Retiro Calabriano - JUNHO/2015

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ROTEIRO DE RETIRO ESPIRITUAL PARA O ANO DA VIDA RELIGIOSA CONSAGRADA SEGUNDO TEMA: A VIDA RELIGIOSA NA IGREJA – em busca da radicalidade da vida cristã “Se queres ser perfeito, vai, vende o que possuis e dá aos pobres, e terás um tesouro nos céus. Depois, vem e segue- me!” (Mt 19,21). Proponho como segundo tema para esse itinerário espiritual neste ano de graça que é o ano da vida religiosa consagrada: “A vida religiosa na Igreja – em busca da radicalidade da vida cristã”. Também aqui não nos preocupemos com reflexões elaboradíssimas no quesito da Teologia Sistemática, embora ela possa estar como pano de fundo, mas percorramos um caminho cristológico, sobretudo entendido a partir da dinâmica do seguimento. Aliás, Cristo é o centro de nossa opção de vida; é Ele o tema principal de nosso anúncio e testemunho. Convido-vos a rezar a história, o fundamento e os frutos da vida religiosa para a Igreja. Sempre sob a ótica do chamado e da resposta, do testemunho e do entusiasmo, mas, principalmente da liberdade própria dos consagrados que foram capazes de deixar tudo para seguir o Mestre Jesus como radicalidade da vivência batismal. A Vida Consagrada na e para a Igreja São João Paulo II assim define a vida consagrada: “é um dom de Deus Pai à sua Igreja”; é “um caminho de especial seguimento de Cristo 1 ” e “está colocada mesmo no coração da Igreja como elemento decisivo para sua missão visto que exprime a íntima natureza da vocação cristã”; Pela profissão ‘dos conselhos evangélicos’, os consagrados e consagradas prestam um impulso precioso em ordem a uma maior coerência evangélica cada vez maior” e “tornam o mistério de Cristo perenemente presente na Igreja e no mundo, no tempo e no espaço; convidam “os indivíduos e a própria comunidade eclesial para nunca perderem de vista a vocação suprema, que é estar sempre com o Senhor”; é uma opção de vida que “se exprime na radicalidade do dom de si mesmo” por amor do Senhor Jesus e de toda a humanidade; é fruto do Espírito que faz “convergir todos os dons e carismas para a construção do Corpo de Cristo e para a missão da Igreja no mundo”; a vida consagrada exprime ainda “o caráter unitário do mandamento do amor” a Deus e ao próximo. Poderíamos continuar com uma imensa lista de características e frutos que a Vida Consagrada produz na Igreja e para a humanidade. Mas, creio que esses são ilustrativos para percebermos que, como religiosos consagrados, temos uma missão específica, sobretudo para evidenciar a vida cristã como seguimento de Cristo. Mestre e discípulos 1 PAULO II, João. Vita Consecrata. 1996. (n. 1; 3; 4; 5; 7)

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Retiro elaborado pelo Pe. Osvaldo de Oliveira, PSDP

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ROTEIRO DE RETIRO ESPIRITUAL PARA O ANO DA VIDA RELIGIOSA CONSAGRADA

SEGUNDO TEMA:

A VIDA RELIGIOSA NA IGREJA – em busca da radicalidade da vida cristã

“Se queres ser perfeito, vai, vende o que possuis e dá aos pobres, e terás um tesouro nos céus. Depois, vem e segue-me!” (Mt 19,21).

Proponho como segundo tema para esse itinerário espiritual neste ano de graça que é o ano da vida religiosa consagrada: “A vida religiosa na Igreja – em busca da radicalidade da vida cristã”. Também aqui não nos preocupemos com reflexões elaboradíssimas no quesito da Teologia Sistemática, embora ela possa estar como pano de fundo, mas percorramos um caminho cristológico, sobretudo entendido a partir da dinâmica do seguimento. Aliás, Cristo é o centro de nossa opção de vida; é Ele o tema principal de nosso anúncio e testemunho.

Convido-vos a rezar a história, o fundamento e os frutos da vida religiosa para a Igreja. Sempre sob a ótica do chamado e da resposta, do testemunho e do entusiasmo, mas, principalmente da liberdade própria dos consagrados que foram capazes de deixar tudo para seguir o Mestre Jesus como radicalidade da vivência batismal.

A Vida Consagrada na e para a Igreja São João Paulo II assim define a vida consagrada: “é um dom de Deus Pai à sua

Igreja”; é “um caminho de especial seguimento de Cristo 1” e “está colocada mesmo no coração da Igreja como elemento decisivo para sua missão visto que exprime a íntima natureza da vocação cristã”; Pela profissão ‘dos conselhos evangélicos’, os consagrados e consagradas prestam um impulso precioso em ordem a uma maior coerência evangélica cada vez maior” e “tornam o mistério de Cristo perenemente presente na Igreja e no mundo, no tempo e no espaço; convidam “os indivíduos e a própria comunidade eclesial para nunca perderem de vista a vocação suprema, que é estar sempre com o Senhor”; é uma opção de vida que “se exprime na radicalidade do dom de si mesmo” por amor do Senhor Jesus e de toda a humanidade; é fruto do Espírito que faz “convergir todos os dons e carismas para a construção do Corpo de Cristo e para a missão da Igreja no mundo”; a vida consagrada exprime ainda “o caráter unitário do mandamento do amor” a Deus e ao próximo.

Poderíamos continuar com uma imensa lista de características e frutos que a Vida Consagrada produz na Igreja e para a humanidade. Mas, creio que esses são ilustrativos para percebermos que, como religiosos consagrados, temos uma missão específica, sobretudo para evidenciar a vida cristã como seguimento de Cristo.

Mestre e discípulos 1 PAULO II, João. Vita Consecrata. 1996. (n. 1; 3; 4; 5; 7)

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O tema do seguimento é tradição bíblica e o Antigo Testamento constitui o ambiente originário da noção evangélica do seguimento. Javé chamou Abraão para segui-lo rumo a um país desconhecido (Gn 12,1); escolheu Israel para ser seu povo (Nm 23,9) e seguir os seus caminhos (Dt 13,5). Já no Novo Testamento, João, o Batista, começa sua pregação exortando o povo à conversão e a preparar os caminhos do Senhor (Lc 3,4).

A relação mestre-discípulo já era comum no tempo de Jesus entre os rabinos. Os jovens israelitas escolhiam livre e espontaneamente seu mestre dentre os anciãos, dentre aqueles que tinham qualidades intelectuais e que eram de exemplo moral, pois a função do mestre “não era apenas transmitir e conservar o patrimônio, mas recriá-lo constantemente2”.

O próprio Jesus é reconhecido pelos seus contemporâneos como Mestre (Mc 12,32; Mt 22,36; Lc 10,25; Mt 12,38; Lc 11,45; 20,39) e que possui um grupo de doze discípulos que conviviam com Ele e o seguiam em suas peregrinações (Mc 6,1; Mt 8,23; Lc 22,9). Mas Jesus não é um mestre qualquer. Ele mesmo se denominou como “Caminho que leva ao Pai” (Jo 14,6) e aqui Ele difere dos mestres do seu tempo, sobretudo porque, não é mais o discípulo que escolhe o mestre, mas é este quem chama aqueles. De fato, Jesus afirmara: “Não fostes vós que me escolheste, mas fui eu que vos escolhi...” (Jo 15,16-17).

É Cristo que toma a iniciativa. Assim, o centro do seguimento não é mais o interesse do discípulo em ser instruído na lei, mas na disposição ao chamado e em deixar-se plasmar por Jesus que chama, seguindo seus passos, participando do seu cotidiano e usufruindo de sua intimidade. Afinal, ele chamou seus discípulos “para estar com ele” (Cf. Lc 24, 32; Jo 1, 39).

A Vida Consagrada como radicalidade da vida Cristã Nunca faltaram homens e mulheres, ao longo dos séculos, que, “dóceis ao

apelo do pai e à moção do Espírito, escolheram este caminho de especial seguimento de Cristo, para se dedicarem a ele de coração indiviso (1Cr 7,34). Também eles deixaram tudo, como os Apóstolos, para estar com Cristo e colocar-se, como ele, a serviço de Deus e dos irmãos”3.

Nos dois primeiros séculos, o ideal do cristão era ser como Cristo em tudo. É desejo que se situa a base da vida consagrada. Cristo era o modelo, principalmente no gesto de dar a vida. Ser como Ele era aproximar-se de Deus e da perfeição, pois ele era a “imagem do Deus invisível” (Col 1, 15). Nesta visão baseava-se o ideal do martírio, o desejo de ser como Cristo em tudo, também na hora da doação da própria vida. Quando os Cristãos eram perseguidos, os mártires exprimiam a máxima proximidade com Cristo. Contudo, em tempos de paz, as virgens, os ascetas e os evangelizadores itinerantes passaram a lembrar a importância do radicalismo cristão4.

2 BOMBONATTO, Vera Ivanise. Seguimento de Jesus: uma abordagem segundo a cristologia de Jon

Sobrino. São Paulo: Paulinas, 2002. 3 PAULO II, João. Vita Consecrata. 1996 (n. 1)

4 CABRA, Pier Giordano. Breve curso sobre a vida consagrada: tópicos de teologia e espiritualidade.

Loyola. São Paulo, 2006.

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Por volta do século III, entendia-se que para viver o radicalismo cristão era necessário retirar-se no deserto. Nesse contexto surgem as primeiras formas de vida que deram origem à Vida Religiosa Consagrada. Para os adeptos do monarquismo, por exemplo, o mundo era considerado hostil para a vida Cristã. Contudo, o monarquismo não pode ser considerado superficialmente como uma fuga do mundo, porque procurou renunciar ao mundo para vivenciar de modo mais vital o amor a Deus. Neste sentido entendia-se a “separação do mundo” como o melhor meio para uma mais completa intensidade de amor5. Além do mais, desejava-se reagir à mediocridade de uma vida cristã continuamente tentada pela mundanização, cultivando a pureza do ideal evangélico e preocupando-se seriamente em seguir a Cristo mesmo nas formas mais radicais. Muito tempo depois, Bento XVI expressou uma preocupação semelhante: “a vida consagrada experimenta a insídia da mediocridade, do aburguesamento e da mentalidade consumista”.

Os grandes nomes do monarquismo: Orígenes, Santo Antônio, Pacômio (promotor da vida cenobítica = comunitária), São Basílio, Atanásio, tinham como objetivo tomar ao pé da letra as palavras do Senhor e extrair daí todas as consequências. A palavra: “vai, vende tuto o que tens e dá aos pobres (...) depois vem e segue-me”, por exemplo, levou pessoas a despojar-se de tudo e aventurar-se no deserto. Buscava-se a eliminação de tudo o que podia interferir na escuta perfeita da Palavra praticando para isso uma vida ascética (áskesis = exercício)6.

Encontro com a Palavra (Mt 19, 16-22) “Aí alguém se aproximou dele e disse: ‘Mestre, que farei de bom para ter a vida eterna?’ Respondeu: ‘Por que me perguntas sobre o que é bom? Bom é um só. Mas se queres entrar para a Vida, guarda os mandamentos’. Ele respondeu-lhe: ‘Quais?’ Jesus respondeu: ‘Estes:

não matarás, não adulterarás, não roubarás, não levantarás falso testemunho; honra teu pai e tua mãe, e amarás o teu próximo como a ti mesmo’. Disse-lhe então o moço: ‘Tudo isso tenho guardado. Que me falta ainda?’ Jesus lhe respondeu: ‘Se queres ser perfeito, vai, vende o que possuis e dá aos pobres, e terás um tesouro nos céus. Depois, vem e segue-me’. O moço ouvindo esta palavra, saiu pesaroso, pois era possuidor de muitos bens”. Textos de apoio: - coração indiviso (1Cr 7,34); - Vocação de Abrão (Gn 12, 1-9); - Iniciativa do chamado (jo 15,16-17; - Motivo do chamado: “Para estar com ele” (Lc 24, 13-35; Jo 1,39); - “Eis que deixamos tudo e te seguimos” (Mc 10,29) - Disposição e liberdade para o seguimento (Mt 8,18-22)

5 Idem apud. U. RANKE-HEINEMANN, Monacheismo, in H. Fries, (ED.), Dizionario teológico, Brescia,

Queriniana, 1967, II, 357-367. 6 CABRA, Pier Giordano. Breve curso sobre a vida consagrada: tópicos de teologia e espiritualidade.

Loyola. São Paulo, 2006.

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Contextualizando... A teologia moderna considera o seguimento de Jesus não como um simples

tema, mas como ótica e fundamento para interpretar a Cristologia e a partir daí toda a Teologia. Em outras palavras, para se conhecer Jesus é imprescindível segui-lo7. Pois é por meio do seguimento de Jesus que chegamos ao âmago, à origem, à experiência fundante da nossa fé8.

O Evangelho de Mateus reforça o que é central na vida cristã: Jesus chama pessoas para segui-lo (Mt 4,18-20.21-22;9,9). E o seguimento é uma realidade simbólica que exprime a natureza do relacionamento privilegiado de Jesus com os discípulos e com a multidão. O objetivo do evangelista é mostrar que Jesus é o Cristo por meio da densidade da alteridade de sua vida terrena9. Para testemunhar a fé no Filho de Deus Mateus não escolhe a via da argumentação, mas a da adesão a Cristo vivo. Usa a narrativa da existência terrena de Jesus como caminho para conhecer o Filho de Deus10.

Para refletir: Nos primeiros séculos do cristianismo, o apego aos bens e à

riqueza era considerado como um dos maiores obstáculos para o discipulado perfeito. Não se trata de um estado de vida perfeito ou superior a outros, mas de um modo de ser cristão que se aproxima

do próprio mestre que chama para segui-lo11. A novidade em Jesus mestre é que o que o centro não está no “querer” seguir,

no “querer ser bom” e almejar coisas boas e sim em ter a coragem de segui-lo, deixando tudo. Nós religiosos consagrados não seremos perfeitos por escolhermos um estado de vida, mas permaneceremos no caminho da busca da perfeição pelo testemunho de que é possível deixar tudo para seguir Jesus.

Ressalto três elementos importantes para nossa oração e reflexão enquanto religiosos Pobres Servos da Divina Providência:

1- “Se queres ser perfeito”. Podemos entender o caminho da perfeição em várias etapas. Uma delas, e não a única, é a vivência dos mandamentos, que se resume no amor a Deus e ao próximo (cf.). No caso do Evangelho, o jovem foi incapaz de aceitar o convite de Jesus para a nova etapa da perfeição que é ir além da observância da lei (v. 22).

- Consigo perceber minha vida de consagrado como caminho de santificação, através da intimidade com o Senhor e do serviço aos irmãos?

- Será que por vezes não me apego numa visão errônea de que sou melhor que os outros simplesmente pelo fato de ser consagrado?

7 LIBANIO. João batista em Bombonatto, Vera Ivanise. Seguimento de Jesus: uma abordagem segundo a

cristologia de Jon Sobrino. São Paulo: Paulinas, 2002. 8 BOMBONATTO, Vera Ivanise. Seguimento de Jesus: uma abordagem segundo a cristologia de Jon

Sobrino. São Paulo: Paulinas, 2002. 9 Idem.

10 ZUMSTEIN, J. Mateus, o teólogo, p. 7. Paulus. São Paulo, 1990.

11 BERGANT, Dianne e Robert J. Karris. Comentário Bíblico. Loyola. São Paulo, 1999

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2- “Só te falta uma coisa...”. Pela necessidade de ir além do desejo de ser bom, precisamos como pessoas consagradas ser sinais da alegria do seguimento pelo testemunho de que é possível viver valores transcendentes.

- Ouvindo a Palavra do Senhor que diz: “só te falta uma coisa...” O que te falta ainda para uma vida de entrega maior, de desapego, de liberdade e disponibilidade?

- A que você se encontra apegado que o possa dificultar na resposta generosa? Teria algo que precisaria “vender e dar aos pobres”?

3- “Vem e segue-me!”. O motivo do desapego não é o fato de se desfazer de coisas. O sentido maior do “Vender e dar aos pobres” é por causa do seguimento.

- Como seguir a Jesus do caminho se tenho muitas coisas para me preocupar ou carregar? O peso de minhas mochilas (cheias de bens, de ideias...), pode me prejudicar no itinerário. Como “nômade de Deus12” preciso caminhar com leveza.

Oração:

- O que o texto me faz dizer a Deus? Qual o anseio que brota do meu

coração?

- Reze sem pressa o salmo do seguimento (ou outra oração à escolha)

Abriste caminhos, fazendo caminho. És caminho.

Anunciaste a verdade, vivendo em transparência, és verdade.

Comunicaste a vida, sendo vida de Deus. És vida.

Começaste a caminhar, em ritmo de êxodo, como o teu povo.

Fizeste do teu estilo de vida sinal de contradição.

Chegaste ao coração dos homens como espada.

Fizeste da tua Pessoa apelo claro ao seguimento.

Filho do homem, de pé descalço, caminho após caminho,

Sem alforge, nem duas túnicas de linho;

Sem pedra onde reclinar a cabeça;

Sem dinheiro, nem poder... livre.

Filho do homem, de olhos fixos nos olhos dos homens e mulheres;

Braços abertos ao abraço do oprimido;

Palavra anunciada como luz sobre o telhado.

Tu chamas para que te sigam e pedes para vender tudo e dá-lo por nada.

E exiges perder a vida, perde-la toda:

O teu chamamento é radical.

Tu chamas pelo nome e fazer teu para sempre a pessoa chamada.

Tu chamas porque amaste primeiro e o amor é comunhão.

Tu chamas porque és bom, porque teu coração é festa

E convidas a seguir-te.

5- Contemplação - que novo olhar essa experiência produz em mim?

- retorne a alguma palavra, a algum texto bíblico e coloca-te por inteiro nesse contexto e

saboreia a alegria de ser chamado em primeira pessoa para seguir Jesus.

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SCIADINI, Patrício. Religiosos, nômades de Deus.

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6- O que é essencial registrar?

- Após a experiência de oração tomo consciência de que...

- Estratégias/compromissos para minha vida de comunidade e missão:

- Palavra ou frase inspiradora:.....