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IV JOIC - 04 e 05 de novembro de 2008 Jornada de Iniciação Científica da FUNDAJ NEGRITUDE E AFRICANIDADE: IDENTIDADE NEGRA E CANDOMBLÉ NAS POLÍTICAS PÚBLICAS NA BAHIA Juliane de Lima Barros 1 ; Ronaldo Laurentino Sales Júnior 2 1 Estudante do Curso de Bacharelado em Direito – FIR/ bolsista PIBIC/ Cnpq/ Fundaj; E-mail: [email protected] , 2 Pesquisador visitante da Coordenação de Estudos Sociais e Culturais – DIPES – Fundaj; E-mail: [email protected] Sumário: Negritude e africanidade são dois conceitos relacionados à identidade negra. Enquanto a negritude está ligada a uma origem biológica e à tomada de consciência sobre a identidade negra, a africanidade está ligada a uma ancestralidade do ponto de vista cultural. Do ponto de vista territorial o estado da Bahia sempre teve um importante papel na construção da África no Brasil (SANSONE, 2002). O trabalho lança um olhar sobre a atuação coletiva dos atores religiosos do candomblé da Bahia em termos políticos e culturais, entre as fronteiras da política e da cultura, indagando sobre os vínculos entre a reconfiguração do campo religioso, a experiência identitária do movimento religioso afro-brasileiro, os valores e práticas políticas em torno da formação de uma agenda pública negra, através das ações afirmativas. Palavras–chave: candomblé; identidade negra; movimentos sociais; políticas públicas INTRODUÇÃO Este trabalho apresenta os resultados da pesquisa sobre identidade negra e candomblé nas políticas públicas da cidade de Salvador no Estado da Bahia, procurando conhecer quem são os atores religiosos que entraram na esfera política da cidade de Salvador e analisar como se dão as relações desses atores em torno de uma esfera política em busca das ações afirmativas para o povo-de-santo, ou seja, pessoas iniciadas no candomblé, umbanda ou jurema. Os atores religiosos foram abordados em, pelo menos, três aspectos: a) como elemento do discurso identitário dos movimentos sociais negros na formação da agenda pública brasileira; b) como sujeitos políticos autônomos envolvidos na formação da agenda pública; c) como conteúdo ou objeto das políticas públicas. Dessa forma procurou-se discutir histórica e socialmente as categorias “Negritude e africanidade” e sua relação com a formação da identidade negra no Brasil através dos conceitos propostos por Kabenguele Munanga (2004), Ronaldo Sales Júnior (2007) e Lívio Sansone (2002). Os referidos termos são utilizados pelos movimentos sociais para valorizar as pessoas que assumem “conscientemente” a “raça negra”, buscando identificação e a relação com sua ancestralidade. Para muitos militantes negros, a utilização de termos sagrados no dia-dia é uma maneira de agregar valores religiosos aos sociais, como acontece com o uso da palavra “axé”. Dentro do candomblé, a palavra significa força ou energia vital, mas, ao ser apropriada pelos movimentos sociais negros, passa a ser utilizada para desejar coisas boas ou na intenção de que o desejo do outro se realize (SALES JÚNIOR, 2007). “negritude” e “africanidade” constituem as identidades coletivas através da ancestralidade relacionada com a questão da identidade negra, porém enquanto a “negritude” está vinculada à origem biológica e à tomada de consciência sobre essa identidade negra, a africanidade está ligada a uma “ancestralidade” do ponto de vista cultural. Esta distinção, contudo, não é tão clara, estando carregada de ambigüidade; apesar de distintos, tais termos às vezes se confundem ou são intercambiáveis. A última década do século XIX foi o período em que alguns líderes espirituais começaram a estabelecer contatos com a África, se beneficiando do contínuo fluxo de contatos que unia a Bahia e a África Ocidental durante e depois do tráfico negreiro. Naquelas décadas, o culto aos orixás tornou-se um sistema religioso mais complexo e sofisticado

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NEGRITUDE E AFRICANIDADE: IDENTIDADE NEGRA E CANDOMBLÉ NAS POLÍTICAS PÚBLICAS NA BAHIA

Juliane de Lima Barros1 ; Ronaldo Laurentino Sales Júnior2

1Estudante do Curso de Bacharelado em Direito – FIR/ bolsista PIBIC/ Cnpq/ Fundaj; E-mail: [email protected], 2 Pesquisador visitante da Coordenação de Estudos Sociais e Culturais – DIPES –

Fundaj; E-mail: [email protected]

Sumário: Negritude e africanidade são dois conceitos relacionados à identidade negra. Enquanto a negritude está ligada a uma origem biológica e à tomada de consciência sobre a identidade negra, a africanidade está ligada a uma ancestralidade do ponto de vista cultural. Do ponto de vista territorial o estado da Bahia sempre teve um importante papel na construção da África no Brasil (SANSONE, 2002). O trabalho lança um olhar sobre a atuação coletiva dos atores religiosos do candomblé da Bahia em termos políticos e culturais, entre as fronteiras da política e da cultura, indagando sobre os vínculos entre a reconfiguração do campo religioso, a experiência identitária do movimento religioso afro-brasileiro, os valores e práticas políticas em torno da formação de uma agenda pública negra, através das ações afirmativas. Palavras–chave: candomblé; identidade negra; movimentos sociais; políticas públicas

INTRODUÇÃO Este trabalho apresenta os resultados da pesquisa sobre identidade negra e candomblé nas políticas públicas da cidade de Salvador no Estado da Bahia, procurando conhecer quem são os atores religiosos que entraram na esfera política da cidade de Salvador e analisar como se dão as relações desses atores em torno de uma esfera política em busca das ações afirmativas para o povo-de-santo, ou seja, pessoas iniciadas no candomblé, umbanda ou jurema. Os atores religiosos foram abordados em, pelo menos, três aspectos: a) como elemento do discurso identitário dos movimentos sociais negros na formação da agenda pública brasileira; b) como sujeitos políticos autônomos envolvidos na formação da agenda pública; c) como conteúdo ou objeto das políticas públicas. Dessa forma procurou-se discutir histórica e socialmente as categorias “Negritude e africanidade” e sua relação com a formação da identidade negra no Brasil através dos conceitos propostos por Kabenguele Munanga (2004), Ronaldo Sales Júnior (2007) e Lívio Sansone (2002). Os referidos termos são utilizados pelos movimentos sociais para valorizar as pessoas que assumem “conscientemente” a “raça negra”, buscando identificação e a relação com sua ancestralidade. Para muitos militantes negros, a utilização de termos sagrados no dia-dia é uma maneira de agregar valores religiosos aos sociais, como acontece com o uso da palavra “axé”. Dentro do candomblé, a palavra significa força ou energia vital, mas, ao ser apropriada pelos movimentos sociais negros, passa a ser utilizada para desejar coisas boas ou na intenção de que o desejo do outro se realize (SALES JÚNIOR, 2007). “negritude” e “africanidade” constituem as identidades coletivas através da ancestralidade relacionada com a questão da identidade negra, porém enquanto a “negritude” está vinculada à origem biológica e à tomada de consciência sobre essa identidade negra, a africanidade está ligada a uma “ancestralidade” do ponto de vista cultural. Esta distinção, contudo, não é tão clara, estando carregada de ambigüidade; apesar de distintos, tais termos às vezes se confundem ou são intercambiáveis. A última década do século XIX foi o período em que alguns líderes espirituais começaram a estabelecer contatos com a África, se beneficiando do contínuo fluxo de contatos que unia a Bahia e a África Ocidental durante e depois do tráfico negreiro. Naquelas décadas, o culto aos orixás tornou-se um sistema religioso mais complexo e sofisticado

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(SANSONE, 2002). Uma contribuição chave neste sentido veio da cultura iorubá, embora outras culturas africanas também fossem importantes. Dessa forma, quanto mais próximo se é da tradição e do modo de vida africanos mais forte sua identidade negra. Essa referência vai ser de grande importância para buscar a pureza nas religiões de matriz africana. Assim, quanto mais próximo da África, maior sua africanidade, ou seja, sua ligação com a ancestralidade. Esse processo firmou a incorporação de certos aspectos da cultura negra na imagem nacional, comercializando e trazendo com ela o que o autor chama de “reafricanização da cultura afro-brasileira”(MUNANGA, 2004).

MATERIAIS E MÉTODOS A pesquisa foi realizada a partir de dados secundários produzidos pela prefeitura da cidade de Salvador e entrevistas realizadas pela equipe. Nesse caso, apenas as ações dos movimentos sociais negros da cidade de Salvador na Bahia foram coletadas mediante a amplitude deste Estado. O primeiro momento da pesquisa foi dedicado ao levantamento bibliográfico e documental (passado e contemporâneo), com o objetivo de contar o papel histórico das religiões de matriz africana na constituição dos movimentos sociais negros. Teve-se ainda o cuidado de levantar os documentos produzidos na elaboração recente de políticas públicas afirmativas das Conferências de Promoção da Igualdade Racial, e da Secretaria de Promoção da Igualdade Racial. O segundo momento foi dedicado a participação em reuniões de discussão da bibliografia levantada e planejamento da pesquisa (instrumentos de pesquisa, espaços a serem pesquisados e elaboração de relatórios). O terceiro momento foi a realização de entrevistas com militantes, religiosos e lideranças religiosas ou políticas para em seguida concluirmos a última etapa da nossa pesquisa, a análise dos discursos, atentando para como as categorias “africanidade” e “negritude” articuladas nos diversos discursos políticos levantados para compreendermos qual o papel da religião nesta articulação.

RESULTADOS Muitas demandas do movimento foram ouvidas e concretizadas. Em relação às políticas implementadas temos: 1 - Criação da Secretaria Municipal da Reparação: Criada em 18 de abril de 2003; 2 – programa de saúde da população negra: a maior parte das ações desenvolvidas nessa área são realizadas durante o carnaval, através do programa Observatório da violência que fiscaliza as ações implementadas pela Secretaria de saúde, que são: introdução do quesito raça/cor nas fichas médicas dos postos de saúde;capacitação dos profissionais para preenchimento corretos das fichas; oficinas com policiais militares;reunião com a associação de donos de trios elétricos para a valorização do trabalhador cordeiro (trabalhador que segura a corda de isolamento dos blocos de carnaval); desenvolvimento de ações de saúde nos terreiros como feiras e oficinas; articulação do distrito com os movimentos sociais e terreiros para a participação do povo-de-santo nas pré-conferências e conferências municipais; 3 - Conferência de promoção da Igualdade Racial: Para discutir suas necessidades e as políticas que serão implementadas pelo governo; 4 - Mês da Consciência negra: no dia 20 de Novembro é celebrando o dia Nacional da consciência negra, durante todo o mês de novembro os órgãos públicos e, os movimentos sociais negros realizam eventos e atividades referentes a cultura afro-brasileira com o intuito de valorizar a luta contra o racismo; 5 - Projeto de mapeamento dos terreiros de Salvador: que visou a regulamentação fundiária dos terreiros de candomblé cujo objetivo foi estabelecer uma política de preservação, revitalização ambiental, cultural e religiosa através de um censo que identificou as casas de candomblé da capital baiana; 6 - Caminhada do povo-de-santo contra a intolerância religiosa, organizada pelo Coletivo de Entidades Negras (CNE), realizadas nos anos de 2005, 2006 e 2007 contou com cerca de 5 mil pessoas no primeiro ano de sua realização e vem aumentando seu público à cada ano.

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DISCUSSÃO Sob os aspectos históricos e sociais descritos sobre as duas categorias discutidas, “negritude” e “africanidade”, consideramos tratar-se de heranças materiais, construções sociais e articulações que emanam de forças diferentes. Dessa forma não existe uma africanidade pura. Essa relação não é algo dado mais uma construção social e política (SALES JÚNIOR, 2007). Ao assumir esse discurso, o movimento termina por excluir ou subordinar do processo político membros pertencentes a outras religiões consideradas “impuras” por terem passado por processos de sincretização, como a umbanda, que utiliza elementos da religião católica e a Jurema que trabalha com entidades indígenas, como os caboclos. Com o surgimento do neo-pentencostalismo, os ataques que antes vianham das igrejas evangélicas e católicas aumentaram e o “povo-de-santo” buscou seus direitos garantidos pela constituição federal. Com o apoio dos movimentos, sociais os adeptos do candomblé procuraram buscar maneiras de superar a intolerância religiosa, junto aos movimentos sociais e as organizações não-governamentais neste processo. As ações afirmativas, enquanto políticas compensatórias adotadas para aliviar e remediar as condiçoes resultantes de um passado discriminatório, cumprem uma finalidade pública decisiva para o projeto democrático, que é de assegurar a diversidade e a pluralidade social como as políticas de identidade (SALES JÚNIOR, 2007). Foram utilizados os conceitos de políticas de ações afirmativas considerando como um instrumento de inclusão social. Tratando-se, contudo, de ações de defesa à favor dos grupos vulneráveis, como as minorias étnicas, raciais, e as mulheres, dentre outros grupos, respeitando direitos humanos fundamentais propostos pela constituição federal (SALES, 2005). Como é o caso de muitos adeptos e filhos de santo de candomblé que, ao perceberem a necessidade da população negra, sobretudo a população de candomblé, que atuam na formação de uma agenda pública negra contra o racismo representado na intolerância religiosa sofrida pelos adeptos do candomblé e na busca pela igualdade de direitos e de oportunidades para a população negra no Brasil.

CONCLUSÕES

O movimento de negritude foi aos poucos mudando seu sentido. Com o tempo o sentido da palavra especificou demais a raça negra em detrimento das outras e a preeminência dada ao conceito de raça em detrimento da classe social. O grande problema dos negros do mundo está atrelado à sua condição de oprimido devido a uma ordem social injusta e não a sua cor de pele. O desvio do movimento de negritude está atrelado ao sentido de valorização da cor ao invés da de classe, quando se deveria estruturar congregando os interesses sociais dos negros reafirmando os “valores negros” de todo mundo associado aos ideais políticos. Faz-se importante o sentimento de pertença do negro em nosso país, em torno de uma identidade negra, sem excluir o fato de também ser brasileiro. As políticas públicas a serem desenvolvidas pelos diferentes níveis de governo brasileiro devem se pautar pelos fundamentos constitucionais de forma soberana e cidadã, respeitando a dignidade da pessoa humana e os valores sociais, a fim de alcançar os objetivos previstos na Carta Magna. A construção de uma sociedade livre, justa, solidária e desenvolvida sem pobreza marginalização, e com reduzida margem de desigualdade regional e social, sem discriminação de qualquer ordem. A construção de uma identidade continua sendo a principal preocupação de alguns atores políticos para a formulação dessas demandas, de cunho afirmativo. As religiões de matriz africana tem historicamente desempenhado um papel importante na construção dessa identidade e na formulação dessas demandas afirmativas.

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AGRADECIMENTOS Agradeço a Ronaldo Sales, meu orientador, pela contribuição à minha formação humana e profissional; à Fundaj, pelo incentivo financeiro e acadêmico; às Coordenação de Estudos Sociais e Culturais e Coordenação de Estudos Afrobrasileiros da Fundaj, pelo apoio; e ao CNPQ, por investir na formação de futuros cientistas.

REFERÊNCIAS MUNANGA, Kabenguele. Rediscutindo a mestiçagem no Brasil: identidade nacional versus identidade negra. Belo Horizonte: Autêntica, 2004. SALES JÚNIOR, Ronaldo L. Negritude e africanidade: Identidade negra e candomblé nas políticas públicas em Pernambuco e Bahia, 2007. Mimeo SALES, Augusto dos Santos. Ações afirmativas e combate ao racismo nas Américas – Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade, – Coleção educação para todos, 2005. SANSONE, Lívio. Da África ao afro: Uso e abuso da África entre intelectuais e na cultura popular brasileira durante o século XX. Afro-ásia, Salvador, n. 27, p.1-23, 10 jan. 2002. Disponível em: <http://www.afroasia.ufba.br/edicao.php?codEd=34>. Acesso em: 10 fev. 2008.