RESUMO LIVRO BAREMBLITT

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BAREMBLITT, G.. Compêndio de Análise Institucional . Rio de Janeiro: 3 a. ed., Rosa dos Tempos, 1996. “O Movimento Institucionalista é um conjunto heterogêneo e polimorfo de orientações, entre as quais é possível encontrar-se pelo menos uma característica comum: sua aspiração a deflagrar, apoiar e aperfeiçoar os processos auto-analíticos e auto-gestivos dos coletivos sociais” (BAREMBLITT: 1996, p.11). Cap. I - O Movimento Institucionalista, a Auto-análise e a Auto-gestão. Baremblitt (1996) considera que as relações humanas na sociedade contemporânea se tornaram extremamente complexas e que a produção de conhecimento se intensificou significativamente. Neste cenário, o conhecimento científico ocupou um lugar de destaque pela pretensão de garantir uma ação mais objetiva sobre esta realidade. Tais circunstâncias produziram em nossa sociedade a figura do expert, ou seja, um indivíduo cuja formação oferece uma condição privilegiada para falar sobre um determinado assunto. Esse profissional, pela forma como a sociedade se organiza, está freqüentemente a serviço de grupos, empresas ou instituições que podem pagar pelo seu trabalho. Nessa divisão social do trabalho, a sociedade civil viu-se despossuída daqueles conhecimentos que antes eram socialmente validados, conhecimentos que organizavam seu cotidiano. Esse saber é considerado, pelo pensamento 1

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BAREMBLITT, G.. Compêndio de Análise Institucional. Rio de Janeiro: 3a. ed., Rosa dos Tempos, 1996.

“O Movimento Institucionalista é um conjunto heterogêneo e polimorfo de

orientações, entre as quais é possível encontrar-se pelo menos uma característica comum:

sua aspiração a deflagrar, apoiar e aperfeiçoar os processos auto-analíticos e auto-

gestivos dos coletivos sociais” (BAREMBLITT: 1996, p.11).

Cap. I - O Movimento Institucionalista, a Auto-análise e a Auto-gestão.

Baremblitt (1996) considera que as relações humanas na sociedade

contemporânea se tornaram extremamente complexas e que a produção de conhecimento

se intensificou significativamente. Neste cenário, o conhecimento científico ocupou um

lugar de destaque pela pretensão de garantir uma ação mais objetiva sobre esta realidade.

Tais circunstâncias produziram em nossa sociedade a figura do expert, ou seja, um

indivíduo cuja formação oferece uma condição privilegiada para falar sobre um

determinado assunto. Esse profissional, pela forma como a sociedade se organiza, está

freqüentemente a serviço de grupos, empresas ou instituições que podem pagar pelo seu

trabalho.

Nessa divisão social do trabalho, a sociedade civil viu-se despossuída daqueles

conhecimentos que antes eram socialmente validados, conhecimentos que organizavam

seu cotidiano. Esse saber é considerado, pelo pensamento moderno, “rudimentar e

inadequado”, alienando as pessoas da possibilidade de gerenciar as instituições das quais

fazem parte e mesmo suas próprias vidas. Cria-se uma dependência em relação ao expert,

personagem legitimado por seus conhecimentos considerados universais e responsável

por fazer diagnósticos e intervenções sobre problemas diversos, inclusive sociais. A

noção de um conhecimento considerado universal, o qual o expert domina, será criticada

pelo Movimento Institucionalista. O conceito de demanda, estudado à frente, nos

permitirá entender essa crítica.

As políticas públicas muitas vezes partem do pressuposto de necessidades

universais nas instituições sociais, como se estas necessidades fossem inequívocas,

naturais. O Movimento Institucionalista considera que as necessidades destas instituições

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são forjadas historicamente, produzidas dentro de um contexto dentro do qual merecem

ser avaliadas e questionadas.

O Movimento Institucionalista vem mostrar que “os coletivos têm perdido, têm alienado o saber acerca de sua própria vida, o saber acerca de suas reais necessidades, de seus desejos, de suas demandas, de suas limitações e das causas que determinam estas necessidades e estas limitações” (BAREMBLITT: 1996, p.17)

Analisar a demanda de um grupo é, portanto, o objetivo principal dos

Movimentos Institucionalistas, pois através da análise das condições nas quais está

imerso, esse grupo conseguirá entender quais são suas reais necessidades – o que pode

diferir em muito das necessidades socialmente instituídas. O Movimento Institucionalista

trabalha com o conceito de grupo instituinte, ou seja, grupo capaz de rever e produzir

novas formas de organização.

Para atingir esse objetivo, o Movimento Institucionalista se utiliza dos processos

de auto-análise e autogestão, processos voltados para garantir que o cidadão comum

possa ocupar novamente o lugar de sujeito de sua trajetória e suas instituições.

“A auto-análise consiste em que as comunidades mesmas, como protagonistas de seus problemas, de suas necessidades, de suas demandas, possam enunciar, compreender, adquirir ou readquirir um vocabulário próprio que lhes permita saber acerca de sua vida” (17)

Esse processo de auto-análise é realizado dentro do próprio grupo e pelo próprio

grupo, e permite aos sujeitos participantes avaliar as condições nas quais estão inseridos e

buscar soluções para seus problemas. Sendo assim, o processo de auto-análise é

simultâneo ao processo de auto-organização, uma vez que exige que o grupo se

reposicione diante das novas demandas que irão emergir.

A auto-análise e a autogestão não prescindem, contudo, da figura do expert.

Devem prescindir, sim, da postura centralizadora e dominante do expert, mas não dos

instrumentos e da disciplina que ele dispõe e que pode favorecer a organização dos

saberes desses sujeitos. Para tanto, é de fundamental importância que os experts tenham

uma reflexão epistemológica sobre as formas como o conhecimento pode se produzir

através da interação com o senso comum. É fundamental que estabeleça uma relação de

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transversalidade, integrando-se ao movimento de auto-análise e autogestão do grupo e

colocando seu saber a serviço do mesmo.

“Mas até para que a auto-análise seja praticada pelas comunidades, elas têm de construir um dispositivo no seio do qual esta produção seja possível. Elas têm de organizar-se em grupos de discussão, em assembléias; elas têm de chamar experts aliados para colaborarem com elas; elas têm de dar-se condições para produzir este saber; e para desmistificar o saber dominante” (BAREMBLITT: 1996, p. 19)

O Movimento Institucionalista também não prescinde da divisão social de tarefas,

uma vez que as pessoas detêm conhecimentos distintos e as hierarquias podem auxiliar

no processo de organização. No entanto, hierarquia, na forma como o Movimento

Institucionalista define, não deve significar hierarquia de poder. O poder está na mão do

coletivo, que delibera e decide. Não se tratam de ações burocráticas, sem sentido para

seus executores, mas a consecução de um projeto definido consensualmente, que

considera o saber constituído nesse coletivo. Não que se ignore e se busque outros

saberes, mas que este esteja sempre orientado pelo que o coletivo institui como desejável

para si.

O objetivo do Movimento Institucionalista é, portanto, resgatar experiências

autogestivas, que muitas vezes não o são da forma idealizada, mas que partem de alguns

pressupostos comuns.

“O institucionalismo é alguma coisa assim como o resultado do ensinamento destas iniciativas históricas sobre os próprios experts. (...) temos aprendido que isso existe e que poderíamos colaborar para seu desenvolvimento a partir as experiências históricas que já existiram neste sentido e das que estão existindo e se desenvolvem perfeitamente ou dificilmente sem a nossa participação” (BAREMBLITT: 1996, p. 23)

Contudo, esses processos encontram sérias dificuldades. Por um lado, os

movimentos instituintes não encontram um momento muito favorável para sua

ocorrência, já que estão desacreditados quanto à validade de seu saber e muitas vezes

privados dos recursos para efetivar transformações. Nesse sentido, vale perguntar de que

forma podem obter poder enquanto coletividade para a viabilizar suas propostas. Por

outro lado, o institucionalismo produz muita resistência no sistema social, porque visam

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alterar uma organização vigente. Nesse sentido, encontram-se muitas vezes severamente

reprimidas ou cooptadas, incorporadas pelo sistema, mas alterando-as em sua essência.

Cap. II – Sociedade e Instituições

O Movimento Institucionalista concebe a sociedade como uma rede de

instituições “que se interpenetram e se articulam entre si para regular a produção e a

reprodução da vida humana sobre a terra e a relação entre os homens” (BAREMBLITT:

1996, p.29).

As instituições, por sua vez, são composições lógicas, um conjunto de leis e

princípios que prescrevem ou proscrevem comportamentos e valores, ou seja, dizem o

que deve ser, o que não deve e o que é indiferente. As instituições são entidades abstratas.

As organizações são a materialização das instituições sob a forma de um

organismo, uma entidade, assumindo uma configuração mais complexa ou mais simples.

“São grandes ou pequenos conjuntos de formas materiais que põem em efetividade, que concretizam as opções que as instituições distribuem, que as instituições enunciam. Isto é, as instituições não teriam vida, não teriam realidade social se não fosse através das organizações. Mas as organizações não teriam sentido, não teriam objetivos, não teriam direção se não estivessem informadas como estão, pelas instituições” (BAREMBLITT: 1996, p.30).

Os estabelecimentos, por sua vez, são as estruturas propriamente físicas que

conjuntamente integram a organização. São as escolas, conventos, quartéis etc.

Os equipamentos são os dispositivos técnicos cujo objetivo é facilitar a

consecução dos objetivos específicos ou genéricos propostos pela instituição, organização

e estabelecimento. Os equipamentos podem ter realidade material que se restringe a um

estabelecimento ou o suplanta.

Todo esse aparato descrito acima só pode ter dinamismo através dos agentes e

suas práticas.

Segundo Baremblitt (1996) esses conceitos não podem ser confundidos pois é

através deles que os institucionalistas conseguem compartilhar uma nomenclatura que

permite sua comunicação.

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Uma das maiores evidências da vitalidade de uma instituição é sua capacidade de

manter um movimento de transformação. Essas forças transformadoras das instituições

ou capazes de instituir uma instituição são chamadas de instituinte. O instituinte é

caracterizado como um processo, um movimento.

Em contrapartida, os produtos resultantes das instituições são chamados

instituídos. “O instituído é o efeito da atividade instituinte” (BAREMBLITT: 1996, p.32).

os dois constituem o movimento histórico da sociedade, sendo o instituído os parâmetros

de convivência e o instituinte o movimento de transformação permanente da sociedade

aos novos estados sociais. Não se tratam de conceitos com características negativas ou

positivas. Contudo, não se nega que o instituído traz em si as características próprias ao

conservadorismo e à resistência a mudanças.

Na mesma lógica anterior, o Movimento Institucionalista trabalha com os

conceitos de organizante e organizado para caracterizar os movimentos ocorridos no

interior das organizações. O organizante voltado para a busca permanente de maior

pertinência nas ações organizacionais; o organizado como a estrutura que solidifica as

organizações, mas com uma tendência a se burocratizar, esclerosar. Responde a um

desejo humano de segurança, buscado nas instituições.

“É importante saber que para que a vida social, entendida como o processo em permanente transformação que deve tender ao aperfeiçoamento, que deve visar a maior felicidade, a maior realização, a maior saúde, a maior criatividade de todos os membros, essa vida só é possível quando ela é regulada por instituições e organizações, quando nessas instituições e organizações a relação e a dialética existentes entre o instituinte e o instituído, entre o organizante e o organizado se mantêm permanentemente permeáveis, fluidas, elásticas” (BAREMBLITT: 1996, p.33).

Baremblitt (1996) irá afirmar que a sociedade se polariza entre duas

características: as utopias sociais e as características históricas que as comprometem: a

exploração, a dominação e a mistificação.

As utopias sociais são construções que visam satisfazer à vontade coletiva, o

aperfeiçoamento da vida social, a realização de um ideal social. Estes ideais, sempre

históricos, são desvirtuados ou comprometidos por uma deformação que se desdobra em

três ações: a exploração de uns sobre outros (expropriação da potencia e do resultado

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produtivo de uns por parte dos outros), a dominação (imposição da vontade de uns sobre

os outros e não-respeito à vontade coletiva) e a mistificação (administração arbitrária ou

deformada do que se considera saber e verdade histórica, que é substituída por diversas

formas de mentira, engano, ilusão, sonegação de informação, etc.). (BAREMBLITT:

1996, p.34)

Para as utopias sociais, o funcionamento institucional visa sempre a produção, a

criação a fundação. Contudo, quando as instituições, organizações e estabelecimentos

favorecem grupos dominantes, que perpetuam a exploração, a dominação e a

mistificação, compreende-se que têm uma função reprodutiva, uma função disfuncional,

no sentido das transformações necessárias à realização da utopia social.

O objetivo da Análise Institucional é verificar em cada instituição, cada

organização, uma forma de intervir para propiciar-lhes a ação do instituinte e do

organizante. Nesse sentido, é inevitável que se compreenda a indissociabilidade entre os

conceitos que foram aqui apresentados e a forma como se articulam pró ou contra os

movimentos considerados necessários ao funcionamento social. Dois indicadores são

concebidos pelo institucionalismo para compreender esta organização social:

atravessamento e transversalidade.

O conceito de atravessamento considera as diversas dimensões sociais voltadas

para a reprodução da sociedade (instituído, organizado) e resistência à transformação

pressuposta pela utopia social e seus princípios, que se interpenetram para fundar

conceitos, procedimentos, valores.

O conceito de transversalidade, ao contrário, considera as diversas dimensões

(instituintes, organizantes) que se manifestam na sociedade voltadas para a transformação

social e ruptura com a dominação, exploração e mistificação.

Apesar desta distinção, não se pode pensar que esses conceitos caracterizam uma

ou outra instituição, organização ou equipamento, mas estão presentes em todas elas

simultaneamente.

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Cap. III – A História

O Institucionalismo trabalha com dois conceitos antagônicos, o conceito de

produção e antiprodução. O conceito de produção está relacionado ao processo de

criação, enquanto o conceito de antiprodução diz respeito ao processo de absorção

daquilo que é considerado novo pelo sistema.

Outra concepção particular ao Institucionalismo é a consideração à subjetividade

no processo de transformação social. Distinguindo-se dos processos sociológicos, mais

voltados para a explicação dos fenômenos molares, o Institucionalismo está voltado para

os fenômenos moleculares, concebendo que o psiquismo tem peso similar aos processos

de produção. Sabe-se que mesmo a melhor política pública só irá se efetivar se contar

com a adesão do público-alvo. Em outras palavras, só haverá conivência do público com

qualquer proposta se forem mobilizadas as representações, as crenças em torno do que

seja a vida social.

“O Institucionalismo tende a não privilegiar a priori nenhuma determinação mais que outra, isto é, são tão importantes as vontades, os desejos e as representações com que os homens entram nos processos históricos quanto as estruturas ‘materiais’, econômicas, políticas ou naturais que vigoram sobre eles” (BAREMBLITT: 1996, p. 47-8)

Mas como psicanalista, Baremblitt (1996) considera que as forças psíquicas

mobilizadas para as escolhas são determinadas pelo inconsciente, mais especificamente

pelo desejo. Mas não se trata do desejo tal como Freud o concebeu. Para este, o desejo

era constituído a partir das vivências subjetivas, circunscritas social e historicamente,

dentro das quais os indivíduos constroem significados para suas ações, fazem escolhas,

concebem a si próprios. O prazer que o indivíduo busca satisfazer é satisfação deste

desejo. Contudo, o desejo freudiano é determinado inconscientemente, tendo uma

determinação involuntária em relação ao sujeito, e só pode se satisfazer ao corresponder a

essas determinações. O institucionalismo parte do mesmo conceito, mas diferente da

psicanálise freudiana, o desejo pode ser satisfeito a todo momento nas circunstâncias

sociais, transformando-se continuamente.

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“O desejo segundo a psicanálise é um impulso que tende a reconstituir estados perdidos a se realizarem em fantasmas, é uma tendência reprodutiva, é uma anseio que tende a restaurar o narcisismo, que supostamente, em algum momento, foi o estado em que o protossujeito esteve integralmente. O desejo no Institucionalismo não tem essas peculiaridades. O desejos do institucionalismo é imanente à produção, é o aspecto psíquico da mesma força que no social é o instituinte. É uma forma que tende a criar o novo, como o imprevisível, é uma força de conexão, é uma força de invenção e não é uma força restauradora dos estados antigos. Mas é inconsciente. (...) um inconsciente pré-pessoal e natural que compreende todos os saberes, todas as matérias não-formadas e energias não-vetorizadas que são capazes de gerar transformação. Este inconsciente não está submetido apenas por um recalque psíquico, mas está submetido por um recalque complexo que é simultaneamente político, libidinal, semiótico, etc. Então, para o Institucionalismo não existe o que seria um homem universal, não existe uma estrutura, uma essência-homem. Também não existe uma estrutura, uma essência –sujeito, sujeito psíquico, que seria o mesmo em todas as sociedade, em todos os momentos históricos, em todas as classes sociais, em todas as raças, etc. (...) Para o institucionalismo não existe este sujeito eterno e universal, apenas preenchido com conteúdos históricos sociais variáveis. Para o institucionalismo, o que existe são processos de produção de subjetivação ou de subjetividade” (BAREMBLITT: 1996, p. 49-50)

A pergunta do institucionalismo é por que os indivíduos não cedem sempre à

satisfação de seu desejo, por que as pessoas não rompem com regras sociais. A resposta é

que os indivíduos sucumbem ao discurso institucional. Não de forma passiva, nem

tampouco voluntária, mas porque este discurso institucional satisfaz certos desejos

inconscientes.

A condição de produtor ou reprodutor da sociedade está associada à produção de

subjetividade por parte do sujeito, no caso de submeter seu desejo aos interesses

dominantes ou no caso de constituir uma subjetividade absolutamente original,

instituinte.

“Por que esta discriminação é importante? Porque na leitura que o institucionalismo vai fazer de cada organização, de cada estabelecimento, movimento, ou proposta, ele vai privilegiar a intelecção de dispositivos que são capazes de produzir subjetivações. E não vai privilegiar, a não ser para denunciá-los, a leitura de aparelhos ou equipamentos que estão destinados a produzir a reprodução de subjetividades submetidas” (BAREMBLITT: 1996, p.51).

O institucionalismo, como é possível entrever nos conceitos acima apresentados é

uma construção que “rouba” conceitos de teorias diversas com o objetivo de tentar

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responder de forma plural ao lugar da subjetividade na dinâmica social. Não uma

subjetividade consciente e racional, mas pulsional, envolvida com a produção a partir da

noção de desejo, necessariamente envolvida com prazer e desprazer.

“O desejo é essencialmente produtivo, revolucionário, inventivo. Apenas se deve criar condições para que ele possa animar dispositivos e máquinas revolucionárias capazes de realizá-lo (...) Para o institucionalismo o desejo realiza-se sempre, apenas é preciso produzir condições históricas em que ele possa realizar-se produtivamente. Isso inclui engendrar modos de subjetivação que co-protagonizem este processo” (BAREMBLITT: 1996, p.55)

Cap. IV – O desejo e outros conceitos no institucionalismo

O institucionalismo se orienta, portanto, no terreno complexo das múltiplas

dimensões da sociedade com o objetivo de identificar os movimentos a partir de sua

posição instituída ou instituinte. Nessa perspectiva, a formação de um institucionalista

deve ser extremamente diversificada, envolvendo “todos os saberes de uma época,

inclusive os saberes não-científicos, os artísticos, os populares” (BAREMBLITT: 1996,

p. 61). A formação do institucionalista é interminável.

No entanto, é o conceito de desejo que sustenta a proposta revolucionária de

transformação do institucionalismo, uma vez que ele é o motor a partir do qual nos

inserimos na realidade. Embora existam várias interpretações do conceito de desejo em

Freud pelo institucionalismo, a concepção que orienta Baremblitt (1996) considera a

origem desse desejo (o Id), como fonte primária disforme capaz de produzir infinitas

possibilidades de manifestação. Em suma, em lugar de pensar o humano a partir de

categorias universais previsíveis, tal como se tentou adequar a teoria psicanalítica, o

institucionalismo aposta na imprevisibilidade humana como fonte infinita de respostas ao

contexto no qual se insere.

Algumas vertentes radicais do institucionalismo, como Guattari e Deleuze,

fundadores da Esquizoanálise, abdicaram da concepção de conhecimento científico como

fonte fidedigna e propuseram que as artes e a literatura tivessem o mesmo escopo. A

concepção que a orienta é que:

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“a Esquizoanálise consiste em introduzir o desejo na produção e a produção no desejo. Trata-se de aprender a pensar um desejo essencialmente produtivo e aprender a pensar uma produção, dita no sentido amplo, que não pode ser senão desejante, na medida em que as subjetivações estão essencialmente envolvidas nestes processos produtivos, tanto quanto a natureza e as máquinas técnicas e semióticas” (BAREMBLITT: 1996, p.65)

Cap. VI – Roteiro para uma Intervenção Institucional Padrão

Neste capítulo, Baremblitt (1996) irá sistematizar um processo de análise

institucional padrão. Ele faz uma série de ponderações que visam esclarecer ao leitor que

não é uma proposta do institucionalismo formatar um modelo de intervenção, pois

correria o risco de enrijecer o processo. Apresenta as ressalvas de que não é a única

forma de fazê-la, não é necessariamente a melhor e nem sempre é possível tal como está

descrita.

Baremblitt apresenta uma distinção entre campo de análise e campo de

intervenção.

Campo de Análise: é um recorte eleito pelo institucionalista o qual buscará

compreender através do aparelho conceitual do institucionalismo, sem necessariamente

realizar uma intervenção. Assim, irá procurar saber como funciona, a relação entre seus

determinantes, suas causas, os efeitos que produz, etc. É um tipo de análise no qual pode-

se eleger um campo mais amplo.

Campo de intervenção: pressupõe as atividades desenvolvidas no campo de

análise mas envolve estratégias, logística, tática, técnica para se operar sobre ele e

efetivamente transformá-lo. Em geral, o campo de intervenção deve ser restrito, ao

contrário do campo de análise que pode ser mais amplo.

O passo seguinte à delimitação do campo de intervenção é a análise da oferta e a

análise da demanda.

A análise da oferta antecede a análise da demanda porque toda demanda parte de

um pressuposto, de uma representação por parte daquele que demanda sobre o que o

trabalho do institucionalista irá promover. Esse pressuposto, essa representação são

produzidas socialmente. O institucionalista deve compreender como foi produzida

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naquele que demanda essa expectativa. Essa etapa se justifica quando se retoma o

conceito de expert que vigora em nossa sociedade. A mensagem subjacente à figura do

expert é, segundo Guilhón de Albuquerque: “Eu tenho o que lhe falta e, além disso, você

não entende, não sabe em que consiste”. Se é objetivo do institucionalismo construir

relações horizontais e co-responsáveis, a organização que demanda não pode ocupar o

lugar de “cliente”, mas compreender que o lugar de participante é fundamental para

operar a auto-análise e a autogestão.

A análise da demanda consiste em saber “quais são os aspectos conscientes,

manifestos, deliberados, voluntários deste pedido, e quais são seus aspectos inconscientes

e/ou não-ditos” (BAREMBLITT: 1996, p.68). Assim, análise da oferta e análise da

demanda fazem parte de um mesmo processo auto-analítico que se deve empreender ao

iniciar uma análise institucional. Ao término deste processo,

“entre a organização analisante, interveniente e a organização analisada, intervinda, vai produzir-se uma interseção que gera uma nova organização, que é o verdadeiro objeto de análise. Não existe, aqui, então, uma posição clássica de objetividade: não somos os experts que sabem e a organização-cliente não é um objeto passivo e ignorante. Mas juntos é que vamos tentar entender como é esta realidade nova que se deu na interseção de nosso encontro”. (BAREMBLITT: 1996, p.69).

Na análise da demanda, uma série de aspectos devem ser observados:

1) quem indicou e por que o trabalho de análise institucional;

2) qual foi o segmento que se organizou para procurar o serviço, também

chamada de análise da gestão. Baremblitt afirma que, para o institucionalista,

é muito melhor ser solicitado pelas bases que pela direção ou proprietários.

3) Distinguir entre demanda (formal) e encargo (implícito). Os motivos

implícitos, aqui chamados de encargo, ocorrem por três motivos: má-fé,

desconhecimento ou recalque.

No decorrer do processo de intervenção, a organização analisante construirá suas

interpretações a partir dos analisadores, conceito institucionalista que caracteriza os

indícios apresentados pela organização que poderão auxiliar na explicação de seu objeto

de análise. O analisador funciona no institucionalismo de forma similar ao sintoma na

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análise individual, ou seja são “pistas” para que se construa uma interpretação sobre a

forma como as diversas dimensões envolvidas no processo se articulam. Os analisadores

podem ser encontrados em qualquer lugar na organização ou instituição e são dotados de

sentidos que permitem compreender a forma como seus agentes compreendem a

instituição e as relações dentro dela. Os analisadores podem ser compreendidos a partir

de alguns princípios.

1) a materialidade expressiva de um analisador é totalmente heterogênea;

2) o analisador contém os elementos para começar o processo de seu próprio

esclarecimento, seja a partir de fora, seja a partir de dentro da organização;

3) o analisador pode ser espontâneo ou construído, ou seja, pode ocorrer ao

acaso, involuntariamente; pode ser produzido pelo analista institucional com o

objetivo de explicitar conflitos ou problemas nas organizações. Para tanto, é

possível se utilizar de qualquer recurso.

A etapa seguinte do processo é a análise da implicação. Este conceito está

relacionado ao conceito de contratransferência freudiano, ou seja, se refere aos

sentimentos do analista em relação ao seu paciente. Contudo, para o institucionalista, a

análise da implicação antecede a relação com as organizações. Pressupõe a auto-análise,

por parte do analista institucional, para compreender suas motivações para desenvolver-

se em tal área e como estas motivações se envolvem com o projeto organizacional no

qual está intervindo. Como o analista institucional não pressupõe uma objetividade na

intervenção, também ele produzirá a partir dos recursos que dispõe, e que portanto,

também devem ser analisados.

Segundo Barbier (1985)1 Entendemos implicação como o "... engajamento pessoal

e coletivo do pesquisador em e por sua práxis científica, em função de sua história

familiar e libidinal, de suas posições passadas e atual nas relações de produção e de

classe, e de seu projeto sócio-político em ato, de tal modo que o investimento que resulte

inevitavelmente de tudo isso seja parte integrante e dinâmica de toda atividade de

conhecimento." (Barbier: 1985, p. 120)

1 Barbier, R. (1985). A pesquisa-ação na instituição educativa. Rio de Janeiro: Jorge Zahar.

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Em suma, é possível observar que o institucionalismo considera todos os

elementos envolvidos no processo, ciente de que todos interferem e precisam ser

analisados. Assim, a organização em sua materialidade, em suas expectativas e em seus

princípios; e o institucionalista, em tudo aquilo que venha a provocar e ser provocado.

A partir da análise desses elementos (oferta, demanda, implicação e analisadores),

os institucionalistas irão efetuar um primeiro diagnóstico, um diagnóstico provisório.

O diagnóstico provisório é apenas uma hipótese sobre os problemas apresentados

pela instituição. Sua importância está, justamente, em instituir, organizar, planejar,

antecipar e decidir os passos a serem implementados na análise institucional.

Elaborado este diagnóstico, procede-se à construção de um contrato de

diagnóstico. O contrato é muito similar aos contratos convencionais, versam sobre os

compromissos mútuos, explicitando-se direitos e deveres das partes interessadas, da

duração total e freqüência dos encontros, honorários, delimitações de objetivos e

autorização de acesso aos materiais de investigação, promessa de sigilo quanto à

informação obtida durante a investigação, etc. Não se pode esquecer que a construção do

contrato já é parte do processo de análise e intervenção.

“Este contrato já implica a construção de dispositivos para ouvir a todas as partes. Porque só ouvimos uma, aquela que fez a demanda parcial. Só que é bom fazer este novo acordo, porque ele implica que o diagnóstico já é uma operação de intervenção. Então já tem de ser autorizado, legalizado e, no caso de existirem honorários, já devem ser pagos” (BAREMBLITT: 1996, pp.114-5)

É importante lembrar que, até o momento, apenas uma parte da organização foi

ouvida. É preciso saber como os outros setores se posicionam diante dessa demanda, se

há resistência, vasculhar os não-ditos, etc. O diagnóstico permite ao institucionalista

preparar dispositivos, construir analisadores para que essas informações possam ser

provocadas.

Mas tais dispositivos devem ser orientados por princípios que não permitam ao

institucionalista induzir respostas. Deve-se lembrar sempre que o objetivo é produzir um

processo de auto-análise. O dispositivo deve ser um “agitador”, deve provocar a

organização para que novos analisadores possam emergir.

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É a partir do diagnóstico provisório que se pode planejar uma estratégia, preparar

a logística, selecionar as táticas e as técnicas.

Estratégia: sistematiza os grandes objetivos a serem conseguidos (cuja máxima

expressão é a auto-análise e a autogestão) assim como a progressão das manobras e

outras etapas previstas.

Logística: trata-se dos fatores a serem considerados a favor ou contra a

consecução do trabalho.

Táticas: são os pequenos segmentos nos quais se decompõe a estratégia.

Técnicas:são os instrumentos utilizados para operacionalizar as táticas.

Após a aplicação dos dispositivos e a leitura dos analisadores, os institucionalistas

retomam a demanda e o encargo, agora com mais elementos que evidenciam a distância

entre os dois, retomam a análise da implicação – para verificar os efeitos do dispositivo

na relação do institucionalista com a organização – e procede-se ao diagnóstico definitivo

e o planejamento da intervenção. Emerge, portanto, uma nova proposta de intervenção e

um novo contrato.

A única distinção desta proposta e deste contrato é que, nesta fase, propõe à

organização a autogestão do contrato de intervenção. Ou seja, o próprio coletivo será

responsável por determinar o formato, a freqüência, os honorários, o interesse, a

necessidade, etc. do processo de intervenção.

Baremblitt sugere algumas questões para a discussão desse contrato, tais como:

“Como você concebe esse serviço? Quanto tempo você acha que vai durar? Quanto dinheiro você acha que deve ser pago? E como está distribuído o pagamento? Quando cada um pensa que deve pagar e por quê? Quais são os direitos que você nos vai dar para podermos intervir? Podemos estar aqui todos os dias? Podemos acompanhar o trabalho hora após hora? Podemos estar nas reuniões reservadas? Podemos ver os livros contábeis da organização?” (BAREMBLITT: 1996, p. 118)

Após ao acordo entre equipe interventora e a organização procede-se à execução

da intervenção, tal como foi planejada. Alguns momentos são fundamentais: no

planejamento da intervenção devem haver avaliações periódicas; ao final, a equipe

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interventora realiza um prognóstico. É possível, ainda, que seja agendado o

acompanhamento da organização.

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