Retirada e Exclusão de sócio de Sociedade Limitada b · capaz de acalentar minha saudade e...
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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO
MESTRADO EM DIREITO PRIVADO
RETIRADA E EXCLUSÃO DE SÓCIO DE SOCIEDADE LIMITADA
Breno de Vasconcelos
Belo Horizonte 2007
2
Breno de Vasconcelos
RETIRADA E EXCLUSÃO DE SÓCIO DE SOCIEDADE LIMITADA
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Direito da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre no Mestrado em Direito Privado. Orientador: Rodrigo Almeida Magalhães
Belo Horizonte 2007
3
Breno de Vasconcelos RETIRADA E EXCLUSÃO DE SÓCIO DE SOCIEDADE LIMITADA Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Direito da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre no Mestrado em Direito Privado, Belo Horizonte, 2007.
Rodrigo Almeida Magalhães (Orientador) – PUC Minas
Eduardo Goulart Pimenta – PUC Minas
Fernando Gonzaga Jayme – UFMG
5
AGRADECIMENTOS
A Deus, por colocar as oportunidades certas em minha vida, e por possibilitar
minha reabilitação, dando-me forças para superar as adversidades; ao meu
orientador, Rodrigo, pelo incentivo e profunda compreensão; ao Antônio Carlos e
Angela, por seu amparo e paciência, e por terem se tornado verdadeiros pais para
mim, o que foi fundamental para minha jornada; ao mestre e amigo Danilo Vieira
Vilela, pela revisão e dedicação que possibilitaram a conclusão deste trabalho; aos
meus avós Pergentino e Ilária, por todo suporte e carinho, que formaram uma base,
permitindo que eu tivesse força e determinação quando precisei; aos meus pais, que
inúmeras vezes se sacrificaram, pela distância que se fez necessária, por
acreditarem em mim, e pelos estímulos, pelos serenos e dóceis, mas,
principalmente, por aqueles ásperos, até mesmo ácidos, mas que foram essenciais
para que este sonho se concretizasse; à Janaína, pelo amor, e presença, que foram
capaz de acalentar minha saudade e encurtar a distância; e a todos que
contribuíram com minha recuperação, o que me deu vigor para concretizar esta
pesquisa.
6
“O mundo moderno é o mundo do contrato. E a vida
moderna o é também. E em tão alta escala que, se
fizesse abstração por um momento do fenômeno
contratual na civilização de nosso tempo, a
conseqüência seria a estagnação da vida social.”
(Caio Mário da Silva Pereira)
7
RESUMO Esta dissertação analisa a retirada e a exclusão de sócio da sociedade limitada com
o objetivo de demonstrar a relevância da continuidade da empresa mesmo diante da
ruptura da chamada affectio societatis ou do descumprimento do dever de
colaboração com o escopo comum da empresa, dentre outros fatores que poderão
levar à sua dissolução parcial. Para tanto, partiu-se da investigação da noção
clássica de empresa em contraposição ao unânime papel a ela destinado em uma
perspectiva política e econômica, que exige o cumprimento de sua verdadeira
função social. Abordou-se, dessa forma, a sociedade limitada, caracterizando-a
conforme disposição legal e doutrinária para, a partir de então, discutir as formas de
sua dissolução, possibilitando uma discussão sobre causas e conseqüências para a
sociedade e, sobretudo, para a empresa, no que concerne à retirada e à exclusão do
sócio. Nessa perspectiva, analisou-se o recesso e a exclusão do sócio como
institutos diretamente ligados à teoria contratualista, adotada no Brasil como
caracterizadora da relação societária. Assim, foi discutido o recesso como a saída
voluntária do sócio, de caráter irretratável, mediante circunstâncias como a
modificação do contrato, fusão da sociedade, incorporação de outra ou dela por
outra, nos moldes do Código Civil brasileiro. Por outro lado, destacou-se a exclusão
como resultante da quebra do vínculo social daquele sócio que agiu em
desconformidade com a affectio societatis. A dissertação investigou, ainda, as
formas da apuração de haveres dos sócios apontando-a como conseqüência da
chamada dissolução parcial cujo objetivo é definir o quantum devido pela sociedade
ao sócio desvinculado, em razão das quotas integralizadas que o mesmo detinha.
Neste processo, foi feita uma comparação entre dissolução parcial, da qual decorre
a apuração de haveres, e a dissolução completa, da qual decorre a liquidação da
empresa, sendo constatada uma semelhança entre elas, apenas de conteúdo
econômico, já que em qualquer dos casos, o valor a ser restituído para o ex-sócio é
o mesmo. Concluiu-se, nesse sentido, que a exclusão e a retirada dos sócios em
uma sociedade limitada, além de proporcionar aos demais sócios a manutenção da
atividade e da empresa, representam para a sociedade e para o Estado, importante
instrumento para a conservação da empresa enquanto geradora de empregos e
arrecadação, de forma a aliar o interesse capitalista liberal da circulação das
8
riquezas e do capital à sua efetiva função social nos parâmetros econômico-
constitucionais do Estado de bem-estar social.
Palavras-chave: sociedade limitada, dissolução parcial, exclusão de sócio, retirada de sócio, apuração de haveres.
9
ABSTRACT This dissertation analyze the withdrawal and the exclusion of a partner of a private
limited company with the objective of demonstrating exactly the relevance of the
continuity of the company ahead to the society rupture of the affectio societatis or
non-payment of the duty contribution with the common target of the company, among
other factors that will be able to lead to its partial dissolution. In such way, it started in
a perspective to the classic notion of the company in contraposition to the unanimous
economic and politics role that demands the fulfillment of its true social function. The
private limited company was approached characterizing it as legal and doctrinal
disposal for, from now on, arguing the forms of its dissolution making possible a
quarrel on causes and consequences for the society and, above all for the company
of the withdrawal and the exclusion of the partner. In this perspective, One analyzed
the recess and the exclusion of the partner as directly on justinian codes to the
adopted contracted theory in Brazil as leading of the company relations. Thus, the
recess was argued as the voluntary exit of the partner, with irrevocable character, by
means of circumstances as the modification of the contract, fusing the society,
incorporation of another one or any other, in the pattern of the Brazilian Civil Code.
On the other hand, it was distinguished exclusion as resultant of the social bond in
addition to that partner who acted in disconformity with the affectio societatis. The
dissertation still investigated, the forms of the verification on how to have the partners
pointing it as consequence of what is called partial dissolution whose objective is to
define quantum due for the society of the disentailed partner. It was concluded, in
this direction, that the exclusion and the withdrawal of the partners in an private
limited company, beyond providing to the other partners the maintenance of the
activity and the company, represent for the society and the State, an important
instrument for the conservation of the generating company while for jobs and
collection, of form to unite the liberal capitalist interest of the circulation of the wealth
and the capital with its effective social function in the parameters of economic-
constitutional welfare of the State.
Key-words: private limited company, partial dissolution, exclusion of partner,
withdrawal of partner, goods assessment.
10
LISTA DE ABREVIATURAS art. - artigo CC - Código Civil Coord. - Coordenador Dec. - Decreto Ltda. - limitada Min. - Ministro Org. - Organizador p. - página rel. - relator REsp. – Recurso Especial RExt. – Recurso Extraordinário
11
LISTA DE SIGLAS AM - Amazonas SP – São Paulo STF - Supremo Tribunal Federal STJ – Superior Tribunal de Justiça TJ – Tribunal de Justiça
12
SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO...................................................................................................13 2 A TRILOGIA DO DIREITO EMPRESARIAL E INSTITUTOS AFIN S ................17
2.1 Empresa......................................................................................................18 2.2 Empresário e sociedade empresária...........................................................21 2.3 Estabelecimento..........................................................................................26 2.4 A affectio societatis .....................................................................................29 2.5 Função social e o princípio da preservação da empresa ............................32 2.6 Contrato plurilateral.....................................................................................39
3 A SOCIEDADE LIMITADA ............................... .................................................44 3.1 Origens e evolução .....................................................................................44 3.2 Conceito e abrangência no direito brasileiro ...............................................47 3.3 Características e estrutura ..........................................................................49
4 FORMAS DE DISSOLUÇÃO PARCIAL DA SOCIEDADE LIMITADA. .............53 4.1 Origem e evolução do recesso e da exclusão do sócio ..............................56 4.2 Retirada ou recesso de sócio......................................................................59 4.3 Exclusão de sócio no Código Civil ..............................................................67
5 APURAÇÃO DE HAVERES DOS SÓCIOS..................... ..................................83 6 CONCLUSÃO .......................................... ..........................................................94 REFERÊNCIAS.........................................................................................................98
13
1 INTRODUÇÃO
A sociedade empresária é o gênero do qual faz parte, dentre outras, a
sociedade limitada, que, por sua vez, é hoje disciplinada no Ordenamento Jurídico
brasileiro nos artigos 981 e seguintes, do Código Civil, caracterizando-se, sobretudo,
por ser obrigatoriamente formada por mais de uma pessoa, que se agrupam com a
finalidade de cooperar umas com as outras e com a sociedade para a organização e
exploração da empresa, podendo restringir-se à realização de um ou mais negócios
determinados.
Nesse contexto, como espécie de sociedade empresária, é que a sociedade
limitada é o objeto principal dessa pesquisa que busca, principalmente, discutir as
possibilidades e conseqüências da exclusão e da retirada de seus sócios sem que
isso acarrete a dissolução total da empresa, já que sua continuidade é de suma
importância não apenas para sócios ou gestores, mas também para toda a
sociedade.
Parte-se, assim, de uma discussão dos papéis e da caracterização de
empresa, empresário e sociedade empresária, de forma a estabelecer os
parâmetros necessários à identificação de uma empresa comercial. Para tanto,
propõe-se uma abordagem clara e concisa acerca da disciplina legal dada no Brasil
ao Direito Empresarial principalmente após a entrada em vigor do novo Código Civil,
que não obstante representar um antigo anseio de toda uma geração de juristas é,
desde já, obsoleto e confuso em alguns aspectos, gerando uma série de
questionamentos e incertezas para aqueles que propõem a se debruçar sobre esse
tema.
Típico exemplo desse quadro de incertezas decorre da possibilidade dada
pelo Código Civil, de o sócio excluído propor ação judicial após o procedimento
extrajudicial de sua expulsão. Esse e outros aspectos, como a alteração do contrato
social da empresa como requisito para se proporcionar efeitos perante terceiros,
bem como a incidência e a definição do que seja a justa causa para ensejar a
exclusão, são objetos dessa dissertação, que busca, com respaldo nesses e em
outros aspectos, delinear e criticar as implicações da retirada ou exclusão de sócio
na sociedade limitada.
14
Procura-se, também, visando estabelecer bases para o desenvolvimento do
objetivo principal do trabalho, discutir a limitação da responsabilidade dos sócios,
assim como a sua própria definição no âmbito de uma sociedade limitada, na qual o
sócio, enquanto quotista, pode responder, no máximo, pelo valor das quotas dos
demais sócios ainda não integralizadas.
Feita essa abordagem inicial, procura-se, por intermédio de uma releitura das
relações de direito privado, pautada por uma análise dos clássicos aliada à
interpretação da doutrina de vanguarda, apresentar a dinâmica das relações entre
Estado e sociedade e entre essa e seus componentes, como responsável pela
transformação da concepção do Direito Empresarial, estendido de sua natureza
jusprivatística até a hoje indiscutível função social a que se submete todo o direito
enquanto instrumento ensejador de transformações sociais.
É com base nessa concepção social, que o Código Civil de 2002, em boa
hora, inspira-se pelo espírito de preservação da sociedade, mesmo à custa da
alteração em seu quadro social, e estabelece novas regras e casos que possibilitam
a retirada e exclusão de sócio de sociedade limitada, até então disciplinados
exclusivamente pelo Decreto-Lei no 3.708/19, trazendo avanços à disciplina desse
instituto no Direito brasileiro.
Sempre sob essa perspectiva de preservação da empresa em decorrência de
sua inquestionável função social, apresenta-se a sociedade limitada, destacando as
suas características e abrangência no ordenamento pátrio para, a seguir, delinear as
formas de sua dissolução parcial, oportunidade em que se discute, dentre outros, o
caso em que a sociedade seja composta por apenas duas pessoas – há a vedação
no ordenamento jurídico pátrio da sociedade ser composta por apenas uma pessoa
–, e que uma delas seja, através de procedimento próprio, excluída do quadro
societário, oportunidade em que há que se verificar a possibilidade de continuação
dessa sociedade – pessoa jurídica regularmente registrada – ainda que em
conformidade com outros requisitos e prazos legais.
Nesse sentido, são estudadas as duas formas de dissolução parcial, quais
sejam, a retirada e a exclusão, que não obstante as semelhanças com a primeira,
apresenta-se mais complexa, uma vez que se opera sem o consentimento do
excluído, e até mesmo contra sua vontade, podendo dar-se frente ao sócio remisso,
ou seja, aquele que não integralizou sua cota; ao sócio declarado falido ou
insolvente; quando a maioria social entender que o sócio está colocando em risco a
15
continuidade da empresa, em razão de atos de inegável gravidade; e, no caso de
sócio que incorrer em falta grave no cumprimento de suas obrigações.
Ao abordar as formas de dissolução parcial da sociedade limitada procura-se,
ainda, enfatizar e esclarecer aspectos polêmicos como a incidência desse
procedimento com relação ao sócio majoritário, cujo resultado pode ser muito
danoso para a sociedade, já que representaria a perda da maior parte do seu
capital, podendo, até, impedir a exploração da empresa.
Ainda como aspecto de suma relevância na discussão desse quadro de
retirada ou exclusão do sócio na sociedade limitada aborda-se a continuidade de
obrigações do expulso para com a sociedade, além de aspectos terminológicos
como atos de “inegável gravidade” e “falta grave”, bem como questões de natureza
prática, como a discussão sobre a necessidade ou não do ato constitutivo prever
expressamente a possibilidade de exclusão por alteração contratual, para que esta
possa ser utilizada pelos sócios, devendo, em todos os casos, ser observada a
forma prescrita na Lei, e, a possibilidade do sócio excluído utilizar-se da ação de
anulação da alteração contratual, ou de nulidade do ato, com o objetivo de ser
reintegrado ao quadro social, mesmo nos casos em que o procedimento extrajudicial
observar o disposto no contrato e na legislação.
Ao final, é analisado o procedimento da apuração de haveres dos sócios,
visando demonstrar como o sócio irá receber os créditos a que tem direito, em
virtude de seu desligamento da sociedade, o que pode ocorrer diante de hipóteses
diversas, como no caso daquele dito remisso, porque, como ele não pode receber
por todas as quotas que subscreveu – pois seria configurado o enriquecimento sem
causa –, recebendo por aquelas que integralizou, ou, aos sócios remanescentes,
resta ainda a opção de reduzir as quotas até o número das integralizadas, ou
redistribuírem tais quotas para não terem o capital reduzido.
Também se discutiu a forma de pagamento ao ex-sócio, sendo possível que
aconteça na forma prevista no contrato social, na forma acordada pelas partes, ou
ainda conforme fixado na sentença judicial. Estas hipóteses não são pacíficas, visto
que se o procedimento extrajudicial pode até mesmo reverter a deliberação dos
sócios, também é possível que o faça quanto à forma e prazo de pagamento.
Mesmo no caso onde há previsão contratual uma situação apresenta-se como
dificultadora, qual seja, a possibilidade que o sócio tem de pedir a dissolução total -
a qualquer tempo, na sociedade por prazo indeterminado -, e esta ser convertida em
16
parcial, para que a sociedade continue a explorar a empresa, sendo que, neste
caso, seus haveres devem ser quitados de uma só vez, o que também pode ser feito
quando o contrato prever prazo alongado para pagamento no caso de retirada.
Todavia, verificou-se que esta possibilidade não deve prosperar por ir de encontro a
um dos princípios basilares do contrato plurilateral que é o da preservação da
empresa, visto que um desfalque em quota única pode impossibilitar sua exploração
futura.
Dessa forma, partindo-se da compreensão do Direito Empresarial como uma
área dinâmica e sem deixar de lado a benéfica influência sofrida pela interferência
de outras áreas do Direito, sobretudo o Direito Constitucional e Civil, e do
conhecimento, como a sociologia e a economia, procura-se de uma forma objetiva e
clara, pautada pela compreensão crítica do problema, diagnosticar as questões da
retirada e exclusão de sócios na sociedade limitada e apontar soluções sempre
compatíveis com os pilares de um ordenamento que pretende ser, ao mesmo tempo,
social, justo e transformador.
17
2 A TRILOGIA DO DIREITO EMPRESARIAL E INSTITUTOS AF INS
Faz-se necessária a devida distinção entre empresa, empresário e
estabelecimento por se tratarem de diferentes institutos, e para que fique clara a
noção de atividade ou objeto, os meios utilizados na exploração da atividade e,
também, a de sujeito de direitos, que é quem organiza e realiza o objeto da atividade
empresária.
Os institutos, que tiveram, anteriormente a 2002, no Código Comercial de
1850, sua principal regulamentação, além de outras Leis Especiais, hoje encontram-
se disciplinados pelo Código Civil, que:
Inspirado no Código Civil italiano, de 1942, mas ajustado às idéias e peculiaridades da realidade brasileira, [...] criou um verdadeiro regime jurídico normativo da empresa, recepcionando, pois, na sua inteireza, o Direito Empresarial. (BULGARELLI, 1999, p. XVI).
A figura do empresário tem relação direta com a do comerciante. Este último,
que era conhecido, tradicionalmente, por ser o único autorizado a praticar atos de
comércio, exercia, de maneira profissional, a intermediação ou prestação de
serviços com o intuito de lucro. Os atos de comércio, por sua vez, são os subjetivos,
próprios do comerciante, e os objetivos, classificados como tais, pela lei, mas não
sendo praticados, necessariamente por comerciante, como o ato de emissão de
cheques.
Com a evolução do Direito Comercial, Martins (2005) destaca a maior
importância conferida à empresa como atividade dos comerciantes, que passaram a
ser considerados empresários, sendo que no Brasil tal inovação foi concretizada
pelo artigo 966 do Código Civil de 2002, que assim estipulou: “Considera-se
empresário quem exerce profissionalmente atividade econômica organizada para a
produção ou a circulação de bens ou de serviços.” (ANGHER, 2006).
A tratar destes pontos, o Código Civil deixou de definir a figura da empresa,
tendo somente definido o empresário1, a sociedade empresária2 e o
1 Art. 966. Considera-se empresário quem exerce profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços. (ANGHER, 2006). 2 Art. 982. Salvo as exceções expressas, considera-se empresária a sociedade que tem por objeto o exercício de atividade própria de empresário sujeito a registro (art. 967); e, simples, as demais. (ANGHER, 2006).
18
estabelecimento3. Isto não impede que se chegue a sua definição, que surge em
decorrência das outras.
Apesar de ter sido disciplinada pela primeira vez, na legislação brasileira, pelo
Código de 2002, a noção de empresa não é atual, sendo descrita há tempos pela
doutrina. Mesmo havendo diferenças, contudo há uma forte ligação entre a empresa,
empresário e estabelecimento, que implica no seu estudo em conjunto.
2.1 Empresa
A definição da empresa não é senão resultado da fusão do sujeito empresário
(pessoa física ou jurídica), com o estabelecimento. Ao conceituar o instituto,
Mendonça disse que:
Empresa é a organização técnico-econômica que se propõe a produzir, mediante a combinação dos diversos elementos, natureza, trabalho e capital, bens ou serviços destinados à troca (venda), com esperança de realizar lucros, correndo os riscos por conta do empresário, isto é, daquêle que reúne, coordena e dirige êsses elementos sob a sua responsabilidade. (MENDONÇA, 1945, p. 492).
Para o autor, a atividade empresarial pode ser explorada diretamente pela
Administração Pública, e, também pela iniciativa privada, por meio da pessoa
natural, ou pela pessoa jurídica. Para a realização da atividade, Mendonça ressalta
que “é indiferente que o empresário reúna os operários no seu estabelecimento, ou
os faça trabalhar em domicílio.” (MENDONÇA, 1945, p. 494). Esta previsão atende
inclusive à empresa moderna, explorada pela internet.
Segundo Mendonça (1945), a atividade empresarial, para ser considerada
como tal, não pode ser baseada na prática de um, ou alguns atos esporádicos e
isolados, mas sim pelo seu exercício profissional, caracterizado por uma “série de
negócios do mesmo gênero de caráter mercantil, continuados e produtivos de bens
ou de serviços destinados à troca, servindo às necessidades dos consumidores.”
(MENDONÇA, 1945, p. 494).
3 Art. 1.142. Considera-se estabelecimento todo complexo de bens organizado, para exercício da empresa, por empresário, ou por sociedade empresária. (ANGHER, 2006).
19
O mestre supracitado pondera ainda que todos os fatores empregados para
obter o resultado econômico devem ser organizados pelo empresário, que deverá
empregar, na atividade, profissionalmente, trabalho e capital, ou ambos. Por isso
mesmo é que o risco técnico e econômico é do sujeito que organiza e toca a
empreitada, sendo que só cabe ao empresário o destino dos lucros auferidos. A
esse posicionamento alinharam-se, dentre outros, Bulgarelli (1980), Coelho (2003),
Requião (2005) e Borges (1971).
Observadas as definições pertinentes, e, diante do binômio atividade/objeto e
sujeito de direitos, parte-se para a análise da empresa, cujo:
[...] melhor critério para identificar a empresa comercial é o de considerar como tal aquela em que o empresário se dedica, em caráter profissional, a fazer com que os bens passem de uma pessoa para outra (circulação de bens), praticando esta atividade com intuito de lucro. (MARTINS, 2005, p. 14).
Diante disso, Campinho (2004) deixa claro que empresa não é sujeito, mas
sim o objeto ou atividade economicamente e profissionalmente organizada e
exercida pelo empresário ou pela sociedade, que nasce com a exploração habitual
feita por estes. Este é o posicionamento mais acertado, como leciona Pimenta:
[...] é possível afirmar que empresa, no Direito brasileiro, é qualquer atividade econômica de produção ou distribuição de bens ou serviços com intuito de lucro, realizada e dirigida, mediante a organização de capital e trabalho, pelo empresário. (PIMENTA, 2004, p. 20).
Bulgarelli (1980) indica quatro elementos da empresa, sendo eles a
organização, a atividade econômica, o fim lucrativo e a profissionalidade. A partir
destes elementos o autor citado conceitua este instituto como:
A organização da atividade econômica para o fim de produção ou de troca de bens ou serviços. Verifica-se, portanto, a transmudação que ocorreu no conceito econômico na sua passagem para o âmbito jurídico, sob a égide do empresário, ou seja, de organização da atividade econômica, para o de exercício profissional da atividade econômica organizada.” (BULGARELLI, 1980, p. 22-23).
Para este autor, a empresa tem um interesse próprio, constituindo um
interesse em si, distinto do interesse social e dos acionistas. Para ele:
20
O interesse da empresa, sobrepairando todos os demais na sociedade, implicaria, basicamente, a destinação dos lucros, não para distribuição como dividendos aos acionistas, mas para as reservas, uma vez que o importante é o crescimento e a expansão da empresa e não o interesse do acionista, que é participar dos lucros. (BULGARELLI, 1980, p. 31).
Examinadas as opiniões transcritas, parece razoável inferir que a atividade
econômica, sobre a qual se desenvolve a empresa, tenha por objetivo associar a
atividade empresarial à lucratividade.
Nesse ponto, a noção de lucro pode ter resultados distintos, dependendo do
enfoque que lhe for dado. Parece acertada para este estudo a definição de Lippert,
para quem, lucro significa:
[...] o resultado positivo obtido da subtração de todas as parcelas do custo (despesas e encargos) da receita obtida, também denominado sistema dedutivo; ou, simplesmente, o total do lado ativo menos o total do lado passivo, também denominado sistema diferencial.” (LIPPERT, 2003, p. 125).
Outro ponto fundamental, no que diz respeito à empresa, é o elemento
atividade. Segundo a doutrina nacional “diversamente das sociedades, não há,
quanto à empresa, a possibilidade de sua existência inativa.” (LIPPERT, 2003, p.
128). A esta afirmação anuem Mendonça (1945), Penteado (2000), Lucena (2003) e
Pimenta (2004).
No mesmo sentido, a Lei 8.934 de 1994, que dispõe sobre o Registro Público
de Empresas Mercantis e Atividades Afins, estabelece que:
Art. 60. A firma individual ou a sociedade que não proceder a qualquer arquivamento no período de dez anos consecutivos deverá comunicar à junta comercial que deseja manter-se em funcionamento. § 1º Na ausência dessa comunicação, a empresa mercantil será considerada inativa, promovendo a junta comercial o cancelamento do registro, com a perda automática da proteção ao nome empresarial. § 2º A empresa mercantil deverá ser notificada previamente pela junta comercial, mediante comunicação direta ou por edital, para os fins deste artigo. (ANGHER, 2006).
Ou seja, se não houver atividade não há empresa. Em sentido contrário o
próprio Código Civil excluiu do âmbito empresarial algumas atividades, no parágrafo
único do artigo 966, por não considerar empresário “quem exerce profissão
intelectual, de natureza científica, literária ou artística, ainda com o concurso de
21
auxiliares ou colaboradores, salvo se o exercício da profissão constituir elemento de
empresa.” (ANGHER, 2006).
Mendonça (1945) caracteriza este elemento como sinônimo de exploração de
determinada atividade pela utilização de mão-de-obra alheia. Porém há uma enorme
dificuldade em se determinar o que é este elemento de empresa, porque, conforme
destacou Lippert (2003), a doutrina aponta conceitos divergentes e sua definição
depende ainda de interpretação jurisprudencial, sobretudo porque o diploma civil
entrou recentemente em vigor.
Requião (2005) lembra que a empresa não pressupõe uma sociedade
empresária, visto que pode ser explorada por pessoa natural, no caso do empresário
individual. Além disso, tal desprendimento chega a seu ápice com a possibilidade de
haver sociedade sem empresa. Esta possibilidade se dá quando há o registro do
contrato social na Junta Comercial, porém enquanto estiver inativa, inexiste
empresa. Tal instituto tem relação direta com os sujeitos de direito, denotando um
grau de complexidade tal que:
Não pode a empresa ser definida apenas por sua atividade, a qual jamais poderá existir sem um sujeito, um estabelecimento e um perfil institucional. A empresa é uma organização abstrata que, através de uma pessoa física ou por uma sociedade, desenvolve uma atividade econômica devidamente organizada. A atividade só existe em razão desta organização, não sendo, no entanto, a própria organização, vale dizer, a atividade é tão-somente uma característica, uma face da empresa, que envolve outros elementos além da atividade. (LOPES, 2004, p. 80).
Significa dizer que diversamente da sociedade, não existe empresa sem a
atividade. Essa precisa ser conjugada com o elemento estabelecimento4, pelo qual
entende-se todos os bens e meios de produção (patrimônio ativo) organizados pelo
sujeito que irá explorar a empresa.
2.2 Empresário e sociedade empresária
4 CC - Art. 1.142 - Considera-se estabelecimento todo complexo de bens organizado, para exercício da empresa, por empresário, ou por sociedade empresária. (ANGHER, 2006).
22
Antes do Código civil de 2002, não havia no ordenamento jurídico brasileiro a
noção de empresário. No próprio Código Comercial brasileiro, de 1850, não
constava qualquer menção a este sujeito, havendo apenas referências à antiga
figura do comerciante, como, por exemplo, nos artigos 1o5, 2o6 e 4o7. a noção de
empresário, conforme, Lippert (2003) é criação da doutrina, que posteriormente foi
regulamentada pela lei, “de forma que, até 10.01.2002, não possuíamos, em um
código propriamente dito, a definição de empresário.” (LIPPERT, 2003, p. 140).
Neste sentido, e seguindo a linha do Código Italiano de 1942, o Código Civil
brasileiro definiu a figura do empresário, da seguinte maneira:
Art. 966. Considera-se empresário quem exerce profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços. Parágrafo único. Não se considera empresário quem exerce profissão intelectual, de natureza científica, literária ou artística, ainda com o concurso de auxiliares ou colaboradores, salvo se o exercício da profissão constituir elemento de empresa.
Logo, se a empresa “é o efeito da atividade do empresário pelo
estabelecimento” (LIPPERT, 2003, p. 139), é imprescindível que o estudo da
empresa seja feito em conjunto com o de empresário ou sociedade empresária e do
estabelecimento.
Sobre a citada definição legal de empresário, o sobredito dispositivo legal, é
claro ao caracterizar o mesmo como sujeito de direitos e obrigações, além de ser
aquele que organiza e direciona referida atividade econômica, explorando a
empresa profissionalmente. A rigor, o campo de atuação do empresário foi ampliado,
pois deixou de ser mero intermediário, passando a desempenhar atividade de
produção. Campinho lembra que:
[...] o empresário não se mostra como simples versão moderna do comerciante. O seu conceito nos conduz para uma visão de maior amplitude, para um alargamento de horizontes, com o fito de impor uma nova leitura para aqueles que exercem profissionalmente uma atividade econômica organizada, colocando-os sob um regramento único. (CAMPINHO, 2004, p. 04).
5 Art. 1 - Podem comerciar no Brasil: (ANGHER, 2006). 6 Art. 2 - São proibidos de comerciar: (ANGHER, 2006). 7 Art. 4 - Ninguém é reputado comerciante para efeito de gozar da proteção que este Código liberaliza em favor do comércio, sem que se tenha matriculado em algum dos Tribunais do Comércio do Império, e faça da mercancia profissão habitual (artigo nº 9). (ANGHER, 2006).
23
Não basta a exploração da atividade descrita para que a pessoa, física, se
torne empresário. Antes mesmo de iniciar as atividades, a pessoa deve proceder a
seu registro de empresário8, o que também é requisito para a sociedade. Devem ser
observados os preceitos legais, tais como a plena capacidade civil9, ou, ainda, ser
assistido ou representado10, além de não poder esbarrar em impedimentos impostos
pela lei, dentre outros.
Em razão da necessidade do prévio registro, Martins explica que:
Essa orientação corporativa da atividade empresarial se deve, como tem sido amplamente comentado, ao regime político que dominava a Itália ao ser promulgado o Código Civil de 1942, segundo o qual o poder do Estado repousava nas corporações. Apesar de abolido esse regime como contrário aos ideais monocráticos, perdurou o princípio de que só gozará dos benefícios especiais da lei o empresário que estiver inscrito no Registro das Empresas. (MARTINS, 2005, p. 84).
Não basta, porém, o registro para que a pessoa seja considerada empresário.
Para ser empresário, além do registro, devem ser verificadas algumas situações de
fato, como a organização, a intermediação, a especulação ou intuito de lucro e a
profissionalidade.
Por isso mesmo Bulgarelli conceituou empresário como sendo:
[...] o titular da empresa, o seu sujeito, portanto, aquele que tem a iniciativa da criação da empresa e que a dirige, correndo risco inerente à atividade empresarial. A doutrina costuma destacar, além das funções próprias do empresário (o risco, o direito ao lucro e o poder supremo) seu dinamismo, uma espécie de força vital que emprestaria à empresa para o seu surgimento e posterior crescimento. (BULGARELLI, 1980, p. 45).
A sociedade, ao seu turno, é a forma coletiva do empresário, sendo ela uma
organização formada por um contrato social ou ato correspondente, entre duas ou
mais pessoas11, que reúnem capital e trabalho, organizando, assim, a atividade
8 Art. 967. É obrigatória a inscrição do empresário no Registro Público de Empresas Mercantis da respectiva sede, antes do início de sua atividade. (ANGHER, 2006). 9 CC - Art. 972 - Podem exercer a atividade de empresário os que estiverem em pleno gozo da capacidade civil e não forem legalmente impedidos. (ANGHER, 2006). 10 Art. 974. Poderá o incapaz, por meio de representante ou devidamente assistido, continuar a empresa antes exercida por ele enquanto capaz, por seus pais ou pelo autor de herança. (ANGHER, 2006). 11 “A legislação nacional não consagrou e portanto deixou de abraçar a tipologia empresária individual, na medida em que exige nas sociedades de forma geral a presença de pelo menos dois (2) sócios [...]”. (MARTINS, 2005, p. 170).
24
empresarial. Podem formar sociedade pessoas físicas ou jurídicas, inclusive se
misturando umas com as outras.
Esta forma coletiva de organização e exploração da empresa tem sua
definição pelo Código Civil, que estabeleceu que:
Art. 981. Celebram contrato de sociedade as pessoas que reciprocamente se obrigam a contribuir, com bens ou serviços, para o exercício de atividade econômica e a partilha, entre si, dos resultados. Parágrafo único. A atividade pode restringir-se à realização de um ou mais negócios determinados. (ANGHER, 2006).
Tem-se, portanto, que a sociedade empresária, assim como o empresário é
aquele sujeito que explora a atividade econômica própria de empresário. O que os
distingue, basicamente, é que o empresário o faz de forma individual, ao passo que
a sociedade empresária o faz de forma coletiva.
Mendonça a definiu como um “contrato mediante o qual duas ou mais
pessoas se obrigam a prestar certa contribuição para o fundo social destinado ao
exercício do comércio, com a intenção de partilhar os lucros entre si.” (MENDONÇA,
1963, p. 14).
Contudo, o posicionamento do autor citado, para quem a sociedade é um
contrato bilateral, deu lugar para a caracterização da natureza jurídica da sociedade
como sendo um contrato plurilateral, estudado por Ascarelli (1969), conforme lição
de Bulgarelli (1980).
A sociedade adquire personalidade jurídica com a inscrição dos seus atos
constitutivos no Registro Público de Empresas Mercantis. Daí resulta sua autonomia
e, por conseqüência, a distinção entre o patrimônio particular do sócio e aquele
efetivamente da sociedade, sendo que esta passa a ser responsável por suas
obrigações.
As definições de empresário e de sociedade empresária são requisitos para
iniciar o estudo e entender a ótica do sujeito de direitos e obrigações que
desempenha a empresa, isto porque somente estas duas pessoas podem explorar
esta atividade, ou seja, a pessoa física do empresário e a pessoa jurídica. Ressalte-
se o fato de que no primeiro caso, o risco pela atividade é assumido pelo
empresário, ao passo, que havendo pessoa jurídica, é a sociedade empresária
quem assume tais encargos, além de, na prática, desenvolverem atividades
econômicas de maior relevância.
25
Importante também é a diferença fundamental entre a empresa e o
empresário, pois comumente os termos são empregados erroneamente. Desta feita,
Lippert esclarece que:
Em termos técnicos, contudo, a empresa é a atividade, e não a pessoa que a explora; empresário não é o sócio da sociedade empresarial, mas aquele que assume o risco da atividade, podendo ser a pessoa física ou a própria sociedade. Logo, ao sócio da sociedade empresária não se aplicam as normas que definem os direitos e deveres do empresário, mas sim as normas que definem os direitos e deveres dos sócios em razão da exploração da atividade empresarial pela sociedade que faz parte. (LIPPERT, 2003, p. 141).
Esta diferenciação é importante para as questões de registro do sujeito
empresário, por exemplo. Nesse sentido, a sociedade empresária só adquire
personalidade jurídica, com o seu registro, conforme os artigos 4512 e 1.15013 do
Código Civil.
Analisados os pontos anteriores, é certo que é empresário ou sociedade
empresária “toda pessoa física ou toda sociedade que exerce profissionalmente uma
atividade, por meio da organização dos fatores de produção (mão-de-obra e capital)
em atividade, e desde que tenha assumido o risco do empreendimento.” (LIPPERT,
2003, p. 141-142).
Diante disso, e, em virtude da teoria da unidade patrimonial, segundo a qual
para cada pessoa corresponde um patrimônio, o empresário unipessoal assume o
risco da atividade, como pessoa física, sob a personalidade de sua pessoa natural,
respondendo com todos os seus bens pelas obrigações assumidas.
Já a sociedade se distancia da figura dos seus sócios, adquirindo
personalidade diversa destes. Contudo há sociedades em que o sócio responde de
forma limitada, ilimitada ou mista. Mas a sociedade empresária, “no entanto, é
aquela que assume o risco da atividade com a totalidade de seu patrimônio, tal qual
o empresário individual.” (LIPPERT, 2003, p. 142).
12 Art. 45. Começa a existência legal das pessoas jurídicas de direito privado com a inscrição do ato constitutivo no respectivo registro, precedida, quando necessário, de autorização ou aprovação do Poder Executivo, averbando-se no registro todas as alterações por que passar o ato constitutivo. (ANGHER, 2006). 13 Art. 1.150. O empresário e a sociedade empresária vinculam-se ao Registro Público de Empresas Mercantis a cargo das Juntas Comerciais, e a sociedade simples ao Registro Civil das Pessoas Jurídicas, o qual deverá obedecer às normas fixadas para aquele registro, se a sociedade simples adotar um dos tipos de sociedade empresária. (ANGHER, 2006).
26
No que diz respeito à participação nos lucros e nas perdas, Bulgarelli (1980)
ressalta que é proibido pela lei brasileira excluir um ou alguns sócios, tanto destes
quanto daqueles.
O Código Civil classificou como empresária qualquer sociedade anônima, e
como simples a sociedade cooperativa14, e inicialmente, a atividade rural, sendo que
esta pode converter-se em atividade empresarial15.
A legislação brasileira não se ocupou em definir a sociedade simples, fazendo
sua caracterização pela exclusão imposta pelo artigo 982 do diploma civil. Nesse
sentido, as sociedades simples são as cooperativas e aquelas que não se encaixam
dentre as empresárias. Os tipos empresários, são, por sua vez, a sociedade em
nome coletivo, em comandita simples, limitada, anônima e comandita por ações.
2.3 Estabelecimento
O estabelecimento não tinha qualquer regulamentação na legislação
brasileira, até o advento do Código Civil de 2002. O Código Comercial brasileiro,
datado de 1850, fazia uma mera referência a tal instituto, mas sem detalhá-lo16.
O atual Código Civil, inspirado no Código Italiano, por sua vez, abordou a
matéria de forma mais detalhada, ao instituir que é considerado estabelecimento
”todo complexo de bens organizado, para exercício da empresa, por empresário, ou
por sociedade empresária.” (ANGHER, 2006).
14 Art. 982. Salvo as exceções expressas, considera-se empresária a sociedade que tem por objeto o exercício de atividade própria de empresário sujeito a registro (art. 967); e, simples, as demais. Parágrafo único. Independentemente de seu objeto, considera-se empresária a sociedade por ações; e, simples, a cooperativa. (ANGHER, 2006). 15 Art. 984. A sociedade que tenha por objeto o exercício de atividade própria de empresário rural e seja constituída, ou transformada, de acordo com um dos tipos de sociedade empresária, pode, com as formalidades do art. 968, requerer inscrição no Registro Público de Empresas Mercantis da sua sede, caso em que, depois de inscrita, ficará equiparada, para todos os efeitos, à sociedade empresária. (ANGHER, 2006). 16 Art. 1 - Podem comerciar no Brasil: [...] 3 - Os filhos-famílias que tiverem mais de 18 (dezoito) anos de idade, com autorização dos pais, provada por escritura pública. O filho maior de 21 (vinte e um) anos, que for associado ao comércio do pai, e o que com sua aprovação, provada por escrito, levantar algum estabelecimento comercial, será reputado emancipado e maior para todos os efeitos legais nas negociações mercantis. (ANGHER, 2006).
27
Para a consecução da finalidade da empresa, pode haver um ou mais
estabelecimentos, que são este complexo de bens, com destinação definida e
organizados pelo sujeito empresário que explora a atividade desenvolvida, e que
pode ser, conforme a letra do artigo 1.143 do diploma civil, “objeto unitário de
direitos e de negócios jurídicos, translativos ou constitutivos, que sejam compatíveis
com a sua natureza.” (ANGHER, 2006).
Esta noção já era retratada por Mendonça, para quem o estabelecimento
comercial “designa o complexo de meios idôneos materiais e imateriais, pelos quais
o comerciante explora determinada espécie de comércio; é o organismo econômico
aparelhado para o exercício do comércio.”(MENDONÇA, 1946, p. 15-16). Partilha
desse entendimento Bulgarelli (1980).
Nesse sentido, para o exercício da empresa, independentemente de sua
abrangência, três elementos são fundamentais ao empresário: o capital, trabalho e
organização. Da reunião desses elementos que possibilitam ao empresário a
exploração de sua atividade surge o estabelecimento empresarial, segundo Borges
(1971), para quem:
[...] o estabelecimento comercial é, pois, a organização concreta dos diversos elementos constitutivos da empresa mercantil, à qual o destino comum, ou a finalidade única daqueles elementos, confere o caráter de um organismo econômico unitário. (BORGES, 1971, p. 185).
O elemento “complexo de bens”, utilizado nos conceitos descritos e também
pelo Código Civil compreende tanto bens corpóreos quanto os incorpóreos, dos
quais o empresário se utiliza para explorar a empresa, independentemente de sua
abrangência econômica. Desta feita, Borges diferencia essas categorias dizendo
que:
Coisas corpóreas são as instalações, as mercadorias, vitrinas, mostruários, máquinas, móveis e utensílios, livros de contabilidade e material de escritório, o dinheiro, existente em caixa ou em depósitos bancários, o imóvel, se pertencente ao proprietário do estabelecimento, etc. [...] Coisas incorpóreas ou direitos são, entre outros, os créditos ou dívidas ativas, o direito de exclusividade para o uso do título ou nome do estabelecimento e respectiva insígnia, marcas de indústria e de comércio, patentes de invenção, e de modelos de utilidade, de modelos industriais, etc.” (BORGES, 1971, p. 187).
28
Requião (2005) não considera o imóvel como componente dos bens
corpóreos do estabelecimento, contudo, este não é o entendimento que parece mais
correto, conforme assinala Mendonça (1946), Borges (1971), Coelho (2003) e Fazzio
Júnior (20050, dentre outros.
Dentre os bens imateriais, merece destaque o ponto comercial, que se
distingue do imóvel, significando “o lugar determinado no espaço onde está situado
o imóvel em que as atividades de natureza empresarial são desenvolvidas. [...] o
ponto pode pertencer ao empresário locatário, enquanto o imóvel pertence ao
locador.” (LIPPERT, 2003, p. 150). O ponto conta, ainda, com proteção especial
conferida pela Lei no 8.245 de 199117.
Ainda com relação aos bens imateriais é correto o entendimento de Lippert
(2003) e de Requião (2005) ao disporem que somente os créditos compõem o
estabelecimento, ficando excluídos os débitos. Este pensamento decorre da própria
definição legal, descrita anteriormente, por não serem os débitos bens pelos quais o
empresário explora a empresa. Tal posicionamento foi o adotado pelo legislador,
que, pensando na hipótese de venda do estabelecimento, pelo empresário, sem que
restasse bens para saldar as dívidas, em detrimento dos seus credores, estabeleceu
no artigo 1.145 do Código Civil que a eficácia da sobredita venda depende do
pagamento dos credores, ou do consentimento desses18.
Além disso, o contrato de venda do estabelecimento somente produzirá
efeitos plenos depois de averbado no Registro Público competente, com posterior
publicação na imprensa19, o que pões fim à qualquer tentativa do devedor de livrar-
se do pagamento por falta de saldo, até porque as dívidas contabilizadas passam
para o adquirente do estabelecimento20.
17 Art. 51. Nas locações de imóveis destinados ao comércio, o locatário terá direito a renovação do contrato, por igual prazo, desde que, cumulativamente: I - o contrato a renovar tenha sido celebrado por escrito e com prazo determinado; II - o prazo mínimo do contrato a renovar ou a soma dos prazos ininterruptos dos contratos escritos seja de cinco anos; III - o locatário esteja explorando seu comércio, no mesmo ramo, pelo prazo mínimo e ininterrupto de três anos. (ANGHER, 2006). 18 Art. 1.145. Se ao alienante não restarem bens suficientes para solver o seu passivo, a eficácia da alienação do estabelecimento depende do pagamento de todos os credores, ou do consentimento destes, de modo expresso ou tácito, em trinta dias a partir de sua notificação. (ANGHER, 2006). 19 Art. 1.144. O contrato que tenha por objeto a alienação, o usufruto ou arrendamento do estabelecimento, só produzirá efeitos quanto a terceiros depois de averbado à margem da inscrição do empresário, ou da sociedade empresária, no Registro Público de Empresas Mercantis, e de publicado na imprensa oficial. (ANGHER, 2006). 20 Art. 1.146. O adquirente do estabelecimento responde pelo pagamento dos débitos anteriores à transferência, desde que regularmente contabilizados, continuando o devedor primitivo solidariamente
29
Por tudo o que foi exposto, Lippert conclui que “depreende-se que
estabelecimento não significa o patrimônio da sociedade empresária ou do
empresário, mas parte dele; que o estabelecimento é o complexo de bens
organizados segundo a vontade e finalidade de seu titular.” (LIPPERT, 2003, p. 152).
O estabelecimento é classificado, quanto à sua natureza jurídica, como uma
universalidade de fato (conjunto de objetos de direito), por serem agrupados e
empregados pela livre vontade e interesse do empresário ou da sociedade
empresária, não por dispositivo legal, como ocorre no caso da herança, por
exemplo, que tem natureza de universalidade de direito (conjunto de direitos),
conforme lição de Bulgarelli (1980).
Conclui-se, à luz de todo o exposto que empresa, empresário e
estabelecimento constituem um trinômio inseparável, base do Direito Empresarial.
2.4 A affectio societatis
O contrato de sociedade diverge dos outros tipos contratuais por ser um
contrato sinalagmático plurilateral, conforme classificou Ascarelli (1947). O contrato
social tem como elemento fundamental o escopo ou objetivo comum, diga-se affectio
societatis, que pode ser entendido como um elo de colaboração ativa entre os
sócios. Seria, portanto o dever de “colaborar na realização do escopo comum”
(NUNES, 2001, p.95). Tal divergência fica clara neste momento, vez que este
elemento inexiste nas demais espécies contratuais.
Este elo de colaboração, que é uma criação doutrinária, “[...] jamais pode ser
entendida somente como a ‘afeição entre os sócios’, mas primordialmente como a
afeição do sócio para com a empresa.” (LOPES, 2004, p. 158).
Sobre o assunto, Mendonça aponta que:
Dizem comumente os tratadistas que os contratantes da sociedade devem ter vontade de formá-la. ULPIANO denominou-a affectio societatis, erprimindo (sic) a intenção de reunir esforços para a realização do fim comum. [...]
obrigado pelo prazo de um ano, a partir, quanto aos créditos vencidos, da publicação, e, quanto aos outros, da data do vencimento. (ANGHER, 2006).
30
Melhor e mais exato será dizer que os sócios devem manifestar a vontade de cooperar ativamente para o resultado que procuram obter, reunindo capitais e colocando-se na mesma situação de igualdade. É indispensável à sociedade a identidade de interesses, a cooperação econômica, na frase de RIPPERT, ou a vontade da colaboração ativa dos sócios, na expressão de THALLER, tendo estes sempre em vista o fim comum, a realização de um enriquecimento pelo concurso dos seus capitais e da sua atividade. Muito bem explicava o nosso João Monteiro que ‘na colaboração está a idéia visceral de toda sociedade’. (MENDONÇA, 1963, p. 22-23).
A exemplo da relevância que a affectio societatis ganhou no direito pátrio, se
a mesma for violada ou mesmo ferida, em algum de seus aspectos, aceita-se o
afastamento do sócio que não cumpriu com suas obrigação, sendo que o contrato
somente é rescindido em relação a ele, continuando com relação aos demais, que
se relacionam com a sociedade. À guisa desse exemplo, colaciona-se o seguinte
julgado do Superior Tribunal de Justiça:
A affectio societatis, elemento específico do contrato de sociedade comercial, caracteriza-se como uma vontade de união e aceitação das áleas comuns do negócio. Quando este elemento não mais existe em relação a algum dos sócios, causando a impossibilidade da consecução do fim social, plenamente possível a dissolução parcial, com fundamento no art. 336, I, do CCO., permitindo a continuação da sociedade com relação aos sócios remanescentes. (BRASIL, 1996a).
Barros destaca, ainda que:
De acordo com a ampla maioria da doutrina nacional e alienígena, a Affectio Societatis é o ânimo societário ou a intenção de constituir a sociedade. A referida conceituação diz respeito especificamente ao fato de se ingressar em uma sociedade, de se correr todos os riscos inerentes à própria atividade econômica, posto que, quem manifesta vontade de constituir uma sociedade, possui a reta intenção de ser sócio e, como conseqüência, de assumir todas as obrigações inerentes ao seu estado. (BARROS, 2002, p. 1.011).
Comparato (1978) menciona que a affectio societatis ou bona fideis societatis
é composta pela fidelidade e a confiança, o que torna o instituto num critério
interpretativo dos deveres e responsabilidades dos sócios entre si e com a
sociedade.
Coelho (2006) denomina esta característica de dever de lealdade, que
pressupõe a colaboração ativa e passiva para o bom desenvolvimento da atividade
empresarial, destacando ainda que:
31
É dever do sócio colaborar com o desenvolvimento da sociedade, abstendo-se de praticar atos que possam prejudicar a empresa. Ele deve portar-se, em outras palavras, com lealdade em relação à limitada. Não pode, por exemplo, tumultuar o ambiente de trabalho, desautorizar atos da gerência ou, de modo geral, concorrer com a sociedade. (COELHO, 2006, p. 411).
Exemplificando, Lopes assevera que:
[...] a falta do dever de colaboração pode dar-se por ato comissivo ou omissivo, não bastando apenas que o sócio pratique ato prejudicial à empresa, mas se ele deixar de praticar determinados atos, poderá estar faltando com o seu dever de colaboração, como, por exemplo, estar ele levando informações confidenciais a outra empresa concorrente ou deixar de integralizar o valor subscrito, o que permite è empresa, através da sociedade, excluir este sócio. (LOPES, 2004, p. 159).
Na relação entre os sócios, contudo, nem sempre persiste a colaboração,
podendo haver casos em que a mesma inexiste, ou até mesmo verificar-se a
prevalência de interesse pessoal sobre o interesse da sociedade. Esta é uma, das
inúmeras situações, em que a sociedade está passível de ser dissolvida
parcialmente, pela quebra da affectio societatis.
Quando ocorre este desentendimento entre os sócios, as conseqüências
normais são apenas dissabores internos, cujo limite máximo é a expulsão. De
maneira antagônica, o ato de competição do sócio com a sociedade extrapola os
liames societários, tipificando conduta criminosa.
Ao analisar estas hipóteses, Coelho (2006) distingue os sócios
empreendedores daqueles ditos investidores, apontando que há diferença entre
eles, pois o interesse pelo bom desenvolvimento da atividade se manifesta de modo
diverso em ambos, e assinala três exemplos.
No primeiro caso, o sócio investidor que aporta capital em duas sociedades
limitadas diversas e concorrentes, tem interesse pelo crescimento de ambas, porém,
como ele não integra a gestão de nenhuma delas, não haveria qualquer anomalia
para o direito societário. Mesmo que não haja expressa anuência dos outros sócios
das duas pessoas jurídicas.
Em segundo lugar, se o sócio investidor se torna empreendedor numa
segunda atividade concorrente daquela que já fazia parte, sem obter anuência de
seus sócios primitivos, ele pratica ato desleal, por assumir um vínculo mais estreito
com a nova atividade. Nesta hipótese a deslealdade atinge apenas o seio societário,
podendo culminar na sua expulsão.
32
Caso de deslealdade grave seria se o sócio gestor de uma limitada
contratasse, com pessoas estranhas ao quadro social da primeira, outra empresa
concorrente da qual também é gestor, pois poderia levar informações internas da
primeira na segunda. A situação pode resultar apenas em pendência interna, se as
informações a que tem acesso são públicas, resultando, no máximo, em sua
exclusão. Contudo, se as informações utilizadas forem confidenciais, além da
conseqüência descrita anteriormente, incorre o sócio na conduta tipificada como
concorrência desleal21.
2.5 Função social e o princípio da preservação da empresa
É perfeitamente compreensível, em uma concepção liberal, pautada pelo
laissez-faire, laissez-passer, que a manutenção ou a extinção de uma empresa seja
tema de interesse exclusivo de seus sócios ou, no máximo, de seus herdeiros.
Todavia, o declínio do liberalismo e a consolidação do Estado de bem-estar
social trouxe significativas alterações na concepção que deve pautar a relação entre
Estado e sociedade na perspectiva sobretudo econômica. Assim, diferente do
Estado de concepção liberal, o welfare state pauta-se pela atuação direta do ente
estatal nas relações privadas de forma a preservar os interesses sociais.
Nesse sentido, acompanhando a geração dos direitos econômicos e sociais
(segunda geração), percebe-se, sobretudo nas constituições da Alemanha (1919) e
do México (1917) o surgimento da concepção de função social da propriedade que
gradativamente ganhou espaço em outras regiões e, desde 1988, encontra-se
insculpida no inciso XXIII do art. 5º, da Constituição Federal Brasileira: “a
propriedade atenderá a sua função social” repetida no art. 170, III22 que trata dos
princípios gerais da atividade econômica. (ANGHER, 2006).
21 Lei no 9.279/96- Art. 195. Comete crime de concorrência desleal quem: [...] XI - divulga, explora ou utiliza-se, sem autorização, de conhecimentos, informações ou dados confidenciais, utilizáveis na indústria, comércio ou prestação de serviços, excluídos aqueles que sejam de conhecimento público ou que sejam evidentes para um técnico no assunto, a que teve acesso mediante relação contratual ou empregatícia, mesmo após o término do contrato; (ANGHER, 2006). 22 Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: [...]
33
Assim, frente a uma Constituição não repressiva, mas moderadora que busca
alcançar um desenvolvimento sustentável e ordenado, Lopes (2004) aponta que é
imprescindível discutir a propriedade, e, nesse sentido, também, a empresa, na
óptica de uma função e responsabilidade sociais.
Para Magalhães:
A função social surge da necessidade do Estado moderno de limitar o individualismo, frente a exigência social de garantir o interesse da coletividade que não é satisfeita dentro do Estado liberal atual. A liberdade não pode contrastar com a utilidade social em temas como segurança, dignidade humana, devendo prevalecer os interesses coletivos como à educação, à saúde, os transportes, à tutela ambiental, entre outras. (Magalhães, 2007).
Com isso, atribui-se à empresa uma função social, como poder de ação no
interesse do outro, não apenas em proveito próprio, interferindo na esfera jurídica
alheia. Deste modo devem ser respeitados, tanto os interesses quanto os direitos
daqueles que se situam ao seu redor, ou seja, sócios e comunidade em geral,
sobretudo trabalhadores e consumidores. Neste sentido a empresa, na lição de
Magalhães, passou a ser uma instituição social:
porque provém a grande maioria de bens e serviços da sociedade e, ainda, dá ao Estado grande parcela de suas receitas fiscais. Com isso, o empresário não pode mais agir pensando, exclusivamente, em seus interesses, terá que atuar sempre em benefício, também, da própria comunidade. (MAGALHÃES, 2007).
Arnoldi e Michelan dizem, ainda, que:
A empresa, tal qual a concebemos hoje, não é mais uma mera produtora ou transformadora de bens que coloca no mercado. É, antes de tudo, um poder. Representa uma força sócio-econômica-financeira determinada, com uma enorme potencialidade de emprego e expansão que pode influenciar, de forma decisiva, o local em que se encontra. Com esse poder que hoje lhe é inerente, pergunta-se se não seria justo a mesma arcar com um papel social predeterminado pela comunidade. (Arnoldi e Michelan, 2000, p. 159).
Segundo os autores citados, o poder das empresas é constantemente
intensificado perante a Administração Pública, de tal maneira que obtém para si,
cada vez mais, funções típicas do Estado, “que perde parcela considerável de sua
III - função social da propriedade; (ANGHER, 2006).
34
soberania frente aos possíveis benefícios trazidos pela empresa.” (Arnoldi e
Michelan, 2000, p. 159).
Para Comparato, o significado primogênito de função social deve ser
entendido como cumprir algo ou desempenhar-se de um dever ou tarefa, numa
espécie de atuação na qual “o escopo perseguido pelo agente é sempre o interesse
alheio e não o próprio do titular do poder.” No mesmo sentido, afirma que “a
vinculação social da propriedade privada traduz-se, pelo menos, em alguns deveres
negativos impostos ao proprietário no uso de seus bens, notadamente imóveis.”
(COMPARATO, 1996, p. 40-41).
Por tal princípio, entende-se por empresa uma organização dos fatores de
produção, com ramificações nos elementos da natureza, capital e trabalho, e, ainda,
sendo um núcleo de desenvolvimento social, conforme Barros, et al (2002).
“Esta necessidade de cumprimento de um papel na comunidade, por parte do
moderno empresário, independente de seu tipo legal ou capacidade econômica, é
hoje tema de grande preocupação entre doutrinadores, juízes e legisladores.”
(PIMENTA, 2004, p. 31).
Lucena (2003) lembra que a função social não é exclusiva das grandes
corporações, como no caso das sociedades anônimas, mas de todo tipo societário,
inclusive nas limitadas, onde, a limitação da responsabilidade, como assevera
Campinho:
[...] é fonte propulsora de desenvolvimento econômico e social, na medida em que propicia o exercício mais seguro da empresa e fomenta, via de conseqüência, a sua proliferação, gerando empregos, tributos e a produção de bens e serviços para a comunidade. (CAMPINHO, 2004, p. 137).
Reconhecidamente, as pequenas e até mesmo as micro-empresas formam,
ao redor de si, um núcleo de interesses, que se reporta à função social. No caso das
micro, Lucena (2003) refere-se as mesmas como sendo as de maior importância
para o desenvolvimento econômico do país, por estarem presentes em maior
número, e, em todas as localidades.
Não é este o posicionamento de Arnoldi e Michelan (2000), para quem a
pequena e micro-empresas não estão aptas a servir a comunidade, sendo que
apenas as empresas de porte considerável têm condições de desenvolver uma
atividade de contribuição ou assistência social. Contudo este posicionamento não
35
parece o mais acertado, porquanto, mesmo não tendo condições para aplicar grande
monta de recursos para desenvolver programas sociais, a micro e pequena tem uma
função, ainda que regionalizada e limitada, em sua área de atuação.
Sendo assim, a empresa, em qualquer nível de desenvolvimento, além de ter
se tornado responsável por grande parte da receita do Estado, pelos impostos que
gera, também é responsável pelos empregos, produção e intermediação com o
consumidor, além de valorizar e melhorar o local onde se instala. Este é o
posiconamento de Magalhães (2007), ao reconhecer a função social, mesmo das
micro-empresas, cujos benefícios gerados podem ter menores reflexos na
sociedade, mas nem por isso são irrelevantes ou inexistentes.
Este “poder”, por assim dizer, que reveste a empresa, foi transferido em
virtude das mudanças no Estado, dantes descritas, sendo que:
[...] o Estado democrático de direito, modernamente, deixou de participar diretamente da produção e circulação de bens e serviços, deixando espaço para a livre iniciativa, que se transformou no projeto de desenvolvimento econômico da sociedade. Mas, o desenvolvimento econômico deverá estar vinculado ao desenvolvimento social, logo as vontades dos sócios não são mais os únicos aspectos a serem considerados. (MAGALHÃES, 2007).
Para clarear ainda mais o sentido de função social, é necessário analisar o
significado das palavras função, que na acepção jurídica quer dizer “dever de agir,
atribuído ou conferido por lei a uma pessoa, ou a várias, a fim de assegurar a vida
da administração pública ou o preenchimento de sua missão, segundo os princípios
instituídos pela própria lei”. (SILVA, 1998, p. 372). Já o termo social diz respeito
àquilo que é “pertencente à sociedade humana considerada como entidade dividida
em classes graduadas, segundo a posição na escala convencional: Posição social,
condição social, classe social”. (MICHAELIS, 1998, p. 1961). Por conseguinte a
função social, “seria definir um objetivo a ser alcançado em benefício da sociedade.”
(MAGALHÃES, 2007).
No mesmo sentido, Comparato acrescenta que:
[...] a noção de função, no sentido em que é empregado o termo desta matéria, significa um poder, mais especificamente um poder de dar ao objeto da propriedade destino determinado, de vinculá-lo a certo objetivo. O adjetivo social mostra que esse objetivo corresponde ao interesse coletivo e não ao interesse próprio do dominus; o que não significa que não possa haver harmonização entre um e outro. (COMPARATO, 1986, p. 75).
36
Neste caso, mesmo determinando que um titular de direitos tenha que cumprir
com determinados deveres em relação a terceiros, a função social da empresa não
tira a liberdade do indivíduo de agir de acordo com os próprios interesses. O que
ocorre é que também terá deveres com a sociedade em geral, “determinados pelos
princípios e normas jurídicas, positivadas ou não, limita a autonomia privada em
razão do bem comum.” (MAGALHÃES, 2007).
Contudo, a empresa somente estará obrigada a observar a função social das
atividades que constituem seu objeto, ou seja, ligado a sua atividade econômica
exercida. Portanto, não pode a sociedade cobrar da empresa, com base na função
social, deveres para os quais as empresas não foram criadas, porque senão só teria
deveres e não direitos.
A função social da sociedade é de tamanha valia, que a Lei das Sociedades
por Ações (Lei no 6.404/76) prescreveu que:
Art. 116 – [...] Parágrafo único. O acionista controlador deve usar o poder com o fim de fazer a companhia realizar o seu objeto e cumprir sua função social, e tem deveres e responsabilidades para com os demais acionistas da empresa, os que nela trabalham e para com a comunidade em que atua, cujos direitos e interesses deve lealmente respeitar e atender. (ANGHER, 2006).
O acionista controlador tem, portanto, a obrigação de observar a função social
que sua empresa tem ao tomar decisões e definir seus rumos. Mas este dever não é
exclusividade sua, conforme o artigo 154 da mesma legislação, mas também do
administrador, que “deve exercer as atribuições que a lei e o estatuto lhe conferem
para lograr os fins e no interesse da companhia, satisfeitas as exigências do bem
público e da função social da empresa.” (ANGHER, 2006).
Magalhães ressalta que a função social é um princípio que “trouxe um maior
grau de justiça nas relações sociais, visando coibir os abusos individuais, delimitar a
autonomia privada. Nas empresas, direciona a fazer o bem comum, possibilitando
um ganho econômico mais justo para todos.” (MAGALHÃES, 2007).
Em razão da função social da empresa, surgiu nos Estados Unidos da
América um debate sobre a responsabilidade social da empresa, conforme Arnoldi e
Michelan, para quem:
O estopim foi a Guerra do Vietnã, como contestação da sociedade às políticas que vinham sendo adotadas tanto pelo país como pelas empresas,
37
especialmente aquelas diretamente envolvidas na fabricação de armamentos de guerra. E foi em decorrência desse movimento social que surgiram os primeiros relatórios sócio-econômicos que procuraram descrever suas relações sociais. Tais relatórios, também chamados Balanços Sociais, apresentam-se como uma outra alternativa de ligação entre a empresa, seus funcionários e a comunidade. Através desse instrumento de gestão e informação que evidencia plenamente as informações econômicas, financeiras e sociais do desempenho das entidades, propicia-se uma visão completa da participação e contribuição social e econômica da empresa em seu ambiente de atuação. (ARNOLDI e MICHELAN, 2000, p. 161).
Ou seja, a responsabilidade social da empresa surgiu pelo descumprimento,
por parte do Estado, de seus deveres com a sociedade. Nesse sentido esse encargo
está sendo suportado, em parte, pelo empresário, seja porque o Estado determina,
ou por sua livre escolha, quando sente a necessidade de acobertar a população.
Assim, tem responsabilidade social, o empresário que contribui,
voluntariamente, com ações de preocupações sociais e ambientais, dentre outros
objetos distintos de sua atividade, contribuindo para o desenvolvimento social,
gerando benefícios para a sociedade em geral.
Mesmo diante das noções e obrigações com a função e responsabilidade
social, não pode ser ignorada a função primordial da empresa, qual seja, gerar
lucros. Portanto, não pode haver um obstáculo que impossibilite esta, em razão do
dever de cumprir uma atividade assistencial, filantrópica, por exemplo. “A empresa
tem uma função social, mas não uma função de assistência social.” (MAGALHÃES,
2007). Para que a empresa possa realizar ações benéficas à sociedade, ela deve
atingir, antes, a sua função específica, que é o lucro, para, depois, pensar em limitar
essa necessária função. “A função social jamais poderá ocupar a função econômica
da empresa. Empresa sem lucro não sobrevive, deixa de funcionar.” (MAGALHÃES,
2007).
E é nesse sentido, de desempenhar uma função social, que a empresa,
independentemente de sua abrangência econômica, sendo uma das principais
instituições modernas, deve ser preservada, mesmo que essa continuação se
contraponha ao interesse do sócio que pretende sua dissolução, ou, ainda, às
“regras de um vetusto Código, feito para outra época e outro meio, quando outras
eram as relações jurídicas.” (LUCENA, 2003, p. 925). Ou seja, em virtude de sua
função social, é gerado um interesse público na continuação da atividade econômica
própria de empresário, que a despeito da vontade do sócio que quer liquidá-la,
possibilita a sua manutenção, desde que assim deliberem os demais sócios.
38
Pode-se dizer que o princípio da preservação ou continuidade da empresa
revela-se como:
[...] imposição de determinadas normas e condutas ao empresário e àqueles que diretamente estão envolvidos com a empresa, tendentes a possibilitar ao organismo econômico cumprir com a demanda social em torno de si mesmo que [sic] à custa do interesse de seus titulares. (PIMENTA, 2004, p. 34).
Como visto, o sócio, bem como a sociedade não têm plenos poderes sobre si,
não têm somente direitos, mas também obrigações, com responsabilidades perante
a sociedade. Isso faz com que a função originária de lucros para os sócios da
sociedade seja alterada, para atender à função social e a preservação da empresa.
Para Lucena (2003), há uma clara separação, de duas coisas distintas, onde,
“tem-se, de um lado, a empresa, como organização dos fatores de produção, a ser
preservada; de outro, a sociedade, como organização jurídica societária [...].”
(LUCENA, 2003, p. 926).
Acerca desta distinção, Lopes complementa, no sentido de que:
Com efeito, é a empresa que deve ser preservada, e se for necessário haver alteração na sociedade para que isso aconteça, isso deve ocorrer. Somente se entendendo dessa maneira é que se vai perceber a maior importância da empresa sobre a sociedade e conseqüentemente sobre os seus sócios. (LOPES, 2004, p. 158).
Referido princípio tomou tamanha relevância, que basta apenas um sócio
remanescente com o intuito de continuar a atividade para que a regra seja eficaz,
como já decidiu o STJ:
Se um dos sócios de uma sociedade por quotas de responsabilidade limitada pretende dar-lhe continuidade, como na hipótese, mesmo contra a vontade da maioria, que busca a sua dissolução total, deve-se prestigiar o princípio da preservação da empresa, acolhendo-se o pedido de sua desconstituição apenas parcial, formulado por aquele, pois a sua continuidade ajusta-se ao interesse coletivo, por importar em geração de empregos, em pagamento de impostos, em promoção do desenvolvimento das comunidades em que se integra, e em outros benefícios gerais. (BRASIL, 1998a).
Como decorrência da importância da preservação da empresa, “institutos
como o recesso e a exclusão de sócio vêm sendo utilizados hodiernamente como
instrumentos para a preservação da atividade e do organismo econômico contra os
abalos ocorridos na estrutura da sociedade que os exerça.” (PIMENTA, 2004, p. 33).
39
Nunes conclui que:
As empresas comerciais representam um valor econômico de organização que é necessário conservar, para salvaguarda do esforço organizador dos empresários, do direito dos empregados ao trabalho, dos direitos dos sócios a ver frutificar seu capital. A ordem jurídica deve, portanto, facilitar o afastamento daquele sócio cuja presença é elemento pernicioso para o seu normal funcionamento e para a prosperidade da sua empresa. (NUNES, 2001, p.58).
Neste caso, a estabilidade da empresa, como garantia do desenvolvimento de
sua atividade social, pode ser alcançada pela exclusão ou a retirada do sócio, como
seu meio de defesa.
2.6 Contrato plurilateral
O contrato de sociedade, hodiernamente conhecido como plurilateral, foi
criação doutrinária cujo principal colaborador foi Ascarelli (1969), que destacou como
sua principal característica, o fato de participarem, nele, várias partes, além de que,
depois de celebrado, outras tantas partes quanto os sócios desejarem podem
adquirir direitos e obrigações. Nesse pacto, os sócios não contratam um com o
outro, mas defronte de todos os outros sócios, e estes com o objetivo comum do
contrato.
Ao definir este contrato, Fiuza disse que ele “é congraçamento de duas ou
mais pessoas que se obrigam a combinar seus esforços e ou recursos e aptidões
para o exercício de atividade econômica, com a finalidade de lograr fins comuns e
dividir os lucros obtidos.” (FIUZA, 2004, p. 586).
Fiuza (2004) destaca ainda que há divergências com relação à natureza
jurídica deste tipo contratual, ressaltando uma divisão entre os que adotam a linha
contratualista e os anticontratualistas. Entre estes últimos, descreve as quatro
teorias mais importantes.
A primeira é a que considera o contrato em questão como ato coletivo.
“Segundo seus defensores, não sendo a sociedade ato jurídico unilateral, por
emanar de mais de uma declaração de vontade, nem tão pouco ato jurídico bilateral,
por não se contrapor a vontade dos sócios, seria, então, ato jurídico coletivo.”
40
(FIUZA, 2004, p. 586). Desta forma teríamos um feixe de vontade dos sócios, que
são unidas, mas sem se fundir, por serem distintas uma da outra.
A segunda é a do ato complexo, pela qual, utilizando-se dos fundamentos
acima, seus adeptos acreditam que o contrato social seria ato jurídico complexo,
com as vontades dos sócios fundidas entre si.
A terceira é a corporativista, segundo a qual “pouco interessa se a vontade
dos sócios se une sem se fundir, ou se se funde uma às outras.” (FIUZA, 2004, p.
586). Para esta teoria, que também é conhecida como de união ou de ato de
fundação, a vontade dos sócios cria a sociedade e a Lei cuida de todo o resto.
Contrapondo-se às anteriores,a quarta teoria, a institucionalista coloca a
sociedade entre as instituições sociais, como o casamento, a família, a polícia,a
igreja, etc., e não entre os atos jurídicos. As sociedade seriam “pessoas jurídicas
colegiadas, resultantes da reunião de duas ou mais pessoas que conjugando
esforços e recursos, visam lograr fins comuns.” (FIUZA, 2004, p. 587).
De maneira diversa, os contratualistas, que tiveram a adesão da maioria dos
doutrinadores pátrios, tanto civilistas quanto comercialistas, além dos Códigos Civil e
Comercial, conforme Fiuza (2004), explicam a natureza jurídica da sociedade sem
negar a sua inclusão dentre os atos jurídicos. Para tanto são consideradas três
espécies de atos jurídicos: os unilaterais, os bilaterais e os plurilaterais, “fruto de
duas ou mais vontades não contrapostas, voltadas para o mesmo norte, como as
sociedades, o casamento, etc.” (FIUZA, 2004, p. 587). E conclui que: Sendo ato
jurídico plurilateral, ajusta-se a sociedade na categoria dos contratos, uma vez que
resulta de acordo de vontades. Nesta categoria, classifica-se como contrato bilateral,
haja vista que todos os sócios possuem direitos e deveres.” (FIUZA, 2004, p. 587).
Ascarelli (1969) já ressaltava que a percepção das diferenças entre o contrato
de sociedade e aqueles de permuta sempre aguçou divergências na doutrina.
Contudo, o autor diz que a melhor saída é a inclusão de uma subespécie na
categoria dos contratos, denominada de contrato plurilateral. E conclui que:
Essa categoria distingue-se, com efeito: a) pela possibilidade da participação de mais de duas partes; b) pelo fato de que, quanto a todas essas partes, decorrem do contrato, quer obrigações, de um lado, quer direitos, de outro. (ASCARELLI, 1969, p. 256).
41
O autor citado ainda diz que neste contrato, os interesses das várias partes,
mesmo que contrastantes, devem se unir em torno de uma finalidade comum, pelo
que conclui ser este contrato com “comunhão de fim.” (ASCARELLI, 1969, p. 271).
Finalidade esta que, deriva em sua autonomia. Assim, nos casos concretos, faz-se
necessária a análise da possibilidade e licitude da finalidade ou escopo do contrato,
independente da validade da adesão de cada parte ao mesmo.
Antes, porém, Mendonça já dizia que:
[...] os sócios cooperam para o escopo comum, e, em lugar dos interesses antagônicos ou opostos, que se observam nos outros contratos, na de sociedade, todos os sócios se esforçam para o mesmo resultado, no qual estão empenhados. Cada um deles tem um fim, se não idêntico, ao menos semelhante ao dos outros”. (MENDONÇA, 1963, p. 14-15).
Na mesma linha, Ascarelli (1969) destaca no contrato social plurilateral, uma
função instrumental finalística, da seguinte maneira:
Com efeito, a função do contrato plurilateral não termina, quando executadas as obrigações das partes (como acontece, ao contrário, nos demais contratos); a execução das obrigações das partes constitui a premissa para uma atividade ulterior; a realização desta constitui a finalidade do contrato; êste consiste, em substância, na organização de várias partes em relação ao desenvolvimento de uma atividade ulterior. Concluindo uma sociedade, as partes querem organizar-se para a realização de uma atividade ulterior: esta constitui o objetivo da sociedade, e a sua determinação é, portanto, juridicamente relevante. Eis por que, em tais contratos, devemos preocupar-nos com o objetivo ou fim do contrato e com a possibilidade e com a legitimidade dêsse objetivo. (ASCARELLI, 1969, p. 272-273).
Este contrato, em que se verifica uma relação sinalagmática entre as
convenções das várias partes, que se apresenta de maneira diversa do que nos
contratos bilaterais, adquire, aqui, um caráter indireto e mediato. Desta feita, sempre
que houver um inadimplemento das obrigações de uma parte, ou mesmo invalidade,
esta não afeta as outras relações, nem proíbe a permanência do contrato entre as
demais partes, salvo se restar impossível a exploração do objeto comum. Mas não é
o sinalagma o ponto fundamental do contrato, como lembra Comparato:
Nas sociedades, [...] analogamente ao que ocorre em outros contratos plurilaterais, como a associação ou o consórcio, o elemento fundamental não é o sinalagma, mas o escopo ou o objetivo comum, inexistente aos demais tipos contratuais. (COMPARATO, 1978, p. 137).
42
Completando este pensamento, Dalmartello, citado por Nunes (2001), salienta
que:
[...] a contrapartida de cada prestação não são as prestações efectuadas pelos outros sócios, mas a aquisição da quota social, esclarecendo que o contrato de sociedade é um contrato sinalagmático plurilateral, característica que, a seu ver, justifica a permanência do equilíbrio sinalagmático entre as obrigações cumpridas, limitando-se o efeito da resolução ao sócio inadimplente. (NUNES, 2001, p.53).
O contrato social, para que seja válido, necessita de alguns elementos que o
integra, como aduz Fiúza (2004). O primeiro deles é a pluralidade de sócios, sem o
qual não haverá sociedade; o segundo é a affectio societatis, retratada
anteriormente; o terceiro é a personalidade jurídica, que se distingue completamente
da personalidade dos sócios; o quarto é a autonomia patrimonial com relação às
pessoas que formam a sociedade; o quinto elemento, denominado ligabilidad,
vincula o patrimônio dos sócios às obrigações da sociedade, por elas respondendo;
e como quinto elemento temos a economicidade, “caracterizada pelo exercício de
atividade econômica com fins lucrativos.” (FIUZA, 2004, p. 588).
Uma característica deste contrato é que ele pode ser celebrado por prazo
determinado ou indeterminado, conforme disposto no artigo 99723 do Código Civil
brasileiro. A legislação referida trouxe uma inovação no artigo 1.033, inciso I24, que
foi bem recepcionada, conforme assinala Fiúza:
Sendo por prazo determinado, dispõe o art. 1.033, I do Código Civil que,
vencido o prazo, a sociedade se dissolve, a não ser que, sem nenhuma
oposição de qualquer dos sócios, continue a exercer suas atividades, sem
entrar em processo de liquidação. Neste caso, a sociedade se prorroga por
prazo indeterminado. É o que ocorre, aliás, em vários outros contratos,
como o de locação, por exemplo. Esta solução é bem melhor que a do
Código de 1916, para o qual o advento do termo dissolvia a sociedade
pleno iure, sendo necessária, para que continuasse, a constituição de uma
nova. Havia quem, já naquela época, tentasse atribuir outra interpretação à
23 Art. 997. A sociedade constitui-se mediante contrato escrito, particular ou público, que, além de cláusulas estipuladas pelas partes, mencionará: [...] II - denominação, objeto, sede e prazo da sociedade; (ANGHER, 2006). 24 Art. 1.033. Dissolve-se a sociedade quando ocorrer: I - o vencimento do prazo de duração, salvo se, vencido este e sem oposição de sócio, não entrar a sociedade em liquidação, caso em que se prorrogará por tempo indeterminado; (ANGHER, 2006).
43
regra do Código, como o Prof. João Baptista Vilella. Sua opinião era,
contudo, isolada. Hoje, prevalece, uma vez que adotada pelo artigo 1.033, I,
do Código Civil de 2002. (FIUZA, 2004, p.602).
Sendo assim, a sociedade pode ser entendida como um contrato, que gera
relações obrigacionais entre seus participantes, e entre estes e o novo sujeito de
direito. (COELHO, 2006, p.380)
Pimenta acrescenta que:
Tem-se portanto que o contrato de sociedade admite, enquanto contrato plurilateral ou aberto, a entrada e saída de determinado(s) membro(s), com a conseqüente retirada de seus recursos financeiros inseridos no patrimônio social, sem comprometer a sua validade e eficácia em relação aos demais. (PIMENTA, 2004, p. 39).
Conclui-se que o contrato plurilateral possibilita uma intangibilidade das
relações de direitos e deveres entre as partes alheias à rescisão, quando operada
esta por culpa de um dos contratantes, o que é uma peculiaridade deste tipo
contratual.
44
3 A SOCIEDADE LIMITADA
3.1 Origens e evolução
Não obstante a história das sociedades mercantis remontar às cidades
italianas da Idade Média, o que havia naquela época eram tipos bastante distintos e
antagônicos entre si. Por um lado, existiam as sociedades em nome coletivo e em
comandita simples que, frente a sua índole pessoal e contratual, caracterizavam-se
pela limitação da responsabilidade dos sócios frente às obrigações sociais. No outro
extremo, e diretamente ligadas a vultosos empreendimentos como as grandes
navegações, haviam as sociedades anônimas, compostas pos massas anônimas
que tinham sua responsabilidade limitada à contribuição dada para o capital social.
(BARBI FILHO, 2004).
Já naquele tempo, e, sobretudo, após a Revolução Industrial, era nítida a
necessidade de se criar um novo modelo societário que pudesse servir a
empreendimentos de pequeno e médio portes. Assim, em 1892 o legislador
germânico foi o pioneiro, ao criar a sociedade de responsabilidade limitada,
atendendo os anseios dos comerciantes, pois bastavam apenas dois sócios para
sua constituição, de maneira simples, sendo, ainda, imputado a cada um a
responsabilidade apenas pelo valor unitário que contribuiu para a formação do
capital social.
Dessa forma, mesmo reconhecendo-se que as sociedades limitadas tiveram,
ao contrário dos demais tipos societários, o surgimento a partir da lei e não da
prática, admite-se que suas raízes remontam à private-company do direito inglês,
modelo que, segundo Barbi Filho, foi desenvolvido por pequenos comerciantes “a
partir dos princípios norteadores das sociedades anônimas, com o objetivo de limitar
a sua responsabilidade por obrigações sociais e, ao mesmo tempo, escapar das
dificuldades operacionais inerentes às sociedades de capital.” (BARBI FILHO, 2004,
p. 79)
Mas Borges, com lição mais acertada, aponta que:
45
Muitos autores, entre nós, filiam a sociedade por cotas de responsabilidade limitada às private companies do direito inglês, nas quais se teria inspirado a lei alemã. Não tem razão porém. Aquelas private companies não passam de sociedades anônimas simplificadas e dotadas de características especiais, [...] São, porém, inconfundíveis com o novo tipo de sociedade que é criação originária da Alemanha. (BORGES, 1971, p. 330).
Mesmo frente à necessidade de criação de um novo modelo societário, a
proliferação das sociedades de responsabilidade limitada, após sua criação no
direito germânico, não foi muito rápida e, seguindo-se a Alemanha, Portugal,
influenciado pela lei primitiva, foi o segundo país a legislar sobre o tema, criando, em
1901, a sociedade por quotas de responsabilidade limitada, que além de até hoje ter
sofrido poucas alterações (BARBI FILHO, 2004) viria, mais tarde, a influenciar
decisivamente o direito brasileiro. Hoje as sociedades por quotas encontram-se
previstas, no direito português, no Decreto-Lei n. 262 de 02 de setembro de 1986
(Código de Sociedades Comerciais) em seu título III.
Em seqüência, a Áustria legislou sobre o assunto em 1906, aprimorando o
modelo alemão notadamente no que diz respeito à função dos gerentes e, a seguir,
em 1907 foi a vez da Inglaterra, onde, na prática, já existia referido tipo societário,
conforme mencionado. Mais tarde, em 1924, em decorrência da recuperação dos
territórios da Alsácia e de Lorena, que estiveram sob domínio germânico, a França
viu-se obrigada a também criar normas sobre o assunto. (BARBI FILHO, 2004)
Já no Brasil, Borges (1971) refere-se ao projeto de Nabuco de Araújo, de
1865, como primeira tentativa de introdução do novo tipo societário, denominado de
sociedade de responsabilidade limitada. No tempo em que a autorização do Poder
Público era indispensável para o funcionamento da sociedade anônima, o novo tipo
“era apenas uma sociedade anônima simplificada que podia estabelecer-se ‘sem
aprovação ou autorização exigidas para as sociedades anônimas’ (art. 1º. Do Projeto
NABUCO DE ARAÚJO).” (BORGES, 1971).
Apenas em 1912, Inglês de Sousa, como afirma Borges (1971), trouxe a
sociedade limitada para o Brasil, influenciado pela lei portuguesa, em seu Projeto de
Código Comercial de 1912. O projeto referido não chegou a ser aprovado, sendo
que o deputado Joaquim Luís Osório enviou à Câmara o projeto no 247, em 1918,
que era baseado no texto de Inglês de Sousa, convertendo-se no Decreto no 3.708
de 1919. O texto legal teve vida longa, sendo sua matéria alterada,
substancialmente, somente em 2002, pelo Código Civil em vigor, pelos artigos 1.052
46
a 1.087 (ANGHER, 2006), sendo aplicadas, ainda, nas hipóteses de omissões, as
regras das sociedades simples, ou, quando previsto no contrato social, as regras
das Sociedades Anônimas, de forma supletiva. “Se comparada aos outros modelos
existentes, a sociedade limitada pode ser considerada bastante atual, constituindo o
mais recente dos tipos legais de sociedades mercantis no direito brasileiro.” (BARBI
FILHO, 2004, p. 77).
A forte conotação pessoal dada à sociedade limitada, como salienta Martins
(2005), dificultou a regulação de outros tipos societários pelas normas da limitada.
Por outro lado, esse modelo societário se aproximou da sociedade anônima, em
alguns aspectos, quando, por exemplo, lhe é facultada a instituição de Conselho
Fiscal25.
Além disso, a existência de grande hiato entre a elaboração do Decreto de
1919 e o Código Civil de 2002 só não tornou obsoleta a legislação sobre as
sociedade limitadas em decorrência de uma substancial construção doutrinária e
jurisprudencial. Sobre esse desenvolvimento, assinala Barbi Filho:
Assim foi que se consolidaram os entendimentos relativos a diversos aspectos da sociedade limitada. Entre eles, merecem destaque sua classificação como comercial ou civil em função do objeto; a possibilidade da participação de sócios menores, desde que fora da gerência e com o capital integralizado; a admissibilidade da sociedade entre marido e mulher; a alteração do contrato social pela maioria, exceto no que tange ao objeto social; a transferibilidade e penhorabilidade das quotas sociais; e a possibilidade de dissolução parcial da sociedade, motivada ou imotivada, com saída de um sócio e continuação dos demais. (grifo nosso) (BARBI FILHO, 2004, p. 85).
Do direito germânico mais uma vez, veio, em 1980, uma grande inovação,
qual seja, a possibilidade da criação e funcionamento da sociedade de
responsabilidade limitada, por apenas um sócio.
Já os franceses, em 1985, publicaram a lei no 85.687, que permitiu a
instituição de sociedade de responsabilidade limitada, por ato unilateral de vontade
de uma só pessoa física ou moral, o que revolucionou o direito societário.
Observando-se o entendimento de Martins, para quem “o Direito estrangeiro
mais avançado dá um novo conceito à sociedade, que deixa de ser considerada um
contrato para caracterizar-se como uma ‘instituição’” (MARTINS, 2005, p. 253),
25 CC - Art - 1.066. Sem prejuízo dos poderes da assembléia dos sócios, pode o contrato instituir conselho fiscal composto de três ou mais membros e respectivos suplentes, sócios ou não, residentes no País, eleitos na assembléia anual prevista no art. 1.078. (ANGHER, 2006).
47
compete ao legislador e aos aplicadores do direito, espelharem-se nessas
transformações e proporcionar ao direito empresarial brasileiro soluções atais e em
conformidade com a dinâmica que se espera dessa disciplina.
3.2 Conceito e abrangência no direito brasileiro
São encontrados diversos conceitos de sociedade limitada (Ltda.) na doutrina,
principalmente em razão das mudanças que ocorreram na legislação brasileira e da
diversidade de terminologias utilizadas pelas legislações de outros países.
Contudo, Martins conseguiu reunir, em sua definição, a maioria dos
elementos dispostos na legislação pátria, sendo que para ele:
Sociedades limitadas são aquelas formadas por duas ou mais pessoas, cuja responsabilidade é identificada pelo valor de suas quotas, porém todos se obrigam solidariamente em razão da integralização do capital social. Há uma responsabilidade solidária pelo total do capital social. (MARTINS, 2005, p. 250).
Assim, a sociedade limitada é um dos tipos de sociedade empresária
previstos no ordenamento jurídico brasileiro. Como bem definiu Martins:
Denomina-se sociedade empresária a organização proveniente de acordo de duas ou mais pessoas, que pactuam a reunião de capitais e trabalho para um fim lucrativo. A sociedade pode advir de contrato ou ato correspondente; uma vez criada, e adquirindo personalidade jurídica, a sociedade se autonomiza, separando-se das pessoas que a constituíram. (MARTINS, 2005, p. 170).
Sendo a sociedade limitada uma sociedade contratual, sua estrutura é
definida por seu contrato social, que se diferencia das demais modalidades
contratuais, porque se destina à formação de uma pessoa jurídica, no qual o objetivo
é comum a todos que o celebram. Para Fazzio Júnior (2005), a maioria dos autores
sobre a matéria o define como “contrato plurilateral de organização” (Fazzio Júnior,
2005, p. 155).
48
Mesmo com a existência do contrato social, o Código Civil Brasileiro de 2002
(ANGHER, 2006), dispõe em seu artigo 98526, que a personalidade jurídica somente
é adquirida pela sociedade após a inscrição dos seus atos constitutivos, no registro
próprio e na forma da lei. O registro a que se refere a norma citada, é o Registro
Público de Empresas Mercantis e Atividades Afins, definido pela Lei no 8.934, de 18
de novembro de 1994, sendo que sua execução fica a cargo das Juntas Comerciais
Estaduais.
Efetivado o registro, a sociedade limitada torna-se, então, uma pessoa
jurídica, com personalidade diversa daquelas das pessoas que a formam. Nesse
sentido, afirmou Rodrigues:
Pessoas jurídicas, portanto, são entidades a que a lei empresta personalidade, isto é, são seres que atuam na vida jurídica, com personalidade diversa da dos indivíduos que os compõem, capazes de serem sujeitos de direitos e obrigações na ordem civil. (RODRIGUES, 2002, p. 86).
No momento em que a sociedade passa a ter personalidade jurídica se
distancia da personalidade de seus sócios, ou seja, a personalidade confere a
titularidade de direitos e deveres, que são próprios das pessoas, tornando a
sociedade limitada sujeito de relações jurídicas, dotada, portanto, de capacidade
jurídica, conforme destacou Amaral (2003). Com a aquisição da personalidade, pela
sociedade, surgem algumas conseqüências, que, dentre elas destacam-se: o
patrimônio próprio, nome empresarial, domicílio e nacionalidade.
As sociedades que não atendem aos ditames legais e que não têm seus atos
constitutivos devidamente registrados são consideradas sociedades irregulares e de
fato. Segundo Martins (2005) e Fazzio Júnior (2005), as primeiras seriam as que,
tendo um contrato escrito, deixam de arquivá-lo no Registro Público de Empresas
Mercantis e Atividades Afins, e as segundas as que funcionam sem quaisquer
documentos em que baseiem a sua atuação. Contudo, estas não estão insertas no
objeto em estudo.
26 Art. 985. A sociedade adquire personalidade jurídica com a inscrição, no registro próprio e na forma da lei, dos seus atos constitutivos (arts. 45 e 1.150). (ANGHER, 2006).
49
3.3 Características e estrutura
Dentre as características da sociedade limitada, antes de qualquer outra,
merece destaque a limitação da responsabilidade dos sócios ao valor pelo qual se
comprometeram perante a sociedade, ou seja, o valor de suas cotas, conforme
leciona Lucena (2003). Decerto que todos os sócios também respondem, solidária e
ilimitadamente, pelo total do capital que ainda não foi integralizado27. Neste caso, em
se verificando que um dos sócios descumpriu com suas obrigações e é considerado
remisso, uma das alternativas que cabe à sociedade é a sua expulsão, conforme
exposto adiante.
Como instrumento de criação da limitada, seu contrato social seguirá os
requisitos da sociedade simples. Dentre eles deve constar a qualificação detalhada
da empresa, com denominação, objeto e seu detalhamento no contrato social, além
da qualificação de cada sócio, com a respectiva indicação da cota de cada um, com
a forma e prazo para realizá-la (integralizá-la), bem como sua participação nos
lucros e nas perdas28.
O contrato social pode prever ainda a complementação das disposições
referentes à sociedade limitada, ao prever que lhe serão aplicadas, supletivamente,
ou as normas da sociedade simples ou a da sociedade anônima29.
A participação dos sócios na sociedade limitada é mensurada pela quantidade
de cotas que cada um detém, que são indivisíveis, e, normalmente, representam a
27 Art. 1.052. Na sociedade limitada, a responsabilidade de cada sócio é restrita ao valor de suas quotas, mas todos respondem solidariamente pela integralização do capital social. (ANGHER, 2006). 28 Art. 997. A sociedade constitui-se mediante contrato escrito, particular ou público, que, além de cláusulas estipuladas pelas partes, mencionará: I - nome, nacionalidade, estado civil, profissão e residência dos sócios, se pessoas naturais, e a firma ou a denominação, nacionalidade e sede dos sócios, se jurídicas; II - denominação, objeto, sede e prazo da sociedade; III - capital da sociedade, expresso em moeda corrente, podendo compreender qualquer espécie de bens, suscetíveis de avaliação pecuniária; IV - a quota de cada sócio no capital social, e o modo de realizá-la; V - as prestações a que se obriga o sócio, cuja contribuição consista em serviços; VI - as pessoas naturais incumbidas da administração da sociedade, e seus poderes e atribuições; VII - a participação de cada sócio nos lucros e nas perdas; VIII - se os sócios respondem, ou não, subsidiariamente, pelas obrigações sociais. Parágrafo único. É ineficaz em relação a terceiros qualquer pacto separado, contrário ao disposto no instrumento do contrato. (ANGHER, 2006). 29 Art. 1.053. A sociedade limitada rege-se, nas omissões deste Capítulo, pelas normas da sociedade simples. Parágrafo único. O contrato social poderá prever a regência supletiva da sociedade limitada pelas normas da sociedade anônima. (ANGHER, 2006).
50
proporção da quantia que cada um contribuiu no capital social, para a formação da
sociedade. Exceção à indivisibilidade das cotas se faz possível no caso de
transferência das mesmas, o que pode ocorrer em sua totalidade ou parcialmente30.
Com relação à sua transferência, as cotas podem ser livremente negociadas
entre os sócios, sem anuência dos demais. Esta negociação, contudo somente
produzirá efeitos perante a sociedade e terceiros, depois de assentada no registro
público competente. Contudo pode haver restrições constantes do contrato social,
ou, ainda, se houver oposição de sócios que representem mais de vinte e cinco por
cento do capital social31.
Durante o funcionamento da sociedade limitada, esta poderá ser administrada
por apenas uma, ou maior número de pessoas, conforme disposto no contrato
social, ou até mesmo, em ato separado. Para dirigir a sociedade não é requisito que
o administrador seja sócio, mas, neste caso dependerá de aprovação de dois terços
dos sócios, no mínimo, ou da unanimidade destes, no caso em que o capital social
não estiver integralizado na sua totalidade32. Mesmo sendo administrador, para que
seja possível a utilização da firma social, deve haver expressa autorização para
tanto33.
Como parte da estrutura da limitada, os sócios podem instituir um conselho
fiscal34, o que pode ocorrer no contrato social original, quando da criação da
sociedade, ou pelos sócios depois do seu funcionamento, na assembléia geral, que
tenha esta matéria por objeto. Independente da forma de sua criação, seus
membros devem ser eleitos na assembléia geral anual, podendo figurar neste órgão
pessoas que sejam sócias, desde que não participantes de outro organismo social,
30 CC - Art. 1.056 - A quota é indivisível em relação à sociedade, salvo para efeito de transferência, caso em que se observará o disposto no artigo seguinte. (ANGHER, 2006). 31 CC - Art. 1.057 - Na omissão do contrato, o sócio pode ceder sua quota, total ou parcialmente, a quem seja sócio, independentemente de audiência dos outros, ou a estranho, se não houver oposição de titulares de mais de um quarto do capital social. Parágrafo único. A cessão terá eficácia quanto à sociedade e terceiros, inclusive para os fins do parágrafo único do art. 1.003, a partir da averbação do respectivo instrumento, subscrito pelos sócios anuentes. (ANGHER, 2006). 32 CC - Art. 1.061 - Se o contrato permitir administradores não sócios, a designação deles dependerá de aprovação da unanimidade dos sócios, enquanto o capital não estiver integralizado, e de dois terços, no mínimo, após a integralização. (ANGHER, 2006). 33 CC - Art. 1.064 - O uso da firma ou denominação social é privativo dos administradores que tenham os necessários poderes. (ANGHER, 2006). 34 CC - Art. 1.066. Sem prejuízo dos poderes da assembléia dos sócios, pode o contrato instituir conselho fiscal composto de três ou mais membros e respectivos suplentes, sócios ou não, residentes no País, eleitos na assembléia anual prevista no art. 1.078. (ANGHER, 2006).
51
como da administração, por exemplo, ou não sócios, desde que em todos os casos,
sejam residentes no país3536.
Dentre as funções do conselho fiscal, que não podem ser delegadas a
qualquer outro organismo da sociedade37, encontram-se as de analisar os livros e
documentos da sociedade, devendo os administradores ser solidários com suas
requisições, devendo apresentar pareceres sobre tudo o que foi analisado no
exercício à assembléia anual dos sócios. Portanto, também deve denunciar erros,
fraudes, sob pena de sua responsabilização solidária. Tal conselho tem, ainda, a
prerrogativa de convocar a assembléia dos sócios sempre que ocorram motivos
graves ou urgentes, ou, ainda se a diretoria atrasar sua convocação por mais de
trinta dias38.
Com relação às deliberações dos sócios, estas podem ocorrer por meio de
reuniões ou assembléias, conforme disposto no contrato social, sendo que estas são
obrigatórias quando o número de sócios for superior a dez. ambas as formas de
deliberação podem ser dispensadas, no caso em que todos os sócios decidirem por
35 CC - Art. 1.066 [...] § 1o Não podem fazer parte do conselho fiscal, além dos inelegíveis enumerados no § 1o do art. 1.011, os membros dos demais órgãos da sociedade ou de outra por ela controlada, os empregados de quaisquer delas ou dos respectivos administradores, o cônjuge ou parente destes até o terceiro grau. (ANGHER, 2006). 36 CC - Art. 1.011. O administrador da sociedade deverá ter, no exercício de suas funções, o cuidado e a diligência que todo homem ativo e probo costuma empregar na administração de seus próprios negócios. § 1o Não podem ser administradores, além das pessoas impedidas por lei especial, os condenados a pena que vede, ainda que temporariamente, o acesso a cargos públicos; ou por crime falimentar, de prevaricação, peita ou suborno, concussão, peculato; ou contra a economia popular, contra o sistema financeiro nacional, contra as normas de defesa da concorrência, contra as relações de consumo, a fé pública ou a propriedade, enquanto perdurarem os efeitos da condenação. 37 CC - Art. 1.070. As atribuições e poderes conferidos pela lei ao conselho fiscal não podem ser outorgados a outro órgão da sociedade, e a responsabilidade de seus membros obedece à regra que define a dos administradores (art. 1.016). (ANGHER, 2006). 38 CC - Art. 1.069 - Além de outras atribuições determinadas na lei ou no contrato social, aos membros do conselho fiscal incumbem, individual ou conjuntamente, os deveres seguintes: I - examinar, pelo menos trimestralmente, os livros e papéis da sociedade e o estado da caixa e da carteira, devendo os administradores ou liquidantes prestar-lhes as informações solicitadas; II - lavrar no livro de atas e pareceres do conselho fiscal o resultado dos exames referidos no inciso I deste artigo; III - exarar no mesmo livro e apresentar à assembléia anual dos sócios parecer sobre os negócios e as operações sociais do exercício em que servirem, tomando por base o balanço patrimonial e o de resultado econômico; IV - denunciar os erros, fraudes ou crimes que descobrirem, sugerindo providências úteis à sociedade; V - convocar a assembléia dos sócios se a diretoria retardar por mais de trinta dias a sua convocação anual, ou sempre que ocorram motivos graves e urgentes; VI - praticar, durante o período da liquidação da sociedade, os atos a que se refere este artigo, tendo em vista as disposições especiais reguladoras da liquidação. (ANGHER, 2006).
52
escrito sobre a matéria que seria analisada na reunião ou assembléia39. Se forem
observadas as normas, as deliberações tomadas vinculam todos os sócios, mesmo
os ausentes ou dissidentes. A assembléia dos sócios deve realizar-se uma vez por
ano, nos quatro meses seguintes ao término do exercício social. As deliberações
tomadas em assembléia que infrinjam a lei ou o previsto no contrato social tornam
ilimitada a responsabilidade dos que expressamente as aprovaram, conforme
Lucena (2003).
Ressalvado o disposto em lei especial, o capital da sociedade pode ser
modificado tanto em relação a aumento quanto à redução. Esta ocorrerá mediante
alteração contratual, depois de integralizado o capital, se houver perdas irreparáveis
ou se o capital for excessivo em relação ao objeto da empresa40.
Por fim, em relação às decisões tomadas em assembléia, ou pela
administração, por exemplo, há a possibilidade, em se verificando que um ou mais
elementos estejam pondo em risco a efetiva continuação da empresa, de haver uma
deliberação dos sócios sobre a exclusão de quem incorreu na justa causa. Por
ocasião da deliberação deverá o acusado tomar conhecimento, para que seja
possibilitado o exercício de seu direito de defesa. Ou, ainda que não haja justa
causa, há a possibilidade, de, havendo desentendimento, o sócio que dissentiu
exercitar seu direito de retirada da sociedade, conforme estudo posterior.
39 CC - Art. 1.072 - As deliberações dos sócios, obedecido o disposto no art. 1.010, serão tomadas em reunião ou em assembléia, conforme previsto no contrato social, devendo ser convocadas pelos administradores nos casos previstos em lei ou no contrato. § 1o A deliberação em assembléia será obrigatória se o número dos sócios for superior a dez. § 2o Dispensam-se as formalidades de convocação previstas no § 3o do art. 1.152, quando todos os sócios comparecerem ou se declararem, por escrito, cientes do local, data, hora e ordem do dia. § 3o A reunião ou a assembléia tornam-se dispensáveis quando todos os sócios decidirem, por escrito, sobre a matéria que seria objeto delas. 40 CC - Art. 1.082 - Pode a sociedade reduzir o capital, mediante a correspondente modificação do contrato: I - depois de integralizado, se houver perdas irreparáveis; II - se excessivo em relação ao objeto da sociedade.
53
4 FORMAS DE DISSOLUÇÃO PARCIAL DA SOCIEDADE LIMITAD A
A sociedade deve ser vista como um indivíduo que tem vida, ou seja, ela
nasce, vive e morre. Assim, seu nascimento ocorre com sua constituição e
averbação de seu ato constitutivo no registro competente. Sua vida é verificada pelo
seu funcionamento, ao passo que a morte pela dissolução, liquidação e afastamento
de um de seus membros pela exclusão ou retirada, conforme Arecha y Cuerva
(1976).
No passado, parte da doutrina não aceitava a dissolução parcial, ou
simplesmente não concordava com a nomenclatura utilizada. Contudo a doutrina
moderna adotou a dissolução parcial para aqueles casos em que a sociedade se
resolve em relação a um ou mais sócios, mas persiste explorando sua atividade
empresarial, conforme assinala Franco (1989).
Sobre tal avanço doutrinário, Bulgarelli ressalta que:
Trazida, entretanto, a questão da empresa a partir de certa época, à colação, houve expressiva mudança na apreciação dos interesses nela envolvidos, passando-se a admitir a continuação da sociedade, apesar dos velhos dispositivos legais e de certas cláusulas contratuais. Foi então, que se recorreu à dissolução parcial, como verdadeira construção pretoriana, a qual em termos de apuração de haveres, iria se expandindo até chegarmos ao atual período com a chamada dissolução parcial como se total fosse. (BULGARELLI, 1999, p. 409).
Coelho (2005) aponta como causas principais da dissolução parcial, a
vontade, a retirada, a exclusão, a morte ou a falência de sócios, ou ainda, a
liquidação da quota a pedido de credor de sócio. Nesse sentido a dissolução parcial
“[...] ocorre quando é produzida alguma redução no quadro de sócios integrantes de
sociedade, decorrendo uma alteração no contrato social constitutivo, mas sem afetar
o funcionamento da entidade41.” (ARECHA y CUERVA, 1976, p.144).
É necessária, neste ponto, uma distinção entre dissolução parcial em sentido
estrito, aquela que tem a vontade dos sócios como causa, e recesso, feita por
Penteado, para quem:
41 [...] Se opera cuando se produce alguma redución em el elenco de los integrantes, modificándose e lacto constitutivo sin afectar la entidad. (ARECHA y CUERVA, 1976, p.144).
54
A chamada dissolução parcial, fórmula elaborada pela doutrina e largamente admitida pelos tribunais, encontra nas limitadas utilização intensiva que permite aos quotistas obterem, na via judicial, resultado semelhante ao alcançado pelo direito de recesso ou retirada – com a substancial diferença de que, aqui, não precisam alegar nenhuma das hipóteses que constam na lei, em elenco fechado, como pressuposto para o exercício desse direito (no caso do Dec. N. 3.708/19, a divergência na alteração do contrato social – art. 15). (PENTEADO, 2000, p.154).
Quando se fala em dissolução parcial, faz-se referência direta com redução
do capital social.
Não é demais lembrar que o Código Civil Brasileiro introduziu a disciplina da
redução de capital social, em seu artigo 1.082, assim:
Art. 1.082 - Pode a sociedade reduzir o capital, mediante a correspondente modificação do contrato: I - depois de integralizado, se houver perdas irreparáveis; II - se excessivo em relação ao objeto da sociedade. (ANGHER, 2006).
O assunto é palpitante, no sentido de que pode afetar os direitos dos credores
sociais. Mas como os aumentos, as reduções de capital são muitas vezes
necessárias para sopesar o desequilíbrio surgido entre seu montante e o do
patrimônio social. Em todos os casos, a diminuição ocorrerá mediante a diminuição
proporcional do valor das quotas, para que seja mantida a estrutura interna da
sociedade. Com relação à forma introduzida pelo Código Civil, Coelho (2005) diz
que não é a mais correta por contrariar a tradicional prática que permite a redução
do número de quotas nas limitadas.
Mesmo aos credores a redução é mecanismo importante, sendo que
possibilita vislumbrar a exata capacidade de garantia de dívidas sociais, permitindo o
equilíbrio entre o patrimônio e o capital social.
Para Coelho, a redução de capital pode ser voluntária ou obrigatória. Assim:
No primeiro caso, depende de deliberação tomada em reunião ou em assembléia dos sócios. São voluntárias as espécies de redução de capital de que trata o art. 1.082, ou seja, as decorrentes de capital excessivo ou de perdas irreparáveis, haja vista que, mesmo constatadas esses hipóteses, os sócios terão autonomia para implementar ou não a redução. Nesses casos, portanto, fica ao livre arbítrio dos sócios a realização da redução. [...] Já as reduções obrigatórias de capital, explica Modesto Carvalhosa, são decorrentes do direito de retirada. A redução obrigatória deve ser realizada mediante deliberação da reunião ou da assembléia dos sócios, que, no entanto, apenas homologará a proposta de redução realizada pelos administradores. Nessas hipóteses, os sócios não têm ampla liberdade para discutir e votar a matéria, tendo em vista expressa determinação legal. A
55
homologação da redução justifica-se pela necessidade de alteração do contrato social. (COELHO, 2005, p. 177).
Outra hipótese de redução de capital, advém em virtude de inadimplência de
sócio remisso, com base na qual o mesmo é excluído antes mesmo da
integralização, e, ainda, se não suprida a falta de capital pelo ingresso de novo sócio
ou pela aquisição da parte faltante pelos demais sócios, caso em que o capital social
deverá ser obrigatoriamente reduzido42.
Porém, nem sempre haverá redução de capital nos casos elencados, já que
quando houver retirada ou exclusão, poderão os demais sócios subscrever as
quotas do sócio retirante ou excluído, obedecido o direito de preferência.
Com a possibilidade de ser instituído conselho fiscal na sociedade limitada e,
se estiver em funcionamento, é essencial seu parecer acerca da redução pois sua
função é orientar os sócios, fornecendo-lhes informações e opiniões a fim de que
possam, seguramente, deliberar sobre a matéria.
A redução, contudo, somente será eficaz com o registro da ata da assembléia
ou reunião que a tenha aprovado, junto ao Registro Público de Empresas Mercantis.
Em qualquer dos casos de dissolução parcial, ressalte-se, que o valor da
quota a ser considerada, será somente a do montante que o sócio tiver realizado,
considerando-se a realidade da situação patrimonial da sociedade na época em que
o sócio se afastar ou for afastado da sociedade, sendo que referida verba será
quitada na forma prevista no contrato social, ou, na sua falta, em noventa dias de
sua liquidação. Aos sócios remanescentes, resta, ainda, o direito de suprirem o valor
das quotas do ex-sócio, como forma de evitar a redução do capital da empresa43.
42 CC - Art. 1.058 - Não integralizada a quota de sócio remisso, os outros sócios podem, sem prejuízo do disposto no art. 1.004 e seu parágrafo único, tomá-la para si ou transferi-la a terceiros, excluindo o primitivo titular e devolvendo-lhe o que houver pago, deduzidos os juros da mora, as prestações estabelecidas no contrato mais as despesas. (ANGHER, 2006). 43 CC - Art. 1.031 - Nos casos em que a sociedade se resolver em relação a um sócio, o valor da sua quota, considerada pelo montante efetivamente realizado, liquidar-se-á, salvo disposição contratual em contrário, com base na situação patrimonial da sociedade, à data da resolução, verificada em balanço especialmente levantado. § 1o O capital social sofrerá a correspondente redução, salvo se os demais sócios suprirem o valor da quota. § 2o A quota liquidada será paga em dinheiro, no prazo de noventa dias, a partir da liquidação, salvo acordo, ou estipulação contratual em contrário. (ANGHER, 2006).
56
4.1 Origem e evolução do recesso e da exclusão do sócio
Devido à necessidade de conservação da empresa, Nunes (2001) indica que
nasceu na Alemanha, o princípio, que com o passar dos tempos foi sendo adotado
em todas as legislações, que reconhecia “o direito de a sociedade excluir do seu
seio o sócio que põe em perigo o normal desenvolvimento da sua empresa.”
(NUNES, 2001, p.30).
Até chegar à forma como se conhece hoje, Nunes (2001), Fonseca (2003) e
Dalmartello (1939) destacam três teorias acerca do afastamento de sócio, sendo que
na primeira, aquela conhecida como teoria do poder corporativo disciplinar, o
afastamento se faz possível em virtude da legítima supremacia discricionária do ente
coletivo em relação aos sócios. A segunda, dita teoria da disciplina taxativa legal,
pugnava pela defesa da sociedade contra os sócios que ponham em perigo o
desenvolvimento da empresa, tendo uma finalidade publicística/social, sendo
permitida a exclusão apenas nos casos taxativamente previstos na lei. A terceira
teoria, que é aquela que se destacou no ordenamento jurídico brasileiro, é a
contratualista, segundo a qual a expulsão do sócio tem lugar na sociedade e é
tratada como a resolução do contrato por inadimplemento, aliada ao princípio de
conservação da empresa.
Ilustrando o plano exposto, Lopes, de acordo com a lição de Dalmartello
(1939) materializa seu pensamento, segundo o qual:
A teoria do contrato-organização é a que melhor explica a possibilidade de exclusão de sócio, pois no momento em que a empresa constitui-se por inúmeros contratos devidamente organizados por ela, passa a ter uma importância maior que a sociedade que a instituiu, e, mesmo existindo o interesse dos sócios, estes passam a ter menor importância aos objetivos sociais traçados por eles mesmos para a empresa. Não estando os sócios a colaborar com a empresa, não poderão continuar nela. (LOPES, 2004, p. 159).
Barbi Filho (2004) assevera que o instituto da exclusão, do seu início, até a
forma atual, passou por um longo processo de amadurecimento.
Segundo o mesmo autor, tal ente já era previsto no Código Comercial de
1850, na parte relativa à rescisão da sociedade a respeito do sócio, quando o artigo
57
28944 (ANGHER, 2006) permitia sua aplicação no caso do sócio que subscreveu
ações, mas não cumpriu sua obrigação de integralizá-las. Esta mesma norma foi
repetida pelo antigo regulamento de regência das limitadas, que era o Decreto-Lei
3.708/1919. Outra hipótese contemplada pelo Código de 1850, no artigo 31745, dizia
respeito à exclusão do sócio que atuava em operação comercial estranha à
sociedade. (ANGHER, 2006)
Como a origem legal da expulsão do sócio condicionava tal ação ao justo
motivo previsto em lei, Barbi Filho (2004) disse ter prevalecido na doutrina que, fora
os casos expostos, o afastamento só poderia ocorrer se previsto no contrato social e
mediante verificação de justa causa. Esse ponto de vista foi flexibilizado com o
decorrer dos anos, inclusive pela adoção pelo Ordenamento Jurídico de normas
mais amplas, que serão expostas adiante.
A maior possibilidade de aplicação do preceito foi aceita em todos os âmbitos
jurídicos, tanto na doutrina46, nos Tribunais e no plano normativo.
Nesse turno, o STJ já pronunciou que “a desarmonia entre os sócios é
suscetível de acarretar a exclusão de um deles por deliberação da maioria,
independentemente de previsão contratual ou de pronunciamento judicial.” (BRASIL,
1991).
Por sua vez, o Decreto no 1.800/1996, que regulamenta a lei de registro de
empresas, Lei no 8.934/1994, instituiu que:
Art. 54. A deliberação majoritária, não havendo cláusula restritiva, abrange também as hipóteses de destituição da gerência, exclusão de sócio, dissolução e extinção de sociedade. Parágrafo único. Os instrumentos de exclusão de sócio deverão indicar, obrigatoriamente, o motivo da exclusão e a destinação da respectiva participação no capital social. (ANGHER, 2006).
44 Art. 289 - Os sócios devem entrar para o fundo social com as quotas e contingentes a que se obrigarem, nos prazos e pela forma que se estipular no contrato. O que deixar de o fazer responderá à sociedade ou companhia pelo dano emergente da mora, se o contingente não consistir em dinheiro; consistindo em dinheiro pagará por indenização o juro legal somente (artigo nº. 249). Num e noutro caso, porém, poderão os outros sócios preferir, à indenização pela mora, a rescisão da sociedade a respeito do sócio remisso. (ANGHER, 2006). 45 Art. 317 - Diz-se sociedade de capital e indústria aquela que se contrai entre pessoas, que entram por uma parte com os fundos necessários para uma negociação comercial em geral, ou para alguma operação mercantil em particular, e por outra parte com a sua indústria somente. O sócio de indústria não pode, salvo convenção em contrário, empregar-se em operação alguma comercial estranha à sociedade; pena de ser privado dos lucros daquela, e excluído desta. (ANGHER, 2006). 46 A exemplo de Comparato (1978), Fonseca (2003) e Coelho (2005).
58
Tal liberdade, contudo, que podia ensejar abuso pela maioria social, sofreu
restrições, sendo que em 1996 o STJ decidiu que “não pode a sociedade despedir o
sócio à revelia, ‘sem qualquer oportunidade de defesa.’” (BRASIL, 1996). Essa
restrição também foi incorporada ao parágrafo único do artigo 1.08547, do Código
Civil Brasileiro de 2002. (ANGHER, 2006)
Barbi Filho (2004) e Fonseca (2003) destacam que é tendência, no direito
estrangeiro, um controle mais rigoroso nas causas que ensejam a retirada ou a
exclusão do sócio, sendo que em países como Alemanha, Itália e Espanha, é
necessária a expressa previsão legal para aplicação dos institutos.
Diante do exposto, é justo dizer que reside na noção de sociedade como
contrato de fim comum, o fundamento jurídico do direito de exclusão de sócios, visto
que aquela é uma organização que se deseja estável. Por isso:
O inadimplemento de um dos sócios não justifica o direito dos restantes a não efectuar a sua própria prestação; o contrato social visa o prosseguimento de um escopo comum: se este pode ser conseguido sem o sócio inadimplente não há razão para justificar o não cumprimento dos outros, pois estes se obrigam em face da sociedade e não em face de cada sócio. (NUNES, 2001, p.49).
Relativamente ao recesso, que é a saída voluntária do sócio que, manifesta
sua vontade, apoiada em previsão contratual, ensejando a dissolução parcial,
Pimenta (2004) alude que tal instituto foi admitido, no Brasil, na letra do artigo 15, do
Decreto-Lei no 3.708/1948, que regulava, antes de 2002, as sociedades limitadas.
Esta é a espécie mais propagada, sendo aceita tanto nos casos de dissolução das
sociedades limitadas, quanto das anônimas.
Mencionado autor faz referência à amplitude de que era dotado o dispositivo
citado, bastando que o sócio discordasse de qualquer alteração, para que pudesse
se retirar do quadro social. Por outro lado, os tribunais passaram a aceitar outra
forma de recesso, baseada nos pilares da preservação da empresa e do contrato
47 Art. 1.085 – [...] Parágrafo único. A exclusão somente poderá ser determinada em reunião ou assembléia especialmente convocada para esse fim, ciente o acusado em tempo hábil para permitir seu comparecimento e o exercício do direito de defesa. (ANGHER, 2006). 48 Art. 15 - Assiste aos sócios que divergirem da alteração do contracto social a faculdade de se retirarem da sociedade, obtendo o reembolso da quantia correspondente ao seu capital, na proporção do último balanço approvado. Ficam, porém, obrigados ás prestações correspondentes ás quotas respectivas, na parte em que essas prestações forem necessárias para pagamento das obrigações contrahidas, até á data do registro definitivo da modificação do estatuto social. (ANGHER, 2006).
59
plurilateral, o que fizeram por meio de interpretação do artigo 335, V, do antigo
Código Comercial49(ANGHER, 2006), que se estendia às limitadas.
Esta forma de dissolução, exercitada por uma denúncia vazia, ou seja
imotivada, podia ser requeria a qualquer tempo por qualquer sócio, e levava à
extinção da sociedade. “Porém, tal conseqüência foi doutrinária e
jurisprudencialmente convertida na saída do sócio postulante por alegação da
affectio societatis: entre ele e os demais”. (PIMENTA, 2004, p. 60). Isto bastou para
que surgissem defensores da manutenção da empresa, contrariamente à sua
extinção pela vontade de um só sócio.
Em ambas as formas de dissolução objeto de estudo, quer na retirada, quer
na exclusão, o sócio está sujeito à responsabilidade pelos atos sociais enquanto a
averbação da alteração não for requerida, mesmo que a alteração esteja assinada
por todos os sócios componentes da sociedade. Por estas obrigações que lhe dizem
respeito, o ex-sócio e seus herdeiros são responsáveis por até dois anos depois do
arquivamento da alteração que resolveu a sociedade50.
4.2 Retirada ou recesso de sócio
As hipóteses de exercício do direito de recesso ou retirada de sócio de
sociedade limitada, objeto de estudo, são as previstas no Código Civil brasileiro.
Dessa maneira, a primeira a ser analisada é aquela prevista no artigo 1.077
do sobredito codex, que prevê:
Art. 1.077 - Quando houver modificação do contrato, fusão da sociedade, incorporação de outra, ou dela por outra, terá o sócio que dissentiu o direito de retirar-se da sociedade, nos trinta dias subseqüentes à reunião, aplicando-se, no silêncio do contrato social antes vigente, o disposto no art. 1.031. (ANGHER, 2006).
49 Art. 335 - As sociedades reputam-se dissolvidas: [...] V - Por vontade de um dos sócios, sendo a sociedade celebrada por tempo indeterminado. (ANGHER, 2006). 50 Art. 1.032. A retirada, exclusão ou morte do sócio, não o exime, ou a seus herdeiros, da responsabilidade pelas obrigações sociais anteriores, até dois anos após averbada a resolução da sociedade; nem nos dois primeiros casos, pelas posteriores e em igual prazo, enquanto não se requerer a averbação. (ANGHER, 2006).
60
Nessa hipótese, o direito de recesso do sócio fica condicionado à divergência
em relação a uma modificação do contrato da sociedade, ou quando houver fusão,
ou, ainda, quando houver incorporação, tanto dela por outra sociedade, quanto outra
por ela.
O exercício deste direito do sócio ocorrerá pela simples manifestação de sua
vontade, de caráter receptício e irretratável, em princípio, e que produzirá efeitos no
momento em que for recebida pela sociedade. É o que diz Cámara, para quem “o
fundamento do direito de recesso nas sociedades por prazo indeterminado é sempre
a vontade dos contratantes51.” (CÁMARA, 1957, p. 33-34). Para o autor, os sócios
que aderem a um contrato sem duração determinada, admitem, de antemão que a
qualquer um é facultado retirar-se a qualquer momento, sendo esta decisão apoiada
na livre vontade dos contratantes.
A forma oral de manifestação da vontade não é recomendada, devida a maior
dificuldade probatória. Outrossim, seria eficaz se fosse manifestada na reunião ou
assembléia e constasse de ata.
Uma vez manifestada a vontade do sócio de retirar-se da sociedade, não há
possibilidade da eficácia do pedido ser revertida por deliberação da sociedade.
O direito de recesso do sócio representa, na verdade, o poder que o mesmo
tem de retirar-se da sociedade, pela quebra, ou perda do affectio societatis. Nesse
sentido, à sociedade resta apenas sujeitar-se ao posicionamento do sócio retirante,
que é eficaz, simplesmente com o conhecimento dos outros consortes e da
sociedade. Do mesmo modo que não se faz necessária a aprovação, nem é
admitida contestação por parte da sociedade, o sócio retirante não deve qualquer
explicação, ou comprovação de que a alteração do contrato social lhe tenha
causado prejuízo.
Este direito, que pode ser exercitado sempre que o quotista divergir de
qualquer alteração contratual52 é “concebido como freio moderador ao poder
majoritário.” (FONSECA, 2003, p. 28). Contudo, De Lucca ressalta que “já se disse,
com felicidade, que a diferença entre o remédio e o veneno é a quantidade. Pois 51 El fundamento del derecho de renuncia em las sociedades por tiempo indeterminado es simple: la voluntad de los contratantes. (CÁMARA, 1957, p. 33-34). 52 A jurisprudência chegou a proclamar que a “alteração contratual a que alude o art. 15 do Decreto acima mencionado não é necessariamente a formal, mas aquela representada por alterações fáticas nas relações entre os sócios que tornam inviável a permanência da convivência social”, conforme citação feita por Fonseca, da decisão no Agravo de Instrumento no 140.374-2, da 10ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça de São Paulo, que teve como relator o Desembargador Borelli Machado, em julgamento no dia 23-2-1989. (FONSECA, 2003, p. 29).
61
bem, o recesso bem dosado sempre foi e continuará sendo um remédio jurídico; se
mal, infelizmente, degenera em abuso”. (DE LUCCA, 1999, p. 11)
Como o direito de voto pertence ao sócio, ou seja, ele não pode votar, nas
deliberações, com parte de suas cotas, favoravelmente a uma situação, e, com a
outra parte, votar contrariamente à mesma situação, é característica desse direito, a
indivisibilidade e a irrenunciabilidade. Por se tratar de direito potestativo, os efeitos
do recesso são ex nunc – de eficácia imediata, ou não retroativos, visto que se
opera a partir da ciência dos demais sócios – e não ex tunc.
Sendo indivisível, uma vez manifestada a vontade do sócio de se retirar da
sociedade, só poderá ser em relação à totalidade de suas cotas.
Nesse mesmo sentido, a Lei no 6.404/76, que regula as Sociedades por
Ações estipula que:
Art. 137 - A aprovação das matérias previstas nos incisos I a VI e IX do art. 136 dá ao acionista dissidente o direito de retirar-se da companhia, mediante reembolso do valor das suas ações (art. 45), observadas as seguintes normas: (ANGHER, 2006).
Assim, a única interpretação possível é a de que o direito de retirada só pode
ser exercitado com a totalidade das ações pertencentes ao acionista. Este é o
entendimento que deve ser levado em consideração para as sociedades limitadas,
visto que a finalidade do recesso é permitir a saída da sociedade daquele sócio que
teve seus interesses prejudicados por uma deliberação.
De acordo com o exposto fica evidente a função do direito de recesso:
“garante-se ao acionista minoritário, nas hipóteses legalmente previstas, o direito de
retirar-se da sociedade, em contrapartida À derrota de sua vontade na votação da
assembléia-geral”. (DE LUCCA, 1999, p. 14).
Relativamente às causas que possibilitam o recesso do sócio, Fonseca (2003)
destaca a tendência de restringi-las, no direito estrangeiro, como ocorre na Itália, em
Portugal, na Espanha e Argentina. Pimenta afirma que esta prática se dá em virtude
da preocupação de que “uma excessiva aplicação deste venha a prejudicar
substancialmente a capitalização das sociedades, indo de encontro à própria função
social da empresa, resguardada pelo recesso.” (PIMENTA, 2004, p. 64).
62
No Ordenamento Jurídico brasileiro, entretanto, as hipóteses que restringem
este direito, como no artigo 1.07753 do Código Civil, não terão conseqüência prática
“enquanto vigorar a possibilidade da chamada dissolução parcial” (FONSECA, 2003,
p. 30).
Não é este o pensamento de Machado, para quem “as hipóteses geradoras
do direito de recesso têm que estar definidas em lei. A disposição estatutária que
repetir os termos da lei é inócua. A disposição estatutária que contrariar os termos
da lei ou criar hipóteses inexistentes na lei é nula.” (MACHADO, 1991, p. 61).
Este posicionamento, contudo, não deve prevalecer. Além disso, Pimenta
(2004) ressalta que nos casos de sociedade limitada por prazo indeterminado, que
sejam regidas pelas normas das sociedades simples54, o artigo 1.029 deixa sem
razão o artigo 1.077. Isto porque, sempre que quiser se desligar, basta que envie à
sociedade uma notificação com 60 dias de antecedência, informando a intenção de
se desligar, não sendo necessária qualquer justificação.
Se a limitada tiver essa regência supletiva, as chances do exercício da
retirada do sócio são ampliadas pelo artigo 1.029, que estipula o que se segue:
Art. 1.029 - Além dos casos previstos na lei ou no contrato, qualquer sócio pode retirar-se da sociedade; se de prazo indeterminado, mediante notificação aos demais sócios, com antecedência mínima de sessenta dias; se de prazo determinado, provando judicialmente justa causa. Parágrafo único. Nos trinta dias subseqüentes à notificação, podem os demais sócios optar pela dissolução da sociedade. (ANGHER, 2006).
Seguindo essa linha, sobre a possibilidade de serem ampliadas as causas
que autorizam o recesso, no contrato social, Lucena expõe que:
Adotaram o Decreto nº 3.708 e o CC/2002 [...] uma cláusula geral, autorizativa de que, na omissão do contrato social, toda e qualquer modificação nele introduzida respalda o direito de retirada dissidente. Essa “cláusula geral” é, no entanto, ao contrário do que se passa no regime jurídico anonimário, ius dispositivum, mas o é tão-somente no sentido de que podem os sócios, no ato de constituição da sociedade, ampliá-la sem que a possam restringir, mesmo porque, [...], em sendo o direito de recesso
53 Art. 1.077. Quando houver modificação do contrato, fusão da sociedade, incorporação de outra, ou dela por outra, terá o sócio que dissentiu o direito de retirar-se da sociedade, nos trinta dias subseqüentes à reunião, aplicando-se, no silêncio do contrato social antes vigente, o disposto no art. 1.031. (ANGHER, 2006). 54 Art. 1.053. A sociedade limitada rege-se, nas omissões deste Capítulo, pelas normas da sociedade simples. Parágrafo único. O contrato social poderá prever a regência supletiva da sociedade limitada pelas normas da sociedade anônima. (ANGHER, 2006).
63
direito essencial e intangível do sócio, não pode este previamente renunciá-lo no contrato social, embora possa, a posteriori, vir a renunciar ao seu exercício. Assim, podem os sócios, no ato constitutivo da sociedade, aduzir, além da causa legal de que toda alteração do contrato social autoriza o recesso, qualquer outra causa ensejadora de retirada, então nominada estatutária, que atenda a seus interesses. (LUCENA, 2003, p. 695-696).
Mais adiante, resumindo seu pensamento, reforça Lucena:
Nas sociedades de prazo indeterminado de duração, se há a inclusão, no contrato social, de cláusula permissiva de livre saída do sócio, solucionam-se de pronto duas questões ao mesmo tempo, ambas fomentadoras de dissensões, então coarctadas: o pedido de dissolução total da sociedade, por ato unilateral de vontade do sócio; o pedido de dissolução parcial de sociedade, tendo por causa o recesso do sócio. Já nas sociedades de prazo determinado de duração, incompossíveis que são com a cláusula de livre saída do sócio, exsurge a inserção, no contrato social, de cláusulas estatutárias de recesso, como importante providência no interesse dos sócios. (LUCENA, 2003, p. 695-696).
Pennaca (1978) destaca que a maioria da doutrina reconhece o direito de
recesso como sendo de ordem pública, e, sendo assim, “o ato constitutivo da
sociedade não pode derrogá-lo sem afetar algum princípio fundamental55.”
(PENNACCA, 1978, p. 47).
A aplicação do artigo 1.029 às sociedades simples não esbarra em qualquer
causa que impossibilite sua incidência nas sociedades limitadas, enquanto vigorar a
aplicabilidade da regência supletiva supracitada, de acordo com Fonseca (2003).
Esta norma cuida da chamada denúncia vazia, ou desmotivada, em que na
sociedade por prazo indeterminado, autoriza a retirada, apenas subordinada à
vontade do sócio, não havendo necessidade de divergência acerca de decisão, ou,
sequer, de exposição de razões. No que tange à sociedade por prazo determinado,
deverá ser provada a justa causa que autoriza o afastamento do sócio,
judicialmente, ou, ainda, extrajudicialmente como prevê Coelho (2006).
Sobre as hipóteses do artigo citado, Pimenta esclarece que ocorre a
“aplicação do princípio segundo o qual não se admite contratos ‘eternos’ combinado
com a necessidade de preservar-se a empresa.” (PIMENTA, 2004, p. 62)
Como visto, o direito de recesso pode ser exercitado sempre que houver uma
alteração na avença na esfera social. Mas o Código Civil (ANGHER, 2006),
estranhamente, incluiu, expressamente, os casos de fusão e incorporação nos casos
55 [...] el acto constitutivo de la sociedad ha podido derogarlo sin afectar ningún principio fundamental. (PENNACCA, 1978, p. 47).
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que autorizam o afastamento do sócio, como se não implicassem em alteração do
contrato social.
Este destaque pode, em verdade, ocasionar problemas com interpretações
equivocadas, sobretudo no caso daquela que entenda ser descabido o recesso nos
casos de cisão e transformação, como conclui Ricardo Fiúza (2002).
Ocorre que, tal como na incorporação ou fusão, a cisão somente ocorre
mediante deliberação dos sócios, ensejando, também neste caso, alteração
contratual, da qual pode dissentir o sócio, na forma do artigo 1.077 do Código Civil
(ANGHER, 2006).
Já na transformação, há que se analisar o contrato social para saber se há
possibilidade de recesso. É que no artigo 1.11456 do diploma civil (ANGHER, 2006)
foi estabelecido que deverá ocorrer deliberação unânime para que ocorra tal ato,
ocasião em que não é possível o exercício de tal direito. Somente quando o contrato
social estabelecer quorum diverso é que será possível a retirada do sócio dissidente.
Tal cláusula de unanimidade deve ser observada minuciosamente, porque,
mesmo sendo válida, a mesma não pode ser utilizada para contornar o conteúdo do
artigo 1.077 do Código Civil (ANGHER, 2006), sendo, em princípio, válida para os
demais casos. Egberto Lacerda Teixeira, citado por Fonseca, completa que:
Como será possível assegurar o direito de recesso aos que divergem da alteração do contrato se haverá lugar para tal divergência? De duas uma: ou prevalecerá, tirânica e intimidante, a voz da maioria, ou bloqueará a minoria, caprichosa e leviana, toda tentativa de adaptação do ente jurídico às novas condições de vida e desenvolvimento das sociedades mercantis. Aceitar indiscriminadamente a cláusula da unanimidade, sem texto legal que, expressa ou implicitamente a sancione, como ocorre nas legislações anteriormente invocadas, é permitir que se infiltre nas sociedades por quotas, a arma suicida da prepotência ou, o que é pior, a peçonha da discórdia paralisante que conduzem, uma e outra, à dissolução inexorável da pessoa jurídica. (FONSECA, 2003, p. 33).
Ainda sobre o artigo 1.077, o legislador foi omisso ao disciplinar a matéria,
deixando lacunas no que diz respeito a forma e conteúdo da declaração da vontade
do sócio dissidente. Quanto à forma, o tema fora tratado anteriormente. Restam,
então, as considerações acerca do seu conteúdo, do qual, deve constar, a indicação
do sócio, de qual deliberação o mesmo dissentiu. A finalidade de tal indicação é o
56 CC - Art. 1.114 - A transformação depende do consentimento de todos os sócios, salvo se prevista no ato constitutivo, caso em que o dissidente poderá retirar-se da sociedade, aplicando-se, no silêncio do estatuto ou do contrato social, o disposto no art. 1.031. (ANGHER, 2006).
65
direito de conhecer, pelos demais sócios, sobre a deliberação que o irresignado
discordou. Até porque, o artigo em questão, ainda que de forma genérica, elenca os
motivos que podem levar ao recesso, sendo que, em determinados casos, este pode
não mais subsistir, carecendo, assim, de interesse o sócio dissidente.
Relativamente ao prazo para exercício deste direito, o Código Civil foi claro ao
admitir que, no caso do seu artigo 1.077, tal prazo é de 30 dias subseqüentes à
reunião, ao passo que na hipótese do artigo 1.029, a notificação deverá atender aos
60 dias de antecedência. Já para o caso de regência supletiva da sociedade pela Lei
das Sociedades Anônimas, consta do seu artigo 137 que será de 30 dias contados
da publicação da ata da assembléia. (ANGHER, 2006).
Em comentários sobre o assunto e sobre a possibilidade de os sócios
remanescentes optarem pela dissolução da sociedade, prevista no parágrafo único
do artigo 1.029, supra, Campinho (2004) enfatiza que:
Não sendo a notificação de recesso simultaneamente efetivada aos demais consortes pelo retirante, conta-se o prazo de trinta dias da última realizada, porquanto a decisão pressupõe a ciência de todos os sócios. Nesse caso, o prazo de sessenta dias exigido por lei como antecedência mínima também será computado da última notificação. (CAMPINHO, 2004, p. 125).
Expostas as considerações anteriores resta perquirir se tal direito é exclusivo
do sócio dissidente da alteração contratual, ou se socorre, também, ao que se
absteve de votar, e, ainda àquele que votou favorável, mas se arrependeu
posteriormente.
Fonseca (2003) é favorável a esta maior amplitude do exercício do direito, ao
concluir que:
Há de se admitir que o sócio, após ter votado favoravelmente, possa alterar sua opinião e convencer-se da ilegalidade e prejudicialidade da deliberação. [...] Entretanto, ante os claros termos do Código Civil, que torna ilimitada a responsabilidade dos sócios que expressamente aprovaram as deliberações infringentes do contrato ou da lei, crê-se que não se possa negar ao sócio que contribuiu para a concretização de determinada deliberação e que, posteriormente, convença-se de sua ilegalidade, ou mesmo de sua inconveniência, o direito de dela dissentir e até o de impugnar. (FONSECA, 2003, p. 35).
Esta hipótese não é aceita por Pimenta (2004), que conclui que:
66
É inadmissível a idéia de que o sócio possa manifestar sua vontade em favor da alteração no contrato social ou da participação da sociedade em procedimento de fusão ou incorporação e possa, depois, postular sua retirada do empreendimento pela aprovação da medida em questão. (PIMENTA, 2004, p. 62).
Contudo, seria aceitável a possibilidade de recesso do sócio que votou
favoravelmente na decisão, somente no caso em que restasse comprovado que o
voto foi viciado por erro, dolo, fraude, simulação ou coação, sendo que a primeira
hipótese é a que pode ocorrer mais frequentemente.
No caso do sócio que não votou na deliberação, a esse é mais fácil conceber
o direito de recesso, visto que, por qualquer razão, não externou sua vontade
favoravelmente à questão, não tendo contribuído diretamente com a decisão. Não
cabe a afirmação de que eles contribuíram para a formação da maioria social. Por
vezes, essa ausência de manifestação da vontade deve-se à impossibilidade de que
o sócio forme uma opinião precisa sobre o assunto, pela verificação de alguma
irregularidade, ou ainda, no caso de convocação que não conste algum dos itens da
ordem do dia.
Diversamente, Pimenta (2004, p. 61) defende que “para o sócio postular sua
retirada [...] precisa ele ter manifestado expressamente, em assembléia ou reunião
de sócios, seu voto contrário à medida [...]” que motivou o pedido de retirada.
Em qualquer dos casos descritos, o desligamento do sócio dissidente opera-
se com a comunicação recebida pela sociedade, independentemente do pagamento
do quinhão representativo do valor patrimonial da cota social a que o sócio é credor.
A alteração deverá ser arquivada na Junta Comercial, e poderá ser deliberada a
substituição do quotista que se retirou, ou mediante redução do capital social.
Atinente ao crédito do sócio remisso, Coelho aduz que:
Por valor patrimonial da cota social se entende não o valor expresso no contrato social, decorrente da operação matemática de divisão do capital social pelo número de cotas existentes (valor nominal), mas o correspondente, proporcionalmente falando, do patrimônio líquido da sociedade. Este valor patrimonial é que será devido, pela sociedade, ao sócio dissidente. (COELHO, 2005, p. 145).
Desta feita, Cámara (1957) alerta que caso se opere a dissolução parcial do
contrato deverá ser procedida a liquidação da cota, sempre que o sócio tenha direito
ao patrimônio social, pois se o desligamento foi em decorrência do inadimplemento
67
de sua obrigação de transferir patrimônio para a empresa (sócio remisso), o ex-sócio
carece de direito de participar do referido capital.
Para que nenhuma das partes seja lesada é que se promove a apuração dos
haveres, com o objetivo de aferir tal valor, por meio de um balanço específico, para
se chegar à situação patrimonial efetiva no momento da retirada.
Na seqüência, Coelho conclui que:
Os sócios, geralmente, pactuam, no contrato social, prazos para o reembolso, na hipótese do exercício do direito de retirada. Tais prazos são fixados com vistas aos interesses da sociedade, cuja saúde econômica pode ser fortemente comprometida com reembolsos elevados. No entanto, em inexistindo cláusula contratual desse conteúdo, o reembolso deverá ser feito à vista, logo após a conclusão do balanço de determinação. (COELHO, 1999, p. 145-146).
Sobre a continuidade da empresa, mesmo em casos em que vário sócios se
retiram, Penteado assinala que:
Se até para as sociedades de pessoas, previstas no Código Comercial, defendeu-se a possibilidade de sua subsistência com sócio único, desde que limitada no tempo e justificável a manutenção da unidade produtiva empresarial (item 40), não haveria por que afastar tal solução, que com maior razão (até de ordem socioeconômica e organizacional) se impõe para as limitadas. Não com a largueza que muitas vezes se encontra em algumas decisões, mas com prudente critério. (PENTEADO, 2000, p. 141).
Constatata-se, então, que em todos os casos descritos, deve ser levada em
conta a quebra da affectio societatis, bem como a função social e o princípio da
continuação da empresa, sendo este de tamanha importância, que a empresa pode
continuar, mesmo com um sócio, caso a redução do capital pela saída dos demais
sócios não impossibilite sua exploração.
4.3 Exclusão de sócio no Código Civil
68
Antes de surgir o termo exclusão, o artigo 28957 do Código Comercial tratava
da rescisão parcial. A terminologia atual só veio com o Decreto 3.708, de 1919,
segundo Ferreira (1947) nesse sentido:
Entrou o verbo excluir no dicionário jurídico, com o mesmíssimo significado da rescisão parcial para a qual traçou a lei adjetiva sumário rito. Já havia, de resto, adquirido foros de legitimidade, pela lei reguladora da sociedade cooperativa, mas diminuindo em seus efeitos, mercê da variabilidade do número de sócios, que a caracteriza.” (FERREIRA, 1947, p. 332).
O sócio de sociedade limitada que não cumpre suas obrigações – por
exemplo, aquele que não integraliza suas quotas sociais, ou, ainda, aquele que não
atua de acordo com o sentido da affectio societatis – pode ter seu vínculo social
desfeito. Em outras palavras, pode ser banido do quadro societário, ou seja,
excluído ou expulso da sociedade pelos demais sócios, mesmo contra sua vontade,
permanecendo, em regra, a sociedade em funcionamento. Isto porque a exclusão só
atinge o sócio afastado, não sendo afetados os outros vínculos plurilaterais
constantes do contrato social.
Nesse sentido a exclusão pode ser definida como “uma instituição jurídica que
acarreta a dissolução parcial, que se caracteriza por ser provocada pela sociedade,
contra um de seus sócios, que por sua conduta pessoal, pode colocar em risco o
normal funcionamento da empresa58.” (ARECHA y CUERVA, 1976, p.150).
Para Coelho, “a rigor, está-se diante de ato jurídico muito comum, que é a
rescisão do contrato, por culpa de uma das partes.” (COELHO, 2006, p. 413).
Por outro lado, se o sócio integraliza suas cotas na forma avençada e observa
seu dever de lealdade, não ferindo a affectio societatis, este não pode ser expulso,
já que para tanto é necessário provar o ato culposo praticado pelo sócio. Pode-se
dizer, portanto, que a exclusão não é mero ato discricionário da maioria societária.
Também não é ato de deliberação da sociedade, como informa Coelho:
57 Art. 289 - Os sócios devem entrar para o fundo social com as quotas e contingentes a que se obrigarem, nos prazos e pela forma que se estipular no contrato. O que deixar de o fazer responderá à sociedade ou companhia pelo dano emergente da mora, se o contingente não consistir em dinheiro; consistindo em dinheiro pagará por indenização o juro legal somente (artigo nº. 249). Num e noutro caso, porém, poderão os outros sócios preferir, à indenização pela mora, a rescisão da sociedade a respeito do sócio remisso. (ANGHER, 2006). 58 [...] uma forma de institución jurídica de disolución parcial, que se caracteriza por ser provocada por la sociedad y ejercida em contra de los sócios, que por su vicisitudes personales pueden poner em riesgo el normal funcionamiento de la empresa. (ARECHA y CUERVA, 1976, p.150).
69
Para a exclusão de um dos sócios, é necessária a ocorrência de alguma destas causas. A exclusão não é, ao contrário do que se costuma lecionar, assunto de deliberação da sociedade. Não é a sociedade que expulsa o seu sócio. São os demais sócios, à vista da ocorrência de fato que a lei define como ensejador da expulsão, que o decidem. A efetiva ocorrência de fato dessa natureza é condição inafastável da exclusão. Se inexistiu a causa legalmente prevista, não será possível a exclusão por mera disposição de vontade dos sócios. Esta, a rigor, não é a causa da exclusão; aos sócios compete, apenas, decidir se a causa da lei estaria ou não presente em hipóteses concretas. (COELHO, 1999, p. 130-131).
Daí decorre a noção de justa causa, que se refere ao descumprimento de
obrigações existentes pelo fato de ser sócio, especialmente quando referente ao
dever de colaboração, conforme assinala Arecha y Cuerva (1976)
Isso importa em que, sempre que esta modalidade de afastamento for
utilizada, seja por via extrajudicial ou mesmo na judicial, haverá que se apontar a
causa, o motivo, que deve ser previsto em lei. A única exceção é para o afastamento
compulsório, no caso de sócio inadimplente, ou remisso. Assim posiciona-se
Pimenta, para quem:
A ausência de disciplina legal expressa acarretou, a nosso ver, inadequada e excessivamente ampla solução para a matéria. Passou-se a conferir validade a exclusão extrajudicial de sócio quotista por simples deliberação da maioria do capital social – e independente de cláusula contratual neste sentido –, tendo como fundamento (ou ‘justa causa’) a alegação de simples ‘desarmonia’com o membro excluído. (PIMENTA, 2004, p. 89).
Três são as hipóteses possíveis que autorizam a exclusão, sendo aquelas
contempladas em lei, as constantes do contrato social, e outras que não constam da
lei ou do contrato.
Sobre a primeira hipótese, com a aplicação supletiva das normas das
sociedades simples às limitadas, conforme permissão apontada do artigo 1.053 do
Código Civil, e com a referência direta que o artigo 1.05859, do mesmo diploma, a
previsão é a de que:
Art. 1.004 - Os sócios são obrigados, na forma e prazo previstos, às contribuições estabelecidas no contrato social, e aquele que deixar de fazê-lo, nos trinta dias seguintes ao da notificação pela sociedade, responderá perante esta pelo dano emergente da mora.
59 Art. 1.058. Não integralizada a quota de sócio remisso, os outros sócios podem, sem prejuízo do disposto no art. 1.004 e seu parágrafo único, tomá-la para si ou transferi-la a terceiros, excluindo o primitivo titular e devolvendo-lhe o que houver pago, deduzidos os juros da mora, as prestações estabelecidas no contrato mais as despesas. (ANGHER, 2006).
70
Parágrafo único. Verificada a mora, poderá a maioria dos demais sócios preferir, à indenização, a exclusão do sócio remisso, ou reduzir-lhe a quota ao montante já realizado, aplicando-se, em ambos os casos, o disposto no § 1o do art. 1.031. (ANGHER, 2006).
Nesta hipótese, está prevista a exclusão do sócio remisso, que é:
[...] aquele que não cumpre, no prazo, a obrigação de integralizar a quota subscrita. A sociedade pode cobrar-lhe o devido, em juízo, ou expulsá-lo. Nesta última hipótese, deve restituir ao remisso as entradas feitas, deduzidas as quantias correspondentes aos juros de mora, cláusula penal expressamente prevista no contrato social e despesas. (COELHO, 2006, p. 399).
Mesmo autorizando o afastamento compulsório do sócio que inadimpliu o
contrato, referido dispositivo prevê a necessidade de notificação anterior ao devedor,
operando-se o afastamento apenas trinta dias depois da comunicação. Caso tal ato
se concretize, o artigo 1.03160 (ANGHER, 2006) em seu parágrafo primeiro, do
mesmo diploma legal, prevê a redução do capital social, a não ser que os demais
sócios resolvam distribuir entre si, e quitar, o valor referente às quotas inadimplidas.
Contudo, esta não é a única saída, visto que o artigo 1.004 consente aos
demais sócios, além do afastamento, a alternativa de reduzir o capital até o
montante já integralizado, ou ainda cobrar pelos danos decorrentes da mora.
(ANGHER, 2006).
Essas hipóteses podem ser aplicadas à livre escolha dos demais sócios que
estão em dia com a sociedade, mormente naqueles casos em que a redução do
capital social não resulte na impossibilidade de exploração da empresa. Caso se
verifique tal limitação, não terá lugar o cancelamento ou anulação das quotas. Se a
exploração da atividade se tornar impossível, aí terá lugar a dissolução total. Não há
como estabelecer um padrão de capital mínimo a ser mantido para a continuidade
da empresa, porque:
A lei não faz referência a capital mínimo, mas, ainda que o fizesse, não seria apenas este o parâmetro a ser observado em situações semelhantes
60 Art. 1.031. Nos casos em que a sociedade se resolver em relação a um sócio, o valor da sua quota, considerada pelo montante efetivamente realizado, liquidar-se-á, salvo disposição contratual em contrário, com base na situação patrimonial da sociedade, à data da resolução, verificada em balanço especialmente levantado. § 1o O capital social sofrerá a correspondente redução, salvo se os demais sócios suprirem o valor da quota. § 2o A quota liquidada será paga em dinheiro, no prazo de noventa dias, a partir da liquidação, salvo acordo, ou estipulação contratual em contrário. (ANGHER, 2006).
71
àquela enfocada, já que o montante mínimo do capital necessário para que a sociedade possa atingir seu escopo varia, de caso para caso, ficando sempre na dependência da espécie de atividade que se pretenda desenvolver. (FONSECA, 2003, p. 45).
Fonseca (2003) enfatiza que a hipótese de remoção do sócio inadimplente
também é aplicada em países como Itália, Portugal, Espanha e Argentina.
Outro caso semelhante é o do sócio que teve suas quotas penhoradas e
liquidadas por decisão judicial transitada em julgado. Assim prescreve o artigo 1.026
do Código Civil:
Art. 1.026 - O credor particular de sócio pode, na insuficiência de outros bens do devedor, fazer recair a execução sobre o que a este couber nos lucros da sociedade, ou na parte que lhe tocar em liquidação. Parágrafo único. Se a sociedade não estiver dissolvida, pode o credor requerer a liquidação da quota do devedor, cujo valor, apurado na forma do art. 1.031, será depositado em dinheiro, no juízo da execução, até noventa dias após aquela liquidação. (ANGHER, 2006).
Na mesma situação incorre o sócio que tem sua falência decretada por
decisão judicial não passível de recurso, em que os demais sócios também poderão
afastá-lo conforme sua livre vontade, desde que este afastamento, por qualquer
motivo, não comprometa o bom desenvolvimento da empresa. Consta do Artigo
1.030 do diploma civil:
Art. 1.030 - Ressalvado o disposto no art. 1.004 e seu parágrafo único, pode o sócio ser excluído judicialmente, mediante iniciativa da maioria dos demais sócios, por falta grave no cumprimento de suas obrigações, ou, ainda, por incapacidade superveniente. Parágrafo único. Será de pleno direito excluído da sociedade o sócio declarado falido, ou aquele cuja quota tenha sido liquidada nos termos do parágrafo único do art. 1.026. (ANGHER, 2006).
Há casos, porém, que a falência do sócio enseja a dissolução plena da
sociedade, como na hipótese do falido ser o majoritário, onde sem o valor de suas
quotas, remanesça um capital insatisfatório para o prosseguimento das atividades.
Analisando a situação de exclusão do sócio falido, Campinho (2004) conclui
que:
E, daí, aflora a indagação: a exclusão somente se verificará no caso de sócio falido? Parece não ser essa a melhor solução. Pensamos não ser adequada a interpretação literal do preceito. A sua razão intrínseca justifica-se no fato insolvência, que pode ser civil ou a falência. Nesse diapasão, advogamos o entendimento de que será de pleno direito excluído da
72
sociedade o sócio declarado falido ou insolvente, neste último caso, na forma da lei processual civil. (CAMPINHO, 2004, p. 127).
A preservação da empresa tem lugar, nessas hipóteses, porque não é
aceitável que por atos exclusivos e isolados de uma das partes, as outras paguem
com a proibição de exploração de sua atividade, que tem uma conotação social.
Esta opinião é adotada por Fonseca, que completa:
E, nesse preciso diapasão, pode-se afirmar que a morte, inabilitação, incapacidade moral ou civil de algum dos sócios, o abuso, a prevaricação, violação ou falta de cumprimento das obrigações sociais ou a fuga de algum deles [...] evidentemente não podem conduzir à dissolução da sociedade. Não se denota justo, com efeito, que, em razão de fato imputável a apenas um dos sócios, a sociedade venha a se dissolver. Note-se que, entre as circunstâncias que podem culminar com a expulsão do sócio, algumas há que independem de culpa por parte deste. É o caso, por exemplo da incapacidade superveniente. (FONSECA, 2003, p. 47).
Sendo assim, na resolução das pendências sociais, por desajuste de um dos
sócios em relação aos demais, não há que ser declinada a extinção do ente
corporativo, mas a pendência deve ser resolvida de forma a afastar o sócio
problemático, salvo se o fim social tornar-se inviável. “Mas, ainda assim, parece mais
razoável que o sócio que se desajustar desmotivadamente dos demais,
comprometendo a realização do escopo social, seja expulso da sociedade”.
(FONSECA, 2003, p. 48).
Outra hipótese elencada no artigo 1.030 é a de expulsão do sócio que
cometeu falta grave no cumprimento das obrigações sociais ou o que teve sua
incapacidade declarada por sentença irrecorrível. Estes casos, contudo, não serão
resolvidos por simples alteração contratual, mas mediante pronunciamento judicial,
por iniciativa da maioria dos sócios.
Sobre a hipótese de rompimento do vínculo social por incapacidade e sua
amplitude, prevista no artigo 1.030, Pimenta tece o seguinte comentário:
Quando a realização do objeto social depender de determinada condição pessoal dos sócios e algum(ns) dele(s) tiver (sic) retirado o poder de realizar tal conduta, há que se entender como ocorrida a hipótese de exclusão ora tratada. É por exemplo, o caso da sociedade constituída por médicos, para a prática da medicina, em que um dos membros tem cassada sua licença profissional. Está este sócio, em virtude da sanção sofrida, impedido de colaborar com os demais (ao menos de forma plena) na realização da atividade comum. (PIMENTA, p. 94)
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Tal regra não deve ser absoluta, pois no caso em que a mesma sociedade
seja constituída para fins alheios à prestação de serviços médicos, em nada importa,
para a sociedade, aos sócios, ou aos deveres de colaboração, se um deles tiver sua
licença médica cassada.
Outrossim, regra insculpida no artigo 1.085 pelo Código Civil, relativamente às
sociedades limitadas dita que:
Art. 1.085. Ressalvado o disposto no art. 1.030, quando a maioria dos sócios, representativa de mais da metade do capital social, entender que um ou mais sócios estão pondo em risco a continuidade da empresa, em virtude de atos de inegável gravidade, poderá excluí-los da sociedade, mediante alteração do contrato social, desde que prevista neste a exclusão por justa causa. Parágrafo único. A exclusão somente poderá ser determinada em reunião ou assembléia especialmente convocada para esse fim, ciente o acusado em tempo hábil para permitir seu comparecimento e o exercício do direito de defesa. (ANGHER, 2006).
Nesse caso, a exclusão será procedida por deliberação da maioria dos sócios
e desde que essa maioria expresse mais da metade do capital social, por alteração
contratual. Para isso, basta que haja previsão contratual expressa que autorize o
desligamento de sócio por justa causa, e, havendo a notificação do acusado em
tempo hábil para elaboração e apresentação de sua defesa. Melhor explicando esta
situação, não pode o sócio majoritário, sozinho, proceder a deliberação e respectiva
alteração contratual, expulsando sócio, pois dependerá do apoio de outros sócios
até o número que baste para a formação da maioria social.
Em outras palavras:
Assim, em uma sociedade composta por apenas dois sócios, ainda que seja um deles majoritário, a possibilidade de exclusão do outro estará definitivamente arredada. Também o majoritário sozinho jamais poderá, doravante, excluir quem quer que seja sem o apoio de sócios em número suficiente para compor, com estes, a necessária maioria. Como, por conseguinte, inviabilizada estará a exclusão sempre que a maioria dos sócios não detiver a maior parte das quotas sociais, ou vice-versa, ou seja, quando a titularidade da maior parte do capital não estiver afeta à maioria dos sócios. (FONSECA, 2003, p. 48-49).
Com isso, o legislador impôs uma barreira ao sócio majoritário, para que este
não cometa abusos, e, por meio de uma simples alteração contratual venha a excluir
o minoritário. Ao estipular que a maioria dos sócios também represente a maioria do
capital, evitou, com isso, que os minoritários pudessem excluir o majoritário. Para
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solucionar estes casos deverá haver deliberação judicial que avalie sua
aplicabilidade em cada caso.
Mas, em todos os casos em que houver previsão contratual de expulsão, em
virtude de atos de inegável gravidade praticados pelo sócio, e que ponham em risco
a empresa, caberá a exclusão. Neste caso a decisão será em assembléia de sócios
ou reunião convocada com esta finalidade, devendo haver a ciência do sócio que se
pretende afastar, nos termos do artigo 1.085, supra. Sobre a justa causa na
exclusão de sócio, Comparato nos dá o seguinte exemplo:
Corolário do princípio é a proibição, para sócio, de exercer, de modo direto ou indireto, em nome próprio ou alheio, qualquer atividade de concorrência à sociedade. O concorrente é o contrário do colaborador [...]. O descumprimento desse dever de colaboração do sócio, tais sejam as circunstâncias, enseja a sua exclusão do convívio social, mesmo na ausência de específica previsão legal ou contratual. (COMPARATO, 1978, p. 146-147).
A respeito de uma possível confusão entre os artigos 1.030 e 1.085 do
diploma civil (ANGHER, 2006), ressalte-se que para que haja a exclusão mediante
alteração contratual, esta deverá ter previsão expressa no contrato social, além de
ser exigida a adesão da maioria dos sócios, e que suas quotas representem,
também, a maioria do capital social. No outro caso, para que haja apreciação do
Judiciário, para uma exclusão judicial, basta o requerimento da maioria dos sócios.
A exemplo disso:
Imagine-se o sócio que, faltando com os deveres inerentes à condição que ostenta, passe a fazer concorrência à sociedade, desempenhando, paralelamente, a mesma atividade por aquela desenvolvida. É evidente que esse comportamento dá ensejo a que a maioria dos demais requeira, perante o Poder Judiciário, a exclusão do referido sócio, tendo em vista a manifesta ‘falta grave no cumprimento de suas obrigações’. É irretorquível, por outro lado, que tal conduta pode configurar ‘risco à continuidade da empresa’, cuidando-se, de ‘ato de inegável gravidade’, o que permitirá à maioria dos sócios, diante de previsão expressa de exclusão por justa causa, no contrato social, e mediante simples alteração contratual, excluí-lo da sociedade. (FONSECA, 2003, p. 49).
Há outras hipóteses de exclusão de sócio, diversas daquelas previstas na
legislação, que são aquelas previstas no contrato social. Estas hipóteses são
possíveis pela inteligência do artigo 1.085, já citado, para os casos de atos
praticados por algum sócio, que se configurem como de inegável gravidade e que
possa colocar em risco o bom desenvolvimento da empresa. A única ressalva é que
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o contrato social deve contemplar a exclusão por justa causa, prescrevendo tais
atos, para que autorize a maioria dos sócios, que detenham mais da metade do
capital social, deliberarem acerca do afastamento, em reunião ou assembléia,
convocada para este fim.
Pimenta discorre sobre uma possível insegurança para aquele que se
pretende excluir, pois:
No caso do artigo 1.085, os ‘acusadores’ (os sócios remanescentes) são as mesmas pessoas que vão avaliar e julgar as razões do ‘acusado’ (o sócio minoritário a ser excluído). Não há, como no moderno direito processual, a estrutura tríplice composta por autor, réu e julgador. Aqui as pessoas do autor e julgador se confundem, em notória afronta aos mais basilares princípios do processo judicial e administrativo. (PIMENTA, 2004, p 92).
Saída para eventual prejuízo verificado pelo ex-sócio, é a de socorrer-se no
âmbito do Poder Judicial, que pode reparar qualquer dano que por ventura tenha
sofrido. Para Pimenta (2004), o sócio indevidamente excluído tem os seguintes
direitos:
1º) ação ordinária tendente a anular a deliberação social fundamentadora de sua exclusão; 2º) ação ordinária de indenização por perdas e danos, a ser proposta pelo excluído contra aqueles que impuseram indevidamente a ele tal sanção. Com relação à ação anulatória da deliberação, é necessário que tal medida se baseie em violação às prescrições contidas nos supracomentados artigos do Código Civil, ou mesmo no contrato social. [...] No que tange à indenização por dano moral, atribuível ao sócio indevidamente excluído, seu fundamento encontra-se na constatação de que a retirada compulsória de determinado empreendimento social certamente acarreta para esta pessoa excluída graves abalos em sua reputação, tanto sob aspectos pessoais quanto, e principalmente, sob o ponto de vista profissional. (PIMENTA, 2004, p. 103-106).
Diante desses direitos, surge o posicionamento de falta de interesse do ex-
sócio, no caso de intentar ação para sua reintegração, com base em erro nos
aspectos formais, por ser possível para a sociedade deliberar novamente por sua
exclusão. Neste caso a reintegração é possível, inclusive porque dela pode o sócio
receber as vantagens patrimoniais que foram distribuídas durante sua ausência.
Questão de grande relevância é se há possibilidade do procedimento de
exclusão dantes descrito, no qual os sócios excluem aquele que praticou atos
comprovadamente prejudiciais ao funcionamento da empresa, em casos que não há
previsão contratual. Acerca da proposição, o STF chegou a pronunciar que:
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[...] legitimar a exclusão, condicionada à existência de justa causa, importa em confiar aos componentes da sociedade a fazerem justiça, mediante julgamento da conduta do consócio. Se o entendimento dominante, na doutrina e na jurisprudência, é claro e uníssono no sentido de permitir que conste da cláusula do contrato o poder dos sócios de excluir um deles, não mais o é no reconhecer esse poder, quando não conferido pelas estipulações contratuais. Portanto, se inexiste autorização contratual para exclusão do sócio, a exigência de que esta determinação seja condicionada à apreciação judicial, é sem dúvida razoável, mesmo porque, a dissidência obriga a solução em juízo, do mesmo modo que ocorre com a dissolução da sociedade, que será judicial, se há nolentes (sic), e exclusão do sócio não é senão uma modalidade de dissolução parcial. (BRASIL, 1986).
Esta exigência de prévia estipulação contratual para hipóteses autorizativas
de exclusão de sócio, fora da esfera judicial, não vingou. Inicialmente porque o
Código Comercial – norma aplicada na época – não enumerou as causas
justificadas que permitiam a exclusão, e, depois, em virtude do caráter plurilateral do
contrato social. Assim, pode ocorrer a exclusão extrajudicial, mesmo que não
prevista no contrato social, mas mediante a verificação da justa causa, conforme
Arecha; Cuerva (1976).
Desta feita, Comparato (1978) lembra que a sociedade tem uma feição
contratual, diversa dos contratos bilaterais, com base na qual devem ser aplicados
os princípios destes, com as adaptações necessárias, no sentido de que:
Assim, a nulidade ou anulabilidade da manifestação de vontade de um dos sócios não torna nulo ou anulável o contrato – como ocorreria, se se tratasse, por exemplo, de uma compra e venda – a menos que ela afete a própria realização do escopo comum. Da mesma sorte, o inadimplemento ou a impossibilidade superveniente da prestação de um só ou de alguns dos sócios não resolve o contrato, a menos que a prestação ou que as prestações faltantes sejam consideradas essenciais para a consecução do objeto social. (COMPARATO, 1978, p. 138).
A matéria referente à exclusão de sócio, embora não prevista no contrato ou
omitida pela lei, é perfeitamente passível de deliberação no âmbito societário, tendo
como base o princípio legal de resolução contratual por inadimplemento de uma das
partes.
Em sua época, Comparato (1978) já aceitava tal posicionamento, sustentando
que:
Suprimir-se a possibilidade de eliminação de sócio, sem previsão legal ou contratual específica, é reduzir as soluções jurídicas para o abuso, a
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prevaricação, a desonestidade do sócio, ou a incompatibilidade superveniente de sua permanência na sociedade (por exemplo, em razão de condenação criminal por delito de natureza econômica) a duas penas: o recesso e a dissolução total da sociedade. (COMPARATO, 1978, p. 144).
Nunes também acata essa possibilidade, e afirma que:
E assim, podemos concluir que a exclusão do sócio justamente intolerável pode sempre considerar-se como a efectivação de uma cláusula do pacto: cláusula que os sócios expressamente fixaram; ou que tàcitamente concordaram; ou que provàvelmente teriam estipulado se tivessem pensado na hipótese; ou que deveria ter sido aceita, de acordo com a mais razoável interpretação dos interesses em jogo feita agora, dentro dos cânones da boa fé contratual. (NUNES, 2001, p. 67).
Esta é a posição mais acertada, sendo que, atualmente, está amparada em
diversos âmbitos, sendo aceito o desligamento do sócio sem que, para tanto, haja
prescrição contratual ou legal. O Decreto no 1.800/96, que regula o registro e
arquivamento das deliberações societárias, dispõe em seu artigo 54, citado no item
4.1, supra, que a expulsão do sócio é matéria que pode ser objeto de deliberação
majoritária, bastando apontar a causa e a destinação da quota do sócio que foi
desligado. (ANGHER, 2006)
Este passou a ser o entendimento dos Tribunais, sendo que no STJ foi
proferida a seguinte decisão:
A desinteligência entre os sócios, no caso, foi suficiente para ensejar a exclusão de um deles por deliberação da maioria, sem necessidade de previsão contratual ou de decisão judicial, tendo a sentença disposto sobre os direitos do sócio afastado. (BRASIL, 1998b).
Para que ocorra tal ato, basta que haja a indicação de uma justificativa séria,
ou seja, capaz de produzir um prejuízo grave à sociedade, imputada àquele a que se
pretende excluir. Mesmo que se concretize a alteração contratual afastando sócio,
esta não fica imune ao controle jurisdicional.
Não é demais lembrar que a teor do citado artigo 1.085, o Código Civil
(ANGHER, 2006) autoriza o procedimento de expulsão de sócio, pela maioria dos
sócios, representantes de mais da metade do capital social, desde que haja previsão
contratual, e seja verificada a ocorrência de justa causa, traduzida em ato grave, que
possa impossibilitar a exploração da empresa, imputável a um sócio.
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Tal cláusula revela-se mais restritiva que a interpretação dos Tribunais, sendo
que, neste ponto, a legislação se mostrou retrógrada, ao introduzir a exigência de
previsão contratual para que seja possível a expulsão de sócio. Na mesma linha,
Fonseca pondera que:
[...] revelando-se pacífica a impossibilidade de exclusão de sócio, por meio de simples deliberação dos demais – ainda que formadores da maioria –, o simples fato de constar do contrato social cláusula que condicione a exclusão à verificação de justa causa não é o bastante para que o sócio possa vir a ser alijado da sociedade. Isso porque, malgrado a expressa previsão contratual, se não houver motivo suficiente a justificar o ato expulsório, este, com certeza, deixará de prevalecer diante da eventual irresignação externada, perante o Poder Judiciário, pelo excluído. (FONSECA, 2003, p. 56).
A justa causa é importante não só para determinar o afastamento compulsório
do sócio que praticou tal ato, mas também para que a sociedade cobre daquele, os
eventuais prejuízos que verificou, de ordem material ou moral. Pimenta aponta que:
No primeiro caso, incluem-se hipóteses como possíveis negócios acaso incompletos em virtude de atitudes do membro inadimplente com seus deveres, enquanto a eventual indenização por dano moral é exigível sempre que o sócio excluído tenha provocado, por ação ou omissão, danos à imagem dos demais consortes ou da sociedade. (PIMENTA, 2004, p. 107).
Portanto, para que ocorra a expulsão, basta incorrer o sócio em falta grave,
visto que se não houver esta, que é o motivo que ampara seu afastamento
compulsório, a previsão contratual será irrelevante.
Superada a questão da expulsão sem que haja cláusula contratual que a
permita, outra hipótese trazida por Lucena (2003) é a de inclusão no contrato social
de cláusula que proíba a exclusão de sócio. Para o autor:
[...] é também completamente desaconselhada a inserção no contrato social da cláusula vedadora da exclusão, porquanto não é de elucubração acadêmica, mas de freqüente ocorrência, a eclosão de causa que, embora não imputável culposamente ao sócio, o transforma em um peso inerte a travar o exercício da atividade empresarial e, de conseguinte, a justificar a sua extirpação do corpo social. (LUCENA, 2003, p. 728).
Convém lembrar, como dito anteriormente, que o procedimento poderá ser
judicial, quando houver iniciativa da maioria dos demais sócios, nos casos do artigo
1.030 do Código Civil (ANGHER, 2006).
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Em todos os casos de afastamento compulsório do sócio, seus efeitos são
verificados a partir da deliberação que a proclame, tratando-se de eficácia imediata.
Desta feita, no momento em que o sócio afastado é comunicado da alteração
realizada por deliberação dos seus consócios, este perde a qualidade de sócio, não
podendo participar de deliberações posteriores, pois não têm mais qualquer relação
com a sociedade. Por outro lado, tais efeitos somente se processam perante
terceiros, a partir do arquivamento da alteração na Junta Comercial, o que confere o
caráter publicista a tal ato. Este é o entendimento de Lucena, para quem:
A partir do momento em que deliberada a exclusão, está roto o vínculo que prendia o sócio à sociedade. Perde ele o status socii, passando à condição de estranho. Por isso, a desnecessidade de assinar qualquer ato, desde a ata da reunião ou assembléia em que deliberada sua exclusão, até os pertinentes à alteração do contrato social e seu arquivamento na Junta Comercial. (LUCENA, 2003, p. 747).
A averbação desta modificação, na Junta Comercial é de grande valia, pois
enquanto não procedida não gera efeitos perante terceiros, podendo o sócio egresso
ser responsabilizado pelas obrigações assumidas pela sociedade. Isto ocorre
também na Argentina, onde para efeitos de responsabilidade “[...] o sócio excluído
continua sendo sócio até o momento que se inscreva no Registro Público do
Comércio seu desligamento da sociedade por efeito da exclusão61.” (ARECHA y
CUERVA, 1976, p.154-155).
Completando as linhas discorridas sobre a forma de processamento do
procedimento de exclusão, esta pode verificar-se na forma extrajudicial ou mediante
apreciação do Poder Judiciário.
Será extrajudicial, no caso do artigo 1.004 (ANGHER, 2006), ou seja, para o
sócio que está em débito com a sociedade. Para tanto, basta que seja feita uma
notificação ao mesmo para quitar o débito em trinta dias. Findo este prazo, sem o
adimplemento, o mesmo incorrerá em mora, que autoriza a maioria dos demais
sócios deliberarem pela ação de indenização, redução da quota ao montante
realizado, ou mesmo a sua exclusão.
Outra possibilidade é a prevista no artigo 1.085 (ANGHER, 2006), em que,
havendo previsão contratual, está autorizada a deliberação para excluir sócio por
61 […] el sócio excluído sigue siendo sócio hasta el momento em que se inscriba em el Registro Público de Comercio su separación por efecto de la exclusión. (ARECHA y CUERVA, 1976, p.154-155).
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justa causa. Neste caso, há que se verificar e apontar atos de inegável gravidade,
que, praticados pelo sócio, coloque em risco a exploração da empresa. Neste caso,
a alteração dependerá de deliberação da maioria dos sócios representantes de mais
da metade do capital social.
Veja-se que a lei não leva em consideração, no caso do artigo 1.004, a figura
do sócio que será banido da sociedade, sendo o quorum para deliberação formado
pela maioria dos demais sócios. Pode parecer estranha a comparação desta norma
com a do artigo 1.085 que prevê como quorum, a maioria dos sócios, que
representem a maioria do capital social, sem utilizar da expressão “demais sócios”,
ou seja, para a formação de tal número, há que se considerar o sócio que será
afastado, bem como suas quotas. (ANGHER, 2006)
Tal comparação resta cristalina, não gerando dúvidas, se analisado o
parágrafo segundo do artigo 1.074 do Código Civil, que prevê que “nenhum sócio,
por si ou na condição de mandatário, pode votar matéria que lhe diga respeito
diretamente”. (ANGHER, 2006)
Fonseca assinala que:
Tendo em vista que a participação do sócio na formação do quorum e o exercício do voto não se confundem, parece que o objetivo da lei, ao não excluir do quorum deliberativo da expulsão o excluendo, quer enquanto sócio, quer enquanto titular de determinado percentual no capital social, foi o de vedar três possibilidades distintas: (a) que o sócio majoritário possa, sozinho, excluir qualquer dos demais sócios; (b) a expulsão de um sócio por outro, em sociedade composta por apenas dois; (c) a exclusão do sócio majoritário. (FONSECA, 2003, p. 57-58).
Continuando, o artigo 1.085 ainda prescreve que para se efetivar a exclusão
deverá ser convocada assembléia com este fim específico, da qual se dará ciência,
em tempo hábil, àquele que se pretende excluir. O Código não estabeleceu qual é
este tempo hábil, mas deve ser aquele previsto para convocação da reunião.
(ANGHER, 2006).
Estes casos de verificação de justa causa que autorizam a exclusão esbarra
na hipótese de a sociedade ser formada por apenas dois sócios, pois o quorum para
deliberar sobre o afastamento é o da maioria dos demais sócios. Neste caso a
exclusão não está impossibilitada, restando ao sócio que verificou a falta do outro
socorrer-se ao Judiciário, conforme Fonseca (2003). Para estes casos Arecha e
Cuerva (1976) destacam que em virtude do princípio da conservação da empresa,
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poderá ocorrer redução do número de sócios para apenas um, sem extinção da
sociedade, desde que recomposta a pluralidade social dentro do prazo estabelecido
pela lei.
A respeito da instituição da cláusula de unanimidade em todas as
deliberações, sob o pretexto de se preservar a empresa, esta pode se revelar num
óbice ao bom desenvolvimento da empresa, principalmente na hipótese de serem
verificados prejuízos decorrentes de atos temerosos de sócio, que terá a certeza de
que seus consócios não poderão deliberar sobre sua exclusão, a não ser que ele
mesmo concorde. Nesse caso, o Judiciário seria a única alternativa para a exclusão
do sócio, e esbarraria no problema da morosidade.
Esta cláusula constitui garantia de permanência na sociedade, ao sócio que
se pretende excluir, contudo esta não é a melhor saída, pois para que o banimento
seja concretizado há que se verificar um justo motivo. Na falta da chamada justa
causa, o sócio injustiçado pode socorrer-se ao Judiciário para provar a inexistência
do motivo apontado, havendo a possibilidade de sua reintegração imediata,
resguardando a possibilidade de ser indenizado por eventuais prejuízos, caso logre
êxito, inclusive tornando nulas as deliberações que venham a ser tomadas, sem a
sua presença, a partir da exclusão até a sentença irrecorrível.
Ademais, a cláusula de unanimidade seria impossível no caso de exclusão,
por ir de encontro à norma citada do art. 1.074 do Código Civil, que proíbe o voto do
sócio em matéria que envolva seu interesse direto. (ANGHER, 2006)
A resolução do vínculo societário, contra a vontade do sócio também é aceita
na forma extrajudicial, dita de pleno direito, no caso de declaração de falência ou
liquidação de quota de sócio por credor particular, na forma do parágrafo único do
artigo 1.030 (ANGHER, 2006).
Referido dispositivo ainda dispõe sobre a forma judicial de expulsão de sócio,
em caso de incapacidade superveniente, ou por falta grave no cumprimento de suas
obrigações, sempre, mediante iniciativa da maioria dos demais sócios.
Agora as situações dos artigos 1.030 e 1.085 (ANGHER, 2006) podem se
confundir, pois a falta grave no cumprimento de suas obrigações, ou mesmo a
incapaciade, previstos no primeiro, podem constituir-se num risco a continuidade da
empresa, e também serem atos de inegável gravidade, estipulados pelo segundo,
como autorizadores da exclusão, e vice-versa. Neste caso qual seria o
procedimento? Extrajudicial ou judicial? Em linhas passadas, destacou-se que
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havendo ou não previsão contratual, se houver risco à empresa, maioria dos sócios,
representativa de mais da metade do capital social, poderá deliberar pelo
afastamento do sócio que está causando prejuízo.
Contudo, Lucena alerta que:
[...] sempre caberá ao Judiciário exercer o controle jurisdicional, seja a priori, seja a posteriori, sobre a justa causa (‘causa justificada’) da exclusão, assim anulando a deliberação que a tenha pronunciado (exclusão extrajudicial), ou julgando improcedente a ação que tenha objetivado decretar (exclusão judicial). (LUCENA, 2003, p. 762).
A hipótese de apreciação da exclusão pelo judiciário ainda é cabível em duas
circunstâncias: para o caso em que os demais sócios pleiteiam o afastamento do
sócio majoritário, simplesmente porque, neste caso, os remanescentes não têm a
maioria do capital social; e no caso da sociedade que é formada por apenas dois
sócios, porque não haverá possibilidade de deliberação pela maioria dos sócios.
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5 APURAÇÃO DE HAVERES DOS SÓCIOS
Para entender a apuração de haveres e diferenciá-la da dissolução total da
sociedade, basta dizer, conforme Coelho (2005), que desta decorrem a liquidação e
a partilha, enquanto à dissolução parcial segue-se a apuração de haveres. Num ou
noutro caso o conteúdo econômico, porém, são iguais, não sendo aceito
divergências.
Acerca dos haveres e sua apuração, são essenciais as palavras de Estrella,
ao esclarecer que:
É da essência do contrato de sociedade que cada um dos sócios contribua com alguma quota, em espécie ou em trabalho, para o fim comum e que, por outra parte, todos tenham um quinhão nas perdas e nos ganhos [...] Nada mais lógico, pois, que em se retirando algum deles, se lhe restitua a parte que lhe possa corresponder. [...] Para determinar, portanto, qual seja este quinhão, é que se instaura o processo de apuração de haveres, cujo objeto não se limita, porém, àquela contribuição, constituinte do capital social nominal. [...] Nessa ordem de considerações, pensamos poder afirmar conceito já alhures externado, segundo o qual entendemos por haveres – o conjunto de valores, composto pela contribuição de capital, pelo quinhão nos fundos e reservas, pela quota-parte nos lucros e, ainda, por quaisquer outros créditos em conta disponível. (ESTRELLA, 1960, p. 180-182).
Em suma, o objeto da apuração de haveres, conforme assinala Estrella
(1960) é a transformação de um direito abstrato que o sócio possui, enquanto ligado
à sociedade, em uma prestação pecuniária exigível, possibilitando, conforme seus
resultados a exigibilidade, por parte do sócio ou de quem o substitua, do crédito
apurado.
Ficou claro, que os objetivos da apuração dos haveres divergem dos da
liquidação, porquanto nesta se busca a solução das pendências obrigacionais da
sociedade, ao passo que, naquela, a função é a de se definir o valor a que o sócio
desvinculado é credor da sociedade, é o que diz Franco (1989).
A única semelhança que há entre os dois institutos é o caráter econômico,
como destaca Coelho:
A sociedade deve apurar os haveres do sócio desvinculado e pagar-lhe - nos prazos contratualmente previstos ou à vista em caso de omissão do contrato -, ou aos seus sucessores, a parte do seu patrimônio líquido que corresponder à proporção da cota liberada em relação ao capital social.
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Neste sentido é que se afirma que, sob o ponto de vista econômico, não há diferença entre a liquidação e a apuração de haveres. Somente assim é que se evita o enriquecimento ilícito do sócio desvinculado ou dos sócios que permanecem na sociedade. (COELHO, 2005, p. 179-180).
Nesse sentido Estrella definiu a apuração de haveres como sendo “o
procedimento tendente a revelar, num momento dado, a situação patrimonial de
sócio, em face da sociedade a que pertença, por motivo de seu desligamento, ou
pela ocorrência de fato que lhe afete os bens.” (ESTRELLA, 1960, p. 208). Assim,
em cada caso concreto deverá ser averiguados os componentes do balanço, bem
como os critérios de avaliação, atendendo-se, antes de tudo, à convenção das
partes, que é lei comum entre os contraentes.
A principal dificuldade, ressalta Aztiria (1953), imposta à determinação do
valor de reembolso, além dos diversos tipos de bens e das possibilidades de
avaliação, está no fato de que, de um lado está o sócio egresso, que aspira
aumentar o montante de seus cabedais, e obter condições favoráveis para receber
seu crédito. De outro lado está a sociedade e os sócios remanescentes, que
almejam amenizar a perda ou redução patrimonial, que a retirada de sócio
normalmente acarreta, e, também, atenuar a forma de seu pagamento.
Na busca pelo resultado almejado pela apuração de haveres, devem ser
observados os procedimentos contábil, que é a determinação da quota, e outro
essencialmente jurídico, que é a liquidação da quota. Para entender as diferenças
existentes entre eles, Estrella esclarece que:
À determinação da quota preside critério puramente técnico-contábil, deduzido de regras teórico-práticas, por meio das quais, e pela constatação objetiva de alterações qualitativas e quantitativas do patrimônio da empresa, se chega a precisar, num dado momento, o valor numérico da quota. [...] A liquidação da quota, pelo contrário, ‘reclama indefectivelmente a idéia de direito, e mostra plenamente a sua essência psicológico-subjetiva: quem estivesse provido dos necessários conhecimentos técnicos, poderia proceder a determinação da quota, ao passo que para a liquidação desta, deve ocorrer a relativa legitimação (passiva). É assim de todo óbvio que aquêle que seja legitimado para a liquidação poderá também proceder à determinação da mesma; mas se porventura esta foi efetuada por outrem, que não os sócios, os quais têm o dever e também o poder de promovê-la, parece necessário que êles a façam sua, aceitando-a como se própria fosse. (ESTRELLA, 1960, p. 137).
O instrumento que possibilita esta determinação é o balanço geral do ativo e
passivo da sociedade, com base no qual será possível determinar, de maneira
aproximada, o estado patrimonial da empresa, e, pois, o valor da quota a
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reembolsar. Contudo existem diversos tipos de balanços, com objetivos diversos,
sendo que isto resulta numa diversidade de resultados. São eles o balanço de
exercício, cessão, liquidação e, balanço de determinação. Isto significa dizer que
conforma à finalidade do balanço, e seu tipo, a um mesmo bem podem ser
atribuídos dois ou mais diferentes preços. “Por exemplo, pode falar-se, em relação à
mesma mercadoria, do preço de compra, do preço de custo em armazém, do preço
de substituição, preço de venda, etc.” (ESTRELLA, 1960, p. 143).
Estrella indica que:
Para o balanço de exercício, de exploração ou gestão, “seu pressuposto lógico é uma empresa em marcha ou funcionamento, a cuja administração (e por igual aos associados) interessa principalmente conhecer o crédito auferido, ao apuramento dos resultados do exercício [...] Já o balanço de cessão, ao revés tem por escopo típico exprimir o valor de troca ou cedência global dos vários elementos patrimoniais, na previsão de possível trespasse, incorporação, etc. [...] O balanço de liquidação, por seu turno, visa à determinação o mais possível aproximada do real valor do patrimônio, na data do balanço, levando em conta a probabilidade de realização do ativo e do que possa produzir para solução do passivo, ensejando ainda eventual repartição de remanescente. [...] Como é a perspectiva de realização (venda) que preside à feitura do balanço de liquidação, deste se excluem certos bens incorpóreos que aderem à empresa e somente têm existência e valimento em função dela. O balanço de determinação, finalmente, qualificativo que Osmida Innocente dá ao que se levanta, para o fim especial de determinar o valor da quota reembolsável ao sócio desligado da sociedade, é, este balanço, pelo pensamento que o inspira e por sua finalidade específica, assaz diverso de todos os outros. (ESTRELLA, 1960, p. 144).
Porquanto na apuração dos haveres busca-se chegar o mais próximo
possível da realidade econômica que representa a quota do sócio que é afastado ou
daquele que sai voluntariamente da sociedade, naquele determinado momento,
torna-se polêmica, dentre outras, a figura do aviamento. Esta criação do Direito
Comercial, que busca expressar a capacidade de regência e aptidão para gerar
lucros que tem, determinada atividade empresarial, conforme Fazzio Júnior (2005),
chegou a ser mal interpretada, por ter sido:
[...] ora assimilada ao god will norte-americano, ora reduzida aos bens imateriais do estabelecimento (marcas, patentes, direito de locação comercial, etc.), ora à clientela, ora ainda ao indefinido e indefinível fundo de comércio. (BULGARELLI, 1999, p. 419).
Para melhor entender este instituto, é necessário saber que o
estabelecimento empresarial:
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[...] é formado por diversos elementos, cada qual com individualidade própria, organizados pela vontade do empresário, que imprime, na organização desses fatores, a sua ciência e criatividade. O grau de eficiência que resulta dessa organização capacita o estabelecimento a produzir lucros o que é o fim almejado pelo empresário, na conjugação do capital e do trabalho. Nesse fator se traduz o aviamento. (CAMPINHO, 2004, p. 341).
Deste modo, este atributo do estabelecimento empresarial, não detém um
valor econômico destacado dos demais elementos, não sendo, propriamente, um
elemento “do estabelecimento empresarial que se possa isoladamente considerar
como os demais que o integram.” (CAMPINHO, 2004, p. 341).
O aviamento não deve ter grande influência na apuração dos haveres, por
não ser um bem, nem físico nem incorpóreo. Para que sejam considerados na
avaliação nos haveres, Barbi Filho aduz que “sempre que for possível uma alienação
separada desses bens imateriais ou incorpóreos, eles podem ser avaliados na
quantificação da parte do sócio retirante.” (BARBI FILHO, 2004, p. 486).
Esse assunto é discutido, porquanto tem conseqüências na avaliação dos
haveres, o que é ponto de controvérsias, haja vista que:
Questão polêmica é a que se refere aos itens que devem compor os haveres que serão pagos ao sócio que se retira, sobretudo o valor dos chamados intangíveis. Embora não haja ainda uma orientação pacífica na jurisprudência, já é possível identificar decisões que determinam a inclusão, nos haveres do sócio, valor referente ao fundo do comércio. (PENTEADO, 2000, p. 158).
O procedimento judicial para apuração e pagamento dos haveres está
previsto no Código de Processo Civil (ANGHER, 2006), que se refere à apuração
dos créditos nos casos de morte ou retirada, sendo que o pagamento será feito de
acordo com o contrato, atendendo à convenção das partes, ou, ainda pelo modo
determinado na sentença. Segundo Lucena (2003), a despeito da omissão legal, tal
preceito alcança a exclusão de sócio.
O artigo 1.03162 do Código Civil prevê o pagamento da quantia em dinheiro e
em noventa dias da liquidação da quota (ANGHER, 2006). Contudo, a teor do
62 Art. 1.031 – […] § 2o A quota liquidada será paga em dinheiro, no prazo de noventa dias, a partir da liquidação, salvo acordo, ou estipulação contratual em contrário. (ANGHER, 2006).
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dispositivo legal, se o contrato social dispuser de modo diverso, tal forma e prazo
não serão obrigatórios, devendo ser cumprido o contrato.
Esta maleabilidade da norma atende ao princípio da preservação da empresa,
permitindo que os sócios estabeleçam regras que possibilitem a continuidade da
empresa – que pode ter seu capital diminuído, caso os demais sócios não transfiram
as quotas do ex-sócio – e o justo e correto pagamento ao excluído do crédito a que
faz juz. Partilha desse entendimento, Lucena, para quem:
E é justamente em razão dessa preocupação em manter a empresa economicamente viável, preventivamente afastando entraves à continuidade de sua normal atividade, que, via de regra, os contratos estabelecem que os haveres sejam pagos em vária prestações, a primeira inclusive tendo início algum tempo após o decesso ou o desligamento do sócio (sessenta, noventa dias), ou seja, a outorga de um prazo para que a sociedade possa, sem traumas, preparar-se ao enfrentamento desse ônus. (Lucena, 2003, p. 976).
Lucena (2003) adverte, contudo, que este parcelamento não é aplicado nos
casos de dissolução parcial em sentido estrito. Isto porque mesmo que se trate de
um único gênero, qual seja a dissolução da sociedade, neste ponto as espécies
recesso, exclusão e a dissolução parcial são distintas, sendo para esta última forma,
as causas são as mesmas que levam à dissolução total, e por isso o pagamento
deve ser feito em uma única parcela e não de outra forma.
Não parece este o posicionamento mais acertado porque vai de encontro com
os princípios da função social e preservação da empresa, que têm sua importância
reconhecida na doutrina e jurisprudência, como exposto anteriormente, podendo
impossibilitar a continuidade da atividade empresarial em virtude do desfalque
financeiro. Se tal posicionamento fosse aceito, beneficiaria o sócio que sai da
sociedade, em detrimento daqueles que desejam manter-se, pelo simples fato de
que, aquele que deseja sair ou se vê na iminência de ser expulso, podem pedir a
dissolução da sociedade, neste caso a parcial, e seus haveres lhe seriam
obrigatoriamente pagos em uma única parcela, independente do prazo previsto no
contrato ser maior. A situação seria ainda pior se tal ação fosse praticada pelo
majoritário.
Independentemente do motivo pelo qual se deu a despedida, mesmo não
havendo divergências entre os sócios, a liquidação da quota deve ocorrer o mais
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breve possível, não devendo ser procrastinada. Estrella completa este raciocínio
dizendo que:
Dessarte, ou a sociedade toma a iniciativa, ou esta emana do próprio ex-sócio, ou de quem legalmente o represente. Ao síndico da massa falida, ao curador do incapaz ou ausente, ao curador da herança jacente, ao inventariante poderá caber a provocação da medida. É até dever de qualquer um destes não retardar a instauração do processo de apuração de haveres, porque alguma mudança sobrevinda no estado econômico da sociedade poderá comprometer o patrimônio do sócio egresso. (ESTRELLA, 1960, p. 200).
Isto porque a responsabilidade do sócio egresso, para com terceiros, credores
da sociedade, subsistirá até a data do arquivamento da alteração contratual de sua
saída no Registro do Comércio. Por conseqüência, poderá ocorrer uma situação em
que tal mora represente um prejuízo efetivo, pelo qual arcará o próprio sócio, ou
quem o represente ou o assista.
Para Bettega (1995) este estudo mostra uma tensão universal entre dois
lados. O primeiro que é o interesse dos que estão em posição vulnerável na
sociedade, e o segundo que é a preocupação em se manter a exploração da
atividade com o menor prejuízo possível, diante das mudanças. O desafio da
legislação seria o equilíbrio entre estes dois fatores.
Lucena (2003) levanta, ainda, uma discussão sobre o valor a ser pago ao
sócio que se despede da sociedade, se este seria aquele previsto no último balanço,
ou se há necessidade de um novo balanço de determinação, em razão de uma
possível diferença de valores entre eles, em razão do momento em que foram feitos.
O mesmo autor descreveu uma possível desvantagem econômica para o ex-sócio, o
que o levaria a pugnar pelo novo balanço. Contudo, se as partes aceitarem o último
balanço patrimonial, evidentemente não há razão para que outro seja feito.
Para Estrella:
[...] se a convenção social mandar que se apure a quota pelos dados do último balanço, estes, embora possam ser reputados inferiores, em função do verdadeiro estado da empresa, nem por isso configuram a hipótese de abuso de direito. É que, [...] ‘o inventário é, por definição, obra comum de todos os sócios’ que têm, por isso mesmo, pleno conhecimento de seus componentes ativos e da estimativa de valor que entendam corresponder-lhes. [...] De enriquecimento sem causa parece se não possa questionar, porquanto da execução da cláusula em estudo não seria fácil comprovar-se a sua efetiva realização. Com efeito, pense-se em que a eventual mais valia da quota social jamais esteve efetivamente incorporada ao patrimônio do
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suposto empobrecido; foi para este, quando muito, mera expectativa. (ESTRELLA, 1960, p. 125-126).
O artigo 1.031 do Código Civil criou uma situação de liberdade para a
estipulação do critério para apuração dos haveres, mas decerto não são permitidas
estipulações que gerem vantagem sem causa para uma parte em detrimento da
outra. E nesse caso, Pimenta alerta que:
É preciso, porém, atentar-se para a possibilidade de utilização abusiva do direito à apuração judicial dos haveres. Para evitar este problema, é de se estabelecer que o sócio que se retira ou é excluído e recebe efetivamente sua parcela no patrimônio social, concedendo a devida quitação, não possa mais reivindicar, com base em inadequação com a realidade do patrimônio social, a reavaliação judicial de tal levantamento contábil. Deveria este sócio, ao menos, ter-se eximido de receber seus haveres, se os considerou insuficientes. (PIMENTA, 2004, p. 127).
Para a verificação do valor adequado, não é necessário argumentar contra
um novo balanço, ou a favor do último balanço patrimonial, porque esta questão
encontra-se superada, haja vista que o STJ há algum tempo entende que:
Na dissolução de sociedade de responsabilidade limitada, a apuração de haveres, no caso de sócio retirante ou pré-morto, ou ainda por motivo da quebra da affectio societatis, há de fazer-se como de dissolução total se tratasse posto que, segundo a jurisprudência do STJ, essa linha de entendimento tem por escopo preservar o quantum devido ao sócio retirante, que deve ser medido com justiça, evitando-se, de outro modo, o locupletamento indevido da sociedade ou sócios remanescentes em detrimento dos retirantes. (BRASIL, 1993).
Ou seja, o valor a ser pago deve refletir a realidade da época em que se
configurou a retirada ou a exclusão, não havendo diferença patrimonial entre estas
causas e a dissolução parcial em sentido estrito, ou mesmo com relação à própria
dissolução total. Da mesma forma que o balanço de determinação resguarda os
direitos do ex-sócio, também o faz com relação à sociedade, porque o último
balanço pode ter refletido uma situação econômica de prosperidade, não mais
existente à época da retirada ou da exclusão, o que geraria uma vantagem indevida
para aquele que saiu.
Lucena (2003) acertadamente adotou o seguinte posicionamento:
Daí a conclusão de que, compaginados todos esses assertos, a cláusula contratual que disponha sobre a apuração e o pagamento dos haveres, há de se conformar, quanto à apuração em Juízo, à regra emanada da Corte
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Excelsa, qual a feitura de balanço de determinação e considerados os valores reais do ativo, enquanto a cláusula, no que diz respeito ao modo de pagamento dos haveres, será cumprida em toda sua inteireza (pagamento único, com prazo para efetivá-lo; divisão do quantum devido em parcelas; o número destas; o período – mensal, bimensal, trimestral, etc.; prazo de vencimento da primeira parcela; etc.). (LUCENA, 2003, p. 982).
Há diferentes formas apontadas para a apuração dos haveres. Uma delas é
pela atualização dos valores do último balanço, o que não deve ser aplicado como
regra absoluta, em virtude das decisões judiciais no sentido de que sejam efetuados
novo balanço, o de determinação, para se chegar ao valor mais próximo daquele
que efetivamente representa a quota do sócio. Sobre esse balanço, Barbi filho
considera que:
[...] o balanço de determinação é o levantado para a finalidade específica de se determinar o valor da quota reembolsável ao sócio desligado. Seu objetivo especial distingue-o dos demais, pela busca da aferição mais real e individualizada possível dos valores de um ativo não-realizado, deles deduzindo-se um passivo não-solucionado. (BARBI FILHO, 2004, p. 483).
O STF já se pronunciou favorável ao parcelamento do pagamento dos
haveres quando previsto no contrato, nos seguintes termos:
Não havendo ofensa a lei de ordem pública nem se vislumbrando hipótese de enriquecimento sem causa, não há razão para negar eficácia a cláusula contratual que estabeleceu devessem os haveres do sócio que se retira serem pagos em parcelas. (BRASIL, 1994).
Assim, deve ser abandonada qualquer distinção que se pretenda fazer entre
os valores e forma de pagamento na dissolução parcial em sentido estrito e retirada
ou, ainda a exclusão de sócio, devendo a cláusula contratual ser aplicada de igual
maneira em todos esses casos. Convém relembrar que o artigo 1.031 do Código
Civil (ANGHER, 2006), já comentado, dispensa tratamento igual para os citados, no
que diz respeito à verificação do valor a ser pago ao sócio que deixou de fazer parte
do quadro social.
Estrella (1960) questiona a utilização, no contrato social, do vocábulo “último
balanço” ou “último balanço aprovado” para direcionar qual será o ponto de partida
para a determinação do valor reembolsável ao sócio. Este posicionamento encontra
apoio de Ascarelli (1969), que destaca a possibilidade de que a sociedade prepare
um balanço que diminua os direitos do sócio por ocasião do reembolso, revelando,
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ainda, que esta possível lesão seria afastada se, ao sócio retirante, for dado o direito
de impugnar o balanço.
Estrella (1960) conclui que o balanço de exercício não atende à finalidade de
apurar corretamente os haveres e nem os outros tipos que se adote para tal fim, pois
sempre haveria imperfeições e deficiências. Para ele, o valor exato da quota
liquidanda somente seria alcançado com a efetiva realização do ativo inventariado.
Para que não haja qualquer possibilidade de litígio entre o ex-sócio, a
sociedade, e os sócios remanescentes, o contrato social deveria expor de maneira
detalhada qual a forma de determinação dos haveres, indicando qual o balanço
aplicável. Desta feita, o pacto seria aplicado em qualquer hipótese e não caberiam
ponderações sobre a quantia pois o risco seria assumido de antemão por todos os
sócios, podendo tanto o sócio retirante levar vantagem, quanto a sociedade,
dependendo do momento financeiro em que está e aquele verificado à época do
balanço indicado pelas partes.
Barbi Filho (2004) levanta a questão da participação nos lucros pelo sócio
despedido da sociedade. Contudo, sendo essa de caráter civil, especificamente de
prestação de serviços, aquele que deixou de fazer parte do quadro social só recebe
de acordo com o balanço de determinação. De modo inverso:
Nas sociedades comerciais, o sócio só deixará de participar dos lucros quando receber integralmente seus haveres. Se o recebimento for parcelado, é correto que haja uma redução proporcional da participação, na medida em que os haveres vão sendo pagos e desfalcam o patrimônio social. Apenas para as sociedades civis, comumente de prestação de serviços, em que os lucros decorrem da efetiva atuação dos sócios, deve prevalecer a já citada regra do art. 1.402, do Código Civil, participando o retirante apenas dos resultados produzidos até o seu afastamento. (BARBI FILHO, 2004, p. 497).
Segundo o mesmo autor, no caso inverso, ou seja, quando a sociedade
verifique prejuízos, estes devem ser compensados no valor que o ex-sócio deve
receber.
Esta não parece a situação mais correta, porque a quantificação deve ser
feita levando-se em conta o momento do afastamento do sócio, além de que,
determinado o valor que a quota representa, há uma estipulação de atualização e
correção da quantia parcelada. Se o ex-sócio não mais participa diretamente da
sociedade, não poderá gozar dos bons negócios feitos pelos sócios remanescentes,
nem ter o dissabor de experimentar seus maus negócios.
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Com o afastamento do sócio, seja voluntário ou compulsório, o mesmo
mantém obrigações com a sociedade e seus credores. Convém lembrar que no caso
de retirada ou exclusão, o artigo 1.03263 do Código Civil (ANGHER, 2006), analisado
anteriormente, imputa ao ex-sócio responsabilidade pelas obrigações sociais
adquiridas após seu desligamento, até a data do registro da alteração contratual de
sua saída, por até dois anos.
O segundo modo de pagamento dos haveres é o convencionado pelas partes.
Por esta hipótese, entende-se aquele entendimento feito por quem deixa o convívio
social e aqueles que permanecem, posteriormente à causa determinante para a
dissolução parcial. Esta hipótese, prevista no parágrafo segundo do artigo 1.031 do
Código Civil, tem cabimento, conforme Lucena (2003) quando omisso o contrato
social. Isto se deve ao simples motivo de que se as partes convencionaram antes da
causa que levou à dissolução parcial, o fizeram no ato constitutivo ou por alteração
do contrato, casos em que as tratativas integram a hipótese de pagamento anterior.
Como terceira forma de pagamento, tem-se aquela determinada na sentença
judicial. Contudo, para que ocorra esta modalidade “é preciso que o contrato social
seja omisso e que as partes nada tenham convencionado a respeito”. (LUCENA,
2003, p. 984). A justificativa é de que se as partes pactuaram o modo de pagamento,
o juiz fica inibido de determinar outro modo.
Numa hipótese mais remota, a sentença poderia fixar os parâmetros caso
fosse comprovado algum ato capaz de viciar tal tratativa, como a coação do sócio
para assinar um acordo.
Contudo, mesmo que haja determinação em sentença, as partes podem,
posteriormente, convencionar outro modo de pagamento, que será homologado pelo
juiz.
Examinadas as formas de apuração dos haveres, é imperioso enfatizar que a
legislação pátria não imputa uma forma específica para o pagamento, sendo que o
mesmo parágrafo segundo do artigo 1.031 do Diploma Civil (ANGHER, 2006) deixa
o modo de pagamento livre, conforme pacto ou contrato social, e, apenas na
ausência destes é que determina que a prestação se efetue na entrega de dinheiro,
como também ocorre na lei italiana, conforme Nunes (2001). O mesmo autor
63 Art. 1.032. A retirada, exclusão ou morte do sócio, não o exime, ou a seus herdeiros, da responsabilidade pelas obrigações sociais anteriores, até dois anos após averbada a resolução da sociedade; nem nos dois primeiros casos, pelas posteriores e em igual prazo, enquanto não se requerer a averbação. (ANGHER, 2006).
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assevera que “o sócio excluído não tem o direito de exigir o pagamento in natura,
apenas pode reclamar a importância em dinheiro correspondente ao valor real de
sua quota.” (NUNES, 2001, p.283).
A forma da prestação não pode ser imposta por uma das partes, pois poderia
haver sério prejuízo para a preservação da empresa, sendo que:
O interesse em garantir a continuidade da empresa social para além da exclusão exige apenas que ao sócio excluído não seja permitido retirar da sociedade, bens que podem ser indispensáveis para a consecução do seu escopo, mas não exige que o sócio receba menos que o valor real do seu quinhão. (NUNES, 2001, p.284-285).
Sendo assim, não pode o ex-sócio, ou seus herdeiros, exigirem nem mesmo a
restituição dos bens que tenham dado como forma de integralização de quotas, pelo
fato de que estes bens são da sociedade, não tendo direitos sobre eles nenhum dos
sócios.
A única coisa que se pode exigir é a escritura pública, no caso de pagamento
realizado com transferência de imóvel, ou, ainda, que o pagamento seja realizado,
após o decurso do seu prazo normal.
Há, porém, o caso dos bens dados para gozo da sociedade. O
posicionamento mais correto, que é adotado por Lucena (2003) e Nunes (2001) é de
que se a sociedade é por prazo determinado, ou se a fruição também o determina, o
sócio não pode cobrar a restituição de tal bem, visto que ele anuiu com tal prazo.
Isso não ocorre se a sociedade for por prazo indeterminado, podendo o sócio
levantar o bem, por não ser obrigado a permanecer vinculado eternamente.
Em qualquer caso, devem ser observadas as estipulações contidas no
contrato social ou em acordo entre os sócios, no que diz respeito à forma de
apuração dos haveres, bem como sobre a forma de seu pagamento. Havendo
omissão contratual, como assinalam Lucena (2003), Barbi Filho (2004) e Fonseca
(2003) deverá ser iniciado um balanço de determinação, que é o mais correto para
indicar o valor a que o sócio egresso tem direito.
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6 CONCLUSÃO
Da mesma forma que vários outros ramos jurídicos, o Direito de Empresa foi
diretamente atingido pela onda socializante inaugurada no Brasil com o processo de
redemocratização e consolidado com a promulgação da Constituição de 1988.
Nesse sentido, a atuação da empresa assumiu cada vez mais uma relevância social,
entendendo-se que sua presença no mercado e até mesmo a continuidade de suas
atividades, deixaram, há muito, de ser assunto de interesse exclusivo dos sócios ou
de seus herdeiros, como preconizava o Estado liberal.
A empresa e suas relações, acompanhando a tendência publicizante das
obrigações e da propriedade responde, hoje, com respaldo na ordem constitucional,
por sua inquestionável função social.
Com base nessas premissas é que essa pesquisa teve a retirada e a
exclusão de sócio na sociedade limitada, como objetos principais de abordagem,
sem, contudo, deixar de estabelecer bases e parâmetros para que tal assunto
pudesse ser abordado.
Assim, inicialmente abordou-se a empresa, o empresário e a sociedade
empresária de forma a demonstrar como a dinâmica das relações comerciais, em
sintonia com as transformações econômicas e sociais, fizeram do Direito de
Empresa um assunto de interesse não só de comerciantes ou empreendedores, mas
que alcança a todas as searas da sociedade, pois é diretamente responsável pela
geração e manutenção de empregos e da arrecadação de tributos, podendo
proporcionar a ruína ou o sucesso de pessoas, governos e estados.
Nessa perspectiva, abordou-se tradicionais institutos do Direito de Empresa,
como a affectio societatis de forma a apresentá-la não apenas como uma afinidade
entre os sócios, mas, sobretudo, do sócio para com a empresa, o que, analisado sob
essa perspectiva, seria decisivo para a abordagem da retirada e exclusão do sócio
nas sociedades limitadas.
Da mesma forma, rediscutiu-se o contrato plurilateral, que, de origem
doutrinária, fundamenta os argumentos de que os sócios não contratam um com o
outro, mas todos entre si, em torno do objetivo comum do contrato, concluindo,
assim, que a ruptura da affectio societatis em desrespeito ao contrato plurilateral é a
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principal causa de se dissolver parcialmente a empresa pela a retirada ou a exclusão
do sócio.
Importantes considerações e conclusões decorreram da análise da sociedade
limitada enquanto forma societária adotada pela lei brasileira. Assim, originada da lei
e não da prática comercial - diferentemente da maioria dos outros tipos societários -,
a sociedade limitada surgiu na Alemanha e apesar de constar do Projeto de Código
Comercial de 1912, só alcançou o Brasil em 1919 com o Decreto no 3.708, que
durante décadas disciplinou o assunto, contando, para não tornar-se obsoleto, com
um rico desenvolvimento jurisprudencial e doutrinário para, somente em 2002, sofrer
significativas alterações com a entrada em vigor do novo Código Civil.
Ainda que inicialmente não fosse aceita a possibilidade de dissolução parcial
da sociedade para a exclusão ou retirada de sócio, hoje, isso não só é admitido,
como também incentivado – em casos de dissídios entre sócios, por exemplo –,
tendo como principal sustentáculo, o princípio da continuidade da empresa. Ou seja,
a dissolução parcial, que decorre da expulsão ou da retirada de sócio, é vista hoje
como a melhor forma de afastar quem prejudica o desenvolvimento normal da
empresa, sem que, com isso, seja necessário o encerramento de suas atividades, o
que causaria danos significativos aos demais sócios, ao Estado e à sociedade.
Tamanha é a importância de se afastar da empresa o sócio que prejudica o
seu desenvolvimento, que, até mesmo não havendo a previsão expressa no contrato
social, o direito brasileiro admite a possibilidade de sua exclusão, o que muito se
assemelha à rescisão contratual por culpa das partes, instituto consagrado no Direito
das Obrigações.
Assim, como sanção ao sócio que violou as regras do contrato plurilateral, a
exclusão leva em conta, sobretudo, o interesse geral e não apenas individual, já que
permite à empresa continuar suas atividades sem o sócio que age de maneira
nociva aos interesses societários, o que pode se dar, com a não integralização das
cotas subscritas (o que permitirá a exclusão compulsória, cumprindo-se o
procedimento previsto em lei), com a penhora ou liquidação por decisão judicial
transitada em julgado da cotas do sócio, pela decretação da falência em decisão
judicial irrecorrível, ou, ainda, nos casos de cometimento de falta grave no
cumprimento das obrigações sociais ou em decorrência da declaração de
incapacidade do sócio, sendo nessas duas últimas possibilidades, imprescindível a
manifestação judicial.
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Se é possível excluir o sócio contra a sua vontade, por certo ao direito
também coube disciplinar a saída voluntária daquele que não mais pretende
continuar na empresa, fundamentando, assim, o instituto da retirada do sócio que,
via de regra dá-se quando houver modificação do contrato, fusão da sociedade,
incorporação de outra, ou dela por outra, conforme disposição do art. 1.077 do
Código Civil brasileiro. Assim, a simples perda da affectio societatis por parte de um
sócio é suficiente para que ele, de maneira irretratável se retire, mesmo sem
necessidade de qualquer justificativa ou anuência por parte dos demais sócios, ou
da sociedade, quando se tratar de sociedade por tempo indeterminado.
Se por um lado busca-se a justiça e o interesse geral, mantendo as atividades
da empresa através de sua dissolução parcial, por outro, o simples afastamento do
sócio, seja por meio da exclusão ou da retirada, sem que tivesse direito de reaver
aquilo com o que contribuiu para a sociedade, ter-se-ia configurado um
locupletamento desarrazoado por parte tanto da empresa quanto dos sócios em
geral.
Dessa forma, visando evitar esse enriquecimento sem causa, a retirada e a
exclusão do sócio trazem consigo a necessária apuração de haveres, instrumento
por meio do qual a sociedade restitui ao sócio, da forma mais próxima da realidade
possível, o montante referente aos valores e ao trabalho por ele investido, o que
deverá dar-se conforme entendimento dos sócios, previsão contratual ou sentença
judicial.
Para tanto, deve-se agir como se tratasse de uma dissolução total, pois só
assim é possível determinar de maneira justa, o quantum a que tem direito o sócio
retirante, conforme posicionamento pacífico na jurisprudência brasileira; o que faz
com que o valor a ser pago leve em consideração a realidade da época em que
acontece a retirada ou exclusão. Por fim, tem-se que a forma do pagamento deve
observar o pactuado entre as partes, além do fato de que a exclusão ou a retirada
não significam para o sócio retirante eximir-se das responsabilidades assumidas
pela sociedade enquanto não registrada a alteração contratual que prevê seu
afastamento, por até dois anos após o registro.
Em um cenário de mazelas sociais e políticas, de miséria e desemprego como
o Brasil de hoje, somente um contínuo processo de conscientização e de mudança
de mentalidade, que dentre vários setores, deve atingir a seara do direito e a postura
dos seus criadores e aplicadores, conclui-se que urge reconhecer na exclusão e
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retirada de sócios uma das maiores evoluções da história do Direito Empresarial
que, abandonando seus pilares liberais e privatísticos, assenta-se nos verdadeiros
anseios sociais no sentido de substituir ambições individualistas em prol dos
interesses maiores que decorrem da continuidade da empresa.
Nessa perspectiva é que procurou-se desvendar as nuances de um instituto
que ainda tem muito a crescer na prática societária brasileira, apresentando uma
contribuição acadêmica suscinta, clara e objetiva, mas que mostra-se comprometida
com a consolidação de um Direito mais humano, justo e social.
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REFERÊNCIAS
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