorram de forma a no causar qualquer tipo de impresso.

De facto, na nossa sociedade alguns gestos involuntrios ocorrem duma forma to ampla e veiculam to incompativelmente com as atitudes visadas que os incidentes inoportunos correspondentes acabaram por ter um estatuto simblico colectivo.

Dentro destes incidentes, deveremos ter em conta trs grandes grupos, nomeadamente:

- o actor pode transmitir uma impresso de incapacidade, inadequao ou desrespeito (ex. tropear);

- o actor pode agir de forma a dar a impresso de que est excessivamente preocupado com a interaco (ex. gaguejar);

- o actor pode permitir que a sua apresentao seja vtima duma orientao dramatrgica inadequada situao (ex. o quadro do desempenho pode no ter sido bem organizado).

Mas, como bvio, os desempenhos diferem no grau de ateno aos pormenores expressivos que requerem. Ao longo de conflitos profanos cada um dos protagonistas dever examinar cuidadosamente o seu prprio comportamento, se no quiser dar ao adversrio um ponto crtico de vulnerabilidade.

Ento, a coerncia expressiva que o desempenho exige indica uma discordncia decisiva entre o nosso eu demasiado humano e o nosso eu socializado. Em relao ao primeiro somos criaturas sujeitas a impulsos variveis, com energias e humores susceptveis de variarem. Quanto ao segundo, quando perante uma audincia no podemos apresentar nenhum tipo de oscilao. Atravs da disciplina social, a mscara de uma determinada atitude pode ser firmemente mantida a partir de dentro, do interior de cada actor.

Falsa representao

Muitos actores tm uma grande capacidade e motivos para representarem falsamente os factos. S o impedem de o fazer a vergonha, o sentimento de culpa ou o de medo.

Enquanto espectadores, temos dvidas quanto impresso que o actor nos tenta dar. Esta dvida to vulgar que atentamos muitas vezes aos aspectos do desempenho que no so fceis de manipular. Isto permite-nos avaliar melhor os ndices susceptveis de deturpao do desempenho. Estamos sempre espera, mesmo quando acreditamos no seu desempenho, de algo para que lhe possamos apontar um erro.

Quando se pensa nos indivduos que apresentam uma falsa fachada (quando enganam, simulam, mentem) pensa-se numa discordncia entre as aparncias e a realidade.

Quando se pensa se a impresso dada pelo desempenho verdadeira ou falsa, o que se quer saber se o actor est ou no autorizado em exibir tal desempenho e no nos preocupamos com o desempenho per si.

Ser importante falar em personificao. A definio social desta no muito consistente. Embora achemos mal a personificao de algum que tem um estatuto sagrado, muitas vezes pouco ou nada nos preocupamos se a personificao de algum inferior.

A personificao poder ser de um indivduo em concreto que considerado indesculpvel ou poder ser de uma categoria genrica perante a qual os nossos sentimentos se revelam mais moderados.

As fontes de confuso deparam-se instrutivamente ilustradas na atitude varivel que temos em relao ao modo de tratamento das pessoas segundo a sua idade ou sexo (ex. imperdovel que um rapaz de 15 anos que conduz sem carta se apresente como tendo 18 anos).

Muitas vezes, as alteraes de fachada pessoal que num determinado momento so representadas como sendo falsas representaes, num outro momento podero ser consideradas como sendo meramente decorativas. O mesmo acontece em relao quilo que um grupo acha aceitvel enquanto que outro j no.

Mas, dentro da falsa representao, temos de ter em conta a mentira descarada, rematada ou evidente aquilo em relao qual temos provas evidentes de que o autor sabia que estava a mentir.

Depois h ainda as mentiras inocentes que, acima de tudo, tm como intuito proteger os sentimentos da audincia a quem so ditas (ex. quando os mdicos transmitem certas notcias mais pesadas sobre o estado de sade dos doentes).

Uma impresso falsa alimentada pelo indivduo em qualquer das suas actuaes de rotina poder ser uma ameaa para a relao ou papel global de que a prtica de rotina constitui apensas uma parte. Embora um indivduo tenha apenas uma coisa a esconder no seu desempenho, a sua ansiedade poder por em causa a totalidade do seu desempenho.

Na generalidade, a representao de uma actividade deferir em maior ou menor grau da actividade em si prpria, distorcendo-a inevitavelmente. A imagem constituda pelo indivduo fica, assim, exposta a todas as perturbaes que so capazes de afectar as impresses.

Segundo o senso comum, as aparncias visadas so postas em causa por uma realidade discordante.

Mas, no h, frequentemente, razo para afirmar os factos que discordam da impresso visada j que pertencem mais realidade real do que realidade visada que perturbam. O que fulcral, sociologicamente, se as impresses visadas pelos desempenhos da vida quotidiana so susceptveis de perturbao ou no: que espcie de impresso de realidade ser capaz de quebrar a impresso da realidade visada?

Quer seja um actor honesto a transmitir a verdade, quer seja um actor mentiroso a tentar transmitir uma mentira, ambos tm de transmitir aos seus desempenhos as expresses apropriadas e excluir qualquer expresso que perturbe o desempenho.

Mistificao

A percepo uma forma de contacto e participao. O controlo sobre aquilo que percebido igual ao controlo sobre o contacto que se estabelece. uma relao entre termos informacionais e termos rituais.

comum considerar que as restries impostas ao contacto, a conservao da distncia social so uma forma de engendrar e alimentar uma reverncia entre os membros da audincia.

Isto tem como consequncia proibir a audincia de olhar para o actor independentemente das circunstncias dadas e isto o que acontece quando o actor consegue fazer reconhecer um mximo de pretenses relativas aos seus poderes e qualidade supra - terrenas.

Quando tem a ver com a manuteno de uma distncia social, a audincia colaborar com isso, pois agir respeitosamente. As inibies dos espectadores conferem ao actor algum espao de manobra para construir uma impresso que ele mesmo escolhe possibilitando-o de as utilizar como uma proteco ou uma ameaa.

Estes aspectos que so deixados de lado so os que, normalmente, fariam com que o actor se sentisse envergonhado se fossem exibidos. A audincia tem a sensao de que existem mistrios por detrs do desempenho e o actor acha que os seus segredos so insignificantes mas, no o so.

Realidade e artifcio

Os desempenhos podem ser verdadeiros, honestos, sinceros, desprovidos de plano (produes no deliberadas de um indivduo inconsciente dos seus gestos face a uma determinada situao) ou, por outro lado, falsos, simuladores, de artifcio e que so laboriosamente concebidos e montados nestes no h uma realidade a que os vrios aspectos do comportamento correspondam.

Enquanto se d um desempenho, os espectadores devero poder acreditar na sinceridade dos actores. Estes podem ser sinceros (mesmo que mintam devem acreditar que o que dizem sincero). Embora na maior parte das vezes as pessoas sejam aquilo que parecem ser, a aparncia pode tambm ser uma montagem. Assim, h uma relao estatstica entre as aparncias e a realidade e no uma relao intrnseca e necessria. O desempenho honesto, sincero e srio tem uma ligao menos firme com a realidade do mundo do que se poderia pensar.

Os desempenhos legtimos da vida quotidiana no so representados ou montados para que o actor saiba antecipadamente o que vai fazer em relao a determinada ocasio, fazendo-os apenas para um efeito provvel com que j conta. Normalmente, actuamos melhor do que aquilo que sabemos.

Um estatuto, uma posio, uma condio social no so coisas materiais que primeiro se possam possuir e depois se possam exibir. So critrios de comportamento correcto, coerentes, embelezados e bem definidos. Estes modelos (de artifcio ou de boa f) so algo que ter de ser representado e descrito, algo que ter de ser realizado (tal como no exemplo do empregado de caf dado por Sartre).