Resumo - Técnico Lisboa - Autenticação · A cidade primitiva situava-se no cimo da colina...

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2º Semestre 2002 7 Neste artigo dá-se conta, de forma sucinta, do desenvolvimento de Lisboa ao longo do tempo, valorizando os aspectos que levam à formação de uma cidade metropolitana cada vez mais complexa. O enfoque é predominantemente morfo-funcional uma vez que, depois de destacar a importância do porto no desenvolvimento da cidade, nos detemos sobre os tecidos urbanos mais expressivos e referimos a dinâmica funcional dos territórios metropolitanos do ponto de vista do comércio e serviços, indústria e habitação. Por fim, fazemos uma alusão ao papel do planeamento nas transformações metropolitanas recentes e aos desafios que a região enfrenta, fazendo a ponte entre o passado e o futuro. Desenvolvimento Urbano de Lisboa 1 Resumo Teresa Barata Salgueiro Universidade de Lisboa 1 Este texto tem como fonte maior T. Barata Salgueiro, 2001, Lisboa. Periferia e Centralidades. Oeiras. Celta. Aí se encontra uma ampla bibliografia, pelo que nos dispensamos de fazer aqui referências.

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Neste artigo dá-se conta, de forma sucinta, do desenvolvimento de Lisboa ao longo do tempo,valorizando os aspectos que levam à formação de uma cidade metropolitana cada vez maiscomplexa.

O enfoque é predominantemente morfo-funcional uma vez que, depois de destacar aimportância do porto no desenvolvimento da cidade, nos detemos sobre os tecidos urbanosmais expressivos e referimos a dinâmica funcional dos territórios metropolitanos do ponto devista do comércio e serviços, indústria e habitação. Por fim, fazemos uma alusão ao papel doplaneamento nas transformações metropolitanas recentes e aos desafios que a região enfrenta,fazendo a ponte entre o passado e o futuro.

Desenvolvimento Urbano de Lisboa1

Resumo

Teresa Barata SalgueiroUniversidade de Lisboa

1 Este texto tem como fonte maior T. Barata Salgueiro, 2001, Lisboa. Periferia e Centralidades. Oeiras. Celta. Aí se encontrauma ampla bibliografia, pelo que nos dispensamos de fazer aqui referências.

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1. As origens

Com origens obscuras que se perdem nos tempospré-h is tór icos, L isboa fo i f requentada pe losdiversos povos navegadores do Mediterrâneo,sendo já uma cidade importante na época Romana.A sua importância cresceu com a formação dePor tuga l to rnando-se na cap i ta l po l í t i ca eeconómica do país em meados do século XIII.

A fortuna de Lisboa andou indiscutivelmente ligadaà sua posição geográfica e às condições do porto.No con tex to nac iona l , impor ta sa l ien ta r alocalização relativamente central junto do Tejo que,sendo o r io ma is impor tan te da Penínsu la ,navegável durante séculos quase até à fronteiraespanhola, assegurava o comando de um vastohinterland . Além disso, oferece um bom porto deestuário, amplo e convenientemente abrigado doperigoso sudoeste. Estas condições facilitam aindaa organização da navegação de cabotagem,particularmente intensa na época medieval e,portanto, relações permanentes com o l i toralocidental e a orla meridional do país, bem comoacolher navios mercantes estrangeiros e lançar-se nas aventuras do mar oceano. A cidade estásuficientemente próxima da foz para quase sepoder considerar um porto de mar, mas encontra-se ligeiramente recuada no estuário para melhorse defender. Nos séculos XVI e XVII a embocadurado rio foi fortificada com um conjunto de fortes,alguns dos quais reforçavam dispositivos de vigiamuito anteriores.

A localização à escala internacional coloca Lisboanas rotas marítimas que enlaçam o Mediterrâneocom o Atlântico, o Atlântico Norte com o AtlânticoSul. As óptimas condições do porto na costaat lânt ica desabr igada da f in isterra europeia,permitiam oferecer repouso seguro às frotas quenavegavam ao largo da costa, entre o Mediterrâneoe o Atlântico Norte, movimento que se incrementouconsideravelmente com as Cruzadas, e foram

decisivas para o desenvolvimento comercial eenriquecimento da cidade.

A administração e o comércio foram semprefunções destacadas de Lisboa e há notícia dapresença de mercadores estrangeiros na cidade,desde a época medieval. A principal rua planeadado século XIII era ocupada por esta classe e porisso conhecida por rua dos Mercadores (tambémpor rua Nova dos Ferros). Será no entanto noséculo XVI, depois de assegurar a rota marítimapara os produtos do Oriente que precipi ta adecadência das cidades italianas, que Lisboa setorna no grande empório dos produtos raros queinundam os mercados europeus.

O desenvolvimento da cidade reflecte os picos decrescimento do comércio externo, al iás comosucede com o desenvolvimento do país, registandoexpansão e engrandecimento quando se abre umanova frente comercial e adormecendo nos períodosrecessivos.

A importância do comércio e do porto que osuportava para a vida da cidade é atestada pelaexpansão cont inuada da urbe ao longo dasmargens do Tejo, pela mudança do palácio real,no século XVI, da Alcáçova no Castelo para aRibeira, onde o palácio se instalou sobre osarmazéns da Casa da Índia revelando, no rei, umcompor tamento idên t i co ao dos g randesmercadores, e ainda pela presença de mercadoresestrangeiros e importância dos comerciantes. Nareconstrução pombalina, a principal praça dacidade foi designada por Praça do Comércio emhonra do contributo deste grupo social para asobras da reconstrução.

O porto de Lisboa manteve-se como a principalporta de entrada e saída de mercadorias até àactualidade, tendo recebido numerosas obras debenef ic iação ao longo dos tempos. Merecem

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destaque as que tiveram lugar nos finais do séculoXIX (início das obras do aterro no qual se construiua linha férrea e depois a estrada marginal, em1860, e grandes t rabalhos nos anos 80, noseguimento do Plano de 1883) e as dos anos 40do século XX traduzidas em aumento dos cais econstrução das gares marítimas. Recentemente,a a l te ração nos modos de navegaçãotransoceânicos e no transporte de mercadorias, porum lado, a partilha de funções com os portos deSetúbal e Sines, por outro, tornaram obsoletasalgumas das instalações portuárias e permitiramdesafectar desse uso alguns terrenos e edifícios

2. Da cidade à metrópole

Figura 1 – O crescimento da Cidade de Lisboa

O sítio de Lisboa combina o topo defensável dumaco l ina com a fac i l idade da v ida de re laçãopropiciada pelo porto, dualidade muito frequentenas cidades mediterrâneas. A cidade primitivasituava-se no cimo da colina correspondente àactual freguesia do Castelo ainda cercada pormuralhas. Neste sítio se conservaram muito tempoa sede da administração pública e a guarnição

1147 1375 1750 1800

1850 1900 1950 1990

que es tavam abandonados . Os p lanos dereestruturação e ordenamento elaborados para amargem Norte, desde Cabo Ruivo até Algés,circunscrevem as áreas que permanecem com usopor tuár io , l i be r tando ou t ras para passe io ,actividades lúdicas e para construção. Alcântara,Santa Apolónia e o Parque das Nações fazem jáparte do roteiro da noite lisboeta, enquanto a últimae Belém são também muito frequentadas duranteos dias de fim de semana.

( extraído de Barata Salgueiro (2001), Lisboa, Periferia e Centralidades, Celta, Oeiras pp. 33.)

militar. No entanto, o crescimento populacional, aimportância das actividades económicas e da vidade relação favoreceram a expansão em direcçãoao rio e a cidade pré-portuguesa já se desenvolviaamplamente pela encosta Sul tendo mesmo aí umarrabalde fora dos muros, o actual bairro deAlfama.

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Com o avanço da Idade Média a cidade continua acrescer na zona baixa, progressivamente enxuta,e em direcção às colinas onde igrejas e conventosconstituíam núcleos autónomos de povoamento. Oaumento considerável da área urbana levará D.Fernando, em meados do séc. XIV, a dotar a cidadede uma nova cerca, dita Fernandina, que todaviaenglobava importante tractos rústicos. A cidade temuma forma grosseiramente rectangular alongadano sent ido do r io e acusa a impor tânc ia daexpansão para ocidente. Nos finais do século XIXesta direcção tradicional de crescimento seráabandonada em favor da expansão para Norte.Com efe i to, no ú l t imo quarte l desse século,lançam-se os alicerces da moderna aglomeraçãonum processo de expansão realizado em váriasetapas e desencadeado pela abertura das avenidasda Liberdade (1879-1886) e Almirante Reis (1898).O traçado destas avenidas segue os dois valesprincipais que convergem na Baixa, duplicando osvelhos caminhos rurais de entrada na cidade porterra, a inda parc ia lmente conservados; e lesconduzem as novas urbanizações do f inal deoitocentos e, setenta anos mais tarde, por aquiveremos migrar as actividades terciárias tambémelas à procura de novos espaços de expansão.

Num segundo período consolida-se a ocupação dop lana l to das Aven idas Novas com t raçadosortogonais. Entretanto, a trama viária e a vida daurbe adaptam-se à nova divisão social do trabalhoe à nova es t ru tu ra de c lasses soc ia is :paralelamente aos bairros burgueses de avenidasde inspiração francesa, vemos surgir bairrosoperários e alojamentos para outros grupos demenor rendimento.

O crescimento das cidades é, em larga medida,determinado por migrantes provenientes de áreasrurais. No caso de Lisboa este processo acelerapart icularmente depois da segunda guerra ejustifica que a mancha construída contínua seestenda para lá dos limites administrativos da

cidade, tanto mais que na coroa desta subsistemextensões s ign i f i ca t i vas de te r renos semconstrução durante muitos anos. Alguns destesterrenos, propriedade do município ou da Igreja,serviram de suporte à proliferação de bairros debarracas nos anos 50 e 60.

Os primeiros subúrbios reflectem, na sua posiçãoe forma, o transporte que lhes esteve na origem.O eléctrico e os primeiros autocarros para aspr inc ipa is por tas da c idade exp l i cam odesenvolvimento precoce de núcleos de portacomo são Algés, Venda Nova, Moscavide. Ocomboio levou a um crescimento suburbano radialcom os núcleos formados em torno das estaçõesa sucederem-se ao longo das linhas, na margemnorte do Tejo onde se consolida um eixo industrialque acompanha o rio e a linha férrea. Tal como ossubúrbios de ‘porta’, na margem sul crescemnúcleos em torno dos cais fluviais que asseguramas ligações mais rápidas com Lisboa (Cacilhas,Trafaria, Barreiro, Seixal) e desenvolvem-se pólosde indúst r ias, também eles dependentes dotransporte aquático (Seixal, Barreiro, Montijo) e dalinha férrea. Setúbal, cidade portuária e industrial,manteve-se longamente autónoma, ta l comoSesimbra onde a actividade piscatória e o veraneiose destacam. O desenvolvimento dos transportesrodoviários irá depois propiciar a l igação dosnúcleos suburbanos da Outra Banda e estender aurban ização em mancha de ó leo , de fo rmaextensiva, para sul, integrando toda a penínsulade Setúbal na área metropolitana.

A menor acessibilidade da margem sul, uma vez quea travessia do Tejo implica no mínimo o recurso adois meios de transporte, explica o crescimento maistardio da urbanização nesta margem que registouverdadeiras explosões demográficas depois de1966, ano de inauguração da Ponte, hoje 25 de Abril(quadro 1).

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Alterações recentes nas acessibilidades, com aconstrução de vias rápidas, ponte Vasco da Gama,comboio na ponte 25 de Abril e outras, traduziram-se no alongamento do território sobre o qual incideo processo de metropol ização, aproximandoSetúba l e L isboa , c r iando uma rea l idademet ropo l i tana a caminho do po l i cen t r i smo,faci l i tando a maior dispersão do povoamentoperiférico, a expansão das residências secundáriase a d ivers idade da ocupação dos terr i tór iosperiurbanos.

Assim, na Península de Setúbal cuja variaçãopopulacional no úl t imo decénio foi de 11,6%destacam-se com taxas de variação superiores a20% os concelhos de Alcochete, Sesimbra, Seixal

Quadro 1 – Variação da população residente, 1950-2001

População Residen te

Concelho 2001 1950 - 60 1960 - 81 1981 - 91 1991 - 2001

Grand e Lisboa 1 892 891 15,3 57,3 -0,9 3,1 Lisboa 564 657 2,4 0,7 -17,9 -14,9 Amadora 175 872 ... ... 10,9 -3,2 Cascais 170 683 41,4 137,4 8,3 11,3 Loures 199 061 102,5 170,7 16,5 3,6 Odivelas 133 846 ... ... ... 2,9 Oeiras 162 124 77,0 58,4 1,4 7,1 Sintra 363 740 32,3 183,2 15,3 39,4 VFXira 122 908 24,1 117,3 17,4 18,7

Península de Setúbal 714 589 23,7 100,6 9,6 11,6 Alcochete 13 010 17,9 21,3 -9,6 27,9 Almada 160 826 62,2 108,1 2,8 6,0 Bar reiro 79 011 18,1 151,0 -2,6 -7,9 Moita 67 446 49,6 82,9 22,3 3,6 Montijo 39 168 16,7 22,0 -2,2 8,7 Palmela 53 352 0,7 59,5 18,8 21,6 Seixal 150 272 28,4 335,6 31,1 28,5 Sesimbra 37 567 12,6 37,2 17,9 37,9 Setúbal 113 937 2,4 74,6 5,4 9,9

Variação da População (%)

Fonte: INE

e Palmela, sendo que todos reflectem as melhoriasde acessibilidade aportadas com a construção daponte Vasco da Gama e a passagem do comboiona ponte 25 de Abri l . Já Palmela e Sesimbrarevelam também os efeitos do crescimento doemprego em articulação com a instalação da Auto-Europa no primeiro. Na Grande Lisboa, Sintra é oconcelho que regista maior taxa de crescimentopopu lac iona l (39 .3%) . No ex te r io r, Maf ra eBenavente, respectivamente com 24 e 26% devariação populacional, e mesmo Sobral de MonteAgraço, com 23%, não obstante o seu menor pesodemográfico, evidenciam já o alastramento damancha periurbana.

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3. Morfologia

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Lisboa é uma cidade heterogénea do ponto de vistamorfológico onde se encontram diversos tipos detraçados que traduzem o modo e a época em quese construíram. De uma forma breve, podemosdestacar:

O núcleo antigo . Corresponde à parte mais velhada c idade, A l fama, co l ina do Cas te lo e ,parcialmente, às freguesias da Graça e Santanaque apresentam malhas relativamente irregulares.

Figura 2 – Pormenor da estrutura irregular junto do Castelo

Fontes: Ortofocartografia de base - IPCC, série 1:10 000, 1998 e INE, BGRI, 2001

Na sua explicação combinam-se a antiguidade daocupação, a influência muçulmana e a topografiade encosta. Os bairros da colina do Castelo têmvindo a ser alvo de operações de reabilitação dosimóveis coordenadas por gabinetes técnicos locaise alguma nobilitação (gentrification) de carácterpontual sem uma política activa de conjunto nemqualquer integração com outro tipo de medidas deintervenção urbana.

Santiago

Castelo

São Miguel

20 0 20 M

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Malhas ortogonais. São fruto de urbanizaçõesplaneadas, com tramas diferentes consoante aépoca em que foram edificadas. No século XVI, apoente da cidade de então, construiu-se o BairroAlto, a primeira urbanização de traçado regular nacidade que veria crescer significativamente a alturados edifícios com o processo de densificação dosséculos seguintes.

Na segunda metade do século XVIII a reconstruçãoda par te ba ixa da c idade, na sequênc ia dote r ramoto , adop ta r ia uma ma lha o r togona lhierárquica alongada no sent ido Norte-Sul erematada por praças quadrangulares. A praçamonumental dedicada aos comerciantes, tinha a

○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○

Figura 3 – Malha ortogonal da Baixa Pombalina

Fontes: Ortofocartografia de base - IPCC, série 1:10 000, 1998 e INE, BGRI, 2001

figura equestre do rei como centro e abria-se aorio funcionando como verdadeira sala de visitas dacidade, para os viajantes chegados pelo mar. NoNorte a malha nova terminava em duas praças, dasquais uma viria a acolher o mercado central (Praçada F igue i ra ) , enquanto a ou t ra serv ia deantecâmara ao Passeio Público. A destruição destejardim, um pouco mais de cem anos depois,permitiu a abertura da Avenida da Liberdade comos traçados ortogonais adjacentes a que se seguiuo extenso plano das Avenidas Novas, verdadeirop lano de expansão o i tocent is ta , supor te docrescimento burguês da cidade e dos negóciosimobiliários até aos anos 40 do século XX.

São Nicolau

Santa Justa

Mártires

Madalena

Sacramento

São Cristovão

40 0 40 M

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Figura 4 – Traçado Ortogonal do Alto de Santo Amaro (Freguesia de Alcântara)

2 O princípio de Radburn consagra a separação entre peões e automóveis. As vias principais encontram-se na periferia das unidadesresidenciais penetradas por vias de distribuição e culs de sac ao serviço dos residentes. Foi aplicado no plano de uma cidade nova comesse nome em New Jersey em 1928. Este plano usa também o conceito de unidade de vizinhança definida pela população que justifica aexistência de uma escola primária (cerca de 5000 habitantes) a qual ocupava o centro da comunidade em articulação com outrosequipamentos.

No final do século XIX, bem como na primeira metade do século XX, há outros exemplos, mais localizadose menos centrais, de urbanizações de traçados ortogonais (Campo de Ourique, Estefânia, Alto de SantoAmaro, Bairro das Colónias).

Fontes: Ortofocartografia de base - IPCC, série 1:10 000, 1998 e INE, BGRI, 2001

Malha ainda ortogonal mas revelando já inspiração na unidade de vizinhança e separação de tráfegossegundo os princípios de Radburn2 encontra-se na urbanização de Alvalade (1945).

30 0 30 M

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Avenida Estados Unidos da América

Alvalade

São João de Brito

20 0 20 M

Figura 5 – Pormenor da Avenida Estados Unidos da América

Fontes: Ortofocartografia de base - IPCC, série 1:10 000, 1998 e INE, BGRI, 2001

Os núcleos suburbanos. Apresentam diversasmalhas e tipologias que revelam igualmente aépoca de implantação, predominando edificaçõesdos últimos 30 ou 40 anos. A periferia é marcadape la d ive rs idade da ocupação. Hab i taçõespermanentes de citadinos, no geral em imóveisplur i famil iares, sobrepõem-se às dos ant igoslugares e m is tu ram-se com res idênc iassecundárias, mais frequentes junto das praias ouno campo saloio, recorrendo a tipologias mono ou

plurifamiliares. Os principais núcleos de veraneiona região metropolitana (Costa do Estoril, Costada Caparica, Sesimbra) mantiveram até tarde umaoferta de habitação em moradias unifamiliares, masa pressão demográfica posterior a 1960 justificaque, mesmo nestes lugares, tenham aparecido osgrandes edifícios em altura, progressivamentetransformados em residências permanentes.

Urbanismo Moderno. Os traçados resultantes dos princípios da carta de Atenas e do urbanismo modernotiveram uma aplicação tardia. A ruptura com o conceito de rua-corredor aparece no Bairro das Estacas de1948, na Avenida dos Estados Unidos da América (1953) e na Avenida Infante Santo, mas aquelas ideiassó vão desenvolver-se plenamente no plano dos Olivais (1958/60), e mesmo no de Chelas (1962/66), aque se seguirá, já com outra concepção, Telheiras (1973/75), correspondendo à ocupação da coroa maisperiférica da cidade - administrativa.

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Figura 6 – Aglomeração do Cacém e os eixos estruturantes de expansão suburbana (freguesia de Agualva-Cacém)

Fontes: Ortofocartografia de base - IPCC, série 1:10 000, 1998 e INE, BGRI, 2001

As décadas de 60 e 70 viram ainda multiplicar-sena peri fer ia urbana bairros e loteamentos degénese i lega l para hab i tação . Tra ta -se deparcelamentos de terrenos rústicos sem licença deloteamento nem de urbanização camarária que nãopossuíam infraestruturas de saneamento e foram,por isso, vendidos a preços muito inferiores aosdo mercado legal e onde se constróem, à reveliada fiscalização, habitações. Estes bairros, muitasvezes ma l s i tuados e sem cond ições dehabi tabi l idade, são a única possib i l idade de

alojamento para parte significativa da populaçãotrabalhadora numa época em que o mercadohabitacional era altamente especulativo. De facto,o êxodo rural e a reestruturação da cidade centrogarantiam o crescimento constante da procura e,como o investimento público na habitação erainsignificante, o mercado ficou entregue à iniciativaprivada e tornou-se fortemente especulativo. Nasegunda metade dos anos 70, este processointensif ica-se, bal izado por um quadro sócio-político complexo, e o seu âmbito alarga-se às

IC - 19

CP

-Lin

ha

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Sin

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50 0 50 M

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Quadro 2 – Variação do número de famílias e alojamentos,1991-2001

residências secundárias nalguns trechos do litoral,mesmo fora da área metropolitana de Lisboa.Adquirem entretanto novos significados porque aconstrução clandest ina deixa de ser a únicaresposta possível à necessidade de alojamento,para muitas famílias. Constrói-se sem licençatambém para ter casa de fim de semana, paraescapar à burocracia da administração pública epara procurar a tipologia unifamiliar praticamenteinexistente no mercado legal, excepto no segmentode luxo. Muitos dos bairros cuja localização eraaceitável do ponto de vista urbanístico sofreramum processo de requalificação e legalização nosanos seguintes.

É também na segunda metade dos anos 60 que secomeça a divulgar na região de Lisboa a co-propriedade e a aquisição de apartamentos parares idênc ia própr ia ou para inves t imento depequenas poupanças . A pers is tênc ia docongelamento dos alugueres numa época comaltas taxas de inflação quase fará desaparecer nosanos seguintes o mercado de arrendamentohabitacional.

A cons t rução é uma impor tan te ac t i v idadeeconómica no país que tem recebido recentementefortes investimentos, quer no segmento comercial,quer no residencial, pelo que se vem assistindoao aumento do número de alojamentos e dad ivers idade das t ipo log ias o fe rec idas . Ocrescimento da oferta de novos fogos significa paramuitas famílias a possibil idade de melhorar aqualidade do alojamento, abandonando casasvelhas e sem condições, enquanto para outrasrepresenta a oportunidade de acesso a uma casade fim de semana. De facto, a variação do númerode alojamentos só é superior à do número defamí l ias na par te ma is in te rna da á reametropolitana (onde crescem os fogos devolutose os alojamentos são substituídos por serviços) e

ConcelhoVariação deFamílias (%)

Variação de Alojamentos (%)

Grande Lisboa 14,0 17,6 Lisboa -4,3 5,0 Amadora 8,4 12,4 Cascais 22,9 24,8 Loures 14,5 14,6 Odivelas 15,4 14,7 Oeiras 20,4 17,0 Sintra 52,7 46,4 Vila Franca de Xira 31,5 29,4

Península de Setúbal 23,6 26,4 Alcochete 41,8 38,7 Almada 19,1 25,0 Barreiro 3,1 10,7 Moita 13,6 15,7 Montijo 19,1 21,1 Palmela 30,5 34,7 Seixal 42,8 37,1 Sesimbra 48,5 35,4 Setúbal 23,0 28,1

em Palmela onde as residências sazonais se têmmultiplicado (Quadro 2). No entanto, a disparidadeentre o aumento da construção de fogos e o daformação de novas famílias nos anos 90 pareceul t rapassar as necessidades do mercado doalojamento e ser indício de que a habitação está afuncionar como investimento para poupanças quenão encontram alternativas seguras nos mercados.

Fonte: INE

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4. Ocupação funcional

A es t ru tu ra func iona l acompanhou ast rans fo rmações da met rópo le to rnando-seprogressivamente mais complexa.

Comércio e serviços: da Baixa às novascentralidades

O centro terciário de comércio e serviços ocupahá muito a Baixa. Começou nos anos 60 a migrarpara Norte pela avenida da Liberdade (serviços) epela Almirante Reis (comércio especializado) paradepois de meados dos anos 70 se fixar na zonadas Avenidas Novas que sofreram uma profundaalteração morfo-funcional com a substituição dosimóveis habitacionais por edifícios de escritórios.Mesmo edifícios classificados pela sua qualidadearquitectónica foram substituídos e as moradiasluxuosas do princípio do século deram origem amodernos e muitas vezes incaracterísticos prédiosde escritórios acompanhados, com frequência, porcomércio e alguns restaurantes. A zona do Marquêsde Pombal - Avenidas Novas é hoje um verdadeirobairro de negócios central onde se encontra amaior concentração de serviços às empresas.

Entretanto, a Baixa perdeu funções e atractividadedeixando de ser o centro da região urbana, paraser apenas um centro . Parte da administraçãopública do país e do município mantém-se nasPraças do Comércio - Município mas a sede dogoverno e muitos ministérios há anos que sedispersam pela cidade. De modo semelhante, omunicípio de Lisboa tem a maior parte dos serviçosfora da Baixa, em larga medida concentrados noCampo Grande.

O cen t ro f inance i ro que se pos ic ionavaimediatamente a Norte do centro administrativoestá a (re)const i tuir-se bem mais a Norte norebordo do centro terciár io das Avenidas emedifícios modernos (eixo Av. João XXI - Berna, comprolongamentos para a Av. José Malhôa e Av. dasForças Armadas onde se local iza a Bolsa deValores), não obstante a permanência de sedes eedi f íc ios de representação dos bancos maisantigos na parte meridional da Baixa.

Para a lém da conso l idação do novo cent rote rc iá r io , têm-se desenvo lv ido pó los parainstalação de empresas, quase sempre fruto deempreendimentos imobiliários vultuosos, muitasvezes de uso misto, na cidade e na periferia, a quese vem chamando de ‘novas cent ra l idades ’(Amoreiras, Olivais, Torres Lisboa, Colombo, entreou t ros na c idade , parques de esc r i tó r ios ,principalmente no concelho de Oeiras), numaaglomeração com uma estrutura complexa em quevários pólos de comércio e serviços se perfilam,competem e cooperam. A desconcentração dosserv iços às empresas para a per i fe r ia temprivi legiado o concelho de Oeiras, contíguo aLisboa e dotado de muito boa acessibilidade, sejade forma relativamente espontânea e dispersa,seja pela adesão aos modernos parques deescritórios.

A estrutura comercial também mudou. Com arevolução comercial ocorr ida depois de 1985aumentou e diversificou-se a oferta, em articulaçãocom o aparecimento das novas formas de comércio(grandes superfícies, franchising). No que respeitaao comércio de nível mais alto vem-se assistindoa uma evolução interessante do centro tradicional(Baixa - Chiado) e seus prolongamentos e aodesenvo lv imento de pó los a l te rna t i vos : umconstituído principalmente por estabelecimentoscom porta para a rua (eixo Av. Guerra Junqueiro -Av. de Roma) e outros de tipo centro comercial, de

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que são exemplo o Amore i ras na coroa dohipercentro, o Colombo e o Vasco da Gama nacoroa da cidade. Nestes pólos encontram-se osestabelecimentos comerciais de nível médio e altoe o essencial das lojas de franchising .

A Baixa-Chiado perdeu assim a hegemonia comocentro de nível mais alto de uma aglomeração quese está a tornar policêntrica mas, depois de umperíodo de forte declínio, apresenta sinais dereanimação como centro, prolongando-se maisnit idamente pela Almirante Reis e Avenida daLiberdade e apresentando maior especialização.Na Almirante Reis consolidou-se o comércio demobiliário, na avenida da Liberdade desenvolveu-se o comércio de artigos pessoais (principalmentevestuário) de luxo enquanto na Baixa - Chiado aoposição social Este-Oeste é cruzada por outrasespecializações, como seja o luxo internacional ea moda jovem.

Na área suburbana assistiu-se ao fortalecimentoe modernização do tecido comercial das áreascentrais dos lugares mais importantes que, nogeral, combinam comércio de rua com galeriascomerc ia is , e ao aparec imento de g randessuperfícies de vários tipos, no seguimento dainauguração, em 1987, do primeiro hipermercadoem Alfragide e, em 1991, de um grande centrocomerc ia l reg iona l des l igado dos tec idoshabitacionais, o CascaiShopping com 60 mil metrosquadrados de área comercial bruta.

Os serviços e equipamentos de lazer e culturaestão relativamente dispersos na cidade, passadaque foi a época das grandes salas de espectáculosconcentradas no centro. O aspecto recente maisrelevante foi o reforço moderno dos restaurantes,bares e discotecas no Bairro Alto e zona ribeirinha,bem como a oferta destas actividades nos centroscomerciais. A ocupação da margem do Tejo prende-se com a reestruturação da área portuária quelibertou espaços de armazéns para serviços e

ac t i v idades lúd icas , bem como a p ro fundareestruturação urbanística desencadeada em tornoda doca dos Olivais por causa da ExposiçãoInternacional de 1998. Deste modo, a margemnorte do Tejo sofreu uma importante requalificaçãoe oferece agora uma sucessão de terr i tór iosdiferenciados, uns vocacionados para actividadesportuárias, outros para habitação, outros paraserviços às empresas, outros ainda para f insculturais e actividades lúdicas. Para além dosrestaurantes, equipamentos como cinemas e salasde jogos tendem a surgir nos centros comerciaisde maior dimensão devido à crescente tendênciapara associar comércio e ócio nas práticas deconsumo.

Indústria: trajectos de um processo dedesindustrialização

Se o emprego terciário mostra alguns sinais dedesconcentração, na indústria esse fenómeno foima is p recoce , ass is t indo-se mesmo a umadesindustrialização que afecta principalmente onúcleo urbano e as concentrações de indústriapesada da primeira coroa suburbana. Hoje só asindústrias de artes gráficas e edição de publicaçõese as al imentares mantêm uma representaçãoexpressiva na cidade.

Para a lém de ou t ras loca l i zações menosconcentradas, Lisboa possuía duas importanteszonas industriais caracterizadas pela presença deindústrias pesadas que ofereciam grandes volumesde emprego, o eixo de Vila Franca de Xira e aPenínsula de Setúbal. O primeiro começava aindana cidade com a refinaria e a petroquímica eprolongava-se até àquela sede concelhia atravésda p resença das indús t r ias de c imentos ,alimentares e químicas. Na Península de Setúbald is t ingu iam-se duas á reas : a da c idade ,

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tradicionalmente alicerçada nas conservas depeixe e depois reanimada com a metalomecânicae a construção naval; a da margem esquerda doTejo (Almada, Seixal, Barreiro, Montijo) onde, a pardas conservas de carne e da cortiça, cresceramas indústrias químicas, siderúrgicas, de construçãoe reparação naval num complexo moderno comcaracterísticas da organização dita fordista. Asbases desta estrutura foram questionadas nadécada de 70, a construção naval foi desmanteladae a Península de Setúbal conheceu uma gravecrise, seguida por uma reestruturação em que oempenhamento público foi decisivo. A instalaçãoda Auto -Europa em Pa lme la com grandecapac idade de gera r empregos d i rec tos eindirectos coroa esse esforço e é o símbolo da novaimagem industrial, enquanto os territórios próximosdos nós da auto-estrada do sul viram cresceractividades de distr ibuição e armazenagem ealgumas indústrias de pequena e média dimensão.

Nos anos 80 a região de Lisboa perdeu entre 30 a50 mil empregos na indústria transformadora e nosanos 90 continuou a registar-se quebra no empregoindustrial. Apenas Sintra e Palmela ganharamemprego nesse sector de actividade.

Habitação: um mosaico complexo

A habitação na Grande Lisboa apresenta ummosaico muito fino de realidades desde os prédiosve lhos e degradados do cent ro h is tór ico àshabitações de luxo, passando pelas barracas, ondemal cabe uma família, e pela grande diversidadedos apar tamentos num mercado fo r tementesegmentado.

O fo r te c resc imento demográ f i co da á reamet ropo l i tana , a ausênc ia de uma po l í t i cahabitacional e bloqueios institucionais contribuírampara diversos estrangulamentos no mercadohabitacional, dominado até aos anos 70 pelainiciativa privada e pelo mercado de aluguer. Asituação mudou muito desde então com a maiorintervenção pública e o aumento da diversidadede medidas como incentivos à aquisição de casaprópria, infraestruturação de diversos bairros,lega l i zação de cons t ruções c landes t inas ,reab i l i t ação de hab i tações degradadas ,realojamento de habitantes de barracas, entreoutros.

Se a área met ropo l i tana começa a reg is ta rincrementos demográficos menores isso não setraduz ainda em diminuição da procura devido ànecessidade de substituição de muitos alojamentose às novas tendências na estrutura familiar. Nosalojamentos que oferecem piores condições tem-se processado uma substituição de residentes commuitos africanos e outros estrangeiros a ocupar olugar deixado vago por aqueles que entretantot iveram acesso a melhores condições, o quetambém contr ibui para alterar a geografia dapobreza, nos últimos anos.

As s i tuações de exc lusão têm aumentadodramaticamente e, tal como noutros países, nãose limitam às condições de alojamento, pois andamassociadas ao aumento da taxa de desemprego eda precarização do trabalho, ao envelhecimento dapopulação, sendo particularmente vulneráveis osidosos com pensões muito baixas, bem como aocrescimento da toxicodependência.

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5. Notas finais sobre a realidademetropolitana

A área metropolitana cresceu no essencial deforma não planeada. Em parte por ausência deplanos, mas principalmente pela falta de vontadepolítica. Durante muito tempo não houve assunçãode uma polí t ica urbaníst ica art iculada com odesenvolvimento económico e sectorialmentecoordenada, pelo que se remeteram os planos ameros inst rumentos técnicos. Esta omissão,combinada com a pouca exigência em termos dequalidade, explica os inúmeros problemas com quese debate a região e que vão desde a localizaçãodas grandes inf raestruturas e equipamentos(aeroporto, ponte, zonas industr iais, grandessuperfícies comerciais) às condições de alojamentoe t ranspor tes , à má qua l idade do espaçoconstruído e dos espaços livres convergindo embaixos n íve is de qua l idade de v ida e ba ixaren tab i l i dade de a lguns inves t imentos . Aacumulação de problemas torna a gestão doterritório metropolitano uma pesada herança.

Nas duas últimas décadas a transformação tems ido no táve l pe la cons t rução de v ias , deestacionamentos, de parques e jardins, pelaintrodução ou ampl iação de zonas pedonais,reab i l i tação de ed i f íc ios degradados com amanutenção do tecido social, em paralelo com aoferta de fogos de alto padrão em edifícios novosou renovados para gentrifiers 3, quer na cidade,quer na periferia. O investimento mais notório foinas in f raes t ru tu ras v iá r ias que a l te ra ramradicalmente o padrão de acessibilidades dentroda região e as l igações com o exterior, tendopropiciado a abertura de novas frentes urbanísticase os conges t ionamentos , porque ,simultaneamente, o aumento da uti l ização doautomóvel cresceu exponencialmente4. Cresceumuito a construção quer de alojamentos, quer deedif íc ios de escr i tór ios e comércio. Mudou a

paisagem construída e também a organizaçãosocial do território que é hoje mais complexa ediversificada. Formaram-se novas centralidades,áreas de atracção pelo emprego e pelos serviçosque prestam, diversificou-se a oferta habitacional,quer na forma quer na localização das váriasestruturas, e com isso, assistiu-se ao aumento dafragmentação no uso do território. A implantaçãode estruturas dissonantes pela forma, ocupação,nível social, nos tecidos pré-existentes favorece acontiguidade sem continuidade. A apropriação dacidade não é mais limitada pela distância e feitade forma contínua, mas pessoas e actividadesusam select ivamente alguns terr i tór ios numaestrutura descontínua próxima da das redes.

A necessidade de af irmação internacional dacidade não tem sido esquecida e depois de Lisboacapital europeia da Cultura em 1994, realizou-sea Exposição Internacional de 1998 e prepara-se jáo Campeonato do Mundo de Futebol de 2004. Paraalém da organização de eventos, alguns dos quaistêm d inamizado te r r i tó r ios decadentes ,subutilizados e ocupados por usos relativamenteobso le tos , a reg ião equ ipou-se com a lgunsedifícios de autor.

Aumentou o tur ismo, a l teraram-se os f luxosimigratórios e com isso aumentou a diversidadecultural da metrópole. Lisboa tornou-se de novocosmopolita, acolhe comunidades diferenciadas,viu aumentar a sua diversidade cultural.

Para terminar, podemos dizer que Lisboa é hojeuma cidade multifacetada em termos sociais eurbanísticos o que representa alargado leque deconstrangimentos e oportunidades. A cidade possuiuma história longa inscrita no território o queacarreta algumas dificuldades à civil ização doautomóvel (desde as características topográficas

3 Pessoas com rendimentos médio-altos que, valorizando a centralidade, optam por residências renovadas em bairros antigos ocupadospor populares devido ao progressivo envelhecimento e degradação das construções.4 O número de automóveis matriculados no país passou de 673 866 em 1970 para 6 088 529 em 1998.

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do sítio às malhas com ruas apertadas, passandopela antiguidade de muitos conjuntos edificados),mas contribui também para a identidade urbana epara a sua r iqueza patr imonial , sendo assimmanancial de oportunidades a explorar em termosde turismo.

Lisboa cresceu em larga medida à custa de gentev inda de fo ra num processo que rad ica naimportância da função comercial e portuária e nofacto de ser desde há muito capital. Urge agorainvestir na melhoria das condições ambientais ena qual i f icação dos recursos humanos para

recuperar a qualidade de vida que o crescimentodesordenado do último meio século fez perder epara aumentar a atractividade da cidade. De facto,a capacidade de vencer os desafios colocados àscidades pela globalização está muito ligada com asua habilidade em atrair investimentos, visitantes,residentes o que passa pela valor ização dosrecursos humanos e do quadro de vida, tanto comopelas sinergias retiradas das ligações externas.